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A revolução dos loucos

Olavo de Carvalho

Zero Hora , 24 de março de 2002

Nos anos que precederam a revolução nazista, os sinais da demência em ascensão


foram muito bem captados pelos intelectuais e artistas alemães. Um dos
documentos reveladores da época é o romance “Ulrike” de Jacob Wassermann,
história da mocinha enfeitiçada que, investindo-se da autoridade caprichosa de
uma deusa maligna, se infiltra numa família com o único propósito de desgraçá-
la. O tema do juiz insano, que toma seu rancor arbitrário como manifestação
terrena de uma lei superior, aparece também na obra-prima de Wassermann, a
trilogia “Etzel Andergast”. Etzel é um adolescente sonhador, filho de um
importante magistrado. Um dia, ele descobre que seu pai cometeu um erro
judiciário e decide investigar por conta própria para reparar o erro. Consegue seu
objetivo, destruindo a reputação do pai. Quando o leitor está persuadido de que
Etzel é a encarnação do autêntico espírito de justiça contra a maldade e a loucura
em torno, o herói de repente revela toda a sua própria maldade e loucura, traindo
e humilhando covardemente seu bondoso mestre e protetor, Joseph Kerkhoven:
a “justiça” de Etzel era apenas autolatria sociopática, incapacidade de respeitar
qualquer valor ou autoridade.

Como testemunho dos tempos, o jornalismo não ficou atrás da grande literatura:
numa série de artigos brilhantes, Karl Kraus assinalou, na decadência acelerada
do idioma alemão, a queda de nível da consciência nacional.

Mas o esgueirar soturno das forças demoníacas também foi captado pelo cinema,
especialmente o de Fritz Lang, cuja série “Doutor Mabuse” apresenta o
personagem fantástico do gênio maligno que, recolhido ao manicômio judiciário,
arregimenta os internos para uma revolução dos loucos -- e toma o poder. Em “M
-- o Vampiro de Düsseldorf”, a inversão dos valores já é completa: a polícia,
incapaz de encontrar o assassino estuprador que aterroriza a cidade, é substituída
pelo banditismo organizado, que se arregimenta para liquidar o criminoso avulso
que lhe atrapalha os negócios.

Na raiz da demência em ascensão, estava a politização fanática da vida humana,


no sentido de Carl Schmitt. O grande estudioso, que flertou com o nazismo o
bastante para passar o resto de seus dias num perene “mea culpa”, definia (e
apreciava) a política como aquilo que sobra no fundo da sociedade quando toda
arbitragem racional dos conflitos desaparece e é substituída pelo confronto direto
dos “amigos” com os “inimigos”. Aí o crime, o pecado, a mentira já não são males:
o único mal é praticá-los contra “os amigos”. No fim, os “inimigos” são
suprimidos: resta apenas a tirania dos “amigos”, numa celebração feroz do
unanimismo triunfante.

Nenhuma inteligência, nenhuma virtude, nenhum senso de honra sobrevivem a


isso. Na década que preparou a ascensão do nazismo, tudo se politizou na vida
alemã. Na mesma medida, tudo se prostituiu.

No Brasil, língua, consciência, segurança e moralidade se esfarelam a


olhos vistos, com a mesma rapidez do que se passou na Alemanha.
Tudo se politiza e se prostitui, e os próprios politizadores, agentes da dissolução,
são os primeiros a denunciá-la como obra dos “inimigos”, de modo que todos os
rancores acabem desaguando na esperança insana do unanimismo vingador.

Tudo, nessa atmosfera, lembra a Alemanha pré-nazista. Tudo, exceto uma coisa:
os sinais de consciência disso estão ausentes na literatura, nas artes, no
jornalismo. Não parece haver, entre nossos romancistas, contistas, cineastas e
cronistas um único que, nadando a contracorrente da loucura, seja capaz de captá-
la e descrevê-la. Nossas letras não fazem senão repetir os lugares-comuns do
discurso político “enragé”, engrossando, pela redundância obsessiva e pela
retórica da indignação estereotipada, o caldo fervente da revolução em marcha.

O motivo da diferença é óbvio. A cultura da Alemanha tinha toda uma tradição de


“apolitheia”, toda uma nobre linhagem de escritores e sábios apolíticos que, por
isso mesmo, souberam compreender o horror da politização. Nessa hora, foram
os grandes apolíticos que souberam fazer política superior, aquela política que
serve à inteligência e a moralidade em vez de servir-se delas.

No Brasil, ao contrário, a política, tradicionalmente, domina tudo. Já era assim no


tempo do Império -- nossos escritores eram deputados, ministros, diplomatas -- e
se tornou pior ainda com o advento da influência marxista que, não querendo
“compreender o mundo, mas transformá-lo”, consegue apenas transformá-lo
num inferno incompreensível.

Por isso nossos intelectuais, em vez de dar um testemunho da loucura dos tempos,
não fazem senão alimentá-la com sua própria loucura. Querem um exemplo?

A carta do PCC ao Comando Vermelho, publicada em “O Globo” de 9 de março,


revela que o banditismo organizado assimilou as lições de Marcuse e Hobsbawm
e já tem uma visão de si como força revolucionária, investida de uma missão
histórica transcendente e imbuída de uma noção sublime da própria
superioridade moral perante o Estado e a sociedade. É o espírito de Ulrike
encarnado no Lumpen-proletariado nacional, pronto a transfigurar-se em Dr.
Mabuse.

A intelectualidade esquerdista é moralmente culpada por isso. O mentor do


Comando Vermelho, William Lima da Silva, o “professor”, jamais teria deixado de
ser um obscuro personagem do noticiário local para tornar-se uma liderança
nacional se suas pretensões não tivessem sido legitimadas em 1996 pela festiva
acolhida do seu livro “Um Contra Mil”, glorificação idiota de sua carreira de
crimes, prestigiada por um prefácio do dr. Rubem César Fernandes e pelo
badalado lançamento na sede da ABI, sob as bênçãos centenárias do inatacável
Barbosa Lima Sobrinho. Na época, nenhum dos envolvidos no episódio tinha a
menor dúvida de que o lançamento era um ato político, destinado, se não a
consagrar o banditismo como protesto social, ao menos a solapar a legitimidade
da repressão estatal.

Hoje, ninguém responderá pelas conseqüências hediondas desse ato político. A


intelectualidade não pode nem sequer tomar consciência do estado de coisas,
quando a culpa pela instauração dele lhe incumbe diretamente. Nossos Doutores
Mabuses estão subindo ao poder com a ajuda de milhares de Etzels Andergasts.

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