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RESUMO
A acessibilidade espacial no transporte coletivo por ônibus não se restringe apenas aos veículos, mas
também aos terminais, abrigos e calçadas. Avaliar a acessibilidade espacial em cada um dos seus
principais elementos requer uma metodologia adequada, desde a busca do estado da arte dos principais
temas envolvidos até a avaliação do estudo de caso, a fim de identificar problemas e aspectos positivos.
A partir dessa metodologia, na análise dos resultados, torna-se possível elaborar recomendações para
cada elemento do sistema, visando atingir a acessibilidade espacial de forma integrada. Nesse artigo,
descreve-se a metodologia explorada na pesquisa apresentando seus principais resultados.
ABSTRACT
The spatial accessibility of transport public system by bus is not restricted to vehicles but also includes
terminals, bus stops and sidewalks. To evaluate the accessibility conditions in each one of its main
elements requires an appropriate methodology, which starts with the study of the main concepts and
issues involved and evolves to the practical evaluation of the case study in order to identify problems and
positive aspects. Based on this methodology, through the results analyszis, becomes possible to formulate
accessibility recommendations considering each element of the system in an integrated form. In this
article, describes the research methodology and present its main results.
1. INTRODUÇÃO
Diariamente muitos brasileiros enfrentam diversos tipos de obstáculos no uso dos sistemas de
transporte público urbano. Dentre esses, as pessoas com deficiência são as mais afetadas. Em
junho de 2011, o Relatório Mundial sobre Deficiências (World Report on disability, 2011) da
Organização das Nações Unidas, divulgou que existem cerca de 30 milhões de pessoas com
deficiências no Brasil. Esse número significa um aumento de aproximadamente 13 milhões de
pessoas em 11 anos, considerando a estimativa da ONU em 2000, com 16,9 milhões de
pessoas com deficiências no Brasil. Cabe salientar que a deficiência faz parte da condição
humana. Seja no decorrer da vida, temporariamente ou não, seja no fim dela, com a velhice,
todos poderão vivenciar restrições do corpo físico.
Um dos objetivos centrais da acessibilidade é garantir a possibilidade de uso dos espaços da
cidade por todos seus habitantes. Para isso, é necessário transportar-se de um lugar para
outro, seja de forma individual ou coletiva. Esses deslocamentos devem garantir o direito de ir e
vir do cidadão, conforme determina a Constituição Federal de 1988. Para chegar aos destinos
desejados, as pessoas utilizam diversos modos de transportes, sendo os mais comuns o modo
a pé, bicicleta, motocicleta, automóvel e ônibus. Observa-se que existe uma relação direta entre
o primeiro e os demais modos, principalmente por ônibus, pois para se ter acesso ao transporte
coletivo é necessária a utilização do transporte a pé, já que se tem de caminhar da origem até o
ponto de embarque, e do ponto de desembarque até o destino.
Devido a fatores como o crescimento das cidades e a necessidade de deslocamento da
população para as áreas de interesse, o transporte coletivo constitui serviço imprescindível a
ser oferecido para todos. Tem como objetivo principal levar a maior quantidade de pessoas pelo
menor custo e em menor número de veículos ao maior número de destinos.
Para possibilitar um sistema de transporte público por ônibus acessível é necessário que cada
um dos elementos que compõe o sistema – calçadas (como primeiro elemento que conduz o
usuário ao sistema de transporte por ônibus), abrigos de ônibus, ônibus e terminais – ofereça
condições para sua utilização considerando suas funções e a diversidade de seus usuários.
Esses componentes devem necessariamente ser vistos de forma integrada, como elementos
físicos necessários para compor um sistema acessível em sua totalidade.
Entre as funções primordiais de um sistema de transporte urbano temos a informação. O
acesso à informação é fundamental para que os usuários possam orientar-se e assim deslocar-
se, comunicar-se e usar os espaços de forma efetiva e independente. Para utilizar qualquer
sistema de transporte é necessário saber onde se está no espaço e no tempo, ter informação
sobre as atividades e onde essas ocorrem, conhecer pontos de partida e chegada, definir
itinerários, e poder utilizar equipamentos e ambientes sem que seja necessário conhecimento
prévio de sua utilização. A legislação atual de acessibilidade no transporte coletivo concentra-se
na questão da mobilidade, todavia, a orientação – através da informação – é essencial para
promover o acesso universal ao sistema de transporte público.
