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Mossoró, RN
2014
THASSIO MARTINS DE OLIVEIRA DIAS
Orientadora:
Dra. Maria Cristina Rocha Barreto
Mossoró, RN
2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
94 f.
Orientador(a): Profa. Dra. Maria Cristina Rocha Barreto
À Prof.ª Dra. Maria Cristina Rocha Barreto, pela aposta feita na presente pesquisa e
pelas orientações que tiveram grande peso na construção deste trabalho.
À todas as pessoas que tornaram possível esta pesquisa, em especial a Joaquim, Luan,
Jean e a todos os outros tatuados, pela confiança e empolgação em todas as conversas que
tornaram esta pesquisa possível.
À Chicão, por ter aberto as portas do seu estúdio, pela confiança e camaradagem.
“A profundidade da pele é hospitaleira para
todos os significados.”
(David Le Breton)
Tinta e dor: a prática da tatuagem na construção da identidade.
RESUMO
A prática da tatuagem encontra-se cada vez mais difundida em nossa sociedade ocidental
urbana, não apenas enquanto um desejo de embelezamento corporal, mas principalmente
atrelada à ideia de distinção do outro, do comum. As marcas corporais são encaradas como
uma forma de singularização por muitos indivíduos, uma maneira de cristalizar em si uma
identidade escolhida, e por esta via (re)significando o próprio corpo. O presente trabalho visa
discutir o papel da tatuagem na construção da(s) identidade(s) dos indivíduos que se utilizam
desta prática, buscando compreender de que maneira esta prática se torna uma realização de
um desejo que “não tem preço”, constituindo uma marca de sua autonomia corporal através de
um procedimento estético, onde a ressignificação da dor se torna uma forma de superação, ao
mesmo passo que uma evidência para si, funcionando como atestado de que se está a altura
deste desafio. O corpo é percebido enquanto um território a ser conquistado, geograficamente
pensado enquanto potencializador das marcas inscritas, as quais são estrategicamente
dispostas, configurando um jogo de sedução onde se fundamenta uma estética da presença. A
busca por um traço singular e único é encarado como uma forma de diferenciação e
individualização, uma impressão de traços primordiais à(s) identidade(s). Através deste
prisma, discutiremos a noção de corpo e como este se constitui dentro das relações de poder e
saber, as quais buscam o controlar através de uma padronização. Discutiremos também a
noção de identidade, na medida em que esta se encontra inserida dentro de padrões culturais e
linguísticos que tornam possível a sua representação, e como esta noção tornou-se
fragmentada e múltipla em nossa sociedade ocidental contemporânea. A tatuagem atuaria para
estes indivíduos enquanto uma prática de liberdade sobre si, na qual exercem uma autonomia
sobre seus corpos, buscando imprimir em sua pele desejos, gostos e memórias no intuito de
cristalizar uma identidade efêmera, objetivando através das marcas corporais seus processos
de subjetivação.
ABSTRACT
The practice of tattooing is increasingly widespread in our urban Western society, not only as
a desire for body embellishment , but mostly tied to the idea of distinction from the other ,
from ordinary. The body marks are seen as a way of singling out individuals for many , a way
to crystallize itself a chosen identity , and by this means redefining the body. This paper aims
to discuss the role of tattooing in the identity( s ) construction( s ) of those who uses this
practice, seeking to understand how this practice becomes a fulfillment of a wish that is
"priceless " , constituting a mark of their bodily autonomy through an aesthetic procedure ,
where the reframing of pain becomes a way of overcoming the same whereas evidence for
themselves , functioning as stating that this is the height of this challenge . The body is
perceived as a territory to be conquered , geographically thought while potentiating the
registered marks , which are strategically placed , setting up a game of seduction which is
based on an aesthetic presence . The search for a single trait and is only seen as a form of
differentiation and individualization , an impression of the primary traits of identity ( s ) .
Through this prism , we discuss the notion of the body and how it is constituted within
relations of power and knowledge , which seek control through standardization . Also
discussed the notion of identity , as it is embedded within cultural and linguistic patterns that
make possible their representation , and how this notion has become fragmented in our
contemporary Western society . The tattoo works for these individuals as a practice of
freedom on himself, which exert autonomy over their bodies , seeking to print on your skin
desires , tastes and memories in order to crystallize an ephemeral identity , aiming through the
body marks its processes of subjectivation
Figura 2 - Tatuagem de Jean com o símbolo da banda norte americana Foo Fighters. .. 42
Figura 3 - Faz o que tu queres, pois é tudo da lei. Tatuagens de Emmeson que
contemplam o símbolo e parte da canção sociedade alternativa de Raul Seixas. .............. 44
Figura 8 – Tatuagens de Andreas com os símbolos das bandas Misftis e Municipal Waste.
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INTRODUÇÃO
O corpo humano é algo fascinante, único e comum em sua estrutura biológica, porém
não se limita apenas às características de natureza fisiológica. Este substrato material pode ser
capaz de possibilitar formas diversificadas de existência. Seu torso e membros, ações e
práticas, são um terreno fértil às mais variadas construções simbólicas, edificações que visam
uma composição de sentido, significado, valor. Por meio deste viés, as modificações corporais
podem ser consideradas enquanto práticas que visam moldá-lo, e desta maneira recompor sua
significação.
Vivemos em uma sociedade cada vez mais voltada para o corpo, constituindo um
verdadeiro culto a este. A busca pela beleza na sociedade contemporânea tem levado vários
sujeitos a exercerem inúmeras práticas de modificações corporais no intuito de realçar
características ou esconder imperfeições. Ideais de beleza são veiculados através das mais
variadas mídias e a busca pelo corpo perfeito faz parte do cotidiano para muitas pessoas.
Através de exercícios, o body-building busca construir o corpo através de atividades físicas,
malhando para exaurir sinais de gordura e se livrar de fraquezas; os tratamentos biomédicos
buscam retardar o máximo possível os efeitos do envelhecimento e até mesmo a morte; as
maquiagens cumprem o papel de disfarçar ou realçar traços faciais; as cirurgias plásticas
visam mudar as silhuetas do corpo e o rosto de acordo com os anseios de indivíduos
insatisfeitos com suas formas. Dentre outras várias maneiras de se relacionar com o corpo e a
ideia construída de si, as mais variadas formas de modificações corporais fazem uma
reivindicação por uma identidade, cada vez mais efêmera e mutável na presente sociedade.
Nesta conjuntura, a tatuagem, enquanto uma prática de modificação corporal, pode nos
proporcionar uma aproximação do universo particular dos indivíduos, possibilitando enxergar
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O universo das modificações corporais está cada dia mais difundido na sociedade
urbana contemporânea, e a utilização de piercings e tatuagens não são mais consideradas
como algo tão estranho, anormal ou exótico, possuindo destaque em revistas especializadas e
ganhando visibilidade através de novelas e filmes. O crescente número de pessoas que fazem
tatuagem demonstra que tal prática encontra-se cada vez mais legitimada no atual cenário
citadino, sendo considerada enquanto mais um adorno possível para embelezar o corpo, assim
como uma forma de ressignificação da própria experiência corpórea.
Esta amplitude da prática da tatuagem vem se tornando cada vez menos associada à
marginalidade e ao comportamento desviante, características estigmatizantes que a
acompanharam no decorrer da história, sendo hoje mais e mais relacionada a um estilo de
vida, a uma busca por diferenciação e singularização, assim como a um ideal de beleza.
Contudo, por mais que esta prática se encontre mais aceita e difundida, certos limites
ainda circunscrevem os padrões que a balizam, instituindo noções do que pode ser
considerado normal e admissível. Desta maneira, a pele toma proporções geográficas,
dividindo os corpos em lugares aceitáveis ou reprováveis para a impressão das tatuagens. O
corpo se torna um território e a cartografia das tatuagens assume contornos na maioria das
vezes visíveis aos olhos dos demais, configurando uma outra dinâmica em relação aos corpos
não tatuados, onde as marcas corporais ingressam em um jogo que busca a atração do olhar
alheio.
Assim, algumas inquietações servirão de fio norteador para nos guiar em um mundo
muito mais profundo do que as agulhas podem penetrar na pele. Então, o que mais esses
corpos marcados nos guardam? De que maneira esses corpos se construíram em nossa
sociedade? Quais as motivações e intensões que entremeiam os desenhos e locais escolhidos?
De que formas as experiências de vida invadem os poros destes indivíduos? E como, através
das modificações corporais, o indivíduo se relaciona consigo e com a sociedade em que se
encontra? Tais implicações serão esclarecidas à medida que os horizontes forem sendo
desbravados, clareando nossa visão pelo mundo de marcas escolhidas, símbolos, formas. Ao
buscar entender esta prática adentramos no âmbito da própria vivência humana em sua una
pluralidade.
Assim, nos valemos de uma das particularidades desta prática na busca de algo para
além dos desenhos impressos na pele: a experiência vivida. Nesta mesma acepção, as relações
construídas juntamente com a tatuagem também irão se configurar enquanto norte para nossos
questionamentos acerca desta prática, proporcionando-nos a compreensão de caracteres
modelados e modeladores entre indivíduo e sociedade.
Por este viés, acreditamos que a tatuagem deva ser encarada, não somente pela
perspectiva do tatuado ou do tatuador, mas compreender a construção dos laços de confiança
entre os sujeitos e subjacentes a esta relação.
Este estudo visa, então, contribuir para a construção de um saber a respeito do corpo, a
respeito das construções simbólicas e identitárias as quais a tatuagem se faz denominador
comum, e também para a ampliação dos conhecimentos que constituem o ser humano em suas
relações e representações com a sociedade e consigo.
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O mundo das tatuagens é amplo e diverso, possuindo uma vasta gama de estilos que
variam desde modelos mais clássicos como, por exemplo, a oriental e a old school, até novas
formas de aplicação da técnica em busca de um traço singular que se destaca dos outros, tendo
como inspiração obras de artes plásticas. As características que dizem respeito a esta prática
caminham de maneira a convergirem, partilhando motivações e interpretações, circulando
dentro de um campo comum onde a busca por um atrativo, uma identidade e uma
originalidade permeiam os discursos.
A passagem para estas compreensões foi possível graças a uma bibliografia que serviu
como base para nosso trabalho, elucidando nosso caminho dentro da prática da tatuagem.
Dentro desta bibliografia damos destaque a dois trabalhos efetuados em Florianópolis, SC. O
primeiro, desenvolvido por Andrea Lisset Perez Fonseca (2003) que fez uma etnografia sobre
o novo contexto da prática da tatuagem, evidenciando relações construídas entre tatuados e
tatuadores neste meio, demonstrando que a tatuagem se configura enquanto uma normalidade
estética e vivencial na contemporaneidade, assim como uma nova forma de construção da
subjetividade. E a outra importante contribuição é creditada ao trabalho de Zelia Costa (2004)
que demonstra a transição da prática da tatuagem enquanto uma atividade marginal, feita em
lugares improvisados, para uma atividade comercial e legitimada no meio urbano
contemporâneo, possuindo lugares devidamente pensados para o exercício desta prática.
Os estudos sobre o corpo são primordiais para uma melhor compreensão da dimensão
alcançada pelas marcas corporais. Desta forma as observações de Marcel Mauss (2003) nos
chamam a atenção para a importância da análise do corpo e da corporeidade enquanto
pertencentes ao âmbito das ciências sociais, ratificando os estudos de David Le Breton (2006;
2011) e José Carlos Rodrigues (2006), os quais sublinham como o corpo pode assumir um dos
principais vetores para construções simbólicas e sociais, imbuídos em crenças e
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representações que estão na base da vida social, as quais possuem diversas formas e
percepções que dizem respeito à época e a cultura a qual se encontram, convergindo desta
forma com a perspectiva apontada por Roy Porter (1992) da qual o corpo deve ser inserido na
história para que sua compreensão seja possível.
