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Análise de Estruturas Arqueadas através do Método dos

Elementos Discretos

João Filipe Lourenço Alves

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Civil

Orientador: Professor Doutor António Manuel Candeias de Sousa Gago

Júri

Presidente: Professor Doutor Luís Manuel Coelho Guerreiro

Orientador: Professor Doutor António Manuel Candeias de Sousa Gago

Vogal: Professor Doutor Eduardo Nuno Brito Santos Júlio

Outubro 2015
Aos Meus Pais,

Obrigado por tudo

i
ii
Agradecimentos

O desenvolvimento deste trabalho foi efetuado com o apoio do Sr. Professor António Sousa
Gago, meu orientador, ao qual eu agradeço todo o apoio prestado na realização do mesmo.

Ao Sr. Eng. Vieira de Lemos, investigador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil,


agradeço pela disponibilidade e pelo auxílio prestado na aplicação do Método dos Elementos
Discretos nos programas de cálculo UDEC e 3DEC.

Ao Sr. Eng. Ricardo Ferreira agradeço também o apoio e disponibilidade demonstrada.

Ao Sr. Padre Tiago Miguel Fialho Neto, à DGPC, ao Mestre João Sarrazola Martins e à
empresa Nova Tacula, agradeço o apoio e a disponibilização de informação, sem o qual teria
sido difícil realizar o estudo sobre a Igreja Matriz de Bucelas.

Também não podia deixar de agradecer a todos os meus amigos por toda a ajuda, palavras
de incentivo e motivação.

Dedico este trabalho aos meus pais e irmãos, que sempre me apoiaram em tudo e me
proporcionaram todas as condições para a realização deste projeto.

iii
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RESUMO

A construção em alvenaria é uma das técnicas construtivas mais antigas. A sua resistência,
durabilidade e sustentabilidade, contribuíram para a ampla divulgação deste material e
deram-lhe um lugar importante na história da construção. Existe, portanto, um elevado
número de estruturas de alvenaria, nas quais as estruturas arqueadas assumem um papel
relevante por permitirem vencer grandes vãos utilizando um material com fraca resistência à
tração.

Na presente Dissertação efetuou-se o estudo da segurança estrutural da abóbada da Igreja


Matriz de Bucelas edificada no Séc. XVI, que se encontra fortemente deformada. Para tal,
efetuaram-se análises estáticas e dinâmicas, utilizando-se o Método dos Elementos Discretos
por permitir a modelação do comportamento não linear da alvenaria e por simular o
comportamento estrutural destas estruturas desde o início do carregamento até ao colapso
total.

As últimas inspeções efetuadas à Igreja permitiram obter dados importantes, nomeadamente


a espessura da abóbada e a existência de enchimento no seu extradorso, podendo-se afirmar
que se conseguiu uma boa modelação da estrutura.

Os estudos efetuados indicam que a situação atual é de grande instabilidade, tendo-se


proposto uma solução de reforço da estrutura que aumenta a sua resistência para análises
estáticas e dinâmicas.

Palavras-chave: Alvenaria, Abóbada, Arco, Método dos Elementos Discretos, Análise Estrutural

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ABSTRACT

Masonry is one of the oldest construction techniques. The sustainability, durability and
resistance of this material has contributed towards the widespread use of this composite
material. Therefore, nowadays there is a great number of masonry structures, in which the
arched structures have a significant role, for allowing to overcome spans using a material with
low tensile strength.

Built in the XVI century, the vault of the Igreja Matriz de Bucelas has become very deformed.
Thus this dissertation aims to study the structural safety of the church. In the structure
evaluation, static and dynamic runs using the Discrete Element Method were made. This
technique allows the usage of a non-linear behavior model and can perform the full simulation
of the structures behavior since the load is applied until the structure collapses.

The last inspections done in the church allowed to obtain important data, namely the thickness
of the vault and the existence of filling in its extrados, so one can claim that a good structure
modulation was achieved.

The results showed that in the actual situation, the Church is very unstable. One reinforcement
proposal was analyzed and it increased the global strength of the structure for the static and
dynamic runs.

Keywords: Masonry, Vault, Arch, Discrete Element Method, Structural Analysis

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ÍNDICE GERAL

1. Introdução ......................................................................................................................... 1

1.1. Enquadramento Geral ................................................................................................... 1

1.2. Objetivos ....................................................................................................................... 2

1.3. Estrutura da Dissertação ............................................................................................... 2

2. Análise Estrutural de Arcos............................................................................................... 3

2.1. Introdução ..................................................................................................................... 3

2.2. Métodos Gráficos e Analíticos para Análise de Estruturas de Alvenaria Arqueadas ... 5

2.3 Aplicação de Métodos Numéricos................................................................................ 17

3. Método dos Elementos Discretos ................................................................................... 21

3.1. Generalidades do Método ........................................................................................... 21

3.1.1. Representação do material sólido ........................................................................ 22

3.1.2. Representação dos Contactos e da Interação Entre Blocos ................................ 22

3.1.3. Deteção e Atualização de Contactos.................................................................... 22

3.2. O Programa de Cálculo UDEC ................................................................................... 23

3.2.1. Características Gerais do UDEC .......................................................................... 23

3.2.2. Representação dos Blocos no UDEC................................................................... 24

3.2.3. Representação dos Contactos e Interação Entre Blocos no UDEC .................... 25

3.2.4. Deteção e Atualização dos Contactos no UDEC ................................................. 27

3.2.5. Formulação Numérica........................................................................................... 29

3.2.6. Intervalo de Tempo ............................................................................................... 32

3.3. O Programa de Cálculo 3DEC .................................................................................... 34

3.3.1. Representação dos Blocos no 3DEC ................................................................... 34

3.3.2. Contactos e Interação no 3DEC ........................................................................... 34

3.3.3. Equações de Movimento ...................................................................................... 36

3.4. Exemplos de Aplicação do UDEC e 3DEC a Estruturas de Alvenaria Arqueadas ..... 37

4. Caso de Estudo: Igreja Matriz de Bucelas ...................................................................... 41

ix
4.1. Introdução ................................................................................................................... 41

4.2. Descrição do Edifício .................................................................................................. 43

4.3. História Estrutural do Edifício ...................................................................................... 45

4.4. Identificação e Levantamento dos Danos ................................................................... 47

4.5. Estudos Anteriores ...................................................................................................... 52

4.6. Estudos Realizados no Âmbito do Presente Estudo .................................................. 54

4.6.1. Cálculo da Carga Atuante no Fecho dos Arcos ................................................... 54

4.6.2. Estudo dos Efeitos do Enchimento no Extradorso da Abóbada da Nave Central 55

4.6.3. Estudo da Abóbada Isolada .................................................................................. 57

4.6.4. Estudo do Conjunto Arco – Abóbada ................................................................... 58

4.6.5. Estudo da seção transversal da Igreja – Modelo Plano Completo ....................... 61

4.6.6. Estudo do Modelo Tridimensional Simples .......................................................... 64

4.6.7. Estudo do Modelo Tridimensional Completo ........................................................ 66

4.6.8. Conclusão ............................................................................................................. 68

4.7. Proposta duma Solução de Reforço ........................................................................... 69

4.7.1. Introdução ............................................................................................................. 69

4.7.2. Solução de Reforço .............................................................................................. 69

4.7.3. Modelação Tridimensional da Solução de Reforço Proposta - Análise Estática. 70

4.7.4. Modelação Bidimensional da Solução de Reforço Proposta - Análise Dinâmica 72

4.8.5. Conclusão ............................................................................................................. 73

5. Conclusões e Perspetivas de Desenvolvimentos Futuros ............................................. 75

5.1. Conclusões.................................................................................................................. 75

5.2. Desenvolvimentos Futuros .......................................................................................... 76

6. Bibliografia ...................................................................................................................... 77

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ÍNDICE de FIGURAS

Figura 2.1 - Mecanismos de colapso de arcos de alvenaria propostos por Danyzy em 1732
(Heyman, 1995) ...................................................................................................... 4
Figura 2.2 - Deformações numa estrutura de alvenaria com arco (Huerta, 1999; Ochsendorf,
2002)....................................................................................................................... 4
Figura 2.3 - Regras de dimensionamento da espessura da estrutura de suporte de arcos
(Horta & Carasco, 2002). ........................................................................................ 5
Figura 2.4 - Conceito criado por Leonardo da Vinci para a estabilidade de arcos (Antunes,
2010)....................................................................................................................... 6
Figura 2.5 - Verificação da estabilidade de arcos: proposta de colocação de tirantes de
Leonardo da Vinci (Horta & Carasco, 2002). ......................................................... 6
Figura 2.6 - Traité de Mécanique (1695) (Esq.), Mecanismo tipo Cunha Deslizante (Centro) e
Diagrama de Corpo livre correspondente ao Mecanismo proposto por Philippe de
La Hire (Dta.) (Heyman, 1972). .............................................................................. 7
Figura 2.7 - Metodologia de Couplet para o mecanismo de colapso de um arco circular (Kurrer,
2008)....................................................................................................................... 8
Figura 2.8 - Estudos de Poleni sobre a estabilidade da cúpula da Basilica de S.Pedro: Padrão
da fissuração (Esq.) e arco equivalente (fatias diametralmente opostas) com
sobreposição da catenária invertida (Dta.). ............................................................ 8
Figura 2.9 - Mecanismos limites considerados por Coulomb (Gago,2004). ............................ 9
Figura 2.10 - Linha de pressões e de resistência (Moseley, 1843). ...................................... 10
Figura 2.11 - Linha de resistência "verdadeira" de Moseley correspondente ao impulso mínimo
(Gago, 2004). ....................................................................................................... 11
Figura 2.12 - Método gráfico de determinação da linha de pressões (Méry 1840) (Esq.) e Linha
de pressões tangente aos limites do terço central da seção (fecho e rins) (Brogi,
1955) (Dta.). ......................................................................................................... 11
Figura 2.13 - Teoria elástica aplicada a arcos de alvenaria (Saavedra, 1860). ..................... 12
Figura 2.14 - Sistemas de Winkler para controlar o deslocamento da linha de pressões durante
a fase construtiva (Huerta, 2001). ........................................................................ 12
Figura 2.15 - Indicação do vão a usar num arco com enchimento no extradorso (adaptado de
Ochsendorf, 2002). ............................................................................................... 13
Figura 2.16 - Estado de equilíbrio de um arco fissurado devido ao afastamento dos apoios
(Heyman, 1995). ................................................................................................... 13
Figura 2.17 - Posição da linha de pressões devidas à fissuração de um arco sujeito ao peso
próprio (Heyman, 1995): Limite mínimo (Esq.) e Limite máximo (Dta.). .............. 14

xi
Figura 2.18 - Relação mínima t/R em função do ângulo de abertura (α) de arcos circulares
(Heyman, 1995) (Nota: β corresponde à secção de tangência da linha de
pressões com o perfil do arco)........................................................................... 15
Figura 2.19 - Mecanismo de colapso de arco circular com espessura mínima (Ochsendorf,
2002) .................................................................................................................. 16
Figura 2.20 - Rácio da espessura mínima (t/R) em função do ângulo de abertura (α) de arcos
circulares (adaptado de Ochsendorf, 2002). ..................................................... 16
Figura 2.21 - Aumento de vão máximo de arcos em função do ângulo de abertura e do rácio
entre a espessura e o raio, t/R (adaptado de Oshcendorf, 2002). .................... 17
Figura 2.22 - Modelação descontínua com elementos finitos: Modelação detalhada (a) e
simplificada (b) das juntas entre unidades (Gago, 2004). ................................. 18
Figura 2.23 - Análise de estruturas de alvenaria através do método de elementos finitos:
Modelo de elementos finitos da Igreja de São Jorge dos Latinos (Esq.) e
extensões principais máximas ocorridas durante a acção sísmica (Dta.) (Araújo,
2011). ................................................................................................................. 19
Figura 2.24 - Modelo tridimensional de elementos discretos de uma ponte em alvenaria
(Itasca, 2007). .................................................................................................... 19
Figura 3.1 - Esquema do funcionamento do Método dos Elementos Discretos proposto por
Cundall (Cundall, 1971). .................................................................................... 21
Figura 3.2 - Exemplo da malha triangular gerada dentro dos blocos (Itasca, 2000). ............ 24
Figura 3.3 - Comprimentos de contacto para blocos deformáveis (Itasca, 2000). ................ 26
Figura 3.4 - Arredondamento dos cantos através de um arco circular (Itasca, 2000). .......... 26
Figura 3.5 - Representação do tipo de contacto canto-aresta (Itasca, 2000). ....................... 27
Figura 3.6 - Representação do tipo de contacto canto-canto (Itasca, 2000). ........................ 28
Figura 3.7 - Mudança do tipo de contacto (Lemos, 1997): (a) A é o canto do contacto; (b) B é
o canto do contacto (Itasca, 2000). ................................................................... 29
Figura 3.8 - Ordem de cálculo utilizado na formulação do método dos elementos discretos
(Itasca, 2000). .................................................................................................... 31
Figura 3.9 - Modelo UDEC do Aqueduto das Águas Livres (Sincrain,2001) ......................... 37
Figura 3.10 - Colapso do Arco Central (Sincrain,2001) ......................................................... 38
Figura 3.11 - Sequência do colapso do modelo de elementos discretos do arco (Gago, 2004).
........................................................................................................................... 38
Figura 3.12 - Colapso do modelo da abóbada alentejana com carga concentrada localizada a
1/3 do vão (Santos,2014). .................................................................................. 39
Figura 4.1 - Vistas exteriores da Igreja Matriz de Bucelas (Fotografias de A. S. Gago, 2009)
........................................................................................................................... 41
Figura 4.2 - Vista interior da Igreja Matriz de Bucelas (Fonte: arquivo DGEMN, data incerta).
........................................................................................................................... 42
Figura 4.3 - Deformação da abóbada da nave central e dos seus arcos (Fotografia de A. S.
Gago, 2015). ...................................................................................................... 42

xii
Figura 4.4 - Articulação e escorregamento relativo entre aduelas dum arco (Fotografia de A.
S. Gago, 2015). .................................................................................................... 42
Figura 4.5 - Planta da Igreja Matriz de Bucelas (Gago, 2009) ............................................... 43
Figura 4.6 - Corte transversal da Igreja (Esq.) e vista do extradorso da abóbada (Dta.), onde
é visível a viga de betão armado de apoio da laje de cobertura e um dos seus
apoios sobre a abóbada (Fotografias de A. S. Gago, 2008)................................ 44
Figura 4.7 - Vista da cobertura e da laje de vigotas pré-esforçadas e abobadilhas cerâmicas.
De notar a ausência de armadura em aço na camada de compressão da laje
(Fotografias de A. S. Gago, 2008). ...................................................................... 44
Figura 4.8 - Representação dos contrafortes localizados na parede a sul da Igreja (Fotografias
de A. S. Gago, 2008). ........................................................................................... 44
Figura 4.9 - Reparação do reboco e estuque da abóbada da nave central (Fotografia de A. S.
Gago, 2008). ......................................................................................................... 46
Figura 4.10 - “Grapeamento” de aduelas de um arco de cantaria com elemento metálico e
preenchimento da junta com argamassa cimentícia efetuados nas obras de 1969
(Fotografia de A. S. Gago, 2008) ......................................................................... 46
Figura 4.11 - “Grampeamento” de aduelas dum arco de cantaria com elemento metálico: antes
do restauro (Esq.) (Foto de A. S. Gago 2008) (Esq.) e depois do restauro (Dta.)
(Fotografias de A. S. Gago, 2015). ...................................................................... 47
Figura 4.12 - Planta da Igreja Matriz de Bucelas com representação da abóbada central e
abóbadas laterais e numeração dos arcos de cantaria da abóbabas central (Fonte:
Nova Tácula). ....................................................................................................... 48
Figura 4.13 - Mecanismo de colapso de um arco. ................................................................. 49
Figura 4.14 - Deformação do arco 2 da nave central e dos correspondentes arcos das naves
laterais. ................................................................................................................. 50
Figura 4.15 - Danos no extradorso da abóbada junto do arco 2: fenda longitudinal ao longo da
abóbada (a) e montante de apoio da viga de cumeeira com fissura horizontal (b),
(Fotografias de A. S. Gago, Maio de 2015). ......................................................... 51
Figura 4.16 - Vistas do interior da cobertura onde é visível o enchimento ainda existente junto
das nascenças das abóbadas: troço central (Esq.) e troço lateral (Dta), (Fotografia
de A. S. Gago, Maio de 2015). ............................................................................. 51
Figura 4.17 - Espessura mínima admissível do arco de geometria circular, em função do
ângulo de abertura (adaptado de Antunes, 2010). .............................................. 52
Figura 4.18 - Aumentos de vão admissíveis para uma estrutura arqueada (com um ângulo de
abertura de 2x90°) em função da sua relação espessura-raio médio (Antunes,
2010)..................................................................................................................... 53
Figura 4.19 - Modelos de elementos discretos (UDEC) da abóbada (a) (com 0,60 m de
espessura) isolada e (b) reforçada com o arco de cantaria (com 0,17 m de
espessura) (Gago, 2009)...................................................................................... 53
Figura 4.20 - Modelo de elementos finitos (SAP2000) da cobertura. .................................... 55

xiii
Figura 4.21 - Geometria do modelo utilizado. ........................................................................ 56
Figura 4.22 - Modelos de elementos discretos (UDEC) da abóbada isolada sujeita ao peso
próprio: sem enchimento extradorso (Esq.) e com enchimento extradorso (Dta.).
.............................................................................................................................. 57
Figura 4.23 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da abóbada isolada. Situação de
colapso iminente correspondente ao aumento de vão de 0,32 m. ...................... 57
Figura 4.24 - Aumento de vão máximo de arcos em função do ângulo de abertura e do rácio
entre a espessura e o raio, t/R (adaptado de Oshcendorf, 2002). ....................... 58
Figura 4.25 - Geometria do modelo conjunto arco-abóbada ................................................. 59
Figura 4.26 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da abóbada reforçada com arco de
cantaria. Situação de colapso iminente correspondente a uma carga aplicada no
fecho de 14 kN, e um aumento de vão δ=0,35 m. ............................................... 60
Figura 4.27 - Localização da fissura antes do colapso. ......................................................... 60
Figura 4.28 - Deformada obtida pelo programa de cálculo UDEC. Arco 3 com aumento de vão
de 0,22 m. ............................................................................................................. 61
Figura 4.29 - Comparação da deformada obtida pelo programa de cálculo UDEC com a real.
Arco 3 com aumento de vão de 0,22 m. .............................................................. 61
Figura 4.30 - Deformação da abóbada e dos arcos da nave lateral Norte (Esq.) e pormenor
da articulação no fecho do arco (Dta.). ................................................................ 62
Figura 4.31 - Dois tipos de modelos: Arco único com espessura de 35 cm (Esq.) e conjunto
arco + abóbada com espessura total de 35 cm (Dta.). ........................................ 62
Figura 4.32 - Dimensões da estrutura analisada. .................................................................. 63
Figura 4.33 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da estrutura completa. Situação
imediatamente antes do colapso com a representação da localização das rótulas
plásticas, para uma carga de 91 kN aplicada no fecho do arco central. ............. 64
Figura 4.34 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da estrutura completa. Colapso para
uma carga de 91 kN aplicada no fecho do arco central. ...................................... 64
Figura 4.35 - Geometria do troço da nave central no modelo tridimensional e
respetivas cargas aplicadas: (esq.) vista em corte e (dta.) vista em perspetiva.. 65
Figura 4.36 - Modelo de elementos discretos (3DEC) da abóbada da nave central. Situação
imediatamente antes do seu colapso para uma carga de 190 kN, aplicada no fecho
do arco 2. .............................................................................................................. 65
Figura 4.37 - Geometria da estrutura completa no modelo tridimensional e respetivas cargas
aplicadas: (esq.) vista em corte e (dta.) vista em perspetiva. .............................. 66
Figura 4.38 - Modelo de elementos discretos (3DEC) da estrutura completa. Troço central
imediatamente antes do colapso para uma carga de 117 kN aplicada no fecho do
arco 2. ................................................................................................................... 67
Figura 4.39 - Proposta para a solução de reforço. Modelo de elementos discretos (3DEC). 70
Figura 4.40 - Acelerograma de um movimento sísmico compatível com o sismo regulamentar
do tipo 2 para o município de Loures. .................................................................. 72

xiv
Figura 4.41 - Estrutura não reforçada submetida ao acelerograma aplicado no bloco base –
modo de colapso ao fim de 4,3 s. ........................................................................... 73
Figura 4.42 - Estrutura reforçada submetida ao acelerograma. ............................................ 73
Figura 4.43 - Solução de reforço a estudar ............................................................................ 74

xv
xvi
ÍNDICE de TABELAS

Tabela 2-1 Soluções para a espessura mínima de um arco circular ..................................... 16


