Sie sind auf Seite 1von 236

MONICA OLIVBRA SANTOS

"' PROVÉRBIO É UM COMPRIMIDO QUI ANDA DI BOCA

IM BOCA": OS SU.JI!ITOS I OS SENTIDOS NO I!SPAÇO

DA I!NUNCIAÇAO PROVI!RBIAL

Tese apresentada ao curso de


Lingüística do Instituto de Estudos
da linguagem da Universidade
Estadual de Campinas como
requisito parcial para obtenção do
título de Doutora em Lingüística na
área de Semântica.

Orientadora: Profa. Ora. Mónica G. Zoppi-Fontana

UNICAMP
Instituto de Estudos da Linguagem
Campinas, Maio de 2004

ur,;;(;i\\~-­
n:;~i ,,--,;!:- -. •
•·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeito;; e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

MÔNICA OLIVEIRA SANTOS

"0 PROVÉRBIO É UM COMPRIMIDO QUE ANDA DE BOCA EM

BOCA": OS SUJEITOS E OS SENTIDOS NO ESPAÇO DA

ENUNCIAÇÃO PROVEBIAL

Tese apresentada ao curso de Lingüística


do instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas como
Requisito parcial para obtenção do título de
Doutora em Lingüística na área de Semântica

Orientadora: Mônica G. Zoppi-Fontana

Aprovada em Maio de 2004.

2
..0 ProvérbJO é um comprimido que anda de boca em boca••: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial!
Mônica Oliveira Santos- 2004

BANCA DE DEFESA

I' •
-1';--~~t...l.___.,:_
v":
'\)'
Yi
)-!I
:>i
Prol•. DM. Móo;~ G. Zopp;-Fo~-M-P-(O_n_·_e_n-ta_d_o-ra_)___-""1:9-'~~''+-!- t -

(1) Profo. Dr. Luiz Francisco Dias- UFMG

-•..-
'-<
.,
~
t;
(2) Profo. Dr. Roberto Baronas- UNEMAT <V
X
<V
--
~

--
,-<
Ü)
~
f/) ()
::2 y

(3) Profo. Dr. José Horta Nunes - UNESP

(4) Profo. Dr. Eduardo J. Guimarães- UNICAMP

SUPLENTES

(1) Profo. Dr. Daniel Ornar Perez - PUC-Curiliba

(2) Profa. Ora. Rosa Attié Figueira- UNICAMP

3
•·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
}..1ônica Oliveira Santos- 2004

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA


IEL - LTNI CAMP

Santos, Mônica Oliveira.


Sa59p "O provérbio é um comprimido que anda de boca em boca" : o
st!ieito e os sentido no espaço da em:mciação proverbial I Mônica
Oliveira Santos.- Campinas, SP: [s.n.], 2004.

Orientadora: Pro:f'. Dr'. Mónica Graciela Zoppi-Fontana.


Tese (doutorado) -Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

l. Provérbios. 2. Enunciação. 3. Discursos parlamentares. 4.


Verdade. I. Zoppi-Fontana, Mónica Graciela. II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. lli. Título.

4
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

DEDICATÓRIA

Para Beethoven, meu amor, que dividiu

comigo meus melhores e piores momentos

na geração desse trabalho.

5
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentídos no espa9o da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

AGRADECIMI!NTOS

A Mónica Zoppi pelo presente que foi sua orientação e, mais

ainda, pela preciosa amizade que pudemos cultivar.

Aos professores Luiz Francisco e Roberto Baronas pela leitura

atenta e pelas críticas e sugestões valiosas na qualificação da

tese.

Aos professores Wanderley Geraldi, Daniel Perez, e José Horta

pela leitura, comentãrios e sugestões nas qualificações de área.

Aos funcionários da secretaria de pós Rose, Wagner e Emerson

pela atenção e capacidade profissional.

Ao CNPq pelo financiamento.

Aos meus pais e meus irmãos pelo carinho que encurtou a

distância geográfica entre nós e pelo incentivo em mais essa

trajetória.

A Dona Socorro, Mainha, especialmente, pela efetiva

consultoria proverbial e bíblica.

A Conceição pela carinhosa amizade e pela leitura "cricririosa"

do trabalho.

A nossa turma de orientandos pela alegria e pelos bons

momentos que vivemos juntos.

Aos amigos, sempre presentes, pelo companheirismo e carinho:

especialmente, Solange, Anila, Lúcia "de Pira", "Zeca", Luiz

Francisco, Hélder, Glaucimary "Grau", Claudenice, Rejane,

Célia, "Laurel(, Adriana Lessa, Vanete, Sandoval, André, João

César ..

7
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os suje.ito.s e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 _I

EPIGRAFE

"Racio Símio" - Marcelo Fromer i Nando Reis f Arnaldo Antunes.

O anão tem um carro com rodas gigantes

Dois elefantes incomodam muito mais

Só os mortos não reclamam

Os brutos também mamam

Mamãe eu quero mamar

Eu não tenho onde morar

Moro aonde não mora ninguém

Quem tem grana que dê a quem não tem

Raciosímio Raciosímio Raciosimio Raciosímio (...)

Quem e sporra sempre alcança

Com maná adubando dá

Ninguém joga dominó sozinho

É dos carecas que elas gostam mais

A soma dos catetos é o quadrado da hipotenusa

Nem tudo que se tem se usa

Raciosímio Raciosímio Raciosímio Raciosímio (...)

Os cavalheiros sabem jogar damas

Os prisioneiros podem jogar xadrez

Só os chatos não disfarçam

Os sonhos despedaçam

A razão é sempre do fregués

Eu não tenho onde morar

Moro aonde não mora ninguém

Quem come prego sabe o cu que tem (...)

9
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
M6nica Oliveira Santos- 2004 I

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17

1.1- Do Desafio da Pesquisa 18

1.2- Dos Objetivos 19

1.3- Do Corpus 20

1.4- Dos Capítulos 22

CAPÍTULO 1- ALGUMAS TEORIAS: LUGAR COMUM, ESTEREÓTIPO, 25

TOPÓI

1.1- Provérbio: uma Forma Simples? 26

1.2- Provérbios: um Reservatório de Topói na Língua 29

1.3- A Materialidade Proverbial numa Semântica Referencial e do 36

Estereótipo

CAPÍTULO 11- ENTRE O POlÍTICO, O JURÍDICO E O RELIGIOSO: UM 51

OLHAR SOBRE A POLIFONIA NA ENUNCIAÇÃO PROVERBIAL

1. 1- Polifonia e Enunciação: uma Rede de Vozes e Sentidos 52

1.2- Sobre o Jurídico, o Político e o Religioso 69

1.3- A Enunciação Proverbial no Discurso Parlamentar 73

CAPÍTULO 111- UMA TENSÃO ENTRE O INDIVIDUAL E O COLETIVO NA 93

ENUNCIAÇÃO PROVERBIAL: DO ACONTECIMENTO ENUNCIATIVO AO

DISCURSIVO NA CONSTITUIÇÃO DOS SUJEITOS E DOS SENTIDOS

1.1- Sobre a Enunciação Coletiva e o Dizer Proverbial 95

ll
..OProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

1.2- A Materialidade Discursiva do Provérbio: Opacidade x 103

Transparência

1.3- Sobre os Sujeitos e os Sentidos 108

1.4- Analisando Casos... 112

CAPÍTULO IV- OS EFEITOS DE VERDADE NA ENUNCIAÇÃO 131

PROVERBIAL: ALGUMAS CATEGORIAS

1.1- Por Dentro e por Fora da Verdade 133

1.2- A Verdade sobre uma Falsa Continuidade: 141

Individ uai+Coletivo+ Universal.

1.3- "A Voz do Povo é a Voz de Deus" - "A Palavra de Deus é a 146

Verdade, Sua Lei Liberdade." SI. Cap.27, vs1.

"CONSIDERAÇÕES FINAIS" 167

REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS 171

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR 175

ANEXOS- DISCURSOS REFERIDOS NA TESE 179

12
li "O Provérbio é umcomprimído que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial!
li M6rüca Oliveira Santos- 2004

RESUMO

O presente trabalho tem o interesse de refletir sobre um tipo especial de

enunciação, que é a "Enunciação Proverbial", através do aparato teórico da Teoria

Polifônica ducrotiana, da Semântica Enunciativa (discursiva), da Anãlise do Discurso de

linha francesa, além de considerações mais específicas sobre alguns conceitos filosóficos

foucaultianos sobre a verdade e seus efeitos. Refletimos sobre a possibilidade de se

observar o funcionamento enunciativo proverbial dentro de sua materialidade lingüística e

discursiva, ao invés de abordar a fonna proverbial isoladamente com fins meramente

ilustrativos nesta ou naquela teoria. Fefletimos sobre a polifonia nesse funcionamento

enunciativo que reúne/mistura instâncias distintas de "verdade": o político, o jurídico e o

religioso. Consideramos que a enunciação proverbial seja um lugar em que determinados

valores são reproduzidos por uma voz coletiva, autorizada e reconhecida, em que o

Locutor está dividido entre um dizer (e um fazer sentido) individual e coletivo. Além disso,

observamos o funcionamento que relacionalintrinca o discurso político à verdade, às

formas institucionais da verdade e às formas populares da verdade. É justamente nessa

verdade popular que a "voz do povo" aparece materializada, formalmente, pelo provérbio

no discurso político, entremeando-se a outras "verdades" institucionais. Partindo do

princípio de que a produção de efeitos de verdade não se verifica em relação ao estado

de coisas, mas se realiza a partir da memória, (das enunciações anteriores) e no seu

acontecimento enunciativo e discursivo, observamos a enunciação proverbial presente

nos proferimentos parlamentares, realizados nas sessões do Senado e publicados na

Internet. Analisaremos tais proferimentos em que, dada a enfática "preocupação" com a

verdade, cria-se o mecanismo da CPI para restabelecê-la.

13
..O Provérbio é um comprimido que andade boca em boca.,; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciayão proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
ABSTRACT
This research has lhe interest on thinking about a special type of enunciation, that

is lhe "Proverbial Enunciation", lhrough lhe theoretical apparatus of lhe ducrotian

Polyphonic Theory, lhe Enunciation Semantics (discursive), lhe Oiscourse Analysis of

French line, besides more specific considerations about some foucaultian philosophical

concepts on truth and its effects. We lhink about lhe possibility on observing the proverbial

enunciation functionality wilhin linguistic and discursive materiality, instead of approaching

lhe proverbial form in an isolate way wilh merely illustrative aim on lhis or lhat theory. We

lhink about lhe polyphony on this enunciation function lhat assembles I mixes distinct

instances of "trulh": lhe political, the juridical and lhe eligious ways. We consider lhe

proverbial enunciation is a place where determined values are reproduced by a collective

voice, aulhorized and recognized, where lhe speaker is divided between an individual and

collective saying (and a making sense). Besides, we observed lhe function lhat relates f

intrigues the political speech to lhe truth, lhe institutional ways of truth and to lhe popular

ways of truth. lt is precisely on lhis popular trulh that the "people's voice" appears

materialized, in a formal way, by proverb on política! díscourse, intermixing to olher

ínstitutíonal "trulhs". Beginning on lhe principie lhat the trulh's production of effects is not

verified regarding to lhe state of lhings but it happens from memory (from past

enunciation) and on its enunciation and discursive happening, we observe lhe present

proverbial enunciation on parliamentary pronounces. lhat happened on Senate's sections

and published on internet We will analyze such pronounces where it creates lhe

lnvestigation Parlíamentary Commission (I PC) to re-establish lhe trulh, given lhe emphatic

"preoccupation" wilh it

15
II ..OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos 2004

INTRODUçAO

"Como vovó já dizia"- Raul Seixas I Paulo Coelho.


Quem não tem collrio usa óculos escuros
(Mas não é bem verdade!)
Quem não tem collrío usa óculos escuros (...)
Minha vó já me dizia pra eu sair sem me molhar
Mas a chuva é minha amiga e eu não vou me resfriar
Quem não tem colírio usa óculos escuros
A serpente está na terra e o programa está no ar
Quem não tem collrio usa óculos escuros
A formiga só trabalha porque não sabe cantar
Quem não tem collrio usa óculos escuros
Quem não tem filé come pão e osso duro
Quem não tem visão bate a cara contra o muro
Quem não tem collrio usa óculos escuros
Há tanta coisa no menu que eu nem sei o que comer
Quem não tem collrio usa óculos escuros
José Newton já dizia: "Se subiu tem que desce~·
Quem não tem colírio usa óculos escuros
Só com a praia bem deserta é que o sol pode nascer
Quem não tem colírio usa óculos escuros
A banana é vitamina que engorda e faz crescer.

o provérbio é comumente apontado como texto sem autoria que é

incorporado às palavras de quem fala ou citado de uma maneira que reafirma o

seu anonimato: "Como diz o outro:" ou "Como diz o ditado:". O interessante é que

os mesmos provérbios são incorporados às mais diferentes situações e lhes são

alribufdas interpretações e sentidos diferentes. A sua linguagem metafórica,

enriquecida com elementos concretos do cotidiano, dá margem para essa múltipla

adequação. Um provérbio como "Uma andorinha só não faz verão" ou "É dando

que se recebe" pode fazer sentido diferentemente em relação a diversas situações

discursivas. Mesmo que admitamos a existência de um "conteúdo" inerente à

forma proverbial, recuperado em cada enunciado, esse "conteúdo" não diz

respeito ao sentido do provérbio, mas a uma direção argumentativa para a qual

este aponta.

17
!f •·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
li Mônica Oliveira Santos- 2004 I

O Provérbio ou Ditado Popular, além de pertencer ao "senso comum",

tomando-se facilmente reconhecível como "aquilo que todo mundo diz", que "é do

conhecimento de todos", também é caracterizado por uma faceta didática e

moralizante que tende ao autoritarismo (do sujeito) e à autorização (do discurso).

Isso permite à enunciação proverbial uma fácil aceitação como "verdade" válida e

como recurso argumentativo para persuadir e convencer. Consideramos que a

enunciação proverbial seja um I.Jgar em que os valores sociais são reproduzidos

por uma voz coletiva, autorizada e reconhecida, estando o sujeito da enunciação

dividido entre um dizer (e um fazer sentido) individual e coletivo.

1.1 - Do Desafio da Pesquisa

Sem dúvida nenhuma, Provérbio é um tema que suscita variados interesses

investigativos, a julgar pela vasta literatura que se pode encontrar a esse respeito,

em diferentes núcleos de interesse acadêmico: filosófico, histórico, cultural,

etnológico, antropológico, sociolingüístico, lexicológico, semântico, discursivo ...

Tamanha diversidade nos remete inevitavelmente a pensar numa exaustão de

produções que há séculos vêem se acumulando. Essa idéia de um tema tão

exaurido nos inquietou no hício da pesquisa, por ficarmos em dúvida se ainda

haveria algo mais a dizer, além de tudo o que já se havia dito. Entretanto, da

mesma forma que a recorrência investigativa do tema nos provocava uma inibição,

também provocava mistério, curiosidade, encanto... Um desafio. O mesmo

provérbio condenado pelos cãnones da linguagem culta à marginalidade, ao

18
..O Provérbio é um comprimldo que anda de boca em boca•>: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

" estigma do senso comum, à cristalização estática do clichê, contraditoriamente

brota, renasce, efetiva-se em diferentes lugares, em diferentes discursos, em

diferentes sujeitos, renovando sentidos diferentes.

Tomando como entrada teórica o discurso, o sentido, o sujeito, e cruzando

com issc o acontecimento enunciativo do provérbio, delineamos nosso objeto de

observação: a enunciação proverbial. Decidimos nos aventurar, então, em busca

de descobertas acerca desse funcionamento extraordinariamente ordinário ...

1.2 - Dos Objetivos

O gênero proverbial chama para si a atenção de um amplo leque de

pesquisas que facilmente extrapolam o campo dos estudos lingüfsticos. Dentre os

trabalhos, nesse campo, os que mais nos interessem são aqueles que dizem

respeito às reflexões acerca do lugar comum, da argumentação, do estereótipo.

Dentro desse panorama teórico, objetivamos investigar a Enunciação Proverbial

como espaço peculiar da enunciação coletiva, a partir dos conceitos de sujeito,

sentido e enunciação, refletindo sobre o movimento/deslizamento entre o dizer

individual e coletivo. Além disso, tentamos fazer um contraste entre as posições

teóricas que delimitam os campos de estudo de uma semântica do estereótipo

(referencía/ísta e não-referencíalísta) e de uma semântica enunciativo-discursiva,

com vistas para os processos de determinação do sentido e os processos de

identificação e individualização do sujeito, especificamente no que trata a questão

do dizer proverbial.

19
!I ~·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enuncíação proverbiaJ 1
li Mônica Oliveira Santos- 2004 I

1.3 - Do Corpus

Como o provérbio acontece enunciativamente em todos os lugares. ou seja,

os enunciados proverbiais podem ser flagrados nos mais diferentes gêneros

textuais, deparamo-nos, inicialmente, com a dura tarefa de delimitar um lugar

específico desse acontecimento dentre os outros.

Escolhemos o discurso político-parlamentar, por um lado, por tecnicamente

ser um corpus de fácil e pleno acesso e, por outro, pelo universo discursivo em

que nos mergulharíamos inevitavelmente. Dessa forma, o corpus de nossa

pesquisa é constituído de enunciados proverbiais, coletados nos discursos

parlamentares, que são publicados na página eletrônica do Senado Federal 1 ,

diariamente, no formato *.pdf que pode ser visualizado através do software

Acrobat Reader. Todas as sessões do Senado Federal são publicadas na lntemet

no dia seguinte ao que se realizam. Essa publicação diz respeito a uma ata

pormenorizada que traz sumariamente os principais acontecimentos do Senado,

entre estes, decretos legislativos, deliberações, pareceres, comunicados, leitura

de requerimentos, aprovação ou veto de projetos e emendas e, por fim, os

discursos proferidos pelos senadores. É importante salientar que tais discursos

podem ser previamente elaborados e revisados pelo orador antes de

pronunciados, como também podem ser improvisados no momento. às vezes até

na forma de aparte (o que constitui uma prática) na fala dos senadores. Aliás,

1
Site: www.senado.gov.br.

20
11"'0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca..: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbiaJ
Mônica Oliveira Santos- 2004

esses discursos improvisados, na maioria das vezes relacionados a temas

polêmicos, são para nós uma fonte muito fértil na emergência dos enunciados

proverbiais.

Definido o primeiro passo, ainda precisamos delimitar o recorte, pois esse

acervo consta de material publicado desde junho de 1997 até os dias atuais. O

intervalo que definimos como padrão de pesquisa diz respeito ao primeiro

semestre do ano de 2001. Ainda assim, foi necessário afunilar ainda mais o

recorte, posto que o temário proposto é enormemente diversificado, tendo alguns

assuntos mais gerais, por exemplo, homenagens a personalidades e entidades,

propostas e projetos diversificados, questões econômicas, tributárias, políticas de

saúde, esporte, ecologia, desenvolvimento, defesa civil etc; e outros assuntos

mais específicos do momento, por exemplo, o problema da privatização das

companhias elétricas do país (o Apagão), o embargo da carne bovina brasileira no

Canadá, e os escândalos envolvendo denúncias de crimes administrativos no

setor público que trouxe à tona ao cenário brasileiro a prática da CPI (Comissão

Parlamentar de Inquérito) para investigação dessas denúncias.

Enfim, como o temário desses discursos é multi-diversificado, selecionamos

o tema da CPI. O assunto nos é caro, em princípio, por constituir-se numa

temática polêmica e frutífera para flagrarmos o tipo de enunciação que queremos

observar, e por tratar da questão da verdade, da investigação da verdade, questão

que desenvolveremos e relacionaremos à proposta de análise dos enunciados

proverbiais do discurso político-parlamentar, que se ancora na produção da

verdade e seus possíveis efeitos. Como o número de CPis é extenso por se

21
!J ··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004

referirem a diferentes denúncias de corrupção e crimes político-administrativos,

selecionamos alguns pronunciamentos de Senadores sobre as CPis relativas aos

seguintes temas: - extinção da SUDENE e SUDAM em função das denúncias de

corrupção nestas superintendências; - denúncias de ONGs que estariam

envolvidas em irregularidades na compra de terras indígenas em Roraima; -

denúncias de corrupção no Governo relativa à privatização das empresas estatais

geradoras de energia; - apuração dos fatos envolvendo o ex-Secretário-Geral da

Presidência da República; - manifestação contra a instalação de grampo telefônico

indiscriminadamente como método de apuração nas CPis; e - manifestação de

vários parlamentares a favor da instalação da CPis da corrupção para que

denúncias sejam apuradas e a "verdade" seja revelada.

1.4 - Dos Capítulos

Este trabalho, por sua própria delimitação e constituição, levou-nos a

impossibilidade de separar capítulos puramente teóricos de capítulos de análise.

Apenas no primeiro capítulo não desenvolvemos análises, em função de

querermos apresentar uma descrição de como as teorias semânticas da

argumentação (Anscombre & Ducrot) e do estereótipo (Anscombre & Kleiber)

descrevem suas bases e pressupostos e destacam neles o provérbio, em relação

à constituição do sentido. A partir daí, traçamos um contraste de tais teorias com

os nossos pressupostos acerca da constituição dos sentidos e dos sujeitos dos

provérbios.

22
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

Nos três capítulos subseqüentes, a teoria está intrincada com as análises,

pois cada um deles realça aspectos diferentes a serem examinados, de maneira

que se tivéssemos separado as discussões teóricas da prática de análise não

conseguiríamos recuperar a profundidade e riqueza de cada aspecto abordado.

Assim, no segundo capítulo, a partir das considerações teóricas de M.

Bakhtin, E. Benveniste, O. Ducrot, E. Guimarães e Grésillon & Maingueneau, são

desenvolvidas questões relativas à Polifonia da linguagem e à Enunciação.

Apresentamos um quadro de análises que relacionam essas questões à

enunciação coletiva proverbial e tentamos mostrar as diferentes vozes que

povoam o universo do discurso político-parlamentar: religioso, jurídico, moral,

ético, científico e senso comum (popular).

No terceiro capítulo, por sua vez, desenvolvemos algumas considerações

teóricas (a partir de E. Guimarães, Grésillon & Maingueneau, E. Orlandi e M.

Pêcheux) que definem nossos pressupostos acerca da constituição dos sujeitos e

sentidos desse tipo de enunciação coletiva, a enunciação proverbial. Nas análises,

chamamos a atenção para o movimento/deslizamento entre o dizer individual e

coletivo, a partir do sentido produzido pelo sujeito que incorpora em seu discurso

um dizer coletivo e que (des)ocupa a posição de responsável pelo sentido de um

discurso em que "aparece" o enunciado proverbial.

Por fim, seguido de nossas considerações finais, fazemos, no quarto

capítulo, uma retomada da questão da Verdade na Filosofia, relacionando este

conceito aos efeitos de verdade produzidos pela enunciação proverbial. Com base

nas considerações de M. Foucault e M. Pêcheux, traçamos um percurso que

23
..OProvérblo é um comprimldo que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

relaciona/intrinca o discurso político à verdade, às fonnas institucionais da verdade

e às formas populares da verdade.

24
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

CAPITULO I

Algumas Teort•: Lua- Comum, Estereótipo, Top6i•••

"O biriteiro"- Tom Oliveira


O bodegueiro não quer me vender fiado.
Eu to lascado, desprezado da mulher.
A todo mundo, em todo canto eu to devendo,
Meu amigo, eu to vivendo do jeito que o diabo quer'

Por isso, amigo, bote mais uma bicada


Quando eu tomo esta danada tão feliz eu fico.
Esqueço tudo, fico despreocupado, pois
Como diz o ditado: Todo bêbo é rico'

Aí começo a mentir, dizer que eu tenho dinheiro,


Um carro novo, sou um grande fazendeiro'
Mas quando passa o efetto, eu fico daquele jetto
E grito alto para o mundo inteiro:

-Bote mais uma bicada, bote mais uma bicada,


Pois eu sou um birtteiro de carteira assinada!

Assim como não é interesse desse trabalho fazer um levantamento da

forma ou da prática proverbial com fedas ilusões sobre sua possível "origem",

também não queremos citar aqui um elenco de autores e trabalhos que se

propuseram a isso, mesmo que se restrinja tal lista àqueles que dizem respeito à

área da linguagem, mais especificamente da lingüística e ainda mais

pontualmente da semântica. Seria muito trabalhoso fazer isso com um mínimo de

justiça ao que já foi produzido e principalmente levaria este trabalho para longe do

seu maior objetivo. Entretanto, achamos necessário abordar algumas das teorias

que desenvolveram e desenvolvem algumas reflexões lingüísticas, reservando um

lugar de destaque para o provérbio. Neste capítulo, discutiremos algumas teorias

que destacam o enunciado proverbial dentro de espaços próprios como os de

25
..0 Provérbio é umcomprinlldo que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
lugar comum, clichê, topói e estereótipo, contrastando tais discussões com a

discussão teórica sobre o Sentido e sua constituição 2 . Tomaremos como aporte

algumas discussões que destacam o enunciado proverbial em relação à "forma

simples", à "argumentação na língua", à "semântica do estereótipo", em busca de

alcançar uma discussão maior que diz respeito às questões do sentido.

1.1 -Provérbio: Uma forma simples?

Apresentaremos algumas considerações sobre o provérbio, feitas por Jolles

(1930), que toma como referência básica o estudo sobre o Provérbio Alemão 3 , de

Seíler (1922), cujo trabalho Jolles considera suficientemente amplo e completo

para tais reflexões. Jolles, a partir de uma visão estruturalista, desenvolveu um

estudo a respeito do que ele considera Formas Simples. Estas estão enraizadas

na linguagem e são tidas como gestos verbais elementares que se originam das

disposições mentais básicas do Homem em seu meio social cotidiano. Destas

Formas Simples, o autor destaca algumas como, a legenda, a saga, o conto, o

mito, a advinha, o caso, o memorável, o chiste e o ditado ou provérbio, que, para

nós, diz respeito mais especificamente.

Conforme Jolles, Seiler não identifica maiores distinções entre provérbio e

ditado. Ele define o provérbio da seguinte maneira: "O provérbio é uma locução

corrente na linguagem popular, dotado de características didáticas e de uma forma

2
O resultado deste capítulo se deve. em grande parte, não somente às leituras feitas com afinco,
mas especialmente às reflexões feitas em sala de aula nos vàrios cursos de Semântica e
pragmática, Tópicos de Semântica, Seminários de Semântica... que pude acompanhar com a
professora Mônica Zoppi-Fontana.
3
Seiler, Friedrich (1922). "Deutschen Sprichwõrterkunde". Munique.

26
um que no espaço

que reflete um tom mais elevado que o discurso comum" (in Jalles, op.cit: 129).

Jalles acrescenta que Seiler, posteriormente, preocupou-se em alterar este

conceito apresentando as seguintes modificações: "Uma locução corrente na

linguagem popular, fechada sobre si mesma e com uma tendência para o

didatismo e a forma elevada" (in Jalles, op.cit:128).

Analisando as alterações que Seiler faz de seu próprio conceito de

provérbio, Jalles sugere que Seiler hesitava em alguns pontos de sua definição.

Por exemplo, o primeiro conceito mostra-se mais categórico em relação às

características didáticas do que o segundo. Jalles apresenta três elementos

básicos apontados por Seiler em sua definição de provérbio:

1- o provérbio "é corrente na linguagem popular" - esse gênero insere-se

especificamente na linguagem popular da qual fazem parte elementos concretos

do cotidiano;

2- o provérbio "é uma locução"- a locução é uma Forma Simples que diz respeito

à experiências realizadas e que se atualiza em provérbios;

3- o provérbio 'tem uma forma elevada" - diz respeito ao aprendizado pela

experiência, cujo caráter se liga à questão do "didatismo" 4

O autor remonta a discussão abordada por Seiler a respeito do termo

"popular" na definição de provérbio, uma vez que o fato deste ser uma "locução

popular" não significa necessariamente que tenha de ser usual em 'toda" a

população. Tal reflexão é interessante do ponto de vista da diversidade de uso e

4
Seiler considera o termo didático embaraçoso e Jolles preferiria nem usá-lo. Para Jolles, o
didatismo tem a ver oom algo que está oomeçando a ser feito e deve ser orientado, enquanto que a
experiência realizada tem a ver com um resultado já oonduído que pode se usado como exemplo
em outras situações parecidas.

27
ii ..OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004

contexto social em que se inserem os provérbios. Disso advém uma outra

discussão a respeito da classificação dos provérbios proposta por Seiler e que


Jolles questiona. Seiler acredita que haja três grandes tipos de provérbios

presentes em três camadas sociais distintas: 1- os superiores que fazem parte do

uso da camada social dominante; 2- os intermediários que fazem parte da camada

de classe média; e 3- os inferiores que fazem parte da camada de classe baixa.

Assim, o nfvel da linguagem estaria intimamente relacionado com o poder de cada

classe social, podendo a classe intermediária, aos poucos, ir-se influenciando pela

classe superior. Seiler afirma, ainda, que o nfvel de linguagem dos provérbios

chamados superiores os aproxima de um gênero mais nobre que seria o

pensamento.

Jolles critica abertamente essa postura e diz que, no caso dessa Forma
Simples, o provérbio, não há como estratificar o seu uso popular e informal
tomando como base as diferentes camadas sociais. O provérbio vai ser usado em

diferentes camadas sociais e a seleção vai ser feita, prioritariamente, em função


do contexto social e do uso. Conforme Jolles, "aquilo que chamamos provérbio ou
ditado existe, ao que parece, em todas as camadas de um povo, em todas as suas

classes, em todos os seus meios: nos mais altos, nos mais baixos, nas camadas

intermediárias, entre os camponeses, artesãos, letrados e sábios." (Jolles, op.


cit: 131).

Há ainda que se chamar atenção para a questão da origem dos provérbios.

Conforme Seiler, há que se questionar a idéia "romântica" que se tem sobre a

origem dos provérbios. Ele diz que toda criação é individual. Os provérbios, ao

28
~·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca"; os sujeitos e os sentidos no espaç:o da enunciação proverbial
Môníca Oliveira Santos- 2004

contrário do que se pensa, não seriam originados "misteriosamente" do fundo da

alma popular, porque o "povo nada cria na totalidade". Alguém, em algum lugar,

em algum momento, cria! E, se sua criação agrada aos que a ouviram, será

propagada, ainda que certamente sofra múltiplas reformulações. Entretanto, para

Jolles, esse processo não é tão simples assim e tais afirmações são, pelo menos,

apressadas. Apesar de não aprofundar o assunto, o autor questiona a

inconsistência das afirmações de Seiler.

A questão da Autoria dos provérbios traz complicações que não puderam

ser devidamente trabalhadas nos cbis autores citados. É claro que temos que

considerar o momento histórico em que essas reflexões foram produzidas. Eles

não puderam levar em conta a especificidade de conceitos como autoria, sentido,

sujeito, locutor e enunciador. É por não achar que o provérbio seja apenas mais

uma "forma simples" que nas sessões subseqüentes abordaremos algumas

teorias semânticas que ao tratar de questões pertinentes à constituição do sentido

na linguagem vão investigar, entre outras coisas, a enunciação proverbiaL

1.2- Provérbios: um Reservatório de Topói na Língua

Chamamos a atenção, aqui, pare a teoria da Argumentação na Língua

(ANL) defendida por J.C. Anscombre e O. Ducrot em 19836 Tendo em vista a

conhecida discussão lógica-filosófica que defende o caráter de objetividade na

5
Tal teoria partia de discussões anteriores acerca das "escalas argumentativas" apresentadas por
Oucrot (1973b). É importante salientar ainda que a versão da ANL que está nos servindo de
referência é a: La Argumentación em la Lengua, publicada em 1994 em Madrid, versão revista e
melhorada, autorizada pelos autores.

29
!I ..OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004

função principal que teria a língua- representar a realidade (de modo que o valor

de verdade de um enunciado só dependesse de sua correspondência com a

realidade), e uma postura oposta que reivindica uma relativização dessa

objetividade em função do componente subjetivo na descrição do sentido,

chegamos ao ponto de situar a teoria dos autores acima que nem defendem as

teorias representacionalistas-objetivistas, nem compartilham das subjetivistas por

achar que essas teorias não são suficientes para descrever a significação. Em

linhas gerais, como base no sentido do enunciado, os autores buscam descrever

um estado da significação em que o objetivo e o subjetivo não estejam separados

e sejam indissociáveis. Para entender melhor estas noções veja-se A Teoria

Poííf6níca da Enunciação, proposta por Ducrot em "O dizer e o Dito", (1987), cujo

conceito de polifonia considera que a significação da maioria dos enunciados é

constituída por uma espécie de diálogo que põe em cena Locutor e Enunciadores.

Outra contribuição, nesse sentido, é o trabalho denominado Teoria dos

topóí, J-C Anscombre (1993; 1995) e Ducrot (1993; 1995) e Anscombre & Ducrot

(1994), que apresenta uma progressão das teorias desenvoividas em ANL

sintetizado nas seguintes propriedades: Encadeamento Argumentativo, Princípio

Argumentativo, Gradualidade e Dinamismo, reforçado posterionnente pelo

conceito de Forma Tópica (a partir da noção de Topos). A evolução desses

conceitos distancia cada vez mais a teoria da concepção representacionalista da

língua dando mais espaço para a sua dimensão argumentativa.

É por essa noção de Topos que nos interessemos, mais especificamente,

pelo fato de considerannos bastante relevante para este trabalho a ligação

30
11 • oProvérbío é um comprimido que anda de boca em boca••: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
4

Mônica Oliveira Santos- 2004 1

sugerida por Anscombre (1993; 1995), Ducrot (1993; 1995) e Anscombre & Ducrot

(1994) que relaciona a enunciação proverbial e os Topói. Os autores

apresentam o Provérbio como reservatório de topói na língua. Faremos uma

rápida passagem por três fases importantes da teoria da ANL, (1994), que

descrevem a base e evolução de seus pressupostos:

I -A concepção tradicional da argumentação afirma que há argumentação quando

em um discurso, uma parte deste é apresentada como justificação de outra,

entendendo esta segunda como sua conclusão: Disso se constata que o

segmento apresentado como justificação pode ser verdadeiro ou falso

independentemente de sua conclusão. Constata-se, ainda, que se produz uma

relação implicativa-causal entre a justificação e a conclusão. Daí se conclui que

esta relação não é de ordem lingüística e que o movimento argumentativo não é

determinado pela língua. A língua e a argumentação estão separadas pela

influência da tradição retórica. Em contrapartida a esta posição a teoria da ANL

propõe que a Argumentação está inscrita na língua: a significação da frase contém

instruções em si mesma que levam a uma conclusão. Em um primeiro momento,

esta primeira etapa propõe que informação e argumentação convivem

paralelamente e está baseada em um descritivismo radical das noções de

expressão lingatstica, potencial argumentativo e ato de argumentar,

estabelecendo que a argumentação é direcionada pelo encadeamento de

enunciados no discurso A + C, em que fatos extemos à própria língua não são

considerados, mas somente os fatos representados na estrutura da língua. Numa

segunda fase dessa primeira etapa, podemos apontar um certo descritivismo

31
•·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no esp--a.Ço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
pressuposicional que considera os atos de fala enunciados na língua como

conteúdos afirmados (Postos) e Pressupostos. Mantêm-se os encadeamentos

argumentativos em relação à passagem de A +C, mas do que é expresso no fato

nem tudo entra no encadeamento - na relação de Posto e Pressuposto, os

pressupostos não produzem encadeamento ("Pedro parou de fumar" P- Pedro não

fuma hoje I PP- Pedro fumava antes.). Os operadores não se definem mais pela

informatividade, mas pelo valor argumentativo distribuído entre Posto e

Pressuposto.

11 - Na segunda fase, a informação já adquire um caráter deriivado da

argumentação. Anscombre e Ducrot mantêm a noção de potencial argumentativo,

distinguindo valores descritivos e valores argumentativos, mas sem defini-los em

termos de conclusões. Nesse ponto, aparece a noção de gradualidade

(quantidade) acionada pelos operadores argumentativos na estrutura, não da

frase, mas da enunciação. A teoria incorpora um novo conceito nesse nova

versão, a saber, o conceito de topos, que constitui um ponto fundamental na


renovação proposta para a teoria da ANL, uma vez que o topos mobiliza pontos de
vista diferentes, factuais ou argumentativos, para gerar encadeamentos diferentes.

Deve-se ressaltar que o aspecto gradual do topos como fundamento na língua


será retomado no concaito de Forma Tópica em que o operador seleciona as

conclusões possíveis, mas não são os fatos que determinam os encadeamentos

argumentativos e sim os pontos de vista: A+ operador'= C·, I A+ operador''= C:2 I

A+ operador'"= C3... -"Pedro bebeu pouco, pode dirigir sim." I "Pedro bebeu um

pouco, não pode dirigir."

32
"OProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 J

F,= Pouco + (C) positiva


F2 = Um pouco + (C) negativa

111- Na terceira fase, o fundamento principal nessa nova versão é o topos, ele

vincula o argumento e a conclusão e é o que garante o percurso argumentativo,

de modo que a argumentação já não se encontra no nível dos enunciados, mas

dos enunciadores (pontos de vista), presentes no enunciado, que cumprem o

papel de convocar os topóí. Os topói são fatos descritos pela lfngua que dizem

respeito à cristalização de movimentos argumentativos. A mediação entre A e C

está na língua ("Chove, portanto não vou à praia" I "Chove, ~ vou à praia") e é

da relação entre os operadores e os topói que será determinada a conclusão. Eles

põem o peso da argumentação no operador (portanto, mas), mas não é o

operador quem decide nem o argumento, nem a conclusão: quem decide a

conclusão são os topói que são o princípio geral da orientação argumentativa. Ao

conceito de Fonna Tópica (FT) acrescenta-se uma dinâmica léxica sob duas

faces: a FT intrínseca e a FT extrínseca: (+ P, + Q), (-P, -Q), (+P, -Q), (-P, +Q)-

na famosa fábula de "A cigarra e a formiga" depreendem-se duas FTs: FT, para

formiga (+trabalho, + sucesso) I FTz para a cigarra (- trabalho, + sucesso). As

investigações mais recentes sobre esta teoria sustentam que as palavras com

conteúdo léxico, nomes e verbos, se descrevem como feixes de topóí. Tal idéia

associada com a da força que convoca o topos, converge para a fonnulação da

significação das palavras constituída por topóí. o encadeamento produz uma

representação do referente de modo que em um encadeamento discursivo, a

construção de uma representação do que se fala, não se dá pela soma dos

33
!I ..OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
elementos encadeados, mas obedece a certas condições/restrições intrínsecas à

semântica das palavras. Tal idéia é apresentada pelos autores quando estes

postulam que:

la posición referencíalista no es la única posible, y la teoria de los topoi es, en la


medida en que no es referencialista, una alternativa. Resumiendo ... la teoria de
los topoí considera en efecto que <<bajo las palabras» se encuentran, no
objetos, sino guiones, o más bien esquema de g.;iones. En este sentido. la
teoria de los topoi está próxima a una teoria de los estereotipas... Asi pues, la
graduabilidad que invocamos no es la de la relacíón de referencía, sino que se
situa en el nivel dei esquema estereotipico. En lo que se refiere a carácter
dinámico que atribuímos a la lengua, puede definirse por oposición a una
concepción estática. En esta úttima, lo que es fundamental, es el aspecto
llamado informativo de un enunciado, ai menos para los que son susceptibles de
poseer uno. Un enunciado informativo es esencíalmente un discurso sobre un
estado de cosas, una situacíón ... Ahora bien, existen- ya lo hemos mostrado en
numerosas ocasiones - secuencías discursivas cuya articulación es
independiente... de los contenidos informativos en presencia. (Anscombre &
Ducrot, 1994:236).

Após esta sintética passagem pelo grosso da teoria como um todo,

queremos chamar a atenção, como já havíamos indicado, para a relação

mostrada pelos autores entre a teoria dos topói e os provérbios. Anscombre

(1995), em La Nature des Topo!; sustenta que utilizar as palavras é convocar os

topói, daí a hipótese do sentido das palavras não ser referencial, mas gerado a

partir das próprias palavras, nos reservatórios ideológicos de onde surgem os

to pó i.

[iij "locuteur Jait jouer la forme topique (+POSSEDER. -DONNER) qui n"est pas
dans la signification de riche, mais qu"il attache 'en contexte' à ce mot pour les
besoin de la cause. D'ou provient ce topos en quelque sorte ajouté? Ou réservoir
ídéologique que toute langue posséde à une époque domée. 11 peut s"agir de
proverbes, de slogans, d'idées reçus, ... etc... D'une façon générale d"ailleurs.
l"usage de tels topói a pour finalité la construction de représentations
idéologiques. (Anscombre, 1995:57).

34
··o Provérbio é um comprimido que anda de beca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

Conforme Anscombre, segundo uma 'Teoria dos Estereótipos", por trás das

palavras estão os enunciados, e na língua há reservatórios de topói como, por

exemplo, os provérbios e as formas sentenciais:

Selon cette théorie ["théorie des stéréotypes] en effet, il y a des énoncés derriére
les mots. Or nous avon !Téquemment affirmé qu'if existait en langue un reservoir
de topo·; tout prêts à l'usage, à savoir les proverbes, et plus généralement les
formes sentencieuses... D'ou l'idée d'examiner le fonctionnnement des
proverbes et autres formes sentencieuses, à la recherche d'un lien éventuel
entre la !héorie des topoi et celle des stéréotypes." (Anscombre, op.cit:66).
"Etant donné que les proverbes représentent des topol, et sont par ailleurs des
phrases typifiantes a priori, je propose de faire l'hypothêse générale que les
topo·; sont des phrases typifiantes a priori. (Anscombre, op.cit:81).

Os autores deixam claro que na língua existem Formas Tópicas, já o

conteúdo do to{XJs está fora da língua, pois esse conteúdo é cultural, social e o

componente ideológico e histórico não faz parte do lingüístico, fica fora da análise.

Não é da alçada do semanticista fazer a lista dos topói, isso é trabalho para o

antropólogo, o etnólogo ... Entretanto, temos visto que a ênfase que os autores dão

à relação entre os topói e os provérbios, de certo modo, recupera a exterioridade

para dentro da língua. Os provérbios seriam a cristalização formal na língua de

múltiplas Formas Tópicas, e como na língua coexistem Formas Tópicas

divergentes (como a da formiga e a cigarra), os provérbios também podem

cristalizá-las: "O trabalho dignifica o homem" I "O trabalho danifica o homem", ou

ainda "Quem tem boca vai a Roma" I "Em boca fechada não entra mosca". Pelo

que temos visto, podemos supor, que, com essa relação, a teoria pode trazer para

a análise os fatos que seriam externos à língua (históricos, sociais, culturais,

ideológicos), formalizados na cristalização lingüística proverbial. Na sessão

35
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

seguinte, aprofundaremos esta questão, observando a relação entre os provérbios

e uma Semântica do Estereótipo.

1.3 - A materialidade proverbial numa Semântica Referencial e do

Estereótipo

Gostaríamos de desenvolver, agora, algumas considerações acarca da

Semântica do Estereótipo apresentada pelo teórico semanticista George Kleiber,

que desde a década de 70 vem trabalhando com as questões da semântica formal

referencial, composicionalidade semântica, denominação, e, mais recentemente

na década de 90, tem dedicado-se à semântica do protótipo e do estereótipo,

sentido lexical e, (daí o nosso interesse específico), o sentido dos provérbios, que

ele discute paralelamente às questões de sentido, denominação, verdade geral e

frases genéricas.

Em princípio, vale salientar a relação teórica entre este autor e as questões

gerais de semântica e referência veiculadas principalmente por G. Frege 6 (1848-

1925) em seu clássico artigo "Über Sinn und Bedeutung" (Sobre o Sentido e a

Referência). Kleiber vai se denominar um teórico Referencialista (Forte). Em um

recente trabalho intitulado "Problemas de Semântica y Referencia" (PSR), J-C.

Anscombre & G. Kleiber (2001) retomam essas questões: "Nuestro propósito es

examinar en las páginas que siguen la cuestión complicada y controvertida de las

6
Frege, G. (1848-1925) - Lógica e filosofia da linguagem. Cunlix: São Paulo. trd. Paulo
Alconforado. (1978).

36
"'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
M6níca Oliveira Santos- 2004

relaciones entre el sentido I el significado y la referencía en el marco de una teoria

semántica". (J-C. Anscombre & G. Kleiber, (2001 :11).

Frege (1978) discute sobre o que vem a ser o sentido e a referência e se

existe ou não o valor de verdade de uma sentença. Nesse caso, ele separa os

tipos de sentença em que lhe parece recuperável o valor de verdade e os casos

em que são recuperáveis apenas o pensamento ou parte do sentido. No caso

destes últimos, pode-se citar: as orações encaixadas onde há discurso indireto;

algumas condicionais (com variáveis que não sejam nomes próprios); as

sentenças não-declarativas (os performativos); as sentenças em que há

pressuposição e, de modo geral, o caso dos termos indefinidos. Como se sabe,

em linhas gerais, Frege sustenta que o sentido tem sua contraparte na referência,

compondo-se da tríade: Sinal I Referente-objeto I Sentido-conceito. Ele dá

estatuto relevante ao mundo como referência.

Sentido-conceito

Sinal-signo L __ _ _ __,
Referente-objeto

Para ele, o sentido é essencialmente objetivo (conceitual), de modo que a

representação e a subjetividade não são consideradas como parte do sentido,

limitando-se apenas ao olhar empírico do observador. O que importa são as

condições de verdade das Sentenças.

Nesse sentido, podemos apontar a questão da composicionalídade do valor

de verdade da sentença, como um dos princípios defendidos por Frege. Tal

37
•"' Provérbio é um comprimido que a.11da. de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

princípio serviu de baliza para estudos lingüísticos também baseados na lógica e

na linguagem matemática. Assim, a composicionalidade I calculabilidade I

concatenação dos componentes de uma sentença na elaboração do seu sentido

total são elementos relacionados ao par Sintaxe/Semântica Referencial. A

Semântica Referencial, especificamente, ocupar-se-á da composicionalidade do

sentido de cada componente de uma proposição e do seu sentido total. Frege

aplica a noção matemática de Função no cálculo do sentido da expressão,

buscando o sentido do todo a partir de seus componentes menores. Segundo

Frege, "se uma função, completada por um número, origina um número,

denominamos este último de valor da função do qual o primeiro número é o

argumento". (1978:128). Noções matemáticas como as de Coordenada, [ndice,

Argumento e Valor fazem parte do cálculo de variáveis nessa noção geral de

Função aplicada ao sentido. Como propõe Frege, "se algo varia temos

sucessivamente diferentes propriedades e estados do mesmo objeto" (1978:129).

Entretanto, a função é um conceito que, por todos estes aspectos, se opõe ao

Nome Próprio, uma vez que este caracteriza-se pela sua determinação/definição,

ao contrário dos elementos que marcam a variabilidade como os dêiticos, termos

indefinidos, modificadores e quantificadores que possuem o traço comum da

indeterminação/indefinição. Outro par conceitual advindo da lógica que é

considerado nos estudos dessa Semântica Referencial diz respeito à /ntensão

(definida pelas propriedades conceptuais que definem o conteúdo semântico) e à

Extensão (definida pelos elementos-objetos no mundo) que, guardadas as devidas

proporções, podem ser também entendidos como Sentido e Referência. Para os

38
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
teóricos que se inscrevem na semântica referencial o sentido determina a

extensão. (cf. D. Kaplan, 1964; O. Le'l'~s. 1972) T

É importante salientar que o método composicional ou veri-funcional

encontra limites, ou pelo menos, não aplica o mesmo cálculo em todos os tipos de

sentenças para tratar tanto da sintaxe quanto da semântica. O próprio Frege já

adianta isso quando calcula o sentido e a referência de tipos de sentenças

diferentes (as sentenças completas e as encaixadas), e Kleiber concorda que o

cálculo da íntensão e extensão de sentenças não é o mesmo em todas elas e que

essa composicionalidade parece aplicar-se bem às linguagens artificiais, porém

encontra limites no funcionamento das línguas naturais. Um desses limites diz

respeito justamente à enunciação proverbial e à questão da delocutividade

mencionada por ele. Kleiber assume uma postura fortemente referencialista e,

junto com Anscombre, atribuem ao "colega" Ducrot a condição de Referencialista

Fraco, embora este não se reconheça nessa condição. Em PSR, no capítulo

"Semântica y referencia: Algumas Reflexíones:', Anscombre e Kleiber, (op.cit.),

apresentam uma divisão lingüística relativa às teses referencialistas (objetivistas

- em que se constitui uma relação de dependência entre o sentido e o referente -

podem ser referencialistas Fortes ou Fracas de acordo com o vínculo de

dependência que estabeleçam entre sentido e referente.), e as não-

referencialistas8 (não-objetivistas - que dispensam qualquer relação de

7
Sobre este par conceitual !nlensão e Extensão ver: -D. KAPLAN, (1964). Foundations of
lntensiona/ Logic. (tese de doutorado), Michigan: University Mícrofilms, 304-323.
-D. LEWIS, (197?). "General Semantics".IN. Semanfjcs of Natural Language. (org.). DAVIDSON &
HARMAN. Dora-ech!- Holland: Rei dei Publishíng Company.
8
Como teóricos não-referencialistas são apontados: Saussure, para quem a língua é um sistema
de signos (significante e significado), Harris que é distribucionalista, para quem o léxico é apenas

39
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca..: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

dependência entre sentido e referente). (cf. p.13). Ele define as teses

referencialistas f objetivistas nos dois tipos:

a) fuerte: se considera que la únción referencial forma parte integrante de la


función semántica. Según esta óptica. hablar se resume esencialmente en dar
una despripción dei mundo. Por eso nuestros enunciados tienem un valor
informativo, y pueden ser verdaderos o falsos;
b) débil: la iJnción referencial no está comprendida en la función semántica,
pero ésta permtte acceder a ella. Oicho de otro modo, el valor semántico no es
fundamentalmente una descripción dei mundo, sino que la aplicación de
determinados mecanismos a este valor proporciona eventualmente esa
descripción. (Anscombre e Kleiber. op.ctt.: 13).

Os autores apontam o semanticista Ducrot como um referencialista Fraco,

mencionando sua Teoria da Argumentação na Lfngua9 , no sentido de que para ele

a significação está livre do conteúdo informativo, uma vez que esta seria de

natureza essencialmente argumentativa e não veri-condicional, mas o valor

informativo pode delivar do valor argumentativo, sendo este plincípio geral de

argumentação referenciado pelo conjunto de topóí da língua que cada item lexical

convoca. O que contralia bastante as teses referencialistas fortes, mas também

não se identifica com as teses não-referencialistas. Os autores afirmam ainda que

em sua teoria Ducrol utiliza o fenômeno da delocutividade léxica para explicar o

mecanismo argumentativo - seria o mecanismo que permite criar entidades

léxicas a partir de valores essencialmente enunciativos. (cf. Op.cit.: 20). Nesse

uma rede de relações. sintáticas ou gramaticais, pois a unidade léxica não tem sentido, e a
informação é determinada pela organização da língua, Putnam, para quem, o sentido não
determina sua extensão e pode ter um caráter intersubjetivo com componente social. A
representação semântica não se esgota na extensão: há outros fatores: os marcadores sintáticos,
semânticos, os estereótipos. Kleiber não concorda com os pressupostos não-referencialistas
defendidos por Putnam. mas aprova o fato dele trazer a intersubjetividade e o fator social para
dentro do trabalho com o sentido - nem universais necessários, nem contingência absoluta.
Kleiber, no fim do capttulo vai defender a interferência do psíquico.

'Teoria de cuja autoria o teórico J-C. Anscombre também compartilhou.

40
··o Provérbio é um comprirr.ido que anda. de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Sa.>·ltos- 2004
I
ponto, gostaríamos de mencionar a relação destacada entre essas teorias e a

forma proverbial. Como já apontamos na teoria da ANL o provérbio é destacado

como reservatório de topói na língua, o que serve de elemento na teoria para

descrever os princípios argumentativos na constituição do sentido. Assim também


10
acontece com o já citado fenômeno da delocutividade , que, para Ducrot, não se

trata apenas da criação de mais um novo signo no sistema lingüístico, como

propôs Benveniste, mas treta-se de um fenômeno geral na língua - Ele alarga

para toda a língua o que em Benveniste era um funcionamento restrito, específico

de criação morfológica-léxical.

Achamos especialmente interessante a relação proposta entre o provérbio e

a delocutividade apresentada por S. Ferary (2001), em um artigo chamado Le

proverbe: um cas de delocutívfté formulaíre. Nesse trabalho, a autore afirma ser o

provérbio um caso de delocutividade formulaica, retomando o trabalho que Kleiber

(1994, 1999) tem desenvoivido sobre os provérbios nos últimos anos, sobretudo o

conceito de denominação que ele aplica para descrever a forma proverbial. Ferary

trabalha também com o conceito de delocutividade proposto inicialmente por


11
Benvenisle e re-elaboredo por Anscombre e Ducrot.

O ponto de partida desse trebalho está na oposição que Ferary defende

entre os conceitos de denominação e delocutividade em relação à forma

proverbial. Para isto, ela aponta alguns pressupostos desenvolvidos por L. Perrin

10
Oucrot, (1987), remete a primeira aparição deste conceito a Benveníste (1006, Cap. XXVIII),
como mecanismo de criação morfológica-lexical a partir de locuções com valor enunciativo: Adeus•
Íportuguês), Pordiosear (espanhol), m'as-tu-vu (francês).
1
É pertinente observar a ênfase dada a forma proverbial em vários trabalhos desenvolvidos por J-
C Anscombre.

41
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e o:;: sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

(2000) sobre a aproximação entre o provérbio e a delocutividade, em que o autor

afirma que quando se enuncia um provérbio há um eco de enunciações anteriores

da frase idiomática face a uma situação genérica. Entretanto, Perrin concorda com

Kleiber e mantém que o provérbio é mesmo uma denominação possuindo, porém,

uma forma e um referente fixo. A autora supõe que Perrin faz uma confusão entre

menção, citação e delocutividade tratando o provérbio, igualmente como de um

caso de discurso citado/relatado (cf.p.2). A autora quer propor uma nova maneira

de descrever a essência da função proverbial a partir de um quadro de pesquisa

argumentativa da língua.

Ferary discorda de Kleiber no que se refere a tratar o provérbio como um

caso de denominação. Uma das principais hipóteses de Kleiber sobre os

provérbios é o seu estatuto de denominação: o provérbio seria uma denominação,

um não-'nome', no sentido em que se reconhece um signo, um nome e ao mesmo

tempo uma frase. Ele tratará o provérbio como um signo-frase isolado naquilo que

ele supõe ser a sua forma fiXa, cristalizada. Nesse sentido, pode-se ligar um

referencial constante entre signo x e o objeto X, pois há a denominação, a fixidez

da forma que é religada à fixidez referencial. Vejamos mais pontualmente o que

pensa Kleiber, (1994), a respeito da denominação e do caráter nõmico do

provérbio.

Em seu livro Nomínales - Essaís de Sémantíque réferentíelle ele

desenvolve as noções de designação I denominação - esta última sendo um ato

de nomeação prévia, codificada na língua convencionalmente, que se impõe ao

locutor como um nome para o objeto: palavra-objeto I frase-estado de coisas. O

42
11 ..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
!I Mônica Oliveira Santos- 2004
I
autor afirma que na denominação o sentido é prévio à situação e que mesmo as

frases cristalizadas, os provérbios, também possuem estas características, pois

são formas codificadas na língua, por isso, o autor sugere que os provérbios

deveriam ser dicionarizados (tomarem-se itens lexicais, uma vez que fora de

citação o provérbio tem um funcionamento de dicionário). Para Kleiber o provérbio

é uma denominação porque ele passe pelo mesmo nível processual de

condensação que os demais itens lexicais. Em relação ao sentido, ele afirma que

a referência do provérbio é o estado de coisas que diz respeito à situação em que

é contextualizado, por isso trata-se de uma denominação: é uma forma fiXa,

cristalizada, em que não se pode alterar - seu sentido é denominado. Ele cita

como características gerais dos provérbios:

+ características gerais:

-independência gramatical (economia);

- são expressões fiXaS, cristalizadas;

- têm uma prosódia particular;

- possuem verdade geral ou universal (sentido);

- não têm autor reconhecido, por isso podem ser usados por todo e qualquer

locutor.

+características polêmicas:

- o caráter metafórico figurado;

-teor didático.

43
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
Confonne Kleiber, o provérbio vai ser tomado como denominação

melalingüística porque sua referência geral seria uma unidade codificada na

língua. Seu sentido seria fixo por uma convenção para todo locutor (universal). Os

provérbios são apresentados pelo autor como uma verdade geral ou universal,

pois são habituais e indeterminados e seu caráter de atualização, pela teoria

referencial, especifica-se a partir do segmento: referência virtual + sentido-geral

(dicionário) + referência atual = situação específica. É o seu valor argumentativo

que funciona como verdade retórica por sua aplicabilidade geral -para Kleiber só

serão considerados provérbios aquelas formas com teor implicativo (Se ... Então)

que garantem com mais força a verdade do enunciado.

Aqui gostarfamos pontuar a diferença em relação à maneira como o autor

descreve o provérbio e como nós o estamos apresentando. Kleiber confere a

"proverbialidade" do provérbio, sobretudo a sua fonna implicativa de signo-frase e

seu caráter referencial de verdade geral ou universal (portanto, atemporal e

impessoal). Discordamos em todos estes níveis desse ponto de vista

referencialista. Para nós o provérbio não está limitado à sua estrutura implicativa,

esta somente lhe confere uma simulação de implicação lógica, porém o gênero

ultrapassa esse limite formal e se dispersa entre outras possibilidades, implicativas

ou não. Também não acreditamos que o provérbio possua esse caráter

referencial, pois, isoladamente ele assume um efeito de 'coringa', quase que um

dêitico vazio de referência, e desconfiamos, principalmente, de seu caráter 'geral'

ou 'universal', atemporal e impessoal, já que ele está impregnado,

'palpavelmenle', da exterioridade, histórica, social, cultural, política e ideológica

44
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
que se materializa nas coletividades que o provérbio representa, produzindo

efeitos. O efeito de genericidade ou universalidade diz respeito às suas

propriedades argumentativas de autorização do dizer. Portanto, o provérbio diz

respeito à representação material de uma voz coletiva formalizada na língua e seu


reconhecimento como tal está ligado a uma contingência de repetibilidade

histórica, bem como à forma material de suas formulações (estrutura, tom, ritmo,

rima, elipse, etc) e às condições de produção da enunciação proverbial (o uso

argumentativo, retórico e autoritário que determinada coletividade assume como

verdade e pretende como universal ou pelo menos geral), como mostraremos nos

capítulos seguintes.

Voltando à posição de Ferary, ela diz que não pode acaitar as hipóteses de

Kleiber, por não achar que a característica principal do provérbio seja aquela de

referir a uma situação estável. Para a autora, é possível falar do provérbio sem o

valor informativo, pois sua função é puramente argumentativa e ela prefere

substituir a noção de denominação por aquela de delocutividade que evita falar de

referente e, sobretudo, de referente fixo. "La délocutivité naus permettra de rendre

compte de certaines propriétés, comme son côté argumentatif, l'absence d'auteur,

le côté formulaire ou le côté hybride du proverbe ou il semble y avoir deux énoncés

en un". (Ferary, op.cit: 1-2). Ferary aponta para as reflexões de Anscombre

(1979) 12 sobre a Delocutividade formulaica. Para Anscombre, a delocutividade

formulaica partirá de um lexema ou da associação de vários lexemas, desses

lexemas nascerá um valor enunciativo formulaico diferente do valor lexical. Há um

12
O autor opõe o modelo de Delocutividade Lexical Benvenisteana ao que ele propõe
Delocutividade Formulaica.

45
!f "'OProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca· os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial'
1
:

li Mônica Oliveira Santos- 2004

ato de enunciação, em seguida, a partir dele, se cria uma .DQJ!.!! fórmula e não um

item lexical. O autor estabelece um esquema de quatro etapas nas quais se vê a

formação da delocutividade formular e apresenta como exemplo a fórmula Crétín

des Alpes, (Cretino dos Alpes), mas poderíamos considerar aqui uma fórmula

brasileira como Moléstia dos cachorros13 ou Chato de galocha para facilitar a

compreensão, pois, traduzir algumas fórmulas sacrifice-lhes o efeito plástico. Este

esquema será adaptado por Ferary e relacionado à delocutividade dos provérbios.

A- Existence dans la langue de morphémes m1 , m2, m,, ... , ayant des valeurs
sémantíques s 1, s2. ___ sn.
B- Utilisation de fl'l, 1111. lllJ, ... , avec des valeurs sémantiques s,, s,, ... , dans um
certain type d'énoncíation, à l'aide d'une formule F 1 (m 1, 1111, .. .), formule
uniquement compositiomelle, ayant um sens 81.
C- Fabrícation d'um morphéme complexe F2, dont la valeur sémantique S, contient
une allusion à l'emploi de m,, 1111 .... avec les valeurs respectives s1, s,, ... , i.e. à
F, (m 1, m,, .. .).
D- Si F,=F, (m,, m,, ...). les emplois de F, (m,, m,, ..) sont relus en domant à F da
valeur de 8 2 . (cf.Ferary, op.cít:3)

Ter-se-ia no esquema o seguinte processo: + Morfemas com certos

valores semânticos, cujo sentido é composicional + Morfema complexo, cujo

sentido não é composicional, mas alusivo, contextual + emprego convencional.

Daí, como supõe Anscombre e Ferary, a criação das fórmulas e dos provérbios!

"Tout d'abord F1 possédait un sens m1+m,+m3 (Crétin des Alpes), c'est-à-dire la personne atteinte
de la maladie de aétinisme. A étape B, I' on a utilisé F 1 pour insutter quelqu'un Iui reprochant d' être
atteint de Crétinisme. Puis, étape C, est créée la formule F, avec un sens S, par laquelle, nous
faisons l'acte d'insulter quelqu'un. La valeur S1 (à savoir la maladie) s'est effacée derriére !'insulte,

13
Na região Nordeste, há algumas décadas, por motivos culturais que evitavam pronunciar o nome
de doenças perigosas, referia-se à raiva (doença canina) como a moléstia dos cachorros. Com o
tempo passou-se a associar esta referência à atitudes despropositadas, comportamentos
indevidos, desviantes, insanos, pela alusão que se fazia à loucura em relação à moléstia. E fixou-
se o uso da fórmula deu a moléstia dos cachorros ou X está com a moléstia dos cachorros cada
v& que se queria atribuir a algo ou alguém a pecha de louco, fora da razão, absurdo.

46
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

mais subsiste cependant car F2 fait écho aux énonciations antéríeures de F 1. A rétape C, la formule
s, est énoncé de façon conversationnelle ou contextuelle. En d'autres mots, le sens S,, n' est pás
encare forgé, n'est pás encare attaché linguisticament à F z. on commence à employer la formule F,
en tant que telle mais ce n'est qu'à l'étape D que l'on peut considérer que la formule F1 est
equivalente à F2, donc on n'utilisera plus Crefin des Alpes! que comme insulte. il s'agit d'un usage
conventionnel et norn plus contextuel ( .. .) Nous nous inspirons donc de ce demier article pour
assimiler proverbe et délocutivité. (Ferary, op.cit3).

Com o esquema acima, a autora tenta ilusoriamente achar a origem do

provérbio ("o primeiro sentido"- busca da primeira origem.), pois alega que houve

uma primeira enunciação, semelhante àquela posição de Seiler, já criticada por

Joles. Pelo que vemos, Ferary avança em relação a Kleiber, no sentido de

reconhecer na delocutividade proverbial o rompimento com o seu caráter

referencial (signo-frase). Mas, ela ainda está presa ao que nos parece ser uma

necessidade positivista de busca do efeito causal da origem, pois traz um sujeito

individual na base e não considera o lugar do coletivo, do anônimo na enunciação.

Em Kleiber, vimos que a referência da língua é o mundo, mas o sentido

pode constituir-se intersubjetivamente, daí o apelo à pressuposição. O provérbio

seria uma denominação de referência geral e não única. Aqui já nos deparamos

com um paradoxo: Como o provérbio é ao mesmo tempo uma frase genérica (com

referência geral = situação ou estado de coisas genérico para uma situação) e

uma denominação composicional que teria uma relação direta com a referência? E

quem o denominou anteriormente? Quando? Como? Ele se livra dessas perguntas

dizendo que tais denominações já foram anteriormente, a priori, denominadas -

para adquirir o estatuto de denominação, já tem que ter sido descrito, designado

47
iJ ~·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
J\1ônica Oliveira Santos- 2004

A questão é quando? Por quem? E como? Kleiber dá lugar ao prévio que é

determinado, mas não explica esse prévio. Nesse ponto, voltamos a chamar

atenção sobre o mesmo aspecto apontado antes sobre a teoria da ANL de

Anscombre e Ducrot: nas teorias referencialístas, a exterioridade (o histórico, o

social, o ideológico) é posta para fora da língua. Kleiber não faz análises do ponto

de vista enunciativo, nem se interessa por considerar a constituição do sentido a

partir da interpelação do sujeito na/pela história, entretanto, assim como na teoria

da ANL, ele lança mão da forma proverbial como formalização material para

referencializar, na língua, o histórico, a exterioridade que ficou de fora: sem notar

ele se refere ao provérbio como não totalmente "transparente" na estrutura da

língua, e sim como "opaco"! (cf.1994:213). A esta opacidade atrelaremos o valor

de materialidade. A materialidade da língua é a ordem que lhe é própria.

Acreditamos que o provérbio não seja mesmo transparente, mas opaco, plástico

na estrutura da língua. Para causar os efeitos que deve ele precisa ressaltar-se na

forma, tomar cor e brilho, cheirar mal! Essa é a sua materialidade real,

materialidade lingüística que queremos trazer para a análise.

Assumimos a posição de que o provérbio é tratado nessas teorias

(referencialista e argumentativas-estruturalistas) de modo a suprir uma lacuna

epistemológica nas análises sobre o sentido - o lugar da exterioridade, da história,

da determinação e interpelação ideológicas, que são declaradamente

preocupações descartadas nessas teorias. Trabalhar com o provérbio é a maneira

de trazer esse vazio para dentro da língua por intermédio da sua forma lingüística

- é a tentativa de ligar o histórico ao real da língua. Um reflexo disto é o fato de

48
li ~·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca..: os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li 1.1ônica Oliveira Santos- 2004

que nem a teoria da ANL nem a Semântica do Estereótipo e do Protótipo

observarem o provérbio como enunciação coletiva dentro da sua estrutura e

acontecimento 14 discursivos. Em ambos os casos, o provéríbio é observado

isoladamente na sua forma fixa, em estado de dicionário, em Kleiber como lexema

e em Anscombre-Ducrot, no máximo, como citação, como enunciado e não como

enunciação propriamente. É por isso que em nossas análises posteriores

observaremos não o provérbio isolado (em sua atemporalidade - em estado de

dicionário), mas a enunciação proveríbial (a estrutura proverbial atualizada num

acontecimento enunciativo). E para nós a forma proveríbial não se limita à sua

estrutura fiXa, mas, essencialmente, às possibilidades de paráfrase, alteração,

subversão, proverbialização, marginalização... de seu acontecimento. Aí

buscaremos a mistura da opinião à convicção, do individual ao coletivo, do

particular ao universal, da língua ao histórico: a constituição dos sentidos e dos

sujeitos do dizer proveríbial.

14
A noção de Estrutura e Acontecimento é apresentade por M. Pêcheux (1983) e será
desenvolvida posteriormente nesse trabalho.

49
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

50
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial J
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

CAPITULO 11

Entre o Polftico, o .Jurfdico e o Religioso: um Olhar Sobre

a Polifonia na Enunc~lo Proverbial

"Bom conselho" - Chico Buarque


Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere senfado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo,
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade.