A contribuição do enfoque dado por Pierre Bourdieu (2001) à experiência deste corpo
no mundo, da capacidade de aprendizado relativa a esta relação confrontante do ser
corporificado com a sociedade, demonstra que este vínculo não se desenvolve de forma
passiva, mas em um elo estruturado e estruturante, que o produz e vem a dar condições para
que ele se produza, tornando-se, na perspectiva de Denise Bernuzzi Sant’anna (2005), difícil
de limitar este corpo a apenas uma acepção.
Inserimos este debate à ótica de Michel Foucault (2004), percebendo como estes
corpos se encontram atrelados a relações de poder com o intuito de docilizar e adestrá-los,
minando e controlando as possibilidades que estes corpos podem assumir em nossa sociedade.
Os conceitos de biossociabilidade e bioascese expostos por Francisco Ortega (2008) nos
ajudam a compreender os contornos que o corpo ganha na contemporaneidade, onde o
discurso do risco baliza toda a relação do indivíduo consigo mesmo.
Buscamos da mesma forma auxílio nos debates acerca da identidade através do viés
dos estudos culturais, nos respaldando nos trabalhos de Anthony Giddens (1991; 2002) e
Stuart Hall (2011) para compreendermos os fatores que proporcionaram as transformações na
noção de identidade na modernidade. Correlatos a estes conhecimentos, os estudos de Tomaz
Tadeu da Silva (2014), Kathryn Woodward (2014), Fabiano Rocha Flores (2011) e Manuel
Castells (1999) nos auxiliam no entendimento da noção de identidade em sua relação com a
cultura, com a linguagem, com a diferença e com a representação.
O ponto de partida se deu no 1º Fest Tattoo Mossoró, que ocorreu nos dias 11 e 12 de
Janeiro de 2014 no Hotel VillaOeste, em um espaço preparado para receber eventos. O
festival contou com a participação de vários tatuadores da região nordeste, em sua grande
maioria do próprio estado do RN, e de um tatuador internacional vindo de Portugal. O
ambiente montando proporcionava a cada tatuador um estande para que suas atividades
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fossem praticadas, ao mesmo tempo em que uma curiosa plateia circulava o local, parando e
observando linhas sendo traçadas, borrões que revelavam cores e formas, ao som do
barulhinho das máquinas de tatuagem que ecoava freneticamente pelo amplo espaço, povoado
por um público diverso de não tatuados e tatuados, homens e mulheres, crianças e adultos,
proporcionando um clima de confraternização.
A rotatividade de pessoas era constante, mas culminou com bom público para o
julgamento das melhores tatuagens. As premiações eram divididas por categorias, cada qual
relacionada a um estilo de tatuagem. Em um desses certames, o de melhor old school, o
tatuador Chicão havia agradado mais aos juízes.
Enxergar a tatuagem por meio dos relatos do tatuador foi de suma importância, uma
vez que é através dele que a tatuagem tome contornos na pele, estabelecendo um contato
íntimo por meio de uma prática onde dor e prazer dialogam.
O interesse pelo mundo das modificações corporais não é algo completamente novo a
minha vivência, pois entrei em contato com este universo ainda muito cedo em minha vida,
através dos mais variados meios midiáticos como revistas, televisão, internet etc. Esta
curiosidade foi em parte sanada ao final do curso de graduação em Ciências Sociais, onde fiz
minha primeira investida no campo das modificações corporais, buscando compreender a
tatuagem e seus significados dentro do cenário musical underground na cidade de Mossoró.
Esta pesquisa proporcionou que minha curiosidade acerca do mundo das tatuagens tomasse
formas em meu próprio corpo.
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O período de entrevistas se estendeu por quatro meses, de Janeiro até Maio de 2014,
pois, à medida que as conversas se construíam, nossos colaboradores demonstraram interesse
em indicar alguns de seus amigos que também possuíam tatuagens. Esta dinâmica
proporcionou o acompanhamento de alguns destes sujeitos em situações cotidianas,
participando de conversas informais em grupos diversos, nos quais se encontravam pessoas
tatuadas na grande maioria das vezes. Retornei posteriormente durante mais dois meses, no
período de Julho e Agosto, para maior aprofundamento.
O 1º Fest Tattoo Mossoró contava com uma trilha sonora, da qual Mateus ficara
encarregado de fazer no primeiro dia, pois no segundo dia ele iria participar como “tela” para
um dos tatuadores. Mateus (20) é estudante e já possui outras tatuagens. Sua 1º tatuagem foi o
ano do seu nascimento since 1994, e iria fazer sua 4º tatuagem na convenção.
E a partir de uma rede de amizades tecidas outrora, muitos dos colaboradores foram
sendo apresentados, o que nos levou a um novo universo de informantes. Joaquim (26) é
estudante de pós graduação e integrante de uma banda de rock, suas tatuagens são aparentes
caso não use camisas de mangas longas, localizadas no ante braço, e são expressão de sua
paixão por literatura e música. Luan (23), supervisor de operações, compartilha a semelhança
com Joaquim de também possuir uma banda de rock, porém, suas tatuagens seguem um estilo
de “tatuagem de cadeia”, propositalmente mal feitas seguindo o estilo old school, além de ter
tatuagens em um lugar incomum: nos dedos das mãos.
Danie (22), da mesma forma que Luan, é supervisora de operações, sendo inclusive
colegas de trabalho. Ela possui quatro tatuagens, sendo que apenas duas são aparentes em
seus ante braços, sendo uma delas sua 1º tatuagem feita aos 13 anos de idade, juntamente com
sua mãe. Emmesson (23) é estudante de engenharia e trabalha como gerente em uma loja no
shopping da cidade, começou as modificações corporais com a utilização de piercings, e sua
primeira tatuagem foi uma homenagem a Raul Seixas, com parte de sua música sociedade
alternativa. Anderson (23), estudante de veterinária, possui uma tatuagem que se estende
pelas suas costas e toma parte de uma de suas pernas, feita quando morava em Minas Gerais,
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aos 18 anos. Todos eles trabalharam juntos durante um bom tempo na loja em que Emmesson
viria a se tornar gerente, este fato fez com que eles sempre se relacionassem em suas falas,
citando uns aos outros como parte de suas narrativas.
Marcos (21) é amigo de Danie, natural do Rio de Janeiro. Além de trabalhar também
como supervisor de operações, canta pela noite em bares e restaurantes da cidade. Possui
quatro tatuagens, uma delas que toma toda a parte interna de seu ante braço com a frase have
Faith, juntamente com o símbolo da banda Evanescence localizada em seu pulso.
Nossos informantes não formam um grupo coeso, alguns deles não se conhecem,
possuindo como único elo lugares em comum como eventos de rock ou outras manifestações
artísticas. A grande parte das entrevistas se deu na casa dos informantes, outras em locais
públicos como universidades e escolas, entre uma aula e outra. Um ponto a se destacar sobre
as entrevistas é a aura de empatia que as permeou, muito pelo fato de eu possuir tatuagens,
que ficavam visíveis nos momentos das conversas, onde em vários momentos eu era incluso
em seus argumentos como um “igual”.
dadas sobre a vida do informante, sendo ampliada para um melhor entendimento das
experiências vividas pelo informante.
[...] o sentido não está no “fim” da narrativa; ele permeia toda a história. Deste
modo, compreender uma narrativa não é apenas seguir a seqüência cronológica dos
acontecimentos que são apresentados pelo contador de histórias: é também
reconhecer sua dimensão não cronológica, expressa pelas funções e sentidos do
enredo (Idem., Ibid., p.93).
Para uma melhor sistematização das informações tecidas dividimos o presente trabalho
em três capítulos, buscando confrontar as ideias construídas a partir do embasamento
bibliográfico com a realidade pesquisada. Na primeira parte contextualizaremos, de forma
breve, as ideias ligadas ao universo do corpo, da identidade e da tatuagem, nos apropriando de
suas construções históricas enquanto embasamento para a compreensão das atuais
representações que desaguam na contemporaneidade. Por esta via abordaremos a construção
da noção de corpo, buscando demonstrar de que forma se deu seu entendimento dentro da
perspectiva das ciências sociais e como esta compreensão possibilitou novas interpretações
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sobre o que pode ser considerado enquanto corporeidade, inserindo o corpo em um contexto
cultural e social que o cria, o molda, desenhando seus contornos junto a uma série de regras e
normas que buscam dar significado a este corpo. Em seguida nos remeteremos à identidade,
objetivando compreender de que maneira esta noção foi sendo construída ao longo da história,
transitando de uma visão que a considerava enquanto uma característica inata e estável ao ser,
a uma concepção flutuante e múltipla da qual se encontra em constante construção. Por este
viés analisaremos quais acontecimentos possibilitaram esta alternância de perspectiva em
relação à identidade e de que maneira ela se encontra relacionada à noção de corpo.
Finalizamos este capítulo expondo, de maneira sucinta, o contexto no qual a prática da
tatuagem se construiu no ocidente, explorando resumidamente sua história de modo a
compreender de que maneira estas marcas corporais se relacionavam a um comportamento
desviante, tornando-se um traço de indivíduos que se encontravam à margem da sociedade.
Por meio deste prisma iremos analisar quais fatores foram significativos para que esta
atividade viesse a se desvencilhar de sua carga histórica estigmatizante, ingressando em um
contexto comercial e legitimado socialmente, tornando-se uma forma a mais de ornamentação
corporal, sendo ressignificada pelos atores sociais em busca de uma distinção ligada a ideia de
singularização do corpo que escapa aos padrões corporais em vigência.
noção de sujeito e estas relações de poder tentam sujeitar este corpo em vias de torná-lo dócil,
obediente, domesticado, onde a tatuagem é vivenciada pelo sujeito enquanto um dos meios
possíveis de não ser subjulgado, resistindo a esta formatação e exercendo sua liberdade em
viver este corpo de uma forma única, procurando formas de praticar sua individualidade sobre
si. Se faz salutar destacar de que vivenciamos em uma época em que nossas identidades são
somáticas, no sentido de serem atribuídas ao nosso corpo e pelo nosso corpo, na qual se deve
cuidar deste a todo custo para afastá-lo de qualquer sinal de impotência ou dor. Através desta
concepção, empregada por Francisco Ortega (2008), analisaremos de que maneira a prática da
tatuagem escapa a esses moldes e proporciona ao indivíduo uma vivência desta experiência
corpórea, entrando em consonância com os pensamentos de Pierre Bourdieu (2001) e Denise
Bernuzzi Sant’anna (2005), os quais atribuem a este caráter da presença do corpo no mundo,
logo de sua experimentação, uma constante relação entre estruturas estruturantes e
estruturadas, possibilitando ao sujeito vivenciá-lo enquanto um horizonte a ser descoberto.