Tabela 4-1 Ações distribuídas atuantes na cobertura ............................................................ 54
Tabela 4-2 Propriedades mecânicas da abóbada e do enchimento. ..................................... 56
Tabela 4-3 Propriedades mecânicas das juntas. ................................................................... 56
Tabela 4-4 Propriedades mecânicas da abóbada, arco e enchimento .................................. 59
Tabela 4-5 Comparação dos resultados obtidos pelo modelo plano simples e pelo modelo
tridimensional simples .......................................................................................... 67
Tabela 4-6 Cargas de colapso em função da deformação imposta....................................... 67
Tabela 4-7 Valores de cargas de colapso obtidas pelos diferentes modelos efetuados ....... 69
Tabela 4-8 Propriedades dos elementos do troço central ..................................................... 70
Tabela 4-9 Comparação das cargas de colapso para a estrutura com e sem reforço .......... 71

xvii
xviii
NOTAÇÕES

Minúsculas Latinas

𝑏𝑚á𝑥 Zona comprimida do canto


c Coesão da junta
𝑔𝑖 Componente da aceleração da gravidade
ℎ𝑚𝑖𝑛 Altura mínima do elemento triangular
𝑘𝑖 Rigidez do elemento circundante ao nó i.
kn Rigidez normal do contacto em unidades tensão/comprimento
ks Rigidez tangencial do contacto em unidades tensão/comprimento
𝑙𝑐 Comprimento do contacto
𝑚 Massa do bloco
𝑚𝑛 Massa nodal
t Espessura
𝑢𝑛 Deslocamento relativo dos blocos na direção normal ao contacto
𝑢𝑠 Deslocamento relativo dos blocos na direção tangencial ao contacto
𝑢̇ Componente da velocidade no centróide
𝑢̈ Componente da aceleração no centróide

Maiúsculas Latinas

𝐸𝑆 Módulo de elasticidade do aço


𝐹𝑛 Componente normal da força de interação entre dois blocos
𝐹𝑠 Componente tangencial da força de interação entre dois blocos
𝐺 Módulo de distorção
𝐼 Momento de inércia do bloco
𝐾 Módulo de deformabilidade volumétrica
𝐾𝑛 Rigidez normal do contacto
𝐾𝑚á𝑥 Rigidez máxima de contacto
𝐾𝑠 Rigidez tangencial do contacto
𝑀 Momento total atuante no bloco
𝑀𝑚𝑖𝑛 Massa mínima dos blocos do sistema

xix
Minúsculas Gregas

α Ângulo de abertura das estruturas arqueadas


𝜃 Rotação do bloco no centróide
𝜃̇ Velocidade angular do bloco no centróide
γs Peso específico do material
νs Coeficiente de Poisson
𝜎𝑛 Componente normal da tensão no contacto entre dois blocos
𝜎𝑠 Componente tangencial da tensão no contacto entre dois blocos
Φ Ângulo de atrito da junta
𝜔𝑖 Velocidade angular do elemento i
𝜔̇ 𝑖 Aceleração angular do elemento i

Maiúsculas Gregas

∆ Taxa de variação

Siglas

VV Contacto Vértice-Vértice
EE Contacto Aresta-Aresta
EF Contacto Aresta-Superfície
FF Contacto Superfície-Superfície
UDEC Universal Distinct Element Code
VE Contacto Vértice-Aresta
VF Contacto Vértice-Superfície
VV Contacto Vértice-Vértice
3DEC Three Dimensional Distinct Element Code

xx
1. Introdução

1.1. Enquadramento Geral

A existência de estruturas de alvenaria antiga está difundida por toda a Europa, em centros históricos
e urbanos, em diferentes tipos de estruturas como edifícios, igrejas, torres, pontes, muros, fortes,
muralhas, etc. Ao longo da história é possível notar uma tendência de produção de vãos cada vez
maiores e de espaços cobertos cada vez mais amplos, com um menor grau de obstrução por parte dos
elementos estruturais sendo que o principal desafio consiste na absorção e condução dos esforços até
ao solo. Na busca de resposta a esse desafio, surgem em muitas das estruturas antigas de alvenaria
a introdução do arco estrutural. A importância do arco de alvenaria é especialmente notória na
construção de pontes, pois teve um grande papel na expansão da malha ferroviária europeia, mas
também em outras grandes estruturas como o caso de igrejas ou palácios.

A avaliação da capacidade resistente de arcos de alvenaria apresentava tradicionalmente algumas


dificuldades, o que obrigava a assumir-se hipóteses simplificativas e a limitar o seu campo de aplicação.

Mais recentemente o estudo de estruturas de alvenaria, bem como do arco em alvenaria, ganha
bastante interesse mas agora com um objetivo diferente. Torna-se claro que o uso de novos materiais
estruturais, especialmente o betão e o aço, vieram substituir a alvenaria como elemento estrutural. No
entanto, a preservação do património histórico exige por parte do meio académico e profissional, um
estudo aprofundado sobre esta matéria.

Com o desenvolvimento dos meios informáticos, em especial das capacidades de computação dos
modernos computadores, a análise do funcionamento da alvenaria estrutural, que antes apresentava
bastantes dificuldades e a adoção de hipóteses simplificativas, tornou-se agora mais fácil e eficaz.

Com o presente estudo pretendeu-se, recorrendo ao Método dos Elementos Discretos e a ferramentas
informáticas, avaliar a estabilidade de uma estrutura de alvenaria existente e analisar uma solução de
reforço a aplicar nessa estrutura em estado de instabilidade.

1
1.2. Objetivos

Os objetivos da presente dissertação são resumidos nos seguintes pontos:

1. Compreensão do funcionamento estrutural das estruturas arqueadas em alvenaria, bem como


dos respetivos conceitos e métodos de dimensionamento;
2. Compreensão e validação da aplicabilidade de modelos bidimensionais e tridimensionais de
elementos discretos ao estudo de estruturas arqueadas em alvenaria;
3. Avaliação da estabilidade estrutural da abóbada da Igreja Matriz de Bucelas e apresentação
de uma solução de reforço.

Os objetivos contidos nos pontos 1 e 2 dizem respeito a objetivos pessoais, fundamentais para a
elaboração do presente trabalho, sendo que o objetivo principal está descrito no ponto 3.

1.3. Estrutura da Dissertação

O presente trabalho encontra-se estruturado em cinco capítulos.

No presente Capítulo (Introdução) faz-se uma apresentação geral do assunto do trabalho, explicitando
os objetivos que se pretendem alcançar e a metodologia aplicada com essa finalidade.

No Capítulo 2 realiza-se uma revisão bibliográfica sobre a evolução dos métodos de dimensionamento
e análise de estruturas de alvenaria, mais concretamente estruturas arqueadas, permitindo
compreender os conceitos básicos do funcionamento estrutural desse tipo de estruturas.

No Capítulo 3 aborda-se a formulação teórica do Método dos Elementos Discretos e os seus


fundamentos. Faz-se, também, uma introdução aos programas de cálculo de elementos discretos
UDEC e 3DEC, usados no capítulo seguinte, bem como a explicação das suas rotinas.

No Capítulo 4, aplica-se o Método dos Elementos Discretos, através dos programas de cálculo UDEC
e 3DEC, com o objetivo de avaliar a estabilidade estrutural da cobertura da Igreja Matriz de Bucelas e
apresentação de uma solução de reforço.

Por último, no Capítulo 5 fazem-se as considerações finais acerca do tema desenvolvido nesta
dissertação e apresentam-se as perspetivas de desenvolvimentos futuros.

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2. Análise Estrutural de Arcos

2.1. Introdução

A pedra foi durante vários anos um elemento natural bastante usado na construção, em muito devido
ao aproveitamento das suas capacidades resistentes. O seu elevado grau de resistência à compressão
e ao desgaste permitem que muitas estruturas antigas de alvenaria se encontrem ainda hoje em bom
estado de conservação apesar das ações a que estas estiveram sujeitas ao longo dos anos (peso
próprio, vento e sismos). “A partir do século XI, a Europa cobriu-se de igrejas. Nos lugares de
peregrinação (…) edificaram-se enormes construções de pedra. (…) é patente nestes edifícios a
tradição das grandes construções romanas de granito aparelhado, e os arcos redondos, as abóbadas
e os grande volumes por isso se lhe chama arte românica” (Neves, P.A citado em Gouveia. J, 2000).
Além das igrejas e templos, outras estruturas de alvenaria antigas encontram-se difundidas por toda a
Europa, em centros históricos e urbanos, como é o caso de castelos e muralhas, pontes e aquedutos,
casas e palácios.

Em Portugal, a construção em alvenaria teve sempre uma grande tradição, sendo fundamental o seu
uso no funcionamento estrutural dos edifícios, quer como suporte de cargas verticais, quer como
elementos de contraventamento da construção. Os materiais utilizados eram a pedra natural, os blocos
de tijolo de barro simples ou com misturas e blocos cerâmicos resistentes. A Sé Catedral de Lisboa é
um exemplo digno de referência e é originalmente um edifício em estilo românico do séc. XII e
atualmente uma mistura de vários estilos arquitetónicos. A Sé de Lisboa foi construída em pedra com
uma estrutura imponente amuralhada com torres e ameias apresentando um aspeto defensivo. O seu
interior é constituído por três naves de seis tramos, sendo que a nave central compõe-se por uma série
de arcos românicos que animam as dominantes e pesadas empenas de pedra.

O aspeto mais importante a verificar na segurança de estruturas de alvenaria é a sua geometria, bem
como o conhecimento do seu mecanismo de colapso. A condição de que a alvenaria deve trabalhar à
compressão impõe limitações de geometria. Em 1732, Danyzy fez as primeiras experiencia destinadas
a demonstrar o mecanismo de colapso de arcos de blocos (Figura2.1).

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Figura 2.1 - Mecanismos de colapso de arcos de alvenaria propostos por Danyzy em 1732 (Heyman, 1995)

Além da análise à geometria inicial da estrutura de alvenaria, impõe-se a avaliação da sua capacidade
para o aumento de deslocamentos e para o aumento de cargas. Para pontes de alvenaria e alguns
edifícios de alvenaria, a aplicação de grandes cargas pode causar o seu colapso, mas em geral, para
as estruturas de alvenaria arqueadas o colapso ocorre devido a deslocamentos excessivos dos apoios.

As estruturas de alvenaria tradicionais consistem em arcos que geram impulsos, que são suportados
por pilares. Com o passar do tempo, os pilares sofrem deslocamentos, que causam deformações na
estrutura, podendo causar o seu colapso. A Figura 2.2 representa uma patologia comum neste tipo de
estruturas e resulta dum estudo realizado por Huerta e López em 1997 à igreja de Guimarei em
Espanha. Do lado esquerdo está representada a geometria da igreja no seu estaso inicial e no lado
direito são visíveis contrafortes que foram contruídos posteriormente, numa tentativa de impedir o
aumento dos deslocamentos existentes.

Figura 2.2 - Deformações numa estrutura de alvenaria com arco (Huerta, 1999; Ochsendorf, 2002)

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Conforme referido, o arco de alvenaria foi bastante utilizado como solução estrutural em diversos tipos
de estruturas. Segundo Huerta (1999), as questões essenciais na construção de estruturas de alvenaria
em arco são a forma e espessura do arco (ou abóbada) e qual deve ser a espessura dos apoios e
contrafortes. Desde sempre existiram regras estruturais que os construtores utilizavam para responder
a essas questões. Um texto chamado Dez Livros de Arquitectura elaborado pelo engenheiro militar
Vitrúvio no império romano (séc I a.C) foi dos primeiros a serem efetuados relativo a um tratado de
construção. No entanto, nesse tratado não encontra qualquer referência a regras de dimensionamentos
de arcos ou abóbadas, sendo apenas elaboradas regras de proporção adequadas como garantia de
construção.

2.2. Métodos Gráficos e Analíticos para Análise de Estruturas de Alvenaria


Arqueadas

Com a construção de catedrais góticas de grandes dimensões no início do século XV, surge a
necessidade de criação de uma metodologia de dimensionamento, criando assim uma interligação
entre os diferentes elementos estruturais que já possuíam regras de proporções geométrica. Para as
dimensões interiores era usado um sistema geométrico de linhas e círculos sendo que os elementos
externos eram dimensionados de acordo com regras empíricas. Ainda neste período evidencia-se a
regra geométrica para determinar a largura da estrutura de suporte a arcos publicada por Derand em
Architecture des Voutês (1643) e que se baseia no estudo da estereotomia (Horta & Carasco, 2002).
Na Figura 2.3 a regra de Derand foi aplicada à Catedral de Girona, com o objetivo de determinar a
espessura das estruturas de suporte do arco, em que o ponto E representa o seu limite exterior. Pode-
se concluir que esta regra geométrica impunha espessuras maiores para estruturas de suporte de arcos
circulares do que de arcos ogivais.

Figura 2.3 - Regras de dimensionamento da espessura da estrutura de suporte de arcos (Horta &
Carasco, 2002).

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Os primeiros estudos conhecidos sobre o comportamento mecânico dos arcos foram realizados por
Leonardo da Vinci. Das suas experiências foram elaborados princípios importantes e que só viriam a
ser desenvolvidos mais tarde. Destaca-se o conceito de que “um arco não cairá se a corda exterior não
tocar no seu intradorso” (Figura 2.4) e que viria novamente a ser enunciado por Couplet em 1730.

Figura 2.4 - Conceito criado por Leonardo da Vinci para a estabilidade de arcos (Antunes, 2010).

Leonardo da Vinci realizou ainda estudos importantes no sentido de compreender o impulso horizontal.
No estudo de modelos de arcos com diferentes flechas, é analisado o local onde se deve colocar um
tirante para absorver o impulso horizontal ao nível do arranque (Horta & Carasco, 2002), (Figura 2.5).

Figura 2.5 - Verificação da estabilidade de arcos: proposta de colocação de tirantes de Leonardo da Vinci
(Horta & Carasco, 2002).

O primeiro a considerar a análise da resistência de uma estrutura foi Galileu em 1638 desenvolvendo
condições de mecânica estrutural que viriam substituir as regras de dimensionamento empíricas que
eram usadas.

Em 1676, Robert Hooke preocupado com “a verdade Matemática e Mecânica de todas as formas
possíveis de Arcos para a Construção” publicou o seguinte anagrama: “uma corrente suspensa nas
extremidades (catenária) é flexível, mas torna-se num arco rígido quando invertida” (Heyman, 1995).
Cerca de 20 anos mais tarde, em 1697, David Gregory definiu a expressão matemática para a forma
da corrente metálica de Hooke afirmando ainda que “só a catenária representa a geometria de um arco
ou de uma abóbada verdadeira” e “ quando um qualquer arco se mantem em equilíbrio é porque contem
na sua espessura uma catenária. Os trabalhos de Hooke revelaram-se muito importantes pois, à luz do

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conhecimento atual, verifica-se que a expressão que define uma catenária é também a que define a
linha de pressões de um arco sujeito ao seu peso próprio, conceito que surgiu anos mais tarde.

O cientista francês Philippe de La Hire, foi o primeiro a aplicar o conceito da estática ao equilíbrio de
forças de um arco. La Hire começou os seus trabalhos após uma discussão ocorrida na Academia de
Arquitectura de Paris, em 1962, sobre a validade da regra empírica constante do tratado de Alberti para
o dimensionamento das paredes de templos circulares submetidas aos esforços gerados pela cúpula.
Segundo Alberti, a altura interna de templos circulares, até à base da cúpula, jamais era inferior a
metade do diâmetro do templo, chegando em geral a dois terços dessa medida e, por vezes, três
quartos. Philipe de La Hire abordou o problema do arco de alvenaria em dois trabalhos: a Proposição
15, do Traité de Mécanique de 1695 (Figura 2.6 (Esq.)) e a memória intitulada Sur la construction des
vaûtes dans les édifices (1712). La Hire pressupõe a inexistência de atrito entre aduelas, efeito que só
viria a ser formulado mais tarde. Com os seus trabalhos, concluiu que a ação do peso próprio provocaria
a queda da zona central, que ao escorregar sobre as juntas fraturadas a meia distância entre os
encontros e o fecho do arco, empurraria as estruturas de suporte para o exterior (Figura 2.6 (Dta.)).

Figura 2.6 - Traité de Mécanique (1695) (Esq.), Mecanismo tipo Cunha Deslizante (Centro) e Diagrama de
Corpo livre correspondente ao Mecanismo proposto por Philippe de La Hire (Dta.) (Heyman, 1972).

Em 1730, Pierre Couplet efetuou um trabalho notável na verificação de segurança de um arco, através
de estudos da espessura mínima admissível para o arco circular submetido ao seu peso próprio.
Couplet estudou o arco seguindo as seguintes premissas: a resistência ao escorregamento e
compressão infinitas e não ocorrência de tensões de tração na estrutura. Dos seus estudos afirmou
que o arco iria colapsar através de um mecanismo de 4 corpos rígidos, e sem determinar a localização
das juntas criticas, assumiu que se encontravam a 45º (Figura 2.7). Segundo ele, a relação
espessura/raio é t/R=0,101.

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Figura 2.7 - Metodologia de Couplet para o mecanismo de colapso de um arco circular (Kurrer, 2008).

Em 1748, a fendilhação que se verificava na Cúpula da Basílica de S.Pedro levou o Papa a encomendar
um estudo de verificação de segurança da estrutura ao engenheiro italiano Geovanni Poleni. Esse
trabalho pode ser considerado o primeiro onde a mecânica estrutural foi aplicada a um problema real
usando o estudo proposto por David Gregory, séc. XVII. Nesse trabalho, com base no padrão da
fendilhação existente, Poleni dividiu a cúpula em 50 fatias (lúnulas) e analisou a estabilidade de um
arco semelhante constituído por 2 lúnulas diametralmente oposta. Por sua vez, essas fatias foram
divididas em 16 elementos para estimar as ações atuantes. Uma corrente com esferas de diâmetros
proporcionais aos pesos e cargas de cada elemento foi colocada na forma de catenária invertida e ao
verificar que se situava no interior da seção do arco, Poleni concluiu que a cúpula se encontrava estável
(Figura 2.8). Desta forma foi utilizado o teorema estático da análise limite, que viria a ser enunciado
séculos mais tarde por Heyman.

Figura 2.8 - Estudos de Poleni sobre a estabilidade da cúpula da Basilica de S.Pedro: Padrão da
fissuração (Esq.) e arco equivalente (fatias diametralmente opostas) com sobreposição da catenária
invertida (Dta.).

