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AS ESTRATÉGIAS DE LULA I (2003-2006) E FOX (2000-2006) PARA A


INTEGRAÇÃO REGIONAL
Ricardo Neves Streich1
André Luiz Godoy Ponce2

RESUMO
O presente trabalho busca discutir o papel que as políticas de integração regional
desempenharam nas estratégias de desenvolvimento econômica dos governos de Luiz Inácio
Lula da Silva (Brasil, 2003-2006) e Vicente Quesada Fox (México 2000-2006). Partimos do
pressuposto de que a condução da política externa possui íntima relação com a política interna
de cada país. Por isso, a escolha em comparar governantes de orientações ideológicas distintas
dos dois países mais ricos e economicamente complexos da América Latina permite observar
as semelhanças e diferenças no que diz respeito tanto à condução da política externa quanto da
política interna.
Palavras-chave: Brasil – México – Integração Regional – Lula – Fox

ABSTRACT

The present paper seeks to discuss the role played by regional integration policies in the
economic development strategies of the governments of Luiz Inácio Lula da Silva (Brazil,
2003-2006) and Vicente Quesada Fox (Mexico 2000-2006). We start from the assumption that
the conduct of foreign policy is closely related to the domestic politics of each country. For this
reason, the choice to compare rulers with distinct ideological orientations from the two richest
and most economically complex countries of Latin America allows us to observe the similarities
and differences regarding both the conduct of foreign policy and domestic politics.

Keywords: Brazil – México – Regional Integration – Lula - Fox

1
Doutorando em História Econômica pela FFLCH-USP. Bolsista FAPESP (processo: 2017/17481-2)
2
Doutorando em História Econômica pela FFLCH-USP.
2

Introdução

O presente artigo pretende abordar o papel que a integração econômica cumpriu na

elaboração das estratégias de desenvolvimento dos governos de Vicente Fox (2000-2006) no

México e no primeiro mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) no Brasil.

Nesse sentido, nos parece fundamental justificar os critérios de escolha dos países

comparados. Brasil e México foram escolhidos fundamentalmente por três razões, a saber: 1)

trata-se das duas maiores economias da América Latina; 2) a estrutura econômica dos países é

relativamente parecida, já que ambos possuem um parque industrial desenvolvido

(especialmente no tocante à indústria automotiva), grandes conglomerados de comunicação,

empresas petrolíferas importantes, além de serem exportadores de commodities; 3) o histórico

e grave problema de pobreza e desigualdade econômica existente nas duas nações.

Na virada para o século XXI, Brasil e México enfrentavam crises econômicas que

acarretaram o desgaste das forças políticas que impuseram e/ou sustentaram a implementação

dos pressupostos do Consenso de Washington na década de 1990. Nesse sentido, no ano 2000

– início do nosso recorte cronológico - o eleitorado mexicano impôs a primeira derrota eleitoral

ao PRI (Partido Revolucionário Institucional) em 70 anos, quando levou ao poder Vicente Fox,

do Partido Acción Nacional (PAN). Já no Brasil, em 2002, a novidade foi a eleição de Luiz

Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), o primeiro presidente eleito, desde o

fim da Ditadura Militar brasileira, levantando a bandeira da esquerda.

As eleições desses governantes representavam o desejo popular de transformação. Por

isso, é interessante observar que ambos trabalharam com uma estratégia retórica bastante

semelhante: a crítica de uma “herança maldita”. Entretanto, o conteúdo ideológico das respostas

apresentadas aos dramas socioeconômicos variaram bastante. Enquanto Vicente Fox – cujo

lema de campanha era “Gobierno del Cambio” – apostava no combate ao patrimonialismo e à


3

corrupção para desenvolver a economia do país e erradicar a miséria, Lula mobilizou “Um

Brasil Para Todos” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002) – título de seu programa de

governo – elencando a forte atuação do Estado como motor de inclusão social3.

Em linhas gerais, podemos dizer que, apesar das diferenças ideológicas, os dois

presidentes apostaram nesse primeiro momento em estratégias macroeconômicas similares. A

fim de evitar pressões inflacionárias, buscaram manter o equilíbrio fiscal e o superávit primário.

Nesse sentido, a razão Dívida Pública/PIB4 diminuiu nos dois países tanto em função da

contenção de gastos públicos quanto do crescimento do PIB5.

O bom desempenho na economia se refletiu em diversos indicadores sociais dos países,

como indica a redução da taxa de pobreza. No México, Fox logrou reduzir a pobreza em quase

10%, ao passo que a redução brasileira no primeiro governo Lula foi mais tímida, 3,4%

(CEPALSTATS).

Dessa forma, nos dois casos os pleitos presidenciais de 2006 deram vitória a projetos de

continuidade. No Brasil, Lula foi reeleito para mais um mandato de quatro anos. No México,

onde a reeleição não é permitida, o vencedor foi Felipe Calderón do mesmo partido de seu

antecessor, o PAN, que governaria o México por mais seis anos. Em termos de conjuntura

econômica, naquele momento o continente latino-americano estava favorecido pelo aumento

generalizado de preços de matérias-primas – fenômeno conhecido como boom das commodities

3
Veja-se, por exemplo, o discurso de posse de Fox (2000), no qual o crescimento econômico e a diminuição da
pobreza são apresentados como consequências de uma gestão eficiente. Já no caso do PT, o protagonismo do
Estado não implicaria o desajuste das contas públicas, conforme importante documento da época: a Carta ao Povo
Brasileiro (SILVA, 2002). Essa dualidade – responsabilidade fiscal e inclusão social – foi a marca dos governos
Lula (tendo sofrido modificações no governo de Dilma Roussef.
4
Em 2000 a Razão Dívida Pública Bruta/PIB no México era de 41,85%, caindo para 37,75% em 2006 (FMI). O
Brasil, por sua vez, experimentou redução maior: de 73,75%, em 2003, para 65,8% em 2006.
5
A média de crescimento durante o primeiro governo Lula (2002-2006) foi de 3,7%. No governo de Fox (2000-
2006) a média foi de 2,2%. Importante ressaltar que os primeiros anos dos dois governantes – especialmente Fox
– sofreram bastante os reflexos da crise econômica da virada do século. Para efeito de registro, em 2006, o Brasil
cresceu 4% e o México, 5%. (FMI)
4

– impulsionado principalmente pelas altas taxas de crescimento da economia chinesa. Nesse

sentido é importante se indagar qual o papel da integração regional na elaboração dessas

estratégias de desenvolvimento?