Consonante com o exposto, também analisaremos a experiência da tatuagem através de uma
de suas características mais ressaltadas: a dor. A prática da tatuagem faz com que esta
sensação, encarada enquanto algo negativo na sociedade ocidental contemporânea, passa a ser
vivenciada enquanto uma positividade, um obstáculo a ser superado para a aquisição de um
desejo, estabelecendo uma assemelhação com a própria experiência de se estar vivo. Em
seguida, veremos de que forma a ideia de distinção é levada em consideração no que diz
respeito tanto para o tatuado quanto para tatuador, na medida em que ambos buscam um grau
de singularização, de diferenciação nos traços desejados e executados. Por meio deste viés,
buscamos compreender o elo de confiança estabelecido entre tatuado e tatuador, e de que
modo esta relação é negociada levando em consideração os anseios de ambos os atores
sociais. As negociações não se limitam à relação com o tatuador, mas também dizem respeito
à própria sociedade, que impõem padrões de lugares e desenhos a serem tatuados,
segmentando o corpo em lugares aceitáveis e reprováveis.
As marcas corporais não se fazem apenas impressões na pele destes indivíduos, mas
dialogam com toda a experiência do viver, proporcionando uma construção de significados
para brindar suas vidas com o sentido necessário, edificando uma possibilidade de vivenciar
suas corporeidades.
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Neste capítulo iremos tratar dos aspectos teóricos que envolvem nossa análise.
Partiremos da construção do corpo no ocidente, buscando compreender, de maneira breve, sua
composição e seu diálogo com a cultura, que o transforma, remodela, modifica; e de que
forma as ciências sociais se debruçaram sobre este objeto.
As ciências sociais, ao definir seu campo de atuação, definem também seu objeto de
estudo, onde foram reservados aos fenômenos superorgânicos, frutos da capacidade humana
de simbolizar, enquanto caberiam às ciências naturais os estudos dos fenômenos naturais.
Desta forma os estudos sobre o corpo não se constituíram como um campo consagrado dentro
da sociologia clássica, ao contrário de outras áreas como a religião e o conhecimento. A esfera
da corporeidade fica então relegada à tutela das ciências biológicas e a área da saúde, e apesar
de ser um objeto de simbolizações, recebendo atenção e menções da antropologia e da
etnografia, o corpo não se constitui como uma área de investigação ou como objeto de estudos
de interesse tanto da antropologia como da sociologia até recentemente (ALBUQUERQUE,
2001).
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As representações corporais que experimentamos hoje, e que tem para nós a força de
natureza, foram gestadas apenas há quatro séculos (Id., ibid.). Levando-nos a buscar na
história dos corpos a incorporação de suas percepções para então entender seus contornos
(PORTER, 1992).
De acordo com Le Breton (2011), a visão mitológica da concepção do ser humano que
permeava a Idade Média estabelecia limites aos saberes que diziam respeito ao corpo, pois o
homem era visto como fruto da criação divina, possuindo em si uma sacralidade que impedia
com que este fosse violado. “No universo dos valores medievais e renascentistas, o homem
está tomado pelo universo, ele condessa o cosmo. O corpo não é isolável do homem ou do
mundo, ele é o homem e é, na devida proporção, o cosmos.” (Id., ibid., p.72).
Para a ciência moderna, que tomou por base o método proposto por Descartes e a
máxima atribuída a ele “penso, logo existo” fundamenta a existência no pensamento,
dividindo a realidade em res-extensa (Matéria) e res-cogitans (consciência), fazendo, desta
forma, o corpo enquanto um mero suporte, um objeto no qual a consciência encontra-se
encarnada (REIS, 2011). O corpo estaria em oposição à mente, assim como a natureza estaria
para a cultura ou a razão para a emoção, implicando uma hierarquização onde os primeiros se
encontram inferiores aos seus opostos (ALBUQUERQUE, 2001).
Atualmente há tentativas em curso para acabar com estas antigas visões hierárquicas
culturais, onde a alma possui um privilégio superior ao corpo. Nas palavras de Porter (1992,
p.293) estas hierarquias acabaram por sancionar “sistemas inteiros de relações de poder
regulador-regulado.” E apesar de seu caráter paradoxal e mistificador, tal dualismo se torna
fundador de sistemas de valores, moldando o uso linguístico, esquemas classificatórios e
éticos. A desmistificação destes processos vem ocorrendo nas ultimas décadas, sendo possível
perceber a subversão às relações puritanas e à platônica suspensão do corpo (id. Ibid.).
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Durante o começo dos estudos antropológicos foi posto em questão se poderia haver
um estágio “natural”, ou mesmo “selvagem”, do ser humano, visto que alguns casos de
“crianças selvagens” foram registrados na história (LÉVI-STRAUSS, 2003; LE BRETON,
2009). Porém, de acordo com Rodrigues (2006) a noção de um comportamento humano tido
como natural, um estado de natureza deste ser, é instaurado culturalmente. Nas palavras de
Lévi-Strauss (2003, p.41) “O homem é um ser biológico ao mesmo tempo que um indivíduo
social.”, porém, na carência de significações históricas aceitáveis, a distinção entre estado de
natureza e estado de cultura apresenta seu valor lógico, que justifica sua utilização como
instrumento de método pela sociologia moderna.
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Vista anteriormente como sendo divinamente estabelecida, e desta forma sem grandes
possibilidades de transformações e mudanças, a identidade rompe com estas amarras a partir
do nascimento do “indivíduo soberano”. Concebido entre o Renascimento do século XVI e o
Iluminismo do século XVIII, este episódio é tido como o motor que colocou em movimento a
“modernidade.” (HALL, 2006).
Argumenta-se que tal visão acerca da noção de identidade tem sofrido constantes
mudanças desde o final do século XX, e desta maneira a ideia pela qual se entendia a auto
identidade não encontra mais correspondência com a realidade. Nas palavras de Stuart Hall
(ibid., p.12):
O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está
se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias e não resolvidas. Correspondentemente, as identidades,
que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa
conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão entrando
em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio
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O mundo moderno não passa simplesmente por mudanças sociais num ritmo mais
frenético e acelerado que outrora, mas estas mudanças acabam possuindo também uma maior
amplitude e profundidade nas práticas sociais e modos de comportamento. Segundo Giddens
(2002, p.9), “[...] a modernidade altera radicalmente a natureza da vida social cotidiana e afeta
os aspectos mais pessoais de nossa existência.”
Esta ruptura entre o tempo e o espaço é considerada como principal condição para o
processo de desencaixe, que deve ser entendido como um “deslocamento” assim como uma
reestruturação das relações sociais através desta nova relação entre tempo-espaço (id., ibid.).
Stuart Hall (2006) elenca cinco deslocamentos que vieram a descentrar o sujeito
racional, pensante e consciente, demonstrando uma série de rupturas nos discursos sobre os
indivíduos. A primeira descentração diz respeito à redescoberta e a reinterpretação dos
escritos de Marx. Seus novos interpretes percebiam os indivíduos não mais como autores ou
agentes da história, mas que estes só poderiam agir baseando-se em condições históricas que
eram proporcionadas por outros, onde utilizariam recursos materiais e culturais fornecidos por
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gerações anteriores a sua existência. Dando ênfase as relações sociais e não a uma noção
abstrata do sujeito, Marx desloca a ideia de que existiria uma essência universal de homem, e
que esta essência seria um atributo singular ao indivíduo.
A perda das ancoras sociais que assegurava aos indivíduos o caráter natural,
predeterminante e inegociável da identidade faz com que a importância dada à identificação
se torne cada vez maior. O que antes era tido como caráter definidor de identidade como raça,
gênero, país, local de nascimento, classe social, família, agora se encontra diluído,
fragmentado e menos importante. Neste novo panorama, a ansiedade de encontrar ou criar
novos grupos que possibilitem a vivencia do pertencimento, e que facilitem a construção da
identidade, se torna salutar.
Seu problema não é o que você precisa para “chegar lá”, ao ponto que pretende
alcançar, mas quais são os pontos que podem ser alcançados com os recursos que
você já possui, e quais deles merecem os esforços para serem alcançados. [...] A
tarefa de um construtor de identidade é, como diria Lévi-Strauss, a de um bricoleur,
que constrói todo tipo de coisas com o material que tem à mão... (id., ibid., p. 55,
grifo do autor).
construção mútua, onde o contato constante com outras construções identitárias se faz
necessário para a aquisição de instrumentos que proporcionem ao indivíduo sua ideia de “eu”.
Este “eu” não paira pelo cosmos de forma indefinida, ele se encontra corporificado,
encarnado. Tomar consciência de si, construir uma identidade, ser e existir; a vida e a
realidade encontram concretude na práxis cotidiana. O corpo não é apenas uma “entidade”,
mas se faz como parte primordial da experiência, um “[...] modo prático de enfrentar
situações e eventos exteriores.” (GIDDENS, 2002, p.57). O processo de construção de um
“eu” fundamenta-se na visão do reflexo de um “eu” corporificado, o qual possui limites,
fronteiras que vêm a preparar a cena para todas as identificações possíveis (WOODWARD,
2014).
A imersão deste eu corporificado nas interações da vida cotidiana “[...] é uma parte
essencial da manutenção de um sentido coerente de auto identidade.” (GIDDENS, 2002, p.
95).
Percebemos que a ideia que possuímos de nossa identidade enquanto algo acabado e
bem definido é apenas uma ilusão. Resquício do pensamento moderno no qual centralizou e
interiorizou no ser humano, através da razão e da consciência, a ideia de uma essência
inerente ao ser, que permaneceria estável durante toda sua existência. A ruptura com este
pensamento permitiu que novos horizontes possíveis fossem vislumbrados, e desta forma a
identidade torna-se um enigma a ser edificado não somente através do ser, do indivíduo, mas
sim de sua relação com o mundo, com seus semelhantes e vice-versa. A identidade deixa de
ser um porto seguro, no qual o indivíduo ancorava suas certezas sem receios de abalo, e passa
a ser um problema; uma constante reivindicação necessária ao sujeito em sua existência. A
modernidade tardia proporcionou uma profusão de identidades possíveis, deixando a
estabilidade à mercê de ansiedades e de inseguranças, constantemente ameaçando a existência
32
Tal qual percebemos até o presente momento, a correlação das noções de corpo e
identidade perpassou uma série de construções sociais que se encontravam inseridas em
determinados períodos históricos, nos amparando na compreensão dos indivíduos
contemporâneos. Neste sentindo, a prática da tatuagem pode ser encarada como um dos
possíveis prismas para considerar transformações e (re)significações, imprimindo no corpo do
indivíduo sua representação, sua visão de si e do mundo que o abrange.
uma vez que seu processo de (re)ocidentalização1 teve como um dos principais canais de
transmissão desta prática os marinheiros, os quais difundiram comumente suas atividades nas
áreas portuárias e estaleiros das cidades do velho continente, espalhando-se majoritariamente
entre os próprios marinheiros, assim como também entre outros frequentadores comuns a
estes perímetros, tais como ladrões, assassinos, prostitutas e toda uma parcela da população
que se encontrava a margem da sociedade (MARQUES, 1997).
As efetivas trocas são comunicativas, não informativas, pois se dão entre os grupos.
Não há preocupação com grandes plateias – a correspondência ideológica é
construída entre eles mesmos. Trata-se de um produto de uma articulação individual
ou de pequenos grupos que estão continuamente particularizando a imagem e o seu
significado (RAMOS, 2005, p. 95).
1
Pautamo-nos na perspectiva empregada por Toni Marques (1997), na qual a prática da tatuagem se encontrava
inserida no contexto europeu, entretanto, esta foi quase que totalmente banida durante a idade média, voltando à
tona no século XVIII com as grandes navegações.
34
Através desta compreensão podemos nos soltar das amarras que atrelam a ideia de
estigma como algo naturalizado, inerente ou próprio de quem a possui, passando a ser
entendido enquanto uma construção social e cultural. Logo, o desviante é constituído dentro
do mundo social, sendo a partir destas construções que se desenvolvem as interações
evidenciadas pelo estigma (FONSECA, 2003).