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Charles August Coulomb (1736-1806) apresentou à Academia Real de Ciências de França um estudo
no qual apresenta a influência do atrito e da coesão em alguns problemas importantes da estática na
construção. Além do seu trabalho conhecido sobre mecânica dos solos, Coulomb fez também ensaios
sobre vigas à flexão, resistência de corte de pilares de alvenaria e por fim equilíbrio de arcos e
abóbadas. No estudo do arco, Coulomb retomou-o quase do zero e no objetivo do seu trabalho
esclarece: “Omitindo-se o atrito e a coesão de juntas, as fórmulas encontradas não podem ser de
nenhuma utilidade na prática, o que foi percebido por todos os matemáticos que se ocuparam do
assunto. Assim, para obter resultados uteis, eles foram obrigados a basear os seus cálculos em
suposições que os aproximassem mais da realidade. Essas suposições consistiam usualmente em
considerar as abóbadas como divididas em diversas partes e investigar, em seguida, as condições de
equilíbrio dessas diferentes partes mas, como essa divisão é feita de forma algo arbitrária, eu procurei
determinar por meios das regras maximis e minimis quais seriam os pontos de rutura verdadeiros num
arco que fosse excessivamente frágil, e os limites das forças que podem ser aplicadas a um arco de
dadas dimensões.” (Coulomb, 1776). Coulomb assumiu que, nos materiais de construção usados na
construção de arcos, o atrito é elevado o suficiente para impedir o deslizamento entre aduelas e, por
isso, o mecanismo de colapso implicava a formação de rótulas. No seu estudo, verificou a existência
de dois mecanismos de colapso possíveis: caso o impulso horizontal P fosse suficientemente alto, o
corpo rígido tem um movimento ascensional por rotação em torno de um ponto no extradorso do arco
e caso o impulso horizontal fosse suficientemente baixo, o corpo rígido cairá por rotação em torno do
ponto intradorso do arco (Figura 2.9). Verificou ainda que a espessura do arco e o valor do impulso não
influenciam a localização da junta crítica (Gago, 2004).

Figura 2.9 - Mecanismos limites considerados por Coulomb (Gago,2004).

O trabalho de Coulomb não foi bem acolhido pelos engenheiros práticos da época, pois não oferecia
regras diretas de dimensionamento de estruturas mas sim um método de cálculo dos limites da força
de impulso, e por isso preferiam as regras empíricas baseadas na teoria de La Hire, permanecendo
assim esquecido durante cerca de 50 anos, até sua redescoberta por Audoy em 1820 (Kurrer, 2008).

Apesar da ideia da existência de uma linha de pressões contida na espessura de um arco ter surgido
no final do séc XVII por Hooke, La Hire e Gregory, a definição precisa e a compreensão da sua relação
com a estabilidade do arco só foi formulada cerca de dois séculos depois. Entre 1830 e 1840 surge

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simultaneamente na Alemanha (Gerstner, 1831), Inglaterra (Moseley, 1833) e França (Méry, 1840) o
conceito de linha de pressões.

Em 1831, o alemão Franz von Gerstner (1756-1832) publicou Handbuch der Mechanik onde formula
três casos de estudo: determinação da linha de pressões para um dado carregamento, determinação
da configuração do carregamento para que a linha de pressões coincida com eixo de centros de
gravidade e determinação da linha de pressões para a configuração de um dado carregamento e eixo
de centros de gravidade. Este último caso de estudo, torna-se o mais importante pois permite a
determinação da linha de pressões para todas as configurações estaticamente possíveis para um arco
em condição de serviço.

Henry Moseley (1802-1872), mostrou no seu livro The mechanical principles of engineering and
architecture (1833) que a linha de pressões e linha de resistência são conceitos diferentes. Moseley
define “Linha de Pressões” como sendo o lugar geométrico das consecutivas interseções das
resultantes das pressões atuantes em cada junta e por sua vez define “Linha de Resistência” como a
envolvente que une os pontos de pressão em cada junta (Figura 2.10).

Figura 2.10 - Linha de pressões e de resistência (Moseley, 1843).

No estudo de um arco de alvenaria, Moseley recorre ao princípio da resistência mínima e considera


que, de todas as configurações possíveis para a linha de resistência, a sua verdadeira localização
corresponde ao impulso mínimo. Tal configuração passa por um ponto intermedio no intradorso do arco
e outro pelo seu extradorso no seu topo (Figura 2.11).

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Figura 2.11 - Linha de resistência "verdadeira" de Moseley correspondente ao impulso mínimo (Gago,
2004).

A abordagem de Edouard Méry é independente de Moseley e menos precisa do ponto vista matemático
mas mais voltada para a aplicação prática. Segundo o próprio autor, o seu método chamado “Método
de Méry” é “um modo de verificar a estabilidade de arcos por meio de uma construção geométrica que
dispensa todo o cálculo” (Méry, 1840). Segundo Méry, a formação do mecanismo de colapso ocorria
quando a linha de pressões passava pelos limites do terço central (Brogi, 1955) nomeadamente no
topo (extradorso) e nos rins (intradorso) verificando-se que a tensão normal às juntas não é superior a
1/10 da resistência à compressão simples do material (Figura 2.12). Para Méry, o ângulo vertical que
definia a junta crítica nos rins do arco era de 30º com a horizontal.

Figura 2.12 - Método gráfico de determinação da linha de pressões (Méry 1840) (Esq.) e Linha de
pressões tangente aos limites do terço central da seção (fecho e rins) (Brogi, 1955) (Dta.).

A análise elástica de arcos de alvenaria foi usada provavelmente pela primeira vez por Poncelet, em
1852, quando sugeriu, na sua revisão critica e histórica da teoria do arco, que um arco de alvenaria
deve ser tratado como uma barra elástica curva (Kurrer, 2008). Na época, a análise elástica de arcos
hiperestáticos já era bastante utilizada no entanto era apenas aplicada a arcos metálicos ou de madeira.
A ideia de usar esta teoria a arcos de alvenaria parecia inviável pois as caraterísticas físicas deste
material como homogeneidade, isotropia e propriedades elásticas não se encontravam bem definidas.

Depois de Poncelet, foi Eduardo Saavedra em 1860 que mais efetuou avanços no uso da análise
elástica a arcos de alvenaria. No seu modelo, toma todo o arco como um único corpo sólido elástico,
podendo-se aplicar as fórmulas de resistência dos materiais relativas à flexão de barras curvas (Figura

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2.13). O arco estará seguro quando o resultado dos cálculos indicar que as juntas estão sujeitas
exclusivamente à compressão em toda a sua extensão. O problema desta abordagem era que envolvia
cálculos bastantes trabalhosos dificultando o seu uso em estruturas reais.

Figura 2.13 - Teoria elástica aplicada a arcos de alvenaria (Saavedra, 1860).

O estudo da análise elástica, aplicada aos arcos de alvenaria, foi realizado em profundidade por Winkler
em 1879, sendo este o principal responsável pela introdução desta matéria a exemplos práticos. No
seu artigo apresentado em 1879 à Sociedade de Arquitetos de Berlin intitulado Lage der Stutzlinie im
Gewolbe (Posição da linha de pressões em arcos de alvenaria), aplicou o princípio do trabalho mínimo
ao arco de alvenaria, e afirmou que a verdadeira linha de pressões é aquela para qual “a soma dos
quadrados dos desvios em relação ao centro de gravidade é mínima”, ou por outras palavras, aquela
que desvia o mínimo possível da linha central do arco. Winkler introduz o conceito de “imperfeições”
que afetavam a posição da linha de pressões, como mudanças de temperaturas ou rebaixamento do
cimbre durante a construção, e para tal sugeriu formas de controlar a posição da linha de pressões
durante a construção de arcos (Huerta, 2001) (Figura 2.14).

Figura 2.14 - Sistemas de Winkler para controlar o deslocamento da linha de pressões durante a fase
construtiva (Huerta, 2001).

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Os engenheiros da época aceitaram a teoria da elasticidade aplicada a estruturas de alvenaria tendo
surgido vários estudos na tentativa de simplificação da metodologia de cálculo e vários ensaios a arcos
de escala real.

Em 1898, Rankine efetuou estudos sobre o efeito do enchimento no extradorso do arco. Apesar de na
época ainda não existirem estudos sobre esse assunto, muitos mestres construtores colocavam esse
enchimento, defendendo que tinha um efeito favorável sobre o arco (Gago, 2004). Rankine viria a
confirmar este fato, defendendo que o vão efetivo deveria ser diminuído para a porção do arco acima
do enchimento (Figura 2.15). Vários anos mais tarde, ensaios em arcos reais confirmaram esse efeito
favorável.

Figura 2.15 - Indicação do vão a usar num arco com enchimento no extradorso (adaptado de Ochsendorf,
2002).

Já no séc. XX, Jacques Heyman, engenheiro civil britânico, iniciou diversos estudos sobre estruturas
de alvenaria tendo-se dedicado a essa matéria até aos dias de hoje. Em 1966 estudou o problema do
uso da análise elástica a arcos de alvenaria e referiu que apesar de ser possível obter uma solução
elástica, esta é muito sensível a pequenas variações das condições fronteira (Horta & Carasco, 2002).
Em 1995, Heyman verificou que no caso de os apoios não serem totalmente rígidos, se o arco não
colapsar deverá acomodar internamente deslocamentos devido a ligeiro aumento do vão (Figura 2.16).
Segundo ele, se um arco for constituído por blocos rígidos, esse aumento de vão apenas é possível
através da sua fissuração (Heyman, 1995).

Figura 2.16 - Estado de equilíbrio de um arco fissurado devido ao afastamento dos apoios (Heyman,
1995).

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Sendo impossível a determinação real da linha de pressões, Heyman estabeleceu duas posições
extremas, que correspondem ao limite máximo e mínimo do impulso horizontal nos arranques. Com a
formação de três rótulas o arco torna-se isostático e por isso equações de equilíbrio são suficientes
para se determinar as reações de apoio bem como os seus esforços internos. A introdução de outra
rótula iria tornar a estrutura num mecanismo e por isso entra em colapso (Figura 2.17).

Figura 2.17 - Posição da linha de pressões devidas à fissuração de um arco sujeito ao peso próprio
(Heyman, 1995): Limite mínimo (Esq.) e Limite máximo (Dta.).

Para o uso da sua teoria de carga limite, Heyman cria três condições necessárias ao material alvenaria,
a qual chamou de Princípios da Análise da Carga Limite das Construções de Alvenaria, e que são: (1)
as aduelas não podem escorregar uma em relação à outra, (2) a resistência à compressão da alvenaria
é infinita e (3) a resistência à tração nula. A primeira condição encontra-se perto da realidade uma vez
que a alvenaria apresenta um coeficiente de atrito suficientemente elevado e por isso o deslizamento
entre aduelas é pouco provável. A condição de resistência à compressão infinita apesar de não-
conservativa, torna-se razoável na medida em que as tensões de compressão em estruturas de
alvenaria apresentam ordem de grandeza inferior à resistência de esmagamento do material. A última
condição despreza a aderência que a argamassa confere ao conjunto e por isso está a favor da
segurança.

Tal como outros tinham estudado, também Heyman se interessou pela espessura mínima de arcos
circulares e abatidos sujeitos ao peso próprio em função do ângulo de abertura. Para um ângulo de
abertura α=90, concluiu que o quociente entre espessura “t” e o raio de abertura “R” é t/R=0.106 (Figura
2.18).

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Figura 2.18 - Relação mínima t/R em função do ângulo de abertura (α) de arcos circulares (Heyman, 1995)
(Nota: β corresponde à secção de tangência da linha de pressões com o perfil do arco).

Da Figura 2.18, repara-se que para valores de ângulo de abertura inferiores a 30º a espessura mínima
admissível aproxima-se de zero e que para valores superiores o declive da curva apresenta um
acréscimo significativo. Ângulos de abertura pequenos podem ser encontrados em arcos com material
de enchimento no seu extradorso suficientemente rígido, que impeça movimentos horizontais nessa
zona, traduzindo-se assim num efeito favorável na capacidade resistente do arco (Gago, 2004).

Através dos seus estudos, Heyman criou o conceito “Factor de Segurança Geométrico” definido como
o quociente entre a espessura real do arco e a espessura mínima admissível para o carregamento
aplicado. Este fator é aplicado na avaliação da estabilidade de um arco ou abóbada e pode ser
resumido nos seguintes passos (Mateus, 2002):
-atribuição de uma espessura arbitrária;
-construção de uma linha de pressões em equilíbrio com o peso próprio e o carregamento previsto;
-redução da espessura do perfil até que a linha de pressões seja tangente ao intradorso (espessura
mínima);
-adoção de uma espessura cerca de duas vezes a espessura mínima (valor recomendado);
-cálculo do novo peso próprio;
-verificação das tensões máximas de compressão.

Heyman estudou ainda o comportamento de um arco submetido à ação do peso próprio e de uma carga
concentrada variável P, tendo concluído que a carga de colapso P é maior para arcos abatidos do que
para arcos circulares, e que para ambos os arcos a posição mais desfavorável da carga encontra-se
entre 1/3 e 1/4 do apoio. Concluiu ainda que quanto maior a intensidade das cargas permanentes maior
será a intensidade da carga de colapso e por isso o carregamento que muitas vezes se colocava no
extradorso de arcos e abóbadas tinham um efeito favorável na resistência dos mesmos.

Mais recentemente, John Ochsendorf no seu trabalho Collapse of Masonry Structures publicado em
2002, estudou o colapso do arco de alvenaria a partir do deslocamento dos seus apoios, e corrigiu

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alguns estudos anteriores como por exemplo a espessura mínima (Figura 2.19) e o afastamento
máximo dos apoios de arcos sujeitos ao peso próprio. Para a espessura mínima de um arco com o
ângulo de abertura de 90º, Ochsendorf chegou ao valor t/R=0.1075 ligeiramente superior a Heyman
(Tabela 2-1 e Figura 2.20).

Figura 2.19 - Mecanismo de colapso de arco circular com espessura mínima (Ochsendorf, 2002)

Tabela 2-1 Soluções para a espessura mínima de um arco circular

ߺ t/R
Couplet (1730) 45 0.101
Heyman (1969) 58.8 0.106
Ochsendorf (2002) 54.8 0.1075

Figura 2.20 - Rácio da espessura mínima (t/R) em função do ângulo de abertura (α) de arcos circulares
(adaptado de Ochsendorf, 2002).

Segundo Ochsendorf, o colapso de um arco para o deslocamento dos seus apoios implica a formação
de 5 rótulas plásticas sendo duas localizadas nos apoios e três na zona superior. O problema torna-se
complexo, uma vez que o aumento do vão pode alterar a localização das três rótulas superiores, que
se deslocam para o topo do arco com o aumento do vão. Desta forma, com o deslocamento dos apoios
vários estados de equilíbrio são possíveis e o arco pode adotar diferentes deformadas. Com esta
conclusão Ochsendorf levanta varias questões:
-um arco deformado pode mover-se em segurança, entre vários estados de equilíbrio, devido a
deformações impostas tais como deslocamento dos apoios ou vibrações de um sismo;

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-a localização das rótulas de um arco pode-se alterar e atinge o topo do arco para o aumento do vão
máximo;
-no caso de deslocamento dos pilares, não é possível obter o modo de colapso exato sem começar por
conhecer um estado de equilíbrio.
Para este problema, Ochsendorf criou uma aplicação em MATLAB que calcula alguns parâmetros
relativos ao mecanismo de colapso de arcos devido ao movimento dos apoios (Figura 2.21).

Figura 2.21 - Aumento de vão máximo de arcos em função do ângulo de abertura e do rácio entre a
espessura e o raio, t/R (adaptado de Oshcendorf, 2002).

2.3 Aplicação de Métodos Numéricos

A simulação numérica de estruturas de alvenaria revela-se uma tarefa complexa devido às


características dos materiais que as constituem. A fraca resistência à tração da alvenaria faz com que
este tipo de estruturas apresente um comportamento altamente não linear.

Existem atualmente vários métodos para a modelação numérica das estruturas de alvenaria,
destacando-se, por serem mais utilizados, o dos elementos finitos com formulações descontínuas (com
elementos de junta de comportamento não linear), o dos elementos finitos com formulações contínuas
(com modelos de fratura distribuída) e o dos elementos discretos (onde as juntas entre elementos são
substituídas por um conjunto discreto de contactos pontuais).

Nos modelos descontínuos de elementos finitos, na modelação da junta entre unidades, isto é, da
argamassa de assentamento e das duas superfícies de adesão argamassa-unidade, podem ser
adotadas diferentes estratégias, em função do grau de refinamento pretendido. Na estratégia mais
refinada, as unidades e as juntas em argamassa são modeladas com elementos finitos contínuos,
sendo as áreas de adesão argamassa-unidade simuladas através de elementos de interface de

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espessura nula (Figura 2.22 (a)). Em modelos de maiores dimensões poderá utilizar-se uma
metodologia simplificada, em que a junta é simulada através de um único elemento de interface de
espessura nula, sendo as unidades modeladas por elementos finitos contínuos (Figura 2.22 (b)). Esta
segunda metodologia apresenta a desvantagem de não simular a deformabilidade lateral da junta
quando comprimida entre as unidades mas permite reduzir o número de elementos que simulam a junta
e, consequentemente, o tempo de cálculo.

Figura 2.22 - Modelação descontínua com elementos finitos: Modelação detalhada (a) e simplificada (b)
das juntas entre unidades (Gago, 2004).

Os modelos contínuos de elementos finitos permitem representar o sólido fendilhado como um meio
contínuo em que o efeito da fendilhação é modelado através da modificação das relações constitutivas
definidas para o material. A utilização destes modelos admite a formação de fendas com localização e
orientação genéricas, preservando ao longo da análise a topologia da malha de elementos finitos
original. Apesar de vantajosos do ponto de vista computacional, estes modelos apresentam várias
dificuldades, designadamente a influência da orientação da malha na direção da propagação da fenda
e problemas de instabilidade numérica.

Os modelos de elementos finitos (Figura 2.23), contínuos ou descontínuos, estão, em geral, associados
a modelos materiais mais sofisticados do que os disponíveis no método dos elementos discretos. No
entanto, a caracterização experimental das alvenarias ainda é deficiente e nem sempre estão
disponíveis valores para todos os parâmetros necessários à definição desses modelos materiais.

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Figura 2.23 - Análise de estruturas de alvenaria através do método de elementos finitos: Modelo de
elementos finitos da Igreja de São Jorge dos Latinos (Esq.) e extensões principais máximas ocorridas
durante a acção sísmica (Dta.) (Araújo, 2011).

O método dos elementos discretos (Figura 2.24) caracteriza-se principalmente por permitir a ocorrência
de deslocamentos e rotações finitas dos corpos discretos e por permitir durante a análise o
reconhecimento de novos contactos e a eliminação de contactos. Este método é particularmente
indicado para a análise de problemas em que uma parcela significativa da deformação do sistema
ocorre pelo movimento relativo entre os blocos discretos que compõem a estrutura. Os corpos discretos
podem ser modelados como rígidos ou deformáveis, sendo a hipótese de corpos rígidos
suficientemente realista em situações em que o nível de deformação dos blocos é baixo quando
comparado com a deformação das juntas.

Figura 2.24 - Modelo tridimensional de elementos discretos de uma ponte em alvenaria (Itasca, 2007).

No presente trabalho optou-se por utilizar o método dos elementos discretos (descrito no Capítulo 3),
pelas vantagens que este apresenta na análise de estruturas de alvenaria face ao método dos
elementos finitos. Em primeiro lugar dispensa uma refinada caracterização mecânica dos materiais e
em segundo lugar, permite deslocamentos e rotações dos corpos discretos, sendo possível analisar a
estrutura desde o seu estado inicial até ao seu colapso.

19
20
3. Método dos Elementos Discretos

Os problemas de engenharia podem ser divididos em dois grupos: os do meio com natureza continua
e os com natureza descontínua. O Método dos Elementos Discretos surge como uma forma de abordar
problemas do segundo grupo ou seja, meios de natureza descontínua, apresentando vantagens em
relação a outros métodos.

3.1. Generalidades do Método

Pode-se considerar que o avanço mais significativo no desenvolvimento do Método dos Elementos
Discretos pertenceu a Cundall e Strack quando sugeriram um modelo numérico capaz de descrever o
comportamento mecânico de um conjunto de discos ou esferas. Atualmente o modelo pode também
ser aplicado a partículas com outras formas geométricas. As primeiras aplicações da formulação de
Cundall em 1977 (Figura 3.1), restringem-se ao estudo de problemas em duas dimensões considerando
os elementos como polígonos rígidos, e mais tarde estendeu-se a problemas tridimensionais com
aplicações na investigação do fluxo de partículas e fendilhação em rochas ou betão.

Figura 3.1 - Esquema do funcionamento do Método dos Elementos Discretos proposto por Cundall
(Cundall, 1971).