Desta forma, ao analisar e avaliar a acessibilidade espacial em um sistema de transporte
público por ônibus é necessário estabelecer uma metodologia de avaliação que evidencie os
problemas e qualidades existentes, assim como, promover possíveis soluções a serem
recomendadas aos quatro principais elementos do sistema.
1.1 Objetivo
A pesquisa realizada como tema de estudo para mestrado em arquitetura e urbanismo teve
como objetivo geral analisar a acessibilidade espacial no transporte público urbano por ônibus,
incluindo o transporte a pé, da cidade de Joinville-SC, com a finalidade de propor
recomendações para calçadas, abrigos de ônibus, ônibus e terminais urbanos. Este artigo irá
expor o modo de aplicação, os principais resultados e a relevância da metodologia utilizada
para a análise, a qual foi imprescindível para o desenvolvimento da pesquisa.
A aplicação dos métodos foi realizada na cidade de Joinville, localizada na região sul do país,
nordeste do Estado de Santa Catarina. É a maior cidade do estado com 515.288 habitantes,
tendo cerca de 60 mil pessoas com algum tipo de deficiência.
Nesta pesquisa adotou-se metodologia qualitativa, com desenvolvimento de revisão teórica,
pesquisa de campo e análise dos resultados para definição de recomendações para os
elementos do transporte público analisados.
Para o levantamento bibliográfico, empregou-se o método de Análise Documental, que
consistiu em uma revisão teórica dos principais temas da pesquisa e na reunião de dados
acerca do transporte público de Joinville. Para compreensão desses temas na prática,
realizaram-se as pesquisas de campo, utilizando os métodos da Observação, do Passeio
Acompanhado e da Entrevista. A seguir os métodos são descritos, apresentando-se a
relevância de cada um para os resultados da pesquisa.
- Acerca dos elementos calçada, abrigo de ônibus, ônibus e terminais destaca-se a seguir
alguns aspectos principais:
- Segundo Gold (2010) até 40% dos deslocamentos são feitos exclusivamente a pé. E
quase todos os demais incluem trechos percorridos a pé. Desta forma, a calçada deve
garantir o deslocamento de qualquer pessoa;
- A calçada abrange componentes que geram acessibilidade, tais como guias rebaixadas,
pisos táteis, revestimentos e sinalização. A má condição de acessibilidade espacial nas
calçadas dá-se, principalmente, pela falta de manutenção, pouco dimensionamento,
revestimentos inadequados e por obstáculos, resultando na falta de segurança, de
conforto e de acessibilidade;
- Segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP, 1997), além de abrigar
os usuários, os abrigos de ônibus devem prever iluminação própria, banco, lixeira, mapas
e informações;
- O ônibus urbano é o coletivo mais utilizado no Brasil (ANTP, 1997);
- Com os terminais urbanos de passageiros é possível realizar a integração entre
diferentes rotas, aumentando a acessibilidade dos usuários ao sistema e aos destinos
desejados. Estes devem oferecer condições de acesso e uso, conforme a NBR 14022/06.
- O estudo incluiu ainda uma pesquisa a respeito de distintos sistemas de transporte público e
as ideias centrais relacionadas à promoção da acessibilidade espacial. Os sistemas de distintas
cidades foram selecionados por apresentarem transporte público com características relevantes
à pesquisa e possibilitarem o acesso às informações. Encontraram-se exemplos em Seul
(Coréia do Sul), Karlskrona (Suécia), Bogotá (Colômbia), Londres (Inglaterra), Lisboa (Portugal),
Barcelona (Espanha), e aplicações no Canadá. No Brasil, Curitiba (Paraná), Uberlândia (Minas
Gerais) e São Paulo (São Paulo) também apresentam caracterísicas no transporte coletivo por
ônibus com requisitos pensados na acessibilidade do usuário ao sistema. Pesquisaram-se
também sistemas de informação tecnológica que visam melhorar a orientabilidade do usuário,
aqui chamados de “informação remota”. As figuras a seguir ilustram alguns dos sistemas
exemplificados, buscando formas de tornar o sistema acessível:
Figura 02: Exemplos de características que promovem acessibilidade espacial em sistemas de
transporte público por ônibus.