[...] o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma
consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O
desviante é alguém a quem este rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento
desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal (BECKER, 2009, p.22).
O que irá constituir, ou não, o desvio se refere em parte ao ato, se este viola ou não
alguma regra, e em parte da reação das outras pessoas acerca dele. O desvio não recai
enquanto uma qualidade inerente ao comportamento em questão, mas na interação entre
aqueles que cometem o ato e aqueles que reagem a este (id., ibid.).
Devemos voltar nossa atenção ao fato de que, dentro da reflexão proposta, o estigma
da tatuagem é algo voluntário, uma vez que a pessoa não nasce com ela, muito menos é
induzido socialmente a fazê-la, é uma decisão pessoal que se realiza enquanto uma opção de
vida, cobrando uma dimensão singularizante de tal prática (FONSECA, 2003).
35
A prática da tatuagem chega ao Brasil oficialmente no início dos anos 60, juntamente
com o dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen, ou simplesmente Tattoo Lucky, como
ficou conhecido. Luky foi considerado pela imprensa nacional como o primeiro tatuador
profissional na América do sul, se instalando na região de Santos e depois no Rio de Janeiro,
disseminando a prática da tatuagem pela região sudeste e sul do país. Este foi considerado o
grande marco para a tatuagem em território nacional, marcando a pele e a história de muitos, e
abrindo caminho para a entrada do Brasil no mapa da tatuagem moderna (MARQUES, 1997).
A partir da década de 80 a tatuagem passa por uma nova fase, entrando no circuito do
mercado através do estabelecimento de vários pontos comerciais. Inúmeros avanços técnicos
e tecnológicos, juntamente com a regulamentação da profissão, fazem com que a face desta
prática tome novas proporções, possibilitando uma maior abrangência social. O aparecimento
dos estúdios de tatuagem, a utilização de equipamentos importados, de materiais descartáveis,
de revistas e catálogos especializados disponíveis aos clientes proporciona que esta prática
passe do âmbito marginal para o comercial. Uma vez instalado em local fixo e organizado,
devidamente decorado e pensado para a tatuagem, este ambiente vem a se relacionar com
novas formas de conceber o corpo, onde as modificações corporais entram em jogo como uma
nova forma de estilo, de uma nova busca que vem a caracterizar e identificar o sujeito
contemporâneo (COSTA, 2004; FONSECA, 2003).
37
2 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
Nas palavras de Clifford Geertz (2008, p.9) “a cultura é pública porque o significado o
é”, ou seja, os significados e os símbolos são partilhados pelos atores sociais uns entre os
outros, e não dentro de si. Nesta perspectiva, a cultura pode ser encarada como um sistema
39
Eu lembro que, antes de eu gostar de rock, eu assim: caralho, vou seguir esse estilo
de vida assim. Vou ser rockeiro. Eu já ouvia metal por causa do meu tio. E meu
nome, por causa do maluco do Sepultura, que minha mãe gosta do Sepultura.[...] Já
nasci, acho que já fadado a ser rockeiro. Mas quando eu comecei a ter contato com
40
programas da MTV: Riff, total massacration, essas parada assim, que mesmo que
era zueira passava uns clipes de metal. Ai eu parava e olhava assim, a postura
subversiva, assim agressiva. Ser contra assim oh, com as parada que é certinha.
Caralho, eu quero ser assim, eu acho massa. Eu não tinha ideal nenhum [...], mas
uma coisa foi puxando a outra. [...] Primeiro instrumento, andar com a galera, ter as
tattoo.[...] “Fulaninho tem tatuagem”, caralho, o bicho tem coragem velho, um dia
eu quero chegar nesse nível de ter assim. É uma parada, assim, quase todo mundo do
rock tem tattoo, mas eu não vejo uma coisa de "Maria vai com as outras" (Andreas,
gerente de vendas).
Cada tattoo que eu tenho, quando eu paro e penso na tattoo assim: rapaz, essa tattoo
aqui, eu tava vivendo alguma parada. Quando eu fiz essa tattoo, eu pensava de uma
maneira diferente. A minha prmeira tattoo, eu lembro como eu era antes.[...] Ai eu
fiz... a do peito. Ai, meu irmão, já não sou mais o mesmo cara, assim, não é porque
eu tenho mais uma tattoo, mas pô, eu faria aquilo naquela época?! Não, mas eu sei o
que eu tava vivendo e o que eu queria. Então, cada tattooo vai marcando... cada
época que eu tô vivendo. Aqui em Mossoró ainda não fiz nada, mas quando eu fizer
eu vou lembrar: quando eu tava lá em Mossoró... [...]Não que eu vá esquecer, assim,
se eu não fizer a tattoo, mas se eu fizer eu acho que é muito mais marcante (Andreas,
gerente de vendas).
41
Figura 1 - A friend ship never sinks, tatuagem no peito de Andreas simbolizando as amizades.
Desta forma, podemos conceber que ser algo, ou alguém, só pode ser compreendido
quando se está dentro de um processo de produção simbólica e discursiva, pois, não pode se
considerar a identidade enquanto um aspecto absoluto, onde sua existência não possua uma
ligação com a linguagem, encarada como uma característica puramente inerente ou
plenamente externa; não pode ser vislumbrada enquanto mero referencial natural ou fixo
(SILVA, 2014).
Neste sentido, podemos considerar a linguagem como um sistema movediço, pois seus
elementos – os signos – não possuem valor absoluto e não transmitem sentido se considerados
de maneira isolada. O sentido é adquirido quando se insere estes elementos dentro de uma
cadeia infinita de outras marcas gráficas ou fonéticas que se diferem umas das outras. A
linguagem enquanto sistema de significação é uma estrutura instável (id., ibid.).
As minhas tatuagens são muito pessoais, e pra mim chegar a fazer acontecem várias
coisas, uma série de acontecimentos, que eu idealizo isso de alguma forma pra
marcar e nunca mais esquecer. Basicamente é isso. [...] Depois que acontece é que
eu vou começando a juntar e formar as coisas. Nada surgi assim, em vão, apenas
pelo desenho ou por amar o cara que toca naquela banda... não. É uma coisa mais
pessoal mesmo, mais profunda vamos dizer assim [Figura 9] (Jean, Professor).
Desta forma, a tatuagem se constitui enquanto uma linguagem pela qual os indivíduos
imprimem em seus corpos uma infinidade de desejos, uma série de desenhos e temas que
possuem suas lógicas e explicações. Estas figuras não surgem “do nada”, são pensadas e
relacionadas com as experiências vivenciadas pelo indivíduo, onde muitas vezes extrapola os
significados pertencentes aos símbolos que tomam contornos em sua epiderme.
Figura 2 - Tatuagem de Jean com o símbolo da banda norte americana Foo Fighters.
43
Sendo assim, a identidade se torna possível de ser ancorada na medida em que nos
inserimos em um sistema simbólico e de linguagem, os quais passarão a fornecer pontos de
apoio linguísticos. As identidades adquirem sentido através da linguagem e dos sistemas
simbólicos pelos quais elas são representadas, sendo este significado atribuído culturalmente e
socialmente, além de se encontrar atrelado a um sistema de representação. Por sua vez, a
representação encontrasse ligada a sua dimensão significante, como sistema de signos, logo,
não é uma representação mental ou interior, mas sim uma marca, um traço visível
exteriormente. Age simbolicamente para classificar o mundo e as relações ao seu redor
(SILVA, 2014; WOODWARD, 2014).
As representações do mundo social não são o reflexo do real nem a ele se opõem de
forma antitética, numa contraposição vulgar entre imaginário e realidade concreta.
Há, no ato de tornar presente ou ausente, a construção de um sentido ou de uma
cadeia de significações que permite a identificação. Representar, portanto, tem o
caráter de anunciar, “pôr-se no lugar de”, estabelecendo uma semelhança que
44
A tatuagem pra mim é a forma de você mostrar a sua personalidade. Não tipo, ah
sou rockeiro loucão e tenho uma tatuagem, mas como eu falei, sempre tão ligadas a
significados, entendeu? Tipo, se eu vejo uma pessoa que tem uma tatuagem de Jesus
e é um sarcasmo, eu já sei que aquela pessoa não é uma pessoa religiosa. Então é
uma forma de você expressar quem você é, sem necessariamente abrir a boca, tipo:
“eu tenho uma tatuagem do ac/dc”, pronto, essa cara gosta de rock, não precisou
abrir a boca pra falar que ele gosta (Emmeson, gerente de vendas).
Figura 3 - Faz o que tu queres, pois é tudo da lei. Tatuagens de Emmeson que contemplam o
símbolo e parte da canção sociedade alternativa de Raul Seixas.
forma definir a situação e antecipar o que se pode esperar do outro (GOFFMAN, 2007). Neste
sentido a tatuagem serve como uma objetivação da subjetividade do indivíduo, uma forma de
cristalizar uma representação de si, permitindo um discernimento acercadaquele que estampa
em si tatuagens.
Porém, neste ponto devemos atentar para uma pequena distinção entre o papel
exercido pelo indivíduo e sua identidade. A influência dos papéis no comportamento de um
indivíduo depende de negociações e acordos que se dão entre o indivíduo e as instituições e
organizações, as quais normatizam tais papéis. Já as identidades constituem fontes de
significados para o próprio indivíduo, que são construídas por ele através do processo de
individuação. As identidades – auto identificação – podem vir a coincidir com o papel social
exercido, porém, as primeiras são fonte de significado de maior prestígio, pois envolvem
processos de autoconstrução e individuação. Genericamente pode-se afirmar que “[...]
identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções.” (CASTELLS,
1999, p.23).
processado pelos indivíduos, por grupos sociais e pela própria sociedade, proporcionando
uma reorganização de seus significados “[...] em função de tendências sociais e projetos
culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço.” (id.,
ibid., p.23).
Ao afirmamos nossa identidade fixamos aquilo que somos – o que achamos de nós, ou
como gostaríamos de ser vistos –, e a partir deste ponto também estabelecemos o que os
outros são, em um quadro onde os outros são diferentes ou semelhantes a nós. Ao voltar nosso
foco à noção de identidade, devemos também buscar entender sua relação com a diferença,
não como opostos, mas inseridos como elementos primordiais dentro do processo de criação e
produção da própria identidade.
Pra mim, a princípio, foi uma busca por identidade. Como eu falei pra você, eu fiz a
1° pra me diferenciar dos demais. E eu acredito que você tem uma tatuagem, que
você tenha uma modificação corporal seja ela qual for, você tem aquilo pra buscar
um diferencial, seu individualismo. [...] então eu fui buscar mudar a minha estética,
a busca de uma personalidade que me destacasse das demais, porque eu nunca gostei
de nada que fosse similar de outras pessoas. (Danie, Supervisora de operações).
47
3 RISCANDO IDENTIDADES
Neste capítulo iremos discutir de que maneira o corpo se encontra dentro de relações
de poder que buscam moldá-lo, criando uma ideia de normalidade e padronização do corpo.
Porém, as marcas corporais estariam dispostas como uma forma do indivíduo exercer uma
liberdade na sua relação com o que encara enquanto corpo, vivenciando este corpo de forma
única, ressignificando inclusive a dor envolvida no processo da tatuagem.
Estas marcas corporais entram num jogo da busca pela exclusividade, uma forma de
tentar se distinguir dos outros através de tatuagens exclusivas, que buscam a singularização
tanto da pessoa tatuada quanto do traço do tatuador.