A modelação através do método dos elementos discretos é aplicável a estruturas constituídas por
blocos como rochas ou alvenarias, onde a deformação e o modo de colapso dependem do
comportamento das juntas. Os aspetos mais importantes em qualquer programa de elementos
discretos são: a representação do material sólido, a representação dos contactos e da interação entre
blocos e a deteção e atualização de contactos.

21
3.1.1. Representação do material sólido

Num modelo de elementos discretos o material sólido pode ser definido como rígido ou deformável. A
escolha do tipo de material deve ser efetuada tendo em conta o seu comportamento e o tipo de análise
que se pretende. A suposição do material como rígido é apropriada quando a maior parte da
deformação da estrutura se deve ao movimento entre os blocos, como deslizamentos ou rotação,
desprezando o nível de tensão existente nos blocos. Quando a deformabilidade do material influencia
o comportamento mecânico da estrutura, devem ser usados blocos deformáveis. A deformabilidade de
um bloco é introduzida dividindo-o em elementos internos e dessa forma aumentando os graus de
liberdade do mesmo. Desta forma, a exatidão da deformabilidade do bloco depende da forma como o
mesmo é dividido ou seja da sua malha interna.

No caso de um modelo plano, um bloco rígido é representado por um polígono com três graus de
liberdade de translação e um grau de liberdade de rotação. Num modelo tridimensional um bloco rígido,
representado por um poliedro, apresenta seis graus de liberdade, três de translação e três de rotação.
Por sua vez, um bloco deformável depende, como foi dito, da malha de elementos de diferenças finitas
(tetraédricas no caso tridimensional e triangulares no caso bidimensional).

3.1.2. Representação dos Contactos e da Interação Entre Blocos

A representação dos contactos e da interação entre blocos é a componente mais importante para uma
boa aproximação do modelo de elementos discretos. Existem vários tipos de contactos que estão
categorizados, no entanto, a escolha de uma hipótese de contacto deve basear-se nas propriedades
dos materiais do caso de estudo, sendo que dependendo das circunstâncias de análise, o
comportamento do sistema pode ser diferente. A compressão de um bloco sobre o outro é uma força
de contacto que está relacionada com uma constante de rigidez normal.

Na maior parte de modelos de elementos discretos, o contacto entre blocos é representado por
conjuntos de contactos pontuais. Blocos vizinhos podem tocar-se através de um vértice, uma aresta ou
uma superfície. O modelo mais simples de interação mecânica entre blocos consiste em ligar os blocos
através de duas molas: uma para o comportamento normal e outra para o comportamento tangencial.
Cada ponto de contacto é associado a uma linha (modelo bidimensional) ou a uma área (modelo
tridimensional) e as leis do modelo constitutivo são definidas relativamente a tensões e a
deslocamentos do respetivo contacto. No caso de o bloco estar definido como deformável, podem
existir nós da malha interna sobrepostos nas arestas. Nesse caso, são tratados como novos vértices,
fazendo com que a aresta possa ser deformada por uma linha poligonal.

3.1.3. Deteção e Atualização de Contactos

Nos modelos de elementos discretos, o processo de deteção e atualização de contactos é um dos


principais fatores que conduzem ao consumo de tempo durante as simulações e que varia com o
número de blocos e complexidade da estrutura em estudo. A geometria da estrutura é muitas vezes
especificada pela criação de um bloco único, que representa a região física a ser analisada. Após a
criação deste bloco são introduzidos cortes que representam as juntas entre elementos. Os modelos

22
possuem algoritmos próprios de deteção e atualização de contactos, sendo que estes devem ser
eficientes, especialmente em análises dinâmicas. As rotinas para detetar e atualizar os contactos
devem identificar o estado atual, determinar quais os blocos em contacto e definir o tipo de contacto
por intermédio de parâmetros geométricos. Durante a análise, alguns contactos podem desaparecer,
pois alguns blocos afastam-se e novos contactos podem surgir, pois alguns blocos podem aproximar-
se. O tipo de contacto entre os mesmos corpos pode evoluir, como por exemplo de um contacto tipo
canto-aresta para um contacto do tipo canto-canto, ou a direção do contacto pode progressivamente
alterar-se conforme a rotação do bloco.

Para facilitar o cálculo, Cundall em 1988 formulou um algoritmo para deteção de contactos baseado
em dois testes. O primeiro consiste em eliminar os blocos que não tenham a mínima possibilidade de
formar contactos e o segundo em prosseguir a rotina de deteção e atualização de contactos com os
blocos que passaram o 1º teste. No entanto, mesmo com a adoção desse algoritmo, a deteção de
contactos ainda consome muito tempo de computação. Assim, para economizar tempo deve evitar-se
a realização do segundo teste em todos os passos de tempo. Para tal, foi criado um parâmetro de
movimento do bloco que indica a distância deste em relação a outros blocos. Desta forma a deteção
de contactos apenas é efetuada quando esse parâmetro atingir um valor de referência, previamente
especificado. Para evitar perder a formação de contactos entre dois passos de tempo sucessivos, pode
ser definido o conceito de contacto virtual. Durante o processo de deteção de contactos, os contactos
virtuais são criados quando a distância entre blocos exceder um certo limite. Assim que os elementos
se aproximam é efetuado um teste para detetar uma interação física e alguns dos contactos virtuais
podem tornar-se reais. As forças de interação começam a atuar assim que os elementos se tocam. Por
outro lado, assim que se verifica o afastamento entre blocos os contactos que apresentam forças nulas
são eliminados apenas quando o parâmetro excede uma tolerância definida.

3.2. O Programa de Cálculo UDEC

O UDEC (The Universal Distinct Element Code) é um programa numérico de duas dimensões, baseado
no método dos elementos discretos para modelagem descontínua, que simula a resposta da
descontinuidade média sujeita a cargas estáticas ou dinâmicas.

3.2.1. Características Gerais do UDEC

A descontinuidade média é representada como uma “interface” de blocos discretos. As


descontinuidades são tratadas como condições de fronteira. Blocos individuais comportam-se como
materiais rígidos ou deformáveis. Os blocos deformáveis são divididos dentro de uma malha de
elementos de diferenças finitas e cada elemento responde com as prescrições lineares ou não lineares
das leis da tensão-deformação. O movimento relativo através das descontinuidades, que se dão na
direção normal e tangencial, é também governado pela relação linear e não-linear entre tensão e
deslocamento.

23
O UDEC apresenta algumas características importantes que fazem dele um programa adequado para
estudar o comportamento de estruturas de alvenaria, e não só, das quais se enunciam de seguida:

- Possibilidade de escolha de blocos rígidos ou deformáveis;

- Capacidade de simular grandes deslocamentos/rotações de blocos;

- Os contactos entre blocos são atualizados automaticamente à medida que a simulação ocorre, através
de um algoritmo eficiente;

- O problema de travamento entre blocos é superado através do arredondamento automático dos


cantos dos blocos, simulando-se o comportamento real onde os cantos também não são retos;

- O UDEC possui uma linguagem de programação embutida (FISH), que permite ao utilizador definir
novas variáveis e funções, facilitando a criação do modelo.

3.2.2. Representação dos Blocos no UDEC

Os blocos podem ser rígidos ou deformáveis no UDEC. A formulação básica para blocos rígidos foi
proposta por Cundall (1978). Esta formulação representa o meio como um conjunto de blocos discretos
que não mudam sua geometria devido ao carregamento aplicado. Consequentemente, esta formulação
é mais aplicável a problemas nos quais o comportamento do sistema é dominado pelas
descontinuidades e onde as propriedades elásticas do material podem ser ignoradas. Tais condições
resultam em ambientes de baixas tensões onde o material possui resistência elevada e baixa
deformabilidade.

Os blocos deformáveis são internamente discretizados com o método de diferencias finitas triangulares.
O UDEC discretiza a malha automaticamente sendo que o utilizador apenas define o tamanho máximo
da zona desejada. A complexidade da deformação dos blocos depende do número de elementos dentro
dos quais os blocos estão divididos. A Figura 3.2 ilustra a malha triangular gerada no interior dos blocos
para um determinado sistema de descontinuidades.

Figura 3.2 - Exemplo da malha triangular gerada dentro dos blocos (Itasca, 2000).

24
A principal vantagem da utilização de elementos triangulares no UDEC é a facilidade de geração
automática da malha, no entanto existem desvantagens associadas principalmente na qualidade dos
resultados em termos do estado de tensão, quando comparado com elementos de grau superior. De
forma a resolver este problema um gerador de malhas desenvolvido pelo UDEC cria triângulos
diagonalmente opostos e que funciona para a maioria das geometrias de blocos. Tal como demostrado
por Marti e Cundall em 1982, triângulos diagonalmente opostos melhoram a precisão dos cálculos para
um colapso plástico, sendo bastante precisos para elementos de alvenaria. Uma outra forma de
contornar este problema é a utilização de uma malha mais fina quando se pretende obter uma boa
aproximação para o campo de tensões interno dos blocos.

3.2.3. Representação dos Contactos e Interação Entre Blocos no UDEC

No UDEC, uma superfície de contacto é composta por pontos de contactos individuais e uma junta é
numericamente representada por uma superfície de contacto entre as arestas de dois blocos. Blocos
adjacentes podem se tocar quando as suas arestas comuns se encontram ou por pontos singulares
quando um canto de um bloco toca na aresta ou num canto do bloco adjacente.

Quando dois blocos entram em contacto, desenvolve-se uma força entre eles que pode, em termos
práticos, ser dividida numa componente normal e numa componente tangencial. O modelo mais simples
de interação mecânica consiste em supor que os blocos estão ligados por molas elásticas, normais e
tangenciais, ou seja, as forças de interação são proporcionais ao deslocamento relativo entre dois
blocos. A relação força-deslocamento pode ser definida pelas seguintes expressões:

∆𝐹𝑛 = 𝐾𝑛 𝑙𝑐 ∆𝑢𝑛 (1.1)

∆𝐹𝑠 = 𝐾𝑠 𝑙𝑐 ∆𝑢𝑠 (1.2)

onde ∆𝐹𝑛 e ∆𝐹𝑠 são o incremento de força normal e tangencial, respetivamente;

∆𝑢𝑛 e ∆𝑢𝑠 são o incremento de deslocamento normal e tangencial, respetivamente;

𝑙𝑐 é o comprimento do contacto;

𝐾𝑛 e 𝐾𝑠 são a rigidez normal e tangencial de contacto, respetivamente.

Os dois parâmetros de rigidez representam a deformabilidade das juntas e são usados em grande parte
dos Modelos de Elementos Discretos.

Associando os comprimentos aos contactos, as forças são transformadas em tensões e obtêm-se as


seguintes relações tensões-deslocamentos:

𝜎𝑛 = 𝐾𝑛 ∆𝑢𝑛 (1.3)

𝜎𝑠 = 𝐾𝑠 ∆𝑢𝑠 (1.4)

25
Se os blocos são deformáveis (internamente discretizados), pontos de contacto são criados em todos
os pontos da malha localizados na aresta do bloco em contacto e por isso o número de pontos de
contacto é função do tipo de malha interna usada para os blocos. Nesse caso, as mesmas expressões
podem ser usadas com os comprimentos de contacto de cada ponto definidos como metade da
distância entre os dois pontos mais próximos em cada aresta, tal como mostra a Figura 3.3.

Figura 3.3 - Comprimentos de contacto para blocos deformáveis (Itasca, 2000).

Um problema específico relacionado com a disposição de contactos é a resposta irrealista que se pode
obter quando ocorre a interação de dois cantos de blocos opostos e ocorre devido à adoção de um
modelo com cantos agudos em blocos ou com resistência infinita. Na realidade, o esmagamento dos
cantos ocorre quando existe uma concentração de tensões nessa zona. Não sendo possível criar um
modelo onde isto acontece, uma representação realista pode ser realizada por arredondamento do
canto para que o bloco possa deslizar numa superfície lisa, além de uma oposição quando dois cantos
opostos se sobrepõem. No UDEC é possível efetuar arredondamento dos cantos através de um arco
circular. O arco é definido pela distância (dr) do verdadeiro ponto de tangencia com o canto adjacente
e essa distância é atribuída pelo utilizador.

Figura 3.4 - Arredondamento dos cantos através de um arco circular (Itasca, 2000).

26
Os cantos arredondados têm a vantagem de eliminar o problema de sobreposição de cantos e permite
ainda uma transição mais suave entre canto-aresta e canto-canto. O arredondamento só é aplicado à
mecânica de contacto e, desde que pequeno, não tem qualquer influência prática nos resultados.

3.2.4. Deteção e Atualização dos Contactos no UDEC

Uma vez que os modelos de elementos discretos permitem grandes deslocamentos, são necessários
procedimentos a fim de atualizar a estrutura, detetando novos contactos e eliminando outros. A deteção
do contacto pode ser dividida em duas etapas: verificação da possibilidade de dois blocos estarem em
contacto e determinação detalhada das condições de contacto. A identificação de pares de blocos
vizinhos é feita através do mapeamento de células proposto por Cundall (1988) (ver Manual UDEC
(Itasca, 2000)), que não será aqui descrito. Após essa identificação, é efetuada a deteção dos contactos
entre pares de blocos vizinhos que possuam movimento relativo. Por fim, identifica-se quais destes
pares de blocos estão em contacto, aplicando-se um critério baseado numa distância limite entre
blocos. Se a distância entre blocos de um determinado par for maior que esse limite, o par é ignorado
na pesquisa de contactos. Existem dois tipos de contactos elementares definidos no UDEC: contacto
canto-canto e contacto canto-aresta.

Contacto canto-aresta

Na Figura 3.5, encontra-se representado o tipo de contacto canto-aresta entre dois blocos. Ac, Bc e Dc
representam o centro dos arcos circulares de arredondamento dos blocos, enquanto R A, RB e RD são
os raios desses mesmos arcos. O comprimento de arredondamento é definido como d r. O sistema de
eixos tem origem no ponto A, t é o eixo horizontal e n o eixo vertical. A distância do arco circular à
aresta é dada pela seguinte expressão:

𝑢𝑛 = 𝑛𝐷 − 𝑅𝐷 (1.5)

com 𝑢𝑛 negativo no caso de sobreposição de blocos.

Figura 3.5 - Representação do tipo de contacto canto-aresta (Itasca, 2000).

27
O contacto virtual, conceito explicado anteriormente, é criado quando u n atinge um certo limite que em
geral é da mesma ordem de grandeza de dr. Por outro lado, a sobreposição de blocos está limitada
sendo também ele da mesma ordem de grandeza de dr e assim o contacto só é criado quando un atinge
esse limite.

Para que ocorra um contacto do tipo canto-aresta, o ponto DC tem de se situar entre os pontos AC e BC,
segundo as seguintes condições:

𝑡𝐷 > 𝑑𝑟 (1.6)

𝑡𝐷 < 𝑧 − 𝑑𝑟 (1.7)

Contacto canto-canto

O tipo de contacto canto-canto encontra-se representado na Figura 3.6. Ac e Bc representam os centros


dos arcos circulares dos cantos arredondados A e B, respetivamente, enquanto R A e RB representam
os raios desses mesmos arcos. A linha vertical que une os centros dos arcos representa o eixo vertical
(n) do sistema de eixos local (t,n), enquanto a linha perpendicular representa o eixo horizontal (t). A
distância entre os blocos é dada pela seguinte expressão:

𝑢𝑛 = ‖𝐴𝐶 𝐵𝐶 ‖ − 𝑅𝐴 − 𝑅𝐵 (1.8)

Tal como para o caso anterior, deve existir um limite para que um contacto virtual seja criado e um
limite para a sobreposição de blocos. Para o tipo de contacto canto-canto, é ainda necessario que a
linha que define o vector normal intersecte ambos os arcos circulares de arredondamento. Se tal não
acontecer, um contacto do tipo canto aresta pode ser criado. Para que um contacto do tipo canto-canto
ocorra, as espressões (1.6) e (1.7) enunciadas anteriormente, não podem ser satisfeitas.

Figura 3.6 - Representação do tipo de contacto canto-canto (Itasca, 2000).

28
Durante uma análise, a localização dos contactos e as forças de interação são atualizadas
automaticamente. A mudança do tipo de contacto não deve influenciar o comportamento físico do
sistema. Na Figura 3.7, encontra-se representado o caso de dois blocos que deslizam entre si. Num
certo momento, o contacto entre o vértice A e o bloco inferior desaparece e o vértice B desse mesmo
bloco entra em contacto com o bloco superior. Assim, o tipo de contacto muda de canto-aresta para
aresta-canto. Neste caso, o algoritmo de deteção e atualização de contacto deve identificar esta
ocorrência como a alteração de apenas um contacto. É possível que durante um curto período de
tempo, a transição inclua um contacto do tipo canto-canto.

Figura 3.7 - Mudança do tipo de contacto (Lemos, 1997): (a) A é o canto do contacto; (b) B é o canto do
contacto (Itasca, 2000).

3.2.5. Formulação Numérica

No método dos elementos discretos as forças de contacto e deslocamentos nas interfaces de um


conjunto de blocos são baseadas numa série de cálculos, com as quais se traçam o movimento dos
blocos. Esses movimentos de blocos resultam de perturbações nas interfaces, causadas pela aplicação
de cargas ou forças de corpos externos nos blocos do sistema. O método dos elementos discretos é
baseado no conceito de que o intervalo de tempo é suficientemente pequeno que, durante um simples
passo, não podem propagar-se perturbações entre um bloco e o seu vizinho. Esta correspondência é
na realidade uma velocidade limitada, com restrição do intervalo de tempo aplicada a blocos e
contactos. Para blocos rígidos, esta limitação do intervalo de tempo é definida pela massa do bloco e
a rigidez da interface. Durante os cálculos realizados, são aplicadas a segunda lei de Newton para todo
o bloco e a lei da força-deslocamento em todo o contacto. A segunda lei de Newton trata o movimento
dos blocos e no caso de os blocos serem deformáveis, o movimento é calculado para todos os pontos
da malha de triângulos.

29
Equações de movimento

O movimento de um bloco individual é determinado pela magnitude e direção da resultante de forças e


momentos que atuam no bloco. As seguintes equações de movimento, presentes no manual do UDEC
(Itasca, 2007), descrevem a translação e a rotação dos blocos.

Considerando o movimento de uma massa simples numa só direção, atuando uma força F(t), a segunda
lei de Newton pode ser descrita na seguinte forma:

𝑑𝑢̇ 𝐹(𝑡)
= (1.9)
𝑑𝑡 𝑚

onde:

𝑢̇ = velocidade

𝑡 = tempo

𝑚 = massa.

O método das diferenças centrais para a expressão à esquerda da equação (1.9) em função do tempo
𝑡 pode ser escrito como:

𝑑𝑢̇ 𝑢̇ (𝑡+∆𝑡/2) − 𝑢̇ (𝑡−∆𝑡/2)


= (1.10)
𝑑𝑡 ∆𝑡

Substituindo a equação (1.10) na equação (1.9) tem-se:

𝐹(𝑡)
𝑢̇ (𝑡+∆𝑡/2) = 𝑢̇ (𝑡−∆𝑡/2) + ∆𝑡 (1.11)
𝑚

Como velocidades armazenadas num intervalo de tempo, é possível expressar o deslocamento como:

𝑢(𝑡+∆𝑡) = 𝑢(𝑡) + 𝑢̇ (𝑡+∆𝑡/2) ∆𝑡 (1.12)

Como a força depende do deslocamento, o cálculo força-deslocamento é dado num instante. A Figura
3.8 ilustra o método das diferenças centrais com a sequência de cálculo indicada pelas flechas.