A política externa como política pública: o potencial dos aspectos dinâmicos da Integração
Regional

Nos anos 1990, surge o “novo regionalismo”, que busca promover uma integração agora

denominada “aberta”, em detrimento da antiga cujo foco era a “substituição de importações”.

De modo geral, podemos dizer que o impulso da renovação das concepções integracionistas

advém de dois motivos: 1) a superação da longa e crônica crise econômica que abateu o

continente desde os anos 1980; 2) a insatisfação com o andamento das questões debatidas nos

fóruns multilaterais (especialmente as negociações do GATT que acarretariam na criação da

OMC). Uma vez que o processo de industrialização já havia ocorrido na região, os desafios

agora consistiam em tornar mais eficientes as estruturas de produção já existentes através do

estímulo a uma economia internacional mais aberta, livre de travas e amarras à troca de bens e

serviços (OLIVEIRA, 2014; BRAGA, 2011).

Nesse contexto, importantes iniciativas como o MERCOSUL e o NAFTA foram

desenvolvidas. O MERCOSUL foi resultado da aproximação entre Brasil e Argentina no

contexto de suas redemocratizações, que enfrentavam dificuldades derivadas da crise financeira

que abateu o continente nos anos 1980. A assinatura do Tratado de Assunção em março de 1991

delineava

a criação de um mercado comum até 31 de dezembro de 1994, que implicaria na “livre


circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros,
da eliminação dos direitos alfandegários restrições não tarifárias à circulação de
mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente” (BRASIL, 1991, p.1-2). O
documento também determinava a criação de uma tarifa externa comum e a adoção
de uma mesma política comercial entre os países membros. Quando o prazo se esgotou
os governantes decidiram firmar o Protocolo de Ouro Preto, cuja função foi
complementar o Tratado de Assunção. Quanto à Tarifa Externa Comum, que constitui
o núcleo duro de uma União Aduaneira, sua implementação nunca ocorreu na
5

totalidade. Diante da resistência de diversos setores econômicos, os países-membros


mantiveram a prerrogativa de manterem listas de exceções com tarifas diferenciadas
para uma série de produtos (WENZEL, 2017).

Nesse sentido, podemos dizer, tal qual Carvalho (2017) que atualmente o processo de

integração econômica do MERCOSUL encontra-se “bloqueado”, já que a dificuldade de

cooperação entre as duas maiores economias do bloco (Brasil e Argentina) prevalecem e

acabam por abrir espaços para produtos provenientes de outros países, especialmente a China.

O NAFTA, por sua vez, surge do desenvolvimento do Acordo de Livre Comércio EUA-

CANADÁ, assinado em 1985. O desenvolvimento do acordo fez o governo Bush ampliar a

ambição de integração ao incluir o México. Ancorado no famoso documento “Iniciativa para

as Américas”, o plano de Bush era o de criar uma área de livre comércio do Alasca à Patagônia,

daí o primeiro passo de incluir o México no processo de integração delineado junto ao Canadá.

Nesse sentido, a novidade da assinatura de um tratado de livre comércio entre países

desenvolvidos e países em desenvolvimento, cumpriu um papel importante. De acordo com

Carvalho (2017):

A inclusão do México também estava relacionada a um outro fenômeno internacional


do período: a concorrência que as empresas europeias e japonesa estava realizando
frente às empresas americanas. A criação de uma zona de livre comércio, além de
permitir a atuação das empresas norte-americanas em um espaço geográfico protegido
e ampliado, viabilizaria uma escala de produção maior, ao mesmo tempo em que
permitiria a exploração de fatores sociais de produção importantes, como a mão de
obra mais barata que viria ser encontrada em território mexicano (PRAXEDES e
PILETTI, 1997, p. 28). Não sem razão, alguns autores como Silber (1994, p. 18),
destacam que o comércio México/EUA é marcado fortemente por empresas
multinacionais norte-americanas, as chamadas “maquiladoras”, engendrando grande
comércio internacional intrafirma.

Do ponto de vista mexicano, a adoção da liberalização significou ganhos diretos,

especialmente no que diz respeito ao Investimento Direto (MOTONAGA, 1996). Contudo,

passados mais de 20 anos do estabelecimento do bloco as vantagens imediatas ganhadas pelo

México parecem esgotadas, especialmente quando se tem em conta que o acordo de livre
6

comercio não evoluiu no sentido de permitir a livre mobilidade dos fatores de produção,

tornando os movimentos emigratórios para os Estados Unidos uma das questões mais urgentes

a serem resolvidas pelos governantes mexicanos.

A inserção internacional de Lula e Fox

Inicialmente, é imperioso esclarecer uma distinção fundamental entre termos que são

usualmente tomados como sinônimos, mas que representam conceitos distintos: política externa

e diplomacia. Em qualquer regime presidencial é o presidente quem formula a Política Externa,

que não deve ser confundida com diplomacia, pois esta é uma ferramenta daquela. Desse modo,

a diplomacia operaria o interesse nacional, adequando sua atuação dentro da proposta maior de

política externa, matéria prima de sua ação. Por isso, como já mencionado nas páginas iniciais

deste artigo, a política externa guarda uma íntima relação com a política interna e, assumindo

tal premissa, devemos observar quais eram as principais ações governamentais naquele

quadrante temporal.

A fim de comparar os resultados das estratégias de inserção internacional de Fox e Lula

mobilizaremos o conceito de Diplomacia Presidencial. O conceito proposto por Sérgio França

Danese (1999) é utilizado para expressar um afastamento da diplomacia tradicional, ou seja,

quando se privilegia a condução pessoal dos assuntos de política externa pelo presidente. Para o

autor, a Diplomacia Presidencial (que pode ser entendida também como diplomacia de cúpula,

de chefes de estado ou de mandatários) manifesta-se quando o presidente ultrapassa a função

meramente protocolar; é o momento em que ocorre “a condução pessoal de assuntos de política

externa, fora da mera rotina ou das atribuições ex-officio, pelo presidente” (DANESE, 1999, p.

51). Relaciona-se, enfim, com o poder que o mandatário, de fato, detém.


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Danese sustenta que a Diplomacia Presidencial sempre representa um apartamento do

modelo tradicional, obedecendo “a uma intensa lógica extradiplomática, ligada ao papel e ao

projeto político do presidente” (DANESE, 1999, p.21). Considerando que o mandatário pode

atuar em diversos níveis, o autor propõe uma gradação interna para a diplomacia de cúpula: o

grau zero, referente ao exercício apenas protocolar; o primeiro grau, quando o mandatário reage

a solicitações ou pressões externas, sendo elas burocráticas ou não, em virtude de sua condição

de instância decisória superior; o segundo grau, descrito em suas palavras como o “limite da

imensa maioria das diplomacias ao redor do mundo” (DANESE, 1999, p. 51); e, finalmente, o

terceiro grau, em que o mandatário “conduz pessoalmente a política externa segundo sua própria

sensibilidade e senso de oportunidade” (DANESE, 1999, p. 21).

Nesse sentido, o autor propõe que a política interna é um dos eixos da diplomacia

presidencial, especialmente quando o projeto da diplomacia de cúpula está ligado a um grande

projeto nacional, no âmbito do qual tal política constitui-se em fator de poder, ligado a um plano

efetivo de liderança – interna, regional ou internacional (DANESE, 1999, p. 98-102).

Prosseguimos, então, à análise dos casos de México e Brasil para compreender como as opções

de condução da política externa se relacionaram com o projeto nacional de cada um dos

presidentes.

O “Gobierno del Cambio” de Vicente Fox (2000-2006)

Vicente Fox foi eleito presidente do México em 2000 com uma plataforma de cunho

liberalizante. Seu “Gobierno del Cambio” – do ponto de vista internacional – foi bem recebido

pelo mercado, até mesmo porque Fox fora CEO da Coca-cola Company no México.

A assimetria e a proximidade com os Estados Unidos tornam esse um tema central para

qualquer governo mexicano, especialmente após a vigência do NAFTA, o qual representou um


8

giro na tendência histórica mexicana de afrontar o vizinho do norte. É importante destacar que

a entrada do México no NAFTA representou um otimismo que se refletiu nas taxas de

considerável crescimento econômico nos primeiros anos após a sua criação em 1994.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), após o chamado “efeito tequila” a

recuperação econômica mexicana se deu a uma taxa média de crescimento de 5,1% a.a. entre

1996 e 2000. Boa parte da recuperação econômica se deu em função do aumento do comércio

exterior impulsionado pela entrada do país no NAFTA. Como detalharemos adiante, boa parte

desse modelo de crescimento significou atrelar os rumos da economia mexicana ao rumo da

maior economia do mundo, a dos Estados Unidos. Nesse sentido, o gráfico 1, a seguir,

demonstra o aumento da participação das importações e exportações no PIB do país.

Gráfico 1 - Importações e exportações em percentual do PIB mexicano

Elaboração: Osvaldo Bardomiano (2014)

A presidência de Fox, nesse sentido, representa um aprofundamento da tendência de

buscar a aproximação com o vizinho do norte, já que as relações com os Estados Unidos e

Canadá formam o primeiro dos três eixos que conduziram a elaboração da agenda mexicana de

política internacional nos primórdios dos anos 2000. Os outros dois eixos são a diversificação

com a América Latina e a Europa e o aprofundamento da participação em fóruns multilaterais.


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No que diz respeito ao primeiro dos eixos – o NAFTA – a principal proposta de Jorge

Casteñeda (Ministro das Relações Exteriores de Fox), era a de aprofundar as relações com

Estados Unidos e Canadá, de modo a incluir o trânsito de pessoas no processo de integração

entre os três países6. Contudo, é importante notar que a assimetria econômica dos países impede

a negociação em termos de igualdade. Por isso a proposta do Chanceler mexicano também

levava em conta o combate à imigração não autorizada:

1) La mejora del trato hacia los migrantes mexicanos, ampliando el acceso a las visas
y a la regularización de su situación migratoria; 2) ayudar a reducir la migración
indocumentada por medio de la cooperación bilateral en el combate a las
organizaciones criminales dedicadas al tráfico de personas, así como salvar vidas al
prevenir y evitar cruces fronterizos peligrosos; 3) construir conjuntamente una región
fronteriza viable; y 4) enfocar las políticas de desarrollo hacia las comunidades
emisoras y fortalecer la economía mexicana, con el fin de reducir la presión migratoria
(ITAM, 2001)

Ademais, é importante observar que Vicente Fox foi um defensor da implementação da