Ao longo da história (ocidental, pelo menos!), no processo de produção e

reprodução ideológica, os valores e verdades sociais são instituídos, reforçados,

destituídos e substituídos às vezes silenciosa e sutilmente, quase invisíveis e às

vezes de maneira aparentemente abrupta. Nesse turbilhão, as imagens,

preconcepções, estereótipos e clichês tomam espaços e vozes que ganham peso

na máquina da "homogeneízação" ideológica que domina os campos da política,

história, religião, ética, moral e cultura. Os mecanismos de divulgação desses

valores ideológicos estão entremeados, articuladamente, entre os sujeitos que

deles se fazem porta-vozes: políticos, juristas, historiadores, país, professores,

5!
•·oProv6rblo é um comprimido que anda de boca em boca•'; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mô:rica Oliveira Santos- 2004
I
religiosos, médicos, jornalistas etc. Partindo do princípio de que a produção de

efeitos de verdade não se verifica em relação ao estado de coisas, mas se realiza

a partir das enunciações anteriores e no acontecimento enunciativo 15,

observaremos a enunciação proverbial presente nos discursos parlamentares de

senadores da república, publicados na internet, e analiseremos a polifonia nesse

tipo de enunciação, afetada pelos sentidos produzidos em três diferentes


16
instâncias discursivas de seber-poder : o político, o jurídico e o religioso. Pare

isso, observaremos as considerações de Benveniste sobre a enunciação, algumas

reflexões bakhtinianas sobre a polifonia, os dispositivos teóricos concamentes à

teoria polifõnica ducrotiana, além de considerações a respeito da Semântica

Enunciativa e Discursiva de E. Guimarães e Grésillon & Maingueneau.

1.1- Polifonia e Enunciação: uma Rede de Vozes e Sentidos

Bakhtin legou-nos uma importante trilha de reflexões a respeito da polifonia

e da enunciação. Em sua crítica às duas correntes lingüísticas, "o objetivismo

abstrato" e o "subjetivismo individuaista", o autor sustenta que, ao contrário do

que afirma o objetivismo abstrato,

na prática viva da língua, a consciência lingüística do locutor e do receptor nada


tem a ver com um sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a
linguagem no sentido de conjunto dos contextos possíveis de uso de cada forma
particular. Para o falante nativo, a palavra não se apresenta como um item de

15
Noção in'1cíalmente proposta por Benveniste, E. {1966) O Aparelho Formal da Enunciação. IN
Problemas de Ljnoüística Gera! 11. Campinas: Pontes, p.85 (1989). Tal noção foi posteriormente
redefinida por Ducrot, O (1987: 168) e por Guimarães, E (1989).
"A noção de "saber-poder" é apresentada por M. Foucautt e será retomada posteriormente neste
trabalho.

52
..0 Provérllio é um comprimido que anda de boca em boca••: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
dicionário, mas como parte das mais diversas enunciações dos lorutores A, B, ou
C de sua comunidade e das múltiplas enunc1ações de sua própria pral'lca
lingüística. (Bakhtin, 1929/2002: 95).

Para Bakhtin, a separação da língua de seu conteúdo ideológico constitui

um dos equívocos mais graves do objetivismo abstrato. Por outro lado, segundo o

autor, o subjetivismo individualista está errado

quando ignora e é incapaz de compreender a natureza social da enunciação e


quando tenta deduzir esta ú~ima do mundo interior do lorutor, enquanto expressão
desse mundo interior. .. quando diz que [o] conteúdo ideológico pode igualmente
ser deduzido das condições do psiquismo individual. .. [e] está errado em tornar ... a
enunciação monológica como seu ponto de partida básico. (Bakhtin,
192912002:122).

Para ele, a enunciação monológica isolada constitui uma abstração. A

consolidação da palavra só acontece pela sua inclusão no contexto histórico real

de sua realização primitiva. A proposta de Bakhtin para conciliar a polissemia da

palavra com a sua unicidade está numa síntese dialética. É assim que podemos

flagrar a ênfase absoluta que outorga Bakhtin ao dialogismo na linguagem, pois

para ele, "a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente

organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído

pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor."

(1929/2002:112). Para Bakhtin, o termo "diálogo" deve ser entendido num sentido

amplo, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face

a face, mas como toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. "A palavra

é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros" (1929/2002:113) e em

todo enunciado descobriremos as palavras do outro em diferentes graus de

alteridade.

53
•·o Provérbio é um comprimído que anda de boca em boca'': os sujeltos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial J
Mônica Oliveíra Santos- 2004 I

O autor acredita que ignorar a natureza do enunciado leva ao formalismo e

a abstração, desvirtua a historicidade do estudo, fragiliza a ligação que existe

entre a lfngua e a vida, pois "a língua penetra na vida através dos enunciados

concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a

vida penetra na língua." (1979/2000:282). A compreensão de um enunciado vivo

está sempre acompanhada de uma atitude "responsiva ativa", está plena de

resposta, mesmo que para isso o ouvinte tome-se locutor. "Cedo ou tarde, o que

foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará um 'eco' no discurso ou no

comportamento subseqüente do ouvinte." (1979/2000:291). O que o locutor espera

não é uma compreensão passiva, mas uma resposta, uma concordância, uma

adesão, uma objeção, uma execução, etc... Conforme Bakhtin:

O próprio locutor como tal é, em <flrlO grau, um respondente, pois não é o


primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de um mundo
mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da lfngua que utiliza, mas
também a existência dos enunciados anteriores- emanantes dele mesmo ou do
outro aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de
relação (fundamenta-se neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já
os supõe conhecidos do ouvinte." (Bakhtin, 1979/2000:291). "O locutor termina
seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão
responsiva ativa do outro ... é no diálogo real que esta alternância dos sujeitos
falantes é observada de modo mais direto e evidente; os enunciados os
interlocutores (parceiros de diálogo), a que chamamos de réplicas, alternam-se
regularmente neles. (Bakhfin, 1979i2000:294).

Bakhtin acredita que a palavra existe para o locutor sob três níveis: a)

'palavra neutra', que é da língua e não partence a ninguém; b) 'palavra do outro'

que pertence aos outros e preenche o eco dos enunciados alheios; e c) 'palavra

minha' que, na medida em que uso tal palavra, em detenninada situação, ela já se

impregnou de minha expressividade. Nesse caso,

54
"OProvérbío é um comprimido que anda de boca em boca·•: o.s sujeitos e. os sentidos no espaço da enunciação prover(;ja} I
Mônica Oliveíra Santos- 2004 I

A palavra expressa o juízo de valor de um homem individual (aquele ruja


palavra serve de norma: o homem de ação, o escritor, o cientista, o pai, a mãe,
o amigo, o mestre, etc.) e apresenta-se como um aglomerado de enunciados ..
Nossa fala, isto é, nossos enunciados (que incluem as obras lrterárias), estão
repletos de palavras 'dos outros' caracterizados, em graus variáveis, pela
alteridade ou pela assimilação, caracterizados, também em graus variáveis, por
um emprego consciente e decalcado. As palavras dos outros introduzem sua
própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos,
modificamos. (Bakhtin, 197912000:313-314).

Para Bakhtin a escolha da palavra dá-se de acordo com sua significação

que não é expressiva e pode ou não corresponder ao nosso objetivo expressivo

com relação às outras palavras. A significação neutra de uma palavra, relacionada

com uma efetiva realidade, em condições reais de comunicação, provoca sempre

o lampejo da expressividade. É exatamente isso que se dá no processo de criação

de um enunciado: somente o contato entre a significação lingüfstica e a realidade

provoca o lampejo da expressividade (cf. Bakhtin: 1979/2000; 310-314).

Gostarfamos de enfatizar também as considerações de E. Benveniste

(1966:81-90) sobre O Aparelho Formai da Enunciação. Segundo este autor, a

enunciação coloca em funcionamento a lfngua por um ato individual de utilização,

por parte de um locutor que mobiliza a lfngua por sua conta: é o ato mesmo de

produzir um enunciado. A enunciação se caracteriza pela realização vocal da

lfngua, supõe a conversão individual da lfngua em discurso (a semantização da

língua) e apresenta caracteres formais próprios a partir da manifestação individual

que ela atualiza. (cf. Benveniste, 1966:83). Conforme Benveniste,

O locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de


locutor por meio de índices específicos (...) desde que este se dedara locutor e
assume a llngua, ele implanta 'o outro' diante de si. ( ...) Toda enunciação é,

55
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os: sujeitos: e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

explfcita ou implicitamente, uma alocução, ela postula um alorutário." (Benveniste,


op.cit:84).

Tal mobilização e apropriação da língua são, para o locutor, a

obrigatoriedade de referir pelo discurso e para o outro: "a referência é parte

integrante da enunciação" (Benveniste, op.cit:84). A emergência dos índices de

pessoa (eu/tu) só se produz por meio da enunciação. Como diz o autor.

o estatuto destes "indivíduos lingüísticos" se deve ao fato de que eles nascem de


uma enunciação, de que são produzidos por este acontecimento17 individual e de
que ( ... ) eles são engendrados de novo cada vez que uma enunciação é proferida,
e cada vez eles designam algo novo. (Benveniste, op.cit:84).

Em relação às for.mas temporais, da enunciação instaura-se a categoria do

presente e, desta, a categoria do tempo: "O presente é propriamente a origem do

tempo." (Op.cit:85). A enunciação cria entidades na rede de indivíduos em relação

ao "aqui-agora" do locutor.

Benveniste mostra que a enunciação oferece condições necessárias para

funções sintáticas relativas à Interrogação (enunciação construída para gerar

resposta), à Intimação (o imperativo, o vocativo que implicam uma relação

imediata com o outro), e a Asserção (comunica uma certeza, manifestando a

presença do locutor) (cf. Benveniste, op.cit:86). Para este autor, a enunciação

propõe como forma de discurso duas "figuras" necessárias: uma como origem (o

locutor) e a outra como fim (o a!ocutário) da enunciação. Trata-se da estrutura do

Diálogo. A este respeito o autor acrescenta ainda um comentário sobre a

17
O grifo é nosso.

56
it••oProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca''·. os sujeitos e os sentidos no espaço da enuncíação proverbial J
11. Mônica Oliveira Santos- 2004 J

possibilidade de haver diálogo fora enunciação, ou enunciado sem diálogo

(portanto sem locutor) que gostaríamos de notificar:

Poder-se-ia objetar que pode haver diálogo fora da enunciação, ou enunciado


sem diálogo. Os dois casos devem ser examinados. Na disputa verbal praticada
por diferentes povos e da qual uma variedade típica é o hain-teny dos Merinas,
não se trata na verdade nem de diálogo nem de enunciação. Nenhum do dois
parceiros se enuncia: tudo consiste em provérbios'" citados e em provérbios
opostos citados em réplica. Não há uma única referência ao objeto do debate.
Aquele, dos dois participantes, que dispõe do maior estoque de provérbios, ou
que os emprega de modo mais hábil, mais malicioso, menos previsível deixa o
outro sem saber o que responder e é proclamado vencedor. Este jogo não tem
senão a aparência de um diálogo. Inversamente, o "monólogo" procede
claramente da enunciação. Ele deve ser classificado, não obstante a aparência,
como uma variedade do diálogo, estrutura fundamental. O "monólogo" é um
diálogo interiorizado, formulado em "linguagem interior", entre um eu locutor e
um eu ouvinte. (Benveniste, op.cit:87).

Chamamos atenção especialmente para o fato do autor haver apontado a

forma proverbial como exemplo de ausência de enunciação, ausência de diálogo

(portanto de locutor: e se não há um eu muito menos um tli). Não concordamos


com as afirmações do autor, por achar que a forma proverbial deslocada de seu

isolamento na língua ganha movimento no seu acontecimento e funciona

enunciativamente. Tal funcionamento merece ser observado com detalhe, pois se

trata de refletir sobre um tipo de enunciação tão coniqueiro a ponto de passar

despercebido: a "Enunciação Proverbial". Mesmo considerando o jogo

mencionado pelo autor, que consiste na citação de um estoque de provérbios,

ainda assim não poderíamos dizer que não se trata de um funcionamento

enunciativo, uma vez que há uma disputa envolvendo locutores e alocutários com

direito à réplica e em que ainda se consagra um vencedor (um povo) pelo

silenciamento de seu oponente, mediante o emprego "malicioso" e "hábil" dos

"O grifo é nosso.

57
..0 Provérbio é umcomprirr..ido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004

provérbios. Indiscutivelmente, há sentidos sendo mobilizados aí e funcionando

enunciativamente. Voltaremos à caracterização da Enunciação Proverbial com

mais detalhe posteriormente.

Com base nas reflexões de Bakhtin sobre a polifonia enunciativa, embora

julgando as noções do autor direcionadas meramente19 ao gênero literário, O.

Oucrot desenvolve uma Teoria Polífôníca da Enunciação, disposta a criar

mecanismos de análise que delineassem os papéis que os vários locutores

presentes em dada enunciação desempenham na estrutura da mesma.

Chamamos a atenção aqui para o trabalho de Ducrot (1987; 1988) sobre a

Polifonia na enunciação, uma vez que este foi significativo no sentido de romper

com a unicidade do sujeito falante. Ou seja, ele rompe com o axioma segundo o

qual por trás de cada enunciado há uma e somente uma pessoa que fala.

Para o autor, num mesmo enunciado estão presentes vários sujeitos com

diferentes status lingüísticos o que nos leva a crer que o sujeito tem várias

funções e que o autor de um enunciado nunca se expressa diretamente, dai

concluir-se que a cada uma de suas vozes se confere uma autonomia enunciativa.

O sentido de um enunciado consiste na descrição que este ganha de sua própria

enunciação, portanto, a língua se apresenta como auto-referencial, reflexiva e não

veritativa, referencial, (com a função de referir uma materialidade externa), de

modo que o sentido do enunciado volte-se para o julgamento de uma verdade ou

falsidade.

19
Achamos que Ducrot 'simplifica' demais a contribuição bakhtiniana em relação aos estudos
sobre a polifonia da linguagem, pois Bakhtin (na Estética da criação verbal, entre outros trabalhos)
aprofunde essa reflexão do ponto de vista enunciativo, apontando a questão do rompimerto da
unicidade do suje~o enunciador.

58
••o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveíra Santos- 2004

Ducrot (1987: 168), distingue três diferentes acepções para o que seja a

enuncíação. A primeira a designa como "a atividade psíco-físíológíca implicada

pela produção do enunciado"; a segunda diz ser a enunciação "o produto da

atividade do sujeito falante, quer dizer, um segmento de discurso, ou, em outros

termos, o que acabo de chamar "enunciado"; e a terceira, com a qual ele declara

estar de acordo, que díz que a enunciação é o acontecimento constituído pelo

aparecimento de um enunciado. "A realização de um enunciado é de fato um

acontecimento histórico: é dado existência a alguma coisa que não existia antes

de se falar e que não existirá mais depois. É esta aparição momentânea que

chamo "enuncíaçãom'.

Tal qual uma cena de teatro em que se configuram diferentes personagens

que dialogam entre sí, há uma apresentação de diferentes vozes, de vários pontos

de vista, e o locutor tem como função provocar seu aparecimento e mostrá-los

dentro do enunciado: a estes diferentes pontos de vista o autor vai chamar de

enuncíadores. Ducrot ( 1988) aponta três diferentes funções enuncíatívas para

melhor identificar a multiplicidade de vozes presentes na enunciação:

a) o Sujeito Empírico- (SE): que é o autor efetivo, agente da reprodução de

discursos já escutados ou lidos. O ser empírico que preenche o lugar de

sujeito;

b) o Locutor- L: que é o responsável presumido pelo enunciado a quem se

atribuí a responsabilidade pelo mesmo, responsável, inclusive pelo ato

praticado e não pelo conteúdo proposicional. (marcas em primeira pessoa);

59
11 ..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

c) o Locutor- Lp: que é o locutor-enquanto-pessoa-no-mundo, aquele que

serve de suporte para determinadas predicações.

d) os Enunciadores- E1, E2 ... : que são os vários pontos de vista que podem

ser parcebidos em um mesmo enunciado.

Apagada a mediação do sujeito empírico na enunciação, as figuras

enunciativas (L, Lp, E1, E2 ... ) dão lugar à multiplicidade de personagens. O sentido

do enunciado consolida-se em um discurso de diferentes vozes abstratas, pontos

de vista postos em cena pelo locutor que se define como o personagem a que o

enunciado atribui a responsabilidade de sua enunciação. Conforme o autor.

El autor de un enunciado no se expresa nunca directamente, sino que pone en


escena en el mismo enunciado un cierto número de personajes. El sentido dei
enunciado nace de la confrontación de esos dferentes sujetos: el sentido dei
enunciado no es más que el resultado de las diferentes voces que allf
aparecen."( ...) "Por mi parte pienso que esa unicidad dei sujeto hablante es
mucho menos evidente de lo que habitualmente se piensa; en todo caso, me
parece que ocurre a muchas dificultades. Para resolvenos he construido una
teoria polifónica de la enunciación, según la cual en un mismo enunciado hay
presentes varios sujetos con status lingüísticos diferentes. (1988: 16).

Ducrot desloca a noção de Polifonia de Bakhtin, (onde há uma

característica fundante) constitutiva de qualquer voz, e relaciona a polifonia ao

jogo de vozes no enunciado, ou seja, toma a polifonia uma operação enunciativa,

enquanto que para Bakhtin esta seria uma inescapável forma de constituição da

subjetividade por estar inscrita na linguagem.

Ainda sobre a função do locutor, em sua teoria polifõnica, Ducrot (1988:19)

acredita (assim como Benveniste) que haja enunciados impessoais, portanto sem

L, e, ao modo benvenisteano, cita como exemplo os provérbios:

60
•·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

Es posible fabricar enunciados que no tienen L, mientras que salvo un milagro


un enunciado siempre tiene un SE. Benveniste decía que estos enunciados
li amados a veces impersonales. tienen que ver con la 'historia', en oposición a
enunciados donde está marcado el locutor y que pertenecen ai 'discurso'. Por
ejemplo un proverbio es esencialmente un enunciado sin Locutor"'.
Cuando hablamos con proverbios, es precisamente para favorecer la
interpretación según la cual el responsable de lo que decimos seria
completamente ajeno a la situación de discurso en la que nos encontramos.

Assim como discordamos de Benveniste discordaremos de Ducrot também.

Ao afirmar que o enunciado proverbial não tem Locutor, justificando que quando

falamos com pravérbíos é para causar a impressão de que o responsável pelo

dizer está alheio ao que dizemos, ele deixa de observar que o simulacro de

alienação do responsável pelo discurso pode ser um efeito lingüístico criado em

favor de uma interpretação (uma simulação de impessoalidade, ou neutralidade) e

isso irremediavelmente remete a um funcionamento enunciativo. A Enunciação

Proverbial é típica desse tipo de funcionamento, em cujo acontecimento

enunciativo flagramos o cruzamento de uma memória e uma atualidade.

A posição de Ducrot se justifica em função de seu recorte relativo à

estrutura do enunciado, descartando como componentes lingüísticos os elementos

determinadores, históricos e exteriores que possam dizer-lhe respeito: "la

determinación dei SE no es un problema lingüístico. EI lingüista... debe

preocuparse por el sentido dei enunciado ... lo que 'dica' el enunciado, lo que este

aperta, Y no las condiciones externas de su producción." (Oucrot, 1988:19).

Entendemos que até pode haver enunciados sem Locutor, isolados em sua

estrutura. Entretanto, a enunciação proverbial nunca poderia ser caracterizada

20
O grifo é nosso.

61
•1 •·oProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca' 1: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

pela ausência de Locutor, pois o funcionamento enunciativo prevê o

preenchimento dessa função. Nesse sentido, uma enunciação em que em seu

acontecimento o sujeito incorpora ao seu discurso o dizer proverbial estará

dialogando com enunciadores anteriores. O sentido vai ser efetivado a partir do

acontecimento enunciativo em que todas as vozes se juntam individuais e

coletivas, institucionais ou não, e impingem sua exterioridade, determinação e

historicidade ao real: um locutor ao texto atual.

Outro posicionamento teórico que devemos levar em conta a respeito da

polifonia e da enunciação é o de E. Guimarães (1987, 1989,2002). Assim como

Oucrot, esse autor (mesmo partindo do princípio de que para configurar uma

Semântica enunciativa devia-se considerar a representação do sujeito da

enunciação na constituição do sentido) distancia-se da visão de Benveniste que

concebe a enunciação como uma atividade do locutor em produzir um enunciado

e que considera o sujeito da enunciação como uno, único e onipotente em relação

ao seu próprio dizer e à língua da qual esse sujeito se apropria para dizer algo. (cf.

Guimarães, 1987:12). Guimarães opõe-se a essa visão e concebe a enunciação

como evento histórico do aparecimento do enunciado independentemente do

sujeito. O sujeito "se representa diversamente nos enunciados que ocorrem no

evento da enunciação" (Guimarães, op.cit:12). Guimarães salienta ainda que o

texto constitui-se como uma unidade empírica que representa um princípio de

autoria, criando a ilusão da unicidade do sujeito e do texto com início, meio e fim.

Guimarães mantém que no enunciado há a representação de diferentes

papéis do Locutor. Então, os recortes enunciativos são sempre polifõnicos,

62
HOProvérbio é um comprimído que anda de boca em boca'': os 3njeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbiaJ 1
!~.iônica Oliveíra Santos- 2004 I

possuem uma dialogia 21 interna que é fundamental na constituição do sentido. (cf.

Guimarães,op.cit:19): "as personagens se constroem na medida em que se

representa uma diante da outra". (Guimarães, op.cit:21). O autor explícita que a

dupla falante/ouvinte apenas caracteriza os agentes físico-fisiológicos de falar e

ouvir, de modo que não dizem respeito ao lingüístico e, portanto, não se incluem

como objeto da semântica. Entretanto as figuras/personagens da enunciação

lingüisticamente consideradas são: locutor/alocutário e enunciador/destinatário:

O locutor é aquele que se representa com eu na enunciação, representando-se,


internamente ao discurso, como responsável pela enunciação em que ocorre o
enunciado. O locutor é uma figura constituída internamente ao discurso e
marcada no texto pelas formas do paradigma do eu. O alocutário é o lu do
discurso, representado enquanto correlato do locutor pelo próprio locutor. Na
representação do locutor podemos distinguir dois papéis, L e Lp. O Locutor-L é
aquele que simplesmente se representa como fonte do dizer. O Locutor-Lp é o
Locutor-enquanto-pessoa-no-mundo. {Guimarães, op.cit:21 ).

o locutor-enquanto-pessoa-no-mundo deve ser caracterizado sócio-historicamente


e isso já se constitui num deslocamento que o autor faz em relação a Ducrot, para

quem o Lp é apenas mais uma figura representativa das funções enunciativas que

ele descreve. Respectivamente ao Locutor-L há o Alocutário-AL e ao Locutor-

enquanto-pessoa-no-mundo há o Alocutário-enquanto-pessoa (ALp). (Cf.

Guimarães, op.cit:22). Há ainda o nível da relação entre enuncíadore destinatário

pars fechar o quadro polifônico da enunciação.

21
O autor faz menção à noção de polifonia e dialogia bakhtiniana: "é pela incorporação do conceito
de Polifonia constituído por Bakhtine que a semântica da enunciação considera as diversas
representações do sujeito da enunciação do enunciado"". (Guimarães,1987:21).

63
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
O enunciador é a posição do sujeito que estabelece a perspectiva da
enunciação. O destinatário é o correlato constituído segundo a perspectiva do
enul)ciador. Suponhamos aqui que no meio de uma conversa alguém diga
(4) Agua mole em pedra dura tanto bate até que fura.
A enunciação de (4) representa um L que fala da perspectiva do senso comum,
e que, inclusive, mobiliza esta perspectiva como argumento para o que diz.
Assim L, neste caso, fala de uma perspectiva genérica, e esta enunciação
representa um enunciadorgenérico22 . (Guimarães,op.cit22).

Não poderíamos deixar de notificar aqui que ao contrário de Benveniste e

de Ducrot, Guimarães não exclui o enunciado proverbial do funcionamento

enunciativo, nem dialógico, nem muito menos lhe sonega o Locutor! Guimarães

procura caracterizar uma cena enunciatiVa no texto que cruza as representações

da enunciação (L, Lp, E) e como estas representações relacionam-se com as de

alocutário e destinatário representando a alteridade na enunciação.

As categorias de análise mencionadas pelo autor são inspiradas, como ele

esclarece, na teoria polífôníca da enunciação, mas ele enfatize seu afastamento

quanto ao apego à posição estruturalista manifestado por Ducrot. Guimarães

( 1989: 37-38) enfatiza que seu objeto de análise são os recortes enunciatiVos

(discursivos), é a enunciação e não uma estrutura ou segmentos lingüísticos. Ele

esclarece ainda sua diferença em relação a Ducrot num sentido muito preciso:

Primeiro devo áiZer que concordo que o falante, tal como Ducrot o conceitua
(como figura físico-fisiológica e psíquica), não é um personagem da enunciação.
Minha diferença está em que considero que o falante não é esta figura empírica.
mas uma figura polltica constitulda pelos espaços de enunciação. E nesta medida
ela deve ser inclulda entre as figuras da enunciação (Guimarães. 2002:18). Isto
me levou a, inclusive, usar de maneira diferente os termos locutor e enunciador
que Ducrot distingue e que também distingo, mas já num outro quadro de
categorias, onde procuro caracterizar não a multiplicação das figuras da
enunciação, mas a sua divisão. (cf nota de rodapé, Guimarães. 2002:23).

22
Sobre essa categoría de enunciador-genérico vo~aremos a falar no capitulo seguinte.

64
lf"'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço daenunciaç.ão proverbial
M6nica Oliveira Santos 2004

Para o autor, a enunciação constitui historicamente as regularidades da

língua que estão sempre abertas ao efeito do episódio enunciativo. "Podemos

dizer que o modo de exposição ao evento enunciativo é variável de forma para

forma. Algumas cristalizam, num momento, um rmdo da enunciação e outras,

outros modos. A não homogeneídade das cristalizações é o espaço da história, e

o espaço para rompimentos da cristalização. É, portanto, o lugar da mudança".

(Guimarães, 1987: 191).

Com base na noção de Enunciação postulada por Guimarães, gostaríamos

de chamar atenção para um modo de enunciação peculiar que já mencionamos, a

Enunciação Proverbial, ou seja, o funcionamento enunciativo que se constitui a

partir da citação, referência, paródia, paráfrase... das formas proverbiais

cristalizadas, inseridas num dizer que pode ser atribuído a um Locutor, mesmo

que se possa destacar os efeitos de anonimato, neutralidade, verdade,

atemporalidade e impessoalidade. A cada referência, a cada citação, a cada

paráfrase, ou a cada paródia dessas formas proverbiais cristalizadas, no

funcionamento enunciativo, percebemos o deslocamento de um lugar de

estaticidade para um espaço de movimento, de mudança: movimento e mudança

de sentidos e sujeitos. Retomando o que destacamos acima na perspectiva de

Guimarães, consideramos o modo de Enunciação Proverbial como um espaço

especial para se observar a não homogeneídade da cristalização, o espaço de

rompimento da cristalização, o lugar da mudança.

Nesse sentido a Enunciação Proverbial é especial ainda por deixar explícita

a polifonia enunciativa que lhe é peculiar. A esse respeito, destacamos que o

65
...0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em bocaH: os sujeüos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

trabalho Polifonia, provérbio e desvio - ou um provérbio pode encaixar um outro,

de Grésillon & Maingueneau (1984) detém-se em observar certos funcionamentos

da enurx:iação proverbiaL Conforme os autores, "la responsabilité de l'assertion

d'un proverbe est attribuée à un personnage distinct du locuteur, mais encare elle

même la voix du locuteur à toutes les voix qui ont profere avant lu i te même adage"

(Grésillon & Maingueneau, 1984: 112). Treta-se do ON (SE) caracterfstico da forma

proverbial. Em relação à polifonia, os autores citam A Berrendonner para quem o

provérbio se enquadra entre os fenômenos de menção, em que enunciações

tênues aparecem encaixadas numa outra enunciação. A enunciação mencionada

é mostrada como um acontecimento da enunciação meta E1 (mencionante). O ON

do provérbio representa a opinião comum, a "sabedoria das nações". Este ON/SE-

verdade participa da enunciação como um personagem que autoriza a pimeira

asserção (Eo) da qual uma segunda verdade é pressuposta, a (E1).

Grésillon & Maingueneau introduzem uma reflexão acerca do que chamam

"desvio de provérbios". Em função do seu caráter de autoridade é comum que o

provérbio sirva de modelo para os que querem autorizar seus enunciados, ou, ao

contrário, sirva de anti-modelo para os que querem desautorizar certas verdades

estabelecidas. Os autores definem o desvio como um procedimento discursivo que

consiste em produzir um enunciado com marcas formais da enunciação proverbial,

mas que não pertence ao conjunto dos provérbios reconhecidos.

Conforme estes autores, o desvio se desenvolve a partir de duas formas: a

lúdica, quando diz respeito meramente aos jogos de palavras sem investimento

ideológico, polftico, e a militante, quando busca dar autoridade a um enunciado

66
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialJ
h-iônica Oliveira Santos- 2004

proverbial ou mesmo desautorizá-lo em nome de interesses de diversas ordens.

Os autores se interessam essencialmente pelo desvio mílttante e, deste, eles

destacam duas estratégias com orientações opostas no uso da autorização ou

desautorização proverbial: a captação que consiste em desviar da estrutura fonmal

do provérbio, sem necessariamente contradizer a direção semântica da estrutura

explorada, de modo que a E1 possa trazer até uma convergência semântica com

Eo (uma relação de parasitismo); e a subversão que busca, ao contrário, gerar

uma contradição entre o sentido da estrutura original (Eo) e o sentido da estrutura

resultante do desvio (E1). (Cf. Grésillon & Maingueneau, op.cít.:114-115). Essas

duas estratégias ainda apontam para dois níveis de desvio: o desvio das

condições genéricas da enunciação proverbial e o desvio de um provérbio

atestado:

1- As condições genéricas seriam o conjunto das condições formais

(sintáticas, prosódicas, pragmáticas) e das condições de emprego (o uso da

verdade que serve de sustentáculo pelo ON e dirige-se a um alocutário

universal). Quando é produzido um pseudo-provérbio, as "condições de

emprego" podem ser tanto captadas como subvertidas. Uma vez que numa

enunciação se capturam as condições genéricas do provérbio, e uma vez

que o simulacro é bem sucedido, transfonma-se em verdade repetida por

"todos" e se efetiva como "evidência coletiva". Por exemplo, os Slogans em

geral são pseudo-provérbios: "Être proverbe, on le voit, c'est blen J'ídeal du

sfogarf. (Cf. Grésillon & Maingueneau, op.cit.:117).

67
!J •·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
!f Mônica Oliveira Santos- 2004
I
permite à enunciação proverbial tanto uma fácil aceitação como verdade válida e

como recurso argumentativo para persuadir e convencer, bem como espaço para

uma multiplicidade de vozes institucionais ou não.

O discurso religioso enfatize o amor/temor a Deus, à justiça, à honra e à

moral através de mandamentos instituídos por uma voz divina/espiritual; o jurídico

endossa os princípios morais e de honra, enfatizando a ética e a justiça através de

leis (efeito de norrnatividade produzido pelo discurso jurídico); e o polftico

incorpora o discurso das instâncias anteriores como bases para o controle, a

manutenção da ordem e a boa administração do estado e bem estar social do

povo. Tais lugares institucionais de dizer entrelaçam em seu seio rrecanismos de

homogeneização e exclusão, domínio e poder social, estabelecendo regras nas

relações de produção na sociedade. Se, isolados, constituem convencionalmente

autoritários valores de verdade usados como formas de dominação e de poder,

unidos num só (o político) então são muito mais eficazes. Ainda mais, se a isso se

acrescenta a instância social do senso comum, da sabedoria popular, cristalizada

na forma da enunciação coletiva do dizer proverbial. Não é por acaso que o

discurso político desempenha esse papel com "louvor'', articulando à boa oratória

política, o discurso religioso da honra e da moral, o discurso jurídico da ética e da

justiça, e os saberes populares que secralizam os valores tomados como

universais, afinal, "a voz do povo é a voz de Deus".

André Corten (1998:75-109), em seu trabalho Categorias Polftícas e

Discurso Teológico, enfatize a peleja entre a Religião e a Política. Para ele há

efeitos que explicam o que se coloca como representações privilegiadas,

70
!f ..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004
I
sobretudo o "efeito da verdade'; cuja importilncia no sistema político ocidental é

bastante consolidada. A função dogmática é veicular a verdade e manobrar o

poder até que ele revele a verdade, aliás, este seria o principal efeito esperado (do

poder): dizer a verdade. (cf. Corten; op.cit:86-87). Conforme o autor:

O discurso teológico tem influenciado, há vários séculos, a concepção da


apresentação política. São numerosos os estudos sobre o assunto. Com as
"Luzes", esta influência reside nas entrelinhas das categorias políticas; estas se
liberam apenas em aparência da "estrutura sistemática" das categorias
teológicas. A categoria política central de soberania se inscreve no quadro do
monoteísmo. O efeito do discurso teológico parece ressurgir hoje das
sociedades do Terceiro Mundo, ao qual o Ocidente impôs, através do Direito e
das instituições políticas, seu discurso secularizado. (op.cit.:76).

O autor releva uma "determinação" das categorias políticas, pelo discurso

teológico e afirma que no momento em que o discurso teológico interpreta uma

palavra revelada, ele faz apelo ao imaginário histórico-social. Pelo fato de que seu

teor argumentativo se apresenta somente para seus "alocutários" especializados,

então, os seus efeitos devem ser pesquisados em uma circulação muito mais

abrangente, que conduz o crente à "piedade", à obediência, à resignação.

( cf. Corten;op.cit. :77).

Conforme Corten, não se pode perder de vista o princípio dialógico de

Bakhtin e, nesse sentido, o autor chama a atenção para a influência do discurso

teológico nas categorias políticas, operando através do efeito de participação. Já

que a Teologia é uma interpretação da palavra revelada e como Deus não fala

diretamente ao homem, cabe a esta fala o papel de intermediar o diálogo entre

Deus e seu povo. É claro que a palavra, no seu âmbito abstrato não pode realizar

a mediação concreta, e por isso cabe "eleger" um representante. Assim, "a

71
4
'0 Provérbio é umcomprimído que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
:Mônica Oliveira Santos- 2004

"instituição" da República se faz em um enunciado, em uma convenção, em um

pacto como aquele realizado entre Deus e seu povo" (Corten, op.cit.:80). Para

Corten:

A representação é um poder de delegação. mas é também a representação de


uma forma particular de dominação, de uma dominação instituída; é a
representação dos "fundamentos da política". Distinguem-se, assim, dois
sentidos em relação à representação polltica que se confundem
freqüentemente, produzindo efeitos de legitimidade para o Estado moderno:
representação como delegação (a uma pessoa) e representação do político
(pela "instituição"). (p.81)

É pertinente salientar ainda que, conforme Bakhtin, existe uma gama dos

gêneros mais difundidos na vida cotidiana, tão cristalizados, apresentando formas

tão padronizadas que a expressão individual do locutor praticamente só pode

manifestar-se na própria escolha do gênero. As palavras não são de ninguém,

estão a serviço de qualquer locutor e de qualquer juízo de valor, e podem mesmo

ser totalmente diferentes, até mesmo contrárias. A palavra pode preencher

qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral ou religiosa.

(cf. Bakhtin: 1979;302-309):

A fórmula estereotipada adapta-se, em qualquer lugar ao canal da interação


social que lhe é reservado, refletindo ideologicamente o tipo, a estrutura, os
objetivos e a composição social do grupo. As fórmulas da vida corrente fazem
parte do meio social, são elementos da festa, dos Jazeres, das relações que se
travam no hotel, nas fábricas. etc... Assim, encontram-se diferentes formas de
construção de enunciações nos lugares de produção de trabalho e nos meios de
comércio. (1929:126).

No domínio dos signos, ou seja, na esfera ideológica, há diferenças

marcantes, uma vez que este domínio é, ao mesmo tempo, o da representação,

72
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca. em boca••: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
do símbolo religioso, da fórmula científica e da forma jurídica, etc. "Os sistemas

ideológicos constituídos da moral social, da ciência, da arte e da religião

cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercam por sua vez sobre esta,

em retorno, uma forte influência e dão assim normalmente o tom a essa ideologia."

(Bakhtin: 1929;119).

1.3 -A Enunciação Proverbial no Discurso Parlamentar

Considerando o discurso político como um lugar de enunciação que

constitui uma rede onde se entrelaçam diferentes instâncias discursivas que se

cruzam, produzindo e reproduzindo efeitos de sentido, cumpre enfatizar que no

ritual do proferimento25 parlamentar releva-se a multiplicidade polifõnica de figuras

enunciativas que compõem um dizer autoritário/autorizado do/pelo sujeito e

do/pelo discurso, apoiado em instâncias discursivas institucionais ligadas à

"verdade", autoridade e poder, como por exemplo, o científico, o jurídico, o

religioso, o moral, a tradição e o senso comum. Para compreendermos melhor

essa relação, faremos uma breve refiexão acarca de alguns enunciados

proverbiais proferidas no discurso parlamentar da Senadora Maria do C. Alves do

PFL- SE, do dia 30/01/01, que entrelaça instâncias discursivas referentes ao

religioso, ao jurídico e ao senso comum. O proferimento da Senadora está

25
Tanto nas sessões parlamentares do senado (ritual de proferimento), quanto nos seus
documentos de registro (as atas publicadas ra Internet), os proferimentos dos senadores são
chamados de "discursos" - que seria correlato a "textos". Como também mobilizamos uma noção
teórica denominada Discurso, então, chamaremos os "discursos" dos senadores de proferimento
para evitar qualquer associação indevida.

73
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

inserido numa discussão a respeito da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)

que investigava fraudes na SUDAM e SUDENE e se refere à falta de

compromisso e descaso do govemo (do então presidente Fernando Henrique

Cardoso - FHC) para com os problemas da seca no Nordeste, incluindo questões

como a de extinção inapropriada da Sudene, insuficiência de recursos

direcionados para esta região e falsa convicção de que tal região seja um ônus

para o Brasil.

Inicialmente, gostaria mos de salientar que destacamos no

texto/proferimento abaixo em negrito e sublinha formas proverbiais fixas (que

mantém a estrutura fixa do provérbio ou expressão a que se refere) e os

enunciados relativos a expressões populares cristalizadas, formas

proverbializadas e formas proverbiais parafraseadas, (que referenciam elementos

como a própria estrutura ou grupos nominais que fazem reconhecer um uso

cristalizado ou determinado provérbio). Destacamos, ainda, em negrito

enunciados que remetem a julgamentos coletivos do senso comum, relacionados

ao tema e, em CAIXA ALTA, marcas importantes de determinação e identificação

do sujeito.

1) Tenho repetido neste plenário, em diversos pronunciamentos, e tenho ouvido


também dos meus ilustres pares, que a superação dos problemas causados
ciclicamente pelas secas não está adstrito a eventuais obstáculos climáticos. mas
à (A) falta de u:na finne decisão política. ( .. .) Na verdade, o que ocorreu no
Brasil, em especial nos úttimos cem anos, foi um total alijamento do Nordeste dos
planos de desenvolvimento econômico, em prol do crescimento do Centro-Sul( .. .)
Durante a primeira campanha eleitoral do atual presidente, (B) renasceu a
esperança entre os nordestinos da que O NOSSO candidato ( .. .) iria finalmente
priorizar o Nordeste ( .. .) O então Senador Fernando Henrique Cardoso justificava
essas esperanças. seja pelo seu rico passado político, pelas teses sociais
magnificamente defendidas em seus livros, pelo brilho de seu decantado saber de
sociólogo mundialmente respeitado e sobretudo pelos seus (C) compromissos a

74
•'C Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'); os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

favor de uma sociedade igualitária. É verdade que, logo após a posse,


LEVAMOS um susto que deixou a todos NÓS, NORDESTINOS, estupefatos.
quando Sua Excelência RECOMENDOU AOS BRASILEIROS que esquecessem
do que ele havia afirmado em seus livros. Talvez por SERMOS ORIGINÁRIOS de
(D) uma sociedade apegada a rígidas tradições, em que (1) a Palavra
empregada é eacto de honra a ser cumprido, NÃO PODíAMOS entender (E)
QUEM não assumia nem mesmo os compromissos escritos. A partir daí,
FOMOS DESCOBRINDO que (F) NOSSAS ESPERANÇAS não correspondiam
à triste realidade de (2) uma administrncão que se revelou ma4rasta para os
nordestjnos. ( ...) Para fins de exemplificar o desprezo que tem sido conferido ao
Nordeste nesses últimos seis anos de Governo, basta registrar que na Lei no.
9.532, de 1997, foi estabelecida a lenta e gradual morte da Sudene.
Desafortunadamente, o presidente desprezou o fato de que a Sudene é um
símbolo para NÓS NORDESTINOS ( .. .) Ao-edito que prevaleceu ante o atual
presidente a farsa tão divulgada por influentes formadores de opinião do Sul-
Sudeste, segundo a qual (3) a regjãg mrd,stjna é um 99$9 §gm fundg a
consumir grande parte dos subsídios do Pais, e, afinal, era preciso (4) dar um fim
a essa sangria. (...) Aqui [no Brasil], surpreendentemente, fi.Jnciona uma (G)
lógica de Robin Hood ao inverso: (5) os pobres financiam os mais ricos! Para
ser exata, enquanto para o Sul-Sudeste são destinados 51% do total nacional dos
subsídios, para a região mais pobre do País. o Nordeste, são destinados tão
somente 9",4, deles. Ainda assim, o Senhor presidente foi convencido de que os
poucos subsídios enviados para Já deveriam ser extintos. ( ...) O pretexto, desta
vez, é que foi localizado um foco de corrupção na Sudam. (6)E o aue tem a
Sudene a ver çgm a Sudam? Além do mais, é uma idéia estapafúrdia extinguir-
se um órgão porque se descobriu que o seu diretor era corrupto( ... ) O que de fato
ocorre agora, (7) como se diz NO MEU SERGipE. é juntar-se a fome eom a
vontade de comer.( ..) NÓS, PARLAMENTARES DO NORDESTE, DO NORTE
E DO CENTRO- OESTE, numa reação firme e suprapartidária, (H) temos mais
do que o dever: temos a obrigação de derrubar esse atentado desrespeitoso
contra os interesses das já tão discriminadas regiões menos desenvolvidas
do País. ( ... ) No início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso, Sua Excelência afirmava pesaroso aos parlamentares e aos
govemadores do Nordeste que o procuravam em busca de ajuda que gostaria
muito, tanto quanto eles, de ajudar a região, (8) mas não queria rePetir os erros
do Passado, investindo sem planejamento em obras e ações que não resultariam
em estruturas definitivas que diminuíssem progressivamente os efertos das secas
futuras. Os governadores, cientes da inutilidade das frentes de emergência,
acataram a idéia e partiram para um projeto que não apenas diminuísse
vigorosamente os efeitos da seca, como também criasse um plano de
desenvolvimento efetivo para a região( .. .) A entrega do projeto Novo Nordeste ao
presidente foi solene e contou com a presença de todos os governantes e
parlamentares no Planatto. O cavalheirismo do presidente Fernando Henrique
Cardoso, com a sua justa reputação de grande anfitrião. foi impecável ( ... ) A
solidariedade de Sua Excelência encerrou-se com essa efusiva recepção. Nunca
houve uma resposta oficial sobre o tema nem da área econórnica nem de
qualquer outro ministério, nem muito menos do próprio presidente ( ...) [ele]
procedeu da mesma forma como a maioria esmagadora de seus antecessores
agiram com as prioridades do Nordeste ( ...) (I) A região nordestina não deseja
nem pleiteia esmolas. Apesar de inteiramente alijada das prioridades dos
projetos nacionais ( ... ) a região nordestina tem resistido e se mostrado viável ( ...)
(9) O Nordeste tem dado mais à Unjão do que <feia recebe. Isso ficou
exaustivamente demonstrado num estudo magnífico promovido pelo BNB, na
década de 90 (. ..) O resultado foi altamente esclarecedor e definitivo. Mesmo
considerando a seca - naqueles anos de 80 a 85 houve uma seca -. quando

75
..0 Provérb10 é um comprimido que anda de boca em boca'); os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

houve forte entrada de recursos a fundo perdido, (10) o Nordeste deu mais do
que reÇêbeu à NAÇÃO BRASILEIRA em termos financeiros líquidos. o nordeste
deu aproximadamente US$1 bilhão por ano! Portanto, é uma farsa que revela
ignorância ou má fé a afirmação de que (J) a região nordestina é um ônus para
os brasileiros.

Como vemos, a polifonia é flagrada no discurso político que incorpora a voz

coletiva na forma da enunciação proverbial e dos usos clistalizados, entremeando

as instâncias discursivas, jurídica, religiosa e do sanso comum esteadas pela

"verdade", boa fé, moral, ética, tradição, honra, justiça, compromisso e observação

em não cair nos mesmos erros (em tentação), pois "errar é humano, porém

permanecer no erro é diabólico"! O discurso político se apropria dos valores

sociais clistalizados na enunciação proverbial e de seu estatuto autolizado de

''verdade", sustentado pelo senso comum e pelas instâncias institucionais jurídica,

política e religiosa, produzindo efeitos de verdade. Estes efeitos de verdade

acabam se estendendo a todo o dizer e misturando o "dizer de todos" à posição

que a senadora assume.

Gostaríamos de adiantar, ainda, que não estamos interessados em propor,

até por nem acharmos pertinente, uma classificação geral de tipos de enunciação

proverbial, pois isso selia incoerente com a nossa maneira de ver tal

funcionamento enunciativo que, por plincípio, descrevemos como um lugar de

mudança, de deslocamento. É por esse mesmo espílito de descontinuidade que

entendemos ser vã e ilusólia a tentativa de esgotar os possíveis tipos

classificatóríos da enunciação proverbial, esta que está sempre em ebulição,

renovando e reinventando formas. Longe de esgotar as possibilidades, aqui nos

orientamos em descrever localmente os tipos que aparecem no nosso recorte.

76
·~o Provérbio é um comprirr.ido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Ohveíra Sazltos- 2004

No texto acima, podemos elencar 10 enunciados que classificaremos como:

a) Formas proverbializadas e parafraseadas:

1. Palavra empregada é pacto de honra a ser cumprido;

5. Os pobres financiam os mais ricos;

8. Mas, não queria repetir os erros do passado;

9. O Nordeste tem dado mais à União do que dela recebe;

1O. O Nordeste deu mais do que recebeu.

Considerando a classificação proposta por Grésillon & Maingueneau

anteriormente, sobre o Desvio Militante e suas estratégias de captação e

subversão das formas proverbiais, chamamos a atenção para o funcionamento

enunciativo das proverbializações acima: (1), (8), (9), (10) por captação e (5) por

subversão. Chamaremos de proverbialização os enunciados proverbiais que

englobam os traços constitutivos do Desvio Militante no nível 1, referente às

Condições Genéricas propostas por Grésillon & Maingueneu. Mas, preferimos

deslocar o conceito de Condições Genéricas (condições formais+ condições de

emprego) para o de Condições de Produção mobilizado na Análise do Discurso -

AO - (Pêcheux, Orlandi) dado que este último relaciona-se à exterioridade

lingüística sócio-histórico-ideológica constitutiva do funcionamento enunciativo e

da produção de sentido. Descrevemos a proverbialização como o processo que

diz respeito às Condições de Produção do enunciado proverbial que consiste em

77
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
conferir um "tom" proverbial a um enunciado próprio, produzido a partir da

estrutura formal e do funcionamento enunciativo típico do provérbio, ou ainda em

transformar em provérbio, slogans ("Quem não se comunica se trumbica"),

sentenças bíblicas ("Quem se junta com porcos, farelo vem a comer"), científicas

("Freud explica", "É a lei da gravidade", 'Tudo é relativo"), jurídicas ("A lei é igual

perante todos", "A justiça é cega"), lendárias/literárias/mitológicas ("Até tu,

Brutus?", "Ser ou não ser, eis a questão", "Decifra-me, ou devoro-te!"), entre

outras.

Nas proverbializações acima, reconhecemos, por um lado, formas já

proverbializadas (Eo) populanmente que foram parafraseadas (E1) no texto da

Senadora e, por outro, uma fonma que foi proverbializada pela senadora ao

incorporar a um enunciado uma estrutura e um "tom" característico do

funcionamento proverbiaL É o que podemos reconhecer em (1). Não se trata

exatamente da paráfrase (E1) de um provérbio ou proverbialização reconhecida

(Eo)- O enunciado constitui-se pela estrutura típica proverbial e pelo

funcionamento, ou seja, as pelas condições de produção do funcionamento

enunciativo proverbiaL Podemos citar algumas fonmas proverbiais (Eo) que

assumem a mesma direção argumentativa como "Palavra e pedra soltas, não têm

volta", "Quem promete em dívida se mete", "Ajoelhou, tem que rezar" que

enfatizam o argumento peculiar ao discurso jurídico üá influenciado pelo religioso)

de que se deve cumprir sempre com a palavra e com os compromissos, pois isso

é uma questão de honra - palavra, honra e compromisso não devem ser

quebrados sob pena de se enfrentar sanções legais, morais e religiosas.

78
''O Provérbio é um comprimido gue anda de boca em boca": os sujeitos e os sem tidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveíra Santos- 2004

Entretanto, em (1) não há a paráfrase de nenhuma dessas formas, mas uma nova

elaboração que imita a estrutura proverbial e se afilia argumentativamente a

julgamentos do senso comum, o que lhe garante o tom proverbial.

No caso, o Locutor põe em cena um outro enunciador (ao qual se opõe)

quando faz referência (e ao mesmo tempo lhe atribui) à falta de compromisso e de

justiça do govemo, em geral, e do presidente FHC, especificamente, para com os

nordestinos, considerando que este defendia em suas teses e livros a justiça e a

igualdade para com os desfavorecidos e desmente suas palavras quando

recomenda aos brasileiros a esquecerem o que havia afirmado antes. O Locutor

afasta-se do ponto de vista desse enunciador, afirmando pertencer a "uma

sociedade apegada a rígidas tradições" que valoriza o cumprimento dos

compromissos assumidos- ou seja, assim como o Locutor o apresenta, FHC não

se mostra de acordo com tais princípios tão caros à sociedade.

Em (5) vemos uma proverbialização ralativa à lendária lógica de Robin

Hood (E 0): "tirar dos ricos para dar aos pobres". O próprio Locutor faz referência a

isto em sua argumentação. Entretanto, além da referência ao dito (Eo), é sugerido

um funcionamento inverso (E1), produzindo o que Grésillon & Maingueneau

chamam de estratégia de subversão da fonna: "uma lógica de Robin Hood ao

inverso: os pobres financiam os mais ricos" (E1). A forma cristalizada (Eo) remonta

a idéia de igualdade entre ricos e pobres: justiça. A proposta, que subverte a

forma, raforça a idéia de injustiça (tirar dos pobres e dar aos ricos (E;)), ou seja,

aumentar ainda mais a desigualdade já existente. No texto, tal enunciador

subversivo é atribuído ao ponto de vista político adversário ao do Locutor,

79
~-o Provérblo é um comprimido q1.le anda de boca em boca'': os: sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
enfatizando o descompromisso e a crueldade do governo para com os pobres.

Posição a que o Locutor se opõe e não quer como sua.

Podemos ainda reconhecer proverbializações de sentenças bíblicas

cristalizadas (Eo) que foram parafraseadas (E1) no texto. Em (8) reconhecemos

"Não cometer os erros do passado", "Não cair em tentação" e em (9 e 10) "É

dando que se recebe", "Quem dá aos pobres, empresta a Deus". Mais uma vez,

faz-se uso do julgamento coletivo em favor da caridade, justiça e bondade

influenciada pela autoridade bíblica/divina como princípios a serem seguidos. O

Locutor evidencia a postura inversa tomada pelo governo que é a de, ao contrário

do que havia prometido, repetir SIM os erros do passado, uma vez que FHC

"procedeu da mesma forma como a maioria esmagadora de seus antecessores":

alimentando investimentos sem planejamento nem obras e desprezando projetos

que diminuíssem vigorosamente os efeitos da seca e que criassem planos de

desenvolvimento efetivo para a região; e tomando cada vez mais dos pobres

(nordestinos) sem nada lhes restituir, para dar aos ricos (região su~Sudeste). A

referência é a atitude do governo que, como no passado, continuaria não se

importando com a região nordeste e retirando-lhes mais em tributos do que lhe

dando em investimentos e recursos.

Nessa primeira categorização, observamos a polifonia no funcionamento

enunciativo proverbial, focalizando as formas proverbializadas e parafraseadas. A

proverbialização já é (como vimos em Grésillon & Maingueneau a respeito do

Desvio), um E1 (enunciado mencionante) em relação a um Eo (enunciado

mencionado). Aqui a proverbialização parafraseada traz então um novo

80
•·o Provér'bio é um comprimido que anda. de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
deslocamento, incluindo novos enunciadores na cena enunciativa - enunciadores

com os quais o Locutor se identifica ou não. Esse funcionamento enunciativo

inevitavelmente mobiliza sentidos e os (re)produz.

b) Formas proverbiais parafraseadas:

2. Uma administração que se revelou madrasta para os nordestínos;

6. E o que a Sudene tem a ver com Sudam;

Nos enunciados acima, também observamos o funcionamento enunciativo

proposto por Grésillon & Maingueneau sobre o Desvio Mílítante referente à

estratégia de captação no nível 2, ou seja, das fonnas proverbiais fixas ou o

provérbio atestado. Nestes enunciados, as formas proverbiais foram

parafraseadas, misturando a voz dos enunciadores coletivos dos provérbios às

palavras do Locutor, sem deixar escapar é claro o sabor de "verdade" que lhes é

peculiar. Para cada enunciado proverbial (E1) destacado, podemos reconhecer

algumas formas proverbiais (Eo) a eles subjacentes, por exemplo: (2) "A sorte não

lhe foi mãe, foi madrasta" ou "A vida não lhe foi mãe, foi madrasta" que focaliza o

argumento trágico/religioso de um malogrado destino. Nesse caso, a paráfrase

feita no enunciado sai de um campo mais amplo (a sorte, a vida) e vai para um

campo específico que destaca a administração do governo (FHC) sendo madrasta

para com o nordestino. Lembrando que, no caso, os lermos mãe e madrasta se

tomam antagônicos opondo bondade-cuidado à maldade-crueldade o que já

81
4
'0 Provérblo é um comprimído que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

constitui dentro da fonna proverbial fixa (Eo) enunciadores distintos. A paráfrase

estabelecida nos enunciados proverbiais destacados mistura às palavras do

Locutor o estatuto coletivo da justiça e se opõe ao ponto de vista criticado (o de

FHC), enfatizando-lhe os aspectos negativos da falta de compromisso, injustiça e

crueldade.

E em (6) raconhecemos uma fonna proverbial fixa (Eo) que remete ao chulo

e ao burlesco "E o que o cu tem a ver com as calças" (ou ainda mais

eufemisticamente: "E o que o urubu tem a ver com as alças"), sendo parafraseada

(E 1) para reforçar enfaticamente que o fato de duas coisas estarem aproximadas,

não obriga que uma tenha necessariamente a ver com a outra. Ou seja, a Sudene

e a Sudam são superintendências independentes o que não justifica que o

governo extinga uma (a Sudene) por ocorrência de corrupção na outra (a Sudam).

Além do que, como critica a Senadora, o próprio fato de ocorrência de corrupção

em um órgão não justifica a extinção do mesmo, esta não seria a medida mais

adequada de punição, ainda mais sendo órgãos tão importantes para o

desenvolvimento da região.

Mesmo através da estratégia de Captação no nível 2, em que não há

subversões ou contradições da direção argumentativa cb Eo, o desvio que pode

ser percebido nas paráfrases (E1) desses enunciados proverbiais também aponta

para deslocamentos e (re)produção dos sentidos ali mobilizados.

c) Enunciados relativos a expressões cristalizadas:

82
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação prover'olal
Mônica Oliveira Santos- 2004

3. A região nordestina é um poço sem fundo;

4. Dar um fím a essa sangria;

Nestes enunciados, flagram-se expressões fiXas e cristalizadas que foram

contextualízadas na cena enunciativa. Respectivamente temos, (3) "poço sem

fundo" e (4) "sangria" I "sangria desatada" que são referências a situações

desesperadoras, problemas sem solução, sem fim. O Locutor põe em cena pontos

de vista de enunciadores distintos que se contrapõem e enfatiza negativamente

aqueles pontos de vista com os quais não se identifica. A Senadora atribui a FHC

aspectos, postos em sua argumentação como negativos, como a crença na ''farsa

tão divulgada por influentes formadores de opinião do Su~Sudeste" de que o

Nordeste seja um "poço sem fundo", um problema sem solução para o qual o

envio de recursos é um mero desperdício causador de prejuízos para o país. Ela

conclui seu argumento pondo na boca do discurso adversário a proposta de por

um fim à "sangria", relacionando a situação da região Nordeste com uma "sangria

desatada" (desperdício de sangue, vida I de dinheiro, de recursos) que precisa ser

estancada com a extinção da Sudene. Na argumentação da Senadora, essa

atitude revela, outra vez, o descompromisso e a injustiça apontados na atitude do

governo.

Ao contrário das proverbializações do item (a), que se incluíam no nível 1

do desvio militante por subversão ou captação, podemos visualizar os enunciados

do item (b) e (c) dentro da classificação referente ao desvio militante no nível 2 por

83
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
captação, aquele que se refere ao desvio de provérbios atestados, provérbios

reconhecidos como tais.

d) Formas proverbiais fixas:

7. Como se diz no meu Sergipe, é juntar-se a fome com a vontade de comer;

No enunciado acima, temos a estrutura de citação de uma forma proverbial

fixa (Eo), a estrutura do discurso direto: "como se diz", "como diz o ditado", -

especificamente o povo de Sergipe, seu eleitorado - ("é juntar a fome com a

vontade de comer"), remetendo o dito ao povo, ao saber popular que é

reconhecido e aceito por "todos". O Locutor põe em cena a voz coletiva do

enunciador do provérbio coadunada àquele ponto de vista com o qual quer se

identificar, referindo-se ao fato de o governo aproveitar o escândalo da corrupção

na Sudam e usar isso como pretexto para extinguir também a Sudene, privando a

'tão sofrida região Nordeste" dos poucos recursos que lhe são destinados. Esse

ponto de vista que passa como indigno aos olhos do povo, do Nordeste, do SEU

Sergipe, e também indigno aos seus olhos, é o ponto de vista de outro enunciador

posto em cena ao qual o Locutor se opõe.

Entre todos os enunciados que elencamos, apenas um, o (7), poderia ser

considerado como menção no discurso citado. Mesmo assim, não podemos dizer

que por ser uma clara citação proverbial, ela não rompa com o lugar da

estaticidade. Afora o texto fiXo da citação proverbial, a estrutura de discurso direto

84
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

identifica uma descontinuidade e detennina um novo sentido para a enunciação. A

senadora diz: "Como se diz no meu Sergipe:" e não "Como diz o ditado:", "Como

diz o outro:", "Como diz o doido:", "Como diz o povo:"... ou mesmo "Como se diz

no Sergipe:". Com isso ela identifica um lugar, o Sergipe, uma coletividade. E se

identifica como pertencante a este lugar, que por acaso diz respeito à região

Nordeste, que ela está defendendo em seu proferimento parlamentar.

Grésillon & Maingueneau ativeram-se apenas à descrição do

funcionamento daquilo que chamaram de Desvio na enunciação proverbial, eles

não desenvolveram nada em relação à citação do provérbio em sua fonna fixa

(não "desviados"), além do comentário, a partir de Berrendonner, sobre o

provérbio se enquadrar entre os fenômenos de menção. Em nosso trabalho,


estaremos explorando os possfveis funcionamentos enunciativos proverbiais que

aparecerem nos recortes destacados, e não só o que os autores chamaram de

desvio. Aliás, para nós o termo desvio talvez nem fosse o melhor para tratar a

enunciação proverbial, por parecar pejorativo, negativo, quando para nós este

funcionamento enunciativo é extremamente rico e produtivo. Mais que classificar

os tipos de desvio, nossa preocupação é tentar lidar com o conceito de

Enunciação Proverbial enfatizando os seus diferentes funcionamentos, e é claro,

longe da pretensão de tentar exauri-los numa categorização minuciosa. Para as

nossas análises, consideramos tanto os enunciados proverbiais citados

diretamente, quanto as diversas paráfrases com fonnas invertidas, subvertidas,

pervertidas, divertidas...

85
"O Provérbio é um comprimido que a.nda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial'
Mônica Oliveira Santos- 2004

Nos recortes acima, chamamos atenção para a incorporação dos ditos

populares cristalizados que "literais" ou parafraseados ganham sentidos

(ra)produzídoslínterpretados pelo Locutor no seu funcionamento discursivo. Como

vemos, em todos os enunciados, o provérbio é incorporado ao dizer do Locutor

que lhe atribuí um sentido partilhado entre uma memória (discursiva

historicamente consagrada aos domínios da coletividade) e um acontecimento

atual que subjetiva e identifica o sujeito e a questão. Nesse funcionamento,

sobrepõe-se a tensão polifõníca entre as diferentes vozes que se manifestam nos

enunciados através de marcas subjetividade, ou da ausência delas, representadas

pelas figuras enuncíativas.

o pronunciamento parlamentar pela Senadora Maria do C. Alves tem uma

direção argumentativa jurídícolrelígíosa que prima por enfatizar por parte DELA I

DO POVO I DA VERDADE a justiça, a igualdade e o compromisso como

princípios a serem seguidos. Em contrapartida, enfatiza como atitudes DO

GOVERNO FHC a injustiça, a desigualdade, e o descompromísso pera com a

região Nordeste que mereceria maior atenção. O texto está recheado de

enunciados que ressaltam a expressão fina do senso comum a respeito desses

temas, ou seja, expressões que identificam o julgamento coletivo presente no

texto e apontam a direção argumentativa defendida pela Senadora. Vejamos os

enunciados mais relevantes relativos a tais temas:

- Justiça: (H) 'temos mais do que o dever: temos a obrigação de derrubar esse

atentado desrespeitoso contra os interesses das já tão discriminadas regiões

86
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveíra Santos- 2004

menos desenvolvidas do País", (I) "A região nordestina não deseja nem pleiteia

esmolas";

-Igualdade: (8) "renasceu a esperança entre os nordestinos";

- Compromisso: (C) "compromissos a favor de uma sociedade igualitária", (O)

"uma sociedade apegada a rígidas tradições";

- Injustiça: (G) '1ógica de Robin Hood ao inverso", (J) "a região nordestina

é um ônus para os brasileiros";

- Desigualdade: (F) "nossas esperanças não correspondiam à triste realidade";

- Descompromisso: (A) "falta de uma firme decisão política", (E) "quem não

assumia nem mesmo os compromissos escritos".

Essa direção argumentativa também pode ser recuperada em todo o texto,

como apontamos, através dos 10 enunciados proverbiais que foram elencados.

Como apontamos anteriormente, o texto apresenta enunciados com formas

proverbiais fixas, proverbializadas e parafraseadas que marcam o processo de

determinação/identificação do sujeito efetivando sentidos no acontecimento

enunciativo. As formas proverbiais cristalizadas, dotadas de certos valores de

verdade, possuem uma carga semântica historicamente determinada, porém, uma

vez incorporadas ao proferimento da Senadore, tais cristalizações são atualizadas,

constituindo o sujeito e delineando novos sentidos deslocedos, marginalizados,

(re)produzidos I (re)interpretados.

A estrutura formal do provérbio, em si, reforça uma pretensa

impessoalidade evidenciada por marcas de indeterminação como QUEM, SE,

87
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial~
Môníca Oliveira Santos- 2004

AQUELE, AQUILO etc. O pronunciamento da senadora Maria do C. Alves se

apropria dos valores cristalizados na enunciação proverbial e de seu estatuto de

verdade que acaba se estendendo a todo o discurso e misturando o dizer coletivo

à posição que a senadora quer também como sua no entrelace das "verdades" do

discurso religioso e jurídico da honra, da justiça e do dever. Percebemos que a

incorporação do dizer coletivo à enunciação (através de formas proverbiais)

viabilizou o movimento de determinação e de indeterminação através de marcas

enunciativas de subjetividade.

Vemos que o Locutor parece marcar uma subjetividade do/no dizer,

intervindo/parafraseando ou citando formas proverbiais, como: as

proverbializadas ("Tirar dos ricos para dar aos pobres" +"Os pobres financiam

os mais ricos" I "É dando que se recebe" + "O Nordeste tem dado mais à União

do que deía recebe'); as parafraseadas ("a sorte não lhe foi mãe foi madrasta" +
"Uma administração que se reveíou madrasta para os nordestinos') e as fixas

("Como se diz no meu Sergipe, é juntar-se a fome com a vontade de comer').

No caso das formas parafraseadas, notamos que se configura uma tensão

entre a voz individual e as vozes coletivas. Quando o Locutor parafraseia formas

proverbiais incorporando-as ao discurso sem que se fiem limites restritivos entre

um EU (individual) e um Enunciador-coletivo, ele, ao mesmo tempo, põe como seu

o discurso de uma coletividade e põe como da coletividade o seu discurso. Além

do que, o sentido cristalizado das expressões é atualizado, sofrendo

deslocamento, (re)produção - como vemos, no enunciado Os pobres financiam

os mais ricos, além da paráfrase que (re)produz/interpreta o seu sentido

88
fi ..OProvérbio é um comprinúdo que anda de boca em boca·•: os suje1tos e os sentidos no espaço daenuncíayão proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
cristalizado, há ainda um deslocamento/marginalização de sentido, causando uma

inversão do valor de verdade incutido nessa forma.

Quanto às formas proverbiais fixas incorporadas ao discurso, nelas o

Locutor não produz interferência ou paráfrase formal, mas o sentido cristalizado

não deixa de ser deslocado, atualizado e, portanto, (re)produzido/interpretado. A

forma fiXa: "Juntar a fome com a vontade de comer'' isoladamente observada,

aliás, como todos os provérbios e expressões cristalizadas, não está presa a um

sítio significativo específico. Na verdade, tais formas podem ser encaradas como

'coringas' que são atualizados na estrutura e no funcionamento enunciativo, só

então, efetivando sentido. Portanto, uma vez incorporadas essas formas são

subjetivadas na linguagem26 •

Gostarfamos ainda de observar, no texto, marcas formais de

determinação/indeterminação que vêm a corroborar o movimento tenso de

presença e ausência de marcas de subjetividade entre o individual e o coletivo.

Vejamos algumas dessas marcas:

(I) a senadora se inclui em primeira pessoa do singular e do plural (EU/NÓS)

quando enuncia: "logo após levarmos um susto que deixou a lodos nós,

Nordestinos, estupefatos", "talvez por sermos originários de uma sociedade

apegada a rígidas tradições", 'fomos descobrindo que nossas esperanças não

correspondiam à triste realidade", "A sudene é um símbolo para nós nordestinos'',

" O próprio inserir do provérbio no discurso já marca a identificaçãolsubjetivação no sentido


proposto por Orlam:li (1996) para esse processo de subjetivação em que o sujeito pode identificar-
se ou não com aquilo que ele é. O sujeito se subjetiva porque ele se identifica com um sentido e
não com outro e a subjetividade observada desloca-se do EU para a própria linguagem. Sobre
esse assunto refletiremos mais profundamente no capítulo seguinte a partir das concepções
desenvolvidas por Pêcheux (1983) e Orlandi (1996).