30
Figura 3.8 - Ordem de cálculo utilizado na formulação do método dos elementos discretos (Itasca, 2000).

Para blocos de duas dimensões solicitados por várias forças, tal como a gravidade, a equação da
velocidade torna-se:

∆𝑡 ∆𝑡 ∑ 𝐹𝑖(𝑡)
𝑢̇ 𝑖 (𝑡+ 2 ) = 𝑢̇ 𝑖 (𝑡− 2 ) + ( + 𝑔𝑖 ) ∆𝑡
𝑚

(1.13)

∆𝑡 ∆𝑡 ∑ 𝑀(𝑡)
𝜃̇ (𝑡+ 2 ) = 𝜃̇ (𝑡− 2 ) + ( ) ∆𝑡
𝐼

Onde:

𝜃̇ = velocidade angular do bloco no centróide;

𝐼 = momento de inércia do bloco;

∑ 𝑀 = momento total atuante no bloco;

𝑢̇ 𝑖 = componente da velocidade no centróide;

𝑔𝑖 = componente da aceleração da gravidade.

O índice i, na equação (1.13) e nas seguintes, indica as componentes de coordenadas cartesianas da


estrutura. As velocidades obtidas na equação (1.13) são usadas para determinar a nova localização do
segundo bloco através das seguintes expressões:

∆𝑡
𝑥𝑖 (𝑡+∆𝑡) = 𝑥𝑖 (𝑡) + 𝑢̇ (𝑡+ 2 ) ∆𝑡

(1.14)

∆𝑡
𝜃 (𝑡+∆𝑡) = 𝜃 (𝑡) + 𝜃̇ (𝑡+ 2 ) ∆𝑡

31
Onde:

𝑥 = coordenadas do centróide do bloco;

𝜃 = rotação do bloco no centróide.

Note-se que as rotações não são armazenadas; rotações incrementais são usadas para atualizar a
posição dos vértices do bloco. Em resumo, cada intervalo de tempo produz novas posições do bloco,
o qual gera novas forças de contacto. As velocidades e deslocamentos são determinados por
integração durante incrementos de tempo. O processo é repetido até um estado satisfatório de
equilíbrio ou até uma resultante de rutura contínua.

3.2.6. Intervalo de Tempo

No UDEC, a restrição do intervalo de tempo é aplicada a blocos e contactos. Para blocos rígidos, a
massa do bloco e a rigidez da interface entre blocos define as limitações do intervalo de tempo, e para
blocos deformáveis o tamanho da zona é considerado. O tempo é dimensão de integração das
equações de movimento definidas na série aceleração-velocidade-deslocamento. Os deslocamentos
incrementais calculados em cada interação sofrem dependência direta da magnitude do passo de
tempo adotado para integração de equações. Interações através de várias centenas de intervalos de
tempo podem ser necessárias para alcançar o equilíbrio num conjunto de blocos.

Cundall (1971) afirma que, se o intervalo de tempo utilizado na integração das equações de movimento
exceder, em certa proporção, o período natural de oscilação dos blocos do sistema ocorre instabilidade
numérica, invalidando o método de cálculo. Os intervalos de tempo devem portanto ser reduzidos a
uma magnitude equivalente ou inferior ao valor critico para cada bloco do sistema, e assim garantir a
estabilidade numérica da simulação.

Determinação mecânica do intervalo de tempo

No UDEC, o intervalo de tempo requerido para garantir a estabilidade numérica de deformação de


blocos é definido pela seguinte expressão:

𝑚𝑖 1/2
∆𝑡𝑛 = 2𝑚𝑖𝑛 ( ) (1.15)
𝑘𝑖

Onde:

𝑚𝑖 = massa associada do nó i;

𝑘𝑖 = rigidez dos elemento circundante ao nó i.

32
A rigidez 𝑘𝑖 tem em conta a rigidez do bloco intacto e a rigidez das descontinuidades, sendo calculada
como a soma dos dois componentes:

𝑘𝑖 = ∑(𝑘𝑧𝑖 + 𝑘𝑗𝑖 ) (1.16)

O termo 𝑘𝑧𝑖 representa a soma das contribuições da rigidez de todo o elemento conectado com o no i,
e é estimado pela seguinte expressão:

2
8 4 𝑏𝑚á𝑥
𝑘𝑧𝑖 = (𝐾 + 𝐺) (1.17)
3 3 ℎ𝑚𝑖𝑛

Onde:

𝐾 e 𝐺 = módulos de deformabilidade volumétrica e de distorção;

𝑏𝑚á𝑥 = zona comprimida do canto;

ℎ𝑚𝑖𝑛 = altura mínima do elemento triangular.

O termo de rigidez da junta, 𝑘𝑗𝑖 , existe somente para nós localizados no contorno do bloco, sendo dado
como produto da rigidez normal ou rigidez de torção de juntas e a soma dos comprimentos das arestas
dos blocos adjacentes ao nó i.

Para calcular o deslocamento relativo entre blocos, o intervalo de tempo limite é calculado por analogia
para um simples grau de liberdade do sistema, como:

𝑀𝑚𝑖𝑛 1/2
∆𝑡𝑏 = (𝑓𝑟𝑎𝑐) ∗ 2 ∗ ( ) (1.18)
𝐾𝑚á𝑥

Onde:

𝑀𝑚𝑖𝑛 = massa dos blocos do sistema;

𝐾𝑚á𝑥 = máxima rigidez de contacto.

O termo 𝑓𝑟𝑎𝑐 está definido como 0,1, e é usado pois um simples bloco está em contacto com vários
blocos (ver Itasca, 2000).

O intervalo de tempo para análise de elementos discretos é:

∆𝑡 = 𝑚𝑖𝑛(∆𝑡𝑛 , ∆𝑡𝑏 ) (1.19)

33
3.3. O Programa de Cálculo 3DEC

O programa de cálculo estrutural 3DEC (Three Dimensional Distinct Element Code) baseia-se num
modelo tridimensional de elementos discretos e resultou da generalização tridimensional do programa
UDEC usado para análise bidimensional. Muitas estratégias usadas no UDEC foram transpostas para
o modelo em três dimensões e por isso questões como amortecimento do movimento ou estabilidade
numérica não serão de novo explicadas. Tal como o UDEC este é um programa bastante adequado
para modelar estruturas de alvenaria.

3.3.1. Representação dos Blocos no 3DEC

O programa 3DEC permite a utilização de blocos rígidos ou deformáveis. Os blocos rígidos são
representados por poliedros com seis graus de liberdade (três de rotação e três de translação). Além
disso, uma vez que apenas são permitidos blocos convexos, a criação de elementos não-convexos é
feita através da união de dois sub-blocos convexos. Nos blocos deformáveis, cada bloco é dividido
internamento numa malha de elementos finitos tetraédricos, com nós em cada vértice. A grande
vantagem do uso de elementos tetraédricos é a facilidade de geração de malha permitindo malhas de
boa qualidade e a principal desvantagem é a menor qualidade dos resultados em termos de tensões.
Tal como no UDEC, a utilização de malhas finas permitem contornar este problema.

3.3.2. Contactos e Interação no 3DEC

Num modelo de três dimensões, existem muitas interação entre blocos possíveis. Os elementos
envolvidos num contacto entre blocos são o vértice (vertex, V), a aresta (edge, E) e a superfície (faces,
F). Se o bloco A possuir 𝑣𝐴 Vértices, 𝑒𝐴 Arestas e 𝑓𝐴 Superfícies, e o bloco vizinho B possuir 𝑣𝐵 Vértices,
𝑒𝐵 Arestas e 𝑓𝐵 Superfícies, o número de contacto possíveis é:

𝑛 = (𝑣𝐴 + 𝑒𝐴 + 𝑓𝐴 )( 𝑣𝐵 + 𝑒𝐵 + 𝑓𝐵 ) (1.20)

Por exemplo, dois cubos possuem 676 contactos possíveis. Os três elementos acima mencionados
podem estabelecer seis tipos de contactos entre blocos: vértice-vértice (VV), aresta-aresta (E-E),
superfície-superfície (F-F), vértice-aresta (V-E), vértice-superfície (V-F) e aresta-superfície (E-F). Na
prática apenas os contactos aresta-aresta e vértice-superfície precisam ser verificados uma vez que os
outros tipos podem ser reconhecidos da seguinte forma:

34
-vértice-vértice é reconhecido quando 3 ou mais contactos tipo vértice-superfície existem no mesmo
local;

-vértice-aresta é detetado quando dois contactos tipo vértice-superfície coincidem;

-aresta-superfície ocorre quando existem dois contactos tipo aresta-aresta;

-superfície-superfície é reconhecido quando existem três ou mais contactos tipo aresta-aresta ou


vértice-superfície.

Deteção de contactos

Tal como no UDEC, a deteção do contacto pode ser dividida em duas etapas: a verificação da
possibilidade de dois blocos estarem em contacto e a determinação detalhada das condições de
contacto. Depois de dois blocos serem reconhecidos como vizinhos verifica-se se estão em contacto.
Se não estão em contacto, a distância entre os dois deve ser determinada de modo a que os pares de
blocos separados por mais do que uma certa tolerância possam ser ignorados no algoritmo de
atualização dos contactos. Uma vez que a lógica do canto arredondado usada no UDEC não pode ser
transposta para o 3DEC, a estratégia desenvolvida por Cundall (1988) para detetar se dois blocos se
estão a tocar é usada no 3DEC e baseia-se no conceito de "plano-comum", que consiste na
determinação, através de um processo iterativo, do plano que está à distância mínima de ambos os
blocos. Este conceito permite simplificar e acelerar a tarefa de testar o contacto entre blocos pois:

-apenas se realizam testes do tipo vértice-plano;

-o número de testes depende linearmente do número de vértices;

-se os blocos se contactarem no plano comum, então eles contactam um com o outro;

-o vetor normal ao contacto é o vetor normal ao plano comum;

-como cada plano comum é definido para um determinado contacto, o problema da mudança do tipo
da descontinuidade é eliminado.

-a determinação da distância mínima entre dois blocos que não estão em contacto é trivial.

É necessário que a gestão dos contactos assegure que a evolução do movimento se dê de uma forma
suave, sem que ocorram saltos nas forças transmitidas quando se dão mudanças na localização e no
tipo de contactos.

35
3.3.3. Equações de Movimento

O movimento de um bloco rígido é caracterizado no seu centróide por seis graus de liberdade (três de
rotação e três de translação). As três equações de movimento de translação podem ser expressas
como:

𝐹𝑖
𝑢̈ 𝑖 + 𝛼𝑢̇ 𝑖 = + 𝑔𝑖 (1.21)
𝑚

Onde:

𝑢̈ = aceleração do centróide do bloco;

𝑢̇ = velocidade do centróide do bloco;

𝛼 = coeficiente de amortecimento viscoso;

𝐹𝑖 = soma das forças a atuar no bloco;

𝑚 = massa do bloco;

𝑔𝑖 = vetor da aceleração da gravidade.

O movimento de rotação é comandado pelas equações de Euler da rotação de corpos rígidos:

𝐼1 𝜔̇ 1 (𝐼3 − 𝐼2 )𝜔3 𝜔2 = 𝑀1

𝐼2 𝜔̇ 2 (𝐼1 − 𝐼3 )𝜔1 𝜔3 = 𝑀2 (1.22)

𝐼3 𝜔̇ 3 (𝐼2 − 𝐼1 )𝜔2 𝜔1 = 𝑀3

Onde:

𝐼1 , 𝐼2 , 𝐼3 = momentos principais de inércia;

𝜔̇ 1 , 𝜔̇ 2 , 𝜔̇ 3 = acelerações angulares em relação aos eixos principais;

𝜔1 , 𝜔2 , 𝜔3 = velocidades angulares em relação aos eixos principais;

𝑀, 𝑀2 , 𝑀3 = momentos de torção do bloco em relação aos eixos principais;

36
Para uma análise estática o 3DEC assume uma inércia igual nas três direções principais, calculando-a
através da média das três inércias. Tal permite reescrever as equações de movimento da rotação em
ordem aos eixos globais, contabilizando agora um fator de amortecimento viscoso (𝛼):

𝐼𝜔̇ 𝑖 + 𝛼𝐼𝜔𝑖 = 𝑀𝑖 (1.23)

A integração das equações é feita recorrendo ao Método das Diferenças Centrais. Um algoritmo próprio
permite obter diretamente as novas velocidade e deslocamentos, determinando assim as novas
coordenadas dos vértices, arestas e superfícies do bloco

3.4. Exemplos de Aplicação do UDEC e 3DEC a Estruturas de Alvenaria Arqueadas

O método dos elementos discretos, através dos programas de cálculo UDEC e 3DEC, tem sido aplicado
por diversos autores no estudo de estruturas de alvenaria arqueadas. Seguem-se alguns exemplos
onde estes programas foram utilizados.

Sincrain, 2001, estudou o comportamento sísmico de estruturas de alvenaria, tendo usado o UDEC no
caso de estudo do Aqueduto das Águas Livres em Lisboa (Figura 3.9). Sabe-se que o Aqueduto não
sofreu grandes danos durante o grande sismo de 1755. De facto, a estrutura foi submetida a um sismo
regulamentar do tipo 2, tendo-se verificado que, para a direção longitudinal, esta não foi muito afetada.
Para ter uma visão do mecanismo de colapso, Sincrain multiplicou os deslocamentos obtidos para a
ação anterior por um fator de 10. Assim, verificou que o colapso ocorre no arco principal (Figura 3.10).
Nas suas conclusões afirmou que este tipo de análise permite fornecer uma visão muito importante do
comportamento sismico de estruturas complexas

Figura 3.9 - Modelo UDEC do Aqueduto das Águas Livres (Sincrain,2001)

37
Figura 3.10 - Colapso do Arco Central (Sincrain,2001)

Gago, 2004, usou o UDEC para estudar o comportamento de um arco circular submetido à acção do
seu peso próprio, do material de enchimento e de uma carga concentrada aplicada a 1/3 do vão do
arco. Esse estudo foi efetuado em modelos de elementos finitos e em modelos de elementos discretos
tendo concluido que “de facto, se por um lado a identificação da carga de colapso é mais imediata no
método dos elementos finitos, por outro, no método dos elementos discretos é possível simular todo o
processo de colapso da estrutura” (Gago, 2004). Na Figura 3.11 representa-se a sequência de colapso
do arco obtida através da sua modelação por elementos discretos.

Figura 3.11 - Sequência do colapso do modelo de elementos discretos do arco (Gago, 2004).

Santos, 2014, estudou o comportamento de abóbadas alentejanas recorrendo ao 3DEC. Num dos
estudos pretendeu determinar a influência do enchimento no extradorso das abóbadas. No modelo da
abóbada com enchimento no extradorso determinou o seu mecanismo de colapso para uma carga
concentrada localizada a 1/3 do seu vão (Figura 3.12). Nesse mecanismo, verificou que o enchimento
tem um efeito favorável pois “a linha de pressões poderá “sair da espessura dos blocos” e continuar o
seu percurso ao longo do material do enchimento” (Santos, 2014).

38
Figura 3.12 - Colapso do modelo da abóbada alentejana com carga concentrada localizada a 1/3 do vão
(Santos,2014).

39
40
4. Caso de Estudo: Igreja Matriz de Bucelas

4.1. Introdução

A Igreja Matriz de Bucelas em Loures, também designada por Igreja de Nossa Senhora da Purificação
(Figura 4.1 e Figura 4.2), é um notável templo de estilo barroco, edificado no Século XVI, e classificado
como Imóvel de Interesse Público em 15 de Maio de 1946. Não obstante algumas intervenções de
reparação realizadas nas décadas de 1960 e 1970 e outras mais recentes, o edifício apresenta diversas
patologias construtivas e estruturais, as quais merecem uma intervenção urgente da parte das
entidades responsáveis pela sua gestão.

Figura 4.1 - Vistas exteriores da Igreja Matriz de Bucelas (Fotografias de A. S. Gago, 2009)

As últimas intervenções de restauro ocorreram entre 2007 e 2009, e basearam-se na recuperação de


estuques e pinturas murais e das talhas douradas na zona do altar-mor e da nave central. A instalação
de andaimes no âmbito dessas intervenções permitiu uma maior proximidade e uma melhor observação
da superfície da abóbada da nave central. A constatação de grandes deformações da abóbada e dos
arcos da nave principal causou preocupação aos técnicos restauradores, os quais contactaram,
informalmente, o Instituto de Engenharia de Estruturas, Território e Construção do Instituto Superior
Técnico (ICIST) para uma avaliação preliminar da segurança estrutural da abóbada da nave central. A
abóbada da nave central em alvenaria de tijolo, rebocada e com pintura mural, originalmente de arco
perfeito, encontra-se fortemente deformada (Figura 4.3), e em 2009 apresentava destacamentos do
reboco que não acompanhou a deformação da alvenaria da abóbada. Os arcos em pedra que
intercalam os tramos da nave central, apresentam, também, deformações muito significativas e são
visíveis articulações, escorregamentos relativos entre aduelas e esmagamento dos vértices (Figura
4.4).

41
Figura 4.2 - Vista interior da Igreja Matriz de Bucelas (Fonte: arquivo DGEMN, data incerta).

Figura 4.3 - Deformação da abóbada da nave central e dos seus arcos (Fotografia de A. S. Gago, 2015).

Figura 4.4 - Articulação e escorregamento relativo entre aduelas dum arco (Fotografia de A. S. Gago,
2015).

42
4.2. Descrição do Edifício

O corpo principal da Igreja, com 43,5 m de comprimento, entre o altar-mor e a porta principal, apresenta
planta retangular (Figura 4.5). A Igreja está dividida em 3 naves, a central com um vão de 5,5 m e as
laterais com 2,7 m de vão. A cobertura das naves é assegurada por abóbadas de berço em alvenaria,
rebocadas com argamassa, revestidas de estuque decorativo (pintura) e cobertas por um telhado de
duas águas. As abóbadas das naves são constituídas na direção longitudinal da Igreja por 5 tramos de
5 m (aproximadamente) limitados por arcos de cantaria de volta perfeita.

Figura 4.5 - Planta da Igreja Matriz de Bucelas (Gago, 2009)

A estrutura de cobertura é, atualmente, constituída por uma laje de betão armado, em vigotas pré-
esforçadas e abobadilhas cerâmicas (Figura 4.6 e Figura 4.7), que se apoia nas paredes exteriores do
edifício (em alvenaria de pedra) e nos arcos longitudinais da nave principal (em cantaria) que, por sua
vez, se apoiam nas colunas centrais da nave. A laje de betão armado apresenta um declive de,
aproximadamente, 24% e a viga de cumeeira está apoiada pontualmente no fecho da abóbada central,
aparentemente sobre os arcos, apresentando uma secção de 23 cm de altura por 33 cm de largura
(Figura 4.6).

As paredes exteriores do edifício são em alvenaria de pedra ordinária, rebocadas com argamassas de
cal, com exceção dos cunhais e guarnições dos vãos, em cantaria. As paredes da empena lateral a sul
estão reforçadas exteriormente por contrafortes (Figura 4.8). Exteriormente, a Igreja tem características
comuns às Igrejas-fortalezas medievais, como sejam a implantação em local elevado, paredes altas e
com poucas aberturas e cabeceira cilíndrica, maneirista, quase cega. As paredes interiores do corpo
da Igreja são forradas a azulejos e as abóbadas de berço que cobrem as naves são vistosamente
decoradas com pinturas que datam do Séc. XVIII, e que foram restauradas em 2009. Os arcos interiores
em cantaria, transversais e longitudinais, são igualmente decorados com pinturas de motivos florais
(Figura 4.3).O edifício possui ainda uma torre sineira, situada à ilharga Nordeste, de dois andares
acessíveis por escada de lanços opostos, com pavimento em pedra calcária e um deambulatório,
envolvendo a Capela-mor, que serve de zona de arrumos (Ferreira, 2006).

43
Figura 4.6 - Corte transversal da Igreja (Esq.) e vista do extradorso da abóbada (Dta.), onde é visível a
viga de betão armado de apoio da laje de cobertura e um dos seus apoios sobre a abóbada (Fotografias
de A. S. Gago, 2008).

Figura 4.7 - Vista da cobertura e da laje de vigotas pré-esforçadas e abobadilhas cerâmicas. De notar a
ausência de armadura em aço na camada de compressão da laje (Fotografias de A. S. Gago, 2008).

Figura 4.8 - Representação dos contrafortes localizados na parede a sul da Igreja (Fotografias de A. S.
Gago, 2008).

