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Olavo de Carvalho
Como testemunho dos tempos, o jornalismo não ficou atrás da grande literatura:
numa série de artigos brilhantes, Karl Kraus assinalou, na decadência acelerada
do idioma alemão, a queda de nível da consciência nacional.
Mas o esgueirar soturno das forças demoníacas também foi captado pelo cinema,
especialmente o de Fritz Lang, cuja série “Doutor Mabuse” apresenta o
personagem fantástico do gênio maligno que, recolhido ao manicômio judiciário,
arregimenta os internos para uma revolução dos loucos -- e toma o poder. Em “M
-- o Vampiro de Düsseldorf”, a inversão dos valores já é completa: a polícia,
incapaz de encontrar o assassino estuprador que aterroriza a cidade, é substituída
pelo banditismo organizado, que se arregimenta para liquidar o criminoso avulso
que lhe atrapalha os negócios.
Tudo, nessa atmosfera, lembra a Alemanha pré-nazista. Tudo, exceto uma coisa:
os sinais de consciência disso estão ausentes na literatura, nas artes, no
jornalismo. Não parece haver, entre nossos romancistas, contistas, cineastas e
cronistas um único que, nadando a contracorrente da loucura, seja capaz de captá-
la e descrevê-la. Nossas letras não fazem senão repetir os lugares-comuns do
discurso político “enragé”, engrossando, pela redundância obsessiva e pela
retórica da indignação estereotipada, o caldo fervente da revolução em marcha.
Por isso nossos intelectuais, em vez de dar um testemunho da loucura dos tempos,
não fazem senão alimentá-la com sua própria loucura. Querem um exemplo?