89
II ..OProvérblo é um comprimido que anda de boca. em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbia1 J
li Mônica Oliveira Santos- 2004 I

e "Como se diz no meu Sergipe''- as marcas EU e NÓS identificam enfaticamente

a sua condição de nordestina e também de ficar assustada e estupefata com as

atitudes do governo, de ter princípios e tradições rígidas, de ter as esperanças não

correspondidas e de ser pertencente/pertencendo ao/o Sergipe (estado

nordestino);

(11) a Senadora põe em terceira pessoa (ELES/ELA) os brasileiros I a nação

brasileira nos enunciados: "recomendou aos brasileiros que esquecessem" e "o

Nordeste deu mais do que recebeu à nação brasileira" - as marcas ELES I ELA

dessubjetivam a posição pessoal da Senadora como brasileira em oposição à sua

enfática posição de nordestina;

(111) a Senadora também se coloca em primeira pessoa do plural (NÓS) quando

enuncia: "Nós Parlamentares do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste"- a marca

NÓS dessa vez não diz respeito à condição de nordestina, mas a de Parlamentar

e não só do Nordeste, mas também do Norte e Centro-Oeste. Ora a senadora se

identifica com o NÓS-nordestino 27 (coletividade representada por ela no

congresso), ora com o NÓS-Parlamentar (como porta-voz representante de uma

coletividade); e

(IV) a senadora põe em terceira pessoa (ELE) e numa forma impessoal (QUEM) o

presidente da república (FHC) nos enunciados: "Sua excelência recomendou aos

21
Destacamos ainda o trabalho de Zoppi-Fontana, (1997) a respeito do Nós polftico no discurso
alfonsinísta, definindo o 'porta-voz": "a relação de "diálogo" se estabelece entre o eu = presidente
ou o nós = governo-administração (NÓS exclusivo) e o vocês = povo... Nessa relação de "diálogo"
o a!ocutáno é representado como um conjunto tota/izador e uniforme, o que se manifesta
lingüisticamente at-avés da operação de determinação... É esse apagamento das reais (ou
potenciais) diferenças que dividem o conjunto dos alocutários, que permite a reformuiação
parafrástica de "povo" (sujeito coletivo uno e indiviso) ... por "vocês" (todos = soma de indivíduos)."
(Zoppi-Fontana, 1997: 88).

90
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espayo da enunciação proverbial
M6níca Oliveira Santo3- 2004
I
brasileiros que esquecessem do que ele havia afirmado", "quem não assumia nem

mesmo os compromissos escritos" - as marcas ELE I QUEM enfatizam o

distanciamento que se deve marcar E!'ltre as posições pessoais evidenciadas no

texto e aquelas que a esta se opõem. Tais marcas têm um papel importante para

determinar as posições postas como pessoais de justiça, igualdade e

compromisso da Senadora em oposição àquelas que marcam o discurso

adversário do governo, sem esquecer das que marcam a oposição Nordeste I

Brasil.

A partir do que observamos aqui, gostaríamos de ressaltar ainda que a

enunciação proverbial, como dissemos, evidencia o movimento que marca

continuamente a aproximação e o afastamento do Locutor em relação ao nível de

responssbilidade pela enunciação, o que caracteriza a dualidade em sua

enunciação individual e coletiva, mas estas questões serão especificadas e

aprofundadas no capítulo que se segue.

91
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

92
~·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004

lingüística da voz coletiva determinada sócio-histórico e ideologicamente. Quando

essa forma proverbial isolada é incorporada à enunciação, tem-se a incorporação

de uma matelialidade lingüística dentro de outra. É o que destacamos na

Enunciação Proverbial, em cujo jogo enunciativo, Enunciadores individuais e

coletivos vão se misturar e confundir numa representação de movimentos difusos.

Trata-se de um duplo movimento: se por um lado, o Locutor que incorpora ao seu

enunciado o provérbio está (re)produzindo!ínterpretando o "já dito" e efetivando

sentidos, colocando-se como responsável por um dizer, por outro lado, ele

também está se colocando num lugar de comunhão com o que "diz'' uma

coletividade 29 o que marca um distanciamento da total responsabilidade por

aquele dizer.

Nesse capítulo, destacaremos a Enunciação Proverbial como uma

enunciação coletiva. Centralizaremos o olhar em aspectos como, a divisão do

Locutor na "Cena Enunciativa"; a materialidade discursiva do provérbio:

transparência x opacidade; a noção de Acontecimento relacionada à Enunciação

Proverbial; e a questão dos sujeitos e dos sentidos (re)produzidos nesse

funcionamento enunciativo, cujo movimento duplo de aproximação/distanciamento

do Locutor se caracteriza por uma tensão I confusão entre o individual e o coletivo,

sem que se firme um limite entre um e outro.

" Nesse lugar, poderíamos chamar a atenção para o "Sujeito múltiplo" ou "Sujeito Coletivo" como
propõe P. Henry, (1992). Para ele, tanto a Forma-sujeito ('sujeito coletivo") como o conceito de
ideologia resistem a qualquer redução a um sistema de idéia ou representação individual. A
identificação entre sujeito e indivíduo ( ..) é a base de uma concepção teónca de uma subjetividade
natural e irredutivelmente indiwdual (. ..) que é aquela do campo da com{iementandade (...) O
desenvoMmento das lutas de classes ( .. .) teve por coro/áno o desenvolvimento no intenor das
ideologias dominantes, mas rompendo com elas, as formações ideológicas, "polfticas", nas quais
as posições da classe operána estão representadas, ( ...) estão constituídas em tomo de uma
forma-sujeito, a do "sujeito cdel.ivo" que rompe com a forma-sujeito constitutiva das práticas
burguesas. (Henry, 1992:138).

94
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

1.1- Sobre a Enunciação Coletiva e o Dizer Proverbial

Podemos distinguir aqui dois tipos de provérbio 30 que nos servirão de ponto

de partida: os provérbios com marcas de subjetividade - que apresentam na

sua estrutura marcas formais determinadoras de subjetividade como os pronomes

e dêiticos em geral que envolvem a primeira pessoa, (por exemplo: "Faça o que .rui

digo, mas não faça o que ~faço", "Quando você vinha com milho, eu já voltava

com o fubá"); e os provérbios sem marcas de subjetividade - que reforçam o

caráter impessoal e anônimo, endossando o distanciamento entre o Locutor e o

dizer. Alguns elementos salientam a indeterminação, como os pronomes e

dêiticos, em geral, que envolvem a terceira pessoa, (por exemplo: "Aqui ~faz,

aqui~ paga", "Aquele que não tiver pecados, atire a primeira pedra", "Quem tá na

chuva é pra se molhar"). Os pronomes que envolvem a primeira pessoa, também

por serem dêiticos, reforçam um efeito, de desdobramento, e de indeterminação

do Eu. o EU do provérbio é indeterminador (cf. Guimarães:1989) e sua referência


só pode ser apontada no acontecimento enunciativo.

Estes dois tipos de estrutura proverbial, como dissemos, evidenciam o

movimento que marca continuamente a aproximação e o afastamento do Locutor

em relação ao nível de responsabilidade pelo dizer, o que caracteriza formalmente

uma dualidade entre os enunciadores individual e coletivo. Se por um lado, a

30
t: importante salientar que consideramos o gênero proverbial por demais diversificado e não nos
interessam aqui categorizações para organizar e sistematizar tal variedade. Essa classificação em
dois tipos que propomos acima só faz-se necessária em função dos nossos objetivos de
investigação.

95
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Olíveira Santos- 2004

estrutura proverbial mais típica, que marca a indeterminação pessoal, enfatiza (em

nossa opinião, a tentativa de) uma divisão entre o dizer individual e o coletivo; por

outro lado, a estrutura com marca de determinação subjetiva enfatiza o

envolvimento/mistura do dizer do Eu com o dizer da Coletividade.

Em nossa opinião, tanto a determinação subjetiva como a indeterminação

pessoal estão afetadas por um simulacro de continuidade entre individual e

coletivo. É como se o pensamento do EU, tornando-se comum ao pensamento da

Coletividade, de uma pretensa totalidade, (no estilo silogístico A maioria tem

sempre razão, e "se o que eu penso está de acordo com a maioria é porque estou

com a razão"), fosse elevado a um patamar maior de "razão", de "verdade".

Estamos tomando como Enunciador-coletivo aquele do enunciado

proverbial. Esse movimento de determinação e indeterminação subjetiva flagrante

na Enunciação Proverbial suscita um desdobramento do Locutor, que se pode

chamar de dizer coletil.o, ou "Enunciação-coletiva"'. É claro que este Enunciador-

coletivo não está restrito apenas aos provérbios, pois abrange também outros

gêneros como: advinha, cantos de torcida de futebol, piadas, slogans etc. como

propõe um estudo de L Gándara (1997). Nesse sentido, não queremos perder de

vista um certo efeito enunciativo que é o de deslizamento simultâneo do individual

para o coletivo, para dentro e para fora um do outro.

Para aprofundar essa discussão, retomemos as reflexões de Guimarães

(2002) sobre a "cena enunciativa" e a "divisão do Locutor'', ou seja, a disparidade

do Locutor a si. Para Guimarães, sem essa disparidade não pode haver

enunciação. O autor propõe que a

96
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boc'õt': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial!
1'...1ôníca Oliveira Santos- 2004

representação de origem do dizer, na sua própria representação de unidade e de


parâmetro do tempo se divide porque para se estar no lugar de L [locutor] é
necessário estar afetado pelos lugares sociais autorizados a falar, e de que modo,
e em que língua (enquanto falantes). Ou seja, para o Locutor se representar como
origem do que enuncia, é preciso que ele não seja ele próprio, mas um lugar social
de locutor ( ...) A este lugar social do locutor chamaremos de iocutor-x. onde o
locutor (com minúscula) sempre vem predicado por algo que a variável x
representa (presidente, governador, etc). Assim é preciso distinguir o Locutor do
lugar social do locutor, e é só enquanto ele se dá como lugar social (locutor-x) que
ele se dá como locutor. Ou seja, o locutor é díspar a si. Sem essa disparidade não
há enunciação. (Guimarães. 2002: p24).

Nessa perspectiva, o autor acrescenta que a cena enunciativa coloca em

jogo, de um lado, os lugares sociais do locutor (locutor-presidente), e de outro, os

lugares de dizer que ele chama de enuncíadores e os distingue em indiVidual,

genérico e universal. Para apontar que o sentido da enunciação é produzido por

essa divisão, Guimarães dá como exemplo um possível enunciado em que o

presidente da república dissesse "Quem semeia vento colhe tempestade';

comentando uma ação política da oposição. ou seja, o Locutor estaria dividido

entre um locutor- X= locutor-presidente que fala do lugar de enuncíador-genéríco.

Conforme Guimarães,.

Uma enunciação como essa, ao produzir esta nova divisão do locutor, produz
sentidos como "o presidente ameaçou a oposição, acusou a oposição de
semear vento, discórdia, etc", a partir de um dizer que não é só seu, mas é de
todos. O locutor-presidente toma o enunciador-ganérico como argumento para
si. A sua voz é como a voz de todos, por isso ele fala com razão. E este
enunciador-genérico produz aí o efetto de que ele não fala como presidente mas
como um todos, do povo. (Guimarães, op.cit.: p29).

Para nós, essa reflexão sobre a disparidade do Locutor a si é muito

pertinente, do ponto de vista do desdobramento do Locutor na enunciação.

Entretanto, deveremos nos deter um pouco mais acerca dos enunciadores

97
HOProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca'): os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 J

propostos pelo autor, sobretudo, o enunciador-genéríco que ele atribui ao

enunciado proverbial. Cumpre-nos salientar que o autor não se propôs, pelo

menos nos trabalhos aqui mencionados, a tratar da enunciação proverbial, ou

mesmo do gênero proverbial. Mas, como o provérbio aparece como exemplo para

essa categoria de enuncíador-genérico trabalhado por Guimarães, tal discussão

toma-se relevante para nosso estudo.

Em "Texto e Argumentação", Guimarães (1987:22) apresenta a noção de

enuncíador-genéríco relacionada ao discurso cotidiano do senso comum. Como

mencionamos no capítulo anterior, o autor diz que o enunciado "Água mole em

pedra dura tanto bate até que fura" representa um L que fala da perspectiva do

senso comum e esta enunciação representa um enuncíador-genéríco. Mais à

frente, Guimarães afirma que:

E1 [Todo brasileiro joga bem] é um enuncíador que podemos tratar como um


enunciador-genérico (Egco) que - apropriando-nos de uma caracterização de
Berrendonner (1981) - podemos considerar como um enuncíador cuja
perspectiva é a de um conjunto razoavelmente indefinido de pessoas, que tem
em comum uma certa "a-ença" a propósito de um fato (Guimarães, 1987: p153).

Em Enunciação e Formas de Indeterminação IN "Vozes e Contrastes",

Guimarães (1989:48-49) apresenta uma organização de vozes que são

representadas como uma unidade no texto.

Esta organização das vozes no texto inclui uma representação dos


enundadores. Estes podem, no sentido do enunciado, ser, entre outros:
a) um enuncíador individual, que pode ou não coincidir com o locutor (L ou Lp)
(Ducrot, 1980, 1984);
b) um enuncíador genérico [Berrendonner] que é a representação da voz do
senso comum e traz para o texto as crenças historicamente constituídas;

98
il ..O Provérbio é um comprirr,ido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
11 Mônica Oliveira Santos- 2004

c) um enunciador, universal. [Perelman] que é a voz que se apresenta como


se os fatos falassem por si e que, portanto, podem ser enunciados por todos e
por cada um - é, em geral, o enunciador representado, por exemplo. no
discurso científico e filosófico;
d) poderíamos também pensar num enunciador coletivo". que representaria a
voz de uma comunidade especificada. Seria o caso de um enunciador cuja
perspectiva é a do conjunto de pessoas na quallp se insere. (Guimarães. 1989:
48-49).

Em "Semântica do Acontecimento", Guimarães (2002) retoma três desses

enunciadores, excluindo o enunciador-coletivo. Ele redefine os três outros

enunciadores da seguinte maneira:

O enunciador-individual, enquanto um lugar de dizer, traz um aspecto


específico para isto que estamos chamando lugares de enunciação. É a
representação de um lugar como aquele que está acima de todos, como aquele
que retira o dizer de sua circunstancialidade. E ao fazer isso representa a
linguagem como independente da história. Um outro lugar ce dizer, que se
apresenta como o apagamento do lugar social, é o do enunciador-genérico.
Pensemos aqui em ditos populares como "Quem semeia vento colhe
tempestade". Neste caso o Locutor também simula ser a origem do que aqui se
diz. Mas o que aí se diz é dto, não de um lugar indrJidual. independente de
qualquer contexto, mas é do lugar de um acordo sobre o sentido de repetir o dito
popular. O que se diz é dito como aquilo que todos dizem ( ... ) Ainda um outro
caso. Quando se faz uma afirmação sem qualquer modalização como "Todas as
pessoas morrem", o enunciador ( ...) apresenta-se como quem diz algo
verdadeiro ( ...) um lugar de dizer que se apresenta como não sendo social,
como estando fora da história, ou melhor, acima dela ( .. .) O enunciador-
universat" é um lugar que significa o Locutor como submetido ao regime do
verdadeiro e do falso. Este é o lugar próprio do discurso científico, embora não
seja exclusivo dele. (Guimarães, 2002: p25-26).

Apesar do autor ter considerado o enunciador-co/etivo em 1989 ele não o

retoma em 2002. Como vemos, Guimarães atribui mesmo ao enunciado proverbial

um enunciador-genélfco. Aqui, especificamente, nos afastamos do que pensa este

autor, por acharmos que a enunciação proverbial é caracteristicamente um tipo de

enunciação coletiva. Especialmente por ela, via de regra, remeter a coletividades

31
O grifo é nosso.
32
O grifo é nosso.

99
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
1\1ônica Oliveira Santos- 2004

distintas, não podendo, portanto, atender a um uso totalmente genérico, embora,

muitas vezes, se preste a simular isto em função do efeito de autoridade e

universalidade que pretende, uma vez que a noção de coletividade se torna

particular em relação à de genérico e universal.

Para melhor explicitar o nosso ponto de vista, ressaltaremos aqui uma

pontual distinção que percebemos entre Guimarães e Grésillon & Maingueneuau a

respeito do enuncíador-genérico, admitido para aquele e negado por estes.

Grésillon & Maingueneuau (1984) enfatizam que o estatuto "genérico" da

figura do enunciadorestá totalmente equivocado, (salvo em relação a um presante

genérico, "uma realização zero", como se tem em "a noite é boa conselheíra"e "tal

pai, tal filho" que possuem uma referência mais direta). A referência de grupos

nominais como "gato escaldado tem 'medo de água fria", "a ocasião faz o ladrão"

apontaria para classes (coletivas) referenciais e não para qualquer indivfduo

(singular ou generalizado), ou seja, apontaria, respectivamente, para a classe

daqueles que não querem arriscar por temerem os danos de uma malograda

experiência anterior, e para a classe dos que se aproveitam arriscadamente de

uma situação por esta se mostrar amplamente convidativa.

Concordamos inteiramente com os autores aqui, e para explorarmos um

pouco mais essa discussão, retomamos a relação feita por Oucrot e Anscombre

üá citados anteriormente) sobre os provérbios como o reservatório de topói de

uma língua. Assim como há topói contraditórios que apontam para direções

argumentativas opostas, há provérbios que se opõem argumentativamente

("Quem tem boca vai a Roma", "Em boca fechada não entra mosca"). Isto se dá,

100
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeítos e o.s sentidos no espaço da enunciação proverbial.
Mônica Oliveira Santos- 2004

entre outras coisas, por que os topói, como os provérbios, representam

coletividades 33 (classes) diferentes de enunciadores que por vezes se opõem. O

provérbio, supostamente sob a égide de uma autoridade indiscutível ("a sabedoria

das nações"), se separa, então, da masse dos enunciados genéricos, e se

diferencia graças a sua estrutura impregnada da contingência. (cf. Grésillon &

Maingueneau, op.cit.: 113-114). Vejamos como os autores exemplificam isso:

Supposons qu'au cours d'une discussion entre chrétiens quelqu'un énonce avec
une inlonation spécifique une phrase du Christ, sans en indiquer la source mais
en pensant bien qu'elle sera reconnue (aux deux sens du mot) par sés
allocutaires. Ce faisant, il s'efface en tant qu'agent vérificateur derriére un
Énonciateur suprême, qui Bit autorité dans la collectivité concemée _ Mais si
l'on sort de cette collectivité34, ce seronl d'autres autorités qui auront cours; de
ce fait, on comprend mieux à quoi tient le caractere remarquable du proverbe.
(Grésillon & Maingueneau, op.cit: 114).

Para encerrar esta sessão, gostaríamos de chamar atenção para um

trabalho que nos é especialmente caro. Em "O Discurso - Estrutura ou

Acontecimento~ Michel Pêcheux (1983) analisa o enunciado coletivo político

"On a gagné" ["Ganhamos."], que se refere ao acontecimento de François

Mitterand ter ganhado as eleições presidenciais na França em maio de 1981.

Pêcheux traça um percurso através da relação entre os universos logicamente

estabilizados e o das formulações irremediavelmente equívocas, refletindo sobre

a materialidade da língua. O autor deixa claro que ao analisar um discurso,

partimos da interpretação que se coloca, sem deixar de lado outros lugares de

33
Podemos citar ainda a distinção entre os nomes gerais e os nomes coletivos proposta por J. S.
Mil! (1866i84:89-105), em que o filósofo concebe nomes gerais os que podem ser predicados de
cada indovlduo de uma multidão, e nomes coletivos os que não podem ser predicados de ceda
individuo separadamente. mas só se tomados em conjunto. (Cf p95-96).
34
O grifo é nosso.

101
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbíalJ
::Mônica Oliveira Santos- 2004

interpretação, pois todo enunciado, toda seqüência de enunciados é

lingüisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada)

de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação. Ele analisa o

enunciado 'On a gagné" e a partir dele, as considerações a respeito do

acontecimento, da estrutura, da tensão entre descrição e interpretação no interior

da Análise do Discurso (AO). Por essa via, o autor propõe que analisar a estrutura

enunciativa requer investigar o seu acontecimento, observando o encontro de

uma atualidade e uma memória, num determinado campo discursivo. Pêcheux

mostra que:

A materialidade discursiva desse enunciado coletivo é absolutamente particular:


ela não tem nem o conteúdo nem a forma nem a estrutura enuncialiva de uma
palavra de ordem de uma manifestação ou de um comício polttico. "On a
gagné", cantado com um ritmo e uma melodia determinados (on-a-ga-gné/dó-
dó-sol-dó) constitui a retomada direta, no espaço do acontecimento político. do
grito coletivo dos torcedores de uma partida esportiva cuja equipe acaba de
ganhar. Este grito marca o momerto em que a participação passiva do
espectador-torcedor se converte em atividade coletiva gestual e vocal.
materializando a festa da vitória da equipe, tanto mais intensamente quanto ela
era mais improvável. (cf. Pêcheux, 1983: 21).

Acima, Pêcheux relaciona a participação da equipe com o efeito de

coletividade. É comum que o enunciado colel~Io produza um efeito de

generalização/homogeneização nos interlocutores. Mas, trata-se apenas de um

efeito e na descrição do analista esse efeito se apaga (este precisa estar atento

para não ser "pego" por esse simulacro). Assim como Pêcheux encarou o

enunciado "On a gagné" como coletivo, nós pensamos a enunciação proverbial

como uma enunciação coletiva por sua estrutura e seu acontecimento (memória e

atualidade). Como já adiantamos, a reflexão acerca da Divisão do Locutor e a

discussão sobre o desdobramento e deslizamento mútuo entre um enunciador

102
.. O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
individual e coletivo é interessante para nós. Nosso interesse nessa discussão a

respeito dos lugares de enunciação e, mais especificamente, da enunciação

coletiva proverbial é primordialmente o de reforçar a discussão acerca da

constituição do sujeito social interpelado pela ideologia dominante que (des)ocupa

posições subjetivas, (re)produzindo transfonnando sócio-historicamente

dominantes.

1.2 -A Materialidade Discursiva do Provérbio: Opacidade x Transparência

Gostaríamos de refletir aqui sobre a materialidade discursiva da enunciação

proverbial e sua relação com o par conceitual, Transparência e Opacidade,

advindo dos campos teóricos da Semiótica e Teoria Líterária 35 (e da filosofia

clássica grega, se quisennos ir mais além). Para fazermos jus à caracterização

mais típica desse par conceitual, lembremos da "metáfora da janela" que tão

utilmente o simboliza: se olhannos através do vidro transparente de uma janela,

fatalmente centralizaremos nossa atenção na paisagem que pode ser vislumbrada

através do vidro; se esse vidro for colorido, desenhado, opaco, desviará os nossos

olhos da paisagem para a sua própria forma, beleza, estranheza... e não

centralizaremos nossa atenção na paisagem, pelo menos não apenas. O vidro da

35
A Lógica e a Filosofia da linguagem (Quine, Camap, Leibniz etc) também mobilizam esse par
conceitual, caracterizando contextos flngüísticos. como extensionais ou transparentes. e não
extensionais ou opacos. Há ainda uma Ltilização pragmática do par conceitual que difere os atos
de fala diretos (transparentes) e indiretos (opacos). Mas preferimos prescindir desta conceituação,
em favor daquela que se votta ao signo e à poeticidade. As primeiras reflexões em favor da
verdade, da informação voltam-se à transparência, colocando a opacidade como um desvio da
verdade, uma incompletude, uma obscuridade. Por isso, preferimos o posicionamento semiótico e
literário que (guardadas as devidas proporções teóricas) garantem à opacidade a cor, o brilho, a
beleza, e a possibilidade dos sentidos múltiplos.

103
II ..OProvérbio é um comprim.ldo que anda de boca em boca'"; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbiaJ 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

janela seria a linguagem. A paisagem vista através do vidro transparente diria

respeito à informação referenciada pela linguagem transparente, e o vidro opaco,

ou seja, não transparente, chamaria a atenção sobre si mesmo: a estrutura e

funcionamento do discurso.

Para sistematizar um pouco mais esse par conceitual transparência I

opacidade, no funcionamento enunciativo proverbial, é válido retomarmos a

abordagem do lingüista R. Jakobson (1960/1971) sobre as funções da linguagem

Referencial e Poética, centralizadas respectivamente nos fatores de comunicação

Contexto e Mensagem, que para nós podem ser relacionadas ao par conceitual

em questão. O autor, entre outros fatores de comunicação e funções da linguagem

a estes relacionadas, cita a função REFERENCIAL/denotativa centrada no

CONTEXTO - as referências informativas do(s) objeto(s) sobre o(s) qual(is) se

fala(m) no texto; e a função POÉTICA/conotativa centrada na MENSAGEM - a

arte verbal, o caráter palpável das palavras e seus signos em que o símbolo se

materializa. Para Jakobson a Função Poética causa um efeito de poeticidade

literária. Na linguagem não-literária tal efeito pode não ser exatamente poético,

mas é plástico: chama a atenção para si e redimensiona os sentidos. Poderíamos

relacionar Função Referencial com a transparência na linguagem e a Função

Poética com a opacidade na linguagem.

Mesmo partindo de uma ótica estruturalista, que opõe transparência e

opacidade na linguagem, garantindo o seu lugar referencial/transparente,

Jakobson já se desloca das posições tradicionais quando relaciona à opacidade

da linguagem um lugar de polissem ia:

104
!J ..0 Provérbio é um comprimido que anda àe boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004
I

O folclore oferece as formas poéticas de contorno mais nítido e estereotipado,


particularmente adequadas para o exame estrutural ( ... ) as tradições orais que
usam o paralelismo gramatical para ligar versos consecutivos, por exemplo, ( ...)
analisadas em todos os níveis lingüísticos- fonológico, morfológico, sintático e
lexical. ( .. .)Tais estruturas tradicionais, de contornos n~idos, podem dissipar as
düvidas de Wimsatt acerca da possibilidade de escrever-se uma gramática da
interação entre o metro e o sentido. (Jakobson, op.cit.:147).
Qualquer mensagem poética é, virtualmente, como que um discurso citado, com
todos os problemas peculiares e intrincados que o "discurso dentro do discurso·
oferece ao lingüista. A supremacia da função poética sobre a função referencial
não oblltera a referência, mas a toma ambígua. A mensagem de duplo sentido
encontra correspondência num remetente cindido, num destinatário cindido e,
além disso, numa referência cindida( ...) A capacidade da reiteração, imediata ou
retardada, a reificação de uma mensagem poética e de seus constituintes, a
conversão de uma mensagem em algo duradouro- tudo isto representa, de falo,
uma propriedade inerente e efetiva da poesia. (Jakobson, op.cit.:150).

Entre os possíveis funcionamentos enunciativos em que se verifica esse

efeito de poeticidade, essa opacidade lingüística com contornos nítidos,

apontamos o enunciado proverbial: tanto porque ele guarda fortes relações

formais com uma poeticidade 36 , como porque ele instaura regularidades entre o

metro e o sentido -o som deve ser um Eco do sentido (cf. Jakobson, op.cit.: 153).

Mas, a questão da opacidade na linguagem oferece mais elementos a respeito da

constituição dos sujeitos e dos sentidos do que R Jakobson poderia desconfiar,

pois a língua é penmeada de opacidades e, nesse sentido, a Análise do Discurso

francesa apresenta novos horizontes a respeito dessas questões.

Retomando Pêcheux (1983), vemos que, de modo geral, a constituição do

sentido e do sujeito inscritos na estrutura e acontecimento faz parte do processo

discursivo. No processo discursivo, a equivocidade dos enunciados os toma

opacos e põe-se em contraste com a pretensa transparência da linguagem do

"A forma proverbial sustentaria relações estreitas com a função poética jakobsoniana porque tem
a necessidade de estabilizar e de memorizar o enunciado (estruturas breves, simetrias fonéticas e
prosódicas), e mantém um tipo de estrutura binária de aproximação.

!05
11• 0Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
4

! I Mônica Oliveira Santos- 2004 I

ponto de vista lógico e estrutural. É importante salientar que com alguns

enunciados, essa transparência é opacificada profundamente no discurso e

materializada formalmente na/pela linguagem. É o caso do enunciado polftico por

ele analisado, "On a gagné", que ganha espessura semântica e que ele chama de

opaco, "profundamente opaco".

Esse acontecimento que aparece como o "global'~ da grande máquina


televisiva, este resuttado de uma super-copa de futebol polftico ou de um jogo
de repercussão mundial( ...) é o acontecimento jornalístico e da mass-media que
remete a um conteúdo sócio-polltico ao mesmo tempo perfeitamente
transparente( ...) e profundamente opaco( .. .) esta novidade não tira a opacidade
do acontecimento, inscrita no jogo oblíquo de suas denominações: os
enunciados. (Pêcheux, op. cit:20).

Podemos deslocar as noções de estrutura e acontecimento, bem como de

transparência e opacidade, aplicadas por Pêcheux ao enunciado ooletivo "On a

gagné'; para a enunciação proverbial (que também é coletiva) observada nesse

trabalho. A enunciação proverbial faz funcionar essa profunda opacidade.

Achamos que este tipo de enunciação também possui uma materialidade

discursiva profundamente peculiar e opaca, semelhante àquele enunciado que

Pêcheux analisou, uma vez que a equivocidade dos enunciados proverbiais já

raporta sua opacidade e que a sua própria formulação intradiscursiva chama a

atenção para si (e não para alguma infonnação que veicularia), impossibilitando-

os de ser transparentes. ou seja, a enunciação proverbial apresenta-se

profundamente opaca não só em sua materialidade discursiva (estrutura e

acontecimento), mas também em sua materialidade enunciativa, pois o enunciado

106
!I"OProvérbio é um compriJTIJdo que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação prover"bial I
!I Mônica OliveiraSantos-2004 I

proverbial permite a formulação/formalização material da exterioridade sócio-

histórico-ideológica.

É no acontecimento que o provérbio ganha sentido e que o sujeito se

constitui como autor. A afirmação de que o sentido e a autoria se efetivam no

acontecimento não vem trazer nenhuma nuance de originalidade a este trabalho,

dado que para a Análise do Discurso isto seja uma obviedade de todos os

acontecimentos discursivos. Mas, no caso dos provérbios, entre outros

funcionamentos mais plásticos da linguagem (piadas, ironia, expressões de duplo-

sentido, trocadilhos, jogos de palavras etc), tais enunciados têm uma

materialidade enunciativa sobrelevada por um funcionamento discursivo

impregnado de contingência: a materialidade enunciativa se destaca dentro da

materialidade discursiva. Isto nos impõe a pensá-la como um acontecimento

discursivo duplamente opacificado, diferentemente de outros acontecimentos.

Nessa perspectiva, destacamos ainda a reflexão de Pêcheux sobre a possibilidade

de existência de diferentes tipos de "real" 37 , e sobre a "análise da linguagem

ordinária":

Interrogar-se sobre a existência de um real próprio às disciplinas de


interpretação exige que o não-logicamente-estável não seja considerado a priori
como um defeito, um simples furo no real. É supor que (... ) possa existir um
outro tipo de real diferente dos que acabam de ser evocados ["o domingo do
pensamento1(. ..) Logo: um real constitubvamente estranho à univocidade lógica,
( ...)e que, no entanto, existe produzindo efeitos. (Pêcheux,op.cit:43).
Eu sublinharia o extremo interesse de uma aproximação, teórica e de
procedimentos. entre as práticas da "análise da r1nguagem ordinária" ( ... ) e as

37
Pêcheux (op.cit.:51) destaca a posição de Milner em "A Roman Jakobson ou le Bonheur par la
Simetrie" (in ordre et Raisons de Langue, Seul, Paris, 1982, p. 336): ''-nada da poesia é estranho
à língua.- nenhuma língua pode ser pensada completamente, se ai não se integra a possibilidade
de sua poesia".

!07
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca"; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial'
M6nica Oliveira Santos- 2004

práticas de "leitura" de arranjos discursivo-textuais. (. ..) Essa aproximação


engaja concretamente maneiras de trabalhar sobre as materialidades
discursivas, implicadas em rituais ideológicos, nos discursos filosóficos, em
enunciados políticos, nas formas cutturais e estéticas, através de suas relações
com o cotidiano, com o ordinário do sentido. (Pêcheux,op.cit:49).
[A] concepção aristoaática [estruturalista], se atribuindo de facto o monopólio do
segundo espaço (o das discursividades não-estabilizadas logicamente),
permanecia presa (...) à velha certeza elitista que pretende que as classes
dominadas não inventam jamais nada, porque elas estão muitas absorvidas
pelas lógicas do cotidiano: no limtte, os proletários, as massas, o povo ... teriam
tal necessidade vital de universos logicamente estabilizados que os jogos de
ordem simbólica não os concemiriaml (Pêcheux,op.cít:52-53).

1.3 -Sobre os Sujeitos e os Sentidos

Gostaríamos, ainda, de refletir sobre as noções de Sujeito e de Sentido

efetivamente necessárias para estas considerações. Na seção anterior,

relacionamos o acontecimento enunciativo com o acontecimento discursivo e

agora precisamos retomar questões relativas à produção de sentidos e abordar a

questão da subjetividade. Naturalmente, faremos uma abordagem breve, porém a

partir de autores importantes para a discussão, na linha de pensamento teórico do

Materialismo e da Análise do Discurso.

Foucault diz que a produção do discurso em toda sociedade é controlada,

selecionada, organizada e redistribuída por alguns procedimentos que "têm por

função, conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,

esquivar sua pesada materialidade." (Foucault, 1971/1996: 8-9). Entre alguns

destes procedimentos está o do AUTOR que, conforme Foucault, não se trataria

obviamente, do

individuo falante que pronunciou ou escreveu um texto, mas [d)o autor como
princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas
significações, como foco de sua coerência. Esse princípio não voga em toda

!08
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca. em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbiaJ
Mônica Oliveira Santos- 2004

parte, nem de modo constante: existem, ao nosso redor, muitos discursos que
circulam, sem receber seu sentido ou sua eficácia de um autor ao qual seriam
atribuídos. {Foucault, op.cít:26).

É o caso de documentos, decretos, contratos que não precisam de autor, mas de

signatário. O indivíduo que se opõe à uma escrita repetida de uma possível obra,

retoma a função do autor. (cf. Foucault, op.cit:28-9).

Segundo Orlandi (1996), a autoria está no uso corrente da linguagem. O

autor é um interpretante e não o sujeito do texto original. ':4 noção de autor é já

uma função da noção de sujeito, responsável pela organização do sentido e pela

unidade do texto, produzindo o efeito de continuidade do sujeito." (Orlandi,

1996:69). A autoria seria uma função enunciativa do sujeito que se realiza quando

o locutor se representa na origem do dizer, produzindo um texto com unidade,

coerência, não-contradição e fim. (cf. Orlandi, op.cit: 69). Em princípio, o sujeito é

historicamente determinado pelo lnterdiscurso (dispositivo teórico relacionado à

história e à memória constitutiva) - para que "minhas" palavras façam sentido é

preciso que elas já tenham sentido -, quer dizer, o indivíduo é interpelado em

sujeito e este não se concebe fora da história e da língua.

O sujeito tem necessidade de "dar" sentido face ao objeto simbólico que

pode significar pluralmente. A relação da autoria com os sentidos só se materializa

indiretamente pela Interpretação que é determinada pelas condições de produção

sócio-histórico-ideológica de sujeito e de sentido. Assim, "o dizível é o repetível",

não por ser o mesmo, mas por ser passível de Interpretação. Portanto, os sentidos

não pertencem às palavras, nem dependem só das "intenções" dos sujeitos, mas

estão relacionados à exterioridade e às condições em que são produzidos.

109
..O Provérbio é um comprimi à o que. anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
M6nica Oliveira Santos- 2004

Orlandi afirma que o sujeito está para o discurso (real), assim como o autor

está para o texto (imaginário). A relação do sujeito (posição) com o discurso

implica a dispersão, a descontinuidade, e a relação do autor (lugar) com o texto

implica a coerência, a organização, a unidade. "O autor é o sqjeito que, tendo o

domfnio de certos mecanismos discursivos, representa pela línguagem, esse

papel na ordem em que está inscrito, na posição em que se reconstitui, assumindo

a responsabilidade pelo que diz e como diz. "(Orlandi, op.cit:76).

Nesse sentido, a autora desvela a posição de sujeito que é representada

pela autoria, como uma função assumida pelo indivíduo no momento em que este

é assujeitado e interpelado pela exterioridade/ideologia, produzindo (ou

reproduzindo) um discurso pré-existente. Por essa ótica, Sujeito e sentido não se

separam, se constituem ao mesmo tempo - o indivíduo é constituído em sujeito

interpelado pela Ideologia. Por exemplo, a mídia (publicidade), via de regra, se

dirige a um ~que particulariza (efeito) a pessoa que assiste (o consumidor), ou

seja, um comercial de carro importado ou de sabão em pó etc., não atingem

indeterminadamente qualquer telespectador etc., na verdade esse você é um

"qualquer um" que individualiza e coletiviza (torna parte de uma coletividade), pois

cada eu particularizado faz parte da homogeneidade de um conjunto.

Não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia 3s. O sujeito é sujeito

porque se assujeita à língua na história, mas apesar do sujeito estar preso à

38
Para aproli.Jndar essa reflexão, consideremos as afirmações de Althusser (1970/1999) ao dizer
que:"Todo individuo humano, isto é, social, só pode ser agente de uma prãtica se se revestir da
'forma de sujeito'. A 'forma-sujeito', de fato, é a forma de existência histórica de qualquer indivíduo,
agente das prãticas sociais: pois as relações sociais de produção e de reprodução compreendem
necessariamente, como parte 'integrante', aquilo que Lênin chama de 'relações sociais fiurldico-]
ideológicas', as quais, para li.Jncionar, impõem a todo indivíduo-agente a forma de 'sujeito'. Os

110
•-o Provérbio é um comprimldo que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbíal
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
língua na história, a ideologia é um ritual com falhas, ou seja, o dizer faz parte do

já dito, mas não se livra do lugar do deslize, do desvio, do equívoco onde aparece

o "diferente". Por isso não há coincidência de sentidos, porque não há

coincidência de sujeitos. Conforme Orlandi (1996), a língua não é um sistema

perfeito, ela deixa espaço para interpretações.

No funcionamento enunciativo, os enunciados proverbiais seriam a um só

tempo 'individuais' (por um processo de subjetivação e identifíceção) e coletivos

(de uma "coletividade" particularizada - e ao mesmo tempo de ninguém),

considerando que ideologicemente o individual e o coletivo misturam-se um ao

outro num movimento que acaba por afrouxar limites entre o eu e o outro.

Conforme Pêcheux (op.cit.:44), ''Todo fato já é uma interpretação".O sujeito se

subjetiva porque ele se identifice com um sentido e não com outro (cf. Orlandi,

1996). Ele é interpelado pela ideologia/exterioridade e interpreta o "já dito",

(representando/assumindo a função de autor), seja incorporando o provérbio às

suas palavras ou mesmo citando-o diretamente. Este movimento de 'esquecer'

para repetir e interpretar o "já dito" diz respeito ao lnterdiscurso, em que "a

repetição é a possibilidade mesma do sentido vir a ser outro, em que presença e

ausência se trabalham, paráfrase e polissemia se delimitam no movimento da

contradição entre o mesmo e o diferente". (cf. Orlandi, 1996:68).

Conforme Pêcheux (1983:51) o "real" da língua é atravessado por uma

divisão discursiva entre dois lugares: "o da manipulação de significações

estabilizadas" e o de 'transformações do sentido, escapando a qualquer norma

indivíduos-agentes, portanto, agem sempre na forma de sujeitos, enquanto sujeitos". (Aithusser,


op.cit.: 67).

111
4
'0Provérblo é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

estabelecida a priori, de um trabalho do sentido sobre o sentido, tomados no

relançar indefinido das interpretações". (Pêcheux, op.cit.:51). A zona intermediária

entre estes dois espaços é de caráter oscilante e paradoxal: "os objetos têm e não

têm esta ou aquela propriedade, os acontecimentos têm e não têm lugar, segundo

as construções discursivas nas quais se encontram inscritos os enunciados que

sustentam esses objetos e acontecimentos". (Pêcheux, op.cit.:52).

!:: nesse sentido que nos interessamos pelas interpretações já ditas na

enunciação proverbial e suas ressignificações no espaço discursivo - um

"apagamento do acontecimento, através de sua absorção em uma sobr~

interpretação antecipadora". (Pêcheux, op.cit.:56).

Só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma


desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos: todo discurso é o índice
potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação [as
Formações Discursivas], na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um
efeito dessas filiações e um trabalho ( ...) de deslocamento no seu espaço: não
há identificação plenamente bem sucedida, isto é, ligação sócio-histórica que
não seja afetada [pelo] outro, objeto de identificação. (...) [Pêcheux supõe que]
através das descrições regulares de montagens discursivas, se possa detectar
os momentos de interpretações enquanto atos que surgem como tomadas de
posição, reconhecidas como tais, isto é, como efeitos de identificação assumidos
e não negados. (Pêcheux, op .cít .:56-57).

1.4 - Analisando alguns casos ...

Selecionamos aqui alguns casos para análise, buscando evidenciar as

questões que refletimos. Dividiremos esses exemplos em quatro tópicos que

retomam os aspectos mais centrais deste capítulo. Para melhor visualizar os

112
II.'OProvérbio é um comprim.ido que anda de boca em boca•'; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

exemplos, apresentaremos cada um com um breve comentário, informando a data

de realização da sessão parlamentar em que foi proferido, o parlamentar que o

proferiu seguido de seu respectivo partido, e o assunto geral de que trata o

proferimento. Destacaremos cada enunciado proverbial em negrito dentro do

recorte apresentado.

a) enunciação proverbial- enunciação coletiva:

(1) ~02102101 - Aparte do Sr Jefferson Peres (PDT - AM) no ciscurso de


Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) > Críticas à ação de algumas ONGs, envolvidas
em irregularidades na compra de terras indfgenas no Estado de Roraima.
Cobrança da instalaçào da CPI das ONGs.
"Complementando, congratulo-me com V: EJt. por haver renovado o
requerimento de cliação da CP!, porque está em tempo de se separar o joio do
trigo. Existem ONGs realmente sérias, existem ONGs de picaretagem, existem
ONGs a serviço de interesses que não sabemos quais são. Creio que a
Comissão Parlamentar de Inquérito servirá para faz ar essa separação e isso será
muito útil para todo o País, mas principalmente para a nossa Região."

(2) ~21103101 -José Eduardo Dutra (PT- SE) > Referências ao pronunciamento
do Senador Jader Barbalho, a respeito da criação da CPI da Corrupção.
"Penso que podaremos, Sr Preskiente, agora, colocarem prática aquela proposta
que fiz logo após a sessão em que o Senador Antônio Carlos Magalhães
apresentou uma série de requerimentos de mvestigação. (. ..j Naqueía
oportunidade, eu disse que, para não ficar parecendo para a opinião pública que
se tratava apanas de um jogo de cena, nós nos disporíamos, juntamente com as
Lideranças de ltxlos os Partidos com assento nesta Casa, a formular um
requerimento consensual para a instalação de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito que pudesse investigar todas as denúncias que estavam sendo feitas
não só de tribuna desta Casa, como pela imprensa. Infelizmente, naquele
momento, as Uderanças fizeram ouvidos de mercador. Os Líderes da
Oposição se reuniram e formularam um requerimento para a instalação da CP/. Já
estávamos- e estamos - cdetando assinaturas para que seja instalada uma CP/
mista na Câmara e no Senado. O Senador Jadar Barbalho apresenta uma
sugestão de aditamento a esse requerimento. Tenho certeza de que os Líderes da
Oposição no Senado nade terão a opor a esse aditamento."

Como podemos observar nos recortes acima, temos dois enunciados

proverbiais, em (1) temos "está em tempo de se separar o joio do trigo" e em (2)

"as Uderanças fizeram ouvidos de mercador': Um dos princípios gerais desse

113
..OProvérbJo é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Môníca Oliveira Santos- 2004
I
trabalho é o de consideramos a enunciação proverbial como uma enunciação

coletiva, essencialmente anônima (podendo ser de todos e de ninguém), e que

pode identificar/caracterizar classes de enunciadores distintas. Nesse

funcionamento enunciativo, o Locutor põe em cena um Enunciador-coletivo que

representa o dizer de uma certa coletividade. No exemplo (1), reconhecemos uma

passagem bíblica (Eo- Mateus 13, 30 e ss) que inspirou a forma "é tempo de se

separar o joio do trigo" (E1): uma proverbíalização (como vimos no capítulo

anterior) que usualmente passou à condição de provérbio em função das suas

próprias condições de produção (condições sócio-histórico-ideológicas que

constituem a estreita relação entre a forma proverbial e a estrutura metafórica da

parábola, bem como o 'tom' autoritário da verdade religiosa) e que, aliás, é

bastante oportuna para ser relacionada à discussão em questão que envoive a

CP I.

No discurso religioso, essa referência já identifica a representação de

diferentes classes referenciais, a classe dos "bons/trigo" e a dos ·maus~oio", e

pelo discurso religioso não é tão simples fazer a separação dessas duas classes

referenciais pelo falo desses dois elementos serem muito semelhantes

aparentemente, porém opostos no sentido de que um (o joio) é daninho e o outro

(o trigo) é abençoado, é o alimento que dá a vida etc. o próprio discurso religioso


faz uso de uma metaforização que opõe diferentes elementos para distinguir

classes. As posições de sujeito que se identificam com essa verdade religiosa se

materializam enunciativamente no enunciado proverbial como Enunciador-colelivo.

o discurso político, que comumente se apodera da verdade religiosa, coaduna-se

ll4
•-o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

com o Enunciador-coletivo desse enunciado proverbial, ressaltando a necessidade

de distinguir as ONGs do "bem/honestas/sérias" daquelas do

"mal/desonestas/irresponsáveis" numa tentativa de se identificar com a classe

do "bem". No caso, temos uma situação polltica em que há denúncias de crimes

político-administrativos por parte de algumas ONGs, e o locutor-x (locutor-

Senador) representa uma classe político-partidária (o PDT) que (também) se diz

em busca da verdade, propondo, assim, a "separação" entre os "bons'' e os

"maus" com a investigação (CPI) das referidas ONGs, de modo que as benesses

de tal "separação" atinjam não só o país como um todo, mas principalmente a

coletividade da sua região (Norte). A própria referência ao "tempo" é amplamente

significativa, pois se na bíblia o trigo cresce junto com o joio e só no tempo certo (o

juízo final) essas classes são separadas, também aqui há o "tempo" certo para

promover esta separação do bem o do mal, mas não é preciso esperar pelo juízo

final, basta instalar uma CPI para apurar a verdade!

No exemplo (2), reconhecemos uma típica forma proverbial "fazer ouvidos

de mercado!" que pela própria estrutura já remete-nos a uma determinada classe

referencial. Se em princípio já nos deparamos com a classe dos "mercadores",

também é importante frisar que não se trata de "negócios de mercador', nem de

"palavra de mercador" ou de "idéias de mercador", mas especificamente de

"ouvidos". No imaginário popular, tem-se que o comerciante ou mercador que

normalmente trabalha na feira ou área de livre comércio, (não estou me referindo

à ALGA!), tem por princípio não dar muita atenção ao que escuta, sobretudo, dos

fregueses. O mercador para o bem de seu próprio negócio, para usar outra

115
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

expressão do mesmo quilate, "faz vista grossa" para determinadas situações. Mas,

apesar do referido enunciado poder ser usado para identificar o Locutor com a

classe dos "mercadores" que precisam "fazer vista grossa" para se saírem bem

em alguma negociação, ele normalmente (e é o caso aqui) é imputado

negativamente à classe oposta da qual o Locutor quer se afastar e condenar. No

caso, o locutor-x pessoalmente propõe a instalação da CPI para investigação de

denúncias e afirma estar disponível, juntamente com o seu partido (o PT) que à

época fazia oposição ao governo (o PSDB), para ser investigado. No entanto, ele

acusa a classe das "Lideranças" de não darem importância à sua proposta,

''fazendo ouvidos de mercador". O locutor-x permite identificar a classe referencial

com a qual o Enunciador-coletivo se identifica.

b) tensão entre o individual e o coletivo: desdobramento de enunciadores

Aqui, para uma melhor abordagem, distinguiremos dois funcionamentos

enunciativos, o das citações e o das paráfrases na enunciação proverbial.

-citações:

(5) =>13102101 -Roberto Freire (PPS - PE) > Concordância com o teor do artigo
da jornalista Dora Kramer, na coluna "Coisas da Política", numa edição do Jornal
do Brasil. no qual critica a utilização de grampo telefônico nas dependências do
Congresso Nacional.
"O que a jornalista Dora Kramar está afirmando de forma magistral tentei dizer a
um jornalista da Folha de S. Paulo, que julgou muito impoltante ter patrocinado
uma gravação para descobtir imoralidades. Eu lhe djzia: "Você e o seu jornal
estão patrocinando um crime". E isso nada mais é do que a afirmação tosca e
primi!Jva, como djz Dora Kramer, de que os fins justificam os meios De acordo
com essa idéia, para se lutar contra a imoralidade, pouco importa que se pra!Jque
qualquer ilegalidade. (..) Bastaria o Ministério Púb!íco abrir um inquérito civil
contra o Sr. Jader Barbafho e o Sr. Antônio Gados Magalhães, porque se

116
11··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004

acusaram, reciprocamente, da práfjca de crimes. (.) Não é com escuta


telefónica, nem com métodos ilegais que chegaremos ao desiderato da sociedade
brasileira."

(6) =:>20102101 - Antônio Cartos Magalhães (PFL - BA) >Cobrança de


providências do Ministério Público e da Presidência do Congresso Nacional para
apuração de denúncias de corrupção veiculadas pela imprensa brasileira.
"Em virtude da ilegitimidade dos postulantes, a ação acabou sendo julgada
improcedente, resfiJndo um enorme prejuízo para o Erário, prejuízo que o
ministério Público ainda pretende recuperar (.. ,) Mas quem são os verdadeiros
responsáveis pelos desmandos?Quais as responsabilidades apuradas?O &ário
foi ressarcido?(.. ) Ora, é uma medida de futuro. E o futuro, no jargão popular,
a Deus pertence_ Mas e quanto a nós, homens públicos? Deveremos abdicar de
nossas responsabilidades, quedar conformados com as promessas de um futuro
melhor? Ou nos impõe a exigência total de esclarecer os fatos?

(7) =:>23102101 - Roberto Requião - (PMDB - PR) > Solidariedade ao Senador


ACM na defesa da apuração dos fatos envolvendo o ex-Secretário-Geral da
Presidência da República, Eduardo Jorge, confonne matéria publicada na revista
Isto É.
"Os cínicos, com o pretexto de defender a instituição, na verdade, estão propondo
a consagração absoluta do cinismo, ou seja, a moral, a conduta séria é apenas
para o povo, é apenas para a plebe, é apenas para os humildes, enquanto os
poderosos do momento, os príncipes do regme, da sociedade e da economia
estão, segundo eles ou para eles, acima do bem e do mal (,,) O Senador
Antônio Carlos Magalhães (,) terá presfiJdo mais um serviço ao país, por que
levanfiJ um caso que já foi sepultado pela maioria governista no Congresso, que é
o caso do Sr. Eduardo Jorge_ (.) E segundo o Senador Antônio Carlos
Magalhães, a verdade envolve o próprio Presidente da República. (..)Acho que o
Presidente está numa sinuca, mas os áu/icos, seguindo aquele velho ditado de
que "o saco do chefe é o corrimão do sucesso", tentam sacralizar o
Presidente da República e o PFL solta uma nofiJ oficial dizendo que "o Presidente
da República está acima de qualquer suspeita~ Já o Antônio Carlos Magalhães
pode ser satanizado.

Nos recortes acima, destacam-se os enunciados (5) "os fins justificam os

meios", (6) "o futuro, no jargão popular, a Deus pertence" e (7) "o saco do chefe é

o corrimão do sucesso"_ Nos três enunciados há citação de formas proverbiais

fixas (ou "atestadas" como chamam Grésillon & Maingueneau, op.cit) e em dois

deles (6 e 7) estas formas fiXas são introduzidas a partir de estruturas

características de citação proverbial ("no jargão popular" e "seguindo o velho

ditado")-

117
•·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

É interessante ressaltar que a estrutura de citação proverbial seja em

Discurso Direto ou Indireto, muitas vezes, produz o efeito de distanciamento do

Locutor em relação ao dizer para em seguida causar um efeito de

aproximação/continuidade do ponto de vista individual ao ponto de vista coletivo,

atribuindo à coletividade uma posição própria do Locutor, como temos visto em

alguns enunciados proverbiais aqui já mencionados. Mas, esse funcionamento

não acontece sempre, pois, como os provérbios são um fértil reservatório de topói

na língua, e a língua possui topói distintos, uma vez que eles representam, muitas

vezes, interesses de coletividades opostas, é possível que na enunciação um

Enunciador-coletivo seja usado não para representar a maioria que tem sempre

razão, mas para caracterizar uma classe com a qual o Locutor não se identifica.

Os três enunciados acima têm esse funcionamento que aponta para o

afastamento do Locutor-x em relação à responsabilidade pelo dizer do

Enunciador-coletivo, enfatizando a atribuição deste dizer a uma classe da qual

este quer se excluir e se opor.

Em (5) há uma alusão crítica à postura de alguns parlamentares que

utilizam meios ilegais (o grampo telefônico) para justificar a finalidade de revelar a

"verdade" sobre possíveis denúncias de crime administrativo e o provérbio citado

vai representar esta coletividade. A disparidade do Locutor a si pode ser

compreendida na relação entre o locutor-x (Senador), o Enunciador-individual (que

critica uma postura política questionável que é a de utilização de grampo

telefônico nas dependências do Congresso Nacional) e o Enunciador-coletivo (a

forma proverbial "o fim justifica os meios',). Nesse jogo enunciativo, os

118
"'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial J
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

enunciadores individual e coletivo se contrapõem, e argumentam a partir de

pontos de vista opostos: o fim justifica os meios, o fim não justifica os meios.

Em (6), é interessante notar que a frase introdutória da citação está inserida

dentro da própria citação "o fufuro, no jargão popular. a Deus pertence", em lugar

de "no jargão popular: o futuro a Deus pertence". O enunciado proverbial em

questão é inspirado no texto bíblico (Lucas 12, 29 e ss) e argumenta na direção

religiosa de que Deus está acima de todas as coisas e que não há verdade que

ele não conheça, de modo que, à Sua vontade, ela "um dia" vem à tona (ou não!).

o locutor-x contrapõe-se ao Enunciador-coletivo (do provérbio), excluindo-se da

coletividade que assume essa postura, e identificando-se com outra coletividade

que é a de "homem público" que não pode apenas se "conformar com a promessa

de um futuro melhor", obrigando-se a elucidar os fatos e justificando a sua postura

de "fazer'' com que a "verdade" venha à tona (sobretudo, elaborando dossiês a

respeito dos colegas!).

Em (7) o locutor-x manifesta solidariedade a um par (o colega Senador

Antônio Carlos Magalhães - ACM), criticando duramente a classe daqueles a

quem chama de "cínicos" por defenderem os "poderosos do momento", em

referência ao presidente da república que, entre outros, era alvo das denúncias de

ACM. O locutor-x sustenta a posição de que, embora o presidente "esteja numa

sinuca", os "áulicos" (palacianos) seguem a postura de que bajular o chefe é a

melhor forma de tirar vantagem, relacionando-os ao Enunciador-coletivo do

provérbio "o saco do chefe é o corrimão do sucesso". No jogo enunciativo,

119
fi ..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
li Mônica Oliveira Santos- 2004 l

evidencia-se afastamento do Locutor-x em relação ao dizer do Enunciador-coletívo

mobilizado na enunciação.

-paráfrases:

(3) =:>02/02/01 - Aparte do Sr Ademir Andrade (PSB - PA) no discurso de


Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) > Criticas à ação de algumas ONGs, envolvidas
em irregularidades na compra de terras indígenas no Estado de Roraima.
Cobrança da instalação da CPI das ONGs.
·o governo não deveria criar essas leis idiotas, que, na verdade, não são
respeitadas, como é o caso da recente medida provisória que se transformou em
lei e que determina que o proprietário deve preservar 80% de sua área. Ninguém
respeita isso. ( ..) O governo fala tanto em meio ambiente e não cumpre com
suas obrigações! (. ..) Penso que as ONGs pecam por excesso, por
desconhecimento e por falta de tática e estratégia de luta nos seus propósitos.
Ressalvo que os seus propósitos são, na maioria, importantes e merecem nosso
respeito."

(4) =:>27/03101- Edison Lobão (PFL - MA) > Ênfase na necessidade de


reformulação de programas e fortalecimento da Sudene, em contraposição à
extinção do órgão.
"Houve um tempo em que os nordestinos se juntavam para lutar unidos,
desprezando as rivalidades petas causas de sua região (..) De um certo tempo a
esta palie, temos negligenciado dessa luta, dividindo-nos quando, na verdade,
deveríamos nos unir para que pudéssemos ter êxito. A união faz a força,
todos sabemos. E a divisão nos enfraquece. Deveríamos nos unir, como
fazem os nossos irmãos do sul do País, nessa Juta contra a extinção da Sudene."

Temos acima em destaque os enunciados (3) "' governo fala tanto em

meio ambiente e não cumpre com suas obrigaçõesf', e (4) "Na verdade,

deveríamos nos unir para que pudéssemos ter êxito. A união faz a força, todos

sabemos. E a divisão nos enfraqueC€1', que parafraseiam respectivamente os

enunciados proverbiais "Falar é fácil, fazer é difícil", "A união faz a força" e "Se

queres vencê-/os, divide-os':

Como vimos anteriormente em Grésillon & Maingueneau (op.cit) sobre o

desvio pela estratégia de captação, em (3) é possível reconhecer o tom e a

120
"O Proverbio é um comprimido que anda de boca em boca••; os sujeitos e os sentidos no espaço daenuncíação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

direção argumentativa do provérbio (E 0), mas a estrutura e o próprio léxico do

provérbio são alterados/parafraseados (E1) quase que totalmente. o enunciado

proverbial "Falar é fácil, fazer é diffcíf' enfatize a distância entre as ações de "falar"

e "fazer", e a paráfrase constatada no munciado também mantém tal distância.

Percebemos que a "distância" entre as duas ações do provérbio foi relacionada

com a "distância" entre as ações de "falar muito a favor do meio ambiente' e "não

cumprír com as obrígações" imputadas ao Governo.

De acordo com Guimarães (op.cit), pode-se dizer que na cena enunciativa o

Locutor é díspar a si: então, temos o Enunciador-individual, representando o dizer

do Locutor, e o locutor-x (Senador) que é um lugar social de dizer. Aqui ainda

chamamos a atenção para o Enunciador-coletivo do provérbio que também é

posto em cena a partir da paráfrase e não vem só desdobrar o Locutor, mas

também mobiliza uma tensão com o Enunciador-individual, o que caracteriza um

deslizamento desses dois enunciadores para dentro e para fora um do outro no

acontecimento enunciativo. O Locutor que, por um lado, é parte do Governo do

país (locutor-x), por outro, afasta-se dessa posição através da crítica a esse

mesmo Governo (E-individual). Além disso, também é posto em cena o

Enunciador-coletivo do provérbio, cujo dizer é movimentado e ressignificado na

paráfrase pelo Enunciador-individual. Esse movimento enunciativo produz um

efeito (simulacro) de aproximação e de continuidade entre o dizer individual e o

coletivo.

Em (4) ocorre uma paráfrase que alude, ao mesmo tempo, a duas formas

proverbiais ("A união faz a força" e "Se queres vencê-los, divide-os"), na mesma

121
!J "O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
direção argumentatiVa. Na paráfrase, o dizer coletiVo é atribufdo a um NÓS (em

que se inclui o locutor-x) que se confunde com as representações de "todos",

"brasileiros", "parlamentares", e "nordestinos" ("todos sabemos. E a divisão nos

enfraquecei'). No caso, o locutor-x convoca os representantes parlamentares do

Nordeste, incluindo-se nessa classe, a unirem-se em prol do fortalecimento da

SUDENE e contra a Extinção da mesma, enfatizando que divididos eles se

enfraquecerão. Mais uma vez, vemos o Locutor diVidido entre o dizer indiVidual, o

dizer coletivo (proverbial) e o lugar social de dizer (locutor-x). Na estrutura

enunciatiVa da paráfrase, a responsabilidade pelo dizer toma-se confusa entre

essas figuras enunciativas, o que pode afrouxar o limite entre o dizer coletiVo e o

individual. A marca de primeira pessoa (NÓS) inclufda na paráfrase do dizer

coletivo evidencia esse movimento em que não só o dizer coletivo passa por

individual, mas também o Enunciador-indiVidual mostra-se em comunhão com o

que diz a coletiVidade. As paráfrases produzem efeitos de sentido no movimento

de envolvimento/afastamento do Locutor em relação ao dizer que se evidencia

através das figuras enunciatiVas. Entendemos a paráfrase aqui (tal como é

apresentada pela AO) como uma evidência formal na língua do movimento dos

sentidos em sua (re)produção, entre o repetir e o criar.

Como vemos, a incorporação das formas proverbiais à enunciação, a partir

dos dois tipos de estrutura (citação e paráfrase), além de mobilizar as figuras

enunciatiVas, evidenciando a divisão do Locutor, permite que observemos os

movimentos de desdobramento e deslizamento que marcam o distanciamento ou

a identificação do Locutor em relação aos enunciadores: o locutor-x ora afastando-

122
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca:': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciaç:ão proverbial I
Môníca Oliveira Santos- 2004 I

se, ora identificando-se com o dizer do Enunciador-coletivo (proverbial). Esse

deslizamento entre aproximação/distanciamento em relação ao dizer do

Enunciador-coletivo é uma marca formal na llngua de um duplo movimento

discursivo em que o sujeito (des)ocupa posições subjetivas na constituição dos

sentidos. Desse maneira, os sentidos das formas proverbiais, não são apenas

"atualizados" como propunha Jolles (op.cit) no primeiro capitulo, mas são

ressignificados e constituldos no acontecimento discursivo. Sobre a constituição

dos sentidos nos reportaremos mais adiante.

c) materialidade discursiva: transparência I opacidade

(8) =>02102/01 - Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) > Criticas à ação de algumas
ONGs, envolvidas em irregularidades na compra de terras indígenas no Estado de
Roraima. Cobrança da instalação da CPI das ONGs.
"Senador Ademir Andrade, defendo a instalação da CP/ das ONGs. Concordo com
V. E:i'. no sentido de q.re a maioria dessas crganizações não-governamentais
efetivamente tem bons propósitos. Trata-se daquela velha história: quando a
esm<>la é grande o santo desconfia. (...) O descaso do governo colombiano com
a sua Amazônia culminou com o domínio do narcolr{Jfíco na região e com o
surgimento da guerrilha (... j Na vardade, naquele país, há uma balbúrdia, inclusive
estimulada por países poderosos, os quais hoje estão comandando a Colômbia e
amanhã poderão estar dentro do Brasil,justamente pcrque estão plantando essa
semente da discórdia."(. ..) "O que se está querendo fazer aqui não é uma prévia
condenação de nenhuma organização não-go\'eTflamental. O que se quer é
justamente fazer a investigação, para, como disse o senador Jefferson Peras,
separar o joio do trigo. "

(9) ~1103101 - Jader Barbalho (PMDB- PA) > Dedaração de apoio à criação da
CPI da corrupção, nos termos das alterações propostas pelo Senado José
Eduardo Dutra.
"Estamos assistindo, particularmente em determinados segmentos da imprensa, a
uma espécie de Comissão Parlamentar de Inquérito em que apenas um lado tem o
direito de dizer tudo o que deseja. ( ..) Dessa forma, Sr. Presidente, creio que
teremos a oportunidade de p•sar a limpo todas essas questôes. Algumas figuras
acreditam que este País perdeu a memória. Permitam-me a dura expressão: 'à
velha prostituta pregando castidade neste Pais'~ Há necessidade, portanto, Sr
Presidente, que se passe, com essa Comissão Parlamentar de inquérito, da
denúncia para a apuração efetiva e para a responsaiifização, se for o caso."

123
11 "'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca"; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial f
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

Em (8) e (9) também se destacam expressões cristalizadas e enunciados

proverbiais e destes gostaríamos de ressaltar a sua materialidade discursiva que

sa realça enunciativamente, através de sua opacidade, pela sua forma e emprego

relacionados às condições de produção desse tipo de enunciação, como vimos no

capítulo anterior,

Em "quando a esmola é grande o santo desconfia", há os elementos

metafóricos e figurativos esmola e santo. Vemos que o Locutor-x identifica-se

com o Enunciador-coletivo do enunciado proverbial, identificando-se com esse

"santo" "desconfiado". É interessante notar que existe uma variação desse

provérbio, de uso até mais comum, que é "quando a esmola é grande o cego

desconfia", talvez por se pensar que um cego mereça mais uma esmola do que

um santo! Entretanto, argumentativamente, parece ser mais importante a

identificação do Locutor com o elemento figurativo santo do que com o cego! Em

"a velha prostituta 39 pregando castidade" temos uma referência ao choque entre o

universo da luxúria e o da religião, representados simbolicamente pelos elementos

prostituta e castidade. Em "estão plantando essa semente da discórdia" e

"separar o joio do trigo", temos uma referência ao texto bíblico, como já discutimos

anteriormente, que traz a prática do uso de parábolas com linguagem metafórica

opacificada. Os elementos semente, joio e trigo simbolizam no mesmo texto

39
É interessante notificar que na ocasião desse discurso parlamentar o senador ACM manifesta-se
solidário ãs Prostitutas, defendendo-as de um possível ato de preconceito de que acusa o colega
Jader Barbalho e a quem cobra uma retratação. Nesse momento, a Senadora Heloísa Helena
(conhecido desafeto de ACM) interfere coadunando-se à indignação, mas enfatizando que~
deveriam se retratar, pois ACM em outra ocasião criticava duramente a famüia do, então, preferto
Celso Prta, xingando-a de "prostíbulo", ou casa de prostitutas. nesse sentido, ofendendo da mesma
forma a classe que agora estava querendo defender!

124
..0 Provérbio é um comprimido que a..1da de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

bíblico o "mal" "semeado" entre o "bem" para causar engano, devendo ser

separados no 'tempo" certo, o que, em si, já configura opacidade. No

funcionamento enunciativo, a referência aos enunciados proverbiais e expressões

cristalizadas ressignifíca essa opacidade já existente, tornando-a mais

profundamente opaca.

A opacidade da enunciação proverbial impede que este funcionamento

enunciativo se restrinja a ser apenas um vidro transparente através do qual se

chega à referência, à informação. Além da típica fonna proverbial que conta com

métrica, rima, paralelismo, elipse, e até uma certa "lógica" implicativa, a

fíguratividade metafórica, que o provérbio possui, ressalta-lhe o efeito de

opacidade que na enunciação proverbial propriamente se opacifíca ainda mais.

Assim, a enunciação proverbial seria essencialmente e profundamente opaca. Tal

opacidade aponta para uma pluralidade de sentidos que se movimentam em alto-

relevo na linguagem. A opacidade na enunciação proverbial funciona como pontos

de deriva nos enunciados para possibilidades interpretativas múltiplas na

constituição dos sentidos e dos sujeitos.

d) acontecimento discursivo: o movimento dos sentidos e dos sujeitos

(10) =>09103101 -Aparte do Sr Eduardo Dutra (PT- SE) no disrurso de Ademir


Andrade (PSB - PA) > Apoio à instalação de CPI para apurar as denúncias de
corrupção no Governo, bem como repúdio à prívatízação das empresas
geradoras de energia elétrica.
"O Presidente da República, primeiro, mente quando fala que ia privatizar essas
empresas e foi eleito com esse problema. Não é verdade. Sua E>f. não dizia que
ia privatizar essas empresas,· dizia que ia atrair capital para construir novas
usinas, o que seria bem-vindo; segundo, sua Excalência quer aplicar uma coisa
que não tem paralelo em nenhum outro lugar do mundo. E, como diz um ditado
popular, "Aquilo que só tem no Brasil e em nenhum outro lugar do mundo ou

125
II ..OProvérbio é um compriJT.ido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
fi lVfônica Oliveira Santos- 2004

é jabuticaba ou é besteira"_ Cabe ao Congresso Nacional impedir que o


Presidente faça mais essa besteira no nosso Pais:

(11) =o02102101 - Aparte do Sr Leomar Quirtanilha (PPB - TO) no discurso de


Mozarildo Cavalcarti (PFL - RR) > Crnicas à ação de algumas ONGs, envolvidas
em irregularidades na compra de terras indígenas no Estado de Roraima.
Cobrança da instalação da CPI das ONGs.
"O tema abordado por V. Ex". foi a necessidade de investigação das ações das
ONGs no Brasil. Louve-se a atitude de V. Ei'.! Louve-se a atilude das
organizações não-governamentais que se inspiram no desejo e na necessidade de
preservação ambiental! Ninguém mais do que os produtores brasileiros se
interessam em preservar o meio ambiente. Quem deseja matar a sua "galinha
dos ovos de ouro"? Porém, na verdade, é imperativa essa investigação, para
saber quais são os interessas efetivos que se escondem nesse escudo de
preservação ambiental."