Área Livre de Comércio das Américas (ALCA). Nesse sentido, como ele aponta em entrevista

para a Folha de São Paulo na ocasião de visita ao Brasil no ano de 2002, a integração no âmbito

do livre comércio seria a receita para o desenvolvimento latino-americano:

Para nós é tão importante que o México cresça e se desenvolva como que os outros
países também cresçam. Um exemplo: se a economia dos EUA não cresce, nós não
crescemos. Tenho que torcer bastante para que os EUA cresçam. Ocorre o mesmo
com o Mercosul. Se a Argentina não se recuperar, o Brasil terá dificuldades, o Chile
vai ter dificuldades, o Uruguai vai ter dificuldades. Precisamos de um avanço regional,
de um avanço equitativo para todos. Essa é nossa visão e estamos convencidos que a
Alca vai permitir isso. A Alca permitirá que a América Central -hoje um lugar de
muita pobreza e marginalização- ingresse num processo de desenvolvimento. Isso
interessa muitíssimo ao México. Convém muito ao México que a América Central
cresça, que o Haiti resolva seus problemas, que as populações do Caribe tenham um
melhor nível de vida. O México entende isso porque estamos na metade desse
processo de desenvolvimento. Não somos um país totalmente desenvolvido, mas
também não somos um país com a pobreza extrema que os outros têm. Isso permite a
nós entender os dois lados da equação e buscar um desenvolvimento compartilhado
(FOLHA DE SÃO PAULO, 2002).

A grade dependência dos Estados Unidos reduziu muito a possibilidade barganha

mexicana no NAFTA. Nesse sentido, podemos salientar os tímidos esforços de diversificação

6
Vale lembrar que Vicente Fox em sua campanha, dizia que governaria também para os 20 milhões de mexicanos
que viviam nos Estados Unidos, além de diversas vezes citar a União Europeia como modelo a ser perseguido.
10

dos parceiros comerciais (especialmente no que diz respeito à América Latina e à Europa) que

eram vistos como a construção de uma alternativa que permitiria ao México barganhar com os

Estados Unidos (RUIZ SANDOVAL, 2008). A própria defesa da implementação da ALCA por

parte do mandatário mexicano deve ser compreendida nessa chave de análise.

A incapacidade de barganhar termos economicamente mais favoráveis dentro do

NAFTA, além da conjuntura interna dos EUA (baixo crescimento econômico e os ataques

terroristas às Torres Gêmeas do 11 de setembro de 2001), acarretou mudança de prioridades

nas relações bilaterais entre México e Estados Unidos. A euforia com o acordo de livre

comércio que caracterizou as relações dos dois países nos anos finais de 1990 impunha à

economia o peso de tópico mais importante nas relações entre os dois países. Contudo, nessa

nova conjuntura os temas foram se deslocando para o controle fronteiriço – especialmente no

que diz respeito à questão do controle do narcotráfico, crime organizado, terrorismo e

contrabando de mercadorias.

Nesse sentido, em 24 de março de 2005, foi assinada a Aliança para a Segurança e

Prosperidade da América do Norte (ASPAN) entre os governantes de México, Estados Unidos

e Canadá. O estabelecimento da Aliança acabou por ser a consolidação da rota distante da

economia na condução das relações entre os membros do NAFTA. Ao mesmo tempo, também

representou um retrocesso às pretensões do governo Fox em estabelecer a livre circulação de

pessoas no âmbito do NAFTA, já que agora havia uma exigência muito maior do controle das

fronteiras. É interessante observar, contudo, que apesar de não ser o foco do acordo, a

assinatura da ASPAN reverte a leve tendência de queda de participação estadunidense nas

exportações mexicanas (ver tabela 1):


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Tabela 1 – Principais parceiros nas exportações mexicanas

Fonte: FRANZONI (2018) com dados da Secretaria de Relações Exteriores do México

A leve, mas constante, diminuição da participação estadunidense no percentual das

exportações mexicanas pode ser explicada pelas tentativas de Fox de ampliar a gama de

parceiros comerciais, especialmente a União Europeia (ainda que timidamente, como indica a

tabela). Contudo, as viagens de Fox à Europa, em sua maioria, foram curtas e com objetivo de

captar recursos de investimentos estrangeiros diretos com promessas de reformas que

possibilitariam e facilitariam a entrada do capital privado em setores importantes (e

tradicionalmente ligados a empresas estatais) da economia mexicana, como por exemplo a

indústria petroquímica e a de gás natural (LOZAS MUÑOZ, 2003).

É importante notar que apesar dos esforços de Fox, especialmente amparado no Acuerdo

de Asociación Económica, Concertación Política y Cooperación, não deram resultados em

termos relativos. É muito difícil para o México sair da sombra dos Estados Unidos. Por

exemplo, em 2008 a União Europeia era o segundo parceiro do México com apenas 6% do

comércio mexicano sendo destinado ao Velho Mundo. Por outro lado, o México não se

encontrava sequer entre os 15 primeiros parceiros da União Europeia naquele mesmo período.

Um breve episódio sintetiza bem a posição de Fox diante da Europa:

Para muestra de la disociación entre las acciones y los objetivos, baste mencionar que,
en una reunión paralela a la cumbre Unión Europea-Amé- rica Latina celebrada en
mayo de 2002 en Madrid, en la que el presidente Vicente Fox, a pesar de estar en
Europa para una reunión con la Unión Europea, al referirse a las prioridades de la
política exterior de México se limitó a hablar, primero, de querer tener mayor
12

actividad en foros multilaterales y, segundo, de la intención de profundizar la relación


con América del Norte. Ni una palabra sobre la estrategia del gobierno con respecto a
la Europa de los entonces 15 (Cf. RUIZ SANDOVAL, 2008).

