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nação estrangeira. E onde quer que triunfe a força militar, adeus liberdade!
Adeus sobretudo à liberdade e ao bem-estar para o povo trabalhador. Con-
clui-se daí que a formação de um grande Estado eslavo resultaria numa
vasta escravidão para o povo eslavo.
"Porém, responderão os estatistas eslavos, não queremos um Estado
grande e único; pedimos, ao contrário, a formação de vários Estados
puramente eslavos." Ora, esta opinião é contrária à lógica e aos ensina-
mentos da História, e, até mesmo, à força das coisas; nenhum Estado médio
pode hoje ter existência independente. Isto quer dizer que não haverá
Estados eslavos, ou, então, que haverá um único, um grande Estado pan-
eslavo, que absorverá todos os outros, um Estado-cnute petersburguês.
De resto, poderia um Estado eslavo lutar contra o enorme poderio
do novo império pangerrnânico, se ele próprio não fosse grande e forte?
Nunca se deve contar com a ação combinada de vários Estados separados,
ligados apenas por interesses, porque a reunião de organizações e de forças
díspares, sejam elas iguais ou mesmo superiores em número às do adversário,
são, apesar de tudo, mais fracas do que estas últimas, pois estas são homo-
gêneas e seu mecanismo obedece a um único pensamento, a uma única
vontade, mais firme e menos complexa; nunca se deve contar, dizia eu,
com a ação combinada de vários Estados, mesmo quando seus próprios
interesses exigissem esta ação. Os governantes, assim como os simples
mortais, são, em sua maioria, atingidos pela cegueira, o que os impede de
ver, para além dos interesses e das paixões, o que, acima de tudo, sua
própria situação exige.
Em 1863, o interesse da França, da Inglaterra, da Suécia, e até da
Áustria, era apoiar a Polônia contra a Rússia; entretanto, ninguém se
mexeu. Em 1864, um interesse ainda mais evidente ordenava à Inglaterra,
à França, e, em particular, à Suécia, senão à Rússia, tomar a defesa da
Dinamarca ameaçada pelas conquistas prusso-austríacas, na realidade
prusso-alernãs; de novo, ninguém se manifestou. Enfim,em 1870, a Ingla-
terra, a Rússia e a Áustria, sem falar dos pequenos Estados nórdicos,
deveriam ter-se oposto, em seu próprio interesse, a que as tropas prusso-
alemãs vitoriosas não invadissem a França até às portas de Paris e, por
muito pouco, até a região sul; desta vez ainda, ninguém interveio, e foi
apenas quando a hegemonia alemã, recém-criada, tornou-se uma ameaça
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de se ver admitido por todo mundo. Cada nação, até cada pequena nação,
possui seu caráter, sua maneira de viver, de exprimir-se, sentir, pensar e
agir; e é este caráter, esta maneira de ser, que formam precisamente a essência
da nacionalidade, o produto de toda uma época histórica e do conjunto
das condições de existência do povo.
Todo povo, assim como todo indivíduo, são, bem ou mal, o que são,
e possuem o direito indiscutível de ser eles próprios. Nisto reside todo o
direito dito nacional. Porém, se um povo e um indivíduo têm uma forma
de existência, e não podem ter outra, disto não decorre que tenham o
direito ou que haja interesse para eles em fazer, um, de sua nacionalidade,
o outro de sua individualidade, questões de princípio, e que devam carregar
este fardo por toda sua vida. Ao contrário, quanto menos pensam em si
próprios, mais se impregnam com a substância comum a toda a Huma-
nidade, mais a nacionalidade do primeiro e a individualidade do segundo
adquirem importância e sentido.
O mesmo acontece com os eslavos. Eles permanecerão neste estado
de nulidade e de miséria extrema, enquanto continuarem a se interessar só
por seu eslavismo estreito, egoísta e, ao mesmo tempo, abstrato, estranho
e, por isso mesmo, oposto ao problema e à causa de toda a Humanidade.