O indivíduo não se encerra nele mesmo, sendo o mesmo uma encarnação do coletivo,
uma corporificação do social, um corpo inserido no mundo, o qual se encontra ligado de
forma implícita e explícita a certa limitação de sua representação legitimada (MEDEIROS,
2011).
Deste modo, o controle sobre o corpo começa a ser exercido através dos processos de
educação, o qual se estende desde a infância até as vivências adultas, fazendo da disciplina
uma maneira de domesticar e docilizar os corpos. “Em qualquer sociedade, o corpo está preso
no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações”
(FOUCAULT, 2004, p.117). Segundo as palavras de Cláudio Lúcio Mendes (2006, p.168,
grifo do autor), o corpo é entendido dentro da perspectiva de Michel Foucault como sendo:
[...] ao mesmo tempo uma massa, um invólucro, uma superfície que se mantém ao
longo da história. Sintetizando, pode-se dizer que, para Foucault, o corpo é um ente,
composto por carne, ossos, órgãos e membros, isto é, matéria, literalmente um lócus
físico e concreto. Essa matéria física não é inerte, sem vida, mas sim uma superfície
moldável, transformável, remodelável por técnicas disciplinares e de biopolítica.
Com isso, o corpo é um ente – com sua propriedade de “ser” –, que sofre a ação das
relações de poder que compõem tecnologias políticas específicas e históricas.
corpo é inserida e percebida. Logo, o corpo, ou melhor, a maneira pela qual o percebemos,
deve estar em consonância com a estrutura à qual encontrasse incorporado, sendo seu desvio
encarado com estranheza diante dos padrões impostos. Através do discurso de Emmesson
podemos ilustrar de que maneira esta ideia de normalidade, que também é relativa às várias
modificações corporais que são praticadas em nossa sociedade, recai sobre a tatuagem. Este
tipo específico de adereço corporal encontra-se parcialmente excluído das remodelações
corporais legitimadas na sociedade contemporânea.
[...] acho que a maioria da população, ou talvez apenas os mais antigos, ainda são
conservadores, não em relação a tudo, mas pelo menos ao que diz respeito à
mudança corporal e o fato de se expressar, ou talvez modificar o corpo por prazer
vai contra essa maioria. Talvez não seja de fato só mudança corporal em si. Pois
plásticas, lipo, implantes de cabelo etc, são mais bem vistas ou pelo menos, menos
mal vistas. Então, é ser diferente do que está predominando ( Emmeson, gerente de
vendas).
Esta ideia de corpo na qual devemos encarnar tende a entra em choque com maneiras
alternativas de personifica-lo. Ao passo que modificar suas características tidas como naturais
através de procedimentos que se encontram inseridos dentro de práticas legitimadas, como os
procedimentos cirúrgicos estéticos, não é tido como algo estranho, porém, a ruptura com a
representação legítima desta matéria física através da tatuagem, mesmo com o intuito de
embelezamento para o indivíduo, é encarado muitas vezes como exótico, anormal ou mesmo
bizarro. Neste sentindo, a tatuagem, por mais difusa e popularizada que esteja em nossa atual
conjuntura, ainda é um tipo de modificação corporal que possui um limite quanto ao estilo, à
quantidade e localização, características estas que acabam por enquadrar a um modelo
aceitável de tatuagens. Estes corpos são aferidos a um padrão no qual possuí certos desenhos,
número e lugares para as tatuagens, distinguindo-os entre belos ou feios, normais ou
estranhos, aceitáveis ou condenáveis.
Este tipo de relato perpassou as falas de vários de nossos entrevistados, tal como
podemos perceber através das palavras de Danie. Ela possui uma tatuagem de uma caveira
localizada na parte inferior interna do seu antebraço, e relatou já ter recebido alguns olhares
de reprovação de terceiros. Segundo ela:
[...] hoje todo mundo tem tattoo, por menor e mais simples que seja. Mas quem faz
mudança no corpo e não se contenta em parar em 1, 2 e possui várias expostas acaba
sendo e se sentindo um pouco diferente sim, e acho que são enxergados de tal forma.
50
Através da fala de Danie podemos perceber que o corpo deve ser encarado como uma
superfície onde se exercem relações de poder, visto como um caminho para a subjetivação;
uma maneira de entender as relações de poder-saber nas sociedades modernas. Este corpo está
em constante relação com o poder disciplinar, ao qual irá docilizá-lo ao máximo criando
maneiras de extrair deste a maior produtividade possível, ou mesmo inibi-la, caso este venha a
transgredir tais processos disciplinares (MENDES, 2006). E para além da extração da força
produtiva, também o legitima enquanto espaço de simbolização, validando certas
modificações que se encontram polarizadas em praticáveis e censuráveis, estabelecendo não
somente uma ideia de belo ou feio, mas balizando a construção subjetiva do ser.
A obediência às regras não se faz apenas por receio às punições, pois encontrasse
cristalizada nos próprios indivíduos, pelo desejo de seu reconhecimento enquanto parte
integrante da sociedade, como nós alerta Rodrigues (2006, p.38), uma vez que “[...] não
existindo indivíduo sem a sociedade, este não pode negá-la sem no mesmo ato estar negando
a si mesmo. Neste sentido, a sociedade é um bem e suas regras apresentam-se como
desejáveis.”
51
Neste sentido, podemos nos pautar na obra “O processo civilizador”, de Nobert Elias
(1994), para compreender de que maneira ocorreu o desenvolvimento de condutas de
autocontrole que cristalizam um modo de ser civilizado no ocidente. Tomando como base de
suas analises obras que buscaram uma educação e polidez do comportamento em meados do
século XVI, e como estas regras de etiqueta moldaram e controlaram a afetividade, as
emoções e a experiência humana, Elias nos chama a atenção para perceber que este processo
civilizador:
A tatuagem, ao ser associada a uma prática vinculada a povos selvagens, e logo após a
um comportamento desviante e marginal, é excluída das condutas civilizadoras, permeando a
educação e assim balizando a maneira de como um corpo (civilizado) deveria ser concebido.
Neste sentido, a prática da tatuagem encontrasse atrelada às relações de poder-saber que
moldam os corpos e as subjetividades dos sujeitos.
compreender, através do método arqueológico, a história dos diversos modos pelos quais, na
cultura ocidental, o ser humano se torna sujeito. O que nos leva a entender que não é o poder
que constitui seu tema geral, mas sim o sujeito. Este sujeito se encontra e é colocado em
relações de produção e significado, sendo desta forma igualmente posto em complexas
relações de poder.
É necessário, assim, entender as dimensões de uma definição de poder, uma vez que
esta vem a objetivar o sujeito. Primeiramente temos que ter em mente as condições históricas
que se encontram por detrás dessa conceituação, ou seja, se faz necessário uma consciência
histórica da situação presente, assim como também necessitamos de uma nova forma de
economia das relações de poder. O intuito então seria analisar racionalidades específicas
como processos em campos variados, aos quais fazem referência a uma experiência
fundamental (FOUCAULT, 1995).
Foucault expõe essa nova forma de economia das relações de poder com implicações
mais próximas entre a teoria e a prática.
Tal qual nos referimos anteriormente, as modificações corporais entram em um rol que
separa representações cabíveis e condenáveis, permeando as relações humanas e
determinando as possibilidades do indivíduo se conceber. Podemos perceber através do
discurso acercado preconceito sofrido por aqueles que se utilizam desta prática que existe uma
relação de poderes, contrários, opostos, dispares em relação à imagem do corpo e de como
esta deve ser representada. Estes poderes visão uma homogeneização da ideia de corpo. Ao
questionarmos se a tatuagem proporciona algum tipo de mudança na relação indivíduo-
53
sociedade, Mateus nos ilustra de que é inevitável não entrar em conflito no que diz respeito ao
preconceito que estas marcas vêm a causar nas relações interpessoais.
Eu acho que muda. Muita gente diz que não muda nada em você, mas de um jeito ou
de outro você vai ter que bater de cara com o preconceito, você vai ter que mudar
em relação a... muita gente vai olhar torto pra você. [...] Eu comigo mesmo sou a
mesma coisa, sou até melhor quando faço uma tatuagem. Porque... Quando eu faço
uma tatuagem eu me sinto renovado, assim, mais estiloso. Vai me dizer que quando
você fez a pessoa não fica se olhando de frente pro espelho assim e tal, ficou massa
e não sei o que. Aumenta o ego da pessoa (Mateus, estudante).
Segundo Foucault (ibid.), uma série de lutas antiautoritárias surgiu nos últimos anos,
porém, não basta enxergá-las simplesmente enquanto tais, mas sim perceber o que há de
comum entre elas. Foucault elenca seis características em comum: 1) São lutas “transversais”,
ou seja, não se limitam a um país; 2) O objetivo destas lutas são os efeitos de poder enquanto
tal; 3) São lutas “imediatas”, ou seja, objetiva-se o inimigo imediato, criticam-se as instâncias
de poder mais próximas; 4) São lutas que questionam o estatuto do indivíduo, não são contra
nem a favor do “indivíduo”, são batalhas contra o “governo da individualização”; 5) São lutas
contra os privilégios do saber, pondo em questão o modo pelo qual esse saber circula e
funciona, assim como suas relações de poder; 6) Todas essas lutas giram em torno de um
questionamento: quem somos nós?
O objetivo principal destas lutas não seria atacar um determinado grupo, instituição ou
classe, mas sim uma técnica, uma forma de poder.
Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo,
marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe
uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer
nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. Há dois significados
para a palavra sujeito: sujeito ao outro através do controle e da dependência, e ligado
à sua própria identidade através de uma consciência ou do autoconhecimento.
Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e sujeita (Id., ibid., p.235).
Em nossa sociedade essas lutas tendem a prevalecer devido ao fato de que uma nova
forma de política do saber se desenvolveu de modo contínuo desde o século XVI. Esta nova
estrutura política seria o Estado. O poder do Estado combina duas técnicas, que seriam a
54
individualização e os procedimentos para uma totalização. Porém, Foucault (ibid., p.237) nos
alerta para um detalhe importante em relação ao Estado:
Não acredito que devêssemos considerar o “Estado moderno” como uma entidade
que se tenha desenvolvido acima dos indivíduos, ignorando o que eles são e até
mesmo sua própria existência, mas, ao contrário, como uma estrutura muito
sofisticada, na qual os indivíduos podem ser integrados sob uma condição: que esta
individualidade fosse moldada numa nova forma e submetida a um conjunto de
modelos muito específicos.
De inicio vale salientar que o poder dentro da perspectiva foucaultiana em questão não
é tratado enquanto objeto, ou seja, como algo que se possui ou não, ou mesmo a um nível
institucional (o poder pertencente a uma instituição em específico), mas sim enquanto uma
relação que se estabelece historicamente através das práticas, saberes e discursos que dizem
respeito aos indivíduos.
Temos que alçar nosso olhar para como se exerce esse poder sobre os indivíduos,
como acontece quando os indivíduos exercem esse poder sobre os outros, e não buscar
entendê-lo em como se manifesta.
Foucault (ibid., p.240, grifo do autor) expressa a motivação que o leva a seguir essa
lógica de raciocínio:
Grosso modo, eu diria que começar a análise pelo “como” é introduzir a suspeita de
que o “poder” não existe; é perguntar-se, em todo caso, a que conteúdos
significativos podemos visar quando usamos este termo majestoso, globalizante e
substantificador; é desconfiar que deixamos escapar um conjunto de realidades
bastante complexo, quando claudicamos, indefinidamente, ante a dupla
interrogação: “O que é o poder? De onde vem o poder?” A pequena questão, direta e
empírica: “Como isto acontece?”, formulada como esclarecedora, não tem por
função denunciar como fraude uma “metafísica” ou uma “ontologia” do poder; mas
tentar uma investigação crítica sobre a temática do poder.
corpo encontrasse permeada por relações de poder que tentam limitar os horizontes possíveis.
Vislumbramos estes aspectos através do depoimento de Ivickson, quando este menciona suas
influências de estilo de vida, e para o mundo da tatuagem, que se pautam no meio Hardcore e
no skate, ambos presentes em sua adolescência. Através da filosofia deste estilo de vida,
Ivickson nos proporciona um entendimento de como os indivíduos se encontram em um
processo de resistência contra uma padronização destes corpos.
Foi a minha vida mesmo, acho que foi até mesmo reflexo de minha adolescência.
Como eu andava e frequentei muito o meio Hardcore lá em João pessoa,
principalmente, por que passei a adolescência lá, e o movimento lá, de 90 pra 2000,
tinha um movimento interessante lá. Punk rock, Hardcore e tudo mais, então assim,
e como eu andei com pessoal de skate muito, então isso ficou. Ai eu realmente
adotei, assim como um estilo mesmo, até de música pra se ouvir. [...] É um modo de
viver alheio a muita padronização, muita sistematização. Claro que tem que ter uma
sistematização pras coisas, mas eu acho que alheio a uma massificação, a coisas que
são impostas sem você pensar. Então, esse tipo de coisas que as pessoas seguem, são
submissos, e não sabem por que, então eu acho que o Punk-rock-Hardcore eles
expressão [...] pra mostrar isso [Figura 6] (Ivickson, professor).
Tal analise das relações de poder devem considerar o indivíduo como agente da ação,
e não simplesmente como uma marionete, no qual irá deixar apoderar-se. Uma relação de
poder pressupõe indivíduos livres, ou seja, tanto indivíduos ou grupos de indivíduos possuem
um campo de possibilidades, onde diversas condutas, reações e comportamentos estão diante
de si.
O poder aqui exposto não deve ser encarado de uma maneira negativa, de forma
comumente encarada pelo senso comum, como o poder que não permite escapatórias ou vias
alternativas de fuga.
O poder, enquanto relacional, só existe em ato, tanto do lado de quem o exerce como
do lado daquele sobre o qual é exercido. Dessa forma, o poder é visto em sua
positividade, pois na verdade, o poder produz; produz realidade. O poder permeia,
induz ao prazer, constitui saber, produz discurso (CARVALHO; SILVA, 2010, p.
2).
56
Nesta via de pensamento, o poder deve ser visto como um exercício ao qual visa
balizar condutas e ordenar possibilidades. Poderíamos dizer que o poder se constitui enquanto
um conjunto de ações que recaem sobre outras ações possíveis, induzindo e respondendo uma
as outras, facilitando ou dificultando, ampliando ou limitando tais ações.
[...] se é verdade que no centro das relações de poder e como condição permanente
de sua existência, há uma “insubmissão” e liberdades essencialmente renitentes, não
há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem inversão eventual;
57
toda relação de poder implica, então, pelo menos de modo virtual, uma estratégia de
luta [...] (FOUCAULT, 1995, p.248, grifo do autor).
A resistência surgiria então como uma prática na qual visa enfrentar às práticas de
sujeição, às práticas dominadoras, “[...] institui-se como um modo de desassujeitamento na
produção da própria subjetividade.” (CARVALHO; SILVA, 2010, p. 3). A liberdade surge a
partir de atitudes e comportamentos, os quais visam ir de encontro com o que é, de certa
maneira, imposto pelas práticas de sujeição, tentando desta forma se instituir como sujeitos
das suas próprias práticas.
A liberdade é uma condição para a existência do poder, assim como para a existência
do sujeito. Se o poder se exerce de tal forma a anular a liberdade, o poder se converte em
dominação, e o sujeito em mero objeto.
A ética aqui deve ser entendida como uma ação que contribui para a formação da
subjetividade. Está ligado ao tipo de pessoa que supostamente se deseja ser, ao tipo de vida ao
qual seguir, ao estado moral que se é convidado a atingir.
[...] quando eu faço uma tatuagem eu me sinto renovado, assim, mais estiloso. Vai
me dizer que quando você fez a pessoa não fica se olhando de frente pro espelho.
[...] aumenta o ego da pessoa (Mateus, estudante).
59
Dentro desta linha de pensamento, o indivíduo que fosse capaz de exercer essa
maneira de subjetivação, de controlar a si mesmo, estaria exercendo a liberdade de fato. A
relação de si consigo mesmo também advêm de uma relação com o outro, uma vez que para
se ter tais cuidados de si para consigo seria preciso saber ouvir os saberes de um mestre, tais
como conselhos proferidos por amigos, etc.
Desse modo, Foucault problematiza a Grécia clássica não como “algo ao qual
retroceder”, nem como “valor exemplar”, mas compreendendo que dentre as
invenções culturais da humanidade há dispositivos, procedimentos que constituem
ou ajudam constituir um certo ponto de vista que pode ser útil como uma ferramenta
para analisar o que ocorre hoje em dia e para modificá-lo (CARVALHO; SILVA,
2010, p. 6).
Se rebelar contra a repressão das pessoas contrárias ao que eu queira ser... A minha
pessoa. Não rebelar contra algo, e sim apenas a pressão das outras pessoas. Então,
quando minha mãe falou assim: “não! Não quero, não quero”, é... Eu fui por mim
[...], pela minha vontade. Mais uma forma de eu seguir aquilo que eu queria fazer,
não deixar me abater pelo que outras pessoas pensam. Ela vir com um argumento
62
completamente inválido [...], ou seja, eu me rebelei contra aquela opressão dela, não
contra ela [...]. É apenas seguir o que você quer, o que você é. É uma coisa em mim
que eu sempre gostei (Jean, professor).
outros. As modificações corporais podem ser diversas, englobando desde cortes de cabelos e
maquilagens até cirurgias plásticas e outras intervenções mais radicais sobre o corpo como
tatuagens e piercings. Modificar o corpo implica uma modificação não somente na aparência;
não é apenas o visual que se encontra submetido a uma transformação, mas toda uma cadeia
de relações.
Eu vejo que uma pessoa tá se descaracterizando ou ela tá criando uma nova versão
de si mesmo que ela acha mais condizente com o que ela é por dentro. Ela tá
modificando a parte externa pra ser mais condizente com o que ela é por dentro. Eu
acho que a tatuagem é parecido com isso um pouco. Você tá marcando fora do seu
corpo ideias através de imagens, ou às vezes através de palavras mesmo, que lhe
representam, que representam quem você é (Joaquim, estudante).
Bourdieu (ibid.) nos chama a atenção para o fato de que por meio desta constante
confrontação com o mundo, a ordem social se inscreve nos corpos, pois é pelo corpo que
aprendemos. Esta relação com o mundo não se dá de forma passiva, relegando ao indivíduo
um papel de mero receptáculo da ordem imposta, mas sim numa relação dupla, estruturada e
estruturante, com o ambiente.
Podemos perceber que o corpo sugere separações e uniões, possui demarcações que
impõem limites ao passo que indica o que há fora dele. Assim como olhar para o horizonte e
perceber os limites que confundem o céu com a terra ou o mar, o corpo é um paradoxo que
faz com que vários horizontes se abram, seja na moda, no campo da sexualidade, dos gêneros,
passando pela saúde e educação física, e que também remete as modificações corporais. O
corpo possui inúmeros detalhes os quais são impossíveis de serem apreendidos ou decifrados,
pois seria muito difícil limitar o corpo à apenas um prisma da realidade, seria “[...] ocioso e
vão definir de uma vez por todas o que é o corpo e como ele deve ser utilizado.”
(SANT’ANNA, 2005, p.121).
64
Eu sempre olho, sempre admiro o fato de tá ali, porque é uma parte nova do meu
corpo, há um diferencial no meu corpo e eu fico prestando atenção àquilo de uma
forma positiva, admirando ele. Mas eventualmente, com o tempo, se torna o meu
corpo, passa a ser... Aquela parte nova passa a ser uma parte do meu corpo, então
quando eu olho pro meu braço tatuado eu já não vejo mais a tatuagem, eu vejo o
meu braço, ele é normal. Eu não fico olhando pra ele; ele tá lá, ele existe e eu não
sinto o peso da tatuagem, eu não sinto o peso do desenho que você sente no começo.
[...] e eu começo a olhar a outra parte, eu começo a olhar as partes que não tem
tatuagem, porque eu fico querendo botar mais tatuagens novas (Joaquim, estudante).
[...] existe uma sensação diferente, porque é o seu corpo, o corpo ele também é a
pessoa. O corpo não é só físico, o corpo é a pessoa, você pode também ter ideias no
corpo, seu movimento é o jeito de você pensar. Então por isso, eu acho que você
pode se sentir diferente com algumas tatuagens, porque se você se sente diferente
para o outro, então por que você não se sentir diferente pra si mesmo? Que as vezes
você é o mesmo, mas você é o outro também quando você olha pro seu corpo. Você
tá olhando pra você, mas o corpo é um objeto e um sujeito ao mesmo tempo, acaba
acontecendo isso ai (Ivickson, professor).
65
Neste sentido, as marcas corporais são uma maneira de marcar suas próprias
identidades, de se identificar enquanto sujeito, deixando impresso em si através de traços e
cores quem a pessoa é, quais vivências foram importantes, assim como características e gostos
que se julgam permanentes na constituição de si. Estes fatores se tornam claros diante da fala
de Jean, o qual possui a maior parte de suas tatuagens em homenagem a bandas das quais ele
acredita que o representariam e fariam parte de sua própria construção como pessoa. A
tatuagem não aparece apenas enquanto uma simples homenagem, mas também como uma
forma de lembrança, uma memória à qual remetem a certas épocas, onde estas bandas e
músicas exerceram grande importância em sua vivência, trazendo à tona momentos
específicos e únicos que transcendem as marcas impressas na pele.
Trago uma coisa que fique firme lá no que eu quero fazer, não deixo nada atrapalhar,
fazer com que eu me arrependa, sabe? Fiz e não me arrependo porque são bandas
que me representam musicalmente, letramente também, tudo. Então são coisas que
marcaram a minha vida, certos momentos da minha vida e que toda vez que eu olho
eu vou lembrar disso. Em contrapartida eu esqueço, e realmente serve como
lembrança, porque às vezes eu esqueço que eu tenho tatuagem, então esqueço das
experiências, mas depois que eu vejo me remete a certos tempos (Jean, Professor).
67
Olhar para si ou ser questionado a respeito das tatuagens em seu corpo faz com que o
indivíduo venha a lembra-se, ao mesmo tempo, das razões que o motivaram em sua ação
assim como as circunstâncias que o dirigiram à sua execução. Torna-se uma forma de parar o
tempo, de marcar na memória, e sobre tudo no corpo, a celebração de um acontecimento a fim
de que este não venha a ser dragado pelo constante devir, assemelhando-se a um ancoradouro
para momentos dos quais não se quer deixar à deriva na memória. Nas palavras de David Le
Breton: “A vontade é eternizar um instante através de um acto irreversível, dele reter a
nostalgia, de se agarrar ao fluir infindável das coisas.” (2004, p.131 – 132).
A marca impressa na pele representa um elo entre o corpo do indivíduo e o objeto pelo
qual as emoções estão sendo manifestadas. Neste sentindo, a tatuagem age simbolicamente
como um significante emocional, vem a indicar a força da união, se torna um símbolo contra a
ausência. A tatuagem é uma demonstração pública, ou encoberta, a qual aponta através de um
sacrifício de sangue que a relação penetrou sob a pele, o limite corporal com o mundo,
representando simbolicamente as relações mantidas entre o Eu e o exterior. “Os sentimentos
são percebidos como da alçada do interior, da subjetividade, do Eu. A pele, a camada
intermediária entre o Eu e o mundo, é um local de comunicação entre o mundo subjetivo e o
mundo objetivo.” (OSÓRIO, 2010, p.127).
A conexão existente entre o ser e o objeto pelo qual se tem apreço pode ser observada
na relação estabelecida por Andreas e as bandas de rock das quais ele elenca como
importantes, não somente por gostar da sonoridade, mas por ser um apoio para a sua própria
maneira de ser e se portar.
[...] eu tenho certeza que o rock influenciou de mais, até porque essa perna aqui eu
quero fazer toda com banda. Pra marcar assim, as bandas que eu mais gostei. [...]
Foi a formação, desde caráter... Até meu caráter eu acho que foi formado por bandas
de rock. Olhar assim a postura do vocalista tal, do guitarrista tal. Ai eu pego a
influência assim, vejo como é a vida do cara fora do palco e trago pra mim às vezes.
Eu pego uma influência do cara e vou além da música, pego a personalidade e trago
assim, às vezes. (Andreas, gerente de vendas).
69
Figura 8 – Tatuagens de Andreas com os símbolos das bandas Misftis e Municipal Waste.
Quem disser que tatuagem não é uma forma de vaidade tá extremamente enganado.
Você veste uma roupa legal porque você quer que as pessoas vejam que você tá
vestindo uma roupa legal e que você se sente bem vestindo aquela roupa. E
tatuagem é o mesmo esquema, você faz uma tatuagem por que você quer se sentir
bem e você quer parecer legal também, e... Não há nada de errado com isso. [...]
como a tatuagem ela meio que traduz esse lance da personalidade, eu queria que eu
tivesse uma tradução bonita do que eu quero passar (Luan, Supervisor de
operações).
engloba um gosto, uma vontade, uma posição que só pode ser compreendida a luz da
interpretação daquilo que é o espaço que rodeia o indivíduo.” (BAPTISTA, 2010).
2
Termo usado para definir a força empregada pelo tatuador no momento da tatuagem, podendo ser a mão “leve”
ou “pesada”. Outro termo comum é “mão boa” ou “mão firme” que diz respeito à precisão dos traços e a nitidez
do desenho.
71
O contato das agulhas com a pele causa um leve desconforto, suportável ao primeiro
momento. Mas com o passar das horas a dor se torna mais acentuada, a pele já se encontra
inflamada, inchada, sangrando e suja de tinta. Um borrifador com uma solução de água e
sabonete antisséptico é utilizado para limpar o local, aliviando por alguns instantes a pele
ferida, que novamente volta a ser marcada. Dependendo da figura escolhida, pode se levar
dias, semanas ou meses. Alguns projetos, chamados de telas, levam anos para serem
concluídas, pois cobrem grandes partes do corpo como, por exemplo, toda a extensão das
costas. Além do tempo empregado no desenho, alguns locais proporcionam uma sensibilidade
maior à dor, tais como: as mãos, os pés, o tórax, as costelas e etc.
[...] eu tenho que me acostumar que a dor vem de várias formas. Ela vem como a
tatuagem, ela vem... Sei lá, em forma de relacionamento; você bateu num canto você
vai sentir dor, a dor é inevitável. Mas ai você decide quais são as escolhas que você
quer fazer pra sua vida, que você acha que vão valer a pena, ai você vai enfrentar
aquilo ali como tudo na vida. Nada você ganha de graça, então se você vai fazer
alguma coisa que você considera importante pra você, independente de fazer o
mínimo sentindo pra você ou pras pessoas que tão ao seu lado, você vai ter que
passar por dor (Luan, Supervisor de operações).
Através das falas de nossos entrevistados podemos perceber que a dor é resignificada
pelos indivíduos, sendo utilizada por eles como uma maneira de lidar com a vida. Transmuta-
se o seu entendimento desfavorável e cria-se uma nova interpretação, apartando a ligação de
uma experiência negativa. A dor passa a ser encarada enquanto um apaziguador de outros
tormentos vividos pelos sujeitos, um sacrifício de sangue do qual irá fazer brotar na pele não
somente formas e colorações, mas um desejo, uma marca escolhida, imprimindo
indelevelmente em uma parcela de si uma imagem almejada e idealizada. A dor envolvida
neste processo desvia o foco de outras dores mais subjetivas ao sujeito, proporcionando uma
experiência única da qual tem como resultado algo belo e cobiçado pelo indivíduo.
Você tá passando por um momento que não é muito bacana, e você sente aquela dor e
tal, e você vai fazer uma coisa que você quer muito fazer e acaba criando coragem
quando tá mais vulnerável. No meu caso é isso, eu crio mais a coragem pra fazer uma
tatuagem ou pra aumentar minha orelha. É tanto que eu não uso mais alargador, só
72
que quando eu tô tensa com alguma coisa eu ponho. Então é mais ou menos isso, é pra
mascarar um pouco, não é que aquilo vá me lembrar do problema que passou não. Pra
mim é mais a questão de mascarar aquela dor porque você vai sentir uma outra dor, e
daquela dor vai vir uma coisa que você quer (Danie, Supervisora de operações).
Faz parte, precisa ter dor, assim como o alargador. Quando eu alargava a orelha, eu
conversava com Anderson umas coisas que ele achava que eu também tinha razão. No
alargador, você não se preocupa com o tamanho do alargador, a sensação boa é
quando você alarga a sua orelha e inflama e fica latejando, aquela sensação ruim de
alargar a orelha, você se deitar e ficar aquele negócio latejando na sua orelha. É tanto
que... “Ah, mas eu só queria um de 6mm, 7mm” suponhamos, mas ai chega e não tem
mais graça, é só um brinco qualquer, um brinco faria o mesmo sentido. Ai você vai e
coloca outro, mas justamente por isso, pela dor e pela sensação que dá depois, sua
orelha tá inflamada e fica... Você sente que tem alguma coisa na sua orelha, sua orelha
tá pesando, sua orelha tá sendo incomoda. É isso que me faz alargar a orelha, e com
tatuagem se não tivesse a dor, não teria tanta graça na tatuagem. [...] é que quando
você tá fazendo é muito bom. É tanto que antes eu tinha um preconceito com o
pessoal que fazia suspensão e hoje em dia eu já entendo, pela adrenalina que dá. Da
mesma forma que a dor é bom pra minha orelha, eu achava legal, é uma adrenalina
legal de ficar suspenso. Eu acho que se torna meio que um mérito. Sim, um mérito,
tipo... não foi uma coisa fácil, por mais que seja uma coisa suportável, não foi uma
coisa fácil (Emmeson, gerente de vendas).
O resultado final é sempre destacado como sendo uma recompensa pelos esforços
desprendidos. A dor é sublimada, não é uma sensação em vão, pelo contrário, ela acompanha
o processo de metamorfose que se desenha nos corpos dos sujeitos. A satisfação de
vislumbrar em si uma modificação a muito tempo esperada faz com que a dor seja encarada,
por muitos daqueles que se submetem a esta prática, enquanto uma característica importante
ligada ao processo de modificação corporal.
De acordo com Sanders (2008) a partir da década de 1960 a prática da tatuagem passa
por uma “renascença”. Esta prática atravessava uma época na qual ainda era encarada como
uma atividade desviante, porém, foi cenário de mudanças significantes que vieram a acontecer
nas últimas décadas. Jovens tatuadores, geralmente com uma bagagem adquirida em
universidades de artes e com experiência nesta mesma área, começaram a se utilizar da prática
da tatuagem como uma forma de expressão. Esta exploração por novos horizontes seria
motivada por um desencantamento pelas formas tradicionais de expressão artística e uma
limitação presente no meio artístico convencional. Estes jovens artistas buscam uma maior
satisfação criativa ao invés de financeira, se especializando em designes exclusivos,
aprimorando suas técnicas, sendo seletivos nas imagens que irão imprimir na pele de seus
clientes.
Um profissional pra mim é um tatuador que procura estudar, nunca deixa de estudar,
porque eu acho que o tatuador nunca deve deixar de evoluir. O tatuador bom mesmo
tá sempre procurando novas técnicas, tá procurando o diferencial em tudo, e sempre
mostrar o trabalho o melhor que ele faz. Isso é que é o diferencial do tatuador, não
parar. Eu, como tatuador, já tenho acho que sete anos de carreira e, eu pra mim,
nunca parei de estudar, sempre fui procurando inovar. Acho que isso é o diferencial,
procurar inovar (Chicão, tatuador).
Não somente o tatuador busca uma distinção perante seus pares, uma satisfação
alcançada através de designes e técnicas exclusivas que o diferenciem, que o singularizem,
mas, em contrapartida, também há um reconhecimento por parte dos clientes, que procuram
tatuadores na expectativa de possuírem em sua pele uma das suas criações únicas e
exclusivas, assim como também na busca de uma aplicação de técnicas singulares, reforçando
a distinção buscada através da “procura pelo diferencial”, pela originalidade.
Ter uma arte exclusiva também se alia ao fato de que esta arte esta sendo feita pelo
próprio artista, o que, nas palavras de Joaquim, se torna um grande distintivo da experiência
da tatuagem.
É massa porque, além de ser um desenho original, é um original tatuado pelo próprio
cara. Então, é uma arte do sujeito. É tipo você ser tatuado, sei lá, pelo Picasso, pelo
Ralph Steadman. É o próprio desenhista, é o próprio artista tatuando o seu corpo.
(Joaquim, Estudante).
75
A mídia foi apontada por Marcos como um dos canais que viabilizam uma maior
difusão desta prática, e desta forma acaba por influenciar as pessoas a copiarem certos
modelos de tatuagens, acarretando, na fala de Danie, uma moda nos desenhos escolhidos.
76
Eu acho que tem uma grande influência, acho que grande parte da mídia. A maioria
dos artistas tem uma tatuagem hoje, ai o pessoal vê na televisão acha bonito e quer
fazer igual pô. O que a maioria das pessoas fazem, viu na televisão acha que é muito
legal e quer fazer também. O pessoal se aliena naquilo (Marcos, supervisor de
operações).
[...] é a questão da moda, se a pessoa tá vendo lá uma coisa que várias pessoas tem
é...inevitável, inevitável. Sempre vão fazer, sempre vão copiar o outro, e vai virando
aquela bola de neve e acaba sendo a tatuagem do momento. É o símbolo do infinito,
é aquelas andorinhas saíndo de um pena. Sempre tem, tem a moda (Danie,
supervisora de operações).
Este sentimento em relação às modificações corporais faz com que as pessoas que
apreciam estas formas de expressão formem grupos, como nos relata Mateus, que fez parte de
um grupo virtual onde o elo era a body modification. Porém, os assuntos tratados neste grupo
não eram estritamente relacionados a tatuagens ou outros tipos de modificações,
proporcionando um ambiente de conversas e estabelecendo laços de amizade.
As conversas além de tratarem das questões técnicas ligadas aos desenhos tais como
traços e cores, envolvem também a questão do local tatuado. Como vimos anteriormente, um
dos fatores que vem a balizar a escolha de certos locais está ligado à dor envolvida em
determinados pontos do corpo. A superação da dor e a coragem de enfrentá-la é demonstrada
como uma conquista pessoal, encenada de forma caricata muitas vezes quando o local da
referida tatuagem encontrava-se em uma área demasiado sensível. A dor é relatada de forma
bastante específica, onde construções narrativas são desenvolvidas, ressaltando os detalhes
mais difíceis de ter enfrentado.
Numa base diária tem pessoas que vem falar comigo por causa das minhas
tatuagens, mas por incrível que pareça eu achei que fosse rolar um certo repúdio
maior das pessoas, porque as pessoas também não estão tão acostumadas com
tatuagem no dedo [Figura 4], elas tão acostumadas com... Se não é num canto mais
normalzinho, se é no dedo ou no pescoço, sei lá... Ainda é um tabu. [...] mas logo
elas tiram esse estigma, porque quando eu começo a conversar eu mostro a elas que
isso não tem nada de mais, não significa que porque eu tenho tatuagem de marginal
eu não sou, necessariamente, um marginal [risadas] (Luan, supervisor de operações).
O contato com a tatuagem pode se dar de várias formas, seja através das múltiplas
mídias como já citado anteriormente, tais como revistas, televisão e internet, ou por uma
experiência marcante ao vislumbrar e se fascinar com estas modificações em outros,
enxergando beleza, sentindo e originalidade, levando o indivíduo a decidir-se por escolher
uma marca. Esta busca por uma originalidade, por uma distinção, uma afirmação da
identidade pessoal através de modificações corporais, paradoxalmente, possuem uma grande
força social (LE BRETON, 2004).
78
Eu disse: bicho, acho que rola de eu ser tatuado também. Comecei a sair com uma
galerinha que era tatuada, e foi por tabela mesmo [...]. Na época eu achava legal, só
que não tinha tanto aquela gana. Depois que eu fui dar significado às tatuagens que
eu tenho; entender porque eu tava fazendo tatuagem. E foi ai que eu decide: vou
fazer minha primeira tattoo. Via os caras com tatuagem, achava legal, comecei a
criar gosto pela coisa e começou a fixar na minha cabeça a ideia (Luan, supervisor
de operações).
O que antes representava uma marca e uma prática de um grupo circunscrito tem
tomado, nas últimas décadas, contornos singularizantes, onde a busca pela originalidade, pela
diferenciação e por uma individualidade é percebida cada vez mais latente no que diz respeito
a esta atividade, envolvendo tanto atores sociais que buscam a tatuagem como uma forma de
embelezamento corporal, como uma maneira de imprimir uma identidade escolhida, quanto
79
pelos tatuadores que a veem como uma forma de expressão artística, onde se fazem
necessários o domínio de técnicas e a constante busca por um aperfeiçoamento enquanto
legitimadores de sua prática.
Já teve tatuagem que eu me emocionei. Teve uma história no outro estúdio que eu
cheguei a chorar, mas eu tive que me conter assim... Foi uma das histórias mais
massa que eu tive. Tem tatuagem que parece simples, mas por detrás dela tem umas
histórias... Tem tatuagens que tem histórias totalmente cabulosas. Muita gente
acaba recorrendo à tatuagem, por que acho que é uma maneira de se expressar, de
homenagear, dependendo se for uma situação de tristeza, de felicidade... (Chicão,
tatuador).
A escolha do tatuador é seguida por uma relação em que empatia e confiança são tidas
como palavras chaves. O tatuador é quem dimensiona o corpo em função do sujeito e sua
subjetividade, como um todo que se relaciona. Tocar o corpo é, ao mesmo tempo, tocar o
sujeito e sua intimidade, não apenas a matéria orgânica, mas também o psicológico
(FONSECA, 2003).
Apesar dos avanços tecnológicos que proporcionam com que a tatuagem possa ser
removida através de cirurgia a laser, as marcas corporais ainda são encaradas enquanto
eternas, uma vez que este procedimento é mais caro e mais doloroso do que a própria
tatuagem. Este caráter duradouro que as marcas corporais possuem encontrasse atrelado à
confiança no tatuador, pois, é este que irá marcar a pele de forma indelével. Deixar se
submeter a este processo faz com que o sujeito tenha que estar confiante naquele que
executará a tatuagem, fazendo da relação estabelecida entre tatuado e tatuador primordial para
sua efetivação.
Eu acho que tem que ter uma empatia mínima, até porque quando você cria essa
relação de empatia, enfim, quando você constrói uma espécie de relação com o
tatuador, você passa a ter mais confiança, porque você precisa ter muita confiança
no cara, porque você vai confiar a ele uma parte do seu corpo pra ficar marcada pro
resto da vida. Então, eu acho que a relação de confiança, a relação de empatia
mesmo entre tatuado e o tatuador, ela existe e ela tem uma importância quase que de
igual valor com a qualidade do tatuador, o quão ele desenha bem, o quanto o traço
dele é interessante (Joaquim, estudante).
Todas as 5 que eu tenho foram com o mesmo tatuador. Quando eu fui fazer a 1°, eu
fui por indicação [...]. Mas eu fui por indicação e vi que ele mandava bem e, fui lá e
confiei nele. Ai depois agora, essas últimas 3 que eu fiz, eu já morava aqui em
mossoró mas eu fiquei com o pé atrás de fazer aqui, com os tatuadores daqui. tanto
por ter medo de acontecer alguma coisa, de fazer alguma coisa errada e também pelo
preço, porque aqui é muito caro. [...] ai eu fui e falei com Elder, que é o tatuador:
"Elder, eu tô querendo fazer uma tatuagem e tal, é assim, assim, assim... e eu tô aqui
em mossoró, e eu vou sair daqui, pegar uma folga no trabalho só pra poder ir fazer
com você, porque eu confio em você e tal." Ai beleza, ele mandou mandar as fotos,
eu mandei as fotos pra ele e fui lá fazer. Eu passei o dia inteiro lá fazendo, 3
tatuagens (Marcos, supervisor de operações).
A escolha dos temas que iram ser pigmentados na pele passam por um longo caminho
de negociações, discussões e revisões sobre o projeto até chegar a um acordo mútuo entre o
tatuador e o cliente. Sabemos que a escolha é do cliente, porém, o tatuador, enquanto
profissional nesta atividade, tende a conversar e convencer o cliente sobre um melhor local,
melhores cores, disposição do desenho e do próprio desenho. Caso não se chegue a um meio
termo entre as partes, e o cliente insista em uma ideia da qual o tatuador não concorde, ou
vice-versa, a negociação deixa de ser feita assim como a própria tatuagem.
81
O contato entre tatuador e tatuado não cessa necessariamente logo após o termino do
trabalho, que segue uma série de instruções a serem seguidas para que a tatuagem passe por
um bom processo de cicatrização. Geralmente pede-se que o cliente volte para que o tatuador
possa ver o trabalho definitivamente concluído após a cicatrização.
É tanto que assim, a curto prazo, cliente e tatuador. Mas depois que a gente começa
a fazer o processo, tem clientes que a gente sai depois pra beber, sai pra se divertir,
acabo indo, sei lá, fazer algum esporte. Tem tudo isso. Rola a amizade e tal. Tem
clientes que sempre acabam voltando. Tem clientes aqui que nunca deixam de tatuar
comigo (Chicão, tatuador).
E tem o lance da confiança também nos tatuadores né! Às vezes você fica tipo: “ah
eu comecei a fazer com ele e...” Às vezes você tanto tem a intimidade e, por
exemplo, a minha eu fiquei três anos fazendo ela. Você cria um vínculo e tipo, se é
um trabalho que você gosta você volta. É como uma fidelização de cliente... Passa a
ser amigo. Por exemplo, o meu tatuador eu falo: “o meu amigo que me tatuava”, ai a
galera falava: “como assim, ele ia na tua casa?”, “não ele é tatuador”. Passou a ser
meu amigo. Eu já conhecia ele, mas só que fazendo a tatuagem você passa a
conviver mais. São horas que você passa ali no estúdio e tal, e vamo conversar né?!
Ai você cria um vínculo bacana (Anderson, estudante).
ambas às partes, de forma tácita, onde geralmente o próprio cliente toma a iniciativa de
indicar pessoas para o estúdio, como uma maneira de ajudar no trabalho do tatuador.
A gente tem contato até hoje... Ah, e sempre perguntam quando é que eu vou de
novo e tal, e às vezes eles mandam desenhos pra mim porque lembrou de mim
assim: “ah, esse desenho eu lembrei de você, o quê que cê acha?” Então assim,
mantenho amizade... Não amizade, mas o contato eu tenho, converso. Às vezes ao
indicar uma pessoa, eu ligo: “oh, vai um amigo meu fazer uma tatuagem ai e tal.”
Por eu ter 6 tatuagens, as pessoas sempre me perguntam, e é uma forma até de você
ajudar o cara. É o merchan (Jean, professor).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O corpo humano não se limita apenas as suas funções de caráter fisiológico, podendo
ser encarado como um receptáculo de construções simbólicas, assemelhando-se a uma massa
de modelar, adquirindo formas ao ser inserido em uma cultura, possuindo a capacidade de
proporcionar uma pluralidade única ao indivíduo. A existência deste sujeito se dá através da
sensação de estar presente no mundo, o que implica de certa forma em ser possuído por este
na medida em que as diversas formas de modificações corporais são aplicadas, desejadas,
vivenciadas pelo sujeito em busca de uma significação. Nossa realidade é construída através
da experiência da qual o corpo nos proporciona. Esta vivência corpórea é tida como algo
incompleto, e o corpo um objeto passível de transformações e remodelamentos que visam sua
posse, uma busca pela certeza de que este corpo lhe pertence. Perfuração ou alargamento dos
lóbulos auriculares, cortes e pinturas dos cabelos, crescimento ou retirada de pelos, cirurgias
plásticas e outras várias modificações corporais; são inúmeras as possibilidades de se fazer
presente no mundo.
tatuagens, as quais acabam por assumir uma fachada comercial e se inserem nos centros das
grandes cidades, fazem com que esta prática permeie o cenário urbano contemporâneo.
singular, onde não é encarada enquanto uma penalidade, mas sim vivenciada pelo sujeito
como uma forma de se dar com a realidade de sua própria existência, servindo como válvula
de escape para angústias e dores pessoais, onde o processo de cura acompanha o processo de
cicatrização. O sofrimento desprendido é encarado de forma positiva, uma barreira a ser
vencida tendo em vista uma expectativa de que ao final do processo irá se sentir mais
completo, satisfeito, contente por enxergar em si o fruto de sua escolha. A própria dor implica
em uma reafirmação da pertença deste corpo, de exercer sua autonomia sobre si, de poder
definir de acordo com seu repertório as formas que iram ser marcadas.
A influência para as marcas corporais são variadas, sendo possível entrar em contato
com a tatuagem através de programas de televisão, revistas, internet ou através de um contato
presencial. A tatuagem assumiu contornos individuais, não exercendo mais a vontade de
pertencer a um grupo social circunscrito, passando a ser um sinal de distinção, uma maneira
de expressar a singularidade que destaca um corpo do outro, objetivando através das marcas
corporais a subjetivação do mundo.
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diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 14. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. P.73
– 102.
90
9. Como é a relação com outras pessoas sem tatuagem? Elas abordam você para
falar sobre? E as pessoas tatuadas?
4. Você acha que a tatuagem está mais bem aceita hoje? O que proporcionou isso?
6. Qual sua relação com as pessoas? Existe uma conversa a respeito? O que é
tratado?
8. Como é a relação com outras pessoas sem tatuagem? Elas abordam você para
falar sobre? E as pessoas tatuadas?