(12) =>09103/01 -Ademir Andrade (PSB- PA) >Apoio à instalação de CPI para
apurar as denúnàas de corrupção no Governo, bem como repúdio à privatização
das empresas geradoras de energia elétrica.
"Nós poderíamos usar os recursos que ganhamos com a Belronorle para investir
na Hidrelétrica de Belo Monte, que será a segunda maior hidrelélrica do planeta,
com o dobro da potência de Tucurui e vai alargar uma área cinco vezes menor,
porlanto, trazendo um prejuízo ao meio ambiente muito menos do que Tucuruí
trouxe, incomparavelmente menor do que Balbina e Samue/, que foram desaslres
ecológicos. No entanto, o Governo teima em vender a "galinha dos ovos de
ouro': (..) a iniciativa privada sabe que compra a preço de banana as coisas
que o Governo quer vender:"

Por fim, obseNaremos o movimento dos sentidos e dos sujeitos no

acontecimento enunciativo proverbial. Esse tópico faz-se um pouco repetitivo, no

sentido de que todos os enunciados proverbiais aqui trabalhados se encaixam

nessa reflexão. Mas, como gostaríamos de enfatizar cada tópico com exemplos,

escolhemos os enunciados acima para destacar essa reflexão. Nos recortes (10,

11 e 12), temos "Como diz um ditado popular, aquilo que só tem no Brasil e em

nenhum outro lugar do mundo ou é jabuticaba ou é besteira" e "Quem deseja

matar a sua galinha dos ovos de ouro?~ "vender a galinha dos ovos de ouro",

"compra a preço de banana':

126
lf ..OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço à a enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004
I
Em (10) há uma crítica às atitudes do presidente da república que é

acusado de mentir e de fazer "mais uma besteira" no país. Temos uma

"proverbialização" que é introduzida através da estrutura típica de citação

proverbial: "Como diz um ditado popular, aquilo que só tem no Brasil e em nenhum

outro lugar do mundo ou é jabuticaba ou é besteira". Esse enunciado não vem a

ser um provérbio atestado, mas foi elaborado como se fosse um a partir das

condições de produção do enunciado proverbial, em busca de produzir os

mesmos efeitos. Tal enunciado "proverbializado" apontaria argumentativamente

para uma avaliação crítica do povo brasileiro ao próprio país, no sentido de que

além de Jabuticaba ("fruta trpica") e besteira ("atitude tfpica"), não há nada no

Brasil que não haja em outro lugar no mundo. No acontecimento discursivo, fica

estabelecida uma relação paralela entre a "besteira" da "proverbializaçãd' e aquilo

que se chama de "besteira" na atitude do presidente da república, movimentando

o sentido de uma para outra.

O fato da "proverbialização" ser referida como enunciado proverbial ("como

diz um ditado popular"), a reporta a um Enunciador-coletivo. Portanto,

constatamos mais uma vez a divisão do Locutor e a tensão entre o individual e o

coleti\0, ao mesmo tempo, deslizando para dentro e para fora um do outro no

desdobramento da figuras enunciativas. A formulação de um enunciado proverbial

a partir das suas condições de produção por um lado diz respeito à ressignificação

do ')á-dito" e efetivação de sentidos, e por outro lado afasta do locutor-x a

responsabilidade pelo dizer, reportando-o através da citação ao dizer de "todos"

127
11 ..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li }J:ônica Oliveira Santos- 2004
I
("Não sou eu quem diz, é o povo, é a sabedoria popular!"). O sujeito se constrói

nesse entremeio, ressignificando e (des)subjetivando o dizer,

Em (11 e 12), temos o mesmo provérbio usado em duas situações bem

diferentes por dois Senadores diferentes (Leomar Quintanilha e Ademir de

Andrade) e, portanto, efetivando sentidos diferentes para a mesma fonna

proverbiaL O primeiro se refere à preservação do meio ambiente, na forma de uma

pergunta, e o segundo se refere à privatízação das empresas geradoras de

energia do país, na forma de uma afinnação. A "galinha de ovos de ourd' em um

caso está sendo preservada (o meio ambiente) e no outro caso está sendo

vendida (as empresas públicas geradoras de energia). Do ponto de vista do

Enunciador-coletivo "matar a galinha dos ovos de ourd' significa desperdiçar o que

é precioso, o que não é visto positivamente. Apesar do locutor-x estar identificado

com o Enunciador-coletivo, a referência do bem "precioso" que está sendo

"desperdiçado" não é determinada por esse enunciador, ela só é instaurada no

acontecimento e só então os sentidos são efetivados: em um caso o meio

ambiente e em outro as empresas públicas. Aliás, neste último caso, a

preciosidade pública está sendo comprada pela iniciativa privada "a preço de

banana'' que seria uma coisa banal que não tem muito valor. Nesse

funcionamento enunciativo destacam-se as relações lnterdiscursivas

materializadas através da formulação dos enunciados proverbiais que ganham

sentido no acontecimento discursivo.

Considerando os pressupostos teóricos da AO, podemos observar que os

enunciados que destacamos acima constituem enunciativamente em sua estrutura

128
IJ -'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enuncíação proverbial 1
Mônica OliveiraSantos-2004 I

a materialização da exterioridade sócio-histórico-ideológica formalizada na língua

e funcionam (re)produzindo e efetivando sentidos em seu acontecimento

discursivo, de modo que os sentidos e os sujeitos são ressignificados.

Percebemos o movimento e a renovação dos sentidos mesmo aparentemente

presos à cristalização fiXa dos provérbios. A cada enunciado proverbial, temos um

acontecimento significativo que envolve uma memória e uma atualidade,

renovando e (re)produzindo o já dito. O provérbio isolado está engessado

semanticamente, é quase um dêitico vazio de referência, mas na enunciação ele

preenche-se de contingência, e se subjetiva tomando-se um espaço de quebra da

cristalização, um lugar de mudança, de não-homogeneidade.

129
•"' Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espa.ço da enunciação proverbíall
~iônica Oliveíra Santos- 2004

130
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos 2004 I

CAPITULO IV

Os Efeitos de Verdade 1n1 l!nunciaçAo Proverllial:

AltpiiiUIS Categorias

"Zé Ninguém"- Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik, Coelho


Quem foi que disse que amar é sofrer?
Quem foi que disse que Deus é brasileiro,
Que existe ordem e progresso,
Enquanto a zona corre solta no congresso?
Quem foi que disse que a justiça tarda, mas não falha?
Que se eu não for um bom menino, Deus vai castigar!
Os dias passam lentos.
Aos meses seguem os aumentos.
Cada dia eu levo um tiro,
Que sai pela culatra
Eu não sou ministro, eu não sou magnata.
Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém.
Aqui embaixo, as leis são diferentes.
Quem foi que disse que os homens nascem iguais?
Quem foi que disse que dinheiro não traz feliddade
Se tudo aqui acaba em samba?
(no país da corda bamba, querem me derrubar!)
Quem foi que disse que os homens não podem chorar?
Quem foi que disse que a vida começa aos quarenta?
A minha acabou faz tempo (. ..)

Como já mencionamos antes, o provérbio é tradicionalmente uma citação

que prima pelo autoritarismo do sujeito e pela autorização do discurso. Por isso,

tem um tom de "verdade" reconhecida por certas coletividades e às vezes produz

um efeito de universalidade. Nesse capítulo, faremos uma retomada da questão

da Verdade na Filosofia, relacionando-a ao nosso objeto de investigação, a

enunciação proverbial que caracterizamos aqui como uma vulgata "filosófica" da

ciência, da religião, da justiça, da ética e da moral em prol da "verdade".

131
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

Tomaremos como pressuposto inicial as considerações de M. Foucault e M.

Pêcheux a esse respeito e desenvolveremos o percurso que relacionalintrinca o

discurso político à verdade, às fonnas institucionais da verdade e às formas

populares da verdade. Para justificar este percurso analisaremos os proferimentos

dos parlamentares nas sessões do Senado em que, dada a enfática

"preocupação" com a verdade, cria-se o mecanismo da CPI para restabelecê-la.

Uma das questões mais centrais e difíceis da filosofia, certamente, diz

respeito à Verdade. Muito se disse e muito há o que dizer a respeito desse

assunto, porque a Verdade nunca esteve pronta e acabada, ela vai estar sempre

em construção, em produção, e nada que se diga definitivo sobre esta, não o será,

além de hoje, além de agore. Em face de tantas ''verdades" veiculadas sobre a

Verdade na História da filosofia e das ciências positivistas, Foucault apresenta-nos

uma ótica avessa, poderíamos dizer, na contra-mão, a respeito da Verdade em

relação aos seus cãnones históricos. Sobretudo, quando lança o olhar para as

versões indesejadas, descontínuas, heterogêneas, marginais, parciais e

contraditórias que, em geral, não aparecem nas posições filosóficas e científicas

tradicionais e/ou convencionais, cuja prática de produção de verdades sacralizou e

destituiu valores, sentidos e sujeitos, elegendo-os, excluindo-os, marginalizando-

os.

Sendo o corpus deste trabalho um conjunto de enunciados proverbiais,

mais especificamente, enunciados proverbiais pertencentes ao universo político-

parlamentar, não poderíamos escapar a "o estar frente a frente" com a 'Verdade"!

O discurso político entremeia instâncias diversas em seu corpo, entre estas,

132
11 ..0 Provérbio é um comprimído que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciaçã.o proverbial
Mônica Oliveira Santos 2004

ganham destaque, o jurídico, o científico, o religioso, o ético e o senso comum.

Todas estas instâncias discursivas comprometem-se com a 'Verdade", justificam-

se por ela.

Nesse ponto, já teríamos um motivo mais que convincente que justificasse

a escolha do percurso desse capítulo. Mas, ainda há algo a dizer! Já que os

enunciados recortados para análise são proverbiais, e entre provérbios e

"verdade" há uma estreita e reconhecida relação, ainda que estigmatizada e

marginalizada, cumpre-nos chamar a atenção para as relações que são

estabelecidas entre a instância do saber popular, do senso comum (a voz do

povo), e outras instâncias do saber convencionalmente mais validadas como

científicas e filosóficas. Nesse sentido, faremos algumas considerações a respeito

do que Foucault diz sobre a verdade, o saber, o conhecimento e o poder.

Pretendemos direcionar a discussão para a relação "saber-poder" na enunciação

proverbial pertencente ao discurso político.

1.1 Por dentro e por fora da verdade

Quando se pensa na categoria Verdade, remonta-se automaticamente a

toda uma tradição filosófica lógica e positivista que orientou as concepções a

respeito de tal categoria pautando-a pela neutralidade, imparcialidade,

inquestionabilidade, atemporalidade e universalidade. Tal perfil também foi

herdado e incorporado ao fazer científico das ciências humanas, sociais e da

133
tf"'OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca"; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004

linguagem. Em linhas gerais, poderíamos tanger a definição clássica de Verdade,

de acordo com o que sintetiza o Dicionário de Filosofia, de José Ferra ter Mora:

"EI vocablo 'verdad' se usa en dos sentidos: para referir-se a una proposición y
para referir-se a una realidad. En el primer caso se dice de una proposición que
es verdadera a diferencia de «falsa». 81 el segundo caso se dice de una
realidad que es verdadera a diferencia de <<aparente», «ilusoria»,
<<irreal», <<inexistente», etc. ( ...) El problema que se plantea es cómo
alcanzar esa verdad. Unos dirán que es la inteligencia quién la capta; otros que
la intuición, y otros. por nn, que a través de las sensaciones." (Mora, 1995:747-
749).

A partir daí, das diferentes ''fontes" do saber, desenvolvem-se outras

concepções a respeito da Verdade. Os escolásticos a conceberam

essencialmente como uma "propriedade transcendental", "metafísica"; os

nominalistas a consideram como veritas sermonís; os realistas como verdade

ontológica, ou epistemológica... Na época moderna, vêem-se vigentes as

concepções de verdade anteriores, ainda que se destaque uma mais nova que

seria a "concepção idealista", racionalista: Spinoza dizia que a ordem das idéias é

a mesma ordem das coisas; Hegel busca chegar a verdade absoluta, à ''verdade
filosófica"; Husserl relaciona a verdade com a noção de adequação e evidência;

Heidegger propõe que esta corresponda à existência; Nietzsche manteve uma

concepção biologista, darwiniana da verdade oposta às concepções metafísicas

(embora, M. Foucault não o descreva dessa forma); Peirce e W. James mantêm a

verdade ligada à investigação a ser verificada; Bérgson admite uma relatividade

do conceito, pois supõe que todo juízo de valor é verdadeiro40 Há que se destacar

40
Nesse ponto, acrescentaríamos o ponto de vista lingüístico contemporâneo do autor
Berrendonner, para quem a condição de Verdade e Falsidade não se verifica em relação ao estado
de coisa, mas se apóia na opinião pública (nas enunciações anteriores), por isso ele dá relevância

134
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

ainda uma concepção de verdade como correspondência chamada "conceito

semântico de verdade": A. Tarski assegura que uma definição adequada para a

verdade tem que se dar numa metalinguagem formal (semântica); Strawson

adverte que o conceito semântico (formal) da verdade encontra obstáculos no


41
trato com as línguas naturais. Para finalizar, retomemos a definição de Mora:

"Los distintos cmceptos de la verdad pueden ser agrupados en varios tipos


fundamentales. Esto se hace cuando se habla de <<verdad lógica>>, <<verdad
semântica». <<verdad existencial». etc. Conviene. sin embargo, que !ales
agrupaciones sean hechas de un modo sistemático. Una de las presentadas es
la ya dásica de la verdad lógica (no contradicción). verdad epistemológica
(adecuación del entendimiento y de la realidad) y verdad ontológica (realidad
como algo distinto de la apariencia). Otra es la que distingue entre verdad
semântica y verdad filosófica ( ...) Cabe distinguir ente teoria relativista (no hay
verdades absolutas) y teorias historicista (las verdades están en la historie) ( .. .)
«la verdades hija dei tiempo» ." (Mora, 1995: 759).

Após este passeio panorâmico por todas estas concepções clássicas e

tradicionais, atentemo-nos para o que diz o filósofo Michel Foucault a respeito da

verdade. Ele destitui o lugar universal e atemporal da Verdade, esclarecendo que

os percursos histórico-sociais que nos conduzem ao estatuto da Verdade estão

muito mais relacionados aos efeitos de sua produção e invenção (sobre este

termo pretendemos voltar a discutir) do que, propriamente, a um possível caráter

platônico de Verdade ideal, eterna e absoluta. Veja-se o seguinte trecho da

Mícroffsíca do pcxier:

ao processo de validação/verificação que enfatiza uma relativização da verdade.


BERRENDONNER. A. (1981). Elementos de Pragmática Lingüística. Buenos Aires: Gedisa. p. 29-
62. (1987).
41
Conferir o verbete completo sobre a verdade: MORA, J.F. (1983). Dicionário de Filosofia. Madrid:
Alianza editorial. 1995. pp. 747-759.

135
4<0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Olíveíra Santos- 2004
I
Parece-me que o que se deve levar em consideração no intelectual não é,
portanto, "o portador de valores universais-; ele é alguém que ocupa uma posição
específica, mas cuja especificidade está ligada às runções gerais do dispositivo da
verdade em nossas sociedades. Em outras palavras, o intelectual tem uma tripla
especificidade: a especificidade de sua posição de classe( ...) ; a especificidade de
suas condições de vida e de trabalho, ligadas a sua condição de intelectual ( ...);
finalmente, a especificidade da verdade nas sociedades contemporâneas. to então
que sua posição pode adquirir uma significação geral, que seu combate local ou
específico acarreta efeitos, tem implicações que não são somente profissionais ou
setoriais. Ele funciona ou luta ao nível geral deste regime de verdade, que é tão
essencial para as estruturas e para o funcionamento de nossa sociedade. Há um
combate "pela verdade" ou, ao menos, "em tomo da verdade" - entendendo-se,
mais uma vez, que por verdade não quero dizer "o conjunto das coisas
verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar", mas o "conjunto das regras segundo as
quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos
especificos de poder"; entendendo-se também que não se trata de um combate
"em favor" da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e do papel
econômico-polltico que ela desempenha. (Foucault, 1988:13).

Nesse sentido, o autor particulariza as verdades, ou cada verdade, nas

suas relações de produção, efetivação e constituição. Sejam estas verdades

pertencentes aos círculos institucionais autorizados, validados e de prestigio ou

residam/resistam estas nos espaços da marginalidade:

Parece, no entanto, que podemos atribuir-lhe [à história das idéias] dois papéis.
Por um lado, ela conta a história dos elementos secundários e das margens. Não a
história das ciências, mas dos conhecimentos imperfeitos, mal rundamentados,
que jamais puderam atingir ao longo de uma vida obstinada, a forma da
cientificidade (história da alquimia e não da química, dos espirítos animais ou da
frenologia e não da fisiologia, história dos temas atomisticos e não da física).
Histólia das filosofias obscuras que perseguem as literaturas, a arte, as ciências, o
direito, a moral e até a vida cotidiana dos homens. História dos temativismos
seculares que jamais se cristalizaram em um sistema rigoroso e individual, mas
que formaram a fisiologia espontânea dos que não filosofavam. História, não da
literatura, mas do rumor lateral, da escrita cotidiana e tão rapidamente apagada
que nunca adquire o 'status' da obra ou que imediatamente o perde: análise das
subliteraturas, dos almanaques, das revistas e dos jornais, dos sucessos fugidios,
dos autores inconfessáveis. Assim, definida - mas vê-se de imediato o quanto é
difícil fixar-lhes limites precisos -, a história das idéias se dirige a todo esse
insidioso pensamento, a todo esse jogo de representações que correm
anonimamente entre os homens; no interstlcio dos grandes monumentos
discursivos, faz aparecer o solo fi"iável sobre o qual repousam. Trata-se da
disciplina das linguagens flutuantes, das obras informes, dos temas não ligados.
Análise das opiniões mais que do saber, dos erros mais que da verdade; não das
fonnas do pensamento, mas dos tipos de mentalidade. (Foucault, 196912002: 157).

136
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
Conforme Foucault, a história das idéias descreve incessantemente a

passagem da não-filosofia à filosofia, da não-cientificidade à cientificidade, da

não-literatura à própria obra42 Por isso mesmo, essa descrição toma por norma a

ciência constituída; a história que ela conta é necessariamente escondida pela

oposição verdade e erro, racional e irracional, obstáculo e fecundidade, pureza e

impureza, científico e não-científico. Trata-se de uma 'história epistemológica das

idéias'. (Foucault, 1969/2002: 216).

f: importante notar que ao redor da noção de verdade coexistem outras


noções que junto a ela mobilizam um certo 'continuum' conceptual: + Saber +
Conhecimento + Ciência + Verdade + Poder. O autor salienta que entre essas
noções há limiares muitas vezes difíceis de serem fiXados, mas que tais noções

se transpõem umas às outras em função dos jogos e relações de poder que as

envolvem, conceitos que manipulam e estratégias que utilizam. Quando um

conjunto de enunciados pretende (conseguindo ou não) fazer valer normas de

verificação, a formação discursiva transpõe um 1imíar de epistemologização~

quando a figura epistemológica (sob critérios formais) tem seus enunciados

subjugados às leis de construção das proposições, ela transpõe um 'limiar de

cientificidade'; quando o discurso científico define seus axiomas e suas

legitimidades, desenvolvendo o edifício formal que constitui, ele transpõe o 'limiar


43
da formalização' . Poderia-se chamar de míope um olhar que não enxergue

esses limiares descontínuos em suas particularidades. Veja-se o trecho seguinte

de A arqueologia do Saber.

42
Conferir: M. Foucault, 196912002:158.
43
Conferir: M. Foucault. 1969/2002: 211.

137
11 ..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004

Se só se reconhecer na ciência o acúmulo linear das verdades ou a ortogênese da


razão, se nela só se reconhecer uma prática discursiva que tem seus níveis, seus
limiares, suas rupturas diversas, só se poderá descrever uma única divisão
histórica cujo modelo não se deixa de reconduzir, ao longo dos tempos, para uma
forma de saber, não importa qual: a divisão entre o que não é ainda científico e o
que o é definitivamente. Toda a densidade das separações, toda a dispersão das
rupturas, toda a defasagem de seus efeitos e o jogo de sua interdependência
acham-se reduzidas ao ato monótono de uma fundação que é preciso sempre
repetir. Só existe, sem dúvida, uma ciência para a qual não se poda distinguir
esses diferentes limiares nem desaever entre eles semelhante conjunto de
defasagens: a matemática, única prática que transpôs de uma só vez o limiar da
positividade, o de epistemologização, o da cientificidade e o da formalização( ...).
Mas ao tomar o estabelecimento do discurso matemático como protótipo do
nascimento e do devir de todas as outras ciências, corre-se o risco de
homogeneizar todas as formas singulares de historicidade ( ...).A matemática foi
seguramente o modelo para a maioria dos discursos cientlficos em seu esforço de
alcançar o rigor formal e a demonstratividade; mas, para o historiador que
interroga o devir efetivo das ciências, ela é um mau exemplo - um exemplo que
não se poderia, de forma alguma generalizar. (Foucault, 196912002: 213-114).

Em toda formação discursiva há relações específicas entre verdade, ciência

e saber: o analista ao invés de procurar definir entre elas uma relação de exclusão

ou subtração, "{buscando a parte do saber que se furta e resiste ainda à ciência e

a parte da ciência que ainda está comprometida pela vizinhança e influência do

sabe!f'(Foucault, 1969/2002:209); deve apontar como uma ciência se instaura e

funciona no elemento do saber legitimando "verdades". "É sem dúvida aí nesse

espaço de ação, que se estabeíecem e especificam as relações de ideologia com

as ciências(. ..). Articulam-se onde a ciência se destaca sobre o saber." (Foucault,

1969/2002: 209). Um saber é aquilo de que se pode falar em uma prática

discursiva assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes objetos em

busca de um 'status' científico. Trata-se do espaço em que o sujeito pode tomar

posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso.

138
··o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
Para M. Foucault, a Verdade não É, ou Está (n)isso ou (n)aquilo desde

sempre e para sempre, mas foi e continuará sendo produzida e efetivada a partir

de jogos de relações sociais, políticas, jurídicas, religiosas e históricas permeadas

pelo elemento poder. As condições políticas e econômicas não são um obstáculo

a ser descortinado pelo sujeito de conhecimento, mas aquilo através do que se


44
fonnam tais sujeitos de conhecimento e, imediatamente, as relações de verdade.

"Em sua relação com o objeto, o sujeito de conhecimento tem uma história, ou

mais claramente, a própria verdade tem uma história". (cf. Foucault, 1974:8).

Foucault põe em questão esse sujeito de conhecimento como ponto de origem a

partir do qual a verdade é revelada. Ele propõe que se observe, através da

história, a constituição de um sujeito que não é dado detenninantemente, não é

aquilo a partir do que a verdade se desvela, mas que se constitui no interior da

história e é por ela fundado e re-fundado 46 Em relação à história da verdade . o

autor propõe que:

No fundo há duas histórias da verdade. A primeira é uma espécie de história


interna da verdade, a história de uma verdade que se corrige a partir de seus
próprios princípios de regulação: é a história da verdade tal como se faz na ou a
partir da história das ciências. Por outro lado, parece-me que existem, na
sociedade. ou pelo menos, em nossas sociadades, vários outros lugares onde a
verdade se fonna, onde um certo número de regras de jogo são definidas -regras
de jogo a partir das quais vemos nascer certar fonnas de subjetividade, certos
domínios de objeto, certos tipos de saber -e por conseguinte podemos, a partir
dal, fazer uma história extema, exterior da verdade." (Foucault, 1974:11)

Nesse sentido, Foucault refere-se enfaticamente ao filósofo Nietzsche,

qualificando-o como o melhor, o mais eficaz e o mais atual autor a fazer a análise

44
Conferir: M. Foucault, 1974:27.
45
Conferir: M. Foucautt, 1974:10.

139
11 uo Provérblo é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004
I
histórica da formação do sujeito, a análise histórica do nascimento de um certo

tipo de saber. Afirma que uma análisa dessa tipo aprofunda o olhar sobre a

história política do conhecimento, os fatos de conhecimento e o sujeito do

conhecimento: trata-se do que Foucault chamaria de uma análise histórica da

'política da verdade'.

Há que se fazer menção ainda sobre a polêmica oposição entre os termos

"invenção" e "origem" proposta por Nietzsche. A palavra "origem" estaria sendo

muitas vezes usada pela palavra "invenção" como, por exemplo, nas proposições

do tipo: "a origem da religião", "a origem da poesia". Para Nietzsche, ambas são

invenções fabricadas, produzidas para criar relações de poder sobre os outros46 :

':4 solenidade de o!igem, é necessá!io opor, em bom método histó!ico, a


pequenez meticulosa e inconfessável dessas tab!icaç6es, dessas invenç6es. O

conhecimento foi, portanto, inventado. Dizer que ele foi inventado é dizer que ele

não tem o!igem. (.. .) não está em absoluto insc!ito na natureza humana':

(Foucault, 1974:16). O conhecimento é um efeito das relações históricas

humanas. Foucault afinna que nessa análise de Nietzsche há:

Uma dupla ruptura muito importante com a tradição da filosofia ocidenta e cuja
lição devemos conservar. A primeira é a ruptura entre o conhecimento e as coisas.
O que, efetivamente, na filosofia ocidental assegurava que as coisas a conhecer e
o próprio conhecimento estavam em relação de continuidade? ( ...) Deus (...) É
esse principio que assegura haver uma harmonia entre o conhecimento e as
coisas a conhecer (. ..) diria que, se é verdade que entre o conhecimento e os
instintos ( .. .) há somente ruptura, relações de dominação e subserviência, relações
de poder, desaparece então, não mais Deus, mas o sujeito em sua unidade e
soberania. (Foucautt, 1974:18-19)

46
Conferir: M. Foucault, 1974: 14 e ss.

140
•·oProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca·•·. os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial J
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

Retomando toda a tradição da filosofia a partir de Descartes (para não ir

mais longe), vê-se que a unidade do sujeito humano sempre esteve assegurada

pela continuidade que vai "do desejo ao conhecer, do instinto ao saber, do corpo à

verdade. Tudo isto assegurava a existência do sujeíto."(Foucault, 1974:19-20).

Mas se esta relação é possível, se de um lado há a vontade, o instinto, o corpo, e

do outro o que há é o conhecimento, o saber, a verdade, então não se tem mais

necessidade da unidade do sujeito. Podemos admitir que esse sujeito universal

não existe. Eis em que o texto de Nietzsche que cíteí 41, consagrado à invenção do

conhecimento, me parece estar em ruptura com a tradição filosófica mais antiga e

mais estabelecida na filosofia ocidental." (F oucault, 1974: 19-20).

Nietzsche quer dizer que não há uma natureza do conhecimento, uma essência do
conhecimento, mas que o conhecimento é, cada vez, o resultado histórico e
pontual de condições que não são da ordem do conhecimento. O conhecimento é
um efeito ou um acontecimento que pode ser colocado sob o signo do conhecer. O
conhecimento não é uma faculdade, nem uma estrutura universal. Mesmo quando
utiliza um certo número de elementos que podem passar por universais, esse
conhecimento será apenas da ordem do resultado do acontecimento, do efeito".
(Foucault, 1974:24).

1.2 A verdade sobre uma falsa continuidade: lndividuai+Coletivo+Universai

o efeito de universalidade absoluta da Verdade está contido em uma

prática histórica que a história das idéias apresenta caracterizada pela

continuidade, linearidade e homogeneidade, de maneira que as micro-estruturas

47
Foucault refere-se a um texto de Nietzsche datado de 1873 e só publicado postumamente. Diz o
texto: 'Em algum pooto perdido deste universo, cujo clarão se estende a inúmeros sistemas
sdares, houve, uma vez, um astro sobre o qual animais in!RJ/igentes inventaram o conhecimento.
Foi o instante da maior mentira e da suprema arrogância da história universal."

141
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004

funcionassem pela repetição modelar de uma unidade maior, macro-estrutural:

universal. Foucault percorre esse caminho (caminho em busca da perpétua

universalidade) na contra-mão e, no percurso, faz-nos deparar com a

descontinuidade (limiar, ruptura, corte, desvio, mutação, transformação):

Apareceram, em lugar dessa cronologia contínua de razão, que se fazia remontar


invariavelmente à inacessível origem, à sua abertura fundadora, escalas, às
vezes, breves, distintas umas das outras, rebeldes diante de uma lei única,
freqüentemente portadoras de um tipo de história que é própria de cada uma, e
irredutíveis ao modelo geral de uma consciência que adquire, progride e que tem
memória. (Foucault, 196912002: 9).

Tal descontinuidade se constituía no estigma da dispersão temporal que o

historiador almejava excluir da história, mas para Foucault, tal dispersão permite

individualizar os domínios. A história contínua faz-se correlata à função fundadora

do sujeito: a segurança de que tudo que se lhe perdeu será devolvido. "Fazer da

análise histórica o discurso do contínuo e fazer da consciência humana o sujeito

originário de todo o devir e de toda prática são as duas faces de um mesmo

sistema de pensamento~ (Foucault, 1969/2002:14-15).

Nesse sentido, os tipos diversos de enunciação nada !êm a ver com a

unidade de um sujeito, seja o sujeito tomado como instância original e fundadora

de racionalidade, ou o sujeito tomado como mera função empírica. As diferentes

modalidades de enunciação não remetem à função empírica, nem à função

unificante de um sujeito, mas à dispersão: "nos diversos 'status', nos diversos

lugares, nas diversas posições que pode ocupar ou receber quando exerce um

discurso, na descontinuidade dos planos de onde fala. "(Foucault, 1969/2002:61).

Para Foucault:

142
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos uo espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

O sujerto do enunciado é uma função determinada, mas não forçosamente a


mesma de um enunciado a outro; na medida em que é uma função vazia, podendo
ser exercida por indivíduos, até certo ponto, indiferentes. quando chegam a
formular o enunciado; e na medida em que um único e mesmo individuo pode
ocupar, alternadamente, em uma série de enunciados, diferentes posições e
assumir o papel de diferentes sujeitos. ( ...) Definiremos o sujeito de tal enunciado
pelo conjunto desses requisitos e possibilidades; e não o descreveremos como
indivíduo que tivesse, realmente, efetuado operações, que viesse num tempo sem
esquecimento 'nem ruptura', que tivesse interiorizado, no horizonte de sua
consciência, todo um conjunto de proposições verdadeiras. e que delas retivesse.
no presente vivo de seu pensamento, o reaparecimento virtual. (Foucault,
196912002: 107-108).

Segundo Foucault (1969/2002), para a história das idéias, a diferença, é

desequilfbrio, o desvio é erro ou armadilha: assim, a sagacidade da análise não

pode se prender a ela, mas tentar desfazê-la em prol da perfeita continuidade. A

arqueologia do saber, por outro lado interessa-se pelo que normalmente é

considerado obstáculo. Ela não pretende mascarar as diferenças, mas analisá-las,

mostrar em que consistem e 'diferenciá-las' 48 .

A estas considerações de M. Foucault, gostaríamos de acrescentar o que

sustenta M. Pêcheux, 1997:127, acerca dessa discussão sobre a continuidade do

sujeito, da história, da verdade, considerada por ele como um mito continuista-

empirista (o mascaramento da descontinuidade), a partir do qual o sujeito concreto

individual (em situação) caminha progressivamente até o sujeito universal (situado

em toda parte e em lugar nenhum), como pode ser sintetizado na tabela abaixo:

48
Conferir: M. Foucault, 1969/2002: 195.

143
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Olivdra Santos- 2004

Tabela tomada de Pêcheux 1975: 127. que a adotou de C. Fuchs.


1 2 3 4
origem discrepância i generalização Universalização

categorias eu tu (você)/ eu ele, xJ eu todo sujeito


lógico- (cada um, quem
gramatical quer que seja)
s de ver dizer dizer
referência pensar
presente passado passado
sempre
aqui em outro lugar/ em outro lugar/
aqui aqui em toda parte
Forma de
base do (eu digo que) tu me disseste disseram-me é verdade que ...
enunciado eu vejo isto que ... (você me que...
disse que ... ) foi constatado
I que ...

Confonne Pêcheux, 'o empirismo lógico encontra todo o seu vigor critico e
repete sem cansaço que, contrariamente "ao mundo físico'; estável e coerente, o

"mundo mental" não permite assegurar uma referência, exceto pela força das

ilusões que se apoderam de cada sujeito sob a forma do "consenso'; do

conformismo, etc~ (op.cit:129). Um duplo erro, segundo o autor, uma vez que de

um lado considera as ideologias como idéias e de outro que as idéias têm origem

no sujeito, quando na verdade elas "constituem os indivíduos em sujeitos':

Pêcheux afinna que a solução idealista consiste em: "Partir do sujeito individual

"concreto~ ao mesmo tempo, como elemento de um conjunto (comunidade, povo,

etc) e como fonte da metáfora constitufda pela personificação desse conjunto, que

funciona "como um único homem': (op.cil: 130). A partir do quadro acima, vemos

que o autor coaduna-se com a crítica feita por Foucault ao mascaramento da

144
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial J
Mônica Oliveira Santos- 2004 .I

descontinuidade pela história das idéias; e, ainda, que acrescenta um elemento

fundamental para a nossa análise: a materialidade lingüística e a ideologia.

Correndo o risco de parecer simplistas, podemos dizer que Foucault,

concordando com Nietzsche, rompe com a tradição filosófica em relação à

universalidade do sujeito e da verdade e mostra como esses domínios, no campo

epistemológico das idéias, do saber, se particularizam a partir da análise que

propõe para evidenciar as diferenças, as descontinuidades e seus decorrentes

efeitos. Pêcheux, desse mesmo ponto de partida, salienta como o 'mito

continuísta-empirista' também se mostra instaurado na ordem da língua,

chamando a atenção para a materialidade lingüística na Análise do Discurse.

Assim como Foucautt, Pêcheux também toma o discurso como elemento de

sua análise. Mas, há que se distinguir tal noção entre um e outro: enquanto para

Foucault o discurso diria respeito a uma prática amplamente abrangente que pode

incluir, OU NÃO, a linguagem, para Pêcheux, a noção de discurso vai deslocar-se

da de Foucault, estabelecendo uma contraparte necessária com a materialidade

discursiva. Ou seja, ele evidencia como os desvios, as discrepâncias vão estar

formalmente instaurados não só no acontecimento histórico, mas também na

estrutura lingüística. Isso aparece bastante concreto nesse quadro, quando ele

propõe para a progressão continuística: Origem + Discrepância + Generalização

+ Universalização; uma correlação com as unidades lógico-gramaticais que lhes

servem de referência: EU +TU /VOCÊ +ELE I X +TODOS. A base lingüística

pennite a identificação e constituição do sujeito.

145
..OProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca••: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
h-iônica Oliveira Santos- 2004

1.3 "A voz do povo é a voz de deus" - "A palavra de Deus é a verdade, sua lei

liberdade." Salmos 2:7, vs1.

Já que para os cânones tradicionais o estatuto da Verdade sempre esteve

relacionado a domínios importantes, respeitáveis e validados como os da religião,

justiça e ciência, pretendemos, ao estilo foucaultiano, tomar como material para

análise um campo marginal que, no que diz respeito ao tema verdade, é

considerado como obstáculo, desvio ou aquilo que se deve evitar. Vamos observar

a verdade na enunciação proverbial. E sem perder de vista a questão da

materialidade lingüfstica, nesse caso, não podemos esquecar de o quanto esse

tipo de enunciado também é execrado dos canônicos manuais de escrita formal -

Eis a marginalidade do provérbio na língua! - Quase todos os manuais de redação

alertam para qJe se evite o uso de provérbios, clichês e expressões do senso

comum, assim como os critérios de correção de redação em concursos e

vestibulares trazem a recomendação para o corretor de que o emprego desses

usos deve ser penalizado na pontuação. Entretanto, tomando a via da contra-mão,

deparamo-nos com esse tipo de acontecimento enunciativo nos mais variados

gêneros textuais das modalidades de linguagem oral e escrita.

O provérbio está em todos os lugares, dentro e fora da academia há

sempre um lugarzinho (escondido!) para o "velho deitado", digo, o "velho ditado"!

Seja nos tftulos de filmes, e matérias de jornais, e revistas, ou nas epígrafes das

teses científicas, ele está lá. Mesmo na margem, o provérbio está intrincado com a

verdade. Funciona como um discurso autoritário, pois é, na língua, um recurso

146
"'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbíal
1-íônica Oliveira Santos- :2004

retórico de autorização, é uma citação de autoridade. O provérbio, ao mesmo

tempo, limita-se com e opõe-se ao conhecimento científico, seja constituindo-se

apenas por uma experiência empírica elementar que só se aprofunde no saber

cientifico ("Relógio de pobre é o sol"), seja constituindo-se por resíduos que se

vulgarizam e escorrem do universo abstrato da ciência para a experiência do povo

("Freud explica!").

Sabe-se que o provérbio tem o seu quê de 'filosofia popular', porque ele é a

representação do saber do povo, do conhecimento do povo, da "verdade" do povo.

Como a própria palavra "povo" já guarda em sí, estereotípicamente, a noção de

coletividade, percebemos claramente o funcionamento do mito empírico-

contínuísta: o coletivo de "pessoa" ("povo") implica a totalidade, portanto a

universalidade: como se fosse o TODO/UNIVERSAL, não é só o EU, nem o NÓS,

nem o ELES, mas o TODOS. Não estaria apenas no plano do 'indivíduo', nem de

'alguns', nem da 'maioria', mas no plano da 'totalidade'. A partir do tradicional

esquema mítico empírico-contínuísta é com o TODOS que estaria a "verdade"

universal. Ora, o provérbio vai evidenciar exatamente o contrário! Como

observamos no capítulo anterior, a enunciação proverbial representa coletividades

distintas e muitas vezes opostas. Do estatuto reconhecido de "verdade" do povo, o

provérbio deixa-nos entrever que o "povo" não é uma unidade homogênea e,

portanto, sua "verdade" não é universal. É por isso que o enunciador do provérbio

não pode ser um enunciador-universal, ou um enunciador-genérico, mas só pode

ser um enunciador-coletivo, no sentido de que a noção de coletivo representa um

grau de particularidade (distinção/divisão) em relação ao Geral, Total, Universal.

147
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·': o.s sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

O discurso par1amentar é tido e apresenta-se como a voz do representante

do povo, aquela voz que representaria o povo como uma pretensa totalidade. O

discurso político, considerando o conjunto do congresso, produz o simulacro de

unidade de um personagem/sujeito: o representante com ares divinos que porta a

"verdade". A verdade, ética, moral, religiosa, científica, jurfdica e popular (senso

comum). Pois, por um efeito político/formal, assim como ele simula representar a

universalização das "verdades" de todas as principais instâncias, ele tanto

pretende representar as "verdades" divinas, legais e acadêmicas, como está

obrigado a representar a "verdade" popular ("pelo povo, para o povo e com o

povo"). A voz do povo não tem autoridade científica, mas tem autoridade política

na medida em que elege. É por isso que no discurso parlamentar há que existir a

"verdade" marginal do povo formalizada na língua pelo provérbio, clichê, lugar

comum e expressões idiomáticas. Funciona como um lugar de legitimação do

discurso político.

Sobre esse aspecto destacamos o trabalho Cidadãos Modernos- Discurso

e Representação Polftíca de Zoppi-Fontana (1997). Tomando como corpus de

pesquisa o discurso alfonsinista referente à eleição no ano de 1983 na Argentina,

a autora descreve os fundamentos discursivos da representação política, através

da figura do Porta-Voz. Este se faz intérprete do Povo que é "sacralizado pela luta

e pela resistência ( ... ) que permanece idêntico e fiel a si mesmo ao longo dos

anos, sempre traído e sempre renascendo de suas cinzas" cada vez que recupera

a República perdida para entregá-la confiante ao novo guia4 s. (Zoppi-Fontana,

49
Estas afirmações referem-se a um filme em que se (re)produz essa representação política.

148
"'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

1997: 60). Porém, para isso, há que se apagar os indícios de divisão intema e

unificar as vozes dissonantes, desse povo que delega poder, numa só voz: "uma

voz única como metonímia (... ) [e] metáfora de um sujeito coletivo que digere os

indivíduos no risco que eles representam de conflito social" (Zoppi-Fontana, 1997:

60). Essa voz é unificada a partir da constituição de um NÓS que se constitui

"como lugar de enunciação coletivo, como lugar de um fazer político partilhado

onde "povo" e líder são constituídos reciprocamente a partir de uma ilusão de

interlocução." (Zoppi-Fontana, 1997: 62). Esse NÓS produz "um efeito de

comunhão dos diversos sujeitos enunciadores numa palavra "comum", que não

reconhece outra origem fora a voz coletiva que a reproduz em ato de enunciação".

(Zoppi-Fontana, 1997: 66). A palavra do Porta-Voz funciona substituindo a palavra

do povo e por isso institui-se "discursivamente como espaço do diferente. Um

outro, cuja radical altelidade o afasta do grupo originário, legitimando-o na sua

nova função enunciativa: 'falar no lugar de'." (Zoppi-Fontana, 1997: 84).

Voltemos a Foucault para chamar a atenção sobre suas considerações a

respeito das práticas judiciárias como das mais importantes relacionadas ao

estatuto da verdade.

As práticas judiciárias - a maneira pela qual, entre os homens, se arbitram os


danos e as responsabilidades, o modo pelo qual, na história do Ocidente, se
concebeu e se definiu a maneira como os homens podiam ser julgados em li.Jnção
dos erros que haviam cometido, a maneira como se impôs a determinados
individuas a reparação de algumas de suas ações e a punição de outras, todas
essas regras ou, se quiserem, todas essas práticas regulares, é claro, mas
também modificadas sem cessar através da história - me parecem uma das
fonnas pelas quais nossa sociedade definiu tipos de subjetividade, formas de
saber e, por conseguinte, relações entre o homem e a verdade que merecem ser
estudadas. (Foucautt, 1974:11)

149
~·oProvérbJo é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Môníca Oliveira Santos- 2004

Nesse percurso em busca da verdade, o autor retoma uma espetacular análise,

feita por Deleuze, do clássico "Édipo Rei: de Sófocles, enfatizando a busca pela

verdade e sua relação com o 'saber-poder' político. "A tragédia de Édipo é

fundamentalmente o primeiro testemunho que temos das práticas judiciárias

gregas (. ..) A tragédia de Édipo é, portanto, a história de uma pesquisa da

verdade."(Foucault, 1974: 31). Em Édipo, o mecanismo da verdade obedece a

uma lei, que seria a lei dos fragmentos. A verdade está fragmentada na voz dos

deuses, dos adivinhos e dos servos (o povo). É pelo encaixe destes fragmentos

que se dá a descoberta da verdade em Édipo. A verdade não é construída nem

pelos deuses, nem pelos reis, mas pelos servos e escravos -o escravo de Políbio

e o mais humilde pastor vão revelar a grande verdade:

Esta fonna, realmente impressionante no 'Édipo" de Sófocles, não é apenas uma


forma retórica. Ela é ao mesmo tempo religiosa e polltica. Ela consiste na famosa
técnica do (...)símbolo grego( ...) isto é a continuidade do poder que se exerce. O
poder se manifesta, completa seu ciclo, mantém sua unidade graças a este jogo
de pequenos li"agmentos, separados, uns dos outros, de um mesmo conjunto. de
um único objeto, cuja configuração geral é a fonna manifesta do poder. (f oucault,
1974: 38).

Foucault afima que toda a peça de Édipo é uma toma de deslocar a

verdade do discurso profético e prescritivo para um outro discurso de ordem

retrospectiva, da ordem do testemunho e não da profecia. É uma maneira de

deslocar a verdade do brilho profético e divino para o olhar empírico e diário dos

servos. De um lado estão os deuses e do outro os servos, mas entre os dois há o

nível dos reis (polftico), do Édipo e nesse ponto o autor pergunta: "Qual é seu nível

de saber, que significa seu olhar? E é característico que o título da peça de

150
~'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

Sófocles não seja 'Édipo, o incestuoso', nem 'Édipo, o assassino de seu pai: mas

'Édipo-Rei'. Que significa a realeza de Édípo?"(Foucault, 1974: 40-41). Édipo, em

toda a tragédia, nunca apelará para a sua inocência. Seu problema é somente

manter o seu poder. É o poder que está em jogo do início ao fim da tragédia.

Entretanto, o personagem do rei de Tebas não é notável apenas por seu poder

como também por um certo saber. Édipo é aquele que encontra por seu saber a

solução para o enigma da esfinge e, se quiser selvar Tebas novamente, terá que

encontrar outra vez a verdade. Não podia haver poder político sem a posse de um

saber especial. É por buscar incessantemente esta verdade que o rei caí na

annadilha do Destino, e desenterra a verdade que o desterrará. É o que Foucault

chama de 'saber-e-poder, poder-e-saber': "É porque ele exerce um certo poder

tirânico e solitário, desviado tanto do oráculo dos deuses que ele não quer ouvir,

quanto do que díz e quer o povo, que, em sua sede de poder e saber, em sua

sede de governar descobrindo por si só, ele encontra, em última instância, os

testemunhos. "(Foucault, 1974: 48).

Foucault relaciona a tragédia de Édipo com a filosofia platônica: a

desvalorização, desqualificação da forma do saber político ou o famoso sofista,

profissional do poder e do saber. O que ocorre na origem da sociedade grega é o

desmantelamento da grande unidade de um poder político mágico-religioso

existente nos grandes impérios: o homem do poder vira o homem da ignorância.

Édipo, por saber demais, nada sabia 5°

50
Conferir: Foucautt, 1974: 48 e ss

!51
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

O ocidente vai ser dominado pelo grande mito de que a verdade nunca pertence
ao poder polftico, de que o poder político é cego, de que o verdadeiro saber é o
que se possui quando se está em contato com os deuses ou nos recordamos das
coisas, quando olhamos o grande sol eterno ou abrimos os olhos para o que se
passou( ...) onde se encontra saber e ciência em sua verdade pura, não pode mais
haver saber pomico. Esse grande mito precisa ser liquidado. Foi esse mito que
Nietzsche começou a demolir ao mostrar, em numerosos textos já citados, que por
trás de todo saber, de todo conhecimento, o que está em jogo é uma luta de
poder. O poder polftico não está ausente do saber, ele é tramado com o saber.
(Foucault, 1974: 50-51).

A tragédia de Édipo para Foucault apresenta um resumo do direito grego: o

processo através do qual o povo tomou posse do direito de julgar, de dizer a

verdade opondo-se aos próprios senhores e julgando aqueles que o governavam.

''Este direito de opor uma verdade sem poder a um poder sem verdade deu lugar a

uma série de grandes formas culturais caracterfstícas da sociedade grega': formas

racionais da prova e da demonstração da verdade, a arte de persuadir e

convencer da verdade e um tipo de conhecimento por meio de testemunho, por

'inquérito' 51 . O inquérito tomou-se o modelo a partir do qual outros saberes

(filosóficos, retóricos e empíricos) se desenvolveram, caracterizando o

pensamento grego. Foucault apresenta o percurso do inquérito como prática

judiciária através da história e mostra como ele chegou até a nossa cultura

ocidental contemporãnea 52 O inquérito não vem a ser um conteúdo, mas a forma

de saber. Uma Forma de saber calcada na fusão de um tipo de poder e de certo

número de conteúdos de conhecimento 5a

Não creio, no entanto, que o procedimento de inquérito seja simplesmente o


resuttado de uma espécie de progresso da racionalidade. Não foi radonalizando
os procedimentos judiciários que se chega ao procedimento do inquérito. F oi toda

51
Conferir: Foucault, 1974: 54.
52
Não intentamos, porém, retomar como o inquérito chegou, mas o fato de que chegou até nós.
53
Conferir: Foucault, 1974: 77.

!52
•'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Môníca Oliveira Santos- 2004

uma transformação política, uma nova estrutura política que tomou não só
possível. mas necessária a utilização desse procedimento no domínio judiciário."
(Foucault, 1974: 72-73)
De maneira mais geral, este inquérito judiciário se fundiu em muitos outros
domínios de práticas -sociais, econômicas - e em muitos domínios do saber ( ...)
Foi desta forma que todo um saber econômico, de administração econômica dos
estados, se acumulou no fim da Idade Média e nos séculos XVII e XVIII. Foi a
partir daí que nasceu uma forma regular de administração dos estados, de
transmissão e de continuidade do poder político e nasceram ciências como a
Economia. Política. a Estatística, etc." (Foucault. 1974: 74-75).

Relacionando estas reflexões com o discurso político-par1amentar de que

falávamos antes, mesmo através dos percursos/percalços da história, as formas

modelares das relações políticas clássicas ainda podem ser visualizadas em

alguns princípios que se mantêm contemporaneamente. Podemos observar que o

mito platônico de que com o político está a cegueira, a ignorância

convive/confronta-se com práticas que mostram na ação política o entremeio das

principais instâncias do saber. religioso, jurídico, científico e popular, todas elas

comprometidas com o estatuto da verdade.

Assim como o 'inquérito', historicamente, constituiu-se e ainda constitui-se

num meio de acesso à verdade, gostaríamos de salientar que nas relações do

'saber-poder' político do Brasil atual, a ligação com a verdade se mantém

administrada, entre outras práticas, por uma prática de inquérito que nos parece

bastante peculiar. Trata-se da CPI, ou Comissão Par1amentar de Inquérito que diz

respeito a um processo para investigação de denúncias e fraudes dentro do

cenário político, com vistas a trazer à luz a verdade, cumprindo com o papel de

publicar os fatos, satisfazendo ao povo que cobra o aparecimento da verdade, o

julgamento dos culpados e a punição dos erros. Essa prática está prevista nos

estatutos constitucionais da ação político-parlamentar no Brasil, mesmo que nem

153
..0 Provérbio é um comprimido qu.e anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

sempre tenha sido tão popular. A partir do lmpeachment do ex-presidente

Fernando Collor, tal prática parece ter se tornado mais freqüente como forma de

uma cobrança mais direta do povo em relação aos seus representantes, e como

forma de satisfação pública destes mesmos representantes para com o povo. A

partir do material que estamos analisando - os proferimentos parlamentares

publicados na ata do diário do senado -, percebemos o quanto esta fonna jurídico-

política tem-se tomado constante temática das sessões parlamentares. Vejamos,

como exemplo, alguns recortes desses proferimentos relacionados à prática da

CPI que ilustram as considerações anteriores: (1) proferimento pronunciado pelo

Senador José Eduardo Dutra do PT- SE, no dia 15/03/01, (2) proferimento

pronunciado pelo Senador Ademir Andrade do PSB- PA, no dia 15/03/01.

{1) "Temos insistido por várias vezes que o governo é transitório, a instituição é
permanente. O que está em discussão são as prerrogativas do Congresso
Nacional e a sua obrigação constttucional de fazer essa investigação ( ...) Vimos
durante a semana manifestações por parte de lideranças importantes da base
governista estabelecendo condições ou propostas para assinarem um
requerimento de CPI; assistimos às manifestações do Senador Antônio Carlos
Magalhães de que se fosse uma CPI ampla, para investigar todas as denúncias,
ele assinaria; manifestações do Presidente do congresso Nacional, Senador Jader
Barbalho, de que se fosse uma CPI composta de uma cesta bàsica de
irregularidades no setor financeiro. ele assinaria. O requerimento de CP! que
estamos apresentando contempla todas essas reivindicações dos Srs. Senadores
( ...) Na semana passada, tomamos conhecimento de uma nota assinada pelos
Líderes dos Partidos governistas com assanto nesta Casa. A nota diz que os
líderes são a favor de investigações "pelos instrumentos legais e democráticos"-
como se uma Comissão Parlamentar de lnquérno não fosse um instrumento legal
e democrático. Alguns dizem que o Brasil não é mais o mesmo, porque estamos
vendo um juiz na cadeia, estamos vendo empresários na cadeia e estamos vendo
um ex-senador na cadeia (...) Qual instrumento viabilizou que essas pessoas hoje
estivessem na cadeia? ( ...) A partir de quando as investigações realmente
tomaram pé e a partir de quando constituiram-se elementos para comprovar a
culpabilidade das pessoas que estão presas? A partir da instalação da Comissão
Parlamentar de Inquérito que investigou irregularidades no Poder Judiciário {...)
Significa que a CPI é o instrumento mais eficaz para fazer essa investigação(...) A
história tem demonstrado que, quando se instala uma Comissão Parlamentar de
Inquérito, os seus trabalhos, os seus documentos contribuem para agilizar os
inquéritos no Ministério Público e para agilizar os processos no Poder Judiciário
( ...) O Presidente da República pode dizer à imprensa que instalar CPI é

154
..0 Provérbio é um comprimido que a,nda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
M6nica Oliveira Santos- 2004 .I
deslealdade, que CPI desestabiliza (. ..)Entendemos que o congresso Nacional, ao
instalar essa Comissão Parlamentar de Inquérito, estará agindo em legftima
defesa da instituição ( ...) para garantir as prerrogativas inscritas na Constituição
( .. .) O requerimento está feito, está pronto e estamos coletando assinaturas.
Queremos ver agora aqueles que disseram que só assinariam se a investigação
fosse ampla, geral e irrestrita. Queremos ver agora se vão assinar ou não ( ...)
Vamos ver se realmente vão assinar ou se foi apenas bravata, falácia ou
demonstração de cinismo por parte daqueles que acusam os outros, mas que não
querem realmente que sejam investigadas suas acusações. porque têm medo de
que as acusações que eles fazem acabem voltando para eles próprios.·

(2) "Quero entender agora, Senador José Eduardo Dutra, a sinceridade dos que
aqui fazem denúncias. Essa é a hora da verdade. Deixamos de lado a CPI antiga,
que havíamos proposto no ano passado, estamos propondo uma nova CPI,
extremamente ampla, englobando todas as denúncias que estão sendo feitas,
rnclusive pela base do Govemo. Não se pode negar a existência de fatos
determinados, exigidos pela Constituição Federal para a criação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito. Agora auero ver a sinceridade daweles oue aguj
~ denúncias, tanto de um lado quanto do outro, tanto do lado do PMDB
quanto do PFL (...) O requerimento da criação da CPI está aí. Hoje, houve uma fila
de Deputados para assinarem esse requerimento. Não sei quantas assinaturas já
foram colhidas. Vou saber agora. A gpjruãg pf•bliça yaj tmfendor a sincgridada
daauele S aue. efetivamente. denunciam com CQ@gem de 8DUrar OU ao e nas
denunciam para diVidir espacos no âmbifo do eoder mas não querem apurar
nada ( ...) Os poderes deste país não têm chegado a lugar algum, como também
não têm colocado ninguém na cadeia. Os ladrões estão ai (...) O poder judiciário
não fUnciona no Brasil, até pelas leis que são aprovadas - também nos culpam
por essas leis que favorecem os crimes do colarinho branco, que permitem que
esses ladrões fiquem fora das cadeias -, pelas díficuldades de legislação. Cada
juiz interpreta a lei como acredita que deve ( ...) Portanto, as CPis e, acima
delas (..) a imprensa nacional que colocaram determinadas pessoas na cadeia . g
o poder da imprensa e o poder da opinião pl)bliça - que também assimila
aquilo que a imprensa divulga - aue fazem com aue cheauemos aos fatos e,
conseqüentemente, que haja uma ação do Governo, uma atuação dos poderes
constituídos, no sentido de mandarem alguns ladrões para a cadeia ( ... ) Porlanto,
os Senadores, os Deputados Federais têm o dever, têm a obrigação, se forem
honestos, se forem corretos, se forem direitos, se quiserem realmente que
os fatos sejam apurados, se não tiverem nada a esconder, de assinar esse
requerimento pedindo a criação da CPI, de fazer com que ela se instale e funcione
( ...) Eseero aue sejamos vitoriosos nessa luta eorque é isso que interessa à
sociedade brasiléira."

Além de tornar-se uma prática na "busca" pela ·verdade", a Comissão

Parlamentar de Inquérito tornou-se principalmente um mecanismo estratégico de

controle público perante o povo, uma fonna de ameaça, de poder de alguns

155
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
políticos em relação a outros 54 . O tema da CPI foi exaustivamente abordado em

2001 por ser um ano pré-eletivo em que a maioria dos políticos era pré-candidata

e, nesse momento mais do que nunca, fazia questão de estar do lado da

"verdade". Como estamos num regime democrático, mesmo a instalação destas

CPis estaria condicionada à votação. Nesse caso, (por uma pressão do povo e de

alguns parlamentares) o parlamentar que votasse contra a CPI estaria, no mínimo,

sob fortes suspeitas. Como desconfiávamos, a enunciação proverbial vai estar

presente nesses discursos, marcando, sobretudo, o compromisso que os

parlamentares têm em reconhecer o valor do saber popular, da ''verdade" do povo.

Vejamos outro trecho que ilustra isso: (3) discurso pronunciado pelo Senador José

Alencar do PMDB- MG, no dia 22/03/01.

(3) "A sabedoria popular - este "saber de experiências feito" na lírica definição
camoniana - representa um suporte permanente e precioso na ação partamentar.
Conhecer o que a gente do povo pensa, o que a gente do povo sente e diz é
importante. É imprescindível para o político verdadeiramente compenetrado de sua
missão. ( ...) Procuro manter-me atualizado com relação aos sentimentos e
aspirações populares autênticos e genuínos. Sei não estar trazendo novidade
nenhuma à consideração de meus pares, quando faço este registro. ( ...) Se dou
ênfase ao óbvio é para proclamar que a intuição popular é poderosa e não
falha. E que não podemos nunca, na atividade pública, nos esquecer disso.
ignorar a intuição popular é erro. Erro punido pela história, como tantas vezes já
se viu. ( ...) De espanto em espanto, provocado pelo noticiário desconcertante do
dia-a-dia, a opinião pública brasileira está possuída hoje de muita perplexidade.
( ...) Isso chega até o cidadão do povo, a dona de casa, o lavrador, o operário, com
um impacto estrondoso. Desencadeia, no espírito de cada um, estranheza,
indignação, dúvida, fhlstração. ( ... ) O dilema se instala. É verdade o que está
sendo divulgado? É mentira? (...) O nosso chefe de famHia é um homem de bem.
Cultiva o senso de justiça. Vwe, por esse motivo, a sensação de mal-estar ao
supor que possa ser falsa ou improcedente a acusação erwolvendo o polftico que

54
Um outro dado interessante dessa prática da CPI é que além dos processos mais habituais de
investigação, aa-escentava-se uma nova tecnologia na busca da verdade: o detector de mentiras!
A verdade que está insa-ita nos corpo humano, mas que só a máquina pode ver e mostrar. A
máquina possuidora da verdade que os homens não têm. Apesar de não se constituir num
elemento de prova autorizado pelo sistema jurídico, este tem sido bastante usado e seus
resultados também são levados a público por meio da imprensa: jornais, revistas, Televisão e
Internet.

!56
•·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

aplaude e admira, polltico em quem sempre votou. E aí ele indaga: por que não
levar as apurações do fato, de todos os fatos denunciados, até as conseqüências
derradeiras, até o esclarecimento definitivo e cabal de tudo? A simplicidade do
raciocínio traz a assinatura de genuína sabedoria popular. A perplexidade das
pessoas comuns { .. .) só tende a crescer e transformar-se numa reação mais
contundente, caso sejam interceptadas as iniciativas de apuração e elucidação
dos fatos. {...) O que se pede e se recomenda, com serenidade e bom senso, é
que não se deixe tudo permanecer como está, para ver como é que fica.( ...)
Se a explicação é incompleta e insatisfatória; se a conclusão pelos processos
normais de apuração não vem - todos os dilemas, dúvidas, desconfianças
possíveis continuarão povoando e enodoando a vida pública. {. . .) Desejo aqui
anunciar firme e inabalável disposição de dar voto favorável (...) a todo e qualquer
pedido de abertura de inquérito parlamentar, que concorra para desfazer o dima
de apreensão que tomou conta, em nossos dias, da população brasileira."

Como pudemos constatar, os três recortes de preterimentos parlamentares,

confirmam as considerações que vimos propondo. O discurso político precisa

estar ancorado na verdade e esta verdade, entre outras condições, deve

representar a opinião pública, "A voz do povo que é a voz de Deus". Face à

convivência com o um descrédito popular perante as ações políticas de um certo

tipo de parlamentar, a prática política lança mão dessa estratégia judiciária de

pesquisa da verdade que é a instalação da CPI. Assim, reconcilia-se com a

opinião pública, coaduna-se com a verdade dosfatos apurados. Essa valorização

da sabedoria popular não só é mencionada no conteúdo do discurso, mas, mais

que isso, precisa ser formalizada materialmente na língua através da enunciação

proverbial. Retomando alguns enunciados que aparecem nos recortes, temos:

a) "o governo é transitório, a instituição é permanente" (texto 1);

b) "Essa é a hora da verdade" (texto 2);

c) "não se deixe tudo permanecer como está, para ver como é que fica" (texto

3).

157
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

d) "Cada juiz interpreta a lei como acredita que deve" (texto 2);

e) "a intuição popular é poderosa e não falha" (texto 3);

f) "têm medo de que as acusações que eles fazem acabem voltando para

eles próprios" (texto 1);

g) "têm o dever, têm a obrigação, se forem honestos, se forem corretos, se

forem direitos, se quiserem realmente que os fatos sejam apurados, se não

tiverem nada a esconder" (texto 2);

Considerendo a classificação que propusemos no capítulo 2, chamamos

atenção para estes enunciados proverbiais ou proverbializados que cristalizam a

"verdade" popular (senso comum), firmando assim, a sua relação com o saber

político. Em (a) e (d) temos proverbializações; em (b) e (c) temos enunciados

proverbiais "atestados" (E 0); Em (e) e (f) temos enunciados proverbiais

parafraseados (E1), mas que podem ser reconhecidos: para (e) "a justiça de Deus

não falha" e para (f) "o feitiço vira contra o feiticeírd'; em (g) temos uma

formulação parafrástica que se constitui pela miscelânea de vários enunciados

proverbiais: "primeiro a obrigação, depois a devoção", "honestidade é a melhor

polítíctt, "anda direito, se queres respeítd', "direito tem quem direito anda", "contra

fatos não há argumentos", "quem não deve não teme". O saber político consiste

na produção de uma grande ''verdade" que se quer universal, produzida a partir de

diferentes tipos de ''verdades" que representam as instâncias mais importantes de

poder. Estas formas misturam o diZer do povo com o diZer do seu representante

158
"O Provérbio é um comprirr.ido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

pondo-os oportunamente em consonância, de modo produzir o simulacro de

unidade e o efeito de continuidade entre o povo e seu representante.

Vejamos, ainda, algumas considerações acerca dessas questões, com

ênfase na materialidade formal e discursiva que diz respeito às relações entre

língua e discursividade, entre íntradíscurso e ínterdíscurso, entre estrutura e

acontecimento. No texto "Materialités Discursivas: L'enoncé: Enchâssement,

articulation et dé-liaison", Pêcheux (1981) centraliza o olhar nas relações entre a

gramática e a discursividade. O autor destaca que a estrutura gramatical produz,

ou simula produzir, uma linearidade da língua, através (por exemplo) das formas

de encaixe e justaposições dos enunciados. Pêcheux chama a atenção para estas

relações puramente "intra-discursivas" que, em sua superfície, se propõem a dar

conta de uma pretensa linearidade contínua na ordem da língua, mas que

empurram, para baixo do tapete, o exterior, o real, o histórico, na ordem do

discurso.

Parece que a gramática reservou para esse "lixo" debaixo do tapete, para

essas rebarbas, definitivamente aparadas, o lugar do impossível, das

agrematicalidades, daquilo que não dá para recobrir e que, por isso, deve estar de

fora. A ordem da gramática precisa livrar-se da "desordem" do discurso.

Entretanto, a ordem da gramática, livre das suas "agramaticalidades", não dá

conta dos limites e lacunas que quebrem a contínua linearidade de sua ordem

"quase" perfeita, e é aí que temos que revirar o "lixo" em busca do que falta. Em

busca do sentido?! O caso é que se delineia para nós o percurso entre o

lingüístico e o discursivo, e desde já, entre a estrutura e o acontecimento na

159
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço daemmciação proverbial'
Mônica Oliveira Santos- 2004

ordem do discurso. Como exemplo para enfatizar essa relação, Pêcheux chama a

atenção para a estrutura do enunciado proverbial, no que diz respeito ao fato de

dois enunciados serem encadeados para formar uma seqüência enunciativa

lógica. Ele mostra que entre os enunciados:

"(1) "Jean come maçãs"


(2) "Jean nunca chama o médico"
Parece que a ligação é possível pelo viés ideológico-cultural do provérbio anglo-
americano: "Uma maçã por dia, mantém o médico longe", permttindo uma
implicação do tipo: "se comemos maçãs, jamais chamamos o médico", a partir da
qual podem se construir uma incisa ou uma relativa apositiva, que mergulham a
co-presença dos dois enunciados dentro do sistema de mudança sintática. ( ...)
Mas, o ponto importante aqui é que do exterior da gramática, intervém um 'saber'
que constttui (sob a forma de enunciados de advertência, aforismos, provérbios
etc.) um tipo de dispositivo de enunciados". (PÊCHEUX, 1981, p.145).