No que diz respeito à América Latina – segundo dos eixos da política externa mexicana

do período -, a prioridade correu no sentido mais político do que econômico. De acordo com o

Plan Nacional de Desarrollo (2001) os objetivos da política externa mexicana para o continente

latino-americano eram o estabelecimento de canais de comunicação e a criação de espaços de

entendimento e diálogo, além da defesa do aprofundamento da democracia na região.

O terceiro eixo consistiu no maior peso atribuído aos fóruns multilaterais. Destaca-se

nesse sentido a forte campanha mexicana para ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança

da ONU. De maneira geral, podemos dizer que a política externa mexicana no século XXI foi

marcada por duas características:

Primeiro, ela passou a ser de caráter reativo a proativo; segundo, está transformando
sua natureza legalista em uma mais pragmática; e, terceiro, passou de uma posição de
isolamento relativo a uma de abertura ao mundo. Essas tendências já se observavam
na área de política externa comercial desde o sexênio de Salinas, mas nas
administrações de Fox e Calderón, se generalizam para todas as áreas de política
externa (NETO; SCHIAVON, 2010).

Nesse sentido, o forte presidencialismo que caracteriza o regime político mexicano

impõe ao presidente um grande peso na elaboração da agenda de política externa. Por isso, a

abertura proposta por Fox tenta ser coerente com a sua proposta de superar o passado autoritário

que marca a história do México. Daí se explica, por exemplo, a opção da atuação

predominantemente política – especialmente quando falamos do continente latino-americano –

na defesa da democracia e dos direitos humanos (TARTARO; LINO, 2017). É importante

assinalar que a atuação internacional – justamente respondendo a essas demandas internas – foi

um elemento importante do sucesso eleitoral panista (no México, onde a reeleição não é

permitida, Fox elegeu seu sucessor Felipe Calderón), apesar das críticas da intelectualidade

mais ligada à esquerda, para quem o ex-CEO da Coca Cola muito disse e pouco efetivou a
13

diversificação que aumentaria o poder de barganha frente aos Estados Unidos da América

(LOZAS MUÑOZ, 2003; GÓMEZ MUÑOZ, 2003, RUIZ SANDOVAL, 2008).

O Governo do “Brasil para Todos” de Lula (2003-2006)

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente do Brasil em 2002, com um discurso que

enfatizava a necessidade de mudanças em função das dificuldades econômicas pelas quais o

Brasil passava desde o último biênio dos anos 1990. Em termos de política externa, a questão

mais urgente foi a do receio do mercado internacional diante do novo presidente (o dólar,

naquele momento, chegou a atingir R$ 4,00 e o “Risco Brasil” alcançou seu maior patamar - 2.

400 pontos – em virtude do denominado “efeito Lula”).

Apesar das dificuldades iniciais, o governo Lula logrou – através de medidas ortodoxas

na condução macroeconômica – estabilizar a situação econômica do país. Os bons resultados

dos indicadores econômicos (e modestos, nos sociais, nesse primeiro mandato) foram

acompanhados de um incremento notável do comércio exterior em nossa balança comercial.

Nos quatro anos de seu primeiro mandato, Lula assistiu ao comércio brasileiro dobrar, partindo

de US$ 107 bilhões (2002) para US$ 228 bilhões em 2006 (BRASIL, 2007).

A opção pelo comércio internacional – além da ortodoxia na condução da política

macroeconômica - como resposta para “acalmar os mercados” se mostrou presente já no

primeiro pronunciamento de Lula como presidente da República. Em 3 janeiro de 2003, Luiz

Inácio Lula da Silva afirmou: “No meu Governo, a ação diplomática do Brasil estará orientada

por uma perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento do desenvolvimento

nacional”; prosseguindo em seu discurso de posse no Congresso Nacional, declarou ainda que:

A grande prioridade da política externa durante o meu Governo será a construção de


uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais
democráticos e de justiça social. Para isso é essencial uma ação decidida de
revitalização do Mercosul, enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e
14

por visões muitas vezes estreitas e egoístas do significado da integração. O Mercosul,


assim como a integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo um projeto
político (LULA DA SILVA, 2008, p. 15 [grifo nosso]).

Em primeiro lugar é importante observar duas dimensões demarcadas pelo discurso do

presidente eleito: a primeira nos informa que “a ação diplomática do Brasil será, antes de tudo,

um instrumento do desenvolvimento nacional”, e a segunda, que destacava a grande prioridade

da política externa brasileira, a América do Sul, objetivo que seria alcançado por uma medida

essencial, “a revitalização do Mercosul”. Tal objetivo seria “sobretudo um projeto político”.

Por isso, adotando a perspectiva de Amado Luiz Cervo (2003)7, podemos dizer que o

paradigma logístico – o vigente durante o período de Lula à frente da presidência da República

– consiste na transferência para a sociedade civil das responsabilidades do Estado empresário.

No campo das relações econômicas internacionais, trata-se de fortificar o “núcleo econômico

duro nacional, por modo a alçá-lo em termos comparativos ao núcleo forte das nações

avançadas e a abrir caminho para sua internacionalização”(CERVO, 2003, p.21) e, por isso,

esse paradigma não deve ser tomado como uma negação do desenvolvimentismo típico da

política externa brasileira do século XX, mas sim como uma tentativa de resolver as questões

apontadas pelo desenvolvimentistas a partir de outra perspectiva.

Nesse primeiro momento da elaboração da agenda de política externa, a construção da

“estratégia da autonomia pela diversificação” (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007) – que

posteriormente, seria elevada ao conceito de Cooperação Sul-Sul – possuía quatro desafios: 1)

as negociações com da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas); 2) as relações com os

EUA; 3) o MERCOSUL e a integração latino-americana; 4) a diversificação dos parceiros

7
Cervo concebe quatro paradigmas para compreender tal inserção no caso brasileiro: o liberal-conservador (1810-
1930), o desenvolvimentista (1930-1989), o “normal” ou neoliberal (1990-2002) e o logístico (governo Lula da
Silva).
15

comerciais e o estabelecimento de iniciativas de cooperação nos mais diversos âmbitos (saúde,

educação, a questão da fome e etc).

No que tange aos dois primeiros pontos, pode-se dizer que houve uma mudança – ainda

que não seja de tonalidade radical – na postura do governo Lula se comparado a seu antecessor.

No processo de negociação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), Lula passou a

negociar de forma mais dura, ao argumentar que as negociações andariam se as demandas

brasileiras (especialmente no que diz respeito ao protecionismo agrícola) fossem atendidas.

A aspereza das negociações da ALCA se traduziu na construção de uma estratégia que

buscava diversificar os parceiros comerciais e iniciativas de cooperação, de modo a minimizar

as assimetrias na relação com o governo americano8. Destacam-se nesse período, as

negociações do MERCOSUL com a União Europeia, as tentativas de aproximação do

MERCOSUL com a Comunidade Andina das Nações (CAN) e a aproximação com países em

desenvolvimento (especialmente os africanos lusófonos). A estratégia lulista de diversificação

de parceiros teve como base o fortalecimento da perspectiva integracionista na América do Sul.

Como dizia Lula em seu discurso de posse do segundo mandato: “Fizemos do entorno sul-

americano o centro de nossa política externa. O Brasil associa seu destino econômico, político

e social ao do continente, ao Mercosul e à Comunidade Sul-Americana de Nações” (LULA DA

SILVA, 2007).

Sob tal perspectiva a retórica oficial do Presidente Lula adquire sentido mais claro. De

um lado, a ação diplomática – a ferramenta – deveria ser acionada no sentido de contribuir para

a mudança de expectativas dos agentes internacionais e, de outro lado, o objetivo maior da

Política Externa – o Mercosul – teria de revestir-se antes de uma proposta de ação política, mais

que de uma ação econômica, para atingir plenamente os objetivos e metas traçados para a

8
Não a toa, em 2009, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil.
16

política interna. Podemos, então, considerar como momento fundante oficial das relações

brasileiras – sob o governo Lula - com o bloco do cone sul o discurso proferido na XXIV

Reunião de Cúpula do Mercosul, realizado em Assunção no dia 18 de junho de 2003. Vejamos

os principais tópicos emanados deste documento.

Neste encontro, o presidente Lula estabelece que as condições para a retomada do

crescimento no espaço sul-americano tornam-se possíveis em virtude da recuperação da

credibilidade externa e interna do Brasil e passa necessariamente pela estabilização da

Argentina, asseverando ainda que o comércio regional deveria retomar, em 2003, “pelo menos

os mesmos níveis de 2001”.

A partir desta anunciada recuperação, Lula propõe o PROGRAMA OBJETIVO 2006

(coincidente com o final do mandato e de nosso interregno), que contemplava os seguintes

pontos: 1) Efetiva e completa União Aduaneira até o final do mandato; 2) Construção final do

espaço comum de produção, comércio e desenvolvimento (política comercial comum,

incentivo, defesa da concorrência e compras governamentais); 3) Prioridade à implementação

de políticas que favoreçam a integração produtiva; 4) Mobilização de recursos financeiros para

apoiar o processo de integração das cadeias produtivas regionais, com a ampliação da

participação do BNDES.

Destaca-se ainda a frase que precede o encerramento do discurso: “Senhores

Presidentes: O Mercosul está no centro da estratégia brasileira de inserção no mundo” (LULA

DA SILVA, 2008, p. 30). Esta afirmação, ainda que possa representar um apreço ao bloco

regional, trai a intenção primordial da política externa imaginada: o Mercosul enquanto

instrumento da inserção internacional do Brasil. Assim, consignava-se a dimensão política do

principal objetivo da política externa brasileira para o período.


17

Outro ponto que merece destaque nos itens apresentados é a mobilização do BNDES no

esforço de integração, especialmente considerando as futuras consequências de tal esforço. Em

notícia publicada no site do Banco de fomento brasileiro - “Carteira de financiamentos a

exportações do BNDES para a América do Sul soma US$ 5,8 bilhões”. (BNDES, 2006) -, o

BNDES assume o papel de agente da Política Externa Brasileira, e comemora a “posição de

importante financiador das exportações brasileiras de bens e serviço de engenharia e construção

civil para a América do Sul”, informando o montante para aquele ano de US$ 5,8 bilhões para

o setor em sua carteira de projetos de financiamento.

Vale ressaltar que no dia 8 de dezembro de 2004 foi criada a Comunidade sul-americana

de Nações, embrião da futura da União das Nações Sul-americanas (UNASUL), um dos mais

ambiciosos projetos de integração continental propostas no período sob enfoque, que viria a

incorporar as iniciativas para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA),

como parte do Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN).

Expressiva parcela dos recursos do BNDES destinados para a América do Sul foram

consignados justamente no bojo do IIRSA. A tabela 2 facilita a visualização da importância do

financiamento em infraestrutura (engenharia e construção civil) em comparação com o

desembolso total do BNDES.

Tabela 2 – Desembolsos BNDES (realizados) para a América do Sul em US$ milhões


2003 2004 2005 2006
Desembolso total 116 208 344 219
Desembolso com 75,4 156 285,5 140
infraestrutura
Fonte: elaboração própria com dados do BNDES
Ainda no âmbito da centralidade continental na política externa brasileira, e com o

objetivo declarado de reduzir a assimetria regional dos Estados-parte do Mercosul, foi criado

em 16 de dezembro de 2004 o FOCEM (Fundo para a convergência estrutural do Mercosul) em

reunião do Conselho do Mercado Comum, reunido na capital mineira, Belo Horizonte. O


18

orçamento anual do FOCEM foi estipulado em US$ 100 milhões, integralizado nos seguintes

percentuais: Brasil – 70%, Argentina – 27%, Uruguai – 2% e Paraguai – 1%. Tal fundo pode

aportar, em recursos não reembolsáveis, até 85% dos valores dos projetos apresentados.

Tais assimetrias, objeto da ação do FOCEM, deveriam provocar significativas

alterações nas estruturas econômicas dos países membros e associados do Mercosul, algo que

seguramente não poderia ser alcançado nos limites temporais estabelecidos para este trabalho.

Contudo, vale consignar que entre a reunião que formaliza a criação do fundo e os primeiros

projetos apresentados transcorreram três anos, com o Projeto Habitat, beneficiando a República

do Paraguai, assinado em 2007.

Em que pesem os esforços de integração econômica, é preciso avaliar o desemprenho

econômico das medidas propostas pelo presidente Lula para o Mercosul. Nesse sentido,

podemos observar que o crescimento das exportações entre os países do bloco (intrarregionais)

em proporções muito parecidas com as das exportações totais dos países do bloco (ver tabela

3).

Tabela 3: MERCOSUL E ASSOCIADOS: Exportações intra e extrarregionais em US$ bilhões

ANO Exportações totais Exportações Percentual


intrarregionais intrarregional de export

2002 156 29 18,5%


2003 183 33 18,0%
2004 248 45 18%
2005 312 57 18,3%
2006 376 72 19,1%
Variação % 241,03% 248% 3,2%
Fonte: adaptação de tabela produzida pelo MRE – Divisão Inteligência Comercial

Ou seja, a partir da tabela podemos perceber que apesar das medidas no período terem

favorecido o crescimento das exportações totais do bloco, isso não significou uma maior

integração comercial entre os membros do MERCOSUL. Evidentemente as dificuldades do

bloco – especialmente as que dizem respeito à necessidade de consenso para qualquer decisão

– não cabem no espaço de nossa discussão. Por isso, basta assinalar que esse foi um dos aspectos
19

mobilizados na crítica da condução da política externa brasileira do período Lula. A prioridade

– ao menos retórica – pelo MERCOSUL e a busca pelo estabelecimento da “autonomia pela

diversificação” foi vista pelos setores mais conservadores como “ideológica”. Nessa

perspectiva de cunho claramente liberal, a opção do governo brasileiro em investir em parcerias

com países menos desenvolvidos era vista como desperdício de recursos, afinal o pragmatismo

demandaria o fortalecimento do envolvimento comercial com países desenvolvidos

(GIANNETTI; MARCONINI, 2006).

Já no campo da esquerda, as críticas decorreram de acadêmicos ligados (ou inspirados)

à tradição da Teoria da Dependência. A busca por um maior papel no cenário internacional –

cujo momento mais marcante foi a liderança militar na a Missão das Nações Unidas para a

Estabilização do Haiti (MINUSTAH) em 2004 - foi lida como uma manifestação do “sub-

imperialismo” brasileiro, o qual representaria uma espécie de fiança paga pelo Brasil na

manutenção do status quo no cenário internacional (SANTOS, 2016; FONTES, 2010). Por fim,

como sintetizam Vigevani e Cepaluni (2007, p. 322)

A política externa de Lula da Silva, em comparação com a de FHC, apresenta


elementos de “mudança dentro da continuidade” (LAFER, 2001b, p. 108) ou
simplesmente, como argumentamos, de ajustes e de mudanças de programa
(HERMANN, 1990). A administração de Lula da Silva não se afastou do princípio
historicamente assentado para a diplomacia de que a política externa é um instrumento
para o desenvolvimento econômico e para a consequente preservação e ampliação da
autonomia do país. Há mudanças de ideias e mesmo de estratégias para lidar com os
problemas e objetivos que estão colocados pela história, pela posição e pelo destino,
mas não essencialmente diferentes dos existentes há muito para o Brasil.

Considerações finais

Tentamos demonstrar nesse breve artigo – parte de um esforço de pesquisa mais amplo

– ainda que de forma exploratória, alguns elementos e motivações políticas que mobilizaram as

estratégias de Vicente Fox (2000-2006) e Lula da Silva (2002-2006) na condução de México e

Brasil, respectivamente. Para realizar o intento, partimos do pressuposto de que a elaboração

da política externa de um país ocorre em íntima relação com as questões de política doméstica.
20

Sendo assim, mobilizamos dois conceitos pertinentes à renovação dos estudos de política

externa: o conceito de “Diplomacia Presidencial” e o de “Integração Dinâmica”.

O primeiro dos conceitos procura explicitar que a atuação internacional dos países se

deu em explícita conjunção aos projetos políticos desenvolvidos em escala nacional. Já o

segundo, procura dar conta de que os esforços de integração regional não se limitam a questões

econômicas. Nesse sentido, A emergência da globalização e do novo regionalismo, que

buscavam responder às crises que o continente vivia desde os 1980, impôs novos desafios aos

dois países. Por isso, o eleitorado votou no começo dos 2000 por discursos de transformação e

mudança. Evidentemente, a inserção internacional dos países não passaria incólume dos anseios

de transformação.