Fonte: SILVEIRA, 2012.
A tabela 01, incluída no final deste item, sintetiza e descreve as principais características dos
sistemas de transporte pesquisados (exemplificado pelas figuras acima), inserindo exemplos
dos principais resultados práticos obtidos através do método de análise documental.
Também foi efetuada a análise dos dados sobre o sistema de transporte público por ônibus e a
pé na cidade de Joinville. Junto a órgãos gestores da cidade foram obtidas informações sobre o
sistema de transporte público, incluindo terminais urbanos, abrigos de ônibus, ônibus e
calçadas. Também foram obtidos dados a respeito das pessoas com deficiências, quantas são
e como utilizam o transporte público, sobre o número da frota, características do sistema,
tipologia dos veículos, funcionamento das linhas, itinerários e horários.
Desta forma, foi possível reunir a fundamentação teórica para compreender as questões
relacionadas à acessibilidade espacial no transporte público urbano. A partir dessa base
puderam-se analisar na prática os quatro principais elementos do sistema de transporte público,
buscando-se exemplos no mundo e no Brasil, mostrando como é possível atender aos preceitos
da acessibilidade espacial. Da mesma maneira, no estudo de caso em Joinville, foi possível
avaliar com base teórica e prática, identificando problemas e buscando possíveis soluções,
sempre em parceria com demais métodos aplicados.
Tabela 1: Síntese das características dos sistemas de transporte público selecionados.
Elementos Características Locais
encontrados
Rampas, passarelas e elevadores de acesso aos terminais. Bogotá
Livre de barreiras; Canadá
Rebaixos por rampas com inclinação amena;
Calçadas
Travessias com temporizador visual e sonoro;
Piso antiderrapante e texturas delimitando mobiliário;
Mobiliário considerando variações antropométricas;
Sinalização utilizando símbolos universais.
Painéis eletrônicos sobre horários da chegada dos veículos via GPS. Seul/Lisboa/Barcelo
na/ Uberlândia
Mapa com linhas, paradas e referenciais; Barcelona/ Curitiba
Instruções para aderir ao sistema pela internet e receber
Abrigos
informações;
Banco, cobertura, proteção lateral e de fundos;
Identificação da localização do abrigo.
Piso alto com acesso por rampas ou por degraus com plataforma Curitiba
elevatória. Acesso em nível abrigo-ônibus.
E-ponto: acesso à internet com informações do sistema. São Paulo
Piso baixo com sistema pneumático e rampas. Suécia
Londres
Sistema de som com informações ao usuário; Suécia/Curitiba/
Assentos preferenciais e espaço para cadeira de rodas e cães guia. Bogotá/Londres/Bar
celona/Lisboa
Botões de solicitação de parada com som distinto. Londres
O método dos passeios acompanhados, desenvolvido por Dischinger (2000) objetiva identificar
a percepção e o uso do espaço pelo usuário que é acompanhado ao longo de percursos pré-
estabelecidos com pontos de partida e chegada e objetivos a alcançar. O pesquisador deve
somente acompanhar, sem conduzir ou ajudar. As conversas são gravadas, pontos relevantes
são descritos e fotografados, localizados em mapas sintéticos dos percursos. Com esse
método, as condições de acessibilidade espacial dos elementos estudados puderam ser
avaliadas.
O intuito foi entender, de forma mais detalhada, como as pessoas que realizaram os passeios
orientam-se, deslocam-se, utilizam e comunicam-se para chegar aos destinos desejados,
utilizando o transporte público de Joinville. Foi possível detectar os problemas e as facilidades
que esses espaços apresentam para essas pessoas e evidenciar peculiaridades conforme o
tipo de dificuldade enfrentado por cada usuário em função de sua deficiência.
A aplicação deste método visou principalmente confirmar ou identificar outros fatores que não
foram percebidos através dos demais métodos utilizados, complementando-os. Desta forma, a
amostragem pôde ser reduzida, e a seleção dos usuários e de suas características foi definida
para explorar aspectos das condições de orientação, comunicação, deslocamento e uso.