É importante salientar que a sintaxe da estrutura enunciativa dos

provérbios, em geral, reporta/simula um encadeamento lógico implicativo do tipo

SE. .. ENTÃO ... : SE comemos maçãs, ENTÃO mantemos o médico longe, ou seja,

SE ficamos doentes, ENTÃO chamamos o médico, + SE comemos maçãs,

ENTÃO não ficamos doentes, + ENTÃO não chamamos o médico. Tal

encadeamento simula uma implicação lógica que, na verdade, remonta a um

saber popular, a um consenso ideológico geral a respeito de que para não

adoecer é preciso se alimentar bem e as frutas estão no topo do que se pretende

uma alimentação rica e saudável, no caso, especialmente a maçã (na cultura

ocidental, pelo menos). Mas, tal implicação não tem um cunho verdadeiramente

lógico, necessário, e sim está embasada pelo viés ideológico-cultural que, como é

determinado e imposto, parece ser lógico. Vejamos, abaixo, mais dois recortes

importantes de nosso corpus:

160
••o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca~': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
1.1ônica Oliveira Sa..TJtos- 2004
I

(4) 23/02/01 -Roberto Requião- (PMDB- PR) > Solidariedade ao Senador ACM
na defesa da apuração dos fatos envolvendo o ex-Secretário-Geral da Presidência
da República, Eduardo Jorge, conforme matéria publicada na revista Isto É.
"Os clnicos, com o pretexto de defender a instituição, na verdade, estão propondo
a consagração absoluta do cinismo, ou seja, a moral, a conduta séria é apenas
para o povo, é apenas para a plebe, é apenas para os humildes, enquanto os
poderosos do momento, os príncipes do regime, da sociedade e da economia
estão, segundo eles ou para eles, acima do bem e do mal. (. . .) E nós só
poderemos vatar a acreditar nas instituições brasileiras se a verdade for
restabelecida. "Conhecerás a verdade e a verdade vos libertará" - é uma
máxima bíblica, não é minha."(. ..) O Senador Antônio Carlos Magalhães, cheio de
defeitos, contabilize também qualidades. E um senador emotivo e franco -
"Conhecerás a verdade e a verdade vos /iberterá". (.) terã prestado mais um
serviço ao país, por que levanta um caso que já foi sepultado pela maioria
governista no Congresso, que é o caso do Sr. Eduardo Jorge. (. . .) Quebrem o
sigilo do Sr. Eduardo Jorge em 1994 e 1998 e chegarão à verdade. E segundo
o Senador Antônio Carlos Magalhães, a verdada envolve o próprio Presidente da
República. ( ..) Acho que o Presidante está numa sinuca, mas os áulicos, seguindo
aquele velho ditado de que "o saco do chefe é o cOITÍmão do sucesso" 55 ,
tentam sacralizar o Presidente da República e o PFL solta uma nota oficial dizendo
que "o Presidente da Repútiica está acima de qualquer suspeita': Já o Antônio
Carlos Magalhães poda ser satanizado. (...} No mais, que conheça o País a
verdade. A discussão filosófica agora é menos importante. O importante é que as
denúncias foram colocadas e devem ser apuradas.·

(5) 22102101 - Heloísa Helena (PT- AL) > Leitura do Sermão do Bom Ladrão, de
autoria do Padre Antônio Vieira, em comparação à atual realidade política
brasileira.
"Para colaborar com o debate, farei breve leitura de um texto muito antigo ( ..) da
uma atualidade impressionante! (]lama-se Sermão do bom Ladrão. Talvez o
trecho nos possibilite identificar se Fernando Hemique Cardoso é igualmente
corrupto, ou os dois Senadores estariam agjndo de má-fé, ou mentindo por
desconhecimento dos fatos, ou por chantagem, ou qualquer outra palavra
desqualificada que se pudesse utilizar. ( .. .) O objetivo do Sermão, de fato era tratar
da responsabilidade dos reis, que são cúmplices de ladrões (.. ) Be dizia que nem
os reis podem ir ao paraÍSo sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões
podem ir ao inferno sem levar consigo os reis. (..) Padre Vieira (...) diferencia
o ladrão rico do pobre. E dizia ainda que a realidade que ele identificava em 1655
que também identificamos hoje, é que não eram reis levando ladrões ao paraíso,
mas ladrões levando reis ao infamo. E ele partia de um fundamento: "Sem
restituição do alheio, não pode haver salvação': Recitava Santo Agostinho, que
dizia: "não se perdoa o pecado sem se restituir o roubado" (. ..) E, analisando o
caso do bom ladrão, repetia Provériios, quando diz: "Não é grande a culpa de
quem furl:a, se furta para matar a fome". E é exatamente por isso que ele diz
que cristo perdoou o bom ladrão. (. ..} Be começa a diferenciar o tratamento
dispensado por Cristo ao ladrão pobre, que fci Dimas, e ao ladrão rico, Zaqueu.
(..) Dímas foi tratado de forma diferente em função da pessoa que era: um ladrão
pobre, miserãvel, e crucificado. Para Zaqueu, não foi dada de pronto a salvação,
pois era um ladrão tderado. Sua riqueza era a imunidade necessária para roubar
sem castigo, sem força e sem culpa. Alguns como Zaqueu, pensam que dando
alguma esmoia conquistarão o Reino do céus. Vieira afirma que isso não é

55
Enunciado analisado no capitulo anterior.

161
..O Provérbio 6 um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos:- 2004

verdade, pois a 'Salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o


pecado não se pode perdoar sem se restituir o roubado!". Dizia que "a
restituição não só obriga súditos e particulares, mas também os cetros e as
coroas·~ Portanto, considerando a situação atual, a punição por roubo, por furto,
por /adroagem não deve servir apenas ao ladrão pobre, que vai para o Carandiru;
tem que servir também para o Congresso, para o Governo Federal. (..) E diz
Vieira: "Assim é que roubar pouco é culpa, roubar muito é grandeza. O roubar
com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres". O roubar
pouco dá Carandifu e o roubar muito dá poder digo eu, e não o Padre Antônio
Vieira. Vieira cita Salomão: "O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao
inferno. Os que não só vão, mas levam, são os ladrôes de maior calibre e de
mais alta esfera, os quais, debaixo <b mesmo nome e do mesmo procedimento,
agem!"(. ..) O que vai para o Carandiru, o miserável da favela, quando vai roubar,
sabe que pode ser assassinado, que pode ir para a prisão, sabe exatamente para
aonde pode ir. Os grandes, não, roubam sem temor nem perigo. (. ..) Muitos de
nós poderfamos perguntar: ministro ladrão significa presidente ladrão? Corrupto
significa presidente corrupto? E pergunta Vieira: Mas se os reis tão fora estão de
tomar o alheio, que antes eles os roubados, e os mais roubados de todos, como
levam ao inferno consigo esses maus ladrões os bons reis 7' Ora, como um bom
rei poda ter a fama em função de ter um ladrão perlo de si?(. ..) Padre Vieira
começou a dizer que, na época dele- certamente o que o povo brasileiro também
identifica da conjuntura -, também se conjuga o Verbo Rapío por todos os
modos. (. ..) Alguém está roubando, e dizem para afastá-lo provisoriamente para
que seja definitivamente apurado. "Não, diz Cristo. Uma vez que é ladrão
conhecido, não só há de ser suspenso ou privado do ofício 'ad tempus', senão
para sempre, e para nunca jamais entrar ou poder entrar, porque o uso ou abuso
dessas restituiçôes, ainda que pareça piedade, é manifesta injustiça. De maneira
que, em vez de o ladrão restituir o que furtou no ofício, restitui-se o ladrão ao
offcio, para que furte ainda mais!(..) Perca-se embora um homem já perdido, e
não se percam os muitos que se podem perder, e perdem na confiança de
semelhantes exemplos."

Nos recortes acima podemos destacar os seguintes enunciados proverbiais:

+ em (4) destacamos especificamente a) um provérbio atestado e b) uma

proverbialízação:

a) "conhecerás a verdade e a verdade vos libertará"

b) "Quebrem o sigilo do Sr Eduardo Jorge em 1994 e 1998 e chegarão à

verdade'

+em (5) destacamos d), e), t), g), h), j) provérbios, c), k), I) proverbializações e i)

provérbio parafraseado:

162
..O Provérbio é um comprirr.ido que anda de boca em boca·': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
M6nica Oliveira Santos- 2004
I
c) "Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os

ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis"

d) "Sem restituição do alheio, não pode haver salvação"

e) "Não é grande a culpa de quem furta, se furta para matar a fome"

f) "Salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado"

g) "Pecado não se pode perdoar sem se restituir o roubado"

h) "Roubar pouco é culpa, roubar muito é grandeza"

i) "O roubar pouco dá Carandiru e o roubar muito dá poder"

j) "O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno"

k) "Os grandes, não, roubam sem temor nem perigo"

I) "Se conjuga o verbo Rapio por todos os modos"

Em (4) constatamos a importância que é dada à "verdade", à revelação da

''verdade" e necessária "libertação" nesta implicada. Esta relação/implicação é

enfatizada tanto na citação do conhecido provérbio bíblico (a - "conheoerás a

verdade e a verdade vos libertará"), como na proverbiafízação (b - "Quebrem o

sigilo do Sr Eduardo Jorge em 1994 e 1998 e chegarão à verdade"). Percebemos

na relação entre memória e atualidade, a ruptura da cristalização proverbial, como

já mencionamos nos capítulos anteriores. Tanto pela própria citação que na

formulação é relacionada implicativamente a questões determinadas, como pela

proverbíalização que já se desloca formalmente da cristalização constituindo

novos sujeitos e sentidos.

Em (5) notamos ainda mais nitidamente a relação entre memória e


atualidade e seus possíveis pontos de deriva na constituição dos sentidos, quando

163
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Sa.1tos- 2004 I

analisamos a referência feita pela Sra Heloísa Helena à atualidade do "sermão do

bom /adrãd' do Padre Antônio Vieira 56 , que à sua época já fazia menção à

atualidade da "parábola do bom ladrão" descrita no texto bíblico-cristão. Se no

texto bíblico a prática das parábolas já relaciona memória e atualidade de forma

autoritária, os Sennões57 do Padre Vieira rebuscam essa relação com a

"autoridade" literária, retórica e religiosa. A Senadora, por sua vez, relaciona essa

(a autoridade dessa) memória à atualidade política do Brasil, de modo que ficam

evidentes os sentidos (re)produzidos que se constituem nessa rede.

Todos os enunciados proverbiais que destacamos em (4) e (5) possuem

uma simulada relação de implicação lógica (SE... ENTÃO ... ) fonnalizada

gramaticalmente na lfngua e imposta no discurso. Mas, essa implicação não é

lógica e sim ideológica, pois é determinada sócio-histórico-ideologicamente. Como

a Gramática busca impor a lógica à língua, contemplando tal relação por si só

como suficiente para explicar os processos sintáticos e semânticos da língua, ela

deixa de fora as relações exteriores, histórico-ideológicas, o que acaba por

provocar algumas lacunas quando se faz uma análise mais crítica desses

processos lingüístico-gramaticais. De acordo com Pêcheux (1981) é diante desse

dispositivo que nos deparamos com a relação mal explicada, "ma~dita" entre a

estrutura e o exterior da gramática: o efeito de articulação intra-discursiva que traz

o inter-discurso manifesto como fonte de evidência enunciada. Nesse sentido,

concordamos inteiramente com Foucault que, em relação ao estatuto da verdade,

" Representante literário e expoente do Barroco brasileiro, conhecido pelos seus famosos sermões
que à época intrincavam a autoridade literária, retórica e religiosa.
57
A própria prática dos sermões religiosos perpetua essa relação de memória e atualidade.

164
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
há relações muito mais importantes e constatáveis condizentes não com o fato de

sua existência ou não, de sua universalidade ou não, mas com os efeitos que ela

pode encadear. Aquilo que está estabelecido como verdade revela-se pautado na

relação 'saber-poder' veiculada pela instância do jurídico-político para estabelecer

controle sobre o povo, sobre a história.

165
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
1-1ônica Olíveira Santos- 2004

166
··o Provérbío é um comprimido que anda de boca em boca·•: os zujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
}/.tônica Oliveira Santos- 2004
I
"CONSIDERAç6ES FINAIS"

Conforme referimos em nossas considerações iniciais, dada a condição de

diversidade e inesgotabilidade do tema a que nos propusemos investigar nesse

trabalho, não somos nós quem pretende "concluir", na justa acepção da palavra,

as reflexões acerca do tema Provérbio e mesmo da discussão sobre a Enunciação

Proverbial. Entretanto, sendo praxe, sobretudo no universo acadêmico-cientrfico,

produzir a "ilusão" de unidade através de um efeito de fechamento, propomos aqui

as nossas (des)iludidas "considerações finais" sobre essa discussão tão

importante para nós e sobre a qual ainda há muito o que se investigar.

Em linhas gerais, procuramos abordar o tema da enunciação proverbial,

retomando inicialmente algumas teorias semânticas Referencialistas e

Argumentativas, e observando como estas destacavam o Provérbio em seus

pressupostos relativos à constituição do sentido. Percebemos que o Provérbio é

comumente citado (em sua forma fixa isolada) e destacado como exemplo nessas

teorias, mas não há um interesse especffico em investigar tal fato lingüfstico do

ponto de vista da sua enunciação e da constituição de seus sujeitos e seus

sentidos. Vimos que tal abordagem do Provérbio é uma maneira de recuperar a

exterioridade para dentro da língua, pois sua estrutura e acontecimento

discursivos no funcionamento enunciativo permitem a formalização material na

lfngua das determinações sócio-histórico-ideológicas, mas não há nenhuma

reflexão a esse respeito, enquanto que para nós constitui especial interesse.

Mesmo em algumas teorias enunciativas, o Provérbio ou não é tomado como

167
..üProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

enunciação (Benveniste), ou é visto como enunciado sem Locutor (Oucrot). Para

nós a fonna proverbial não se limita à sua estrutura fixa, mas, essencialmente, às

possibilidades de paráfrase, alteração, subversão, proverbialização,

marginalização ... de seu acontecimento enunciativo. Como é possível chamar de

estático, de cristalizado um gênero efetivamente tão vivo e produtivo? Nesse

sentido, percebemos o deslocamento de um lugar de "estaticidade" para um

espaço de movimento, de mudança: movimento e mudança de sentidos e sujeitos.

A partir daí centralizamos nosso olhar teórico sobre enunciação proverbial,

especificamente no discurso político-parlamentar, e tentamos resgatar a sua

materialidade enunciativa e discursiva para dentro da análise lingüística.

Destacamos, por exemplo, a polifonia enunciativa que povoa o discurso político-

parlamentar e em que ecoam vozes pertencentes às instâncias do Jurídico,

Religioso, Científico e Popular materialmente formalizadas na estrutura proverbial.

Abordamos também a divisão do Locutor na cena enunciativa (Guimarães) e,

nesse funcionamento, destacamos a enunciação proverbial como uma enunciação

essencialmente coletiva, sobrelevada pela sua materialidade profundamente

opaca e equívoca. Centralizamos a constituição dos sentidos (re)produzidos nesse

funcionamento enunciativo, cujo movimento duplo de aproximação/distanciamento

do Locutor se caracteriza por uma tensão I confusão entre o individual e o coletivo,

sem que se firme um limite entre um e outro.

Na relação que abordamos entre o discurso político-parlamentar e a

enunciação proverbial interessou-nos, ainda, atrelar tal relação à produção de

efeitos de verdade: as formas institucionais da verdade e as formas populares da

168
..0 Provérbío é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
verdade (Foucault). Mesmo em sua "marginalidade", o Provérbio está intrincado

com a verdade. Ele tem um funcionamento discursivo autoritário, pois é um

recurso retórico e ideológico de autorização e por isso muitas vezes passa por

uma verdade comumente aceita. Nesse sentido, enfatizamos que um dos efeitos

do Discurso político-parlamentar é produzir o simulacro de unidade do povo e

construir a imagem de um representante popular que está comprometido com a

"Verdade": ética, moral, religiosa, científica, juridica e principalmente a popular que

é a voz do povo (portanto, a de Deus). A enunciação proverbial materializa

formalmente essa verdade do povo que deve ser veiculada pelo seu representante

público. O tema da CP! nos propiciou uma feliz relação entre a enunciação

proverbial, o discurso político-parlamentar e a produção de efeitos de verdade.

Para nós a estrutura implicativa do provérbio (quando este a possui),

somente lhe confere uma simulação de implicação lógica. Na verdade, ele está

impregnado da exterioridade, histórica, social, cultural, política e ideológica que se

materializa nas coletividades que representa, .produzindo efeitos de verdade.

Portanto, o provérbio diz respeito à representação material de uma voz coletiva

formalizada na língua e seu reconhecimento como tal está ligado a uma

contingência de repetibilidade histórica, bem como à forma material de suas e às

condições de produção da enunciação proverbial.

Por fim gostaríamos, ainda, de ressaltar as epígrafes que nos serviram de

moldura para esse trabalho. Já que o delimitar do corpus pede um recorte

específico (no caso, os proferímentos das sessões do Senado) e já que os

provérbios são tão populares e produtivos que aparecem nos mais diferentes

169
uOProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 .f

lugares discursivos, escolhemos as (tantas) epígrafes desse trabalho como forma

de apontar também para essa diversidade de emprego da enunciação proverbial.

E já que para os canônicos manuais do "bem falar" a enunciação proverbial deve

ser recôndita à marginalidade, nos apropriamos da licença poética e escolhemos a

música (brega, 10ck e MPB) e a poesia (literatura de cordel) para ilustrar essa

riqueza de expressão e produção de sentidos. E agora sem mais palavras para

finalizar, cedo a palavra a Foucault:

"Se quisermos realmente conhecer


o conhecimento, saber o que ele é,
aprendê-lo em sua raiz, em sua
fabricação, devemos nos
aproximar, não dos filósofos, mas
dos politicos, devemos
compreender quais são as
relações de luta e de poder."
(Foucault, 1974:23)

170
..0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·': o;; sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 I

REFERINCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AL THUSSER, L (1970). Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. IN: ZIZEK,

S. Um Mapa da Ideologia Rio de Janeiro: Contraponto. Pp. 105-142. (1999).

ANSCOMBRE, J.C. (1979). Délocutívíté Benvenistetíenne, Délocutívíté

Générasisée et Performatívíté. Langue Francese 42, pp.69-84.

___ (1985b) De I'Énoncíation au Lexique: Mentíon, Cítatívíté, Délocutívíté.

Langages 80, pp. 9-34.

___ (1993). Temps Unguistíque et Théorie des Topoí. in.: Plantin, C. (org.).

Lieux communs. topo'i, stéréotvpes. clichés. Paris: Kimé. Pp. 271-289.

___ (1995). La nature des topor. In. Anscombre, J-C (org.). Théorie des Topo'i.

Paris: Kimé.pp.49-84.

___ (2000). Langages- La Paro/e Proverbíale. No. 139, Paris: Larousse.

ANSCOMBRE, J-C. & DUCROT, O. (1994). La argumentación en la Langue.

Madrid: Editorial Gredos. (1983).

ANSCOMBRE, J-C. & KLEIBER, G. (2001). Problemas de Semântica y

Referenda. Servicios de Publicaciones Universidad de Oviedo.

BAKHTIN, M. (2002). Marxismo e Fílosotta da Unguagem. São Paulo: Hucitec,

(1929).

___ (2000). Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, (1979).

BENVENISTE, E. (1989) O Aparelho Formal da Enunciação. IN Problemas de

Lingüística Geral 11. Campinas: Pontes, p.85 (1966).

171
fJ ..OProvérbio é um comprimído que a.'"lda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
li Mônica Oliveira Santos- 2004

BERRENDONNER, A. (1987). Elementos de Pragmática Ungüistíca. Buenos

Aires: Gedisa. p. 29-62. (1981 ).

COirvlBRA, C. M. R. & NASCIMENTO, M. L. do (2001). "O Efeito Foucault:

Desnaturalizando Verdades, superando Dicotomias~ [on line] Disponível na

Internet via WWW.URL:http:

llsclelo.Br/scielo .phd?script=sci_arttext&pid=S01 0237722001 000300006

&pt&nrm=iso -Arquivo capturado em 15 de Abril de 2003 as 02:13h.

CORTEN, A. (1998). Categorias Polftícas e Discurso Teológico. In. RUA no.4,

Campinas: UNICAMP, pp.75109.

DUCROT, O. (1980). Les échelles argumentatíves. Cap. 13 de La preuve et le

dire. (Texto publicado em livro separado) Paris: Minuit (1973b).

_ _ (1987). O Dizere o Dito. Campinas: Pontes. (1972).

_ _ (1988). Polifonia y Argumentación. Cali: Universidad dei Valle.


_ _ (1993). Les topor dans na théoríe de L'argumentation, in.: Plantin, C. (org.).

~communs. topo"i, stéréotypes. clichés .. Paris: Kimé. Pp. 233-248.

___ (1995). Topor et formes topíques. In. Anscombre, J-C (org.). Théorie des

TopoT. Paris: Kimé. pp.85- 99.

FERARY, S. GJ. (2001). Le proverbe: um cas de deíocutivíté formulaire. Paris:

mimeografado.

FOUCAULT, M. (1996). A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola. (1971).

___ . (2002). A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

(1969).

172
••o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

____ . (1996). As verdades e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU I PUC Rio.

(1974).

GALATANU, O. & GOUVARD, j. M. (orgs.). (1999). Langue Francese no. 123 -

Sémantíque du Stéréotype. Paris: Larousse.

GÁNDARA, L (1997). Las voces de/ fútbol. Análísis de/ discurso y cantos de

cancha. V Simposio Internacional de Comunícación Social, Centro de

Lingüfstica Aplicada dei Ministerio de Ciencia, Tecnologfa y Media Ambiente

de Cuba, Santiago de Cuba.

GRÉSILLON, A & MAIGUENEAU, O. (1984). Po/yphonie, Proverbe et

Détoumement. In: Langages, no. 73, Paris: Larousse, pp. 112-125.

GUIMARÃES, E. J. (1987). Texto e Argumentação- um Estudo de conjunções do

português. Campinas: Pontes.

___(1989a). "Enunciação e Fonnas de lndetenninação". In: ORLANDJ, E. P. et.

Alii. Vozes e contrastes. Discursos na Cidade e no Campo. São Paulo:

Cortez.

_ _ (2002). Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, pp11-42.

HAROCHE, C. ( 1992). Fazer Dizer, Querer Dizer. São Paulo: Hucitec.

HENRY, P. (1992). "O 'Sujeito da linguagem' e o 'Sujeito Múltiplo'. in A Ferramenta

Imperfeita. Campinas: Editora da UNICAMP. Pp. 136-148.

JAKOBSON, R (1971). Ungüfstica e Poética IN Lingüfstica e Comunicação. São

Paulo: Cultrix. Pp.118-162. (1960).

JOLLES, A (1930). Formas Simples - Legenda, Saga, MitO, Advínha, Ditado,

Caso, Memorável, Conto, Chiste. São Paulo: Cuttrix.

173
!f "O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
iI Mônica Oliveira Santos- 2004

KLEIBER, G. (1993). L'anaphore assocíative roule-t-e/le ou nom sur des

stéréotypes? IN: Plantin, C. (org.). Lieux communs. topoi". stéréotypes.

clichés. Paris: Kimé. Pp. 355-371

___ (1994). Sur la définítion du proverbe. IN: Nominales - Essais de

Sémantique Réferentielle. Paris: Armand Colin. Pp 207-224.

___ (1999) Les proverbe: des dénominations d'um type "três três spécial", IN:

Langue Francesa 123, pp.52-69.

MILL, J. S. (1984). Sistema de Lógica dedutiva e indutiva e outros textos. São

Paulo: Abril. Pp.89-1 05. ( 1866).

MORA, J.F. (1995). Dicionário de Filosofia. Madrid: Alianza Editorial.

ORLANDI, E. P. (1996). Interpretação -Autoria, Leitura e Efeitos do Trabalho

Simbólico. Petrópolis: Vozes.

P~CHEUX, M. (1981). L'enoncé: Enchãssement, articulation et dé-liaison,


In: Materiafítés Discursives.
___ . (1997) O discurso- Estrutura ou Acontecimento. Campinas: Pontes, 2 ed.,

(1983).

_ _ . (1997). Semântica e Discurso: uma Crítica à Afirmação do Óbvio.

Campinas: Editora da UNICAMP, 3 ed. (1975).

PERRIN, L. (2000). Remarques sur la dimensíon générique et sur la dimensíon

dénominatíve ds proverbes. Langages 139, pp110-118.

ZOPPI-FONTANA, M. G. (1997). Cidadãos Modernos- Discurso e Representação

Política. Campinas: Editora da Unicemp.

174
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ALTHUSSER, L ( 1978). Posições 1 - resposta a John Lewís - Elementos de

autocrítica- Sustentação de Tese em Amiens. Rio de Janeiro: Graal

_ _ . (1999). Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. IN: ZIZEK, S. Um

Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto. Pp. 105-142. (1970).

AMOSSY R & PIERROT, A. (2001). Estereotípos y Clichês. Buenos Aires:

E udeba. ( 1997).

ANSCOMBRE, J-C. et.al. (1995). Théoríe des Topor. Paris: Éditions Kimé.

____ (2000). (Org.). Langages no. 139- La paro/e proverbíale. Paris: Larousse.

AUTHIER-REVUS, J. (1984). "Heterogeneidades Enunciativas". Cadernos de

estudos língilfstícos. 19: 25-42. Trad. J. W. Geraldi. Campinas, IEL, Unicamp

(1990).

_ _ . (1992). Le Non-coíncidences du Díre et feur Représentatíon Meta-

énoncíative. Université de Paris VIII.

BENVENISTE, E. (1989). Probíemas de Ungaístíca Geral!. Campinas: Pontes.

(1966).

CHANAY, H. (1993). Sens Jexical et argumentatíon: des CNS aux topor. IN:

PLATIN, C. Lieux Commun - TopoL Stereotvpes. clichés. Paris: Éditions

Kimé, pp.290-300.

CARBÓ, T. (1996). E! discurso Parfamenatarío mexicano entre 1920 y 1950 - Un

esíudio de caso en metodologia de análísis de discurso. Ciudad de México:

Ciesas y e! colegio de México.

175
II'.OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no esp:a.ç:o da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
COURTINE, J.J. (1981). (Org.). Langages no. 62. - Analyse du díscours po!ítique.

Paris: Larousse.

EAGLETON, T. (1997). Ideologia. São Paulo: Boitempo: Editora UNESP.

FLONTA, A. (1995). Di Proverbío in Provérbio - Potenziale Semântico del/a

Paremio!ogia Comparata (lnglese e Ungue Romanze). [on line] Disponlvel

na Internet via www. URL: httpl/

info.utas.edu.au/docsfflonta/DP ,1 ,1 ,95/ARIELLA.html Arquivo capturado

em 30 de Novembro de 2000 as 15:50h.

FLONTA, T. (1995). "Proverbíando, S'ímpara" (/I Provérbio netla didatüca delle

lingue). [on line] Disponível na Internet via www. URL: http//

info.utas.edu.au/docsfflonta/DP, 1,1 ,95/TEODOR.html Arquivo capturado

em 30 de Novembro de 2000 as 15:54h.

FROSI, V. M. (1996). Provérbios Dialetais Italianos. In: Chronos, v.29, CaJ<ias do

Sul: Universidade de Caxias do Sul, pp. 23-43.

GALATANU, O. & GOUVARD, j. M. (orgs.). (1999). Langue Francese no. 123.-

Sémantique du Stéréotype. Paris: Larousse.

GÁNDARA, L. (1992). La Significación como Trabajo de Tranformación de ia

Realídad. In. Primeras Jornadas de Lingüísticas de la Plata. Buenos Aires:

Universidad de la Plata.

___ . (SID). El Discurso de Todos y de Nadíe (RefleJáones sobre ia Enunciación

Colectiva). Buenos Aires: mimeografado.

_ _ . Formas Discursivas de ia Enunciación Colectiva. Mimeografado. 8/D.

176
..O?rovérbío é um comprimiõ.o que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
}~íônica Oliveira Santos- 2004

GRZYBEK, P. (1995). Foundations of Semiotic Proverb Study. [on line]

Disponível na Internet via www. URL: http/f

i nfo .utas.edu .au/docs/flontatDP, 1,1 ,95/GRZYBEK.html. Arquivo capturado

em 30 de Novembro de 2000 as 15:34h.

GUIMARÃES, E. J. (1995). Os Umites do Sentido - um Estudo Histórico e

Enunciativo da Unguagem.Campinas: Pontes.

___ . (1989). História e Sentido na Unguagem. Campinas: Pontes.

HAROCHE, C. (1992). Fazer Dizer, Querer Dizer. São Paulo: Hucitec.

HENRY, P. (1993). Sentido, sujeito, origem. IN: ORLANDI, E. (org.). Discurso

Fundador. Campinas: Pontes, pp.151-171.

MARCOCCIA, M. (1993). Le stéréotype du porte-paro/e dans /e díscurs politique.

IN: PLATIN, C. Líeux Commun- TopoL Stereotvpes. clichés. Paris: Éditions Kimé,

pp. 170-181.

MIKAHAILOVA, M. (1993). Le sujet €t /e nom dans un discurs fondé sur les topo/.

IN: PLATIN, C. Lieux Commun- Topo'i. Stereotvpes. clichés. Paris: Éditions

Kimé, pp. 70-79.

MIEDER, W. (1995). "The Only Good lndian a Dead !ndian" - Hístorical and

Meaning of a Proverbial Stereotype. [on line] Disponível na Internet via

WWW. URL: http/finfo.utas.edu.au/docslflonta!DP, 1,1 ,95/INDIAN.html

Arquivo capturado em 30 de Novembro de 2000 as 15:05h.

___ . (1995). 'The Apple Doesnt Fali Far from the Tree": a Historica! and

Contextual Proverb Study Based on Books, Archives, and Databases. [on

line] Disponível na Internet via www. URL:

177
~·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbíaJ
Môníca Oliveíra Santos- 2004

httptnnfo.utas.edu.au/docs/flonta/DP, 1,1 ,95/APPLE.html Arquivo

capturado em 30 de Novembro de 2000 as 15:21h.

ORLANDI, E. P. (1993). Discurso e Leitura. Campinas: Cortez.

----------· (2000). Análise de Discurso - Princípios e Procedimentos.

Campinas: Pontes.

P~CHEUX, M. (1990). Por uma Análise Automática do Discurso. Campinas:

Editora da Unicamp.

PERELMAN. C. (1999). Retóricas. São Paulo: Martins Fontes. (1951).

____ . (2000). Tratado da Argumentação. São Paulo: Martins Fontes.

SCHAPIRA, C. (1999). Lês stéréotypes en trançais - Proverbes et autres

formules. Paris: Ophrys.

WELLEK R. & WARREN A. (1993). Teoria Literária. Madrid: Editorial Gredos.

(1966).

178
..O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca"; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004

ANEXOS

• Discursos Referidos na Tese

179
Maria do Carmo Alves- 30-01-2001

A SRA. MARIA DO CARMO AL VES(PFL -SE. especial os do nosso semi -árido, não têm merecido a
Pronuncia o seguinte dísrurso. Sem revisão da orado- mínima prioridade. Ao contrário, excetuando esporá-
ra.)- Sr. Presidente, Sr"s e Srs. Senadores, tenho re- dicas manifestações retóricas, este Governo tem de-
petido neste plenário, em diversos pronunciamentos, votado um pouco disfarçado alijamento ãs questões
e tenho otNido também dos meus ilustres Pares, que nordestinas. Primeiro, no decorrer deste Governo,
a superação dos problemas causados ciclicamente não houve uma só obra marcante para a região; se-
pelas secas não está adstrito a eventuais obstáculos gundo, o Plano Real tem sido um fator ostensivo de
climáticos, mas ã falta de uma firme decisão política. concentração de renda nas regiões industrializadas;
É plenamente sabido que as técnicas capazes de e finalmente, o Presidente fez questão de assinar o
possibilitar a plena convivência com as secas são am- testamento de morte da Sudene.
plamente conhecidas e foram implantadas com abso- Quanto aos efertos do Plano Real no agrava-
luto êxito em vários países áridos e semi-áridos do mento das desigualdades regionais já hoje as maio-
mundo. Graças a essas técnicas essas regiões secas res do mundo moderno em cruel detrimento do Nor-
foram transformadas em imensos pomares produto- deste, por serem multiformes os seus tentáculos, se-
res de alimentos, extirpando em definitivo a miséria ria mais apropriado falarmos sobre essa questão em
de seus povos. outro momento.
Na verdade, o que ocorreu no Bra si!, em especi- Para fins de exemplificar o desprezo que tem sido
al nos últimos cem anos, foi um total alijamento do conferido ao Nordeste nesses úttimos seis anos de Go-
Nordeste dos planos de desenvolvimento econômico, vemo, basta registrar que na Lei n° 9.532, de 1997, foi
em prol do a-escimento do Centro-Sul, por parte dos estabelecida a lenta e gradual morte da Sudene. Desa-
diversos presidentes e ditadores que estiverem à fortunadamente, o Presidente desprezou o fato de que
frente dos destinos nacionais. Claro que houve honro- a Sudene é um símbolo para nós nordestinos, criada
sas exceções, mas foram raríssimas. graças ã darividênciade Juscelino KubiTschek . Basta
citar que 57% do IPI recolhido na região e 27% do ICMS
Durante a primeira campanha eleitoral do atual
são provenientes de empresas que contaram, para a
Presidente, renasceu a esperança entre os nordesti-
sua implantação, com recursos daquela agência de de-
nos de que o nosso candidato seria uma dessas ex-
senvolvimento. Acreditoqueprevaleceu ante o atual
ceções históricas, que, no final do século, iria final-
Presidente a farsa tão divulgada por influentes formado-
mente priorizar o Nordeste, onde vicejam mais de
res de opinião do Sul-Sudeste, segundo a qual a região
50% da miséria absoluta nacional. O então Senador
nordestina é um poço sem fundo a consumirgrande
Femando Henrique Cardoso justificava essas espe-
parte dos subsidiosdo Pais, e, afinal, era preciso dar
ranças, seja pelo seu rico passado político, pelas te-
ses sociais magnificamente defendidas em seus li- um fim a essa sangria.
vros, pelo brilho do seu decantado saber de sociólogo Se Sua Excelência tivesse ouvido uma assessoria
mundialmente respeitado e sobretudo pelos seus mais bem formada e corretamente informada, saberia
compromissos a favor de uma sociedade igualitária. que no Brasil, caso único no mundo, não são as regiões
É verdade que, logo após a posse, levamos o mais pobres que recebem a maioria dos subsídios
susto que deixou a todos nós, nordestinos, estupefa- nacionais. Aqui, surpreendentemente, funciona uma
tos, quando Sua Excelência recomendou aos brasilei- lógica de Robin Hood ao inverso: os pobres financiam
ros que se esquecessem do que ele havia afirmado os mais ricos! Para ser exata, enquanto para o
em seu livros. Talvez por sermos originários de uma Sul-Sudeste são destinados 51% do total nacional dos
sociedade apegada a rígidas tradições, em que a p& subsídios, para a região mais pobre do Pais, o
lavra empenhada é pacto de honra a ser cumprido, Nordeste, são destinados tão-somente 9% deles. Ainda
não podlamos entender quem não assumia nem assim, o SenhorPresidentefoi convencido de que os
mesmos compromissos escritos. A partir daí, fomos poucos subsídios que para lá iam deveriam ser extintos.
descobrindo que nossas esperanças não correspon- Deixo claro que desde aquela época o desejo
diam à triste realidade de uma administração que se da tecnocrecia econômica do Governo era extinguir
revelou madrasta para os nordestinos. definitivamente a Sudene. Chegou-nos a noticia, na
Não sou leviana para admttir que tenha sido semana passada, de que o Sr. Ministro da Integração
essa a intenção do Presidente. Admtto que, no fundo, Regional já entregou ao Presidente um plano definiti-
Sua Excelência cuítiva as mais nobres idéias de de- vo de extinção daquele órgão, transformando-o numa
senvolvimento e justiça social para o povo brasüeiro, inócua agência de desenvolvimento. O pretexto, des-
mas não posso agredir os fatos, e, portanto, não há ta vez, é que foi localizado um foco de corrupção na 180
como negar que, provavelmentepor influência de sua
sofisticada assessoria,os problemas nordestinos,em
Maria do Carmo Alves- 30-01-2001

Sudam. E o que tem a Sudene com a Sudam? Além mico, diminuir-se-ia o imenso fosso que separa as
do mais, é uma idéia estapafúrdia extinguir-se um ór- economias industóalizadas do Sul-Sudeste da empo-
gão porque se descobriu que o seu diretor era corrup- brecida nordestina; medidas relativas à in-
to. Em governos passados, já houve denúncias na fra-estrutura diminuiriam expressivamente os gastos
própria Sudam de que o seu superintendente estava do Tesouro Nacional nas próximas secas.
prevaricando, e o Presidente à época, hoje o nobre A pergunta natural que se faz é: e o custo de
Senador José Sarney, demitiu o funcionário corrupto, tudo isso? Seria em tomo de R$12 bilhões divididos
fez uma intervenção no órgão e corrigiu as distorções. em dez anos. Aparentemente, o valor é expressivo,
Agir de outra forma, Sr. Presidente, seria o mesmo mas irrelevante, quando se sabe que cada ano de
que, pelo fato de eventualmente identificar-se um par- seca, segundo cálculos oficiais, promove um prejuízo
lamentar corrupto, fechar o Congresso. O que de fato de cerca de R$5 bilhões. Daí se conclui que o investi-
ocorre agora, como se diz no meu Sergipe, é juntar-se mento programado seria infelior ao prejuízo de
a fome com a vontade de comer. Já havia o plano ma- tão-somente três anos de secas. Ora, quando se sabe
quiavélico de se extinguir a Sudene e a Sudam. O res- que neste século tivemos 22 anos de secas, con-
to é puro pretexto que nós, parlamentares do Nordes- clui-se que o prejuízo proporcionado à Nação brasilei-
te, do Norte e do Centro-Oeste, numa reação firme e ra alcançou a fabulosa cifra de R$11 O bilhões, sem
suprapartidária, temos mais do que o dever: temos a considerar os danos incalculáveis de dezenas de mi-
obrigação de derrubar esse atentado desrespeitoso lhões de enfermos e a morte pura e simples de pelo
contra os interesses das já tão discriminadas regiões menos um milhão e meio de sertanejos.
menos desenvolvidas do País. Mas como tenho consciência de que números
Sr. Presidente, e Srs. Senadores, no inicio do que envolvem o sofrimento ou mesmo o genocídio
primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique dos sertanejos não alcançam os ouvidos sensíveis de
Cardoso, Sua Excelência afirmava pesaroso aos nossa soberba tecnocracia, vejamos outras compara-
parlamentares e aos governadores do Nordeste que ções que lhe são mais familiares. O investimento
o procuravam em busca de ajuda que gostaria muito, equivaleria a apenas um quarto do aplicado pelo Pro-
tanto quanto eles, de ajudar a região, mas não queria er para salvar banqueiros falidos ou, mais recente-
cometer erros do passado, investindo sem planeja- mente, o aplicado no saneamento do Banespa.
mento em obras e ações que não resultariam em es- Entretanto, vale repetir: seria investimento total-
truturas definitivas que diminuíssem progressivamen- mente autofinanciável e, ainda que não se levasse em
te os efeitos das secas futuras. Os governadores, ci- conta esse fato, seria uma aplicação de recursos ple-
entes da inutilidade das frentes de emergência, aca- namente compensáveis pela economia que se geraria
taram a idéia e partiram para um projeto que não ape- para o Tesouro Nacional em poucas secas futuras.
nas diminuísse vigorosamente os efeitos da seca, A entrega do projeto Novo Nordeste ao Presi-
como também criasse um plano de desenvolvimento dente foi solene e contou com a presença de todos os
efetivo para a região. governadores e parlamentares no Planatto. O cava-
O Plano "Novo Nordeste" era um plano lheirismo do Presidente FemandoHenrique Cardoso,
abrangente de desenvolvimento auto-sustentável, com a sua justa reputação de grande anfitrião, foi im -
montava uma sólida estrutura de recursos hídricos e, pecável. Não fattaram entusiásticos elogios presiden-
em especial, construía condições permanentes de ciais à iniciativa dos governadores- "extremamente
convivência com as secas. Dentre outrosbeneflcios, oportuna e patliótica", segundo suas veementes pa-
seriam gerados 3 milhões e 400 mil empregos lavras-, além do seu firme compromisso de cobrar
permanentes;promoveriao assentamento de 100 mil um urgente estudo da área econômicaparaencontrar
famílias em lotes irrigados; 300 mil pequenas meios para viabilizar os recursos.
propriedadesteriam suas áreas estruturadas para a A solidariedade de Sua Excelência encerrou-se
convivência com as secas e, por fim, seriam criadas com essa efusiva recepção. Nunca houve uma res-
condições atraentes para, em parceria com o setor posta oficial sobre o tema nem da área econômica
privado, ser implantado o maior pólo de fruticuttura nem de qualquer outro Ministério, nem muito menos
irrigada da América Latina. do próprio Presidente - nem ao menos um gesto pro-
Esse plano, Sr. Presidente, transformaria pro- tocolar da área técnica pedindo explicações a respei-
fundamente o Nordeste em termos sociais, alçando to. O governo do Presidente Fernando Henlique Car-
milhões de camponeses miseráveis à condição de doso, que havia apresentado suas idéias durante a
classe média rural;nos aspectos geopolitico e econô- campanha e sobretudo pela sua rica biografia de poli-
181
Maria do Carmo Alves- 30-01-2001

tico e escritor engajado com o social e o igualitarismo. anos de 80 a 85 houve uma seca -. quando houve
procedeu da mesma forma como a esmagadora mai- forte entrada de recursos a fundo perdido. o Nordeste
oria de seus antecessores agiram com as prioridades deu mais do que recebeu à Nação brasileira em
do Nordeste. particularmente com as ações de pre- termos financeiros líquidos. O Nordeste deu
venção permanente aos efeitos da seca:simplesmen- aproximadamente US$1 bilhão por anol
te arquivou o projeto. Quanto à viabilidade dos planos Portanto. é uma farsa que revela ignorância ou
apresentados. os seus assessores nem se deram ao mâ-fé a afirmação de que a região nordestina é um
trabalho de afirmar: "não lemos nem gostamos". Sim- ônus para os brasileiros.
plesmente relegaram-no ao esquecimento. Sr. Presidente. Sr e Srs. Senadores. ter o
Cabe aqui, Sr. Presidente. Sr e Srs. Senadores. Nordeste é um bom negócio econômico para o Brasil.
uma observação importante para que não pairem ao contrário do que. repito. por ignorância ou má-fé,
dúvidas ou interpretações de má-fé: a regiào nordestina se propala quando se diz que a região é um ônus para
não deseja nem pleiteia esmolas. Apesar de o País. Isso sem computar o fato relevante de que na
inteiramente alijada das prioridades dos projetos região está o berço da nacionalidade brasileira.
nacionais neste último século e meio de existência, A propósito. é válido destacar que. ao longo de
quando todo o foco do poder esteve voltado para o todo este século. o Nordeste foi superavitário na
desenvolvimentodo Sul-Sudeste. a regiãonordestina
balança de pagamentos. ao contrário do Sudeste
tem resistido e se mostrado plenamente viável. E não
que. por décadas a fio. durante sua fase de
tem sido fácil fazê-lo quando toda a legislação tributária
industrialização. foi amplamente deficitário. Ou seja,
nacional tem sido ostensivamente protecionista para as
os superávits do Nordeste. que exportava mais do
regiões produtoras e penalizadora para as
que importava. foram ímprescindlveis para a
consumidoras; quando as sedes das estatais. os
industrialização de São Paulo.
centros de pesquisas e as grandes obras de in-
Por todos esses fatos. seja por razões
fra-estrutura sempre se concentraram nas regiões
industrializadas. Por outro lado, graças à política geopolíticas. sociais ou econômicas. é justo que seja
econômica implementada pelo govemo militar e que atribulda. finalmente. uma prioridade para o
seria surpreendentemente complementada durante o Nordeste. porque o desenvolvimento da região
Plano Real, todo o sistema financeiro se concentrou no implicará a conquista de um vigoroso mercado
Sudeste e, em especial. em São Paulo. interno para o Sudeste industrializado. bem maior e
Não obstante todo esse ostensivo favorecimen- mais estável do que a parte externa do Mercosul. Da
to. o Nordeste tem dado mais à União do que dela re- mesma forma que o desenvolvimento do oeste
cebe. Isso ficou exaustivamente demonstrado num americano- região de clima muitíssimo mais hostil do
estudo magnífico promovido pelo BNB. na década de que o nordestino- foi importante para as indústrias
90. denominado "Nordeste: Entrada e Saída de Re- do leste e hoje se constitui na região mais dinâmica
cursos". Trata-se de um estudo para se proceder a um dos Estados Unidos.
levantamento detalhado. dentro de um período de Mas. em que pese toda essa lógica, não é isso
tempo, para se estabelecer tudo que entrou da União que se vê. Os nordestinos continuam. neste começo
e o que dela saiu. O período escolhido foi de 1980185, de milênio, a ser tratados como o "patinho feio", no
pinçado aleatoriamente. mas se cuidando para que estabelecimento das prioridades nacionais.
houvesse nele a existência de uma seca pelos seus A forma de encarar as secas na virada do século
efeitos negativos à região. O objetivo era comprovar é exatamente a mesma de há 200 anos. Todos sabem
se era verdadeira ou falsa a informação de que o Nor- como criar uma infra-estrutura de convivência com as
deste era um ônus econômico para a União. secas. Mas não há decisão política para fazê-lo. O
Por conta disso foi realizado um estudo extre- Governo atual encara os sertanejos do nosso
mamente meticuloso durante aqueles anos. identifi- semi-árido como uma sub-raça, que. no máximo.
cando-se em detalhes tudo o que entrara a qualquer merece ações inúteis e humilhantes das frentes de
tltulono Nordeste a partir do Tesouro Nacional. e tudo emergência. Jamais houve um esforço como o dos
aquilo que saíra da região em benefício do país como norte-americanos na década de 30 com as suas
um todo, desde os impostos. saldos de petróleo, en- regiões secas ou da empobrecida Índia da década de
fim. todos os componentes que saíam da região. 60, que investiu na sua admirável Revolução Verde,
O resultado foi attamente esclarecedor e extirpando a miséria de seu povo e transformando
definitivo. Mesmo considerando uma seca -naqueles regiões bem mais adversas que as nossas em
182
Maria do Carmo Alves - 30-01-2001

prósperos pomares de produção de alimento, onde


empregam centenas de milhões de camponeses.
Por sua vez, a sofisticada tecnocracia do Plano
Real age de forma semelhante a seus antecessores
da época do Império, do Estado Novo e da ditadura
militar, num total desprezo às questões nordestinas.
A questào que se coloca é: até quando nossos
conterri!ineos acertarão a condição de párias? Até
onde será possível se aceitar uma desigualdade re-
gional, a maior das nações modernas, sem que
comecem a creprtar as chamas do separatismo, como
ocorre na Itália, onde o norte industrializado quer se
separar do sul empobrecido? Ressafta-se: com uma
desigualdade regional bem menor do que a nossa. Os
sinais, lamentavelmente, já começaram a aparecer.
Recentemente, a revistaVejapublicou uma pesquisa
promovida pela Unesco, feita entre os estudantes do
Paraná, que chegou à chocante conclusão de que
mais de 52% da juventude estudanlil do Estado
defende o lema separatista "o sul é o meu país".
Nota-se ·que a pesquisa foi feita numa faixa bem
informada da população, que dentro de poucos anos
estará no comando do Estado.
E o mais grave, Sr. Presidente: os fundamentos
do Plano Real tendem a acentuar mais o já
insuportável fosso econômico que separa as regiões
mais pobres do Brasil das mais industrializadas. E o
que afirmo aqui não se baseia em conjecturas vazias,
mas em frios dados econômicos.
Muito obrigada.

183
Morazildo Cavalcante- 02-02-2001

O SR MOZARILDO CAVALCANTI (PFL- RR tes no Pará. Em Roraima, houve a constatação de


Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do ora- que uma organização não-governamental, intitulada
dor.)- Sr. Presidente, ao longo desses dois anos de Amazônia, comprou, de posseiros e ribeirinhos, no
mandato como Senador pelo Estado de Roraima, te- sul do meu Estado, uma área equivalente a 172 mil
nho feito sucessivas denúncias a respeito de atuação hectares- pelo menos é a área registrada no cartório
de organizações não-governamentais em todo o Br& do Amazonas. É interessante que eles compraram
sil, mais especificamente na AmazôniaenoPantanaL terras em Roraima e foram registrá-las no Estado do
Porém, ressatto a intensidade com que algumas orga- Amazonas, fugindo de qualquer tipo de controle dos
nizações, de maneira muito especial, atuam em rela- cartórios do Estado de Roraima.
ção à questão das reservas indígenas e ecológicas A Assembléia Legislativa do Estado fez uma
na Amazônia, a ponto de, em alguns Estados, como CP I, constatou essas irregularidades, denunciou-as,
no meu, áreas pretendidas pela Funai atingirem 57% recomendou providências e até hoje nenhuma provi-
da área do meu Estado. dência concreta foi de fato tomada por parte do Minis-
As áreas destinadas às reservas ecológicas, tério Plblico Federal ou EstaduaL
aos parques ambientais, parques nacionais e outros, Ano passado, apresentamos um requerimento
complementam esse quadro, restando, portanto, de no qual solicitávamos uma CPI das ONGs, justamen-
área livre para o Estado de Roraima apenas 12% da te para identificar ONGs sérias, que tratam, por exem-
sua área territoriaL Não é diferente no Amazonas, um plo, da questão da criança e do aidético e aquelas que
Estado que tem 1 milhão e 600 mil quilômetros qu& se interessam muito pela biodiversídade da Amazônia,
drados e que possui atualmente 21% da sua área pre- pelos minerais, pela água e que estão camufladas.
tendida apenas para reservas indfgenas, fora as re- Recebi, Sr. Presidente, do Promotor de Justiça
servas ecológicas, ambientais, etc. Substituto de Roraima, uma correspondência denun-
Na verdade, se observannos sob uma luz isenta ciando, claramente, que, na região do Rio Japueri, a
Essa questão, temos que fazer pelo menos alguns co- Associação Amazônia, ONG dirigida por um argenti-
no e por um italiano, além dos 172 mil hectares que já
mentários. Primeiro: o comando dessas organizações
não-governamentais, que hoje dominam as questões "comprou" de posseiros, está forçando os moradores
indígena e ambiental no País, tendo à frente o Green- que ainda não lhe venderam suas terras a saírem delá
peace, a VWVF e outras subsidiárias na região, causa Diz S. S":
realmente algum espanto. Porém, mais do que nessa . Sr. Senador,
área ecológica, ambiental, indigenista, de repente, Apraz-me cumprimentar V. Ex", ao
como brasileiros, ficamos muito admirados de ver tempo em que, conhecendo seu trabalho
como os pafses que dominam o mundo, o chamado em defesa dos interesses da Amazônia, em
G-7- que nos seus países acabaram com o meio am- especial do Estado de Roraima, encaminho
biente - continuam produzindo poluição de maneira cópias de denúncias de ribeirinhos notician-
assustadora, a ponto de países industrializados, do que a Associação Amazônia vem inva-
como os Estados Unidos, não assinarem e não exe- dindo terras de outros moradores, bem
cutarem as decisões da Declaração de Kyoto. Mas, no como proibindo o tráfego de pessoas na re-
Brasil, de repente, viraramos patronos, os benfeitores gião do Rio Juaperi, impedindo que os
e os zelosos guardiães das nossas ftorestas, das nos- mesmos possam tirar o seu sustento da Do-
sas reservas minerais e dos nossos indígenas. Não resta e exerçam livremente a caça e a pesca.
vejo esse tipo de cuidado com outros problemas. De Na oportunidade,infonno que asreferi-
repente, em um sistema financeiro e de poder político, das denúncias ocorreram por ocasião da Jor-
nos quais o único idioma é o inglês, essas instituições nada da Justiça Itinerante ao Baixo Rio Bran-
não-governamentais querem fazer com que os nos- co, período de 13 a 25 de novembro de 2000,
sos índios continuem falando o tupi-guarani, o macllXi e que já foram expedidos oficios solicitando
e o wapixana, que não servem nem para eles mes- providências junto à Procuradoria da Repúbli-
mos se entenderem. ca e à Policia Federal no Estado de Roraima.
E o mais grave, Sr. Presidente, além dessas ins- Sendo o que se apresenta para o mo-
tituições que comandam órgãos federais como a Fu- mento, apresento protestos de alto apreço e
nai e o lbama, fora dessas áreas institucionais exis- distinta consideração.
tem organizações que estão atuando à sorrelfa, inclu- Ricardo Fontanella, Promotor de Jus-
sive comprando terras, confonne denúncias existen- 184
Morazildo Cavalcante - 02-02-2001

tiça Substituto. moda dizer, agora, paralelamente, fazem esse tipo de


S. s• anexa várias declarações dos ribeirinhos ação nefasta. Há pouco tempo, li no jornal que, de ma-
a respeito e, por fim. dá noticia de um cidadão fran- neira semelhante, foi fe~a a aquisição de uma gleba
cês chamado Cedric de Giraudy Ou Grey, portador enorme no Pará, mas estou, especificamente,trazen-
de visto de turista e passaporte da Comunidade Eu- do a documentação de uma autoridade com fé públi-
ropéia, que estaria filmando na região com equipa- ca, um Promotor de Justiça Substituto do Estado,
mento profissional, com certeza para vender seu tra- que, ao fazer uma viagem da Jornada da Justiça Itine-
balho às televisões européias e norte-americanas, rante, constatou essa realidade.
tirando, portanto, de maneira pirata, uma coisa que Ao registrar mais essa denúncia no Senado,
poderia, inclusive, render dividendos para aqueles quero pedir ao Governo Faderal que tome providênci-
moradores. as, porque, no âmbito estadual, o Promotor já está co-
O Sr. Jefferson Péres(Bioco/PDT- AM) -Per- meçando a fazê-lo. Como o Senado representa os
mite-me V. Ex" um aparte? Estados e cuida de lhes dar condições de se defender
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL- RR) nessas ações, indusive no caso de entidades estran-
-Concedo o aparte ao Senador Jefferson Péres,com geiras, é preciso que instalemos a CPI das ONGs, o
muito prazer. que, infelizmente, não ocorreu no ano passado, para
O Sr. Jefferson Péres(Bioco/PDT- AM) - Se- que se façam um raio x e um diagnóstico preciso, re-
nador Mozarildo Cavalcanti, qual é a titularidade das gulamentando-se a ação dessas instituições no País.
terras ocupadas por essa ONG? V. Ex" disse que O Sr. Jefferson Péres (Bioco!PDT - I>M) -
essa organização teria comprado as benfeitorias dos Complementando, congratulo-me com V. Ex" por ha-
posseiros. As terras estão registradas, no lncra,como ver renovado o requerimento de criação da CPI, por-
propriedade dessa ONG? Essas terras são de domí- que está em tempo de se separar o chamado joio do
nio dessa organização? O que a CPI realmente apu- trigo_ Existem ONGs realmente sérias, existem ONGs
rou? Essa ONG exerce atividade econômica na área, de picaretageme existem ONGs a serviço de interes-
ou diz apenas que a utiliza como reserva ambiental? ses que não sabemos quais são. Creio que a Comis-
Realmente, não conheço o problema em toda a sua são Parlamentar de Inquérito servirá para fazer essa
extensão e gostaria que V. Ex" me esclarecesse, por- separação e isso será mu~o útil para todo o País, mas
que isso nos preocupa, a nós, do Amazonas, tanto principalmente para a nossa Região. Parabéns pelo
quanto aos roraimenses. seu novo requerimento.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL- RR) O SR MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR)
- Senador Jefferson Péres, a CPI da Assembléia Le- -Muito obrigado, Senador.
gislativa do Estado constatou que essa organização O Sr. Adenir Andrade (PSB - PA) - Permi-
apenas registrou os recibos de compra das terras te-me V. Ex" um aparte?
num cartório no Amazonas, mas não o fez no lncra. O SR MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR)
Portanto, toda a operação foi feita de maneira duvido- - Concedo o aparte ao Senador Ademir Andrade.
sa. Não há registro certo, por exemplo, da origem dos O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) -Senador
recursos para a aquisição dessas terras, assim como Mozaríldo Cavalcanti, entendo que a maioria das
a respeito da sua utilização, que, segundo a organiza- ONGs que conhecemos é formada por pessoas que
ção, seria para a preservação do meio ambiente. têm bons propósitos e preocupam-se com a distribui-
É de se admirar, Sr. Senador, que, tendo o lba- ção justa da riqueza mundial e a preservação do meio
ma várias reservas ecológicas ambientais em Rorai- ambiente, merecendo o nosso respeito e toda nossa
ma, essa instituição "compre" terras justamente numa consideração. Exceções existem, é daro, mas, na sua
área incluída nos 12% que, como eu falei, restam ao maioria, essas entidades são altamente respeitáveis.
Estado, e, de posse do seu registro, esteja coagindo No entanto, acredito que alguma delas cometem ex-
Os moradores, ribeirinhos e extrativistas, que não lhes cessos quanto ao seu conhecimento técnico a respei-
venderam as suas terras. to de determinadas matérias, ou quanto a sua visão
Portanto, essa denúncia, feita por um Promotor política, como, por exemplo, ocorre com as ONGs
de Justiça, é muito séria porque se, por um lado, es- que, hoje, manifestam-se contra a implantação da hi-
sas instituições forçam o Governo Federal, por inter- drovia Araguaia/Tocantins, ou o asfaltamento da Tran-
médio da Funai, do lbama, etc, a fazer grandes reser- samazônica e da Rodovia Santarém/Cuiabá, entre
vas, de maneira a inibir qualquer tipo de desenvolvi- tantas outras obras na Região Norte, na nossa Ama-
mento sustentado naquela região, como está na 185
Morazildo Cavalcante- 02-02-2001

zônia. Creio que uma decisão do Governo seria uma vemo deveria determinar a área comum, que seria
forma muito mais simples e fácil de resolver todos preservada e pertenceria a todos os assentados, ca-
esses problemas. Primeiramente, as ONGs deveri- bendo a cada um explorar o total de sua área. No en-
am trabalhar nesse sentido. porque. da forma como tanto. o Governo permtte que cada um explore uma
atuam. terminam tendo contra si toda a sociedade. parcela e. no final. faz uma peneira na floresta. aca-
No momento em que uma organização bando com a flora. a fauna. O Governo age errada-
não-governamental. por melhores propósitos que mente. e as organizações internacionais não compre-
possa ter. se manifesta contra a conclusão da hidro- endem qual é a saída. Talvez esses erros ocorram por
via Araguaia'Tocantins. o asfaltamento da Santa- desconhecimento sobre a matéria e por falta de vi-
rémiCuiabá ou da rodovia Transamazônica. ela colo- vência prática na nossa região. Creio que essas
ca contra si todos os moradores da região. As ONGs ONGs deveriam se somar aos interesses da socieda-
deveriam somar-se a nós e ao interesse do povo, exi - de brasileira. do povo trabalhador que vive na Amazô-
gindo do Governo uma posição definitiva sobre as nia. O Governo deveria demarcar definitivamente as
suas questões. Por exemplo: por que no Governo de terras indígenas, preservar as reservas florestais e
Fernando Henrique. e em todos os Governos que o até ampliá-las se necessário fosse. O Governo não
antecederam ,até hoje não se concluiu a demarcação deveria criar essas leis idiotas. que, na verdade. não
das terras indígenas? Por que as organizações são respeitadas. como é o caso da recente medida
não-governamentais, assim como nós. não exigem provisória que se transformou em lei e que determina
do Governo o cumprimento da determinação Consti- que o proprietário deve preservar 800k da sua área.
tucional. para que se demarquem. de uma vez por to - Ninguém respeita isso. Além do mais, o lbama não
das, as reserJas indígenas do nosso Pais, impedindo tem condições de fazer essa fiscalização na nossa
qualquer tipo de acesso a essas ãreas por parte dos Amazônia, até porque se trata de um órgão falido.
exploradores, tarto dos de madeira como dos de mi - sem recursos e com poucos funcionários. O Governo
nerais, a não ser por consentimento dos próprios ín- fala tanto em meio ambiente e não cumpre com suas
dios ou da Funai ou pelo que é permitido por lei? O obrigações! Hoje fiz um discurso sobre as edusas de
segundo ponto é o seguirte: se queremos preservar. Tucurui. O Governo barrou um rio e não permite a pro-
temos que determinar o que e o quanto preserva- criação dos peixes, porque os que estão a jusante
remos. Se entendermos que as reservas florestais não podem ir a montante. Faz quinze anos que esse
nacionais existentes são poucas. em primeiro lugar rio foi barrado. No entanto, a lei proíbe o barramerto
temos que vigiá-las e protegê-las. Além disso. há ne- de qualquer curso d'água no nosso Pais. O Governo
cessidade de um maior número de funcionários do descumpriu a lei e até hoje não fez as edusas de Tu-
lbama para desempenhar tal função, assim como é curui. Penso que as ONGs pecam por excesso. por
preciso obter os recursos federais necessários para o desconhecimento e por faha de tática e estratégia de
efetivo cumprimento da lei. Mas com isso o Governo luta nos seus propósitos. Ressalvo que os seus pro-
não a cumpre! Em se gundo lugar. se é pouco o que já pósitos são. na maioria, importartes e merecem nos-
está preservado, por que não criamos mais reservas
so respeito. Muito obrigado. Senador Mozarildo Ca-
florestais? Por que não fazemos um debate sobre a valcanti.
matéria a fim de tomarmos reserva aquilo que essen-
cialmente precisa ser tido como reserva na Amazô- O SR MOZARILDO CAVALCANTI(PFL- RR)
nia? O Governo- desculpem-me a expressão -age - Senador Ademir Andrade, defendo a instalação da
de maneira imbecil e inconseqoente ao modificar leis. CPI das ONGs. Concordo com V. Ex" no sentido de que
Por exemplo, hoje, o proprietário rural tem que pre- a maioria dessas organizaçõesnão-governamentais
servar 80% de sua propriedade. Nunca vi algo tão efetivamente tem bons propósitos. Trata-sedaquela
idiota e imbecil quanto isso! Como que. em uma área velha história: quando a esmola é grande o santo des-
de 500 hectares. 400 hectares serão preservados e confia.
apenas 100 hectares poderão ser trabalhados? Essas organizações. originadas na Inglaterra e
Então, se existem áreas que precisam ser preserva- na França, financiadas por corporações internacio-
das. vamos defini-las e não transformá -las em pene~ nais, discursam em defesa do meio ambiente e da ca-
ras. a exemplo do que ocorre na Amazônia, onde usa indígena. Inclusive, chegou-se ao ponto de. no
cada proprietário tira um pedaço de sua área. Isso Estado de Roraima. a Funasa. um órgão do Ministério
tem ocorrido até nos assentamentos rurais do Minis- da Saúde, fazer um convênio com uma organização
tério da Reforma Agrária. Num assentamento. o Go- não-governamental ao invés de, por exemplo. ceie-
186
Morazildo Cavalcante- 02-02-2001

brar convênio com o Exército, que há muito está nas ção das ações das ONGs no Brasil. Louve-se a atitu-
regiões de fronteira atendendo àquela populaçào. de de V. Ex"! Louve-se a atitude das organizações
Mais longe ainda chegaram essas instituições - não-governamentais que se inspiram no desejo e na
e aqui vou citar corno exem pios o Cimi e o Sine -, que necessidade da preservação ambientai! Ninguém
mobilizaram a população indígena do Município de mais do que os produtores brasileirosse interessaem
Uiramutã, na fronteira Brasil-Guiana-Venezuela, no preservar o meio ambiente. Quem deseja matar a sua
senti do de que não fosse cons tru í do ali um quartel do"galinha dos ovos de ouro''? Porém, na verdade, é im -
Exército. Vejam V. Ex"s: chegamos a esse ponto! E a perativa essa investigação, para saber quais são os
Nação, muda e surda, assiste ao avanço dessas insti- interesses efetivos que se escondem nesse escudo
tuições. de preservação ambientaL Não podemos ficar em ati -
A parceria com a sociedade civil, com o terceiro tude contemplativa, verificando o potencial produtivo
setor, deve ser feita de forma que os interesses nacio- que tem o Pais, em razão da preocupação exclusiva
nais e o comando da coisa pública estejam de fato em se preservar o meio ambiente. Aliás, a natureza
nas mãos do Governo. O Governo não pode abrir mão está ai para ser explorada de forma sustentáveL E o
desse comando e entregá-lo a essas instituições, homem faz parte do ecossistema; ele não pode ser
que, como disse V. Ex", drtam como e o que se deve marginalizado. Então, é importante o que V. Ex• traz
ou não fazer em determinadas áreas. para a discussão no Senado. Ainda há pouco, toma-
Senador Ademir Andrade, debater e discutir a mos conhecimento- e fiz um registro nesta Casa so-
conveniência ou não do que deve ser feito em deter- bre o assunto -de um expediente de uma organiza-
minada região é válido, mas entregar a essas instttui- ção nãoiJovernamental dirigido a diversas autorida-
ções o comando da questão ambiental e indigenista des brasileiras, inclusive ao Ministério das Relações
do País, coincidentemente na Região Amazônica, é Exteriores, com o propósito de admoestá-las sobre a
bastante preocupante, principalmente se olharmos o intenção de ampliar a produção de soja no Brasil e de
que está ocorrendo na Colômbia. O descaso do Go- utilizar os rios como uma moda! viária. Ora, o que as
verno colombiano com a sua Amazônia culminou com organizações não-governamentais estrangeiras têm
o domínio do narcotráfico na região e com o surgi- para poder interferir na autonomia do nosso Pais?
mento da guerrilha, misturando-se essas duas fac- Não vamos admitir isso! Concordo com V. Ex" e pre-
ções -guerrilha e narcotráfico-, pois dizemos guerri- tendo auxiliá-lo no seu trabalho.
lheiros que não estão envolvidos. Na verdade, naque-
le país, há uma balbúrdia, incíusive estimulada por
países poderosos, os quais hoje estão comandando a O SR MOZARILDO CAVALCANTI (PFL- RR)
Colômbia e amanhã poderão estar dentro do Brasil, - Agradaço a V. Ex", Senador Leomar Quintanilha.
justamente porque estão plantando essa semente da Sr. Presidente, para finalizar, ressalto o registro
discórdia. que fiz acerca da correspondência que me enviou o
to preocupante o fato de o Exército brasileiro es- Promotor de Justiça do Estado de Roraima. Até que
tar impedido de construir um quartel na fronteira em enfim alguém da área oficial, do Judiciário pelo me-
uma área estratégica- é bom ressalvar que a Vene- nos, toma uma iniciativa concreta ao pedir a apuração
zuela e a Guiana tém uma questão da litlgio por uma do caso! O que se está querendo fazer aqui não é
área de terra na fronteira com o Brasil -tendo em vis- uma prévia condenação de nenhuma organização
ta uma liminar de um juiz federal. não-governamental. O que se quer é justamente fazer
O Sr. Leomar Quintanilha(PPB- TO)- V. Ex• a investigação, para, como disse o Senador Jefferson
me permite um aparte? Péres, se parar o joio do trigo. Creio que devem ter pri-
O SR. MOZARILOO CAVALCANTI (PFL- RR) oridade as instrtuições efetivamente nacionais, e
- Ouço V. Ex• com prazer. aquelas estrangeiras que pretendem agir no Brasil
O Sr. Leomar Quintanilha(PPB- TO)- Nobre que o façam, desde que seja para ajudar e não para
Senador Mozarildo Cavalcanti, não tive o prívilégiode assaltar o Brasil, tendo em vista que já há fatos com-
ouvir o pronunciamento de V. Ex" desde o inicio. Ouvi provados de biopirataria.
a intervenção do eminente Senador Ademir Andrade, Nesse caso, Senador Jefferson Péres, em Rora-
quando S. Ex• abordava a questão das organizações ima, já existem denúncias de que essa instrtuição
não-governamentais. Pareceu-me que o tema está fazendo contrabando de peixes ornamentais. en-
abordado por V. Ex" foi a necessidade de investiga- tre outras coisas.
187
Morazildo Cavalcante- 02-02-2001

Precisamos defender a nossa Amazônia, para


que não ocorra o que aconteceu com a Amazônia da
Colômbia e o que está acontecendo com a Amazônia
do Peru.
Portanto, devemos deixar claro que a Amazônia
é brasileira e que somos nós que iremos definir quem
e de que forma deverá atuar em sua defesa.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

188
Roberto Freire- 13-02-2001

O SR. ROBERTO FREIRE (Bioco/PPS - PE _ crime". E isso nada mais é do que a afirmação tosca e
Como Líder. pronuncia o seguinte discurso. Sem re- primitiva, como diz Dora Kramer, de que os fins justifi-
visão do orador.) - Sr. Presidente, até tinha pensado cam os meios. De acordo com essa idéia, para se lu-
em falar da tribuna, já que é a primeira vez que uso tar contra a imoralidade, pouco imporia que se prati-
a pai avra após o reingresso do PPS no Bloco de que qualquer ilegalidade. Evidentemente que isso im-
Oposição, junto ao PT e ao PDT. porta -e muito- em um Estado Demoa-ático de Direi-
Sempre me posicionei com muita clareza contra to. E diria mais: principalmente agora, quando esta-
mos assistindo, no Congresso Nacional, ao constran-
aqueles que, vendo dificuldades no momento atual,
gimento de uma sucessão baseada em algo que o
costumavam dizer que viviam os como na época da
Estado Democrático de Direito tem mecanismos de
ditadura ou pior. Muttas vezes, afirmei que quem as- apurar. Bastaria o Ministério Público abrir um inquéri-
sim pensava mutto provavelmente não vivera naquele to civil contra o Sr. Jader Barba lho e o Sr. Antonio Car-
período. Agora, inclusive, vejo alguns se referirem ã los Magalhães,porque se acusaram, reciprocamente,
"ditadura do Executivo" em relação ãs medidas provi- da prática de crimes. Não sei se são verdadeiros. Não
sórias. Não dá para falar em ditadura nesse caso. São cabe ao Congresso, não cabe a nenhum Senador
coisas bem distintas. abrir um inquérito, mas caberia ao Ministério Público,
Mas, hoje, queria falar de um caso bem especifi- por determinação da Constituição brasileira, fazê-lo.
Não é com escuta telefônica, nem com métodos ile-
co - em relação ao qual, concordo em que estamos
gais que chegaremos ao desiderato da sociedade
vivendo tal como na dttadura -,que foi magistralmen- brasileira_
te apresentado à opinião pública brasileira pela jorna-
Estou falando desses assuntos, porque a jorna-
lista Dora Kramer, em "Coisas da Polftica" _ lista tambêm diz:
Lerei apenas alguns trechos.
A falta de cerimônia instalada no Con-
Era assim na ditadura gresso- seja pelo uso de fitas agora . seja
Enquanto a imprensa, a sociedade e pela troca de insultos que deu origem à de-
as instttuições continuarem a aceitar a apli- generação de costumes - deve-se em boa
cação de métodos ilegais supondo que es- medida à acertação de toda e qualquer for-
tão assim trabalhando em favor da restaura- ma de denúncia como salvo-conduto a to-
ção da moralidade, o Brasil permanecerá na das as guerras.
condição de arremedo de democracia."
É importante ter isso em mente, porque. para
Dora Kramer diz mais adiante: defender a democracia, o Estado de Direito, as liber-
dades públicas, existe a lei. Desrespeitando a lei, não
Os que se consideram arautos da mo- vamos chegar a lugar algum,porque amanhã a vttima
ralidade- aí incluídos imprensa, parlamen- seremos todos nôs _
tares e magistrados que não reagem - es- Eu pediria que a Casa registrasse nos Anais o
tão necessitando ser postos frente a uma artigo da jornalista Dora Kramer.
dura realidade: não há nenhuma diferença
entre eles, os espiões do antigo SNI e os
que se utilizavam de seus serviços_

Ela está tratando de algo que a Constttuição


brasileira considera como crime, que é a escuta tele-
fônica. A única possibilidade admitida pela Constitu~
ção de escuta telefônica é mediante autorização judi-
cial e para a elucidação de crime para o qual existe in-
quérito ou processo.
O que a jornalista Dora Kramer está afirmando
de forma magistral tentei dizer a um jornalista daFo-
lha de S.Paulo,que julgou mutto importante ter patro-
cinado uma gravação para descobrir imoralidades.Eu
lhe dizia: 'Você e o seu jornal estão patrocinando um
189
Antônio Carlos Magalhães-20-02-2001

O SR ANTONIO CARLOS MAGALHAES


como nos idos de Roma. Mas certamente o que
(PFL-BA.Pronuncia o seguinte discurso.Sem
aqui disser haverá de calar no âmago dos que, no
revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs.
Senadores, Srs. Deputados, quero inicialmente Legislativo, no Executivo e no Judiciário, assumiram
prestar uma homenagem à imprensa de meu País o compromisso com a busca da verdade. A disputa
nas pessoas de Villas Boas Corrêa, Márcio Moreira pelas Casas do Congresso e encerrou. Qual a
Alves, Marcos Sá Corrêa, Arnaldo Jabor, Roberto razão, então, para escamotear à opinião pública a
Pompeu de Toledo, Josias de Souza, Ricardo plena apuração de todos os fatos sobre as pessoas
Noblat, José Neumar Pinto, Hindemburgo Pereira denunciadas?
DmiZ, Fernando Pedreira, Alexandre Oitamares, Meu propósito não é, simplesmente, tratar
Rodolfo Lago, Gualter Loiola e tantos outros que, dos meandros dessa disputa, já expostos pelos
em episódios recentes, que não honram a História veículos de comunicação da imprensa do País, que
do Brasil, não permaneceram insensíveis aos apontam favorecimentos, "atenções especiais" de
acontecimentos. determinados Ministérios, segundo declaração dos
Dito isso, afirmo a V. Ex", Sr. Presidente próprios beneficiários. Os casos estão relatados e
que ocupo a tribuna do Senado no exercício d~ as denúncias não são minhas, como disse~m
uma das funções mais relevantes do Parlamento alguns. Os jornais chegaram a divulgar números e
desde os primórdios da democracia. Ao tribuno na fontes de recurso por onde salram essas compras.
defesa de interesses de seus representados, Está aqui, Sr. Presidente, a matéria de O Globo
tncumbe a busca da verdade e este há de ser edi.ção do domingo únimo, 18 de fevereiro, qu~
sempre, senão o maior, um dos maiores sohcito faça parte integrante do meu discurso, em
compromissos estabelecidos pela Constituição. que são citados vários Parlamentares que mudaram
Minha presença nesta tribuna, nesta tarde, as suas posições em troca de verbas recebidas
mais uma vez se faz exatamente no rumprimento pelos Ministérios que citarei dentro em pouco, mas
de uma obrigação para com o País e seus que, aqui, já vão c~ados para vergonha do País. É
cidadãos. Venho cobrar providências do Poder tndtspensável, também, que sejam esclarecidas as
Executivo, do Ministério Público Federal e do denúncias sobre compra de Parlamentares para
próprio Presidente de Casa. Sei que momentos de troca de partido, conforme matéria publicada pela
expectativa e especulações antecedem a este meu rev1sta Veja - igualmente, está aqui: "Crédito e
pronunciamento. Não vou tratar do chamado déb~o". Lá aparecem transcrições de diálogos que
"Dossiê Cayman", como anunciaram alguns senam reproduções de gravações de conversas
apressados e mal-intencionados. Gostaria de entre os beneficiários da imoralidade. O Congresso
recordar que quando surgiram notícias a respeito Naaonal, especialmente no caso dos grampos
desse suposto documento, prorurei eu próprio 0 telefônicos, não pode fechar os olhos a fatos tão
Presidente da República e declarei que não graves, principalmente a Câmara dos Deputados.
emprestava qualquer veracidade às denúncias que Sr. Presidente, Sra se Srs. Senadores
surgiram naquela ocasião. findo o período eleitoral, é chegado o momento d~
Não há aqui o propósito de acusar ou solic~ar in-formações sobre providências que foram
atingir o Govemo, mas há a intenção de colaborar. e estão sendo adotadas no âmb~o do Ministério
E mtnhas palavras devem ser motivo de Público Federal, em face da decisão do Conselho
agradecimento, ao invés da epregoada condenação de Ética do Senado de enviar-lhe à apreciação
de alguns que, por interesses escusos, costumam acusações que fiz ao Presidente do Senado - que
difundir a versão de que é meu desejo prejudicar 0 esperava presente, mas está ausente; pode ser que
Governo Federal e o Presidente da República. a1nda chegue - e que S. Ex" fez também a mim.
Concordo com os que afirmam que 0 Sei que o Conselho de Ética passou o caso
momento, para os que integram a aliança que e se esqueceu de cobrar. Ainda faço um apelo ao
elegeu este Governo por duas vezes, é de somar Conselho de Ética - se ele ainda existe - para
esforço se ajudá-lo a concluir as reformas que tomar as providências que o caso requer. Atendo,
amda fakam, porque nas outras que foram feitas a ln_clustve, a apelos que me foram dirigidos por
minha pessoa ajudou muito e, principalmente, a do vartos Parlamentares na última sessão do
Deputado Luís Eduardo. Congresso Nacional. Todos, sobretudo os da
Lamento, talvez, que não venha a agradar a Oposição, me cobravam esclarecimentos depois da
uma platéia enfUrecida, que anseia por sangue, mtnha salda da Presidência. E uma acusação não 190
esclarecida traz marcas indeléveis a qualquer pes-
Antônio Carlos Mallalhães-20-02-2001

soa de bem. divulgação do desaparecimento, publicou a integra


Desde aquela época. não se tem noticia do do relatório. E lá estava S. Ex". o novo Presidente
andamento de qualquer providência. O Chefe do do Senado. Senador Jade r Barbalho, citado
Ministério Público deve demonstrar a esta Casa e à dezesseis vezes!
opinião pública brasileira a conduçào que tem sido Instado pelo Ministério Público Federal a
deda aos casos, até para que não perca a informar se Jader Barbalho integrava a lista de
autoridade ante aqueles que hierarquicamente são nomes envolvidos no escândalo, o Banco Central
seus subordinados. escapou pela tangente. Disse. por meio de
Pois vamos apurar os fatos. Sr. Presidente. expediente assinado pelo seu então Presidente,
Sras e Srs. Senadores, recentemente, encaminhei Francisco Gros, hoje no BNDES, que o nome do
ofício ao Procurador-Geral da República em busca Senador Jader não constava do offcio encaminhado
de informações a respetto do andamento das ao Procurador-Geral, no Pará.
investigações do Ministério Público Federal sobre Ora, é claro que não constava! Constava.
um caso de uso indevido de rewrsos no Banco do sim, cb anexai O tal relatório da fiscalização que
Estado do Pará. havia desaparecido.
Valores eram sacados por meio de cheques Esse relatório, já disse, permanece no
administrativos e iam parar em contas de terceiros. Banco Central, escondido atrás do sigilo bancário.
Os valores eram, então, aplicados em títulos de Mas que sigilo bancário é esse alegado pelo
renda fixa, depois eram devolvidos, somente o Banco?
principal, ao Banco do Pará. O rendimento auferido A requisição do Procurador-Geral da
na aplicaçào não voltava aos coli"es públicos. República foi ferra nos termos do art.8?, inciso ll,da
Mais uma vez, fui informado de que o lei Complementar 75193, lei Orgânica do Ministério
Ministério Público Federal segue com dificuldades Público da União,segundo a qual o Ministério
para ter acesso a informações fundamentais sobre Público poderá requisttar informações. exames,
o caso, disponíveis que estão no Banco Central, perícias e documentos. sendo que nenhuma
mas cujo acesso tem sido retteradamente negado, autoridade poderá opor a exceçào do sigilo.
sob o pretexto de ferir o principio constitucional do E mais. Vou ler para V. Ex"s o voto do
direito ao sigilo bancário e fiscal. Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal
Pois bem, vamos aos fatos. Entre outras Federal, ao julgar o Mandado de Segurança n?
medidas que tomou para investigar tal caso e 21 .729-4-DF, que tratava da requisição de
irregularidades no Banco do Estado do Pará, o informações sobre crédttos privilegiados feitos em
Banco Central elaborou um relatório de fiscalizaçào, contas-correntes de empresários do setor
ao qual deu a seguinte identificação: canavieiro:
"Banpará SIA x Jader F ontenelle Barbalho "em matéria de gestão de dinheiro público,
- Utilizaçào indevida de recursos e não há sigilo privado a opor-se ao principio basilar
manipulação de procedimentos - li"aude da publicidade da administração republicana".
contábil." Sr's e Srs. Senadores, até quando manter
Não sou eu. É o Banco Central. Esse esse silêncio comprometedor sobre o assunto?
relatório encontra-se cadastrado no Sisbacen, sob o Até quando veremos circular entre nós
n" 920004 7391 . Aqui está uma cópia de consulta ao cópias de relatórios do Banco Central incriminando
banco de dados do Sisbacen, em que essas o ilustre Senador, descrevendo como se deu o
informações podem ser facilmente comprovadas. ilícito, citando sua conta-corrente, seus cheques.
Uma vez conduido, o relatório de fiscalizaçào foi Aqui estão, senhores, as cópias a que me
encaminhado ao então Procurador-Geral da Justiça refiro.
do Estado do Pará. Aqui está a cópia do ofício do Aqui está o relatório que cita o Senador por
Banco Central ao Procurador. dezesseis vezes.
lá, no Pará, o Procurador, em vez de Pela ordem em que se deu a operação,
cumprir, reconhecia que o documento, o tal relatório aqui estão:
da fiscalização, havia desaparecido. Passados 1 - cópias de cheques administrativos do
quatro anos, um novo Procurador reconhecia que o Banco do Pará, sacados ao portador;
documento, o tal relatório, havia desaparecido. 2 - títulos de renda fixa emitidos pelo
O jornal O Estado de S. Paulo, à época da Banco ltaú, que mostram o extraordinário ganho 191
auferido na operaçào;
Antônio Carlos Magalhães-20-02-2001

3 - cheques do Senador Jader, sacados à de S. Ex•. à época, em 31/3192, era de cerca de 5


sua conta-corrente, na agência Jardim Botânico do bilhões de cruzeiros, cuja devolução se pede na
Banco ltaú. para devolução do principaL O Ação Popular.
rendimento não. Esse ficaria com ele. Nas conclusões, respaldadas pelo Tribunal
Os cheques estão aqui e vão constar do de Contas da Lhião e encaminhadas à Justiça, a
meu discurso. Auditora Maria Salete Lima, encarregada da análise
Sr. Presidente, todos os diretores do Banco do assunto, registrou- prestem atenção:
do Pará, envolvidos no caso, bram afastados, com "as alegações de defesa apresentadas pelo
pe -nas de inabilitação, alguns por até dez anos. senhor Jader Fontenelle Barbalho, embora providas
Será que foram eles apenas os responsáveis pelo de farto conteúdo jurídico e de muito conhecimento
ocorrido? Precisamos esclarecer tudo isso. teórico a respeito da problemática fundiária do Pais,
Estou encaminhando requerimento de bem como acerca das possibilidades viáveis de
informações a ser remetido ao Ministro da Fazenda. solução dessas questões, não se fizeram bastante
Precisamos saber que providências foram para justificar seus procedimentos contrários à lei e
adotadas, no âmbito do Banco Central, em relação à moralidade administrativa."
ao assunto. E a auditora propõe, entre outras
Solícito ainda que o Ministro, à luz do que providências:
preceitua a Lei Orgânica do Ministério Público "julgar improcedentes as alegações de
Federal e o que tem sido o entendimento do defesa; transformar o processo em Tomada de
Supremo Tribunal Federal, rnorrne a base jurídica Contas Especial, por tratar-se de execução
em que se apóia o Banco Central para que. sempre orçamentário-financeira de Ministério; promover-se
que instado pelo Ministério Público Federal a citações dos envolvidos Senador Jader Fontenelle
respeito, negue atendimento alegando sigilo. Barbalho e o célebre Antônio César Pinho Brasil,
Sr"s. e Srs. Senadores, ao contrário do que para recolherem os valores atualizados pelos cofres
foi divulgado - prestem atenção - há sim, em públicos.
andamento na Justiça Federal de Brasüia - o Mas tem outra ação ...
Senador disse que não - duas ações contra o Também, na za Vara Federal. corre uma
Senador Jader Barbalho! Ação Civil Pública, que tem por objeto acordo
Além de outras que também tramitam na attamente lesivo aos cofres público. feito em favor
Justiça do Estado do Pará, cujos de federação e associação que não tinham
acompanhamentos processuais estão anexos a legitimidade para representar os servidores, antes
este pronunciamento. da sentença da primeira Instância.
Mas, abordemos as que tramitam em A ação, movida pelo Ministério Público
Bras fi ia: Federal. pede a anulação de acordo
Uma Ação Popular envorJendo gravíssimas ostensivamente irregular, feita na gestão de Jader
ir-regularidedes em processos expropriatórios e Barbalho no Ministério da Previdência e Assistência
compra de áreas rurais, em especial no chamado Social.
"Polígono dos Castanhais", no Estado do Pará. O acordo teria sido realizado
Refiro-me ao processo - quem quiser pode ir ver, inopinadamente Jogo depois da contestação e antes
criam dificuldades, mas mostram -que tramita na de qualquer decisão judicial a respeito.
15•vara Federal, sob o n" 93.000.84526. Nas negociações extra judiciais levadas a
Auditoria do Tribunal de Contas produziu efeito. os valores estipulados para as indenizações,
minucioso relatório em que se acentuava, em que somavam 2 bilhões de cruzeiros, quase 340 mil
primeiro lugar. que os preços pagos nas ações salários mínimos em 1991, foram concedidos ao
desapropríatórias e nos acordos celebrados dobro de servidores que constavam da petição
estavam muito acima dos valores devidos e sob inicial.
forma de pagamento com prazos mais reduzidos do Finalmente, as entidades com as quais o
que a legislação aplicável pemritia. Ministério celebrou os acordos. em nome dos
Em sua defesa, o Senador Jader Barbalho servidores, terminaram desclassificadas. Não eram
alegou que, em relação ao "Polígono dos legitimas para representá-los.
Castanhais", justificava-se a urgência. diante de Em virtude da ilegitimidade dos postulantes,
tensões existentes na área. etc. A responsabilidade a ação acabou sendo julgada improcedente, restan- 192
Antônio Carlos Ma!'lalhães-20-02-200 1

do um enonne prejuízo para o Erário, prejuízo que Senador Pedro Simon fala e falava nesta Casa,
o Ministério Público ainda pretende recuperar. mas hoje não está sequer a ouvir-me? Certamente
Em 22 de maio de 2000, o Ministério serão anistiados.
Público Federal propôs a Ação Civil Pública n° Sr. Presidente, Sra s e Srs. Senadores,
2000.34.00.014-83811, pretendendo o outra questão merece ser esclarecida pelo DNER: o
ressarcimento à União. A ação continua tramitando. Sindicato de Construção Pesada - vejam bam esta
Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, ou- --moveu ação contra o Departamento pleiteando o
tros assuntos também me trazem à tribuna. ressarcimento, por perdas, no valor de quase
A Advocacia Geral da União, em correição R$37 4 milhões. E, a despeito do parecer contrário
extraordinária efetuada no Departamento Nacional da Advocacia Geral da União, que identificou- e eu
de Estradas de Rodagem, detectou irregularidades, tenho o parecer - falhas nos cálculos da
principalmente em pagamentos de precatórios indenização devida, o DNER veio a emitir o
naquele órgão do Ministério dos Transportes. respectivo empenho.
Nas conclusões de seu trabalho, a Segundo a avaliação dos técnicos da
Corregedoria da Advocacia Geral da União própria AGU, as cifras deveriam ser infinitamente
recomendou fosse dado conhecimento do que menores, na casa de R$20 milhões apenas são R$
apurou ao Ministério Público, ao Presidente do 374 milhões, enquanto a Advocacia calculava R$20
Tribunal de Contas da União, à Secretaria da milhões. O ONER não se quedou às
Receita Federal, ao Instituto Nlcional de Seguro argumentações técnicas do parecer e, em tempo
Social, à OAB e ao CREA. recorde, preparou-se para o pagamento. Senão,
Recomendou expressamente que fosse vejamos:
instaurado o procedimento administrativo- -Em 19 de dezembro passado, foi
disciplinar, com nomeação de servidores alheios ao prolatada decisão judicial condenando o DNER ao
quadro do ONER para compor a Comissão de pagamento absurdo;
Investigação. E, ainda, que o DNER fosse instado a - Dois dias depois, 21 de dezembro - e
rever pagamentos efetuados no período de 1997 a isso foi feito à mão, pela Juíza -, o DNER emitiu o
1999, sem embargo de outras providências. Empenho n° 2000NE007506 para o pagemento e
Pasmem, Sras e Srs. Senadores: até o que teria sido efetuado, não fora a denúncia
momento, ao que se sabe, houve o desligamento veiculada pelo Correio Braziliense nos primeiros
de um funcionário, Gilson Moura, que se afastou, dias de janeiro seguinte.
por vontade própria, do órgão. Posterionnente, foi Imediatamente após a notícia, a AGU,
exonerado. correta-mente, recorreu, e o Presidente do Tribunal
Mas quem são os verdadeiros responsáveis determinou fosse suspensa à quitação do
pelos desmandos? Quais as responsabilidades mencionado débito.
apuradas? O Erário foi ressarcido? O dinheiro não saiu, ainda, mas seria isso
Tenho conhecimento de nota oficial, motivo suficiente para se esquecer o assunto? Ou
expedida no último dia 16 pela Advocacia Geral da deve-riamos estar assistindo à punição dos
União, declarando-se responsável pelo culpados pela quase lesão ao Pais? Quem são os
procedimento de pagamento de precatórios do responsáveis por esse tipo de arranjo dentro do
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, DNER? Com que propósitos?
a partir da edição da Medida Provisória no 1.984- Quem propiciou a nota de empenho, tão
16. prejudicial ao interesse público, com tanta rapidez?
Ora, é uma medida de futuro. E o futuro, no Em que condições foi emitida essa nota de
jargão popular, "a Deus pertence". empenho?
Mas, e quanto a nós, homens públicos? Ora, senhores, o Sr. Fonlenelle Morbach,
Deveremos abdicar de nossas responsabilidades, pessoa envolvida várias vezes no Relatório,
que dar confonnados com as promessas de um inexplicavelmente, na fase de punições, sequer
futuro melhor? Ou nos impõe a existência total de teve o seu nome lembrado. Por esquecimento, ou
esclarecer os fatos? haveria justificativa para a exdusão do rol de
Devemos continuar sem respostas para os responsáveis por essas ações?
prejuízos causados? Na nota oficial da última sexta-feira, a
E os corruptos e corruptores, de que tanto o Advocacia Geral da União também dá conta de que 193
Antônio Carlos MaQalhães-20-02-2001

após detectadas falhas administrativas na do País ..


Autarquia, sua representação judicial passou a ser Por determinação do Ministro Walton
exercida pela Pro -curadoria Geral da União, que Alencar Rodrigues, foi induída no Plano de
vem-se encarregando de todos os feitos judiciais de Auditorias da Secretaria de Controle Externo do
interesse do DNE R Tribunal de Contas da União, no Estado de. São
Efetivamente, qual foi o alcance dessa Paulo. uma auditoria na Companhia Docas do
medida? Estado de São Paulo. A auditoria foi efetuada entre
Após inúmeras denúncias, indusive 16 de agosto e 3 de setembro de 1999 e o
detalhadas e respaldadas com documentos, como respectivo relatório concluído em 20 de janeiro do
os que trago agora, era de se esperar que a nota ano 2000.
oficial da AGU trouxesse esclarecimentos concretos Sr"s. e Srs. Senadores é um quadro
para os fatos delituosos concretos, e não evasivas. assustador. Os auditores sumariaram 34 falhas e
Reitero, a alegada transferência de irregularidades:
responsabilidades refere-se ao futuro, mas, e o - as arrendatárias não reoolheram o valor
passado? O que faz a Advocacia Geral da União das cauções oferecidas em garantia; não
com o DNER e o Ministério dos Transportes? O apresentaram as apólices de seguro
Ministério dos Transportes deixou de prestar contas contratualmente previstas;
das providências toma -das em relação aos - não oomprovaram a realização dos
responsáveis pelos desmandos. investimentos contratualmente previstos; estão em
Pior, não se tem conhecimento, sequer, de débito com a Codesp relativamente à remuneração
significativas substituições na direção do DNER Na pelo arrendamento; não promoveram a absorção da
dança das cadeiras, trocaram-se os móveis, mas os mão-de-obra contratualmente prevista;
ocupantes continuam os mesmos. - constatou-se a celebração de contratos
Pessoas que tiveram seus nomes incluídos sem prévia licitação; a prestação de serviços sem
em Ação de Improbidade Administrativa movida cobertura contratual; a ausência de justificativas
pelo Ministério Público Federal em 5 de maio do para a elevação de preços previamente acordados;
ano passado, como Pedro Elói Soares, Genésio contratos sem objeto definido; alterações
Bernardino de Souza e Kleber de Oliveira Barros. irregulares de minutas de contratos -isso é incrível
continuam normalmente exercendo suas liJnções -;inexistência de mecanismos para
no Departamento Nacional de Estradas de acompanhamento in looo de contratos de
Rodagem. arrendamento;
Ainda, o Diário Oficial, Seção I, de 27 de -interpretação indevida de cláusulas
novembro de 2000, publica a Portarian"63, de24 de contratuais ensejando prejuizos aos cofres da
novembro, da Corregedoria Geral da União, Codesp; pagamerto de faturas a menor;
determinando a realização de Correição -celebração de acordos sem amparo legal
Extraordinária na Procuradoria Distrital do DNER e com prejuízos aos cofres da Codesp. Como
em Curitiba, a ser realizada em 8 de dezembro exemplo, temos o caso da empresa Boa Vista
seguinte em Curitiba, Srs. Senadores do Paraná Comércio e Serviços Lida. Ela pagou R$ 2,3
A Correição foi concluída. E o Relatório milhões por uma divida de R$ 9,3 milhões; -
onde está? Qual o seu teor? Foi encontrada alguma acréscimo de preços de contrato sem qualquer
irregularidade? Se foi, de que tipo? São esses os justificativa. Por exemplo, um contrato inicialmente
questionamentos que, em relação ao DNER, faço estimado em R$228 mil foi celebrado por mais de
nestes Requerimentos de Informações que agora R$3 milhões.
encaminho à apreciação da Mesa do Senado Sr"s. e Srs. Senadores, resumi o rol de
Federal, para que sejam remetidos, com a maior irregularidades! Há muito mais! Denúncias sobre o
brevidade, ao Ministério dos Transportes, ao Porto de Sentas não cessam de dlegar. Também
Ministério da Justiça, ao Presidente do Tribunal de há recomendações no relatório. Os auditores
Contas da União e ao Ministério da Previdência e
recomendam sejam ouvidos em audiência os
Assistência SociaL
responsáveis arrolados na auditoria. São seis
Sr. Presidente, ainda na área do Ministério
dos Transportes, trago a V. Ex• a minha presidentes, dois diretores da Área de Operações e
diretor de Gestão Portuária. Recomendam
preocupação com o que vem ocorrendo nos portos diligências a fim de que se esclareçam que provide- 194
Antônio Carlos Magalhães-20-02-2001

cias administrativas e judiciais a Codesp vem medida traz à economia.


adotando. Recomendam diligências a fim de que Mas como explicar que. ao mesmo tempo
seja conhecido o resultado dos trabalhos da em que solicita aumento das tarifas, a Companhia
Comissão de Sindicância designada em 29 de Docas cede essas áreas que acabei de citar?
junho de 1999, que visava apurar se serviços E vou citar outras do Porto de Santos. Por
contratados foram realizados efetivamente e atribuir exemplo, o Grupo Libra ocupa 300 mil metros
responsabilidade aos envolvidos na falcatrua. quadrados do porto e estaria pagando R$120 miL
Senhores, a Comissão da Sindicância foi Eu disse "estaria"!
instalada em junho de 1999! Onde estão as Desde o primeiro mês de ocupação a
providências? Ninguém sabe. empresa entrou na Justiça comum pedido de
Tanto isso é verdade que o próprio equillbrio do contrato. Antes do pagamento da
Presidente da Câmara Municipal de Santos, Sr. primeira fatura! Antes de o contrato sequer entrar
José Antonio Marques Almeida - prestem atenção em vigor!
V. Ex"s, principalmente os do PSDB. A propósito, Ora. o Tribunal de Contas da União já
não vejo o Líder de V. Ex"s nesta Casa, o Sr. considerou improcedentes as alegações da Libra
Sérgio Machado. e se sua cadeira está vazia, eu a para não pagar o que deve.
vejo ocupada por Rui Barbosa, tal a semelhança da São casos terríveis, que não podem passar
genialidade... -. vereador reelerto do PSDB, despercebidos no Senado Federal, na Câmara dos
engenheiro com trinta anos de Codesp, expressou Deputados. e pelo ilustre ex-presidente, Deputado
sua indignação diretamente ao Presidente da Michel Temer.
República em ofício enviado ao Palácio do Planatto A empresa Rodrimar, por exemplo,
no dia 14 de fevereiro deste ano. É possível até que ocupava, até 1993, uma área de arrendamento,
o eminente Presidente da República dele ainda não restrita a annazenagem e exploração do pátio. que,
tenha tomado conhecimento, mas o ofício está aqui, se fosse licitada hoje, custaria em torno de R$5
confirmando tudo o que eu disse, dizendo mais milhões. Transgredindo a lei, a Codesp permttiu que
alguma cai sa e pedindo que o Presidente da a Rodrimar ocupasse uma outra área, ainda maior,
República tome providências. Como hoje são 19 e o e assumisse também as atividades de carga e
oficio é do dia 14, acredito que ele possa não ter descarga. Se licitada, essa área renderia aos cofres
chegado às mãos do Excelentíssimo Presidente da da Codesp algo em torno de R$50 milhões.
República, mas sei que, quando chegar, ele vai A empresa Te condi, que ocupa 300 mil
adotar as providências que o caso requer e que não metros quadrados, não cumpre cláusulas
são desconhecidas da opinião pública e muno importantíssimas do contrato. como a construção
menos do Governo FederaL de um lenninal de contêineres, prevista para dois
É um libelo! E isso vem de um anos atrás.
peessedebista, presidente da Câmara de Sabe-se que 160 empresas devem à
Vereadores, engenheiro há trinta anos da Codesp! Codesp quase R$245 milhões. A maior devedora é
Santos e Mário Covas se misturam. Isso é também a Cosipa, do Grupo Usiminas.
uma afronta à figura do grande governador, por cuja E vem a Codesp falar em conseguir
saúde rezamos, para que ele se recupere e use sua aumento de tarifas?
força e seu valor para atuar também na sua querida Reptto: o relatório do Tribunal de Contas da
cidade de Santos. União foi encaminhado há mais de um ano ao
Mas não é só isso. Ministério dos Transportes, e até hoje nada!
Sabe-se que a Codesp está solicitando ao É absolutamente indispensável tomar
Ministério dos Transportes reajustes da ordem de conhecimento de providências adotadas por essa
44% sobre as tarifas portuárias atualmente pasta. Daí o requerimento que encaminho também
praticadas. Fiquei sabendo ao chegar aqui que não à Mesa Diretora neste momento para que
foram concedi -dos os 44%, mas deram 23%. conheçamos as providências adotadas por aquele
Enquanto isso, os annazéns são cedidos ministério em face das irregularidades identificadas
gratuitamente àqueles que têm força política. E as pela auditoria.
tarifas são aumentadas, encarecendo os custos das Também na Bahia graves irregularidades
exportações, prejudicando o País em todos os têm sido denunciadas na administração da
sentidos. São evidentes os efeitos negativos que tal Companhia das Docas, a Codeba. 195
Antônio Carlos Magalhães-20-02-2001

As denúncias dão conta da existênda de clusive formuladas por mim, o Sr. Ministro da
acordos em processos licitatórios, manutenção de Integração Nacional afastou pessoas da direção
daquela Superintendênda. E nada mais se soube
folha de pagamento com funcionários fantasmas -
sobre o assunto. Promete para 4 de março - a
tem até fundonário nos Estados Unidos!-, locação
eleição era no dia 14 -, mas não virá, de modo
de veículos com superfaturamento, privilégios e
algum, nada que incrimine. Vamos ter coragem de
vícios nos contratos de arrendamentos, todas apurar, por intermédio de uma CPI mista, o que
envolvendo seu administrador principal, o Sr. AfTísio existe na Sudam.
Vieira Lima. Restam ser clareadas essas denúndas -
A Assembléia Legislativa do Estado, em beneficio, inclusive, das políticas de fomento
atendendo a requerimento dos Deputados, empreendidas por aquele órgão federal -. para que
constituiu uma comissão parlamentar de inquérito. não pairem dúvidas sobre a seriedade e a
Contra a decisão da Assembléia Legislativa idoneidade dos que conduzem as avaliações e
de criar a CPI, o Advogado-Geral da União liberações de verbas em áreas protegidas por
ingressou em juízo com mandado de segurança, concessões governamentais. Afinal, quais as
sob o fundamento de que a comissão não teria punições adotadas em relação aos que traíram a
competênda para fiscalizar a Codeba, uma confiança depositada em suas mãos pelo Governo
sociedade de economia mista. Federal?
Segundo a AGU, estaria ocorrendo invasão
E quanto aos projetos que a Secretaria
na esfera de competência das Casas do Congresso
considerou eivados de irregularidades, quais foram
Nacional.
as providêndas adotadas para punição dos
A despeito das alegações da Assembléia
Legislativa de que o capftal social da Codeba é culpados e ressarcimento do Erário?
integrado também pelo Estado da Bahia, liminar foi Sr. Presidente, respaldado nas conclusões
concedida no Supremo Tribunal Federal da Diretoria de Auditoria de Programas da Área
suspendendo os trabalhos da CPI. Econômica da Secretaria Federal de Controle
Enquanto isso, o acionista minoritário, Interno do Ministério da Fazenda, encaminho outros
Conselheiro Elmyr Ramalho, solicitou, requerimentos de informações ã apreciação da
administrativamente, documentos referentes ãs Mesa do Senado, para que sejam remetidos ao
irregularidades perpetra -das na empresa. A Ministro da Justiça e ao Ministro da Integração
documentação foi negada. A Procuradoria-Geral do Nadonal.
Estado,então, impetrou uma ação cautelar perante
Como viram V. Ex"s, e como viu a Nação,
a la Vara da Fazenda Pública. A juiza do feito
não fazemos acusações infundadas nem atacamos
concedeu liminar e estabeleceu a data de 16 de
-como muitos desejavam - a figura do Presidente
fevereiro, sexta-feira passada, para a apresentação
dos documentos. da República.
Sr"s e Srs. Senadores, os tatos expõem O motivo que levou às especulações a
uma situação de descalabro administrativo na respeito já está por demais esclareddo.
Codeba, que precisa ser rigorosamente investigada. A confusão causada em virtude da
Pela Assembléia Legislativa do Estado? Pelo comparação que fiz entre o Presidente da
Senado? Pelo Judiciário Federal? Pelo Executivo? República e o Presidente do Senado gerou, de
Seja por quem for, há que esclarecer. Há que partidários de ambos, reações imediatas e celeuma
corrigir. Há que punir os culpados. suficientes para ficar provada a inexistência de
Quanto a isso permanecerei atento. semelhanças que os aproximem. O grupo do
Sr. Presidente, Sr"s e Srs. Senadores, Palácio não aceitava a comparação. Mas o Senador
vamos à Sudam!
Jader Barbalho ficou lisonjeado com a mesma.
Relatório da Secretaria de Controle Interno
Logo, não há semelhança. Eu fiz uma pergunta e o
do Ministério da Fazenda, contendo quase 600
laudas, detalhou diversas ações praticadas dentro Paládo, por seus interlocutores, já a respondeu
da Superintendência de Desenvolvimento da devidamente. E eu, com toda humildade, trago aqui
Amazônia, todas eivadas de irregularidades e a minha opinião.
malversação do dinheiro público. Aqui não se tratou de dossiê de Cayman-
196
Em atendimento a inúmeras denúncias, in- ninguém ouviu uma palavra -, não se falou de
Eduardo Jorge ou mesmo de Ricardo Sérgio, como
Antônio Carlos Magalhães-20-02-2001

triga, e, sobre tudo, numa posição em relação ao Resperto, hierarquicamente, como quis ser
nosso Partido, que, evidentemente, se não nos respeitado, o Presidente da Casa. Entretanto, isso
intimida, também não é do nosso desejo. jamais me fará calar sobre tudo aquilo que
Sr"s e Srs. Senadores, se alguns querem considerar absurdo nesta Casa ou fora dela.
intrigar-me a toda hora com o Presidente da Essa é a minha posição.
República, podem fazê-lo. Constituam-me em alvo O Sr. Carlos Patrocínio (PFL- TO) -
preferencial. Agora, lembrando Ruí Barbosa quero Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Ex" me
dizer que "um povo que não tem quem lhe fale concede um aparte?
perde o hábtto de ouvir. Dizia Kennedy, com tanta O SR ANTONIO CARLOS MAGALHÃES
propriedade: "não esperem fortalecer o fraco com o (PFL- BA)- Antes de conceder o aparte a V. Ex",
enfraquecimento do forte". quero encaminhar os requerimentos, se V. Ex"
A minha consciência áJZ que sempre fui útil pennitir.
ao seu Governo nas questões fundamentais e O Sr. Carlos Patrocinio (PFL- TO) - Se V.
muttas vezes, pela minha voz, o Governo participou Ex& não quiser pennitir. .. O Sr. Renan Calheiros
de campanhas importantes, como o Fundo de (PMDB- AL)- O requerimento é votado. O Sr.
Combate e Erradicação da Pobreza,que hoje estás Carlos Patrocinio (PFL -TO) -Sempre ouvi o
sendo utilizado na bolsa-escola, uma iniciativa do Presidente Antonio Carlos sertão aparteado! E
Partido dos Trabalha-dores. E isso é murro triste. agora não merecer nenhum aparte ..
Enquanto essas pessoas estão livres, Cristovam O SR PRESIDENTE (Edison Lobão)- A
Buarque está sendo condenado. Isso impõe uma Mesa não impedirá o aparte de V. Ex", apenas
reação da sociedade. Enquanto os que fazem e adverte que a Casa ouviu, com muita atenção, o
cometem esses erros estão livres, Cristovam discurso do Senador Antonio Carlos Magalhães,
Buarque está sendo condenado por uma juíza do que ocupou cerca de 52 minutos do tempo do
Distrito FederaL Senado.
Tambêm a CPI do Judiciário, também o A Mesa não impedirá o aparte de V. Ex",
salário m lnimo, tudo isso fiZ em beneficio do Pais e pedindo apenas que seja breve, de acordo com o
do Governo Fernando Henrique. Aprova é que Regimento.
todas essas teses foram adotadas pelo Governo. ] O SR ANTONIO CARLOS MAGALHAES
Acredito que, se fizer um balanço, Sua (PFL - BA) -Senador Renan Calheiros, V. Ex" quer
Excelência sentirá em mim a presença de um falar ou quer me apartear?
colaborador e não de um adversário. Respeito-o O Sr. Renan Calheiros (PMDB- AL)-
como Presidente e desejo o completo êxito do seu Quero fa-lar em nome da Liderança do PMDB.
Governo, êxito geral e não apenas na parte O SR ANTONIO CARLOS MAGALHAES
econômica. (PFL - BA) - Concedo o aparte ao Senador Carlos
Seja como for, estou e estarei cumprindo Patrocínio.
sempre os meus deveres de Senador da República, O Sr. Carlos Patrocínio (PFL- TO) -
e o farei seguindo a minha consciência e, Eminente Senador Antonio Carlos Magalhães,
politicamente, a orientação do meu Partido, cujo todas as vezes que V. Ex" ocupou essa tribuna, foi
Presidente, Jorge Bornhausen, tem agido sempre aparteado por todos, senão por quase todos. Eu
com zelo e dignidade, atributos indispensáveis para gostaria de dizer, Sr. Presidente, que o Senador
quem comanda uma agremiação partidária. Antonio Carlos Magalhães está prestando um
Se aqui estivesse o Senador Jader grande serJiço à Nação, um serviço que ninguém
Barbalho, iniciaria as minhas palavras dizendo que ainda percebeu. S. Ex" citou os luminares da
o plerto se feriu no dia 14. Ele foi vencedor. imprensa que estão preocupados com a probidade,

197
Antônio Carlos Magalhães-20-02-2001

a ética e a moral na política Esses homens- quero corrupção, porque ela campeia há muitos anos.
destacar o Márcio Moreira Alves- salvaram a Admito que o Presidente Femando Henrique
imagem da imprensa, que procurou minimizar os Cardoso não consegue fazer tudo, admito que Sua
discursos do Senador Antonio Carlos Magalhães, Excelência tenha procurado fazer algo, mas, corr
cingindo a questão a um assunto pessoal entre S. certeza, essa mácula continua, desprezando o
Ex" e o Senador Jader Barbalho, hoje Presidente sofi'ido povo brasileiro excluído.
da nossa Casa. Sr. Presidente, sei que o meu O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES
aparte não é muito oportuno. Não vou elogiar o (PFL- BA)- Agradeço o aparte de V. Ex•, que foi
Senador Antonio Carlos Magalhães, até porque os meu companheiro de Mesa, talvez o mais atuante.
integrantes desta Casa, sem exceção, já o fizeram Respeito a sua qualificação e tenho por V. Ex" pro -
nas últimas sessões em que participamos. Quero funda admiração.
que a imprensa nacional dê mais atenção ao que V. Ex" falou muito bem. Não sei como vão
diz o Presidente Antonio Carlos Magalhães, pois reagir os Srs. Senadores, mas o que fiz foi um
não se trata exclusivamente de uma celeuma alerta para o bem do País e de todos os partidos,
pessoal entre S. Ex" e o Presidente da República que es -tão interessados em corrigir esses erros
O Senador Antonio Carlos Magalhães quer prestar clamorosos, esses crimes que são praticados
um benefício à Nação, e, nesses últimos anos, contra o Erário. Daí por que o aparle de V. Ex" vem
ninguém fez isso melhor, como se pode constatar coroar o final do meu discurso.
pelo elenco de proposições que S. Ex" apresentou E deixo a tribuna feliz com o silêncio dos
à Nação. Na CPI do Judiciário, concluiu-se que meus companheiros, com os que me ouviram, com
existe corrupção dentro daquele Poder, talvez o a bondade de todos, com o plenário cheio a
único onde jamais deveria existir qualquer despeito de dizerem que iam esvaziá-lo. Até trouxe
questionamento. A CPiteve que ser encerrada uma citação de Nabuco dita em situação em que
porque as coisas não estavam cheirando bem, mas alguns elementos fugiram do plenário. E eu iria citá-
pelo menos deu um resultado e ensejou a criação la se ocasião semelhante ocorresse, mas não foi
da CPI do Sistema Financeiro Nacional, que preciso fazê-lo dado o número de Senadores e a
também não teve continuidade devido aos fatos atenção com que me ouviram.
surgidos principalmente em relação ao Banco Sou muito grato a V. Ex" e aos meus
CentraL Eminente Senador Antonio Carlos queridos Colegas.
Magalhães, quero pedir ao Brasil que observe os Muno obrigado. (Palmas.)
fatos para os quais V. Ex• está chamando a
atenção. E V. Ex" faz isso justamente após um
outro alerta dado à Nação. No último domingo ...
O SR PRESIDENTE (Edison Lobão)-
Peço a V. Ex" que conclua o seu aparte.
O Sr. Carlos Patrocínio (PFL- TO)- Vou
concluir, Sr. Presidente, mas há um sentimento de
emoção e até de revolta por ninguém apartear o
Senador Antonio Carlos Magalhães. Os presidiários
do Brasil também lizeram um alerta e estão
preconizando que todos os segmentos se juntem
para que façamos algo por este BrasiL E o melhor
seria se fiZéssemos uma auzada definitiva contra a

198
Heloísa Helena- 22-02-2001

A SRA. HELOÍSA HELENA (Bioco/PT - AL Executivo, tem corno tarefa nobre fiscalizar os atos
Pronuncia o seguinte disrurso. Sem revisão da ora- daquele Poder, embora, em função da posição da
dora.)- Sr. Presidente, Sr's e Srs. Senadores, é evi- Maioria desta Casa, se ajoelhe covarde e vergonho-
dente que aquilo que certamente tem movimentado samente diante do Palácio do Planatto; isso faz com
mentes e corações em todo o Brasil são as ITeqüen- que o Congresso Nacional funcione como um anexo
tes denúncias de corrupção feitas entre Parlamenta- do Palácio.
res do Congresso Nacional, no Senado, ou entre mi- Assim, minha intenção jamais poderia ser esta:
nistros relacionados ao Governo Federal. apenas compartilhar com os ouvintes e com os Sena-
Gostaria de discutir com os Parlamentares pre- dores aqui presentes um texto tão esclarecedor e tão
sentes e com a opinião pública a preocupação que importante como o do Padre Antônio Vieira. Ele dizia
pairasobretodosnósarespeitodedenúnciasgravís- que nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consi-
simas em relação aos ministérios e aos ministros do go ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem
PMDB, corno a de anteontem, feita pelo Senador levar consigo os reis. Claro, todas as vezes que falar-
Antonio Carlos Magalhães. mos de reis e de príncipes, na estrutura vigente, atual,
O Senador Renan Calheiros apresentou denún- quem representa os reis ou os príncipes, efetivamen-
Cias igualmente gravíssimas contra ministros do PFL te, é o grande Chefe do Executivo, portento, o Presi-
Portanto, a grande pergunta que poderia ser ferta dente da República, que, hoje, numa República como
pelo povo brasileiro é se o Presidente Fernando Hen- a nossa, ocupa o papel que, à época do Sermão de
rique Cardoso é igualmente ladrão e corrupto e, por- Padre Vieira, era orupado pelos reis, pelos príncipes.
tanto, poderia ser adjetivado igualmente a seus vários Argumentava ele que, se os reis levassem con-
ministros que foram apresentados em denúncias nes- sigo os ladrões ao paraíso, seria uma ação gloriosa e
ta Casa. verdadeiramente real, pois não leria companhia inde-
Para colaborar com o debate, farei a breve leitu- cente. E exemplifica como um episódio bíblico muito in-
ra de um texto murro antigo. Certamente, o Senador teressante e muito bonito: Cristo foi crucificado ao
Roberto Requião, não por antigüidade, mas por domi- lado de um outro ladrão, que aqui passa a ser carac-
nar com propriedade o latim, pudesse ler trechos be- terizado como "o bom ladrão", Dimas. Quando Dimas
líssimos. Um deles é muito antigo e foi escrito pelo se dirigiu a Jesus, dizendo-lhe: "Jesus, lembra-te de
Padre Antônio Vieira, ainda em 1655. O texto é de mim em teu Reino", Jesus, imediatamente, disse-lhe:
uma atualidade impressionante! Chama-se Sermão "Estarás comigo ainda hoje no paraíso". Ou seja, ele
do Bom Ladrão. Talvez o trecho nos possibilite identi- diz que, se os reis levam consigo os ladrões ao paraí-
ficar se Fernando Henrique Cardoso é igualmente so, é uma ação gloriosa e verdadeiramente real, pois
corrupto, ou os dois Senadores estariam agindo de não tinham companhia indecente. Porque não teriam
má-fé, ou mentindo por desconhecimento dos fatos, companhia indecente, Padre Vieira passará a tratar
ou por chantagem, ou qualquer outra palavra desqua- agora, onde diferencia o ladrão rico do pobre. E dizia
lificada que se pudesse utilizar. ainda que a realidade que ele identificava em 1655
O Padre Antônio Vieira, ao fazer o Sermão, em que também identificamos hoje é que não eram reis
1655,na Igreja de Misericórdia de Lisboa, antecipava levando ladrões ao paraíso, mas ladrões levando os
que talvez o local apropriado para fazê-lo não fosse a reis ao inferno. E ele partia de um fundamento: "Sem
Igreja de Misericórdia de Lisboa, mas a Capela Real, restituição do alheio, não pode haver salvação".
pois o objetivo do Sermão, de fato, era tratar dares- E citava Santo Agostinho, que dizia: ·Se o alhaio
ponsabilidade dos reis, que são cúmplices de la- que se tomou se retém, se se pode restituir e não se
drões, assim como de ministros de estado, desocupa- restitui, a penitência deste e de outros pecados não é
dos da corte, governadores sem mérito nomeados verdadeira penitência, senão simulada e fingida, por-
por parentesco ou tavores de negociação. E iriam to-
que não se perdoa o pecado sem se restituir o rouba-
dos, segundo Padre Antônio Vieira, para o inferno. do, quando quem o roubou tem possibilidade de o
É evidente que jamais poderia ter a ousadia de restituir".
convencer alguém aqui, pois talvez este fosse o es-
E, analisando o caso do bom ladrão, repetia
paço adequado para debatê-lo. Tanto o Palácio do
Provérbios, quando diz: "Não é grande a culpa de
Planafio como o Congresso Nacional, por ser o Con-
quem furta, se furta para matar a fome". E é exata-
Gresso Nacional, segundo a Constituição Federal, é a mente por isso que ele diz que Cristo perdoou o bom
Instituição apropriada para fiscalizar os atos do Poder
ladrão. O bom ladrão, despido, pregado na cruz, na
199
Heloísa Helena- 22-02-2001

extrema pobreza. estava impossibilitado de restituir Judá Um com o cativeiro dos assírios; outro. com o
qualquer coisa que tivesse roubado anteriormente e, dos babilônios. E a causa foi que seus príncipes, em
se o tivesse feito para matar a fome, sem dúvida já es- vez de guardarem os povos como pastores, rouba-
taria sem a culpabilidade presente. E resgatava al- vam-nos como lobos. E Santo Agostinho dizia: "Só há
guns preceitos que não resgatamos hoje da lei ve- uma diferença entre os reinos e os covis dos ladrões:
lha, da lei rigorosa, da lei da graça, da lei naturaL os reinos são latroclnios ou ladroeiras grandes e os
A partir daí, ele começa a diferenciar o trata- latrocínios ou ladroeiras são apenas reinos peque-
mento dispensado por Cristo ao ladrão pobre, que foi nos". Exemplifica com o diálogo do pirata com Ale-
Dimas, e ao ladrão rico, Zaqueu. Ele dizia que Cristo xandre Magno. Navegava Alexandre em uma podero·
tinha que tratar os dois de forma diferente. Dimas foi sa armada pelo Mar Eritreu, a conquistar a Índia; e foi
tratado de forma diferente em fi.Jnção da pessoa que trazido a sua presença um pirata que andava com um
era: um ladrão pobre, miserável e crucificado. Para barco roubando pescadores. Alexandre repreen-
Zaqueu, não foi dada de pronto a salvação, pois era deu-o violentamente, e ele, que não era covarde nem
um ladrão tolerado. Sua riqueza era a imunidade ne- lerdo, respondeu de pronto: "Basta, senhor, que eu,
cessária para roubar sem castigo, sem forca e sem porque roubo em uma barca, sou ladrão; e vós, por-
culpa. Alguns, como Zaqueu, pensam que dando al- que roubais em uma armada, sois imperador?"
guma esmola conquistarão o Reino dos Céus. Vieira E diz Vieira: "Assim é que o roubar pouco é cul-
afirma que isso não é verdade, pois "a salvação não pa, o roubar mutto é grandeza. O roubar com pouco
pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não poder faz os piratas, o roubar com muito, osAiexan-
se pode perdoar sem se restituir o roubado!" dres". O roubar pouco dá Carandiru e o roubar muito
Dizia que "a restituição não só obriga súditos e dá poder digo eu, e não o Padre Antônio Vieira.
particulares, mas também os cetros e as coroas" .Por- E continua levantando questões extremamente
tanto, considerando a situação atual, a punição por interessantes. Um filósofo chamado Sêneca teve a
roubo, por furto, por ladroagem não deve servir ape- coragem de escrever em Roma, na época em que rei-
nas ao ladrão pobre, que vai para o Carandiru; tem nava Nero. mesmo diante da covardia dos oradores,
que servir também para o Congresso, para o Governo em tempo de principes católicos e timoratos. Tais ora-
Federal. dores não pregavam a doutrina, mas se calavam. Ao
Continua Padre Vieira: "A rapina ou roubo é to- que observava Sêneca: "Saibam os eloqüentes mu-
mar o alheio contra a vontade do seu dono. Os prínci- dos que mais ofendem os reis com o que calam que
pes tomam muitas coisas dos seus vassalos contra com o que disserem; porque a confiança com que isto
sua vontade, mas, se dissermos que os príncipes pe- se diz é sinal que lhes não toca e que se não podem
cam nisto, todos eles ou quase todos nos condenari- ofender; e a cautela com que se cala é argumento de
am". E responde citando São Tomás: que se ofenderão porque lhes pode tocar".
Se os príncipes tiram dos súditos o As vezes, alguns fazem todas as denúncias
que, segundo a justiça, lhes é devido para a possíveis e imagináveis, mas não tocam em F eman-
conservação do bem comum, ainda que o do Henrique, porque pensam que, com sua eloqüên-
executem com violência, não é roubo [fala cia muda, vão possibilitar a proteção de Fernando
de impostos. do que hoje existe na legisla- Henrique. Mas não o protegem.
ção vigente]. Porém, se os principes toma-
Vieira cita Salomão: "O ladrão que furta para
rem o que se lhes não deve, é rapina e la-
comer não vai nem leva ao infemo. Os que não só
trocínio. Estão obrigados à restituição como
vão, mas levam, são os ladrões de maior caübre e
os ladrões. E pecam tão mais gravemente
de mais atta esfera, os quais, debaixo do mesmo
que os mesmos ladrões, quanto é mais peri-
nome e do mesmo procedimento, agem!"
goso e mais comum o dano, com que ofen-
dem a justiça pública, de que eles [os prínci- E cita ainda São Basílio Magno:
pes, os reis, os senadores, os deputados ou
o presidente] estão postos por defensores. Não são só ladrões os que cortam bol-
sas ou espreitam os que se vão banhar,
para lhes colher a roupa: os ladrões que
Nesse ponto, ele começa a relatar como Deus
castigou severamente dois reinos: o de Israel e o de mais própria e dignamente merecem este tí-
tulo são aqueles a quem os reis encomen-
200
Heloísa Helena- 22-02-2001

dam os exércitos e legiões, ou o governo gos maiores"; 4°- Sendo os reis obrigados, sob pena
das províncias, ou a administração das cida- de não ter a salvação, a restituir todos esses danos,
des, os quais, já com manha, já com força, nem na vida nem na morte os restituem", pela impuni-
roubam e despojam os povos" Os outros la- dade que impera"
drões roubam um homem; estes roubam ci- Padre Antônio Vieira repete São Tomás de
dades e reinos; os outros furtam debaixo do Aquino: "Aquele que tem a obrigação de impedir que
seu próprio risco; estes sem temor nem pe- não se furte, se não o impediu, fica obr'1gado a restttuir
rigo; os outros, se furtam, são enforcados; o que se furtou" E até os príncipes que, por sua culpa,
estes furtam e enforcam" deixarem crescer os ladrões, são obrigados à restitui-
O que vai para o Carandiru, o miserável da fave- ção; porquanto as rendas com que os povos os ser-
la, quando vai roubar, sabe que pode ser assassina- vem e assistem são como estipêndios instftuídos e
do, que pode ir para a prisão, sabe exatamente para consignados por ele para que os príncipes guardem e
aonde pode ir. Os grandes não, roubam sem temor mantenham em justiça""
nem perigo" "E se, nesta obrigação de restituir, incorrem os
Vieira lembra ainda Diógenes, e o faz com admi- príncipes pelos furtos que cometem os ladrões casu-
ração à dttosa Grécia, por tê-lo como pregador" Certa ais e involuntários, que será pelo que eles mesmos e
vez, Diógenes, ao ver uma tropa de homens "impor- por própria escolha armaram de jurisdição e poder
tantes" levando a enforcar alguns ladrões, bradou in- àqueles que roubam os mesmos povos?" Paga o fur-
cansável: "lá vão os ladrões grandes enforcar os pe- to também quem deu o ofício, o cargo, o poder ao la-
quenos• "Certamente, muitos da população brasileira, drão"
se vissem determinadas coisas, iriam grttar exata- Vieira diz: "Poderia dizer o príncipe"- citando o
mente isso" pecado cometido por Adão- "a Deus: Ora, Deus,
Dizia ainda: "Quantas vezes se viu em Roma ir a Vossa Divina Majestade Deus, homem de tanta capa-
enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro e, no cidade de escolha, viu um dos seus filhos, Adão, co-
mesmo dia, ser levado em triunfo um cônsul ou dtta- meter um pecado tão grande, então, por que coube a
dor por ter roubado uma província?" ti mandar o teu filho, Jesus Cristo, para a Terra para
Cita ainda Sidônio Apolinar, contrapondo-se a que Ele fosse punido por um pecado que nào fostes
um ilustre Sr. Seronato" Dizia ele: "Seronato está parte, que era o pecado de Adão?" Segundo Vieira,
sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos e Deus poderia responder assim: "Na escolha do ho-
em os faze(', o que é um tapa no falso moralismo que mem e no ofício que lhe dei, em tudo procedi com a
às vezes impera aqui" "Isto não era zelo de justiça, se- circunspecção, prudência e providência com que de-
não inveja" Queria tirar os ladrões do mundo para rou- vera e devia fazer o príncipe mais atento às suas obri-
bar ele só!" gações, mais considerado e mais justo" Quando o fiz,
Muitos de nós poderíamos perguntar: ministro não foi com império despótico com as outras criatu-
ladrào significa presidente ladrão? Corrupto significa ras, senão com maduro conselho e por consulta de
presidente corrupto? E pergunta Vieira: "Mas se os pessoas até não humanas, divinas" As partes e quali-
reis tão fora estão de tomar o alheio, que antes eles dades que concorriam no escolhido eram as mais
os roubados, e os mais roubados de todos, como le- adequadas ao ofício que se podiam desejar, nem
vam ao inferno consigo esses maus ladrões os bons imaginar, porque era o mais sábio de todos os ho-
reis?" Ora, como um bom rei pode ter a fama em fun- mens, justo sem vício, reto sem injustiça, um senhor
ção de ter um ladrão perto de si? de todas as suas paixões, às quais tinha sujeitas e
Justificando a culpa dos reis, Vieira responde: obedientes a razão" Só lhe fattava experiência, mas
"Não por um só, senão por muitos modos, os quais não houve nem concurso de outros para escolha, por-
parecem insensíveis e ocultos, e são muito daros e que Adão era o primeiro e único homem""
manifestos" 1•- Porque os reis lhes dão os ofícios e Mesmo assim, diria Deus: "Vistes o corpo huma-
poderes com que roubam"" São os reis ou o presiden- no de que me vesti? Vistes o muito grave que padeci,
te ou um governador que estabelecem ao ministro ou o sangue que derramei, a morte que fui condenado
ao secretário o ofício e o poder com que eles roubam" entre ladrões, para que não fique no mundo tão má e
"2"- Porque os reis os conserJam neles"" Ou seja, o perniciosa conseqüência, como seria se os príncipes
presidente continua conservando os ministros" "3° - se persuadissem em algum caso que não eram obri-
Porque os reis os adiantam e promovem a outros car- gados a pagar e satisfazer o que seus ministros rou-
201
bassem"?
Heloísa Helena- 22-02-2001

Continua Vieira: "A desculpa dos reis é tão falsa lá, sem nomear ofícios. nem pessoas. que o Verbo
quanto mal fundada, porque Deus não fez escolha Rapío na Índia se conjugava portados os modos. Aí
dos homens pelo que sabe que hão de ser. senão Padre Antônio Vieira começou a dizer que, na época
pelo que de presente são". Se os reis, os presidentes, dele - certamente o que o povo brasileiro também
assim fizessem suas escolhas para determinados ofi- identifica da conjuntura-, também se conjuga o Ver-
cios, ficariam desobrigados da restituição. ''Porém, as bo Rapío por todos os modos. Ele dizia: "pela expe-
escolhas e os provimentos que se usam não se fazem riência que tenho, não sô do Cabo da Boa Esperança
assim. Querem saber os reis"-ou os presidentes-"se para lá, mas também das partes daquém, se usa
os que provêm nos oficios"- ocupam cargos- "são la- igualmente a mesma conjugação. Conjugam porto-
drões ou não?" Quer o Presidente saber disso? dos os modos o Verbo Rapio, por que furtam por todos
Vieira cita Cristo: "A porta por onde legítima- os modos da arte, não falando em outros novos e es-
mente se entra ao ofício é só um merecimento; e todo quisrtos que também conheceu Donato, nem Despau-
o que não entra pela porta é ladrão. se não ladrão e la- tério. Tanto que lá chagam, começam a furtar pelo
drão. E por que é duas vezes ladrão? Uma vez por- modo Indicativo, porque a primeira informação que
que furta o ofício que não lhe pertencia, e outra vez pedem aos práticos é que lhes apontem e mostrem os
pelo que há de furtar com ele". caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo
modo Imperativo, porque como têm o mero e misto
Contínua Padre Antônio Vieira: "Uns entram (no
império, todo ele aplicam despoticamente as execu-
ofício; no cargo, hoje) pelo parentesco, pela amizade,
ções das rapina. Furtam pelo modo Mandativo, por-
pela valia; outros, pelo suborno; e todos, pela negoci-
que acertam quando lhes mandam; e para que man-
ação. Entram como ladrões ocuttos, depois passam a
dem todos, os que não mandam não são aceí tos. Fur-
ser ladrões descobertos". Alguns entram pela janela;
tam pelo modo Optativo, porque desejam quanto lhes
outros, por cima dos telhados; outros, minando a
casa do pai de famnía. E faz várias referências bíbli- parece bem; e gabando as coisas desejadas aos do -
nos dessas, por cortesia sem vontade as fazem suas.
cas que mostram exatamente isso.
Furtam pelo modo Conjuntivo, porque ajuntam o seu
"Como se pode escusar quem ao menos firma pouco cabedel como daqueles que manejam muíto;e
os provimentos de quem não conhecia serem ladrões basta só que ajuntem a sua graça, para serem, quan-
os que por estes meios foram providos? Finalmente, to menos, meeiros da ganância".
ou os conhecia ou não" - o Presidente pode ser co-
E contínua dizendo que furtam pelo modo po-
brado da mesma forma que o rei o era por Antônio Vi-
tencial, permissivo, infiníto. Vai trabalhando todos os
eira- . "se os não conhecia. como os proveu sem os
conhecer? E se os conhe cia, como os proveu, conhe- verbos que são necessários.
cendo-os? Mas vamos aos providos com expresso Diz ele ainda: "É certo que os reis não querem
conhecimento de suas qualidades". Começa, então, isto, antes mandam em seus Regimentos tudo o con -
a dizer como se faz a provisão dos cargos, que muito trário;" Como poderia alguém pensar, ah. mas o Pre-
se assemelha ao que ocorre hoje. Alguns dizem tra- sidente não quer isso, porque a Constituição manda o
tar-se de um homem importante, um fidalgo da nossa conl:rálio, porque o Código Penal manda o contrário.
panelinha, mas é uma pessoa pobre, desempregada. { ...) "mas como as Patentes se dão aos Gramáticos
Então, diz Vieira. ele irá desempobrecer à custa dos destas conjugações tão perítos, ou tão cadimos ne-
que governam? Ele fará muitos pobres à custa de se las; que outros efeitos se podem esperar dos seus go-
tomar muito rico!" vernos? Cada Patente desta sem própria significação
Dào prêmios aos preferidos e dão castigos aos vem a ser uma licença garalin spcriptis, ou um Pas -
que não são preferidos. mas que são da panelinha saporte para furtar". Como faziam os corsários es-
também. Aos prefelidos, os melhores cargos; aos trangeiros, os corsários do mar.
não preferidos, uns outros cargos, mas continuam E continua: "Dos que obram o contrário com sin-
cargos, porque para praticar o parasitismo precisam gular inteireza de justiça e limpeza de interesse, al-
da estrutura para parasítar. guns exemplos temos, posto que poucos. Mas folgara
eu saber quantos exemplos há, não digo já dos que
Padre Antônio Vieira lembrava, no momento em
fossem justiçados como tão insignes ladrões, mas
que estava fazendo o sermão, que uma vez o Rei D. dos que fossem privados de governo por estes rou-
João !li solicítou a São Francisco Xavier que o infor-
bos? Pois se eles furtam com os oficios e os consen-
masse do Estado da Índia, por via do seu companhei- 202
tem e conservam nos mesmos oficios, como não hão
ro que era mestre do Príncipe. O santo escreveu de
Heloísa Helena- 22-02-2001

de levar consigo ao Inferno os que os consentem?" E continua Padre Antônio Vieira a falar corno
(. ..)'Verdadeiramente não sei como não reparam mu- Isaías caracterizava alguns príncipes.( ...) "Os prínci-
ito os Príncipes em matéria de tanta importância, e pes de Jerusalém não são fiéis, senão infiéis, porque
como os não fazem reparar os que no foro exterior,ou são companheiros de ladrão." Então, Presidente
no da Alma, têm cargo de descarregar suas consciên- companheiro de ladrão não é fiel, mas infiel. Conti-
cias". nua: "Pois saiba o Profeta que há príncipes fiéis e cris-
Então ele trata de uma parábola muito interes- tãos que ainda são mais miseráveis e mais infelizes
sante: "Havia um Senhor rico, diz ao divino Mestre, o que esse, porque um príncipe que entrasse em com-
qual tinha um criado, que, com oficio de Ecônomo ou panhia com os ladrões (...) havia de ter também a sua
Administrador, governava as suas herdades. Infama- parte no que se roubasse; mas estes estão tão fora
do pois o dito Administrador de que se aproveitava da de ter parte no que se rouba, que eles são os primei-
administração, e roubava, tanto que chegou a primei- ros e os mais roubados. Pois, se são os roubados es-
ra notícia ao Senhor, mandou-o logo vir diante de si, e ses prlncipes,como são ou podem ser companheiros
disse-lhe que desse contas, por que já não havia mais dos mesmos ladrões ( ... )? Será porventura porque
de exercitar o oficio". Quando soube que alguém es- talvez os acompanham e assistem aos príncipes são
tava roubando, ele chamou o senhor a quem ele dava ladrões? Se assim fosse, não seria coisa nova. Anti-
o cargo ou ofício para tirá-lo do cargo. "Ainda a resolu- gamente - que interessante - os que assistiam ao
ção foi mais apertada; porque não sô disse que não lado dos príncipes chamavam-se Laterones. E, de-
havia, senão que não podia". ( ...) "Não tem palavra pois, corrompendo-se esse vocábulo, ( ...), chama-
esta Parábola que não esteja cheia de notáveis dou- vam-se Latrones." ( ... )
trinas a nosso propósito. Primeiramente diz que este Continua o autor: "Os teus príncipes são compa-
senhor era um homem rico. Porque não será homem nheiros dos ladrões. E por quê? São companheiros
quem que não tiver resolução; nem será rico, por dos ladrões, porque os dissimulam; são companhei-
mais herdades que tenha, quem não tiver cuidado, e ros dos ladrões, porque os consentem; são compa-
grande cuidado, de não conserrtir que lhas governem nheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e os
ladrões. Diz mais, que para privar a este ladrão do ofí- poderes; são companheiros dos ladrões, porque tal-
cio, bastou somente a fama sem outras inquirições". vez os defendem; e são finalmente seus companhei-
E detalha exatamente: " Nem o ladrão conhecido deve ros, porque os acompanham." Segundo Padre Antô-
continuar o oficio em que foi ladrão, nem o Senhor, nio Vieira, eles "os acompanham e hão de acompa-
ainda que quisesse, o pode consentir e conservar nhar até o inferno, onde os mesmos ladrões os leva-
nele, se não se quer condenar". rão consigo."
E começa a trabalhar ainda nessa parábola: É o que esperamos numa democracia; nós, cris-
"Suspendei-o agora -dizia Padre Antônio Vieira- por tãos, queremos a construção do reino dos céus aqui
alguns meses como se usa, e depois o tornareis a na Terra e esperamos que eles parem na cadeia.
restituir, para que nem vós o percais, nem ele fique E corrtinua o Padre Antônio Vieira, tratando dos
perdido". As vezes, isso ocorre. Alguém está rouban- ladrões públicos e desconhecidos, dos ladrões públi-
do, e dizem para afastá-lo provisoriamente para que cos e conhecidos: "Cuidas tu, ó irjusto que hei de ser
seja definitivamente apurado. "Não, diz Cristo. Uma semelhante a ti e que, assim como tu, dissimulas com
vez que é ladrão conhecido, não sô há de ser suspen- esses ladrões, hei eu de dissimular também?" - dizia
so ou privado do ofício ad tem pus, senão para sem- Padre Antônio Vieira que Deus assim falaria aos reis.
pre, e para nunca jamais entrar ou poder entrar; por- "Enganas-te.( ... ) Dessas mesmas ladrolces que tu
que o uso ou abuso dessas restituições, ainda que vês e consentes, hei de fazer um espelho em que te
pareça piedade, é manifesta injustiça. De maneira vejas e, quando vires que és tão réu de todos esses
que, em vez de o ladrão restituir o que liJrtou no ofício, furtos como os mesmos ladrões, por que os não impe-
restitui-se o ladrão ao oficio, para que liJrte ainda des; e mais que os mesmos ladrões, por que tens obri-
mais! Não são essas as restituições pelas quais se gação jurada de os impedir, então conhecerás que
perdoa o pecado, senão aquelas por que se conde- tanto e mais justamente que a eles te condeno ao
nam os restituídos, e também quem os restitui. Per- Inferno."
ca-se embora um homem já perdido, e não se percam E vai além Padre Antônio Vieira num texto abso-
os muitos que se podem perder, e perdem na confian- lutamente lindo e atual.
ça de semelhantes exemplos".
203
Heloísa Helena- 22-02-2001