Conceber a política externa como uma “política pública” permite analisar as opções dos

países de maneira mais ampla. Por isso, para além da matemática econômica, é necessário ter

em mente as ideias que mobilizam a agência dos atores na elaboração das suas estratégias. Essas

ideias, evidentemente, são formadas em um contexto, justamente ao qual elas pretendem

responder. Em linhas gerais, podemos dizer que o cenário analisado até agora foi marcado por

um cenário econômico extremamente favorável, com elevado preço de commodities, elevada

liquidez financeira internacional e juros baixos. Além disso, o período aponta para a estreita

relação entre crescimento econômico e ciclos de expansão de primários, para toda a América

Latina. Ademais, do ponto de vista político e diplomático, devemos observar o desgaste do

unilateralismo de Bush e o desvio das preocupações norte-americanas dos problemas

continentais, que provocam um relativo esvaziamento de liderança na América Latina, o qual

tentou ser explorado pelos dois presidentes.

No caso mexicano, o sucesso da integração comercial com um gigante, trouxe limites

que precisavam ser superados. Não à toa, Fox elencou as discussões com os Estados Unidos
21

como elemento central de sua campanha e de sua atuação diplomática. Vale lembrar que a

“diversificação” preconizada pelo então presidente mexicana tinha como fim último, o aumento

do poder de barganha frente aos Estados Unidos. Daí, por exemplo, deriva-se o fato do México

ter se projetado no continente latino-americano mais como força política do que econômica.

Cremos que a proximidade dos Estados Unidos o quadro de dependência econômica que se

seguiu após o estabelecimento do NAFTA são as principais explicações para a primeira das

perguntas de que lançamos mão. Evidentemente, a própria estratégia de Fox que subordinou a

estratégia de diversificação comercial como maneira de barganhar com os Estados Unidos

acabou por aprofundar essa contradição.

Se o sucesso da estratégia mexicana de diversificação foi tímido, é preciso observar

também a questão pela ótica americana. Esse movimento nos dá pistas para respondermos à

segunda questão. Depois dos atentados de 11 de setembro, o governo Bush adotou medidas

restritivas à imigração dos mais variados países. Por isso, aqui havia um limite à estratégia

mexicana, já que a “guerra contra o terror” – movida a altas doses de estímulo à paranoia

coletiva – era vista como prioridade em detrimento dos esforços de aumento de integração no

que diz respeito à circulação de pessoas. Daí ocorreu deslocamento da questão econômica –

após a euforia com o NAFTA em fins dos 1990 – para as questões de segurança na fronteira

nas relações entre os membros do NAFTA e o estabelecimento da ASPAN (Aliança para

Segurança e Prosperidade da América do Norte) em 2005. Evidentemente o controle rígido de

fronteiras entra em flagrante contradição com o discurso eleitoral de Fox de buscar avanços no

sentido da livre circulação de pessoas no NAFTA.

Contudo, se a perspectiva de acúmulo de prestígio não funcionou nas negociações com

os EUA, podemos dizer que Fox foi relativamente bem-sucedido – do ponto de vista doméstico

- ao utilizar a política internacional como ferramenta de propagação da democracia e dos

direitos humanos. Ou seja, a relativa harmonia entre os valores defendidos no plano


22

internacional e a construção dos discursos de superação do patrimonialismo priista obteve

resultados positivos, ao menos do ponto de vista eleitoral, já que Fox foi capaz de eleger o seu

sucessor, Felipe Calderón.

Já Lula da Silva, por sua vez, traçou metas e estratégias mais ambiciosas. A estratégia

de contrabalancear a influência americana no Brasil obteve algum grau de sucesso, embora

esses sejam mais visíveis no período que extrapola nosso recorte temporal (especialmente na

resposta lulista à crise de 2008). O estabelecimento da estratégia da “autonomia pela

diversificação” levou ao incremento de parcerias com países distintos, especialmente no que

viria ficar conhecido como “cooperação Sul-Sul”, marca dos governos de Lula da Silva. Como

resposta à primeira das questões elencadas, defendemos que Lula resgatou a noção da política

externa como instrumento para o desenvolvimento econômico, daí o maior sucesso do Brasil

no processo de diversificação dos parceiros comerciais se comparado ao México.

Contudo, como vimos, os esforços de integração não foram suficientes para resolver os

problemas estruturais do MERCOSUL. Por isso, no que diz respeito ao segundo ponto é

importante lembrar que os consideráveis avanços alcançados no que diz respeito à circulação

de pessoas (eliminação da necessidade de visto e possibilidade de circulação com documento

de identidade), já estavam em pauta antes da entrada de Lula no governo brasileiro. Nesse

sentido, defendemos que a integração do Cone Sul se encontra “bloqueada”, já que as disputas

entre Brasil e Argentina – mesmo quando ambos eram governados por políticos que levantavam

a bandeira da integração econômica sul e/ou latino-americana – continuaram a ser elementos

de dificuldade no avanço do estabelecimento da coordenação de políticas macroeconômicas. O

“bloqueio” do MERCOSUL pode ser observado – ao menos no período – também no fato de

que o aumento das exportações totais do bloco cresceu em proporções muito próximas das

exportações intrabloco. Ou seja, não se pode afirmar que as intenções enunciadas a respeito do

aumento da integração comercial regional tenham sido alcançadas. Como hipótese a ser
23

desenvolvida em outros trabalhos, até porque ultrapassa os limites temporais demarcados para

esse trabalho, é que a expansão da presença chinesa no continente dificultou avanços nesse

sentido.

Por fim, apesar dos sucessos relativos, já que ambos governantes foram capazes de

eleger sucessores, é preciso observar que as fórmulas propostas por Fox e Lula acabaram por

se esgotar tanto no campo doméstico quanto no campo internacional. Não é a toa, que

atualmente, no primeiro semestre de 2018, ambos os países são governados por tendências

radicalmente antagônicas ao PAN e ao PT. Em 2018 haverá pleito eleitoral presidencial em

ambos países, o que impõem desafios aos dois partidos, especialmente no tocante à elaboração

e concepção das suas estratégias de desenvolvimento e, consequentemente, ao papel dos fatores

de inserção e comércio internacional.

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