44
4.3. História Estrutural do Edifício

O sismo de 1 de Novembro de 1755, com epicentro no Atlântico e que se sentiu com grande violência
em Lisboa, afetou também a zona de Bucelas e as suas construções. Segundo Pereira de Sousa
(Sousa, 1923) que cita uma memória paroquial, o sismo de 1755 arruinou “bastantemente a Igreja, mas
já se acha reparada e com grandeza”, referindo também que nas casas de toda a freguesia “ouve ruína,
mas todas reparáveis”. Ainda segundo Francisco Luís de Sousa, o grau de intensidade sísmica na zona
Bucelas foi de VIII, na escala de Mercalli.

Excluindo a referência às reparações dos danos na Igreja produzidos pelo sismo de 1755, não há
registo de intervenções até ao Século XX. O primeiro registo de obras diz respeito a uma intervenção
de reparação do telhado da capela-mor e das naves, em 1956, mas desconhece-se a extensão dos
trabalhos e o que foi realizado ao certo. No entanto, deve ter sido uma intervenção pouco extensa, visto
que em 1963 houve uma nova intervenção de reparação do telhado da capela-mor e das naves.
Segundo relatos do anterior pároco da Igreja1, que já se encontrava na Igreja no final da década de
1960, os problemas de infiltração das águas pluviais eram crónicos e só ficaram resolvidos na
intervenção que resultou do sismo de 1969.

O sismo de Fevereiro de 1969 causou danos no edifício da Igreja e acelerou a necessidade de


realização de obras. Assim, em 1969 e nos anos seguintes procedeu-se à conservação, reparação e
consolidação do altar-mor e, também, à reconstrução das coberturas dos telhados. De acordo com os
registos das empreitadas, nesses trabalhos foi também realizado “o concerto dos fechos dos três arcos
de cantaria da nave central da Igreja, de forma a levá-los à sua posição primitiva”, a reparação dos
rebocos da torre sineira e cortina do telhado da capela-mor, o levantamento e reposição dos azulejos
do Século XVI e a consolidação de toda a estrutura do trono do altar-mor.

No que diz respeito à reparação efetuada após o sismo de 1969, há que referir que é muito pouco
provável que os arcos de cantaria da nave central tenham sido levados à sua posição primitiva. No
entanto, embora não se tenham encontrado documentos com a descrição dos trabalhos efetuados
nessa campanha, muito provavelmente a reparação dos rebocos da abóbada da nave central com
aplicação de estuque (Figura 4.9) e o enchimento de juntas entre aduelas dos arcos de cantaria com
argamassa cimentícia, com colocação de “grampos” ou “gatos” de ligação (Figura 4.10), terão sido
efetuados nas obras após o sismo de 1969.

1
O anterior pároco Sr. Padre Eduardo de Freitas reformou-se em 2012, após 50 anos de sacerdócio na
Freguesia de Bucelas.

45
Figura 4.9 - Reparação do reboco e estuque da abóbada da nave central (Fotografia de A. S. Gago, 2008).

Figura 4.10 - “Grapeamento” de aduelas de um arco de cantaria com elemento metálico e preenchimento
da junta com argamassa cimentícia efetuados nas obras de 1969 (Fotografia de A. S. Gago, 2008)

Segundo relatos do anterior pároco da Igreja, durante a reconstrução da cobertura da Igreja terá sido
retirado parte do enchimento do extradorso da abóbada (“o entulho que saiu do telhado encheu várias
camionetas”) e rebocada a superfície externa da abóbada com argamassa cimentícia. A colocação da
laje de vigotas terá também sido realizada nesta campanha de obras.

Em 1970 procedeu-se a uma intervenção de reparação nas pinturas dos murais, em 1988 a cobertura
foi limpa e substituídas as telhas partidas e em 2007 efetuou-se uma obra de recuperação de estuques,
pinturas murais e talhas douradas na zona do altar-mor e da nave central. Em 2009, essa intervenção
de recuperação dos estuques e da pintura mural estendeu-se à abóbada da nave principal. Durante
essas obras de restauro de 2009, e antes da reparação das pinturas da abóbada e dos arcos, foram
efetuadas pequenas intervenções a nível estrutural, numa tentativa de corrigir os danos visíveis. As
fendas presentes no intradorso da abóbada foram preenchidas com argamassa cimentícia, tal como as
juntas entre aduelas dos arcos de cantaria onde se colocaram novos “grampos” de ligação semelhantes
aos colocados nas obras de 1969 (Figura 4.11).

46
Figura 4.11 - “Grampeamento” de aduelas dum arco de cantaria com elemento metálico: antes do
restauro (Esq.) (Foto de A. S. Gago 2008) (Esq.) e depois do restauro (Dta.) (Fotografias de A. S. Gago,
2015).

Em conclusão, pode referir-se que existiam danos na cobertura antes do sismo de 1969, de extensão
desconhecida, e que mesmo antes dessa data, as abóbadas e os arcos da nave já apresentavam danos
estruturais. De facto, num documento datado de 11 de Agosto de 1953 é referido que “algumas aduelas
dos arcos da nave central se encontram deslocadas trazendo consigo a descida da abóbada”. O sismo
de 1969 danificou a Igreja e, aparentemente, agravou os danos na abóbada e arcos. É possível que os
destacamentos de reboco da abóbada, reparados inicialmente com estuque e mais tarde, em 2009,
consolidados, fixados e restaurados na pintura mural, tenham ocorrido nessa altura.

Os danos motivaram preocupação e houve nessa época após o sismo de 1969, uma extensa
intervenção. Desconhece-se a extensão dos trabalhos realizados e a respetiva filosofia de intervenção,
mas, tendo em conta que os danos na abóbada e nos arcos da nave central permaneceram e se
agravaram, tudo indica que o objetivo de estabilização da abóbada e dos arcos não foi conseguido.
Como se verá, a remoção do enchimento (“carrego”) da abóbada, provavelmente com o intuito de aliviar
a carga sobre a abóbada, foi prejudicial, assim como o apoio da viga de cumeeira em betão armado no
fecho dos arcos. Desconhece-se, no entanto, se foram tomadas outras medidas corretivas nessa
intervenção imediatamente após o sismo de 1969, com efeito benéfico sobre a estrutura.

4.4. Identificação e Levantamento dos Danos

As principais patologias estruturais da Igreja relacionam-se com a deformação dos arcos e da abóbada
da nave principal e, consequentemente, com as fendas e escorregamentos visíveis nas aduelas dos
arcos.

Antes da colocação dos andaimes (e escoramentos nos arcos) para a realização dos trabalhos de
restauro da pintura mural de 2009, foi realizado pela empresa Nova Tacula, Lda um rigoroso
levantamento fotográfico (Figura 4.12) e topográfico da abóbada da nave, tendo como finalidade a
localização das patologias e o conhecimento da geometria do edifício. Depois disso, não foram
realizados novos levantamentos topográficos, desconhecendo-se ao certo a evolução dos danos.

47
Figura 4.12 - Planta da Igreja Matriz de Bucelas com representação da abóbada central e abóbadas
laterais e numeração dos arcos de cantaria da abóbabas central (Fonte: Nova Tácula).

Arco 1 (Figura A.1)

Este arco localiza-se sobre a parede fundeira (sob a entrada da Igreja) e é, por isso, aquele que se
encontra menos deformado. A avaliar pela geometria levantada, esse arco não deve apresentar
praticamente nenhuma deformação. No entanto, na sua proximidade, a abóbada apresenta grandes
deformações e fissuração e tal deve-se ao facto desse ser o troço de abóbada que liga o arco menos
deformado (arco 1) ao mais deformado (arco 2). O arco 1 foi considerado como referência para a
definição dos arcos no seu estado original.

Arco 2 (Figura A.2)

Este é o arco mais deformado. Na zona do fecho do arco observa-se um significativo escorregamento
entre aduelas e a formação duma articulação, através da abertura de juntas (as quais foram
preenchidas com argamassa cimentícia e com colocação de “grampo” metálico). Além da articulação
detetada na zona do fecho do arco (com juntas abertas para o intradorso) detetaram-se, também, outras
duas articulações (com juntas abertas para o intradorso), uma em cada um dos lados do arco e a,
aproximadamente, ¼ do vão, as quais se prolongam para a superfície da abóbada.

O padrão de deformação indica que o arco se acomodou ao aumento de vão (neste caso de cerca de
35 cm, isto é, cerca de 6.4% do vão livre), através da geração de três articulações, transformando-se
numa estrutura isostática, capaz de se manter em equilíbrio, mas sem redundância estática. A

48
ocorrência de uma quarta articulação (cuja existência não foi detetada no local, mas cuja formação
pode não ser visível) gerará o colapso do arco (Figura 4.13).

Figura 4.13 - Mecanismo de colapso de um arco.

De referir que a interpretação anterior se baseia na hipótese de comportamento isolado do arco e sem
enchimento. No entanto, o arco está encostado no seu extradorso à abóbada e seu enchimento e essa
ligação poderá conferir-lhe uma restrição extra, aumentando a sua de redundância estática. Assim
sendo, o grau de segurança poderá ser ligeiramente superior ao do arco isolado.

Arcos 3 e 4 (Figura A.3 e Figura A.4)

Tendo como referência o arco 1, os arcos 3 e 4 apresentam um aumento de vão cerca de 22 cm, isto
é, cerca de 4% do vão. Não obstante algumas particularidades, o padrão de deformação destes arcos
é semelhante ao do arco 2, isto é, estes arcos adotaram uma configuração isostática, sem reserva de
graus de liberdade que permitam qualquer redistribuição de esforços.

Arco 5 (Figura A.5)

Tendo como referencia o arco 1, o arco 5 apresenta um aumento de vão de cerca de 19 cm,
correspondente a uma percentagem de 3.5%. Embora menos deformado, o arco 5 apresenta o mesmo
padrão de deformação dos arcos anteriores, com a formação de articulações em localizações
semelhantes, com escorregamento da pedra de fecho e com esmagamento das arestas das
articulações dos rins do arco.

Arcos Laterais (Naves Laterais)

Os arcos e abóbadas das naves laterais apresentam deformações, fissuras e aberturas de juntas que
indiciam o encurtamento dos seus vãos. De facto, as três articulações identificadas nos arcos das naves
laterais, uma no fecho, para o extradorso, e duas nos rins, para o intradorso, indicam que com o
aumento de vão da nave central, as naves laterais foram pressionadas contra as paredes externas da
Igreja, resultando no encurtamento dos seus vãos.

49
Dada a rigidez das paredes externas da Igreja, resultante da sua elevada espessura e da existência de
contrafortes no lado Sul, é pouco provável que o aumento de vão da nave central tenha induzido
deformação nessas paredes, pelo que é mais provável que o aumento de vão dos tramos centrais (de
19, 22 e 35 cm) tenha sido acomodado pelas deformações das duas naves laterais.

Figura 4.14 - Deformação do arco 2 da nave central e dos correspondentes arcos das naves laterais.

Em Março e Maio de 2015, foram realizadas novas inspeções ao extradorso da abóbada, desta vez
sobre as zonas dos arcos 2 e 3. Essas inspeções permitiram conhecer a natureza dos trabalhos
realizados após o sismo de 1969, nomeadamente no que diz respeito à remoção do carrego, e fazer o
levantamento geométrico e dos danos existentes na abóbada. Neste levantamento foi ainda possível
determinar a espessura real da abóbada através de um pequeno furo na abóbada, realizado a partir do
coro alto da igreja. Apenas foi possível efetuar um furo na abóbada, desconhecendo-se se a espessura
é constante. Verificou-se que a abóbada apresenta uma espessura de 18 cm.

A inspeção do extradorso da abódada revelou duas situações preocupantes: i) ao longo de toda a


abóbada, na sua direção longitudinal, encontrou-se uma fenda de abertura considerável. Esta fissura
traduz a existência duma articulação na abóbada semelhante à encontrada nos arcos (Figura 4.15 a)).
ii) a segunda contatação prende-se com os montantes em alvenaria de apoio da viga de cumeeira.
Esses montantes que, aparentemente, se localizam sobre os arcos da nave central, apoiam a viga de
betão armado da cumeeira (que por sua vez apoia a laje de cobertura) e descarregam essa carga na
abóbada e nos arcos da nave central. Como se constata na Figura 4.15 b), datada de Maio de 2015,
observou-se que sobre o arco 2 o montante de apoio está fissurado e que, portanto não está a funcionar
em compressão. Esse facto mostra que o arco mais abatido (arco 2) deixou de apoiar a viga de betão
armado da cumeeira, tendo havido uma redistribuição de carga dessa viga para os apoios nos arcos 1
e 3. Felizmente, essa fissuração do montante de apoio não foi indentificada nos montantes nas outras
zonas inspecionadas (em Dezembro de 2008 e Março e Maio de 2015).

50
a) b)

Figura 4.15 - Danos no extradorso da abóbada junto do arco 2: fenda longitudinal ao longo da abóbada
(a) e montante de apoio da viga de cumeeira com fissura horizontal (b), (Fotografias de A. S. Gago, Maio
de 2015).

Outra informação importante que se obteve nas inspeções de Março e Maio de 2015, foram as
dimensões do enchimento no extradorso da abóbada, tendo-se verificado que esse enchimento não foi
totalmente removido durante a reconstrução da cobertura da igreja (Figura 4.16). Com o conhecimento
da espessura da abóbada (de apenas 18 cm), torna-se evidente que o equilibrio da abóbada e dos
arcos só é possivel porque o enchimento existente está a conferir-lhe estabilidade.

Figura 4.16 - Vistas do interior da cobertura onde é visível o enchimento ainda existente junto das
nascenças das abóbadas: troço central (Esq.) e troço lateral (Dta), (Fotografia de A. S. Gago, Maio de
2015).

As duas constatações anteriores e os estudos numéricos e analíticos realizados em 2009-2010 pela


equipa do ICIST liderada pelo Prof. António Sousa Gago (Gago, 2009), transmitem uma razoável
preocupação quanto à estabilidade da abóbada da nave central da Igreja.

51
4.5. Estudos Anteriores

Nos estudos elaborados pela equipa do ICIST e que deram origem ao relatório “Estudo das Patologias
Estruturais da Abóbada da Igreja Matriz de Bucelas” (Gago, 2009) e à tese de Mestrado “
Comportamento Estrutural de Edifícios Antigos, Estruturas Arqueadas Planas” (Antunes, 2010),
analisou-se analiticamente os efeitos dos aumentos de vão da abóbada e dos arcos da nave central da
Igreja Matriz de Bucelas. Nessa data desconhecia-se a espessura da abóbada e a existência do
enchimento do extradorso junto das nascenças das abóbadas. Esses documentos diziam respeito “a
estudos preliminares de avaliação da segurança estrutural da abóbada, os quais não podem ser
conclusivos em virtude do desconhecimento de alguns parâmetros fundamentais, como a espessura
da abóbada da nave e a espessura e natureza do atual revestimento do extradorso da abóbada.”
(Antunes, 2010).

De acordo com a teoria da análise limite aplicada ao estudo da estabilidade dos arcos (Heyman, 1969),
admitindo que não ocorre o escorregamento relativo das aduelas do arco e que as aduelas e juntas
apresentam resistência infinita à compressão e nula à tração, é possível determinar a relação mínima
admissível, em condições de estabilidade, entre a espessura (t) e o raio médio (R) do arco circular com
ângulo de abertura (2α) de 180º. Uma vez que os arcos de cantaria existentes na Igreja Matriz de
Bucelas apresentam uma relação (t/R) = 0,06 considerando para a espessura do arco apenas a
dimensão visível, e que segundo a teoria anterior, um arco apenas se encontra em equilíbrio para uma
relação (t/R) = 0,1074 (Figura 4.17), concluiu-se que estes eram incapazes de suportar o seu peso
próprio e o equilíbrio só é possível porque os arcos apresentam uma espessura superior à que é visível
e porque funcionam em conjunto com a abóbada e o seu enchimento.

Figura 4.17 - Espessura mínima admissível do arco de geometria circular, em função do ângulo de
abertura (adaptado de Antunes, 2010).

Através da teoria da análise limite (Oschendorf, 2002) foi possível estudar o equilíbrio de um arco em
função da sua espessura (t), do seu raio (R) e do aumento de vão (∆L), quando sujeito apenas à ação
do seu peso próprio (Figura 4.18).

52
24
20
16
ΔL (%) 12
8
4
0
0 0,04 0,08 0,12 0,16 0,2 0,24
t/R

Figura 4.18 - Aumentos de vão admissíveis para uma estrutura arqueada (com um ângulo de abertura de
2x90°) em função da sua relação espessura-raio médio (Antunes, 2010).

De acordo com o gráfico da Figura 4.18, a abóbada da Igreja Matriz de Bucelas (com um raio interno
de 2,92 m) teria que ter uma espessura superior a 49 cm para suportar em equilíbrio um aumento de
vão de 35 cm. Para um aumento de vão de 22 cm seria necessário uma espessura superior a 43 cm.
Tendo em conta estes resultados e para assegurar uma estabilidade numérica, assumiu-se nos estudos
de 2010 uma espessura da abóbada de 60 cm.

a) b)

Figura 4.19 - Modelos de elementos discretos (UDEC) da abóbada (a) (com 0,60 m de espessura) isolada e
(b) reforçada com o arco de cantaria (com 0,17 m de espessura) (Gago, 2009).

Tendo em conta a constatação atual de que a espessura da abóbada terá cerca de 18 cm e o arco terá
no máximo 35 cm (17 cm visíveis + 18 cm da abóbada), os resultados dos estudos anteriores mostram
que a influência do enchimento sob as nascenças da abóbada e a interligação entre os arcos e a
abóbada são fundamentais para a manutenção do equilíbrio da abóbada da nave central.

Uma vez que a abóbada da nave central da Igreja Matriz de Bucelas se encontra, também, submetida
a uma carga concentrada, resultante do apoio da viga de cumeeira, procurou-se identificar a carga de
colapso da abóbada isolada e do conjunto arco-abóbada para a solicitação simultânea do aumento de
vão e da carga aplicada no fecho.

53
Para a abóbada isolada com espessura de 60 cm, obteve-se uma carga de colapso de 35 kN. Para a
mesma abóbada reforçada com arco de cantaria com 17 cm de espessura obteve-se uma carga de
colapso de 85 kN. Para um aumento de vão de 10 cm a carga de colapso da abóbada reforçada com
o arco era 60 kN, e de 12 kN para um aumento de vão de 35 cm. Os resultados obtidos correspondiam
a troços de abóbada com 1 m de comprimento, tendo-se considerado que o arco também apresentava
esse comprimento. Sabe-se hoje que a espessura de 60 cm está muito distante da espessura real,
sendo necessário efetuar novas análises.

4.6. Estudos Realizados no Âmbito do Presente Estudo

Neste parágrafo apresentam-se os estudos numéricos realizados para caracterização da segurança


estrutural atual da nave central da abóbada da Igreja Matriz de Bucelas. Utilizaram-se modelos
computacionais baseados no método dos elementos finitos (programa de cálculo SAP2000 (Computers
and Structures, 2007) e no método dos elementos discretos (programa de cálculo UDEC (Itasca, 2000)
para os estudos planos e programa de cálculo 3DEC (Itasca, 2007) para os estudos tridimensionais).
Estudou-se o comportamento estático da abóbada e dos arcos sujeitos à ação dos seus pesos próprios
e da carga concentrada proveniente da cobertura e, também, o seu comportamento dinâmico quando
sujeito a uma ação sísmica.

4.6.1. Cálculo da Carga Atuante no Fecho dos Arcos

Para o cálculo da intensidade da carga concentrada atuante no fecho dos arcos, resultante do apoio
da laje de cobertura, estudou-se o equilíbrio da laje através do programa de cálculo SAP2000, tendo-
se considerado valores correntes para os pesos próprios dos materiais construtivos (tabela 4-1).

Tabela 4-1 Ações distribuídas atuantes na cobertura

Valor atuante
Ações
(kN/m2)

Laje de betão armado em


vigotas pré-esforçadas e 2,60
abobadilhas cerâmicas

Telhas 0,70

Para além das ações identificadas na tabela 4-1, foi ainda considerado o peso próprio da viga de
cumeeira, em betão armado (25 kN/m3), de seção 0,23x0,33m.