Era uma simples contribuição, Sr. Presidente, Ou os Senadores Antonio Carlos Magalhães e
Sr"'e Sr" Senadores. no sentido de que esta Casa Renan Calheiros, os Senadores Lideres do Governo
possa realmente fazer a discussão que diz respeito à e do PFL estão mentindo, agindo de má-fé, pordesin-
sua obrigação constitucional, cumprindo o que a formação ou falta de conhecimento do caso, ou o Se-
Constituição diz que é rrime de responsabilidade. nhor Fernando Henrique é corrupto. E se diante disso
o Congresso Nacional não investiga e não cumpre
Se o Uder do PMDB alega que há corrupção
suas obrigações constitucionais é corrupto também.
nos Ministérios cuja administração cabe a membros
Essa pecha, nós, da Oposição, não carregaremos.
do PFL e uma liderança do PFL diz que há corrupção
nos Ministérios administrados pelo PMDB, esta Casa Muito obrigada.
deve responder e tem obrigação de dizer. Se os Mi-
nistros são corruptos, conforme dizem ambos, ou
mentem ou faltam com a verdade por desinformação
ou má-fé ou igualmente o Presidente Fernando Henri-
que Cardoso é também corrupto e ladrão.
O SR PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) -
Senadora Heloísa Helena, interrompo V. Ex• somen-
te para prorrogar a sessão a fim de que possa concluir
seu discurso e para que possamos ter a oportunidade
de ouvir o Senador Roberto Requião.
A SRA. HELOiSA HELENA (Bioco/PT- Al) -
Sr. Presidente, agradeço a sensibilidade de V. Ex.•.
Mais grave ainda: um Senador disse na Casa
anteontem, em aparte ao Senador Antonio Canos
Magalhães, que a CPI do Judiciário parou no momen-
to em que tocava no Governo; a CPI do sistema finan-
ceiro parou no momento em que tocava no Banco
Central. Hoje temos na imprensa o comentário de que
o Senador Antonio Carlos Magalhães foi ter uma con-
versa com procuradores do MinistérioPúblico, a qual,
diz-se, foi gravada - podem fazê~o porque não é um
procedimento ilegal. Não sei se de fato gravaram,
mas se o fizeram e la está lá, deixando absolutamente
claro o caso Eduardo Jorge ao qual a base governista
deu sustentação, se omitiu, foi conivente, rasgou a
Constituição porque não quis investigar o que todos
sabiam sobre o número de ligações que havia do Ni -
colau para o Luiz Estevão e para o Eduardo Jorge
que mostrava exatamente "a coincidência" das liga-
ções que eram feitas entre o Eduardo Jorge o Nicolau
e não sei quem com a liberação de recursos para o
TRT de São Paulo. E tudo isso foi calado. Infelizmen-
te, o Senador Antonio Carlos Magalhães não teve a
coragem de fazer a sugestão ao Ministério Público
quando Presidente desta Casa, para possibilitar que
o nosso requerimento de informações, conforme
manda a Constituição, pudesse ser analisado. Agora
o Ministério Público vai começar tudo de novo. E es-
pero que possamos fazer o que nos obriga a Constitu-
ição e que seja realmente respondido pela base go-
vernista.
204
Roberto ReQuião-23-02-2001

O SR ROBERTO REQUIÃO (PMDB- PR. Pro- tribuições feitas sem a devida contabilização. Mas
nuncia o seguinte disrurso. Sem revisão do orador.)- aqui, no Senado da República, as bases do governo
Sr. Presidente, o país amanhece hoje perplexo com se mobilizaram e impediram o aprofundamento da In -
As revelações da revista lstoÉ. Alguns hipóaitas, cíni- vestigação.
cos e cépticos se manifestam. Os cínicos defendem a Sobra de todo esse processo, a informação do
instttuição e proclamam aos quatro ventos a barban- Senador Antonio Cartos Magalhães: quebrem o sigilo
dade que é o Senado viver o momento que vive. viver do Sr. Eduardo Jorge em 1994 e 1998 e chegarão à
a revelação de verdades, viver a perspectiva de inves- verdade. E segundo o Senador Antonio Cartos Maga-
tigação aprofundada sobre fatos recentes da vida pú - lhães, a verdade envolve o próprio Presidente daRe-
blica brasneira. Os cínicos, com o pretexto de defen- pública.
der a instituição, na verdade, estão propondo a con-
Retaliações: "Vamos, agora, cortar os ministros
sagração absoluta do cinismo, ou seja, a moral, a
do Sr. Senador Antonio Carlos Magalhães". Será que
conduta séria é apenas para o povo, é apenas para a
o Presidente da Repúblíca,através dessa atitude, não
pie be, é apenas para os humildes, enquanto os pode-
fará a confissão de que não monta um governo pela
rosos do momento, os príncipes do regime, da socie-
qualidade mas por acordos políticos e que, na verda-
dade e da economia estão, segundo eles ou para
de os ministros Waldeck Omelas e Tourinho estavam
eles, acima do bem e do mal.
as~egurados no governo não pela contribuição que
Céptico sou eu. E o céptico se diferencia do cíni- pudessem dar ao país, mas simplesmente como mo-
co, porque o céptico eventualmente não acredita nas eda de troca, pagando o silêncio do Senador Antonio
instttuições, não acredtta nas coisas, mas, na verda- Carlos Magalhães a respetto de fatos vinculados às
de, o céptico se caracteriza por uma vontade enorme últimas campanhas eleitorais que eram do seu
de vottar a acredttar. E nós só poderemos voltar a conhecimento?
acreditar nas instituições brasileiras se a verdade for
Acho que o Presidente está numa sinuca, mas
restabelecida. "Conhecerás a verdade e a verdade os áulicos, seguindo aquele velho ditado de que "o
vos libertará"- é uma máxima bíblica, não é minha. saco do chefe é o corrimão do sucesso", tentam sa-
De repente, o próprio PFL, partido de V. Ex", Sr. cralízar o Presidente da República e o PFL so~a uma
Presidente solta uma nota redigida pelo Sr. Jorge nota oficial dizendo que "o Presidente da República
Bomhause;,..em alemão, bornhausen quer dizer feito
está acima de qualquer suspetta". Já o AntonioCarlos
em casa. Essa nota, certamente, não foi ferra na casa
pode ser satanizado. As outras pessoas referidas por
do presidente do PFL; pode ter sido redigida na agita-
ele devem ser, no minimo,beatificadas. A santificação
ção de um free shop, onde tenta, definttivamente,
será feita num Muro próximo e os taumaturgos da se-
crucificar um adversário interno da pollbca pefehsta,
riedade do governo querem viabilizar o milagre de
que é o Senador Antonio Cartos Magalhães.
transformar uma situação rigorosamente explosiva,
O Senador Antonio Carlos Magalhãe.:<, cheio de que deve ser investigada- e essa illllestigação é exi -
defeitos, contabiliza também qualidades. E um sena-
gida pela sociedade civil brasileira -, através de um
dor emotivo e franco- "Conhecerás a verdade e a ver milagre em que todos são santos e estão acima de
dade vos libertará". Se o compromisso da ética é soci- quaisquer suspeitas. Não é esse o caminho.
al como diz o Procurador Luiz Francisco depois de ter
v~ado as confidências feitas pelo Senador Antonio O Ministério Público justifica o vazamento das
Carlos Magalhães ao Ministério Público Federal, pela informações com a afirmação de que o compromisso
qualidade da ebulição alcançada, o Senador Antomo da ética é social. É um assunto a ser discutido, mas
Carlos Magalhães terá prestado mais um serviço ao lhe indago, Sr. Presidente: com que tranqüilidade V.
país, por que levanta um caso que já foi seputtado pela Ex• se dirigiria, a partir de agora, a esses três proru-
maioria governista no Congresso. que é o caso do radares de Brasília para lhes levar algumas informa-
Sr .Eduardo Jorge. ções que a seu ver deveriam ser investigadas e que
O Sr. Eduardo Jorge era secretário pessoal do não lhe conviriam pessoalmente ou não conviriam à
Presidente da República. Encarregado da manipula- própria investigação que fossem vazadas de forma
cão dos fundos de campanha, segundo o ex-Ministro instantânea, dada a incontinência de um procurador?
da Agrirultura, José Eduardo de Andrade Vieira, É evidente que isso não compromete a credibilidade
ex-presidente do Bamerindus, ele teria a chave do cofre do Ministério Público, mas em relação às pessoas
do caixa dois, dos excedentes de campanha, das con- que possam fazer denúncias, compromete sim, em
profundidade, a confiabílidade pessoal dos procura- 205
Roberto Reauião-23-02-2001

dores. a cassação de Luis Estevão. Pessoalmente, acho que a


É uma situação extremamente séria que está Senadora não deveria nem responder a esse tipo de
sendo tratada com extrema ligeireza pelo Congresso acusação ou de informação, porque sua conduta ao
NacionaL Por que não se criou até agora uma comis- longo de sua vida política e sua conduta no Senado
são parlamentar de inquérito para investigar as de- da República nos dão a certeza de que seu procedi-
núncias feitas no plenário desta Casa pelo Sr. Antonio mento foi diverso. Jamais seria a Senadora Heloisa
Carlos Magalhães e, em contrapartida, também uma Helena a votar contra a cassação de um Senador que
comissão parlamentar de inquérito para investigar as teve o comportamento hoje conhecido e comprovado
como o comportamento do Senador Luis Estevão.
denúncias feitas pelo Senador Jader Barbalho, que
hoje preside o Congresso Nacional? Parece que os A sua cassação foi, sim, oportuna; era uma re-
Senadores e o Senado da República estão dizendo à clamação do País e da sociedade. A posição da Se-
opinião pública que nada têm a ver com isso. Têm nadora é inquestionáveL E, cá entre nós, Sr. Presi-
sim! E o desgaste da inst~uição é proporcional à fa~a dente, eu, que contesto o sistema eletrônico ele~oral
de ação e de coragem para levantar este véu de fan- do Brasil, posso dizer a V. Ex" que tenho certeza e se-
gurança de que o sistema de votação do Senado F e-
tasia que esconde a realidade da política brasileira.
dera! ,que é imediatamente deletado após o processo
Cá entre nós: ela não é mais ou menos terrível de votação, é invioláveL É tecnicamente inviolável de-
do que a política de outros países do Primeiro Mundo. vido à velocidadecom que se dá a votação e a deleta-
O nosso Senado não é nem melhor e nem pior do que ção. E se alguém tivesse quebrado esse sigilo, isso
o conjunto da sociedade brasileira, mas a democracia iria relevar apenas uma coisa: a Senadora Heloisa
é feita com informação e só se pode transformar uma Helena votou com o seu Partido, com a sua consciên-
realidade se a conhecermos profundamente. Os ara- cia e votou com a cassação.
utos do status quo não querem a investigação e não No mais, que conheça o Pais a verdade. A dis-
querem-decididamente não querem -a revelação da cussão filosófica agora é menos importante. O impor-
verdade. tante é que as denúncias foram colocadas e devem
Eu dizia outro dia que o Senador Antonio Carlos ser apuradas.
Magalhães é psicodélico - psico de psyché, a alma
em grego; delas, um dos oráculos que revelava a ver -
dade; oráculo de Delas ao lado do orá culo de Delfos e
ico éum sufixo que transforma um substantivoem ad-
jetivo. Psicodélico é aquele que revela a verdade, que
revela a sua alma. Assim eu vejo Antonio Garfos Ma-
galhães, com seus defeitos e suas qualidades, essa
coragem emotiva, esse comportamento emocional
que às vezes faz com que ele exceda suas próprias
cautelas.
Ganha o Pais se essas questões forem aprofun-
dadas; perde o Brasil se sobre as denúncias se esta-
belecer o mando do silêncio e se a vassalagem abso-
luta de interesses pessoais e políticos, feita em casa
ou nosfree shops, resolver estabelecer o silêncio e a
santificação dos responsáveis pelos escândalos.
O País espera que isso seja investigado em pro-
fundidade. Para o homem simples não há mu~a preo-
cupação se Luiz Francisco vazou as informações por
uma visão especial que ele tenha da ética. O que im-
porta é que as informações vazam e o Pais precisa
conhecer a conduta de seus politicos e a forma como
as relações entre o Senado, o Judiciário e o Executivo
se dão.
A Senadora Heloísa Helena é atingida de pas-
sa gem por uma denúncia de que teria votado contra 206
Ademir Andrade- 09·03-2001

O SR. ADEMIR ANDRADE(PSB- PA. Pronun- O Sr. José Eduardo Dutra (Bioco!PT - SE) -
cia o seguinte discurso.)- Sr. Presidente, Sr's e Srs. Permite-me V. Ex" um aparte?
Senadores, creio que seja muito útil e muito interes- O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB PA) -Ouço,
sante a reafirmacão das palavras do Presidente F e r· com muita satisfação, V. Ex", Senador José Eduardo
nando Henrique' Cardoso ferra pelo Senador José Dutra.
Eduardo Dutra ontem, na Comissão de Fiscalização e
O Sr. José Eduardo Dutra (Bioco!PT - SE) -
Controle, e hoje, neste Plenário.
Senador Ademir Andrade, sobre esse assunto, tam-
A instalação dessa CPI, além de poder punir bém, lembrei-me de outro trecho da entrevista de on-
Pessoas que desviaram recursos públicos e de escla- tem do Presidente, quando ele fala da prívatização.
recer as denúncias que são feitas por membros do Sua Excelência diz o seguinte, especificamente sobre
Governo de parte a parte - quando o PMDB acusa Fumas: "Na campanha, eu dizia que iria privatizar, e o
Ministros do PFL de irregularidades, corrupção e tráfi- povo me elegeu". Isso é mentira! No primeiro manda-
co de influência, e oPFL acusa integrantes do PMDB to do Presidente, votta e meia eu mostrava o livrinho
do mesmo fato-, apurará tudo isso. Mãos à obra, o livro do programa do primeiro gover-
Mas, mais importante do que apurar is,so é evitar no. E o que estava lá em relação à energia elétrica?
que outros crimes aconteçam no Governo. E impres- Que queria a participação do capital privado na insta-
sionante como o Presidente quer que tudo continue fação e construção de novas usinas - o que era
como está. Ele vem teimando nesta tese de que tem bem-vindo! Se o Estado tem capacidade de financia-
que privatizar agora as geradoras de energia do nos - mento para construir novas usinas, então nada mais
so País. Acho que é a úttima coisa que falta privatizar, natural que se atraia o capital privado para cons-
porque já vendeu todo o sistema telefônico brasileiro, truí-las. Mas em momento algum Sua Excelência fala-
as siderúrgicas, as mineradoras, os bancos de todos va que iria vender as atuais_ Até porque essa história
os Estados do Brasil, exceto três ou quatro, bem de privatizar geradoras de energia elétrica de origem
como as centrais elétricas, com exceção da do Esta- hidráulica não tem paralelo em nenhum lugar do mun-
do do Amapá, que não permitiu a venda. Enfim, já do, nem nos Estados Uni dos, que é o país mais priva-
vendeu quase tudo que tinha este País. Restam agora lista do mundo. É lógico que lá a maior parte da gera-
as geradoras de energia brasileiras: Fumas, Eletra- ção de energia elétrica é de origem térmica, mas eles
norte. Desconhecem-se as razões pelas quais Sua têm uma capacidade de geração de energia elétrica
Excelência teima em privatizá-las. de origem hidráulica que, em termos percentuais, é
Preside aqui a sessão o Senador Edison Lobão, pequena, mas em termos absolutos é maior que a do
que tem a mesma posição de todos os Partamentares Brasil. Nos Estados Unidos, todas as empresas de
do Norte e da Bancada do Nordeste do Brasil, ou energia elétrica do vale do Tennessee são públicas,
seja, todos contrários à privatização da Eletronorte. O municipais ou estaduais. Sabe-se, principalmente na
próprio Presidente da Câmara manifestou-se contrá- Chesf, que todas as suas usinas, à exceção de uma,
rio à privatização de Fumas. Enfim, tenho lido murtas estão ao longo do rio São Francisco. Portanto, privati-
manifestações contrárias à privatização dessas em- zar a Chesf significa, na prática, privatizar o rio, por-
presas geradoras de energia. Mesmo assim, o Presi- que é ela que vai ter o controle da sua vazão, estabe-
dente Fernando Henrique teima em privatizá-las a lecendo todo o seu controle. Não há paralelo nem nos
qualquer custo. Gostaríamos de compreender qual a Estados Unidos. E o Presidente da Rapública,primei-
razão, o que está por traz disso. Talvez, Senador José ro, mente quando fala que ia privatizar essas empre-
Eduardo Dutra, a CPI possa nos esclarecer. Não há sas e foi eleito com esse problema. Não é verdade.
nada, absolutamente nada, que justifique o absurdo Sua Excelência não dizia que ia privatizar essas em-
dessa insistência. presas; dizia que ia atrair caprtal para construir novas
A novidade que trago sobre o assunto é que, an- usinas, o que seria bem-vindo; segundo, Sua Exce-
teontem, o Presidente anulou o decreto que respon- lência quer aplicar uma coisa que não tem paralelo
sabilizava o Ministério de Minas e Energia no proces- em nenhum outro lugar do mundo. E, como diz um di-
so de privatização, transferindo essa responsabilida- lado popular, "aquilo que só tem no Brasil e em ne-
de para a Comissão Nacional de Privatização do nhum outro lugar do mundo ou é jabuticaba ou é bes -
BNDES, que está ligada ao Ministro do Desenvolvi- !eira". Cabe ao Congresso Nacional impedir que o
mento, Alcides Tápias, para que a coisa ande, porque Presidente faça mais essa besteira no nosso País.
no Ministério de Minas e Energia não conseguiu ir Muito obrigado.
para li'ente. 207
Ademir Andrade- 09-03-2001

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB- PA)- É por norte significa jogar fora todo um qua dro de pessoal e
isso, Senador José Eduardo Dutra, que essa CPI pre- de técnicos que, ao longo de quase duas décadas,
cisa ser instalada. Ela é necessária, o Brasil exige, a construíram um nível de conhecimento que talvez não
população brasileira quer que toda essa sujeira, essa exista igual em nenhuma parte do mundo. E o Gover-
lama que está sendo jogada, seja esclarecida. Esda- no quer entregar a troco de nada.
recer esses fatos evidentemente impedirá essa bar- E o interessante, nobre Senador Jefferson Pé-
baridade que o Presidente quer cometer contra a Na - res, é que são re cursos da própria E letronorte que es-
ção brasileira. tão sendo colocados na construção da segunda eta-
Não consigo compreender a razão de tamanha pa da Hidrelétricade TucuruL A Hidrelétrica tem, hoje,
teimosia. Não consigo compreender a razão de tanto um faturamento anual de mais de R$1 bilhão. É prati-
empenho em uma questão a que toda a sociedade é camente lucro liquido, que poderia ser utilizado nas
contrária, a que os Parlamentares, representantes demais hidrelétricas, para regular as águas do RioTo-
das regiões onde estão instaladas essas geradoras cantins. Porque, mesmo fazendo a segunda fase ago-
de energia, são contrários. Não vi ainda um Parla- ra, ela não vai funcionar doze meses ininterruptos.Eia
mentar do Norte ou do Nordeste dizer que aceita a vai funcionar cerca de seis meses por ano com força
privatização dessas geradoras de energia. Mas o Pre- total, mas, nos outros seis meses, devido à queda das
sidente teima em fazê-lo a qualquer custo e a qual- águas, vai funcionar parcialmente. Por isso há neces-
quer preço. E, agora, transferiu o poder de decisão sidade de construção de outras hidrelétricas para
sobre a questão para o BNDES, porque o Ministério controlar o nfvel da água.
de Minas e Energia não conseguiu atender a sua soli- Nós poderíamos usar os recursos que ganha-
citação. mos com a EletronorteparainvestimaHidrelétricade
Ora, vamos recordar um pouco esse absurdo Belo Monte, que será a segunda maior hidrelétrica do
desejo do Presidente da República. Como disse V. plane ta, com o dobro da potência de Tucurui e vai ala -
Ex", Senador José Eduardo Dutra, e eu tenho repeti- gar urna área cinco vezes menor, portanto, trazendo
do aqui, o Governo não tem o mfnimo de coerência, o um prejulzo ao meio ambiente muito menor do que
mfnimo de lógica. Faço um esforço enorme para ter Tucuruí trouxe, incomparavelmente menor do que
boa vontade com o Presidente Fernando Henrique Balbina e Samuel, que foram desastres ecológicos.
Cardoso e para avaliar uma ou outra coisa positiva No entanto, o Governo teima em vender a "galinha
que tenha acontecido no Governo, para não ser dos ovos de ouro".
agressivo, para não ser tão contrário. Mas, quando Falo em incoerência porque, se ele queria ven-
verificamos uma atitude desse tipo, chegamos à con - der, deveria ter buscado a iniciativa plivada para exe-
dusão de que este Governo é submisso a determina- cutar a segunda etapa da hidrelétrica e não usar re-
ções externas, que não tem nenhum sentimento com cursos próprios. Se ele quer construir Belo Monte
relação à dor e à necessidade do povo brasileiro. para depois vendê-la também, então, que chame a
Lembro-me do que esse Governo fez com os iniciativa privada e dê a concessão, para que ela
garimpeiros de Serra Pelada, um verdadeiro crime, construa a hidrelétrica com recursos próprios. Querer
uma barbárie, algo nunca visto antes, nem na época vender depois de pronta ... ? Por que ele não conse-
da ditadura militar, nem na época de José Sarney, guiu, ao longo de quatro anos, nenhuma empresa pri-
nem na época de Fernando Collor de Mello. vada para executar a segunda fase da Hidrelétrica de
É um Governo totalmente insensível. E, agora, Tucurui? Por que o Governo Fernando Henrique Car-
quer vender a Eletronorte a qualquer custo. Quando doso, sabendo que há um subsídio de US$ 200 mi-
falo em incoerência - repito porque considero neces- lhões por ano às empresas de eletrointensivo,
sário o esclarecimento à opinião pública -refiro-me AlbrásíAiunorte, no Pará, e Alcoa, no Maranhão, o
ao fato de, se o Governo quer vender, não deveria es- que representa um prejuízo permanente para a Ele-
tar construindo com recursos próprios. No sábado tronorte, agora, nesse processo de privatização, che-
passado, nobre Senador Edison Lobão, estive em vi- ga ao absurdo de transferir esse subsidio para aEie-
sita oficial em Tucurui, a convite do Diretor da obra. A trobrás?!
segunda fase da Hidrelétrica de Tucuruí é uma obra Ou o Presidente é um homem extremamente
monumental, executada com os meios mais moder- mal informado ou o Governo é extremamente mal-in-
nos de tecnologia. Ao longo da sua história, aEietro- tencionado. E, agora, querem vender a Hidrelétrica de
norte criou um know-how que não pode ser jogado Tucurui por US$1 ,5 bilhão, quando ela custou ao Bra- 208
fora. A destruição da Eletronorte, a venda da Eletro- sil US$6,5 bilhões e com um serviço da dívida que,
Ademir Andrade- 09-03-2001

fala-se, chegou a US$11bilhões. Agora estamos gas- energia, lê-se exatamente aquilo que eu disse:" ... o in-
tando mais US$1 bilhão, totalizando quase US$12 bi- centivo à participação de capitais privados nos novos
lhões! Pergunto se isso não é crime. investimentos". No capítulo sobre privatização: "O pa-
Imagine, Senador Jefferson Péres, que estamos pel do Estado, como produtor de bens e serviços,
gastando, agora, em Tururuí, R$ 2 bilhões, o que equi- será mantido nas áreas estratégicas, onde deverá ter
vale a US$1 bilhão, só na segunda fase, em uma obra a capacidade de produzir com eficiência, qualidade e
que vem sendo feita de maneira absolutamente corre- preço competitivos". Portanto, se energia elétrica não
ta, com avaliações de empresas internacionais que é área estratégica, realmente não sei o que é isso!
confinnam a qualidade dos serviços. Há ainda o custo Muito obrigado.
da construção da primeira fase, que chegou a US$6,5 OSR. ADEMIR ANDRADE(PSB- PA) -É mui-
bilhões. E o Governo quer entregar tudo isso por to bom V. Ex" estar sempre com esse livrinho do Pre-
US$1 ,5 bilhão! sidente Femando Henrique Cardoso e fazer essas ci-
O que é que faz o Presidente F emando Henri- tações, para que a opinião pública compreenda o
que Cardoso insistir nisso? Que razões, que forças quanto um polttico é capaz de mudar; e mudar, infeliz-
externas o obrigam a essa atitude? Não conheço ne - mente, para pior, para o lado mau. Não sei que pode-
nhum país do mundo que tenha feito hidrelétricas do res tem as cúpulas econômicas que conseguem
porte das que existem no Brasil e que as tenha entre- transfonnar uma pessoa, como o fizeram com o Pre-
gue à iniciativa privada, para que tivesse o controle sidente Fernando Henrique Cardoso, de maneira tão
das águas, o controle de tudo! radicaL
Mas, a par de todos os problemas que criariam a
Nos Estados Unidos, como disse o nobre Sena-
dor José Eduardo Dutra, quem controla as hidrelétri- privatização, vamos falar do dinheiro que se arrecada
com ela. O Presidente já vendeu tudo! Tudo o que o
cas são as Forças Annadas americanas. Não é nem a
Brasil tinha, o Presidente já vendeu; o Governo Fer-
sociedade civiL São as Forças Armadas que estão
nando Henrique já vendeu. E ai vem a pergunta, Se-
sob o comando direto do Presidente da República. E,
nador Bello Parga: para onde foi o dinheiro? O que se
aqui, o Presidente quer vender o País inteiro a troco
fez com tanto dinheiro?
de quê?
O Presidente Fernando Henrique pegou este
Ontem, li no jornal uma reportagem sobre a País com uma divida interna de R$ 60 bilhões. SabeV.
transferência do poder de privatização para o
Ex• que, ao longo dos seus seis anos de governo, a
BNDES, sob o controle do Conselho Nacional de De-
balança comercial brasileira praticamente esteve
sestatização. Dizia o artigo que Fumas estaria avali- numa situação de igualdade, de paridade, ou seja, é
ada em 4 bilhões, a Eletronorte inteira em torno de 2
uma balança comercial que não tem superávit desde
ou 3 bi lhões -não me recordo bem -e há uma outra. que o Plano Real foi estabelecido. Muito pelo contrá-
V. Ex" se lembra, Senador Eduardo Dutra? A reporta-
rio, temos tido déficits pennanentes. Ora, se não te-
gem se refere a três.
mos superávit na balança comercial, somos obriga-
o Sr. José Eduardo Dutra(BiocoiPT- SE)- A dos a buscar alguma forma de conseguir recursos ex-
Chesf. temos para pagar o serviço da dívida externa. E o
OSR ADEMIRANDRADE(PSB- PA)- Chesf, Presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma op-
Fumas e Eletronorte. A mais cara rustaria 6 bilhões; a ção que, para nós, foi a pior de todas: Sua Excelência
outra, 4 e a úftima, 3 bilhões. Somando-se tudo, o va- manteve o comprometimento do pagamento da dívi-
lor integral daria em tomo de 11 bilhões. da externa aumentando a divida interna brasileira por
o Sr. José Eduardo Dutra(Bioco/PT- SE) - V intennédio do estimulo à especulação financeira.
Ex"me concede um aparte, Senador Ademir Andrade? Em detenninadas épocas de crise, chegamos a
O SR ADEMIR ANDRADE (PSB- PA)- Pois pagar 4g,5% de juros aos esperuladores financeiros, e
não, Senador José Eduardo Dutra. a dí,;da, que era de R$60 bilhões, está hoje em R$540
o Sr. José Eduardo Dutra (Bioco!PT - SE) - bilhões. Quinhentos e quarenta bilhões de rea1sl
No aparte anterior, eu disse que o Presidente da Re-
Vou dar os dados de 2000,vou repeti-los: em
pública havia mentido quando falou que iria privatizar
2000, segundo o balanço das contas dos Governo,
F umas porque Sua Excelência disse isso em campa-
pagamos R$ 87,5 bilhões de serviço da dívida interna.
nha. E foi eleito. No livrinho Mãos à Obra, onde está
O superávit primário das contas do Governo, em
redigido o seu Plano de Governo do primeiro manda-
2000, foi de R$38,5 bilhões, o que significa que o Go-
to - que já utilizei várias vezes-, na parte referente à 209
vemo arrecadou mais do que gastou. Veja V. Ex" que
Ademir Andrade- 09-03-2001

o Governo, no ano passado, arrecadou da população bém dos Estados e Municípios. Hoje ela está toda en -
mais do que gastou: R$38,5 bilhões. Sobraram no cai- globada para o Governo Federal. Portanto, não houve
xa do Governo R$38,5 bühões. Para onde foram? essa elevação e, sim, a incorporação do Governo Fe-
Para o pagamento da divida. A diferença entre deral de uma divida preexistente, anulando a divida
R$ 87,5bilhões e R$ 37,5bilhões. que sãoR$ 39 bi- dos Estados e Municípios.
lhões, arrescentamos à divida. Arrescentamos! O SR ADEMIR ANDRADE (PSB -PA)- Sena-
Essa divida é uma bola de neve; essa divida é dor Bel lo Parga, V. Ex" deve saber que a divida inter-
um sanguessuga das necessidades do desenvolvi- na é rolada a cada 30 dias praticamente. São tttulos
mento da nossa Pátria e do povo brasileiro. Se, no do Governo que são colocados na mão do banco, que
ano passado, pagamos R$87 bilhões; se o FMI está capta recursos de quem quer investir em CDB, em
exigindo do nosso Governo um superàvit primário de RDB, etc.
R$32 bilhões/ano, e o Governo, subserviente, chega Há dois anos, o Governo chegou a pagar 49,5%
a R$38,5 bilhões, ou seja, ultrapassa o que o FMI exi- ao ano. Ora, muita gente de fora, Senador, trouxe dó-
ge, pergunta-se: o que se faz com esse dinheiro? lares para cá, transformou-os em reais e aplicou-os
Agora, pergunto: o que se vai fazer, se todo o dinheiro no nosso sistema financeiro.
que arrecadamos com a prlvatização não serviu para O SR PRESIDENTE( Canos Wilson)- Senador
nada? Porque a divida cresce três vezes mais do que Ademir. a Mesa lamenta informar que o tempo de V.
tudo o que se arrecada. Se vendermos todo o sistema Ex" já está esgotado.
elétrico brasileiro, conseguiremos R$11 bilhões, que OSR. ADEMIR ANDRADE(PSB- PA)- Já vou
é menos do que gastamos para fazermos exclusiva- encerrar, Sr. Presidente. Ouvirei apenas o Senador
mente a hidrelétrica de Tucurui. E pergunto: serve Jefferson Péres.
para quê? Porque, em um mês e meio, isso é o que O dinheiro foi aplicado no nosso sistema finan-
Governo está pagando de juros- em dois meses, va- ceiro. O medo de que essas pessoas retirassem rapi-
mos exagerar, vamos ter boa vontade. damente esse dinheiro foi que fez. em determinado
Portanto, não dá para aceitar esse tipo de atitu- momento, o Presidente Fernando Henrique Cardoso
de, esse tipo de incoerência do Governo Fernando chegasse a pagar 49,5% ao mês. Essa divida cresceu
Henrique Cardoso.Não dá para se ter boa vontade em função disso. O Governo não pegou dinheiro para
com essa maneira de agir. fazer obra. Era necessário que fossem trazidos dóla-
res de·fora para serem trocados por real, que seriam
OSr. BeiJo Parga(PFL - AM) - V. Ex" me per mi-
aplicados no nosso Sistema Financeiro, e para que o
te um aparte?
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB- PA)- Ouço Governo continuasse pagando religiosamente os
V. Ex" e, em seguida, o Senador Jefferson Péres, que seus compromissos internacionais. Como não lemos
superávit comercial há seis anos, Senador Bello Par-
também está solicitando um aparte.
ga, criou-se essa forma de se trazer dólar para ser
OSr. Bello Parga(PFL - MA) - Nobre Senador aplicado no Sistema Financeiro. Imagine um japonês,
Ademir Andrade, quero me referir à parte do seu pro-
que ganha 0,5% ao ano de juro pelo dinheiro deposi-
nunciamento em que fala sobre a elevação da divida
tado, colocando o seu dinheiro no Brasil e ganhando
interna. V. Ex" tomou como base que o débito do Go-
30, 35, 40% ao ano. Isso é um paraíso para todos
verno Federal seria de R$60 bilhões, que esse valor eles! F oi essa a fórmula encontrada pelo Presidente
foi aumentando e, atualmente, está em tomo de
Fernando Henrique. A questão dos Municípios é irre-
R$500 bilhões. Ora, a divida interna pública não era
levante diante dos fatos.
só do Governo Federal; era do Governo Federal, dos
Governos Estaduais e dos Governos Municipais. A Hoje, V. Ex" sabe, os Estados estão com 15%
dos seus Orçamentos comprometidos com o paga-
maior parte ou quase a totalidade dessa divida dos
mento dessa dívida. Então, o Presidente Fernando
Estados e Municípios foi transferida, num acordo ge-
Henrique errou e está errando.
ral, feito na União, para o Governo Federal pagar e re-
ceber dos Estados, num prazo de cerca de 30 anos. Com relação à privatização, de que está adian-
Portanto, a divida já existia; a divida não foi elevada tando vendermos tudo, o sistema elétrico principal-
por conta de novos endividamentos faraônicos ou não mente? Isso é um crime, Senador Bello Parga! É um
deixaram de ser canalizados para os investimentos crime! Responda-me onde está a coerência do Go-
de infra-estrutura do Pais. A elevação se deu porque a verno quando, ao invés de mandar a iniciativa privada
divida interna pública não era só da União, mas tam- fazer, ele faz para depois vender. Isso não tem cabi-
mento, não tem lógica!
210
Ademir Andrade- 09-03-2001

O Sr. Bello Parga (PFL - MA)- A privatização Presidente, peço desculpas e a oportunidade de con-
desse setor enseja que sejam feitos novos investi- ceder um último aparte ao Senador Antero Paes de
mentos, pelo setor privado, que o setor público seja Barros. Em seguida, encerrarei.
incapacitado de fazer.
O SR PRESIDENTE (Carlos Wilson) -Quero
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB- PA)- Veja pedir a V. Ex" que seja breve. A Mesa já foi tolerante
bem, estamos fazendo a segunda etapa de Tucuruí em mais de doze minutos com relação ao tempo de V.
com os nossos recursos. Nós estamos fazendo. É o Ex•, mas vai, com muito prazer, também ouvir o apar-
Governo que está fazendo a segunda etapa. Por que te do Senador Antero Paes de Barros.
o Governo não entregou a segunda etapa para a inici-
O SR ADEMIR ANDRADE (PSB- PA)- Agra-
ativa privada realizar? Porque a iniciativa privada
deço a V. Ex" e concedo o aparte ao Senador Antero
sabe que compra a preço de banana as coisas que o
Paes de Barros.
Governo quer vender, Senador Bello Parga.
O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB- M1) -
O Sr. Jefferson Péres(Bioco/PDT- AM)- Per-
Senador Ademir Andrade, gostaria de colocar uma
mite-me V. Ex" um aparte?
questão divergente com relação ao pronunciamento
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB -PA)- Ouço, de V. Ex•. Entendo que é preciso uma profunda dis-
com satisfação, o Senador Jefferson Péres. cussão sobre o papel do Estado brasileiro. Essa ques-
O Sr. Jefferson Péres(Bioco/PDT- AM)- Se- tão da privatização foi, sim, discutida na campanha
nador Ademir Andrade, V. Ex" me comunicou, ontem, eleitoral de 1998. O meu Estado, quando a Cemat-
que me foi distribuído um projeto de sua autoria que Centrais Elêtricas de Mato Grosso - foi vendida, tinha
impede a privatização da Eletronorte. Mandei locali- quarenta e seis Municípios com racionamento de
zá-lo, e saiba V. Ex" que vou dar celeridade à emissão energia elétrica de dez a doze horas por dia, e não ha-
do meu parecer, o que não me exige muitos estudos, via nenhuma possibilidade de se fazerem investimen-
uma vez que tenho posição firmada, que coincide tos. A Cemat estava tão arrebentada pelos adminis-
com a de V. Ex", como com a da grande maioria dos tradores do passado, que não conseguia sequer pa-
homens públicos do Norte. Estamos preocupadíssi- gar o borracheiro. Hoje, depois que foi vendida, não
mos com a privatização de hidrelétricas, porque não há nenhum Município de Mato Grosso com raciona-
produzem apenas energia elétrica mas têm uso mútti- mento de energia elétrica. Precisamos discutir opa-
plo, com implicações econômicas e sociais que, em pel do Estado: se é o de empresário, que faz tudo- e,
princípio, não devem ficar nas mãos de uma empresa por isso, todas as empresas têm que ser estatais-, ou
monopolistaque visa ao lucro.No entanto, não tenha- se é o de indutor e controlador dodesenvolvrmento.
mos ilusão, Senador Ademir Andrade, pois seja qual Não tenho dúvida de que se o papel de Mato Grosso
for o meu parecer, a prevalecer o que disse, ontem, o fosse o de empresário, o Estado continuaria às escu-
Presidente da República. para estarrecimento meu, ras. Mato Grosso vai inaugurar, em outubro, a usina
Senador. tudo que Sua Excelênda quiser vai ser do gasoduto que vem da Bolívia e inaugurou, no ano
aprovado. Sua Excelênda disse, textualmente- não passado. a usina de Manso, feita pela iniciativa priva-
são palavras minhas, não as estou colocando na da, que jamais investiria nessa construção para ven-
boca do Presidente, pois o que Sua Excelência disse der a energia para a Cemat, que não conseguia pagar
está em todos os jornais: que dos Parlamentares da as suas contas. O Pais e o Estado não tinham, real-
base governista, exige total fidelidade; que se quise-
mente, poupança pública suficiente para fazer o in-
rem ser independentes, vão sê-lo em casa. A menos
vestimento. Esse é um profUndo equivoco da discus-
que haja um pronunciamento de todos os Parlamen-
são do Estado. Aquele socialismo em que tudo era do
tares dos partidos governistas, aqui, em defesa de
Estado mudou, para que haja um controle social da
sua dignidade- muitos deles, a maioria, são dignose
produção. O Estado precisa, na verdade, ser um con-
espero que façam isso- já estamos sabendo, previa-
mente que é S. Ex. Só tem indepandênda no âmbito trolador e um indutor do desenvolvimento. Era esse o
doméstico, porque no parlamento não a tem. aparte a V. Ex•.
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB- PA) Agra- O SR ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Em
deço a manifestação de V. Ex". parte, concordo com V. Ex•, Senador Antero de Bar-
O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB- M1) - ros, mas é interessante que aquilo que precisava,efe-
Permite-me V. Ex" um aparte? tivamente. ser privatizado não o é. No meu Estado.. há
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. cinco anos defendo a privatização da usina de cana-de-
açúcar de Pacal, mas o Estado a mantém até hoje por- 211
Ademir Andrade- 09-03-2001

que ninguém quer comprar aquilo que dá prejuízo,


Senador Antero de Barros. E ninguém quer fazer quando
pode comprar de graça, como no caso da hidrelétrica de
Tucuruí. que custou U$11 bilhões e cuja segunda etapa
estamos construindo com recur-os próprios. repito,
gastando U$1 bilhão. que será vendida por U$1,5
bilhão. Isso não se justifica.
Não tenho nada contra o Governo conceder o
direito a uma empresa privada de fazer a Usina de
Belo Monte, mas entregar de graça aquilo que custou
muito ao povo brasileiro, fazer, com recursos próprios,
para depois doar- como aconteceu com o sistema de
telecomunicações e com a Vale do Rio Doce, vendida
por três bilhões -é inacettável.
Concluo, Sr. Presidente, entregando à Mesa um
requerimento. por meio do qual iremos ao encontro
daquilo que o Senador Antero de Barros e outros de -
sejam. Estou convocando para vir ao Plenário do Se -
nado o Ministro do Desenvolvimento. Indústria e Co-
mércio, Sr. Alcides Lopes Tápias. porque é sob o co-
mando de S. Ex" que está o Conselho Nacional de
Desestatização e o BNDES, que devera cuidar da
execução do processo de desestatização das empre-
sas do setor elétrico. Além disso, estou convocando o
novo Ministro de Minas e Energia para vir ao plenário
discutir com os Senadores da República qual é o pro -
cesso. a razão, a necessidade e alógica de se vende-
rem as hidrelétricas brasileiras.
Não somos contra, pura e simplesmente, Sena-
dor Antero de Barros; queremos discutir e queremos
que a opinião pública se manifeste a respeito dessa
questão. Então, espero que o meu requerimento pos-
sa ser aprovado pelos membros desta Casa e que,
para essa mesa, possamos trazer o Ministro de Pla-
nejamento, Orçamento e Gestão, que preside o Con-
selho Nacional de Desestatização. e o Ministro de Mi -
nas e Energia, para que nos esclareçam que razões
objetivas fazem o Presidente ser tão teimoso, tão in-
sistente, questionando toda a sua base política para
vender as empresas geradoras de energia do nosso
País.
Espero que esse requerimento seja aprovado
com a maior brevidade posslvel.
Murro obrigado.

212
José Eduardo Dutra 15-03-2001

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bioco/PT- b) patrocínio, direto ou indireto, de in-


SE Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do teresses privados, frente à administração
orador.)- Sr. Presidente, solicito que V. EX" divida o pública e recebimento, para si ou para ou-
tempo que me resta entre mim e o Senador Ademir tros, de dinheiro, ou qualquer outra vanta-
Andrade, e que me avise para que possa concluir o gem econômica indevida, por parte do Sr.
meu pronunciamento de forma a que S. Ex• faça tam - Ricardo Sérgio de OIPJeira, quando diretor
bém uso da palavra. do Banco do Brasil, para frustrar a licitude
O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão)- A rigor, de processo licitatório, concernente à de-
V. EX" tem vinte minutos. sestatização de Tele Norte Leste;
O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bioco/PT - e) liberação de verbas públicas, sem a
SE)- Então, vou gastar dez minutos. estrita observância das normas pertinentes
Sr. Presidente, Sr"s e Srs. Senadores, os Parti- a pagamento de precatórios, a partir de
dos de Oposição, nesta Casa, iniciaram hoje formal- 1997, no âmbrto do DNER ..;
mente uma coleta de assinaturas para a instalação de
d) concessão de benefício, por parte
uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Inicialmente
do Sr. Secretário de Comunicação da Presi-
é uma proposta dos Partidos de Oposição. Mas como
dência da República, o Sr. Andrea Mataraz-
temos dito desde o início que essa questão das inves-
zo, a empresas de propaganda e publicida-
tigações sobre as denúncias de irregularidades que
de ... ;
têm surgido não só na imprensa, mas principalmente
no plenário do Senado Federal, a partir de pronuncia- e) retardamento indevido, ou omissão
mentos de pessoas importantes desta Casa, como é de prática de ato de ofício para satisfação
o caso do ex-Presidente do Congresso, Senador de interesses, no âmbito do Banco Central
Antonio Carlos Magalhães e do Líder do maior Part~ do Brasil, em relação a ilícitos contra o sis-
do desta Casa, Senador Renan Calheiros, este é um tema financeiro nacional, também puníveis,
assunto que interessa principalmente ã instituição eventualmente, como crimes comuns, a sa-
Congresso Nacional. Temos insistido por várias vezes ber:
que o governo é transitório, a instituição é permanen- - desvio na apropriação de rendimen-
te. O que está em discussão são as prerrogativas do tos de aplicações financeiras, no âmbito do
Congresso Nacional e a sua obrigação constitucional Banco do Estado do Pará. .. ;
de fazer essa investigação. - remessa irregular de divisas para
Vimos durante a semana manifestações por Ilhas Caymam, no ano de 1994, em favor do
parte de lideranças importantes da base governista Sr. Sérgio Roberto Vieira da Motta e para as
estabelecendo condições ou propostas para assina- Ilhas Virgens Britânicas e Confederação
rem um requerimento de CPI; assistimos às manifes- Helvética, em favor da empresa OAS;
tações do Senador Antonio Carlos Magalhàes de que
- despesas do Banco Econômico SIA
se fosse uma CPI ampla, para investigar todas as de -
núncias, ele assinaria; manifestações do Presidente a titulo de contribuição para campanhas ele-
itorais, não registradas perante a Justiça
do Congresso Nacional, Senador Jader Barbalho, de
que se fosse uma CPI composta de uma cesta básica Elertoral;
de irregularidades no setor financeiro, ele assinaria. O - "contas fantasmas" do Banco Citi-
requerimento de CPI que estamos apresentando con- bank S/A, na praça de Salvador, BA;
templa todas essas reivindicações dos Srs. Senado- f) fraudes na destinação de incentivos
res. fiscais, oriundos do Fundo de Investimentos
O nosso requerimento solicita investigação so- da Amazônia - Finam, em 29 empreendi-
bre: mentos, a partir de 1995, no âmbito da Su-
a) patrocínio, direto ou indíreto, de inte- dam·
resses privados, perante a administração g) irregularidades eninstalações por-
pública , valendo-se da qualidade de funcio- tuárias e aeroportuárias, concernentes
nário, por parte do Sr. Eduardo Jorge Caldas a licftações relatrJamente a projetos de
Pereira, quando Chefe do Gabinete do Mi- arrendamento dos trechos portuários e
Nistro de Estado da Fazenda e Secretário- a execução dos contratos, nos Portos
de Salvador e na Compenhia de Docas 213
Geral da Previdência da República ... ;
da Bahia e Santos,
José Eduardo Dutra - 15-03-2001

e na Companhia Docas do Estado de São venliva dessas pessoas. Conseguiu também que o
Paulo, e na execução de serviços de enge- Poder Judiciário determinasse a prisão preventiva de-
nharia no Porto de Juazeiro, bem como na las.
ampliação do Aeroporto Luiz Eduardo Ma- Portanto, é uma falácia as lideranças do Gover-
galhães, no âmbito da lnfraero, consoante no dizerem que as coisas já estão sendo investigadas
auditorias efetuadas pelo Tribunal de Contas e que o Congresso não precisa fazer isso. A Constitui-
da União. ção dá ao Congresso Nacional a prerrogativa de fis-
Na semana passada, tomamos conhecimento calização e da investigação. A história tem demons-
de uma nota assinada pelos Líderes dos Partidos go- trado que, quando se instala uma Comissão Parla-
vernistas com assento nesta Casa. mentar de Inquérito, os seus trabalhos, os seus docu-
A nota diz que os líderes são a favor de investi- mentos contribuem para agilizar os inquéritos no Mi-
gações "pelos instrumentos legais e democráticos"- nistério Público e para agilizar os processos no Poder
como se uma ComissãoParlamentardelnquéritonão Judiciário.
fosse um instrumento legal e democrático. Essa é, Sr. Presidente, Sr"s e Srs. Senadores, a
Alguns dizem que o Brasil não é mais o mesmo, proposta apresentada pelos Parlidos de Oposição,
porque estamos vendo um juiz na cadeia, estamos que entendemos deveria ser uma proposta assumida
vendo empresários na cadeia e estamos vendo um pelo conjunto do Congresso Nacional, até em legfti-
ex-Senador na cadeia. Realmente esse é umexemplo ma defesa, pois o Presidente da República pode dizer
concreto de que o Brasil não é mais o mesmo. Mas à imprensa que instalar CPI é deslealdade, que CPI
por quê? Qual instrumento viabilizou que essas pes- desestabiliza. Aliás, essas dedarações se chocam
soas hoje estivessem na cadeia? O Ministério Público frontalmente com a própria biografia do Presidente da
vinha investigando a construção da obra do TRT de República. Algumas dedarações como essa eram fei-
São Paulo desde 1994. É dessa data uma representa- tas pela ditadura militar, contra ele inclusive, que era
ção feita pelo Deputado Giovanni Queiroz, do Pará, oposicionista na época. A propósito, já registramos
ou seja: em 1994. aqui discursos que ele fez encaminhando pedidos de
instalação de CPis muito mais amplas do que essa
A partir de quando as investigações realmente
que estamos propondo.
tomaram pé e a partir da quando constituíram-se ele-
mentos para comprovar a culpabilidade das pessoas Entendemos que o Congresso Nacional, ao ins -
que estão presas?A partir da instalação da Comissão !alar essa Comissão Parlamentar de Inquérito, estará
Parlamentar de Inquérito que investigou irregularida- agindo em legitima defesa da Instituição, em legitima
des no Poder Judiciério. Isso significa que o Ministério defesa de todos os membros desta Casa, para garan-
Público é ineficiente? Não, Sr. Presidente. Significa tir as prerrogativas, inscritas na Constituição, desta
que a CPI é o instrumento mais eficaz para fazer essa Casa e de todos nós Deputados e Senadores.
investigação. Sabemos a dificuldade que o Ministério O requerimento está ferro, está pronto e esta-
Público tem para obter documentos, por exemplo, do mos coletando assinaturas. Queremos ver agora
Banco Central. Essa dificuldade acontece também aqueles que disseram que só assinariam se a investi-
com relação a CPis. Mas as CPis conseguem os do- gação fosse ampla, geral e irrestrita. Queremos ver
cumentos, porque, enquanto elas estão instaladas, agora se vão assinar ou não. Queremos ver agora
se o Banco Central demora a mandar os documentos, aqueles que assinariam somente se fosse uma CPI
os Senadores e os Deputados têm esta tribuna, têm a para investigar todas as irregularidades do Banco
imprensa, têm a televisão para denunciar que o Ban- Central, e não só em relação ao Banpará, mas tam-
co Central não está encaminhando os requerimentos bém em relação à conta OAS, conta no City Bank etc.
solicitados pela CPI. Por isso as CPis são instrumen- Vamos ver se realmente vão assinar ou se foi apenas
tos muito mais eficazes, rápidos e com as conseqüên- bravata, falácia ou demonstração de cinismo por par-
cias e os resultados que estamos vendo agora: os te daqueles que acusam os outros, mas que não que-
acusados, com provas substanciais, de vinculação rem realmente que sejam investigadas suas acusa-
com a malfadada obra do TRT de São Paulo, estãona ções, porque têm medo de que as acusações que
cadeia. O MinistérioPúblico, com base nos documen- eles fazem acabem voltando para eles próprios.
tos conseguidos pela CPI e nas provas apura das pela É, porlanto, obrigação do Congresso Nacional
CPI, de forma muito competente. pediu a prisão pre- fazer essa investigação.
Era. Sr. Presidente, Sr"s e Srs. Senadores, o co- 214
José Eduardo Dutra- 15-03-2001

municado que eu gostaria de fazer à Casa neste mo-


mento.
Muito obrigado.

215
Ademir Andrade -15-03-2001

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Como entender a sinceridade daqueles que, efetivamente.
Líder. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do denunciam com coragem de apurar ou apenas de-
orador.) - Sr. Presidente, Sr"s e Srs. Senadores, nunciam para dividir espaços no âmbito do poder,
como Liderdo Partido Socialista Brasileiro, tenho par- mas não querem apurar nada.
ticipado ativamente de todos os entendimentos como V. Ex" tem toda a razão, Senador José Eduardo
PT, com o PDT, com o PCdoB, com o PPS, com o PL, Dutra, e tenho dito aqui: os Poderes constituídos des-
que também se comprometeu a assinar a CP I. Aliás, te País não têm chegado a lugar algum, como tam-
Senador José Eduardo Dutra, já ouvi dizer que o PL bém não têm colocado ninguém na cadeia. Os la-
está mudando de posição, está vottando para o Go- drões estão aí. Os Bancos faliram, foram socorridos
verno. Ouvi esse comentário hoje de uma liderança pelo Proer, e ninguém foi preso - apesar de o Presi-
expressiva do PSDB, que o Presidente Fernando dente ter dito que colocaria os infratores na cadeia. A
Henrique Cardoso, através do oferecimento de car- Justiça não funciona no território nacional. O Poder
gos, estaria cooptando, trazendo para as suas hastes Judiciário não funciona no Brasil, até pelas leis que
também o PL, que, nos últimos sete ou oito meses, são aprovadas -também nos culpam por essas leis
tem estado ao lado da Oposição, tem estado numa que favorecem os crimes do colarinho branco, que
posição de independência com relação ao Governo permitem que esses ladrões fiquem fora das cadeias
do Presidente Fernando Henrique Cardoso. -. pelas dificuldades de legislação. Cada juiz interpre-
O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão)-Senador ta a lei como acredita que deve. O fato concre to é que
Ademir Andrade, peço pennissão a V. Ex" para inter- nenhum Poder funciona neste País, nem a promoto-
rompê-lo e dizer que, na verdade, houve uma divisão ria. Enfim, não conheço um Poder que funcione a con-
do tempo entre V. Ex" e o Senador José Eduardo Du- tento, no sentido de fazer justiça como deve ser feita.
tra.
Portanto, as CPis e, acima delas, Senador José
A nossa sessão, como sabe V. EX", que foi Vi- Eduardo Dutra, a imprensa nacional que colocaram
ce-Presidente da Casa, se encerrará ãs 14 horas. determinadas pessoas na cadeia. É o poder da im-
Então, comunico a V. Ex" que terá ainde 1 O minutos prensa, é o poder da opinião pública- que também
para concluir a sua oração. assimila aquilo que a imprensa divulga- que fazem
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Agra- com que cheguemos aos fatos e, conseqüentemente,
deço a V. Ex". que haja uma ação do Governo, uma atuação dos Po-
Quero entender agora, Senador José Eduardo deres constituídos, no sentido de mandarem alguns
Dutra, a sinceridade dos que aqui fazem denúncias. ladrões para a cadeia. No entanto, em geral, essa rea-
Essa é a hora da verdade. Deixamos de lado a CP! ção tem partido da CPI, que tem uma ampla cobertu-
antiga, que havíamos proposto no ano passado, esta- ra da imprensa e, portanto, uma certa conseqüência.
mos propondo uma nova CPI, extremamente ampla, Portanto, os Senadores, os Deputados Federais
englobando todas as denúncias que estão sendo fei- têm o dever, têm a obrigação, se forem honestos, se
tas, inclusive pela base do Governo. Não se pode ne- forem corretos, se forem direitos, se quiserem real-
gar a existência de fatos determinados, exigidos pela mente que os fatos sejam apurados, se não tiverem
Constituição Federal para a criação de uma Comis-
nada a esconder, de assinar esse requerimento pe-
são Parlamentar de Inquérito. Agora quero ver a sin- dindo a criação CP!, de fazer com que ela se instale e
ceridade daqueles que aqui fizeram denúncias, tanto funcione. E isso não é traição aos interesses da Pá-
de um lado quanto do outro, tanto do lado do PMDB
tria, não é prejudicar a economia brasileira, como di-
quanto do PFL. A proposta de criação de uma CP! zia o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso,
está aí, engloba fatos que já havíamos levantado no
tantas vezes citado aqui por V. Ex". É pena que Sua
passado e fatos novos de acusações trazidas pelo
Excelência mude tanto.
PMDB a Ministros, a dirigentes políticos do PFL, e
acusações trazidas por dirigentes do PFL a Ministros Espero que sejamos vítoliosos nessa luta, por-
e a dirigentes de estatais ou empresas de economia que é isso que interessa à sociedade brasileira.
mista comandadas pelo PMDB. Agora, quero ver Quero, rapidamente, tratar de duas questões,
onde está a sinceridade daqueles que aqui fiZeram as antes de encerrar o meu pronunciamento. Primeiro,
denúncias. O requerimento de criação da CP! está aí. Sr. Presidente, quero dar ciência à Casa de que está
Hoje, houve uma fila de Deputados para assinarem assumindo hoje, dia 15 de março, às 16 horas e 30
esse requerimento. Não sei quantas assinaturas já fo- minutos, no Auditório Emmo Ribas, na sede do Minis-
ram colhidas. Vou saber agora. A opinião pública vai tério da Saúde, a nova diretoria da União Nacional 216
Ademir Andrade -15-03-2001

dos Auditores do SUS. Trata-se de um grupo de aproxi- absolutamente nade. Agora quer vender as hidrelétri-
madamente 800 fi.Jncionários, que fiscaliza a aplicação cas brasileiras. E o interessante é que ele vende com
de recursos da ordem de R$21 ,5 bilhões no setor de sa- todas as facilidades, com financiamento de recursos
úde em nosso Pais. Eles tiveram algumas difiCUldades do BNDES, com a-éditos subsidiados- como socar-
até mesmo neste Govemo,porque houve enfraqueci- reu os banqueiros com o Proer -,mas é interessante
mento do seu trabalho e aumento de prestígio das fisca- que o Governo não vende aquilo que realmente deve-
Jizações dos Estados, onde se faz muita polltica com o ria vender, ou seja, as empresas do Governo que dão
Sistema Único de Saúde. Aliás, destina-se muito mais prejulzo. E trago um oficio inusitado, inacreditável, do
dinheiro a favor do setor privado do que do setor público. administrador da Usina Pacal, no Estado do Pará.
O setor privado recebe a grande maioria de recursos Essa é uma usina para produção de açúcar e de álco-
destinados à saúde no nosso Pais. oi, que foi instalada na Transamazônica, no Município
de Medicilândia, há cerca de 20 anos, ainda no regi-
Esses companheirosque estão assumindo hoje
me militar, para estimular os produtores da região a
têm tido, nesta Casa, o meu apoio e do Senador Tião
esse tipo de industrialização; foi uma indústria banca-
Viana; têm tido a consideração do próprio Ministro
da pelo Governo. Os produtores foram alocados para
José Serra que atendeu aos nossos apalos e com pre-
lá para produzirem cana e há 20 anos estão Já traba-
endeu alguns erros que estavam sendo cometidos na
lhando e produzindo.
remontagem da sua estrutura. S. Ex" nos atendeu e
que espero continue reforçando esse trabalho. Agora, recentemente, o Sr. Hercllio Auto Neto
manda um ofício ao Sr. Eduardo Felizardo, que é o
Aliás, tenho considerações favoráveis à atuação Presidente da Associação dos Produtores. Sr. Pres~
do Ministro José Serra frente ao Ministério da Saúde. dente, veja o absurdo:
Elogio a sua atitude com relação à fabricação dos remé-
dios contra AIDS, a sua atitude a favor dos genéricos, a Comunicamos que o Conselho Diretor
sua atitude e a sua defesa no sentido de proibir a propa- do INCRA decidiu pela desativação do
ganda do fi.Jmo em nosso Pais e espero que, em breve, PACAL a partir do dia 20 de dezembro de
o nosso Congresso Nacional possa também proibira 2000, nos termos da Resolução n° 11, de 24
propaganda de bebidas alcóolicas. Essas são coisas de março de 2000, publicada no Diário Ofi-
que os palses civilizados do mundo não permitem, e o cial da União de 5 de abril de 2000.
Brasil não pode permanecer atrasado diante da ganân- Afiançamos que a safra 200012001
cia dessas indústrias que se preocupam muito pouco será a última administrada e gerenciada
com a saúde do povo, mas muito mais com seus lu- pela Autarquia.
cros e com as suas necessidades.
Portanto, o lna-a não tem interesse em
Portanto, creio que o Ministro José Serra tem
prosseguir com futuras moagens de ca-
contribuído para transformações extremamente im-
na-de-açúcar ou qualqueratividadereferente
portantes nesse campo que comanda, como as que ao empreendimentoPACAL, mantidaapenas
citei aqui, entre outras atitudes. Inclusive, pretendo
a comercialização de produtos e guarda e
estar presente na posse dos companheiros hoje, que conservação dos bens patrimoniais.
têm ainda, reivindicações a serem feitas. Sem mais, aproveito a oportunidade
Sr. Presidente, quero que sejam dadas como li-
para apresentar~hes protestos de elevada
das as reivindicações da categoria. estima e distinta consideração.
Finalizando, tratarei do assunto que realmente
O SR. PRESIDENTE(Edi son Lobão)- Peço a V.
me trouxe à tribuna, que é a permanente incoerência
Ex" que conclua o seu discurso, pois estamos no final
do Governo Fernando Henrique, que passo a de-
do expediente.
monstrar de maneira bastante clara.
Este é um Governo que vende tudo: já vendeu o
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) -Vou
sistema de telecomunicações, as mineradoras, as si- conduir, Sr. Presidente.
derúrgicas, todo o sistema de fornecimento de ener- O que entendemos como absurdo é uma deci-
gia dos Estados brasileiros, exceto os do Amapá e são como essa, sem dizer o que os produtores vão fa-
Paraná -talvez de dois ou três Estados ainda não te- zer, sem definir que indenizações serão pagas, sem
nham sido vendidos-, os bancos de todos Estados definir que tipo de ajuda eles dão para que os produ-
brasileiros. E tudo isso a troco de nada, porque o di- tores passem, em vez de plantar cana, a plantar ca-
nheiro que pegou por essas vendas não serviu para cau, café, ou outro tipo de produto. O que vai fazer 217
com a usina? Então, veja bem, o Governo não canse-
Ademir Andrade-15-03-2001

guiu privatizar a Usina Pacal. Por quê? Porque o Go-


verno só quer vender aquilo que dá lucro. Aliás, os
grandes empreendedores só querem comprar aquilo
que dá lucro e a preço de banana. Essa é uma de-
monstração clara da incoerência do Governo, e esta-
mos aqui a exigir do Governo Federal, do Ministério
da Reforma Agrária e do lncra uma ação responsável
diante do direito dessas pessoas; caso contrário, va-
mos ãs barras da Justiça, apesar de todas as dificul-
dades que ela tem, para lutar pelo direito dessas pes-
soas, que foram levadas para Medicilândia, para a
Transamazônia, para produzir cana-de-açúcar e, ago-
ra, estão sendo abandonadas sem que o Governo
lhes dê um destino ou uma direção. O Governo preci-
sa definir-se. Se quer acabar com a Usina Pacal, se
não consegue vendê-la ou privatizá-la, que pelo me-
nos dê a essas pessoas um novo destino. Elas têm
esse direito, o Governo tem essa obrigação com elas,
e é isso que esperamos que aconteça.
Voltarei à tribuna desta Casa, Sr. Presidente, ou-
tras vezes para tratar do mesmo assunto. Não vamos
permitir que os produtores de Medicilândia sejam aban-
donados, como estamos vendo acontecer agora.
Registro, inclusive, a presença de alguns dos di-
rigentes das entidades da Usina Pacal, que estão
hoje neste plenário.
Muito obrigado a V. Ex•.

218
José Alencar- 22-03-2001

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Sr. Não é difícil imaginar uma cena em que fique re-
Presidente, Sr"s. e Srs.Senadores, a sabedoria popu- tratado esse estado de espírito agoniado.
lar- este "saber de experiências feito" na lfrica defini- O chefe de família laborioso que tanto se esfor-
ção camoniana -representa um suporte permanente ça por desempenhar a contento seu papel na vida co-
e precioso na ação parlamentar. munitária, se pergunta, várias vezes, o que anda
Conhecer o que a gente do povo pensa, o que a acontecendo. Por que razão os seus problemas do
gente do povo sente e diz é importante. cotidiano, afetos à administração pública, encontram
É imprescindível, para o polltico verdadeiramen- tantos embaraços e dificuldades de solução?
te compenetrado de sua missão. O chefe de família começa, então, a fazer asso-
Em meus contatos habituais com a minha gen- ciações das questões insolúveis que o atormentam
te, com os meus coestaduanos de Minas Gerais, re- com os nomes de personagens ilustres da vida públi-
colho sempre inspirações provettosas para o trabalho ca, pessoas que freqüentam o seu apreço e admira-
que me cabe desenvolver no Senado da Repoolica. ção, pessoas em quem votou com entusiasmo e que
estão sendo apontadas, talvez inJUStamente, em de-
Procuro manter-me atualizado com relação aos
núncias e acusações sér(as.
sentimentos e aspirações populares autênticos e ge-
O dilema se instala. E verdade o que está sendo
nuínos. divulgado? É mentira?
Sei não estar trazendo novidade nenhuma à
consideraçãode meus pares, quando faço este regis- No mais das vezes, na troca áspera de palavras,
no fogo cruzado das críticas e das respostas às críti-
tro acerca da atenção que o homem comum dispensa
cas, que ele acompanha na mídia, essas indagações
costumeiramente aos acontecimentos da vida pública
permanecem sem respostas.
nacional. Acontecimentos, muitas vezes, em seu en-
tendimento, de complexa interpretação,mas que aca- O chefe de família não entende que denúncias
bam por influenciar e afetar, de um jetto ou de outro, a tão graves sejam lançadas sem os conseqüentes
sua rotina de vida. desdobramentos. Sem uma elucidação cabal e com-
pleta dos fatos.
Essas percepções de como funciona o senti-
mento das ruas, não passam, de modo algum, des- Ele não aventura juízos prévios de valor. Não
entra, na maior parte dos casos, no mérrto da questão
percebidas, tenho certeza, aos ilustres senadores.
publicamente e calorosamente discutida.
Se dou ênfase ao óbvio é para proclamar que a
O que mais desconforto lhe traz é perceber que
intuição popular é poderosa e não falha. E que não
as denúncias ficam sokas no ar.
podemos nunca, na atividade poolica, nos esquecer
O nosso chefe de família é um homem de bem.
disso.
Cultiva o senso de justiça. Vive, por esse motivo,sen-
Ignorar a intuição popular é erro. Erro punido sação de mal-estar ao supor possa ser falsa ou impro-
pela história, como tantas vezes já se viu. cedente a acusação envolvendo político que aplaude
Estou retomando de uma série ampla de conta- e admira, político em quem sempre votou.
tos com amigos, com elertores, com gente do povo de E, aí, ele indaga: porque não levar as apurações
todos os segmentos sociais. Trago desses contatos do fato, de todos os fatos denunciados, até as conse-
uma certeira convicção. qüências derradeiras, até o esclarecimento definttivo
A perplexidade é geral. e cabal de tudo?
De espanto em espanto, provocade pelo noticiá- A simplicidade do raciocínio traz a assinatura da
rio desconcertante do día-a-dia, a opinião poolica bra- genuína sabedoria popular.
sileira está possuída hoje de muna perplexidade. A perplexidade das pessoas comuns, nascidas
dessa avalancha de denúncias que invade a nossa
São ocorrências perturbadoras, pode-se afir- mídia e as nossas tribunas, só tende a crescer e
mar, diárias. As manchetes se ocupam, o tempo todo,
transformar-se numa reação mais contundente, caso
de denúncias, de escândalos, de malversações do di-
sejam interceptadas as iniciativas de apuração e elu -
nheiro público, de acusações graves.
cidação dos fatos.
Isso chega até o cidadão do povo, a dona de
Chegamos a um momento na vida brasileira em
casa, o lavrador, o operário, com um impacto estron- que vacilações e hesitações, quanto aos rumos a se-
doso. rem assumidos por nós, não vão ser toleradas, nem
Desencadeia, no espírito de cada um, estranhe- 219
za, indignação, dúvida, frustração.
José Alencar- 22-03-2001

absorJidas pela opinião pública. ção brasileira.


Não se trata de tomar partido nos acesos questi- Ajo assim, consciente de ser este o melhor e
onamentos. Não se trata de estabelecer prejulgamen- único caminho para se solucionar, mais rápido, as
to a respeito de ninguém, a respeito de qualquer ho- questões tonmentosas que ai estão e para se dar
mem público. uma resposta convincente e satisfatória aos ansei-
Não se trata de aceitar previamente, açodada- os e esperanças de nossa brava gente brasileira.
mente, intempestivamente, como nocivo ao interesse O SR PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) -
nacional, esse ou aquele ato praticado pela adminis- Nada mais havendo a tratar, a Presidência vai encer-
tração, apontado em denúncia pública de qualquer rar os trabalhos, lembrando as Sr"s e aos Srs. Sena-
origem. Nada disso. dores que constará da sessão deliberativa ordinária
Não se trata de ficar ao lado de "A" ou de "B ", da próxima terça-feira, dia 27, a realízar-se às 14 ho-
dessa ou daquela facção ou corrente, surpreendidas ras e 30 minutos, a seguinte:
em aberta desavença na condução de temas polêmi-
cos. Nada disso.
O que se pede e se recomenda, com serenida-
de e bom senso, é que não se deixe tudo permanecer
como está, para ver como é que fica.
Não! Não mesmo, depois de tantas trovoadas e
abalos estremecedores.
Se a explicação é incompleta e insatisfatória; se
a conclusão pelos processos nonmais de apuração
não vem -todos os dilemas, dúvidas, desconfianças
possíveis continuarão povoando e enodoando a vida
pública.
Lideranças importantes continuarão a en-
frentar o descrédito popular. Poderão ser condena-
das, antecipada e intempestivamente, sem que de-
finida, na instância própria, sua inocência ou cul-
pabilidade.
A Casa será julgada incapaz, por não saber agir
em sintonia com o sentimento e a intuição populares.
A clareza e claridade das coisas administrativas
e polftícas fazem parte da essência democrática.
Como democrata, que acredita na vocação de
grandeza de meu país;
Como brasileiro que vê no comportamento éti-
co, na probidade e justiça social um roteiro de atua-
ção política indesviável na busca da prosperidade na-
cional;
Como cidadão interessado na transparência
das atividades na vida pública e desprovido de
qualquer intenção de estabelecer prévio juízo de
valores;
Como ser humano despojado de sectarismo e
espírito de facção, ou qualquer outro sentimento me-
nor,
Desejo aqui anunciar firme e inabalável disposi-
ção de dar voto favorável, como Senador da Repúbli-
ca pelo Estado de Minas Gerais, a todo e qualquer pe-
dido de abertura de inquérito parlamentar, que con-
corra para desfazer o clima de apreensão e desen-
canto que tomou conta, em nossos dias, da popula-
220
José Eduardo Dutra 21-03-2001

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bioco/PT - O Senador Jader Barbalho disse que,se for feito
SE. Como líder. Sem revisão do orador.)- Sr. Presi- o adttamento, vai assiná-lo. No entanto, a simples as-
dente, Sr"s e Srs. Senadores, não ouvi todo o pronun- sinatura do Senador Jader Barbalho, individualmente,
ciamento do Senador Jader Barbalho, Presidente do mesmo que modifiquemos o requerimento, não viabi-
Congresso Nacional, mas acredito que tenha ouvido liza a instalação da CP I. Caso se trate de um movi-
a parte mais importante, que foi a sua conclusão. mento político no sentido de viabilizar a CPI, nós !are-
Penso que poderemos, Sr. Presidente, agora, mos todo e qualquer aditamento .Todos os pontos que
colocar em prática aquela proposta que fiz logo após foram levantados pelo Senador Jader Barbalho na Iri-
a sessão em que o Senador Antonio Carlos Maga- buna têm a nossa concordância; nós os incluímos
lhães apresentou uma série de requerimentos de in- desde já Entretanto, queremos saber concretamente
vestigação e foi sucadido na tribuna pelo Senador Re- se esse aditamento vai viabilizar a instalação da CP I,
nan Calheiros, que, por sua vez, também apresentou porque ela só será viabilizada com a assinatura de 27
uma série de requerimentos, de auditorias. Naquela Senadores e 171 Deputados. Com ou sem aditamen-
oportunidade, eu disse que, para não ficar parecendo to, essas assinaturas são necessárias. A Oposição
para a opinião pública que se tratava apanas de um sozinha -lodo mundo sabe disso; essa é uma ques-
jogo de cena, nós nos disporlamos, juntamente com tão de aritmética- não tem 27 Senadores e 171 De-
as Lideranças de todos os Partidos com assento nesta putados. Nós precisamos do apoio de Senadores do
Casa, a formular um requerimento consensual para a PMDB, do PFL e do PSDB.
instalação de uma Comissão Parlamentar de lnqué- Então, se 0 Senador Renan Calheiros, como u-
rtto que pudesse investigar todas as denúncias que der da Bancada, informar aqui e agora que esse adi-
estavam sendo feitas não só da tribuna desta Casa, lamento proposto pelo Senador Jader Barbalho, Pre-
como pela imprensa. Infelizmente, naquele momento, sidente do PMDB e do Congresso, significará que os
as lideranças fizeram ouvidos de mercador. Senadores do PMDB irão assinar o requerimento,
Os líderes da Oposição se reuniram e formula- nós faremos a modificação imediatamente. Peço a
ram um requerimento para a instalação da CP I. Já es- parte escrita ao Senador Jader Barbalho. para que a
távamos - e estamos - coletando assinaturas para anexemos ao requerimento e possamos já coletar as
que seja instalada uma CPI mista na Câmara e no Se- assinaturas.
nado.
Como dissemos desde o início, queremos inves-
0 Senador Jader Barbalho apresenta uma su- tigartodas as denúncias que estão sendo feitas. Não
gestão de adttamento a esse requerimento. Tenho temos aliança preferencial com ninguém neste mo-
certeza de que todos os Líderes da Oposição no Se- menta. A nossa aliança preferencial é com a ética na
nado nada terão a opor a esse aditamento. Nós nos polttica e com a apuração de todas as denúncias de
propomos a fazê-lo. Acredito, inclusive, que esse adi- corrupção que têm surgido neste momento. Essa é a
lamento não significará a retirada de nenhuma das posição da Liderança do Bloco de Oposição, Sr. Pre-
assinaturas já apostas no requerimento- talvez pos- si dente.
sa haver problema na Câmara dos Deputados, mas
creio que, se isso acontecer, poderemos contorná~ o. O Senador Ja~er Ba:balho já me entregou o adi-
Gostaria, no entanto, de perguntar ao Líder do PMDB, lamento. Vou anexa-lo e Ja vou começar a coletar as
Senador Renan Calheiros, se esse aditamento significará assinaturas dos Senadores que se dispõem a fazê-lo.
que os Senadores do PMDB irão apoiar a instalação da Muito obrigado.
CPL Espero que esse não seja apenas mais um jogo de
cena.
O fato concreto é que o Senador Antonio Canos
Magalhães- S. Ex" não está aqui presente, mas vou
citar um fato- já assinou o requerimento de instala-
ção da CPI. mas, até o momento, tanto no Senado,
quanto na Câmara dos Deputados, os aliados de S.
Ex" ainda não o assinaram.

221
Jáder Barbalho- 21-03-2001

O SR JADER BARBALHO (PMOB- PA. Pro- Ministro de Estado da Fazenda e Secretá-


nuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - rio-Geral da Presidência da República, ou,
Sr. Presidente, Sr"s e Srs. Senadores, desde que to- posteriormente, obtenção para si ou para
mei posse na presidência do Senado F e dera!, esco- outrem de vantagem ou promessa de vanta-
lhido por maioria absoluta, após uma longa campa- gem, a pretexto de influir em fi.Jncionário pú-
nha, que se processou com grande desgaste, procla- blico no exercício da função;
mei o meu interesse em exercer o cargo com o maior
b) patrocínio direto ou indireto de inte-
equilíbrio e imparcialidade, procurando estar à altura
resses privados perante a administração pú-
das responsabilidades de presidir uma Casa compos-
blica e recebimento para si ou para outrem
ta pelas ma1s d1versas agremiações partidárias do
de dinheiro ou de qualquer outra vantagem
Brasil, de tal ordem que pudesse, na verdade, defen-
econômica indevida, por parte do Sr. Ricar-
der os interesses da instituição.
do Sérgio de Oliveira, quando Diretor do
Lamentavelmente, o Senado e a sociedade bra- Banco do Brasil SI A, para frustrar a liàtude
sileira têm sido testemunhas de que a campanha de processo licitatório, concernente à desa-
prossegue, aqui e láfora, para comprometer, destafe-
tivação da Tele Norte Leste;
ita, a imagem do Presidente da instituição.
e) liberação de verbas públicas sem a
Ontem, Sr. Presidente, para ser breve, fi.Ji procu- estrita observância das normas pertinentes
rado pelo ilustre Llder do PT, Senador José Eduardo a pagamento de precatórios, a partir de
Outra, que havia lido, para conhecimento da Casa, re - 1997, no âmMo do Departamento Nacional
querimento pleiteando a constituição de uma Comis- de Estrada e Rodagem - DNER, autarquia
são Parlamentar de Inquérito. Infelizmente, da leitura vinculada ao Ministério dos Transportes;
vejo-me incluído em um dos itens, relativo ao Banco '
d) concessão de benefício por parte
do Estado do Pará, episódio sobre que, passados cer-
do Sr. Secretário de Comunicação da Presi-
ca de 17 anos, até hoje nào tive oportunidade de uma
dência da República, o Sr. Andrea Mataraz-
vez sequer ser instado.
Por outro lado, aqui se anunàaram e se trombe- zo, a empresas de propaganda e publicida-
de, visando à captação ilícita de recursos fi-
tearam irregularidades na Superintendência de De-
nanceiros para campanhas eleitorais;
senvolvimento da Amazônia, e colocam-me como se
fosse eu o gestor e o responsável por sua administra- e) retardamento indevido ou omissão
ção. E, mais do que isso, responsável pela execução de prática de ato de offào para satisfação
de projetos de entidades ou pessoas que receberam de interesses no âmbtto do Banco Central
seus financiamentos. do Brasil, em relação a ilícitos contra o Sis-
tema Financeiro Nacional, também puníveis
Deixarei, Sr. Presidente, por urna questão de
eventualmente como crimes comuns a sa-
economia, de citar outros episódios, plantados aqui e
ber: '
ah na 1mprensa, numa campanha deliberada e que
vtsa, única e exdusivamente, não respeitar a decisão - desvio na apropriação de rendimen-
democrática, tomada por voto secreto, após onze me- tos de aplicações financeiras, no âmbito do
ses de profi.Jnda discussão sobre o tema, pelos Sena- Banco do Estado do Pará- SIA - Banpará,
dores da República. É isso que se contesta. a part1r de 1984, em favor do Senador Jader
Barbalho;
Sr. Presidente, o ilustre Líder do Partido dos Tra-
balhadores apresenta um requerimento pedindo a - remessa irregular de divisas para as
constituição de uma Comissão Parlamentar de lnqué- Ilhas Caymam (Reino Unido da Grã-Breta-
nto. Permito-me lê-lo, Sr. Presidente, para que fique nha), no ano de 1994, em favor do Sr. Sér-
nos Anais da Casa. No requerimento, pede-se que gio Roberto Vieira da Motta, e para as Ilhas
sejam apuradas irregularidades no âmbito da Admi- Virgens Britânicas (Reino Unido da Grã-Bre-
nistração Pública Federal, a saber: tanha) e Confederação Helvélica (Suiça) em
favor da empresa OAS;
a) patrocínio direto ou indireto de inte-
- despesas do Banco Econômico SIA
re_sses privados, perante a administração
a título de conl!ibuição para campanhas ei.:-
publica, valendo-se da qualidade de funcio-
itorais não registradas perante a Justiça Be-
nário, por parte do Sr. Eduardo Jorge Cal-
itoraf;
das Pereira, quando chefe de gabinete do 222
Jáder Barbalho -21-03-2001

- contas-fantasmas do Banco Citibank -apurar irregularidades na concessão


SIA. na praça de Salvador- BA; de empréstimos e financiamentos pelo Ban-
f) fraudes na destinação de incenti- co do Nordeste do Brasil, constatadas em
vos fiscais oriundos do Fundo de Investi- auditoria recentemente promovida pelo Tri-
mento da Amazônia (Finam), em 29 (vinte e bunal de Contas da União.
nove) empreendimentos, a partir de 1995, Proponho também seja incluldo no
no âmbito da Superintendência de Desen- item "F", que trata de incentivos fiscais, o
volvimento da Amazônia (Sudam); seguinte trecho:
g) irregularidades em instalações por- - bem assim como os projetos com in-
tuárias e aeroportuárias, concernentes a li- centivos fiscais ou renúncia fiscal incluídos
citações relativamente a projetos de arren- em outras agências ou programas governa-
damento dos trechos portuários e a execu- mentais.
ção dos contratos, nos portos de SarJador-
BA. na Companhia das Docas da Bahia Propomos ainda que sejam induídos no reque-
(Codema) e Santos - S.P e na Companhia rimento os seguintes ítens:
das Docas do Estado de São Paulo (Co- - apurar irregularidades e superfatura-
desp), e na execução de serviços de enge- mento no contrato de suprimento e inter-
nharia no Porto de Juazeiro, bem como a cãmbio de energia, envolvendo a comerciali-
ampliação do Aeroporto Luís Eduardo Ma- zação da energia da usina Angra 11, tendo
galhães, em Salvador BA, no âmbito da como partes a Eletrobrás/ Eletronuclear,
lntraero, consoante auditorias efetuadas Fumas e Centrais Elétricas S. A. e distribui-
pelo Tribunal de Contas da União TCU. doras de energia, no valor de
R$1 go .967.364,18, como compensação por
Sr. Presidente, peço pennissão ao ilustre líder
hipotético prejulzo causado ãs empresas
do PT para pedir a indusão e a modificação redacio- distribuidoras pela não entrega de energia
nal de alguns itens. já que há que se ter em Comis-
são Parlamentar de Inquérito todo o cuidado com o em decorrência do atraso das obras da usi-
fato detenninado. na Angra 11 e outros contratos da Eletrobrás
sob suspeita de irregularidades; .
Por isso mesmo, proponho ao ilustre Uder do - apurar as irregularidades e desviO de
PT incluir no ítem "E": recursos públicos do programa denominado
SAC na Bahia, cuja conseqüência, entre ou-
- apurar a práfica de crime tiibutário, tras foi a emissão de milhares de CPF s fal-
fraude cambial e sonegação fiscal envolven-
sos: comprometendo os trabalhos da Recei-
do a empresa OAS, seus proprietários e aci-
ta Federal e o próprio Sistema Financeiro
onistas Cesar Mata Pires, Carlos Laranjeira,
Nacional;
Carlos Suarez e outros, no Processo
95.0100045-1 IPL n• 2-1759194, livro tombo - apurar o episódio conhecido como
n• 39, ffs 74, tendo como objeto a apreen- Pasta Cor-de-rosa e as vinculações do Se-
são de documentos em poder de JOSÉ nador Antonio Carlos Magalhães com o
RAUL SENA GIGANTE, no Aeroporto Inter- Banco Econômico, por meio de doações no
valor de US$1 ,114 milhão e remessas ilega-
nacional de Guarulhos, documentação com-
provedora da evasão de cerca de US$500 is para paraísos fiscais nas Ilhas Caymann,
milhões para o exterior; por intennédio do fundo Fransword e Allied
lnvestrnent Fund ltda.;
- apurar as contas-fantasmas abertas
na agência do Cítibank em Salvador, parti- -- apurar as irregularidades e desvios
cularmente a Conta n• 9513433602 aberta de recursos públicos oriundos do FAT -
a partir de cheques da TV Bahia - da pes- Fundo de Amparo ao Trabalhador.
soa fictícia "Hugo Tavares Freire Filho e/ou Sr. Presidente, esta é a contribuição que quero
Heloisa Goes Freire"; dar ao requerimento do ilustre líder do PT, Senador
José Eduardo Dutra, que, a partir deste momento,
conta com a minha assinatura para a constttuição
dessa Comissão Parlamentar de Inquérito, que de-
223
Jáder Barbalho - 21-03-2001

sejo possa ter o maior sucesso no esclarecimento


dessas questões que aqui e ali são abordadas neste
plenário, no plenário da Câmara dos Deputados, na
imprensa, e que precisam, na verdade, ser esclare-
ci das por uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Estamos assistindo, particularmente em deter-
minados segmentos da imprensa, a uma espécie de
Comissão Parlamentar de Inquérito em que apenas
um lado tem o direito de dizer tudo o que deseja.
Inclusive, hoje, sou àtado como grileiro. Amanhã, não
sei do que serei acusado.
Dessa forma, Sr. Presidente, creio que teremos
a oportunidade de passar a limpo todas essas ques-
tões.
Algumas figuras acreditam que este País per-
deu a memória, que este País não tem memória. Per-
mitam-me a dura expressão: ·a velha prostituta pre-
gando castidade neste Pais". Há necessidade, por-
tanto, Sr. Presidente, que se passe, com essa Comis-
são Parlamentar de Inquérito, da denúncia para a
apuração efetiva e para a responsabilização, se for o
caso.
Assim, Sr. Presidente, continuo presidindo o Se-
nado da República. Não posso aceitar que os que têm
mecanismos das mais diversas origens possam mani-
pular os fatos, como vêm manipulando, no sentido de
denegrir a Presidência do Senado e outras instituições
da República. Creio que, dessa forma, ensejamos a
oportunidade da apuração de todos esses fatos.
Estou certo de que o ilustre Líder do PT haverá
de acolher as minhas sugestões. E, acolhendo-as, o
seu requerimento passa a ter a minha assinatura e,
inclusive, as sugestões de natureza redacional, que
rreio seja uma colaboração importante para o estabe-
lecimento do fato determinado.
Eram essas, Sr. Presidente, as minhas conside-
rações, com o meu agradecimento pela atenção.

224
Edison Lobão- 27~3-2001

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o Casa, que elas sejam apuradas, que elas sejam sa-
seguinte discurso.)- Sr. Presidente, Srs. Senadores, nadas. Mas, pura e simplesmente, extinguir os órgãos
não era meu propósito falar, hoje, sobre a questão da que promovem o desenvolvimento do Nordeste e da
Sudene. Mas entendo que, em verdade, trata-se de Amazônia, não nos leva a lugar nenhum, a não ser ao
um problema que ou nós enfrentamos com disposi- desespero dos nortistas e ao desespero dos nordesti-
ção, com determinação, com obstinação, como tem nos.
feito o Senador Carlos Wilson e tantos outros compa-
O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB- Alv1) - Per-
nheiros neste plenário, ou poderemos ter uma surpre-
mrte-me V. Ex" um aparte?
sa desagradável com a extinção da Sudene.
Em 1978, fui eleito Deputado Federal e, no ano O SR. EDISON LOBÃO (PFL- MA) - Com todo
seguinte, até por proposta do Deputado Manoel No- prazer, ilustre representante do Amazonas.
vaes, da Bahia, organizamos um simpósio na Câmara O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB- AM) - No-
dos Deputados para estudar o problema do Nordeste. bre Senador Lobão, tenho assistido, até com certa in-
Durante um ano, ouvimos governadores, autori- compreensão, o que se discute aqui em relação a es-
dades, ministros de Estado, cientistas, na tentativa de ses órgãos em desenvolvimento. Falam em supostos
encontrar uma solução que nos encaminhasse a um escândalos, desvios, fraudes e na extinção desses
destino melhor no que diz respeito ao Nordeste. órgãos. Não levam em conta que, na investigação,
F ui o Relator desse simpósio. Elaboramos um dos 558 projetos aprovados, por exemplo, pela Su-
relatório que se compunha de 30 itens sucintos. E le- dam, foram encontradas irregularidades em apenas
vamos esse relatório ao Presidente da Repl1:llica. O 29, num total de R$108 milhões. Que se apure, que se
Presidente convocou o seu Ministério para ouvir a lei- adotem as providências! Li, no domingo, em O Globo
tura do relatório no Palácio do Planalto. Ao final da le~ que, na Sudene, há irregularidades que chegam a
tura, com láglimas nos olhos, apiedado do que aconte- R$1 ,4 bilhão. Mas não se diz que o problema nesses
ce no Nordeste brasileiro ainda hoje, muito mais ainda órgãos é de gestão. Faz-se uma carga contra a Su-
àquela época, Sua Excelência determinou aos seus dam porque, no último ano, dois superintendentes fo-
Ministros que, desde logo, fossem adotadas pelo me - ram supostamente indicados pelo Senador Jader
nos 25 medidas das 30 que havíamos sugerido. Barbalho. Nesse período, em que também houve irre-
E quase todas aquelas madidas se endereça- gularidades na Sudene, foram indicados vários dirí·
vam ao fortalecimento da Sudene, como um instru- gentes do órgão e acredito que eles não foram indica-
mento válido para a promoção do desenvolvimento dos pelo Espírito Santo. Não estou fazendo nenhuma
do Nordeste brasileiro. acusação a eles, mesmo porque o processo de ges-
tão é muito diversificado, espalhado, envolveria vários
Para surpresa nossa, Sr. Presidente, nada, ab-
órgãos para que se apurasse efetivamente o que está
solutamente nada, foi feito àquela ocasião. Nenhuma
providência se tomou que pudesse contribuir para o certo e o que está errado. Não se diz também que, co-
fortalecimento da Superintendência do Nordeste ou meçados os incentivos, eles eram de 50% e hoje es-
para a salvação do Nordeste brasileiro. tão reduzidos a 18% e não são obrigatórios, mas fa-
cuttativos, na opção das pessoas jurídicas dedaran-
Sr. Presidente, houve um tempo em que os nor-
tes do imposto de renda. Nem sempre o Ministério da
destinos se juntavam para lutar unidos, desprezando
Fazenda libera os recursos para esses órgãos. Quan-
as livalidades pelas causas de sua região. Vi isso mu-
do os libera é com atraso. E não se leva em conta tam-
ito na Câmara dos Deputados e também no Senado
bém que esses órgãos são responsáveis pelas isen-
Federal, com resultados positivos sempre. De um cer-
ções do imposto de renda para os empreendimentos
to tempo a esta parte, temos negligenciado dessa
implantados na região com ou sem apoio da Sudene
luta, dividindo-nos quando, na verdade,deveríamos
nos unir para que pudéssemos ter êxito. ou da Sudam, que o imposto de renda agora é pago
mensalmente e que as empresas têm processos nes-
A união faz a força, todos sabemos. E a divisão
ses órgãos e estão sendo penalizadas. Por quê? Por
nos enfraquece. Deveríamos nos unir, como fazem os
que se levanta uma celeuma, não se adotam provi-
nossos irmãos do sul do País, nessa luta contra a ex- dênCias e se procura a forma simplista da extinção
tinção da Sudene e, muito mais do que isso, contra
dos órgãos, como aquele marido enganado que tira o
tudo que possa prejudicar não apenas o Nordeste,
sofá da sala. Não está correto. Somos contra e acha-
mas a Amazônia e o Norte do nosso País, que estão
mos que devemos apurar as irregularidades- se hou-
interligados. Se há irregularidades, como disse o Se-
ver- e adotar os meios legais para as penalizações 225
nador Carlos Wilson e tantos outros oradores nesta
possíveis, mas esses órgãos devemc ontinuar existin-
Edison Lobão- 27.03-2001

do. porque são importantes para o Nordeste e para a desses quatro governadores. que falaram sobre os
Amazônia. Mesmo porque essas regiões só recebem problemas da Sudene - sendo que V. EX", além de
- quando recebem- esses beneficios. Se verificar- ex-Governador, foi o Relator do simpósio que se pro-
mos a aplicação dos recursos federais, constatare- punha à reforrnulação da Sudene? O que se ouviu é a
mos que eles são aplicados nas Regiões Sul e Su- verdade. Toda a agência de desenvolvimento, pelas
deste. O resto é o resto. A concentração é terrlvel em modificações que ela mesma provoca por sua ação
todos os aspectos. Assim, V. EX" faz muno bem em se no território em que opera, precisa modificar-se. Ela
pronunciar, para mostrar ao Brasil que a solução não não pode ser extinta. Tem que ser modificada, tem
é extinguir esses órgãos, mas modernizar a gestão e que passar por variações no seu modo de agir. O que
fazer com que o sistema de fiscalização seja correto e se propõe, na verdade, é uma punição ao Nordeste.
envolva órgãos como a Receita Federal. Leio nos jor- Diante de possíveis irregularidadesque tenham ocor-
nais matéria intitulada 'Notas Frias". Quem apura as rido, em vez de se punir os responsáveis pelas irregu-
notas frias é a Receita Federal. É ela que tem essa laridades, não; pune-se todo o povo do Nordeste.
atribuição. Com relação aos proprietários de terras. O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - O
são os órgãos responsáveis que cuidam do patrimô- povo da Amazônia também.
nio. Assim, Senador Edison Lobão, é lamentável!
Mais lamentável ainda é que haja dois pesos e duas O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - E tam-
medidas. Em relação ã Sudam, dizem: "Vamos aca- bém da Amazônia, por meio da Sudam. Quer dizer,
bar logo com a Sudam", porque parece ser o"patinho agem ao contrário. Em vez de se punir o pecador,
feio" do processo. Em relação à Sudene: "Ah, vamos pune-se o território onde o pecador cometeu o peca-
fortalecer a Sudene"! Não! Devemos fortalecer as do. Seria, assim, uma Sodoma e Gomorra. É como se
duas, porque ambas são importantes para essa re- quisessem transformar o Nordeste numa Sodoma e
gião abandonada do Pais. Cumprimento V. Ex" e me Gomorra bíblicas. Portanto, temos que lutar para tra-
alio à sua luta, juntamente com o Senador Bernardo zer para esta Casa a experiência desses que foram
Cabral, que é solidário na defesa desses dois órgãos. Governadores. Vimos a importância que o ex-Gover-
Muno obrigado. nador Ca~os Wilson deu à Sudene, quando se referiu
à ida dos Governadores na época; a presença dos
O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) -Senado- Governadores, direcionando toda a ação administrati-
res Gilberto Mestrinho e Bernardo Cabral, nenhum de
va e até a ação corretiva sobre a economia praticada
nós defende irregularidades onde quer que elas pos-
pela Sudene. Um costume que desapareceu e. com
sam existir. Mas não será em seu nome que devere-
ele, o prestigio e aforça da Sudene. É interessante di-
mos tomar decisões erradas, equivocadas, revolucio- zer - porque ouvi isso aqui mesmo, e V. Ex" sabe dis-
nárias, no sentido da destruição inútil daquilo que, de so; são números que o comprovam- que somente o
algum modo, tem prestado relevantes serviços.
saneamento do Banespa, em São Paulo, e o giro da
Às vezes, pergunto-me o que seria do Nordeste dívida da prefeitura de São Paulo e do Govemo do
brasileiro se não tivesse havido a Sudene? O que se - Estado de São Paulo consumiram o dobro dos recur-
ria da Região Amazônica se não tivesse existido a Su- sos da União em relação a tudo aquilo que foi dado
dam e, antes dela, um outro órgão de desenvolvimen- aos Estados do Nordeste por meio da Sudene em 50
to? anos. Veja V. Ex": o Estado mais rico do Brasil absor-
Portanto, o que precisamos fazer, com a tecno- veu mais recursos do que toda a região do Nordeste,
logia da qual dispomos é modernizar esses instru- durante 50 anos, por intermédiodaSudene. Esses fa-
mentos de ação, de desenvolvimentoe procurar colo- tos devem ser objeto de meditação. Ora, se o Estado
cá-los a serviço benigno da população das nossas re- mais rico mereceu isso, por que as regiões maís po-
giões mais carentes. bres do Brasil não merecem, talvez, quatro vezes
O Sr. Gerson Camata(PMDB - ES) - V. Ex" me mais? Essa observação que deve ser feita. Quero
permne um aparte? • cumprimentar V. Ex", os oradores que o antecederam
O SR EDISON LOBAO(PFL -MA)- Concedo e parabenizar o Senador Gilberto Mestrinho pelo seu
um aparte ao Senador Gerson Camata. aparte, dizendo: é questão de honra daqueles que, no
Senado, representam as Unidades Federativas brigar
O Sr. Gerson Camata(PMDB- ES)- Senador
para que a Sudene seja conservada, seja melhorada.
Vice-Presidente desta Casa, Edison Lobão, ouvimos
até em beneficio da conservação da República Fede-
aqui quatro ex-Governadores: V. EX", o Governador rativa, que é o Brasil; a fim de que não desapareça do
Carlos Wilson, o Governador Gilberto Mestrinho e o 226
mapa a República Federativa que temos a obrigação
Governador Geraldo Melo. E o que depreendemos
Edison lobão- 27.03-2001

De defender por delegação dos nossos eleitores. Mui- Regiões. Concordo com V.Ex" que devemos procurar
to obrigado. contribuir com o Ministro para encontrar essa moder-
O SR. EDISON LOBÃO(PFL- MA)- Agradeço nização, mas não permitindo, em hipótese alguma,
muito a V. Ex" pelo aparte. que se anulem, que sejam extintos esses instrumen-
Quanto a SãoPaulo, devo acrescentar o seguin- tos de desenvolvimento que têm a Região Norte e a
te: será que alguém de nós, aqui, deseja o mal dos Região Nordeste do Pais. Solidarizo-me com V. Ex•
paulistas? Não. Ao contrário, nós nos orgulhamos de nessa luta.
São Paulo. Mas é justa a diferença de tratamento que O SR EDISON LOBÃO (PFL- MA) -Recolho a
a União Federal dispensa a São Paulo e às demais opinião de V. Ex" como sendo mais uma voz ex pres si-
Regiões do Pais? Não é justo. Definrtivamente, não se va em favor da nossa região nordestina, que precisa
praticajustíça nessa matéria. tanto de apoio, como este que nos presta o em-Inente
V. Ex• fala em reformulação; pois até a Constrtui- Senador do Tocantins.
ção da República é treqüentemente reformulada para O Sr. Carlos Bezerra (PMDB- M1) - Senador
se adaptar aos interesses da sociedade brasileira e Edison Lobão. V. Ex• me permite um aparte?
ao progresso do mundo moderno. Por que não refor- O SR EDISON LOBÃO (PFL- MA)- Senador
mular, portanto, a Sudene, a Sudam e os demais ór- Carlos Bezerra, com a tolerância do Presiderole, con-
gãos de desenvolvimento, em vez de extingui-los? É cedo-lhe o aparte por um minuto.
isso o que, ao meu ver, deve ser feito.
O Sr. Carlos Bezerra (PMDB- M1) - Senador
O Sr. leomar Quintanilha(PPB- TO)- Permi- Edison Lobão, 60% dos empregos gerados no meu
te-me V. Ex• um aparte? Estado, Mato Grosso, são oriundos de empresas com
O SR EDISON LOBÃO(PFL - MA) - Pois não. incentivo fiscal da Sudam'. A economia industrial
Ouço o Tocantins por intermédio das palavrasde V. mato-grossense, basicamente, está montada sobre
Ex". os incentivos fiscais. Hoje, temos projetos fundamen-
O Sr. leomar Quintanilha(PPB- TO)- Nobre tais, como o da ferrovia e o do gás. Já temos uma usi-
Senador, com muita alegria, tenho a oportunidade de na de gás pronta, aguardando o gás da Bolivia. temos
apartear V. Ex". Eu queria fazê-lo quando o eminente várias usinas hidrelétricas, e, enquanto o Pais está
Senador Carlos Wilson estava na tribuna, defenden- com uma carência enorme de energia, a Sudarn está
do as mesmas questões que V. Ex". Eu não tive a paralisada há nove meses. Agora, assumiu um inter-
oportunidade de ouvir todos os argumentos de S.Ex", ventor que afirmou que somente depois de noventa
embora já os conheça. Ouvi uma parte e tive o privilé- dias poderá pensar em alguma coisa. Isso quer dizer
gio de ouvir os seus argumentos. Quero emprestar que a Sudam ficará paralisada por pelo menos um
toda a minha solidariedade a V. Ex", a minha e a de ano. Isso é um absurdo, é um contra-senso! A Sude-
Tocantins. por meio dos Srs. Senadores Carlos Patro- ne, que não quero criticar, tem muito mais problemas
cínio e Eduardo Siqueira Campos. Como bem disse o que a Sudarn - o jornal O Globo de domingo denun-
nobre Senador Gerson Camata, estamos na região cia um rombo de mais um b~hão naquele órgão, ou
de influência tanto da Sudarn quanto da Sudene, por- seja, dez vezes maior que o da Sudam - e com ela
que os propósitos são os mesmos. São as regiões está tudo bem, ela está funcionando a pleno vapor,
apenadas desse Brasil que precisam se unir, nesse enquanto a Sudam está paralisada. Parabenizo V.Ex"
momento, para não perder um instrumento importan- por que é uma das poucas vozes do Norte que se está
tíssimo e fundamental, que é o estabelecimento do levantando contra essa situação, contra a extinção e
seu processo de desenvolvimento. Continuamos ain- pelo funcionamento da Sudam. Parece que querem
da a assistir o carreamento dos recursos vultosos reinventar a roda. Essa questão já dura um ano, o Mi -
para as Regiões mais ricas, enquanto as nossas con- nistério não apresenta nenhuma solução e aque eu vi
tinuam apenadas, Senador. Estive preocupado com noticiada em Pernambuco é uma piada: querem aca-
essa situação, visitando o Ministro da Integração, bar com o Darf, já especifico. Agora, o empresário vai
também nordestino e que, por certo. comunga com V. aplicar num fundo, pelo art. 5°, e a Sudam ou a Sude-
Ex" as preocupaçõesque tem com a sua Região. Afir- ne vão direcionar esse investimento para onde bem
mou-me o eminente Ministro que a sua preocupação entenderem. Pergunto a V.Ex": que empresário inves-
era de dotar tanto a Região Norte quanto a Região tirá nessa modalidade? Isso é contra a livre iniciativa.
Nordeste de um instrumento mais moderno e eficien- Os grandes empresários do Brasil já não aplicam nos
te para atender aos reclamos tão acentuados dessas incentivos da Sudam e da Sudene. Agora, além dos
grandes, os médios e os pequenos também não vão
227
Edison Lobão- 27-03-2001

colocar. Para mim, isso é uma montagem do Ministé-


rio da Fazenda, que é contrário aos incentivos fiscais.
To da a sua equipe é formada por paulistas e cariocas,
que são contra o Norte e o Nordeste. Eles levam to-
dos os benefícios dos incentivos fiscais, ficando com
70% deles, e só um pequeno investimento é feito no
Norte e no Nordeste. Para mim, eles armaram essa
idéia de colocar. agora, o incentivo num fundo e o Mi-
nistério da Integração Regional, lamentavelmente, a
está aceitando. O Ministro noticiou isso em Pernam-
buco, o que é um equívoco, um erro. É simplesmente
acabar com o incentivo fiscal. Parabenizo V. Ex" pelo
seu brilhante pronunciamento.
O SR. PRESIDENTE (Jader Barbalho)- Sena-
dor Edison Lobão, o tempo de V. Ex" está esgotado.
Agradeceria se pudesse concluir.
O SR. EDISON LOBÂO(PFL -MA) - Obedien-
te ao Regimento, Sr. Presidente, vou conduir, primei-
ro, agradecendo o aparte do Senador Carlos Bezerra.
Na verdade, em todas as pesquisas nacionais que se
realizam, a reivindicação maior do povo brasileiro é o
emprego e S. Ex" nos dá conta de que 60% dos em-
pregos em seu Estado decorrem exatamente dessa
agência de desenvolvimento brasileira.
Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, errante, o
povo hebreu foi condenado a t.ma peregrinação de
quarenta anos pelo deserto, até encontrar a suafelici-
dade. Nós, do Nordeste, estamos na mesma situação
do povo hebreu há séculos e ainda não encontramos
o nosso caminho da felicidade, a nossa Canaã.
Sr. Presidente, muito obrigado pela tolerância.

228
TEXTO DA DEFESA
Pagu -Rita Lee & Zélia Duncan

Mexo, remexo na inquisição


Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Minha força não é bruta
Não sou freira nem sou puta

Porque nem toda feiticeira é corcunda


Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Ratátátá

Sou rainha do meu tanque


Sou Pagu indignada no pai anque
F ama de porra-louca, tudo bem
Minha mãe é Maria-Ninguém
Não sou atriz-modelo-dançarina
Meu buraco é mais em cima

Porque nem toda feiticeira é corcunda


Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Ratátátá

1. Introdução
Para iniciar essa apresentação destacamos a música "Pagu" (Rita Lee f
Zélia Ouncan) cantada por Maria Rita. Nela releva-se uma formulação que
engendra um conjunto de provérbios. Provérbios que se sobrepõem, subvertem,
intercalam, renovam e inovam, constituindo sujeitos e sentidos. Mas não
quaisquer provérbios! No que parece um amontoado de provérbios e expressões
dispersas, percebemos o delinear de um conjunto, de uma coletiVidade
determinada e identificada sócio-histórico-ideologicamente: a descrição de um
sujeito feminino que se particulariza dentro de seu próprio gênero. Temos a
Mulher Pagu, e nela a Joana D'arc, a guerreira, a feiticeira, a indignada no
palanque, a porra-louce, Mulher macho sim, senhor!
Já que o delimitar do corpus pede um recorte específico e já que os
provérbios são tão populares e produtivos que aparecem nos mais diferentes
lugares discursivos, escolhemos essa músice como forma de apontar para a

229
diversidade de emprego da enunciação proverbial e para ilustrar sua riqueza de
expressão e produção de sentidos, antes mesmo de afunilarmos o tema e
especificarmos o recorte de nossa pesquisa.

1.1. Do Desafio da Pesquisa


Sem dúvida nenhuma, Provérbio é um tema que suscita variados interesses
investigativos, a julgar pela vasta literatura que se pode encontrar a esse respeito,
em diferentes núcleos de interesse acadêmico: filosófico, histórico, cultural,
etnológico, antropológico, sociolingüístico, lexicológico, semântico, discursivo ...
Tamanha diversidade nos remete inevitavelmente a pensar numa exaustão de
produções que há séculos vêem se acumulando. Essa idéia de um tema tão
exaurido nos inquietou no início da pesquisa, por ficarmos em dúvida se ainda
haveria algo mais a dizer, além de tudo o que já se havia dito. Entretanto, da
mesma forma que a recorrência investigativa do tema nos provocava uma inibição,
também provocava mistério, curiosidade, encanto... Um desafio. O mesmo
provérbio condenado pelos cânones da linguagem culta à marginalidade, ao
estigma do senso comum, à cristalização estática do clichê, contraditoriamente
brota, renasce, efetiva-se em diferentes lugares, em diferentes discursos, em
diferentes sujeitos, renovando sentidos diferentes.
Tomando como entrada teórica o discurso, o sentido, o sujeito, e cruzando
com isso o acontecimento enunciativo do provérbio, delineamos nosso objeto de
observação: a enunciação proverbial. Decidimos nos aventurar, então, em busca
de descobertas acerca desse funcionamento extraordinariamente ordinário ...

1.2. Do Corpus
O corpus de nossa pesquisa é constituído de enunciados proverbiais,
coletados nos discursos parlamentares, que são publicados na página eletrônica
do Senado Federal, diariamente. Todas as sessões do Senado Federal são
publicadas na Internet no dia seguinte ao que se realizam. Essa publicação diz
respeito a uma ata pormenorizada que traz sumariamente os principais
acontecimentos do Senado, entre estes, decretos legislativos, deliberações,

230
pareceres, comunicados, leitura de requerimentos, aprovação ou veto de projetos
e emendas e, por fim, os discursos proferidos pelos senadores. O intervalo que
definimos como padrão de pesquisa diz respeito ao primeiro semestre do ano de
2001. Foi necessário afunilar o recorte, posto que o temário proposto é
enormemente diversificado, tendo alguns assuntos mais gerais, por exemplo,
homenagens a personalidades e entidades, propostas e projetos diversificados,
questões econômicas, tributárias, políticas de saúde, esporte, ecologia,
desenvolvimento, defesa civil etc; e outros assuntos mais específicos do
momento, por exemplo, o problema da privatização das companhias elétricas do
país (o Apagão), o embargo da carne bovina brasileira no Canadá, e os
escândalos envolvendo denúncias de crimes administrativos no setor público que
trouxe à tona ao cenário brasileiro a prática da CPI (Comissão Par1amentar de
Inquérito) para investigação dessas denúncias.
Selecionamos o tema da CPI. O assunto nos é caro, em princípio, por
constituir-se numa temática polêmica e frutífera para flagrarmos o tipo de
enunciação que queremos observar, e por tratar da questão da verdade, da
investigação da verdade, questão que desenvolveremos e relacionaremos à
proposta de análise dos enunciados proverbiais do discurso político-parlamentar,
que se ancora na produção da verdade e seus possíveis efeitos.

1.3. Sobre a Enunciação Coletiva e o Dizer Proverbial


A estrutura proverbial evidencia o movimento que marca continuamente a
aproximação e o afastamento do Locutor em relação ao nível de responsabilidade
pelo dizer, o que caracteriza formalmente uma dualidade entre os enunciadores
individual e coletivo. Em nossa opinião, essa dualidade está afetada por um
simulacro de continuidade entre individual e coletivo. É como se o pensamento
do EU, tomando-se comum ao pensamento da Coletividade, de uma pretensa
totalidade, fosse elevado a um patamar maior de "razão", de "verdade". Esta
dualidade ligada ao movimento de subjetivação e dessubjetivação do dizer que é
flagrante na Enunciação Proveribial suscita um desdobramento do Locutor, que se
pode chamar de dizer coletivo, ou "Enunciação-coletiva"'. É claro que este

231
Enunciador-colelivo não está restrito apenas aos provérbios, pois abrange
também outros gêneros como: advinha, cantos de torcida de futebol, piadas,
slogans etc. Para Guimarães(2002), sem essa disparidade não pode haver
enunciação. Nessa perspectiva, o autor acrescenta que a cena enunciativa coloca
em jogo, de um lado, os lugares sociais do locutor(locutor-presidente), e de outro,
os lugares de dizer que ele chama de enunciadores e os distingue em individual,
genérico e universal.
Para explorarmos um pouco mais essa discussão, retomamos a relação
feita por Ducrot e Anscombre sobre os provérbios como o reservatório de topói de
uma língua. Assim como há topói contraditórios que apontam para direções
argumentativas opostas, há provérbios que se opõem argumentativamente
("Quem tem boca vai a Roma", "Em boca fechada não entra mosca"). Isto se dá,
entre outras coisas, por que os topói, como os provérbios, representam
coletividades (classes) diferentes de enunciadores que por vezes se opõem. O
provérbio, supostamente sob a égide de uma autoridade indiscutfvel ("a sabedoria
das nações"), se separa, então, da massa dos enunciados genéricos, e se
diferencia graças a sua estrutura impregnada da contingência. (cf. Grésillon &
Maingueneau, op.cit.:113-114).
Gostaríamos de chamar atenção para um trabalho que nos é especialmente
caro. Em "O Discurso - Estrutura ou Acontecimento~ Michel Pêcheux (1983)
analisa o enunciado coletivo político "On a gagné" ['Ganhamos."], que se refere
ao acontecimento de François Mitterand ter ganhado as eleições presidenciais na
França em maio de 1981. Pêcheux traça um percurso através da relação entre os
universos logicamente estabilizados e o das formulações irremediavelmente
equívocas, refletindo sobre a materialidade da língua. o autor deixa claro que ao
analisar um discurso, partimos da interpretação que se coloca, sem deixar de lado
outros lugares de interpretação, pois todo enunciado, toda seqüência de
enunciados é lingüisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente
determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação. Ele
analisa o enunciado "On a gagné"e a partir dele, as considerações a respeito do
acontecimento, da estrutura, da tensão entre descrição e interpretação no interior

232
da Análise do Discurso (AO)< Por essa via, o autor propõe que analisar a estrutura
enunciativa requer investigar o seu acontecimento, observando o encontro de
uma atualidade e uma memória, num determinado campo discursivo< Pêcheux
mostra que:

A materialidade discursiva desse enunciado coletivo é absolutamente particular:


ela não tem nem o conteúdo nem a forma nem a estrutura enunciativa de uma
palavra de ordem de uma manifestação ou de um comício pol~ico< "On a
gagné", cantado com um ritmo e uma melodia determinados (on-a-ga-gné/dó-
dó-sol-dó) constttui a retomada direta, no espaço do acontecimento político, do
grito coletivo dos torcedores de uma partida esportiva cuja equipe acaba de
ganhaL Este grito marca o momento em que a participação passiva do
espectador-torcedor se converte em atividade coletiva gestual e vocal,
materializando a festa da vitória da equipe, tanto mais intensamente quanto ela
era mais improváveL (ct Pêcheux, 1983: 21)<

Acima, Pêcheux relaciona a participação da equipe com o efeito de


coletividade. É comum que o enunciado coletivo produza um efeito de
generalização/homogeneização nos interlocutores. Mas, trata-se apenas de um
efeito e na descrição do analista esse efeito se apaga (este precisa estar atento
para não ser "pego" por esse simulacro)< Assim como Pêcheux encarou o
enunciado "On a gagné" como coletivo, nós pensamos a enunciação proverbial
como uma enunciação coletiva por sua estrutura e seu acontecimento (memória e
atualidade)< A reflexão acerca da Divisão do Locutor e a discussão sobre o
desdobramento e deslizamento mútuo entre um enunciador individual e coletivo é
interessante para nós< Nosso interesse nessa discussão a respeito dos lugares de
enunciação e, mais especificamente, da enunciação coletiva proverbial é
primordialmente o de reforçar a discussão acerca da constituição do sujeito social
interpelado pela ideologia dominante que (des)ocupa posições subjetivas,
(re)produzindo transformando sócio-historicamente dominantes. Vejamos os
recortes abaixo:

233
(1) :>02102101 - Aparte do Sr Jefferson Peres (PDT - AM) no discurso de
Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) > Críticas à ação de algumas ONGs, envolvidas
em irregularidades na compra de terras indígenas no Estado de Roraima.
Cobrança da instalação da CPI das ONGs.
"Complementando, congratukr-me com V &. por haver renovado o
requerimento de criação da CP/, porque está em tempo de se separar o joio do
trigo. EJdstem ONGs realmente sérias, existem ONGs de picaretagem, eJdstem
ONGs a serviço de interesses que não sabemos quais são. Creio que a
Comissão Parlamentar de Inquérito servirá para fazer essa separação e isso será
muito útil para todo o País, mas {X'incipafmente para a nossa Região."

(2) :>21103101 -José Eduardo Dutra (PT- SE) >Referências ao pronunciamento


do Senador Jader Barbalho, a respeito da criação da CPI da Corrupção.
"Penso que poderemos, Sr Presidente, agora, colocar em prática aquela proposta
que fiz fogo após a sessão em que o Senador Antônio Carlos Magalhães
apresentou uma série de requerimentos de investigação. (...) Naquela
oportunidade, eu disse que, para não ficar parecendo para a opinião pública que
se tratava apenas de um jogo de cena, nós nos disporíamos, juntamente com as
Lideranças de todos os Partidos com assento nesta Casa, a formular um
requerimento consensual para a i.rlstalação de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito que pudesse investigar todas as denúncias que estavam sendo feitas
não só da tribuna desta Casa, como pela imprensa. Infelizmente, naquele
momento, as Lideranças fizeram ouvidos de mercador. Os Líderes da
Oposição se reuniram e formularam um requerimento para a instalação da CP/. Já
estávamos- e estamos - coletando assinaturas para que seja instalada uma CP/
mista na Câmara e no Senado. O Senador Jader Barbafho a{X'esenta uma
sugestão de aditamento a esse requerimento. Tenho certeza de que os Líderes da
Oposição no Senado nada terão a opor a esse aditamento."

Como podemos observar nos recortes acima, temos dois enunciados


proverbiais, em (1) temos "está em tempo de se separar o joio do trigo" e em (2)
"as Uderanças tzeram ouvidos de mercador. Um dos princípios gerais desse
trabalho é o de consideramos a enunciação proverbial como uma enunciação
coletiva, essencialmente anônima (podendo ser de todos e de ninguém), e que
pode identificar/caracterizar classes de enunciadores distintas. Nesse
funcionamento enunciativo, o Locutor põe em cena um Enunciador-coletivo que

234
representa o dizer de uma certa coletividade. No exemplo (1), reconhecemos uma
passagem bíblica (Eo- Mateus 13, 30 e ss) que inspirou a forma "é tempo de se
separar o joio do trigo" (E 1): uma proverbíalízação que usualmente passou à
condição de provérbio em função das suas próprias condições de produção
(condições sócio-histórico-ideológicas que constituem a estreita relação entre a
forma proverbial e a estrutura metafórica da parábola, bem como o 'tom' autoritário
da verdade religiosa) e que, aliás, é bastante oportuna para ser relacionada à
discussão em questão que envolve a CPI.
No discurso religioso, essa referência já identifica a representação de
diferentes classes referenciais, a classe dos "bons/trigo" e a dos "maus/joio", e
pelo discurso religioso não é tão simples fazer a separação dessas duas classes
referenciais pelo fato desses dois elementos serem muito semelhantes
aparentemente, porém opostos ro sentido de que um (o joio) é daninho e o outro
(o trigo) é abençoado, é o alimento que dá a vida etc. O próprio discurso religioso
faz uso de uma metaforização que opõe diferentes elementos para distinguir
classes. As posições de sujeito que se identificam com essa verdade religiosa se
materializam enunciativamente no enunciado proverbial como Enunciador-coletivo.
o discurso político, que comumente se apodera da verdade religiosa, coaduna-se
com o Enunciador-coletivo desse enunciado proverbial, ressaltando a necessidade
de distinguir as ONGs do "bem/honestas/sérias" daquelas do
"mal/desonestas/irresponsáveis" numa tentativa de se identificar com a classe
do "bem". No caso, temos uma situação política em que há denúncias de crimes
político-administrativos por parte de algumas ONGs, e o locutor-x (locutor-
Senador) representa uma classe político-partidária (o PDT) que (também) se diz
em busca da verdade, propondo, assim, a "separação" entre os "bons" e os
"maus" com a investigação (CPI) das referidas ONGs, de modo que as benesses
de tal "separação" atinjam não só o país como um todo, mas principalmente a
coletividade da sua região (Norte). A própria referência ao "tempo" é amplamente
significativa, pois se na bíblia o trigo cresce junto com o joio e só no tempo certo (o
juizo final) essas classes são separadas, também aqui há o "tempo" certo para

235
promover esta separação do bem o do mal, mas não é preciso esperar pelo juizo
final, basta instalar uma CPI para apurar a verdade!
No exemplo (2), reconhecemos uma típica forma proverbial "fazerouvidos
de mercado!'' que pela própria estrutura já remete-nos a uma determinada classe
referenciaL Se em principio já nos deparamos com a classe dos "mercadores",
também é importante frisar que não se trata de "negócios de mercador', nem de
"palavra de mercador" ou de "idéias de mercador", mas especificamente de
"ouvidos". No imaginário popular, tem-se que o comerciante ou mercador que
normalmente trabalha na feira ou área de livre comércio, tem por princípio não dar
muita atenção ao que escuta, sobretudo, dos fregueses. O mercador para o bem
de seu próprio negócio, para usar outra expressão do mesmo quilate, "faz vista
grossa" para determinadas situações. Mas, apesar do referido enunciado poder
ser usado para identificar o Locutor com a classe dos "mercadores" que precisam
"fazer vista grossa" para se saírem bem em alguma negociação, ele normalmente
(e é o caso aqui) é imputado negativamente à classe oposta da qual o Locutor
quer se afastar e condenar. No caso, o locutor-x pessoalmente propõe a
instalação da CPI para investigação de denúncias e afirma estar disponível,
juntamente com o seu partido (o PT) que à época fazia oposição ao governo (o
PSDB), para ser investigado. No entanto, ele acusa a classe das "Lideranças" de
não darem importância à sua proposta, "fazendo ouvidos de mercador". O locutor-
x permite identificar a classe referencial com a qual o Enunciador-coletivo se
identifica.
Considerando os pressupostos teóricos da AO, podemos observar que os
enunciados que destacarros acima constituem enunciatívamente em sua estrutura
a materialização da exterioridade sócio-histórico- ideológica formalizada na língua
e funcionam (re)produzindo e efetivando sentidos em seu acontecimento
discursivo, de modo que os sentidos e os sujeitos são ressignificados.
Percebemos o movimento e a renovação dos sentidos mesmo aparentemente
presos à cristalização fiXa dos provérbios. A cada enunciado proverbial, temos um
acontecimento significativo que envolve uma memória e uma atualidade,
renovando e (re)produzindo o já dito. O provérbio isolado está engessado

236
semanticamente, é quase um dêitico vazio de sentido, mas na enunciação ele
preenche-se de contingência, e se subjetiva tomando-se um espaço de quebra da
cristalização, um lugar de mudança, de não-homogeneidade.

1.4. Os Efeitos de Verdade na Enunciação Proverbial


Sendo o corpus deste trabalho um conjunto de enunciados proverbiais,
mais especificamente, enunciados proverbiais pertencentes ao universo político-
parlamentar, não poderíamos escapar a "o estar frente a frente" com a "Verdade"!
o discurso político entremeia instâncias diversas em seu corpo, entre estas,
ganham destaque, o jurídico, o cientffico, o religioso, o ético e o senso comum.
Todas estas instâncias discursivas comprometem-se com a "Verdade", justificam-
se por ela. E já que entre provérbios e "verdade" há uma estreita e reconhecida
relação, ainda que estigmatizada e marginalizada, cumpre-nos chamar a atenção
para as relações que são estabelecidas entre a instância do saber popular, do
senso comum (a voz do povo), e outras instâncias do saber convencionalmente
mais validadas como cientfficas e filosóficas.
Michel Foucault destitui o lugar universal e atemporal da Verdade,
esclarecendo que os percursos histórico-sociais que nos conduzem ao estatuto da
Verdade estão muito mais relacionados aos efeitos de sua produção e invenção
(sobre este termo pretendemos voltar a discutir) do que, propriamente, a um
possível caráter platônico de Verdade ideal, eterna e absoluta. Nesse sentido, o
autor particulariza as verdades, ou cada verdade, nas suas relações de produção,
efetivação e constituição. Sejam estas verdades pertencentes aos círculos
institucionais autorizados, validados e de prestigio ou residam/resistam estas nos
espaços da marginalidade. Para M. Foucault, a Verdade não É, ou Está (n)isso ou
(n)aquilo desde sempre e para sempre, mas foi e continuará sendo produzidá e
efetivada a partir de jogos de relações sociais, políticas, jurídicas, religiosas e
históricas permeadas pelo elemento poder.
O efeito de universalidade absoluta da Verdade está contido em uma
prática histórica que a história das idéias apresenta caracterizada pela
continuidade, linearidade e homogeneidade, de maneira que as micro-estruturas

237
funcionassem pela repetição modelar de uma unidade maior, macro-estrutural:
universal. Foucault percorre esse caminho (caminho em busca da perpétua
universalidade) na contra-mão e, no percurso, faz-nos deparar com a
descontinuidade (limiar, ruptura, corte, desvio, mutação, transformação):
Tal descontinuidade se constituía no estigma da dispersão temporal que o
historiador almejava excluir da história, mas para Foucault, tal dispersão permite
individualizar os domínios. A história contínua faz-se correlata à função fundadora
do sujeito: a segurança de que tudo que se lhe perdeu será devolvido. Segundo
Foucault (1969/2002), para a história das idéias, a diferença, é desequilíbrio, o
desvio é erro ou armadilha: assim, a sagacidade da análise não pode se prender a
ela, mas tentar desfazê-la em prol da perfeita continuidade. A arqueologia do
saber, por outro lado interessa-se pelo que normalmente é considerado obstáculo.
Ela não pretende mascarar as diferenças, mas analisá-las, mostrar em que
1
consistem e 'diferenciá-las' .

A estas considerações de M. Foucault, gostaríamos de acrescentar o que


sustentaM. Pêcheux, 1997:127, acerca dessa discussão sobre a continuidade do
sujeito, da história, da verdade, considerada por ele como um mito continuista-
empirista, a partir do qual o sujeito concreto individual caminha progressivamente
até o sujeito universal. Como a própria palavra "povo" já guarda em si,
estereotipicamente, a noção de coletividade, percebemos claramente o
funcionamento do mito empílico-contínuísta: o coletivo de "pessoa" ("povo")
implica a totalidade, portanto a universalidade: como se fosse o
TODO/UNIVERSAL, não é só o EU, nem o NÓS, nem o ELES, mas o TODOS.
Não estaria apenas no plano do 'indivíduo', nem de 'alguns', nem da 'maioria', mas
no plano da 'totalidade'. A partir do tradicional esquema mítico empírico-
continufsta é com o TODOS que estaria a "verdade" universal. Ora, o provérbio vai
evidenciar exatamente o contrário! A enunciação proverbial representa
coletividades distintas e muitas vezes opostas. Do estatuto reconhecido de
''verdade" do povo, o provérbio deixa-nos entrever que o "povo" não é uma
unidade homogênea e, portanto, sua "verdade" não é universal. É por isso que o

1
Conferir M. Foucault, 196912002:195.

238
enunciador do provérbio não pode ser um enunciador-universal, ou um
enunciador-genérico, mas só pode ser um enunciador-coletivo, no sentido de que
a noção de coletivo representa um grau de particularidade (distinção/divisão) em
relação ao Geral, Total, Universal.
O discurso parlamentar é lido e apresenta-se como a voz do representante
do povo, aquela voz que representaria o povo como uma pretensa totalidade. O
discurso político, considerando o conjunto do congresso, produz o simulacro de
unidade de um personagem/sujeito: o representante com ares divinos que porta a
"verdade". A verdade, ética, moral, religiosa, dentífica, jurídica e popular (senso
comum). Pois, por um efeito político/formal, assim como ele simula representar a
universalização das "verdades" de todas as principais instâncias, ele tanto
pretende representar as "verdades" divinas, legais e acadêmicas, como está
obrigado a representar a "verdade" popular ("pelo povo, para o povo e com o
povo"). A voz do povo não tem autoridade científica, mas tem autoridade política
na medida em que elege. É por isso que no discurso parlamentar há que existir a
''verdade" marginal do povo formalizada na língua pelo provérbio, clichê, lugar
comum e expressões idiomáticas. Funciona como um lugar de legitimação do
discurso político. O saber político consiste na produção de uma grande ''verdade"
que se quer universal, produzida a partir de diferentes tipos de ''verdades" que
representam as instâncias mais importantes de poder. Estas fonmas misturam o
dizer do povo com o dizer do seu representante pondo-os oportunamente em
consonância, de modo produzir o simulacro de unidade e o efeito de continuidade
entre o povo e seu representante.
A Comissão Parlamentar de Inquérito diz respeito a um processo para
investigação de denúncias e fraudes dentro do cenário político, com vistas a trazer
à luz a verdade, cumprindo com o papel de publicar os fatos, satisfazendo ao povo
que cobra o aparecimento da verdade, o julgamento dos culpados e a punição dos
erros. Além de tomar-se uma prática na "busca" pela "verdade", a tomou-se
principalmente um mecanismo estratégico de controle público perante o povo,
uma forma de ameaça, de poder de alguns políticos em relação a outros. Como
desconfiávamos, a enunciação proverbial vai estar presente nesses discursos,

239
marcando, sobretudo, o compromisso que os parlamentares têm em reconhecer o
valor do saber popular, da "verdade" do povo. Vejamos o exemplo abaixo:

23102101 -Roberto Requião - (PMDB - PR) > Solidariedade ao Senador ACM na


defesa da apuração dos fatos envolvendo o ex-Secretãrio-Geral da Presidência da
República, Eduardo Jorge, conforme matéria publicada na revista Isto É.
"Os cínicos, com o pretexto de defender a instituição, na verdade, estilo propondo
a consagração absoluta do cinismo, ou seya, a moral, a conduta séria é apenas
para o povo, é apenas para a plebe, é apenas para os humildes, enquanto os
poderosos do momento, os prlncipes do regime, da sociedade e da economia
estilo, segundo eles ou para eles, acima do bem e do mal. (. ..) E nós só
poderemos voltar a acreditar nas instituições brasileiras se a verdade for
restabelecida. "Conhecerás a verdade e a verdade vos libertará" - é uma
máxima bíblica, não é minha." ( ..) O Senador Antônio Carlos Magalhães, cheio de
defeitos, contatiliza também qualidades. E um senador emotivo e tranco -
"Conhecerás a verdade e a verdade vos libertará". (. ..) terá prestado mais um
serviço ao país, por que levanta um caso que já foi sepultado pela maioria
governista no Congresso, que é o caso do Sr. Eduardo Jorge. (. ..) Quebrem o
sigilo do Sr. Eduardo Jorge em 1994 e 1998 e chegarão à verdade. E segundo
o Senador Antônio Carios Magalhães, a verdade envolve o próprio Presidente da
República. (. ..) Acho que o Presidente está numa sinuca, mas os áulicos, (...)
tentam sacralizar o Presidente da República e o PFL solta uma nota oficial dizendo
que "o Presidente da República está acima de gual'{uer suspeita". Já o Antônio
Carlos Magalhães pode ser setanizado. (..) No mais, que conheça o País a
verdade. A discussão fflosófica agora é menos importante. O importante é que as
denúncias foram colocadas e devem ser apuradas."

No trecho acima, constatamos a importância que é dada à "verdade", à


revelação da "verdade" e necessária "'ibertação" nesta implicada. Concordamos
com as afirmações de Foucault quando este aponta que, em relação ao estatuto
da verdade, há relações muito mais importantes e constatáveis condizentes não
com o fato de sua existência ou não, de sua universalidade ou não, mas com os
efeitos que ela pode encadear. Aquilo que está estabelecido como verdade revela-
se pautado na relação 'saber-poder' veiculada pela hstância do jurídico-político
para estabelecer controle sobre o povo, sobre a história.

240
Esta relação/implicação é enfatizada tanto na citação do conhecido
provérbio bíblico (a - "conhecerás a verdade e a verdade vos libertará"), como na
proverbialização (b- "Quebrem o sigilo do Sr Eduardo Jorge em 1994 e 1998 e
chegarão à verdade"). Os enunciados proverbiais que destacamos possuem uma
simulada relação de implicação lógica (SE... ENTÃO ... ) formalizada
gramaticalmente na língua e imposta no discurso. Mas, essa implicação não é
lógica e sim ideológica, pois é determinada sócio-histórico-ideologicamente. Como
a Gramática busca impor a lógica à língua, contemplando tal relação por si só
como suficiente para explicar os processos sintáticos e semânticos da língua, ela
deixa de fora as relações exteriores, histórico-ideológicas, o que acaba por
provocar algumas lacunas quando se faz uma análise mais critica desses
processos lingüístico-gramaticais. Percebemos na relação entre memória e
atualidade, a ruptura da cristalização proverbial. Tanto pela própria citação que na
formulação é relacionada implicalivamente a questões determinadas, como pela
proverbialização que já se desloca formalmente da cristalização constituindo
novos sujeitos e sentidos.

1.5. "Considerações Finais"


Em linhas gerais, procuramos abordar o tema da enunciação proverbial,
retomando inicialmente algumas teorias semânticas Referencialistas e
Argumentativas, e observando como estas destacavam o Provérbio em seus
pressupostos relativos à constituição do sentido. Percebemos que o Provérbio é
comumente citado (em sua forma fixa isolada) e destacado como exemplo nessas
teorias, mas não há um interesse específico em investigar tal fato lingüístico do
ponto de vista da sua enunciação e da constituição de seus sujeitos e seus
sentidos. Vimos que tal abordagem do Provérbio é uma maneira de recuperar a
exterioridade para dentro da língua, pois sua estrutura e acontecimento
discursivos no funcionamento enunciativo permitem a formalização material na
língua das determinações sócio-histórico-ideológicas, mas não há nenhuma
reflexão a esse respeito, enquanto que para nós constitui especial interesse.
Mesmo em algumas teorias enunciativas, o Provérbio ou não é tomado como

241
enunciação (Benveniste), ou é visto como enunciado sem Locutor (Ducrot). Para
nós a fonma proverbial não se limita à sua estrutura fixa, mas, essencialmente, às
possibilidades de paráfrase, alteração, subversão, proverbialização,
marginalização ... de seu acontecimento enunciativo. Como é possível chamar de
estático, de cristalizado um gênero efetivamente tão vivo e produtivo? Nesse
sentido, percebemos o deslocamento de um lugar de "estaticidade" para um
espaço de movimento, de mudança: movimento e mudança de sentidos e sujeitos.
A partir daí centralizamos nosso olhar teórico sobre enunciação proverbial,
especificamente no discurso político-parlamentar, e tentamos resgatar a sua
materialidade enunciativa e discursiva para dentro da análise lingüística.
Destacamos, por exemplo, a polifonia enunciativa que povoa o discurso político-
parlamentar e em que ecoam vozes pertencentes às instâncias do Jurídico,
Religioso, Científico e Popular materialmente fonmalizadas na estrutura proverbial.
Abordamos também a divisão do Locutor na cena enunciativa (Guimarães) e,
nesse funcionamento, destacamos a enunciação proverbial como uma enunciação
essencialmente coletiva, sobrelevada pela sua materialidade profundamente
opaca e equívoca. Centralizamos a constituição dos sentidos (re)produzidos nesse
funcionamento enunciativo, cujo movimento duplo de aproximação/distanciamento
do Locutor se caracteriza por uma tensão I confusão entre o individual e o coletivo,
sem que se finme um limite entre um e outro.
Na relação que abordamos entre o discurso político-parlamentar e a
enunciação proverbial interessou-nos, ainda, atrelar tal relação à produção de
efeitos de verdade: as fonmas institucionais da verdade e as formas populares da
verdade (Foucault). Mesmo em sua "marginalidade", o Provérbio está intrincado
com a verdade. Ele tem um funcionamento discursivo autoritário, pois é um
recurso retórico e ideológico de autorização e por isso muitas vezes passa por
uma verdade comumente aceita. Nesse sentido, enfatizamos que um dos efeitos
do Discurso polftico-par1amentar é produzir o simulacro de unidade do povo e
construir a imagem de um representante popular que está comprometido com a
"Verdade": ética, moral, relígiose, científica, jurídica e principalmente a popular que
é a voz do povo (portanto, a de Deus). A enunciação proverbial materializa

242
formalmente essa verdade do povo que deve ser veiculada pelo seu representante
público. O tema da CPI nos propiciou uma feliz relação entre a enunciação
proverbial, o discurso político-parlamentar e a produção de efeitos de verdade.
Para nós a estrutura implicativa do provérbio (quando este a possui),
somente lhe confere uma simulação de implicação lógica. Na verdade, ele está
impregnado da exterioridade, histórica, social, cultural, política e ideológica que se
materializa nas coletividades que representa, produzindo efeitos de verdade.
Portanto, o provérbio diz respeito à representação material de uma voz coletiva
formalizada na língua e seu reconhecimento como tal está ligado a uma
contingência de repetibilidade histórica, bem como à forma ma teria! de suas
formulações e às condições de produção da enunciação proverbial.
Conforme referimos em nossas considerações iniciais, dada a condição de
diversidade e inesgotabilidade do tema a que nos propusemos investigar nesse
trabalho, não somos nós quem pretende "concluir'', na justa acepção da palavra,
as reflexões acerca do tema Provérbio e mesmo da discussão sobre a Enunciação
Proverbial. Entretanto, sendo praxe, sobretudo no universo acadêmico-científico,
produzir a "ilusão" de unidade através de um efeito de fechamento, encerramos
aqui as nossas (des)iludidas "considerações finais" sobre essa discussão tão
importante para nós e sobre a qual ainda há murro o que se investigar. E agora
sem mais palavras para finalizar, cedo a palavra a Foucault:

"Se quisermos realmente conhecer


o conhecimento, saber o que ele é,
aprendê-lo em sua raiz, em sua
fabricação, devemos nos
aproximar, não dos filósofos, mas
dos pofiticos, devemos
compreender quais são as
relações de luta e de poder."
(Foucauft, 1974:23)

243

Das könnte Ihnen auch gefallen