E, enquanto eslavos, só conquistarão seu legítimo lugar na História e na
livre fraternidade das Nações quando estiverem inflamados, com os outros
povos, por um ideal universal.
Em todas as épocas da História, um ideal comum a toda a Humanidade
domina todos os outros ideais de caráter mais particular e exclusivamente
nacional; e a nação ou as nações, que descobrem a vocação, isto é, bastante
compreensão, paixão e energia para se consagrar por inteiro a este ideal
comum, tornam-se Nações históricas por excelência. Os ideais, que domi-
naram em diferentes épocas da História, foram de ordem diversa. Assim,
sem remontar muito longe, houve o ideal- menos humano do que divino,
e, por isto mesmo, contrário à liberdade e ao bem-estar dos povos -, o
ideal dominador e, no mais elevado grau, conquistador, da Religião e da
Igreja católicas, e as Nações, que então se sentiram as mais dispostas e as
mais aptas para se consagrar a este ideal- alemães, franceses, espanhóis
e, em certa medida, poloneses -, foram, cada uma em sua esfera e por
causa disto mesmo, Nações de primeira ordem.
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eslavos. É ainda uma destas ilusões mortais que se deve destruir, a qualquer
preco, no próprio interesse destes últimos.
Os eslavos estão seduzidos pelo exemplo do Piemonte, o qual teria,
por hipótese, libertado e unificado toda a Itália. Ora, a Itália libertou-se
a si própria, graças aos inumeráveis e heróicos sacrifícios, que não cessou
de realizar durante meio século. Antes de mais nada, ela deve sua inde-
pendência política a quarenta anos de esforços incessantes e irresistíveis
de seu grande cidadão, Giuseppe Mazzini, que soube, pode-se dizer,
ressuscitar e, em seguida, educar a juventude italiana na causa perigosa,
mas gloriosa, da ação patriótica clandestina. Com efeito, em 1848, graças
a vinte anos de esforcos de Mazzini, quando o povo insurreto incitou de
novo o mundo europeu ao regozijo da revolução, em todas as cidades
da Itália, do extremo sul ao extremo norte, havia uma falange de jovens
audaciosos para erguer o estandarte da revolta. Toda a burguesia italiana
os seguiu. E no reino da Lornbardia-Venécia, que ainda se encontrava
sob o domínio da Áustria, todo o povo sublevou-se. E sozinho, sem
ajuda militar de qualquer tipo, expulsou os regimentos austríacos de Milão
e Veneza.
O que fez então o reino do Piemonte? O que fez o rei Carlos Alberto,
pai de Vítor-Emanuel, o mesmo que, ainda príncipe herdeiro (1821), en-
tregou aos carrascos austríacos e piemonteses seus companheiros de
conspiração, a qual tinha sido tramada para libertar a Itália. Seu primeiro
gesto, em 1848, foi o de paralisar, por meio de promessas, manobras e
intrigas, a revolução em toda a Itália. Grande era seu desejo de se apoderar
da Itália, mas ele odiava a revolução tanto quanto a temia. Paralisou,
portanto, a revolução, a força e o ímpeto do povo, fazendo com que os
austríacos não tivessem nenhuma dificuldade em derrotar suas tropas.
Seu filho, Vítor- Emanuel, recebeu o nome de libertador e unificador
das terras italianas. Dizer isto é caluniá-lo de forma odiosa. Se alguém tem
o direito ao nome de libertador da Itália é precisamente Luís Napoleão,
imperador dos franceses. Porém, a Itália libertou-se por seus próprios meios
e, sobretudo, unificou a si mesma, sem o concurso de Vítor-Emanuel e
contra a vontade de Napoleão Ill.
Em 1860, quando Garibaldi realizou seu famoso desembarque na Sicí-
lia, no instante em que deixava Gênova, o conde de Cavour, ministro de
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