54
Na modelação (Figura 4.20), consideraram-se dois tipos de apoios: contínuos encastrados e pontuais
simplesmente apoiados. O primeiro foi utilizado nos apoios sobre as paredes laterais e sobre as
paredes entre as naves laterais e central, enquanto o segundo foi utilizado para simular os montantes
centrais que apoiam a viga. O valor da reação vertical nesse apoio central corresponde à carga atuante
no fecho dos arcos tendo-se obtido o valor de 32 kN.

Figura 4.20 - Modelo de elementos finitos (SAP2000) da cobertura.

4.6.2. Estudo dos Efeitos do Enchimento no Extradorso da Abóbada da Nave Central

Em Março e Maio de 2015 realizaram-se duas inspeções ao extradorso da abóbada da nave central,
as quais permitiram conhecer a sua real espessura (18 cm) e identificar a existência dum enchimento
no extradorso da abóbada. Tendo em conta os estudos realizados em 2009 (Gago, 2009), a
estabilidade da abóbada central com essa espessura de 18 cm só é possível em resultado da existência
desse enchimento no seu extradorso. Esta conclusão foi confirmada através dos resultados da
modelação da abóbada através dum modelo de elementos discretos (com recurso ao programa de
cálculo UDEC), onde se verificou que uma abóbada de berço sem enchimento no seu extradorso e com
um raio interno de 2,92 m e espessura de 18 cm é incapaz de permanecer em equilíbrio quando sujeita
ao seu peso próprio sem que possua enchimento no seu extradorso. Essa conclusão é, aliás,
confirmada através dos modelos analíticos que indicam que um arco plano deverá ter uma espessura
mínima de aproximadamente tmin=0,1075xR (Ochsendorf, 2002), o que corresponde a uma espessura
mínima de tmin=0,314 m para o raio interno R=2,92 m, valor superior aos 0,18 m medidos nas inspeções
de 2015.

Na formulação do modelo de elementos discretos (UDEC) admitiram-se blocos rígidos para os


elementos da abóbada e blocos deformáveis para os elementos que simulam o enchimento. Dividiu-se
a abóbada em 30 blocos e a geometria do enchimento considerada no estudo foi a que resultou do
levantamento. Nos contactos entre aduelas da abóbada admitiu-se uma resistência à tração nula, uma
resistência à compressão ilimitada e uma resistência ao corte definida por um modelo de Mohr-
Coulomb. As propriedades mecânicas foram adotadas de acordo com os valores típicos usados nestes
modelos e estão apresentadas nas Tabelas 4-2 e 4-3.

55
No que diz respeito às restrições do movimento dos blocos, consideraram-se 4 blocos rígidos (2 em
cada lado do arco, em forma de L (Figura 4.21)) os quais foram impedidos de se deslocar em todas as
direções.

Figura 4.21 - Geometria do modelo utilizado.

Tabela 4-2 Propriedades mecânicas da abóbada e do enchimento.

γs (kg/m3) Es (GPa) vs

Abóbada 2100 - -

Enchimento 2100 1 0.2

onde: γs a densidade, Es é o módulo de elasticidade e νs o coeficiente de Poisson.

Tabela 4-3 Propriedades mecânicas das juntas.

kn (Gpa/m) ks (Gpa/m) c (MPa) Φ (º)

Juntas 1000 1000 0.5 30

onde: kn é a rigidez de compressão da junta, ks a rigidez ao corte da junta, c a coesão da junta e Φ o


ângulo de atrito da junta.

Como se pode observar na Figura 4.22, a presença do enchimento no extradorso da abóbada melhora
a sua estabilidade. De facto, como referido, o modelo do arco isolado colapsa com a aplicação do seu
peso próprio, ao contrário do arco com enchimento onde o seu equilíbrio para essa solicitação é
possível.

56
Figura 4.22 - Modelos de elementos discretos (UDEC) da abóbada isolada sujeita ao peso próprio: sem
enchimento extradorso (Esq.) e com enchimento extradorso (Dta.).

O enchimento no extradorso tem como função confinar as fiadas da abóbada, restringindo o seu
deslocamento e fazendo com que a estrutura passe a funcionar com um vão efetivo mais pequeno.
Este aspeto torna-se evidente pela análise do seu mecanismo de colapso quando sujeito a uma carga
concentrada (Figura 4.23), no qual se observa que apenas a parcela acima do enchimento apresenta
deformação.

4.6.3. Estudo da Abóbada Isolada

Analisou-se o equilíbrio da abóbada com enchimento no extradorso através dum modelo de elementos
discretos plano (UDEC) considerando dois tipos de solicitações: uma carga concentrada aplicada no
fecho da abóbada e um aumento de vão da abóbada. Quando analisadas em separado verificou-se
que a carga de colapso da abóbada 2 é de 6 kN/m e o aumento de vão máximo admissível é de 32 cm.

Figura 4.23 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da abóbada isolada. Situação de colapso iminente
correspondente ao aumento de vão de 0,32 m.

2
As análises dos modelos de elementos discretos planos são realizadas considerando um estado plano de
deformação pelo que os resultados das cargas de colapso são valores por metro de desenvolvimento dos arcos
ou abóbadas.

57
Este resultado de 32 cm é comparável com o resultado analítico proposto por Ochsendorf, 2002 (Figura
4.24) que para α=60º e t/R=0,062 corresponde a um valor ∆máx≈28 cm. O valor do modelo analítico é
inferior ao resultado do modelo numérico em virtude do modelo analítico ser um modelo aproximado,
que não considera todos os efeitos, e conservativo.

Figura 4.24 - Aumento de vão máximo de arcos em função do ângulo de abertura e do rácio entre a
espessura e o raio, t/R (adaptado de Oshcendorf, 2002).

4.6.4. Estudo do Conjunto Arco – Abóbada

Como referido, a carga concentrada que resulta do apoio da laje da cobertura é aplicada à abóbada da
nave central na zona dos arcos de reforço. Assim, o estudo da estabilidade da abóbada deve ser feito
considerando os efeitos desses arcos de cantaria. Note-se que as inspeções realizadas não permitiram
identificar a espessura dos arcos de cantaria nem o modo de ligação desses arcos à abóbada. Apenas
foi possível identificar a espessura visível desses arcos, no valor de 17 cm, e a sua largura 30 cm.
Assim, para o modelo da abóbada reforçada com os arcos de cantaria admitiu-se para o arco uma
espessura de 0,17 m e uma largura de 0,30 m. Os resultados do modelo plano são por metro de largura
(i.e. por metro de desenvolvimento na direção perpendicular ao plano) e são divididos pela espessura
de 0,30 m do arco para obter os valores reais das cargas. Note-se que, no entanto, considerou-se em
termos de massa (i.e. do peso próprio) que o arco mobiliza uma espessura da abóbada de 1,0 m.

Optou-se por considerar um arco constituído por 10 blocos, de dimensões superiores aos blocos da
abóbada, por ser essa a situação mais próxima da estrutura real (Figura 4.25). As propriedades
mecânicas dos blocos da abóbada, arco e enchimento encontram-se na Tabela 4-4. À semelhança do
caso anterior, admitiu-se para os contactos entre os blocos do arco e para os contactos entre os blocos
do arco e os da abóbada um comportamento elasto-plástico, sem resistência à tração, com uma rigidez
de compressão de 1000 GPa/m e de corte de 1000 GPa/m. A resistência ao corte desses contactos foi
definida por um modelo de Mohr-Coulomb, com uma coesão nula e um ângulo de atrito de 30º (Tabela
4-3).

58
Tabela 4-4 Propriedades mecânicas da abóbada, arco e enchimento

γs (kg/m3) Es (GPa) vs

Abóbada 2100 - -

Arco 630 - -

Enchimento 2100 1 0,2

onde: γs a densidade, Es é o módulo de elasticidade e νs o coeficiente de Poisson.

Figura 4.25 - Geometria do modelo conjunto arco-abóbada

Das análises da abóbada reforçada com o arco de cantaria, constatou-se que para uma carga
concentrada aplicada no fecho, a abóbada reforçada com o arco de cantaria é mais resistente do que
a abóbada isolada3, correspondendo a uma carga de colapso de 108 kN e um aumento de vão máximo
de 43 cm. Pretendia-se, também, estudar os efeitos do aumento de vão na capacidade de carga, de
modo a simular a situação atual dos arcos da nave central da Igreja. Assim, estudou-se os efeitos da
ação conjunta da carga de fecho e do aumento de vão. Essa análise foi efetuada de modo sequencial,
levando primeiro o arco ao seu estado deformado pelo aumento do seu vão e, posteriormente, verificou-
se o seu equilíbrio (para o peso próprio e para a carga concentrada). Assim, constatou-se que para um
aumento de vão de 19 cm, correspondente à deformação do arco 5, apenas é possível aplicar uma
carga de 21 kN. Para um aumento de vão de 22 cm, correspondente aos arcos 3 e 4, apenas é possível
aplicar 18 kN e para um aumento de vão de 35 cm, correspondente ao arco 2 (o mais deformado),
apenas é possível aplicar 14 kN. Recorde-se que se estimou que a carga transmitida pela cobertura a
cada arco era de 32 kN, pelo que de acordo com os resultados, nenhum arco seria capaz de suportar
essa carga.

3
No modelo da abóbada isolada, para uma espessura de 0,30 m a carga máxima admissível é de 6/0,30=20 kN
e o aumento de vão máximo admissível é de 32 cm.

59
Figura 4.26 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da abóbada reforçada com arco de cantaria.
Situação de colapso iminente correspondente a uma carga aplicada no fecho de 14 kN, e um aumento de
vão δ=0,35 m.

Ao analisar-se o mecanismo de colapso da abóbada reforçada com o arco de cantaria, quando sujeita
ao seu peso próprio, à carga concentrada e ao aumento de vão, verifica-se a existência de fissuras
localizadas a cerca de 1,30m do topo do enchimento no extradorso da abóbada (Figura 4.27). Essa
fissura existe no extradorso da abóbada da nave central e foi identificada nas inspeções de 2015, a
cerca de 1,25 m do topo do enchimento (Figura 4.15 (a)), indicando que a situação atual é de elevado
risco. Refira-se que esta proximidade de valores leva a concluir que o modelo usado apresenta uma
boa aproximação ao comportamento real.

Figura 4.27 - Localização da fissura antes do colapso.

Graças ao levamento topográfico efetuado em 2009, é possível comparar as deformadas obtidas nas
análises planas pelo método dos elementos discretos (UDEC) com a geometria atual dos arcos. Na
Figura 4.28 apresenta-se o modelo da abóbada reforçada com arco de cantaria sujeito a um aumento
de vão de 22 cm (a verde) e um arco de volta perfeita não deformado (a preto). Na Figura 4.29
apresenta-se o mesmo modelo da abóbada reforçada com arco de cantaria sujeito a um aumento de
vão de 22 cm (a verde) e a deformada real do arco 3 com o mesmo aumento de vão (a vermelho). De
notar a semelhança entre a deformada real e a deformada obtida pelo modelo, principalmente na zona

60
do enchimento extradorso. De facto, o papel do enchimento é evidente nestas figuras, nas quais se
observa que a maior deformação ocorre na parte acima do enchimento.

Figura 4.28 - Deformada obtida pelo programa de cálculo UDEC. Arco 3 com aumento de vão de 0,22 m.

Figura 4.29 - Comparação da deformada obtida pelo programa de cálculo UDEC com a real. Arco 3 com
aumento de vão de 0,22 m.

A semelhança entre os resultados geométricos dos modelos de elementos discretos planos e a


realidade garantem que os modelos simulam relativamente bem a realidade. No entanto, o facto dos
resultados numéricos indicarem cargas de colapso dos arcos inferior às cargas que se supõe que eles
suportam, resulta do facto destes modelos planos serem relativamente conservativos. Na verdade, os
efeitos tridimensionais e a participação da abóbada numa largura superior a 0,30 m que é admissível
acontecer na realidade, são efeitos favoráveis que aumentam a capacidade de carga do arco e que
não estão considerados nestes modelos de elementos discretos planos.

4.6.5. Estudo da seção transversal da Igreja – Modelo Plano Completo

Dada a rigidez transversal das paredes externas da Igreja, resultante da sua espessura e da existência
de contrafortes do lado Sul, é pouco provável que o aumento de vão da nave central tenha induzido
deformação nessas paredes. Assim, é muito provável que o aumento de vão da nave central (de 19,
22 e 35 cm) tenha sido acomodado pelas deformações das duas naves laterais. Na verdade,

61
observando in situ os arcos e abóbadas das naves laterais, verifica-se que estes apresentam
deformações, fissuras e aberturas de juntas que indiciam o encurtamento dos seus vãos (Figura 4.30).
As três articulações identificadas nos arcos das naves laterais, uma no fecho, no extradorso, e duas
nos rins, no intradorso, indicam que resultado do aumento de vão da nave central, as naves laterais
foram pressionadas contra as paredes externas da Igreja, o que resultou no encurtamento dos seus
vãos.

Figura 4.30 - Deformação da abóbada e dos arcos da nave lateral Norte (Esq.) e pormenor da articulação no
fecho do arco (Dta.).

De modo a simplificar as análises, o conjunto arco + abóbada foi substituído por um único arco com
uma espessura de 0,35 m. Esta hipótese, não obstante não se ter podido confirmar, não deve ser muito
distante da realidade. Para avaliar o impacto que uma consideração destas tem no desempenho do
modelo, estudou-se um arco isolado com 0,35 m em condições semelhantes aos estudos anteriores
(Figura 4.31).

Figura 4.31 - Dois tipos de modelos: Arco único com espessura de 35 cm (Esq.) e conjunto arco +
abóbada com espessura total de 35 cm (Dta.).

Concluiu-se da análise dos modelos numéricos que o modelo do arco com blocos de 35 cm de
espessura apresenta uma carga de colapso de 96 kN, inferior aos 108 kN obtidos no modelo anterior
arco + abóbada, assegurando-se que a simplificação adotada é, na pior das hipóteses, uma hipótese
conservativa.

62
Na Figura 4.32 encontra-se o modelo completo da seção transversal da Igreja e as respetivas
dimensões. Neste modelo foi efetuada uma análise para obter a carga máxima que é possivel aplicar
no fecho do arco central e foi estudado o efeito dos troços laterais no mecanismo de colapso da
estrutura. As caracteristicas dos materiais e das juntas usadas neste modelo são iguais às usadas nos
modelos anteriores e que se apresentou nas tabelas 4-1 e 4-2.

Os blocos dos arcos, colunas e paredes são blocos rígidos, tendo-se impedido o movimento do bloco
da base. Os enchimentos nos extradorsos das abóbadas foram simulados através de elementos
deformáveis. A espessura do modelo é de 0,30 m, correspondente à espessura dos arcos de cantaria.
Também aqui se considerou uma participação de massa (e peso) de 1 m de largura de abóbada.

Figura 4.32 - Dimensões da estrutura analisada.

Os resultados do estudo do modelo com a estrutura completa da Igreja indicam que devido à rigidez
das paredes externas, o aumento de vão da nave central é acomodado pela deformação das naves
laterais, como é visível nas Figuras 4.33 e 4.34. O colapso da estrutura ocorre no arco central, para
uma carga de 91 kN (Figura 4.34).

63
Figura 4.33 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da estrutura completa. Situação imediatamente
antes do colapso com a representação da localização das rótulas plásticas, para uma carga de 91 kN
aplicada no fecho do arco central.

Figura 4.34 - Modelo de elementos discretos (UDEC) da estrutura completa. Colapso para uma carga de
91 kN aplicada no fecho do arco central.

Do resultado obtido para a carga de colapso (91 kN), inferior ao obtido para o arco isolado com os
blocos centrais com os deslocamentos restringidos (96 kN), constata-se que o comportamento global
da estrutura é ligeiramente mais desfavorável que o comportamento do arco com apoios rígidos.

4.6.6. Estudo do Modelo Tridimensional Simples

Como referido, é de esperar que os efeitos tridimensionais tenham efeito favorável no comportamento
da estrutura, pelo que se decidiu realizar um conjunto de análises utilizando um modelo tridimensional
de elementos discretos, recorrendo ao programa de cálculo 3DEC.

Na Figura 4.35 ilustra-se o modelo tridimensional correspondente à abobada da nave central da Igreja.
A abóbada apresenta uma espessura de 0,18 m e os arcos uma espessura de 0,17 m e largura de 0,30

64
m. Neste modelo consideraram-se quatro arcos afastados de 5 m entre si, tal como acontece na
realidade. O material de enchimento, como no modelo bidimensional, apresenta uma altura de 1,54 m.
As características admitidas para os materiais e juntas são as consideradas nos modelos
bidimensionais e estão indicadas nas tabelas 4-2 e 4-3. Os graus de liberdade das bases dos arcos e
abóbada, representadas a azul celeste, foram totalmente restringidos, tal como as paredes laterais (que
têm a função de impedir o deslocamento horizontal dos enchimentos). À exceção do enchimento,
representado a azul escuro, que foi definido como material deformável com módulo de elasticidade de
1 GPa e coeficiente de poisson de 0.2, todos os blocos foram considerados como rígidos.

Figura 4.35 - Geometria do troço da nave central no modelo tridimensional e respetivas cargas aplicadas:
(esq.) vista em corte e (dta.) vista em perspetiva.

Neste modelo foi aplicada uma carga concentrada no bloco que se encontra no fecho do arco 2,
representativo do montante de apoio à viga de cumeeira (Figura 4.36). Essa carga representa a carga
proveniente da laje de cobertura e da viga que se apoia nos montantes. O valor da carga de colapso
obtido com este modelo tridimensional foi de 190 kN, valor superior aos 108 kN do modelo
bidimensional. Esta diferença de valores, deve-se aos efeitos tridimensionais da estrutura uma vez que
a carga foi aplicada apenas no arco 2, e os restantes arcos são mobilizados através do imbricamento
dos elementos da abóbada, conferindo resistência adicional ao modelo.

Figura 4.36 - Modelo de elementos discretos (3DEC) da abóbada da nave central. Situação imediatamente
antes do seu colapso para uma carga de 190 kN, aplicada no fecho do arco 2.

65
4.6.7. Estudo do Modelo Tridimensional Completo

O modelo representado na Figura 4.37 é o que mais se aproxima da situação real da Igreja em estudo.
Tal como no modelo de elementos discretos plano, para além da nave central, este modelo representa
os arcos e abóbadas laterais, os pilares e as paredes onde a cobertura se apoia. Note-se que os arcos
centrais não se apoiam em pilares continuos, mas em arcos longitudinais, que por sua vez, se apoiam
nas colunas centrais da nave. Este é outra das razões que torna interessante o estudo da estrutura
num modelo tridimensional e que poderá conduzir a resultados diferentes dos obtidos pelo modelo
bidimensional.

As dimensões da estrutura no plano da imagem são semelhantes às dimensões do modelo


representado na Figura 4.33. No entanto, no modelo bidimensional optou-se por considerar blocos
únicos de 35 cm para o arco e abóbada, e no modelo tridimensional adotou-se blocos de 17 cm de
espessura e 30 cm de largura para os arcos, e blocos com 18 cm de espessura para a abóbada. As
colunas de apoio centrais estão distanciadas de 5 metros, com arcos longitudinais a unir as colunas.

Neste modelo, as colunas e arcos longitudinais foram divididos em blocos, por forma a possibilitar maior
deformação por parte destes elementos. As propriedades dos blocos e dos contactos são mesmas
apresentadas nas tabelas 4-2 e 4-3. Mais uma vez, efetuou-se uma análise estática, determinando-se
a carga de colapso para uma carga concentrada aplicada no fecho do arco 2.

Figura 4.37 - Geometria da estrutura completa no modelo tridimensional e respetivas cargas aplicadas:
(esq.) vista em corte e (dta.) vista em perspetiva.

Os resultados indicam para este modelo tridimensional uma carga de colapso de 117 kN, sendo este o
valor que melhor se deve aproximar da carga de colapso real (Figura 4.38). De notar que este valor é
superior ao obtido no estudo completo no modelo bidimensional (91 kN), concluindo-se, de novo, que
os efeitos tridimensionais aumentam a resistência global da estrutura. Note-se, no entanto, que nos
modelos tridimensionais não foi imposta a deformação atualmente existente na abóbada e nos arcos,
pelo que o valor obtido corresponde à carga de colapso da estrutura intacta (Tabela 4-5). No caso da
análise plana, a consideração da deformação corresponde a diminuições muito significativas, como se
representa na tabela 4-6, sendo de esperar que o mesmo acontece no caso tridimensional.

66
Figura 4.38 - Modelo de elementos discretos (3DEC) da estrutura completa. Troço central imediatamente
antes do colapso para uma carga de 117 kN aplicada no fecho do arco 2.

Tabela 4-5 Comparação dos resultados obtidos pelo modelo plano simples e pelo modelo tridimensional
simples

Modelo Plano Modelo Tridimensional


Simples Simples
Arco + Abóbada Arco + Abóbada

Pmáx = 108 kN Pmáx = 190 kN

ẟmáx = 43 cm ẟmáx = não aplicável

Tabela 4-6 Cargas de colapso em função da deformação imposta4

Modelo Plano Simples


Arco + Abóbada

ẟl = 19 cm : Pmáx = 21 kN
∆= 81%

ẟl = 22 cm : Pmáx = 18 kN
∆= 83%

ẟl = 35 cm : Pmáx = 14 kN
∆= 87%

4
∆ representa a diminuição da carga de colapso em relação á carga de colapso no estado indeformado (108 kN)

67
4.6.8. Conclusão

O enchimento presente no extradorso da abóbada, em alvenaria de tijolo, da Igreja Matriz de Bucelas


tem um papel essencial na estabilidade da mesma. Conclui-se portanto, que a sua aparente remoção
parcial, realizada na obra que se seguiu ao sismo de 1969, foi prejudicial e só não foi mais grave porque
a sua remoção não foi total. Recorde-se que as noticias quanto à remoção do carrego da abóbada
foram dadas por testemunhas locais e sem confirmação através de documentação ou outro tipo de
registos.

O apoio da viga de cumeeira, aparentemente no fecho dos arcos, que suporta a laje de vigotas, implicou
a adição de uma carga concentrada de 32 kN. De facto, é muito provável que esse apoio se localize
sobre os arcos pois o estudo efetuado à abobada isolada revela que esta tem pouca capacidade de
resistir a cargas adicionais.

Apesar dos estudos nos modelos bidimensionais e tridimensionais da abóbada reforçada com arco de
cantaria, revelarem que no estado indeformado existe alguma margem entre a carga aplicada e a carga
de colapso (91 e 117 kN), essa margem anula-se quando se analisa os modelos no estado deformado
(diminuição da ordem de 80%). A pouca segurança estrutural da abóbada no estado atual torna-se
ainda mais evidente quando alguns dos danos visíveis no local são compatíveis com os resultados dos
modelos computacionais, como é o caso da sua deformada e da localização das fissuras no seu
extradorso. Refira-se ainda que nas inspeções de 2015 se identificou que sobre o arco mais deformado
o montante de apoio se encontra fissurado, revelando não apoiar a viga de cumeeira. Assim, a carga
desse apoio foi redistribuída para os apoios próximos, isto é para o arco 1, sobre a parede fundeira, e
para o arco 3. Devido a essa redistribuição, a carga sobre o arco 3 seria de, aproximadamente, 48 kN.
Não obstante haver uma diferença de valores entre as cargas de colapso calculadas pelos modelos
numéricos e as cargas atuantes (48 kN), há um certo nível de incerteza no cálculo das ações e das
características. Por outro lado, essa margem de segurança pode ser completamente eliminada pela
atual deformação dos arcos e é de referir, novamente, que os danos atuais dos arcos indiciam uma
situação próxima do colapso ou, pelo menos, com um grau de segurança insuficiente face às exigências
regulamentares atuais. Note-se, no entanto, que a existência de elementos metálicos de reforço das
aduelas, não considerada nestas análises, pode, de algum modo, aumentar o nível de segurança da
estrutura, mas nunca para níveis aceitáveis.

Uma vez que a principal causa para a fendilhação verificada na abóbada da Igreja se prende com o
aumento de vão desta, provocado, tanto por ações sísmicas como pela carga aplicada no fecho da
abóbada pela cobertura, a solução para este problema poderá passar pela restrição do movimento
horizontal dos seus apoios e, se possível, pela remoção da carga concentrada aplicada.

Do ponto de vista dos aspetos da modelação numérica, é de referir a importância da consideração de


um modelo completo e tridimensional. De facto, os modelos completos conduzem a cargas de colapso
menores que os modelos das abóbadas isoladas e os efeitos tridimensionais são relevantes (Tabela 4-
7).

68
Tabela 4-7 Valores de cargas de colapso obtidas pelos diferentes modelos efetuados

Modelo Modelo
bidimensional tridimensional

Abóbada isolada 108 kN 190 kN

Modelo completo 91 kN 117 kN

4.7. Proposta duma Solução de Reforço

4.7.1. Introdução

Na escolha duma solução de intervenção de reforço devem ser considerados vários aspetos, entre eles
o conhecimento do comportamento da estrutura, os danos existentes e as suas causas e o
conhecimento das consequências do reforço no comportamento da estrutura.

Como referido no parágrafo 4.3, nos últimos anos a Igreja Matriz de Bucelas teve algumas pequenas
intervenções a nível estrutural, destacando-se o enchimento de juntas com argamassas cimentícias e
a colocação de “grampos” metálicos para ligação de aduelas dos arcos de cantaria que, aparentemente,
não solucionaram o problema, tornando necessário uma nova intervenção.

4.7.2. Solução de Reforço

O principal problema na Igreja Matriz de Bucelas é a grande deformação da abóbada da nave central.
A escolha da solução de reforço que se propõe no presente documento visa a restrição do movimento
horizontal dos apoios das abóbadas, recorrendo-se a elementos metálicos para impedir esse
deslocamento, prevenindo-se o avanço da fendilhação. Sabe-se das análises efetuadas anteriormente
que os elementos de reforço a colocar na nave central vão funcionar à tração e que os que serão
colocados nas naves laterais vão funcionar à compressão. Assim, recorreu-se tirantes de diâmetro de
32 mm para a nave central e perfis metálicos tubulares com 80 mm de diâmetro e 6 mm de espessura
para as naves laterais. Não obstante não seja aqui proposto, seria da maior conveniência a remoção
dos apoios centrais da viga de cumeeira no fecho dos arcos. A solução de reforço que se propõe no
presente documento não pode, portanto, ser considerada como a solução definitiva, mas sim uma
solução de reforço provisória.

69
Figura 4.39 - Proposta para a solução de reforço. Modelo de elementos discretos (3DEC).

4.7.3. Modelação Tridimensional da Solução de Reforço Proposta - Análise Estática.

Os elementos dum modelo computacional devem descrever o correto funcionamento da estrutura,


efetuando-se, quando necessário, algumas hipóteses simplificativas. No modelo de elementos
discretos tridimensional da Igreja reforçada foi necessário assegurar que: os elementos de reforço da
nave central (tirantes) apenas funcionam em tração e os elementos das naves laterais em compressão.

Para os primeiros elementos, tirantes metálicos de 32 mm de diâmetro, foi usado o comando STRUCT
CABLE do programa de cálculo automático 3DEC. Estes elementos ligam-se a um ponto no interior do
bloco e, apenas resistem a forças de tração, tal como se pretendia. Além das propriedades do elemento
foi necessário atribuir propriedades à ligação entre estes e os blocos. Essas propriedades estão
apresentadas na tabela 4-8.

Tabela 4-8 Propriedades dos elementos do troço central

A (m2) 8,0425x10-4

Es (MPa) 210x103

σu (MPa) 0,5

Kbond (MPa) 1x106

Sbond (MPa) 1x106

onde: A é a área da seção transversal, Es é o módulo de elasticidade, σu é a tensão de rutura, Kbond é a


rigidez de compressão da ligação e Sbond é a rigidez de corte da ligação.

70
Para os elementos de reforço das naves laterais considerou-se uma hipótese simplificativa. Uma vez
que o objetivo da introdução dos perfis metálicos era impedir o encurtamento dos vãos dos arcos
laterais, foram usados blocos rígidos ligados às aduelas dos arcos, garantindo-se, assim, esse
funcionamento. Numa fase de dimensionamento da solução de reforço, fora do âmbito do presente
documento, haverá que verificar se a deformabilidade dos elementos tubulares é compatível com esta
hipótese e se a sua resistência é suficiente para suportar o esforço axial de compressão que é
mobilizado.

Na análise estática da estrutura reforçada considerou-se uma carga concentrada aplicada no fecho do
arco 2, tal como foi efetuado para a estrutura completa (parágrafo 4.6.6) permitindo comparar os
resultados. Com a introdução dos tirantes na nave central e dos perfis metálicos nas naves laterais a
carga de colapso obtida foi de 395 kN, cerca de 3 vezes superior à carga de colapso da estrutura
original. Saliente-se que neste estudo, tal como em todos os estudos anteriores, não houve qualquer
limitação no que diz respeito à resistência à compressão dos elementos dos arcos e abóbadas. Assim,
o valor obtido poderá não ser, de facto, atingido em virtude de esmagamentos locais de blocos de pedra
ou de alvenaria.

Tabela 4-9 Comparação das cargas de colapso para a estrutura com e sem reforço

Modelo tridimensional Carga de colapso

Com reforço 395 kN

Sem reforço 117 kN

Para uma carga de 390 kN, ligeiramente inferior à de colapso, os resultados do modelo numérico
mostram que a força axial no tirante é de, apenas, 86 kN. No entanto, este valor poderá divergir do
valor real, pois a modelação dos elementos laterais através de elementos rígidos, faz com que grande
parte do impulso horizontal seja absorvido pelas escoras das naves laterais.

Tendo em conta os valores apresentados na tabela 4-9, pode-se afirmar que em termos estáticos a
solução é eficaz pois aumenta a carga de colapso cerca de 3,4 vezes, impede o aumento do vão dos
arcos centrais e previne a fendilhação.

Refira-se, por fim, que a estratégia de modelação considerada para as escoras das naves laterais,
elementos rígidos, impede que se obtenha devidamente o esforço axial nesses elementos.

71
4.7.4. Modelação Bidimensional da Solução de Reforço Proposta - Análise Dinâmica

O objetivo da análise dinâmica que se apresenta neste parágrafo é identificar melhorias do


comportamento sísmico da estrutura da Igreja Matriz de Bucelas quando reforçada através da solução
proposta.

Por limitações computacionais, o modelo tridimensional não foi utilizado na análise dinâmica da
estrutura reforçada. Utilizou-se, em alternativa um modelo plano, bidimensional, em tudo idêntico ao
anterior. O modelo bidimensional apesar de não simular a verdadeira resistência sísmica da Igreja
permite perceber o funcionamento da estrutura quando sujeita à ação dum sismo e analisar a eficácia
da solução de reforço proposta a esse tipo de solicitação. A modelação da solução no modelo de
elementos discretos bidimensional (UDEC) foi efetuada de maneira semelhante à do modelo de
elementos discretos tridimensional (3DEC) presente no parágrafo 4.7.3.

A estrutura não reforçada e a estrutura reforçada foram submetidas a uma carga vertical no valor de
32 kN, aplicada no fecho do arco central, e ao movimento horizontal do bloco da base correspondente
a um sinal compatível com um sismo regulamentar do tipo 2, para o município de Loures, cujo
acelerograma se encontra representado na Figura 4.40.

Acelerograma
2

1,5

1
Acelaração (m/s2)

0,5

-0,5

-1

-1,5
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
Tempo (s)

Figura 4.40 - Acelerograma de um movimento sísmico compatível com o sismo regulamentar do tipo 2
para o município de Loures.

O ensaio dinâmico realizado com a estrutura não reforçada revela que esta apresenta uma resistência
relativamente baixa a movimentos horizontais aplicados na sua base. Quando solicitada pelo
acelerograma da Figura 4.40, o colapso da estrutura ocorreu ao fim de 4,3 s (Figura 4.41). Contudo, é
de referir que neste ensaio não se simula a verdadeira resistência sísmica da Igreja não reforçada, pois
assumiram-se diversas hipóteses simplificativas, nomeadamente pelo facto do modelo plano não
considerar os efeitos tridimensionais da estrutura.

72
Figura 4.41 - Estrutura não reforçada submetida ao acelerograma aplicado no bloco base – modo de
colapso ao fim de 4,3 s.

Como se pode verificar na Figura 4.42, a estrutura reforçada quando sujeita ao acelarograma da Figura
4.40 não apresenta deformações graves ao fim de 20 s. Apesar de não se poder concluir que esta
solução de reforço garante a resistência da Igreja a um sismo deste tipo, nomeadamente pelo facto de
não se ter considerado a massa da cobertura, nem a componente vertical da ação sismica, que podem,
neste caso, ter bastante influencia na instabilidade da estrutura, estes resultados permitem assegurar
que os elementos metálicos horizontais considerados melhoram consideravelmente o funcionamento
global da estrutura.

Figura 4.42 - Estrutura reforçada submetida ao acelerograma.

4.8.5. Conclusão

O significativo aumento de vão que se verifica nos arcos e abóbada da nave central apresenta-se como
o principal problema estrutural da Igreja Matriz de Bucelas. A solução de reforço proposta visa impedir
esse aumento de vão e aumentar a resistência da estrutura para cargas verticais e para a ação sísmica.
As análises efetuadas nos modelos de elementos discretos bidimensionais e tridimensionais revelam
que a introdução dos elementos metálicos na base dos arcos melhoram o comportamento da estrutura,
tanto para ações estáticas como para ações dinâmicas. Contudo, a não consideração no modelo da

73
massa da cobertura, nem da componente vertical da ação sísmica, pode dar a ideia dum nível de
segurança superior ao real, pois é de esperar que esses efeitos não simulados possam provocar o
colapso da abóbada. Assim, a solução de reforço proposta deve ser entendida, pelo menos nesta fase,
como solução de reforço mínima e de carácter provisório, sendo aconselhável uma solução que reduza
a massa da laje de cobertura, ou pelo menos, os seus efeitos sobre a abóbada da nave central. Não
obstante dos bons resultados obtidos com a solução de reforço proposta, propõe-se uma outra solução
de reforço a estudar. A introdução de um sistema em treliça semelhante ao apresenta na Figura 4.43
permitiria suspender a viga de cumeeira, transferindo a carga instalada no fecho da abóbada para as
paredes laterais.

Figura 4.43 - Solução de reforço a estudar

Esta solução não foi, no entanto, estudada através de modelos computacionais, sendo apenas uma
alternativa a estudar em futuros desenvolvimentos deste trabalho.

74
5. Conclusões e Perspetivas de Desenvolvimentos Futuros

5.1. Conclusões

O arco estrutural é uma invenção milenar e durante séculos a sua utilização fundamentou-se em regras
estruturais baseadas na tradição e no conhecimento empírico. Com surgimento da ciência moderna, o
conhecimento empírico passou a ser visto como insuficiente para justificar o dimensionamento de
estruturas, tendo surgindo a partir dai várias teorias científicas que possibilitam a compreensão do
comportamento de estruturas arqueadas. O conceito de linha de pressões, ainda usado atualmente,
permite avaliar a estabilidade de um arco através do conhecimento da sua localização. O equilíbrio de
um arco está garantido se a linha de pressões estiver totalmente contida dentro da espessura total do
arco pois garante que não existem tensões de tração na estrutura.

Recorrendo ao conceito de linha de pressões aplicado à Teoria da Análise Limite é possível determinar
a espessura mínima admissível (t/Rmin) para estruturas arqueadas planas com diferentes ângulos de
abertura. Usando o valor proposto por Antunes, 2010, para um arco circular com um ângulo de abertura
de 180º o quociente entre espessura mínima admissível e o seu raio é de 0,1074, concluindo-se que a
espessura de 0,18 m da abóbada central da Igreja Matriz de Bucelas é insuficiente para garantir o seu
equilíbrio, sem que exista enchimento no seu extradorso. Conclui-se portanto que o enchimento do
extradorso é fundamental para garantir o equilíbrio, tal como foi comprovado no capítulo 4 pelas
análises efetuadas com recurso ao software UDEC.

O Método dos Elementos Discretos foi selecionado nesta dissertação por ser mais adequado à
simulação de estruturas em blocos ou onde a fendilhação é mais localizada. Noutros métodos, como o
Método dos Elementos Finitos, apesar de serem mais fiáveis, a obtenção de resultados é mais difícil.

A análise da Igreja Matriz de Bucelas foi realizada através de modelos bidimensionais recorrendo ao
software UDEC e tridimensionais recorrendo ao software 3DEC. O processo de análise da estrutura e
da proposta de reforço consistiu nos seguintes passos:

1. Estudo histórico da estrutura;


2. Levantamento fotográfico dos elementos da estrutura, focando-se nas deformações
principais;
3. Levantamento topográfico da geometria da estrutura;
4. Definição das características materiais da estrutura;
5. Modelação da estrutura nos softwares UDEC e 3DEC;
6. Avaliação da capacidade resistente da estrutura não reforçada;
7. Apresentação da Proposta de Reforço;
8. Avaliação estática e dinâmica da proposta apresentada;

75
Importa referir que no início desta dissertação os pontos 1, 2, e 3 enumerados anteriormente, já se
encontravam parcialmente efetuados, no entanto uma visita à Igreja durante a elaboração da
dissertação, permitiu obter dados importantes, como a espessura real da abóbada e a existência do
enchimento no seu extradorso.

Embora se desconheça se foram tomadas outras medidas corretivas com efeito benéfico sobre a
estrutura, pode afirmar-se que a remoção parcial do enchimento no extradorso “carrego” da abóbada,
realizada na obra que se seguiu ao sismo, e o apoio da viga de cumeeira no fecho dos arcos foram
prejudiciais para a abóbada.

A elaboração de modelos bidimensionais e tridimensionais permitiu comparar os resultados por estes


dois tipos de análises, sendo que apesar da não se obter diferenças muito elevadas, os modelos
tridimensionais permitem obter resultados mais realistas.

A solução de reforço estudada melhora o comportamento estático e dinâmico da estrutura em questão.


A introdução dos tirantes na nave central e de escoras (perfis metálicos) resultou, no aumento da carga
de colapso de 91 kN para 395 kN. A estrutura foi ainda submetida a um ensaio dinâmico, realizado no
modelo plano por questões de esforço computacional, concluindo-se que a introdução dos elementos
transversais melhora consideravelmente o funcionamento global da estrutura a este tipo de ações.

5.2. Desenvolvimentos Futuros

Poderão ser realizados desenvolvimentos futuros dos temas abordados na presente investigação, para
aumentar o campo de aplicação das conclusões retiradas. Neste sentido, os futuros estudos devem
incidir sobre:

- Melhor caracterização dos elementos constituintes da estrutura analisada, através de ensaios aos
materiais in-situ;

- Monitorizar a estrutura;

- Melhor definição da geometria da estrutura, nomeadamente nos modelos tridimensionais, de maneira


a obter resultados mais fiáveis para as diversas análises a efetuar;

- Analisar mais em detalhe a solução de reforço proposta e outras, com resultados mais quantitativos,
e em modelos tridimensionais;

- Estudar o efeito da reposição do carrego e definir o nível adequado de reposição;

- Estudar o efeito do pré-esforço no vão central;

- Aplicação de modelos de elementos discretos tridimensionais (3DEC) a outro tipo de estruturas de


alvenaria permitindo aprofundar a aplicabilidade do software a este tipo de estruturas.

76
6. Bibliografia

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78
ANEXOS

Figura A. 1 – Arco 1: Vista do Altar

A
Figura A. 2 – Arco 2: Vista do Altar

B
Figura A. 3 – Arco 3: Vista do Altar

C
Figura A. 4 – Arco 4: Vista do Altar

D
Figura A. 5 – Arco 5: Vista do altar

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