Para analisar as condições de deslocamento, principalmente nas calçadas, como complemento
de evidências já observadas, foi realizado passeio com pessoa em cadeira de rodas em um
trajeto nas calçadas da área analisada. Para complementar a análise a respeito do sistema de
informação, realizou-se passeio acompanhado com pessoa que desconhece o transporte
coletivo de Joinville. Por fim, para analisar principalmente o uso, deslocamento e orientação do
sistema, realizou-se passeio com duas pessoas com deficiência visual. Naturalmente, os
componentes deslocamento, uso, comunicação e orientação estão integrados e complementam
um ao outro, mas ocorrem em diferentes intensidades nos passeios, perante particularidades
das condições fisiológicas dos entrevistados.
Foi possível vivenciar fatores já observados nos demais métodos, confirmando-os, e também
identificar questões ainda não consideradas. Por exemplo, mesmo tendo rampas de acesso às
calçadas nas travessias, é necessário que essas estejam com inclinação correta (inferior à
8,33%), pois da forma que foram encontradas, não proporcionam autonomia à pessoa em
cadeira de rodas, uma vez que teve de ser empurrada por terceiros para conseguir subir (figura
03a). Ou ainda, a falta de informação nos abrigos de ônibus e nos veículos, que dificulta o
deslocamento de muitas pessoas, evidenciou-se ainda mais, com usuário que não conhece a
cidade. O usuário desinformado, não sabe qual ônibus embarcar e nem por onde esse trafega,
tendo de buscar informação com outras pessoas (figura 03b). Itens não só de orientação, mas
também de segurança, evidenciaram-se no passeio com pessoas com deficiência visual, que
declararam ter sofrido queda na plataforma do terminal urbano, 30cm elevada da pista de
rolamento dos ônibus, por não haver piso tátil alerta identificando desnível (figura 03c).
a b c
Figura 03: Trechos dos Passeios Acompanhados Realizados.
Fonte: SILVEIRA, 2012.
Esses foram pequenos exemplos ocorridos nos passeios acompanhados, método de grande
valor pessoal e para a pesquisa, principalmente por sua minuciosidade. Possibilitou que a
pesquisadora pudesse observar e vivenciar as dificuldades encontradas por cada entrevistado,
realçando o valor inestimável que as soluções em acessibilidade espacial possuem para
promover a cidadania.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos estudos realizados, pode-se concluir que para ocorrer a avaliação da acessibilidade
espacial no sistema de transporte coletivo por ônibus, é preciso estabelecer uma metodologia
adequada que seja capaz de auxiliar o pesquisador a obter resultados válidos para a pesquisa.
Com o método de análise documental foi possível reunir o estado da arte sobre os principais
temas da pesquisa: deficiências e restrições espaciais, acessibilidade espacial e transporte
público urbano por ônibus – abordando desde sua essência até caracterizar cada um de seus
principais elementos: calçadas, abrigos de ônibus, ônibus e terminais. Esses conceitos puderam
interligar-se e serem visualizados na prática a partir do estudo de sistemas de transporte por
ônibus que consideram os princípios de acessibilidade espacial.
Tendo a base teórica estabelecida, os métodos práticos de observação, observação
participante, passeios acompanhados e entrevistas, permitiram avaliar o estudo de caso de
forma integrada, como complementos um ao outro e ainda, evidenciar problemáticas e itens
positivos de cada um dos quatro elementos, perante a acessibilidade espacial.
Além de amplificar o estudo sobre o tema da acessibilidade nos sistemas de transporte por
ônibus, o conjunto dos métodos permitiu atingir o principal resultado almejado pela pesquisa: a
formulação de recomendações para promover acessibilidade espacial de forma integrada nas
calçadas, abrigos de ônibus, ônibus e terminais. Essas, não apenas focadas para o estudo de
caso em questão, mas também para sistemas de transporte por ônibus similares, na busca de
melhoria das condições de acessibilidade.
Dessa forma, o uso de metodologia adequada que trabalhe para a evolução da pesquisa e para
resultados que possam ser aplicados na prática, auxilia não só no avanço do estudo temático,
mas na vida das pessoas que necessitam desse avanço para poderem exercer o direito de
cidadãos.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS