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Capa Petróleos.

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Outros títulos de interesse: Entre 1992 e 2012, decorreu o processo de privatização da Petrogal/Galp
Os Petróleos David Castaño, investigador do
Instituto Português de Relações

em Portugal
Das Constituições Energia.Tive o privilégio de presidir a essas instituições durante 14 desses
Internacionais da Universidade Nova
dos Regimes Nacionalistas anos e tenho o dever de conhecer bem o mesmo processo, incluindo de Lisboa.
conteúdos e eventos não publicados. Em 2014, desafiei o Prof. Pedro

Os Petróleos em Portugal
do Entre-Guerras
Pedro Velez Lains a conceber e coordenar um projeto de investigação sobre o tema. Ana Mónica Fonseca,
Tinha consciência de que era uma tarefa difícil. O presente livro é o fruto investigadora e professora convidada
O Partido Republicano
Nacionalista, 1923-1935
da competência e da perseverança dos seus autores e representa um
excelente ponto de partida para se perceber o que se fez de bem e
Do Estado do Centro de Estudos de
Internacionais e do Departamento
de História do ISCTE-Instituto
Manuel Baiôa
quem o fez; assim como identificar o que se poderia ter feito melhor, ou
muito melhor, e porque é que tal não aconteceu. Apesar das limitações
à Privatização Universitário de Lisboa.
A Vaga Corporativa
Corporativismo e Ditaduras impostas pela dificuldade de acesso a toda a informação inerente a um 1937-2012 Pedro Lains, investigador do
Instituto de Ciências Sociais da
na Europa e na América Latina projeto desta natureza, a obra é de leitura obrigatória para os Universidade de Lisboa e professor
António Costa Pinto profissionais e investigadores que se interessam pela história das
Francisco Palomanes Martinho
privatizações em Portugal e, em particular, pela história do setor
David Castaño convidado da Católica-Lisbon School
of Business and Economics.
(organizadores)
petrolífero nacional. Ana Mónica Fonseca Daniel Marcos, investigador e
Sem Fronteiras
Os Novos Horizontes
Manuel Ferreira de Oliveira, PetroAtlantic Energy Corporation, S.A.
Pedro Lains professor convidado do Instituto
Português de Relações Internacionais
da Economia Portuguesa Este livro condensa o que de melhor a história económica e empresarial
pode oferecer para o conhecimento da GALP. Nele se conjuga a rigorosa
Daniel Marcos e da Faculdade de Ciências Sociais e
Pedro Lains Humanas da Universidade Nova de
(organizador) análise da informação e uma profundidade temporal que se projecta para Lisboa.
além do horizonte estrito do início da privatização. Acresce a riqueza da
trama explicativa, que integra a evolução da GALP nos ritmos das
vicissitudes políticas, das fricções pelo controlo accionista e da
recomposição do mercado europeu de energia.
Álvaro Ferreira da Silva, Nova School of Business and Economics
A presente obra fornece-nos um excelente contributo para um
conhecimento mais aprofundado da história e dinâmica empresarial dos
petróleos e do gás em Portugal ao longo do século XX e inícios do
século XXI bem como da sua contextualização, no âmbito da história
política e económica do respetivo período.
José Amado Mendes, Universidade Autónoma de Lisboa
Foto da capa: Torre de cracking da Sacor, Cabo Ruivo, Lisboa

UID/SOC/50013/2013

ICS ICS
www.ics.ul.pt/imprensa
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David Castaño
Ana Mónica Fonseca
Pedro Lains
Daniel Marcos
Os Petróleos
em Portugal
Do Estado à Privatização
1937-2012
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Imprensa de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociais


da Universidade de Lisboa

Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9


1600-189 Lisboa – Portugal
Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74

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E-mail: imprensa@ics.ul.pt

Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na Publicação


CASTAÑO, David, 1979-
Os petróleos em Portugal : do Estado à privatização 1937-2012 /
David Castaño [et al.]. - Lisboa : Imprensa de Ciências Sociais, 2017. -
ISBN 978-972-671-381-4
CDU 330

© Instituto de Ciências Sociais, 2017

Capa e concepção gráfica: João Segurado


Revisão: Marta Castelo Branco
Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.
Depósito legal: 421232/17
1.ª edição: Fevereiro de 2017
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Índice
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Capítulo 1
Estado e privados, 1937-1992 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Grupos económicos, nacionalizações e integração . . . . . . . . . . 29

Capítulo 2
O tempo da Petrogal, 1992-1999 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
A Petrocontrol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
A saída da Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

Capítulo 3
O tempo da Galp Energia, 1999-2012 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
A entrada da Eni . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Problemas de estratégia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
A entrada da Amorim Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

Apêndices . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Fontes, créditos fotográficos e bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . 133


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Agradecimentos
Este trabalho partiu de um convite do Eng.º Ferreira de Oliveira, então
presidente da Galp Energia, que desde cedo se associou à pertinência de
um estudo de carácter científico sobre as mudanças de propriedade no
sector dos petróleos em Portugal. Gostaríamos de agradecer o apoio da
Galp Energia e da Fundação Galp Energia e, em particular, de Manuel
Aguiar, Suzana Barreto, Rita Macedo, Ana Moreira, Rui Oliveira Neves
e Manuel Ramalhete. Os nossos agradecimentos estendem-se aos valiosos
comentários de um referee anónimo da Imprensa de Ciências Sociais,
assim como a Marta Castelo Branco, pela ajuda na preparação final do
manuscrito.

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Introdução
A vida empresarial depende em grande medida do contexto econó-
mico, social ou institucional dos países ou das áreas geográficas em que
estes se inserem. Assim, as empresas portuguesas são marcadas, desde há
longas décadas, pelo enquadramento de uma economia menos desenvol-
vida, situada na periferia europeia. Com uma história política conturbada,
fracas dotações de capital físico e humano, Portugal foi um dos últimos
países da Europa ocidental a entrar no clube de crescimento e a indus-
trializar-se. Para compreender a história da indústria em Portugal no pe-
ríodo contemporâneo será necessário remontar à fundação das compa-
nhias pombalinas de agricultura e comércio, que exploravam monopólios
sob proteção do Estado. No século XIX, criaram-se empresas ligadas à ex-
ploração de concessões públicas, incluindo o Banco de Lisboa, fundado
em 1821, e as companhias de tabacos e de obras públicas, constituídas
no fim das guerras liberais, nas décadas de 1830 e 1840. À medida que o
século XIX foi avançando, Portugal entrou numa fase de industrialização
mais intensa, com a criação de empresas associadas à produção de bens
de consumo, como os têxteis, de bens de uso industrial, como a metalur-
gia, os adubos e os cimentos, ou de bens alimentares, como a farinha de
trigo ou as conservas de peixe, ou de tabacos. Nos serviços e nos trans-
portes, as empresas de maior importância eram a banca, os caminhos de
ferro e outras infraestruturas, sectores em que conviviam capitais privados,
em alguns casos sob concessão, e investimento público.1 A industrializa-
ção no século XIX foi ainda marcada pela fundação de algumas unidades
que atingiriam uma dimensão relevante à escala nacional, embora não
necessariamente à escala internacional.
A Primeira Guerra Mundial alterou o quadro das relações económicas
internacionais, afetando por essa via os equilíbrios económicos e finan-
ceiros do país, os quais foram ainda agravados pela instabilidade do novo

1
Ver Brito (1989), Madureira (1998), Confraria (1999 e 2005), Rosas (2000), Lains
(2003, cap. 6) e Silva, Amaral e Neves (2016).

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Os Petróleos em Portugal

regime republicano. Apesar das perturbações, a nível nacional e interna-


cional, a economia portuguesa manteve um aceitável ritmo de cresci-
mento, que se traduziu também numa crescente atividade industrial.
Assim, nos anos de entre as guerras, as empresas de maior dimensão que
haviam sido criadas nas últimas décadas do século XIX prosseguiram ge-
ralmente o seu caminho de expansão, juntamente com outras que entre-
tanto surgiram, e as áreas industriais de Lisboa, Setúbal e Porto conhece-
ram alguma prosperidade industrial e empresarial. Esses anos marcaram
o início da época das grandes empresas nacionais. Dos sete maiores gru-
pos empresariais consolidados ao longo do século XX, dois deles tiveram
origem ainda no século XIX, e antecedem o advento do Estado Novo,
mostrando alguma continuidade empresarial ao longo de diferentes re-
gimes políticos.2
O domínio das grandes empresas portuguesas era também caracteri-
zado, desde o seu início, por uma forte dependência em relação ao Estado,
do ponto de vista da proteção e regulação do mercado interno, da legis-
lação laboral e assistencial, ou ainda no que tocava às formas de financia-
mento do investimento, quer por via da regulação das taxas de juro, quer
por via das despesas do Orçamento do Estado.3 Essa dependência encon-
tra-se muito associada ao Estado Novo e por vezes é confundida com a
ideologia definida pelo próprio regime. De facto, ao anunciar-se como
um regime corporativo, o Estado Novo de Salazar apresentava-se também
como defensor de um sistema económico de forte regulação das relações
entre empresários e os investidores, por um lado, os trabalhadores, por
outro, e ainda o Estado. A política económica do Estado Novo não era
totalmente alheia ao que se passava no resto da Europa, uma vez que tam-
bém democracias como a França ou a Áustria, esta sobretudo a seguir à
Segunda Guerra Mundial, embarcaram igualmente em experiências de
elevado grau de intervenção estatal na economia.4
Em Portugal, a intervenção do Estado junto das empresas era diversi-
ficada, já que o regime tinha alguma capacidade de adaptar as suas inter-
venções políticas às características de cada sector, facto que, aliás, pode
ser considerado como uma das traves mestras da sua longa sobrevivência.
Para além disso, a intervenção não implicava necessariamente uma maior
rentabilidade para as empresas, uma vez que a regulação não anulava por

2
Ver Silva, Amaral e Neves (2016, 52).
3
Ver, quanto a estes temas, Madureira (1998) e Lains (2003). Ver também Silva, Amaral
e Neves (2016).
4
Ver, por exemplo, Foreman-Peck e Federico (1999, 436) e Toninelli (2000).

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Introdução

completo a concorrência. Para além disso, a intervenção do Estado podia


não ser totalmente favorável a determinadas empresas, particularmente
nos períodos em que estas tinham um maior desenvolvimento.5
Este livro estuda uma dessas intervenções públicas, num sector emer-
gente e que viria a assumir grande peso na economia nacional. Trata-se
de um sector que implica avultados investimentos em capital fixo, em
que existem fortes economias de escala e em que o número de empresas
concorrentes tenderá a ser pequeno.6 A criação de grupos de maior di-
mensão podia estar associada à necessidade de diversificação de produção
por haver deficiências nos mercados, às dificuldades de acesso aos mer-
cados financeiros menos desenvolvidos, ou mesmo à necessidade de se
obter uma determinada dimensão de modo a possibilitar a formação de
técnicos especializados, então em escasso número por causa do fraco de-
senvolvimento do ensino.7
Muitas das medidas tomadas em Portugal na década de 1930 apoiaram-
-se em reformas que foram tomadas ainda no fim da monarquia parla-
mentar, mas também durante o período da República, quando, em plena
década de 1920, se produziram diversas alterações legislativas que levaram
ao aumento das receitas fiscais, à estabilização do sistema financeiro e, in-
clusivamente, da inflação e dos câmbios. Esse lento desenvolvimento ins-
titucional seria até temporariamente interrompido pelo golpe de 1926 que
foi mais desestabilizador do que algumas convulsões republicanas, embora
no seu conjunto estas tenham tido maiores consequências.
O caminho atribulado de avanços e recuos, relativamente ao papel do
Estado e dos empresários na atividade económica nacional, teve algumas
particularidades comparativamente aos restantes países da Europa oci-
dental, mas também seguiu de perto algumas das transformações que aí
ocorreram. Politicamente, o caso português foi raro no século XX quanto
ao governo de ditadura, aos golpes de Estado, ao período revolucionário,
e à consolidação democrática, mas já foi menos raro quanto às naciona-
lizações e às privatizações, pois esses dois fenómenos foram comuns na
Europa. A tardia industrialização portuguesa coincidiu com o período
de consolidação do Estado, que ocorreu fundamentalmente nas décadas
de transição entre o fim da monarquia, passando pelo período da Repú-
blica e entrando na longa ditadura do Estado Novo. Essa coincidência
temporal abriu caminho a uma maior ligação entre o desenvolvimento

5
Ver Amaral (2015b).
6
Ver Madureira (1998, 778).
7
Ver, quanto a isto, Silva, Amaral e Neves (2016, 50-51).

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Os Petróleos em Portugal

industrial e a intervenção do Estado, que encontrou um largo espaço


para a sua actuação na esfera económica.
Relativamente ao sector que nos preocupa neste volume, o país tinha
um dos mais baixos consumos de energia por habitante ou por unidade
de produto nacional, sendo que a esmagadora maioria desse consumo
era ainda de carvão, uma forma de energia ligada à primeira revolução
industrial, que correspondia a 80% de toda a energia consumida pelo
país, em 1930-1935, sendo o restante consumo de petróleo e eletri-
cidade.8
O Estado Novo coincidiu com o período de maior crescimento da
economia portuguesa de que há registo, associado a uma rápida indus-
trialização e ao aparecimento de novos sectores tecnologicamente mais
avançados e com grandes necessidades de capital. É nesse contexto ex-
pansionista que se deve procurar entender as relações entre o Estado e a
economia e, em particular, entre o Estado e as grandes empresas indus-
triais. A relação de dependência foi todavia mútua, havendo importantes
alterações nas relações de força entre política e economia. Muitas vezes
os investimentos industriais dependiam da proteção do Estado para se
realizarem, dada a dimensão e o pequeno espaço que podia ser garantido
pelo mercado interno. Mas outras vezes os empresários tinham algumas
dificuldades com o governo, quando este escolhia repartir o mercado
por diferentes investidores.
Todavia, quando o regime caiu, em 1974, a sua identificação com os
grandes grupos era evidente, tendo crescido alguma animosidade popular
durante o período revolucionário, que acabou por levar à nacionalização
das principais empresas financeiras e industriais do país. As nacionaliza-
ções tiveram outras causas, de índole económica e financeira, mas o con-
texto político protelou a discussão sobre a avaliação do papel do sector
público na economia do país durante mais de uma década. A sua rever-
são teria de esperar pelo fim da década de 1980 e a década de 1990, não
fugindo muito, todavia, do período de igual mudança um pouco por
toda a Europa ocidental.9
Este livro trata da história da privatização daquela que é hoje a maior
empresa industrial portuguesa, a Galp Energia, ocorrida, na sua substân-
cia, durante os anos de 1992 a 2012. Pela primeira vez na história da pe-
trolífera e da sua principal antecessora, a Sacor, fundada em 1938, em
plena fase de arranque do Estado Novo, e com uma importante partici-

8
Ver Madureira (2008, 13).
9
Ver Foreman-Peck e Federico (1999), Toninelli (2000) e Millward (2005).

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Introdução

Torre de cracking
da Sacor, Cabo Ruivo,
Lisboa

pação de capitais públicos, o Estado português deixou de ter qualquer


participação enquanto proprietário, passando a exercer apenas as funções
de legislador e regulador, porventura nem sempre da melhor forma.10
O facto de a história da Galp e das empresas que a antecederam ter
começado com uma forte participação de capitais, tecnologia e conhe-
cimentos importados, e de terem dependido inicialmente de investi-
mento público e de mercados protegidos, decorre das circunstâncias da
história económica portuguesa. A Galp resulta da fusão da Petrogal, da
GDP e da Transgás. A Petrogal, por sua vez, é herdeira da Sacor, a pri-
meira empresa refinadora de petróleo em Portugal, e da Sonap, fundada
anos antes, e que se dedicava à distribuição e comercialização de produ-

10
Para uma análise de transformações semelhantes no sector do petróleo na Europa
ocidental, ver Millward (2005, cap. 11). Ver também Carreras, Tafunell e Torres (2000,
27-231), para o caso da indústria petrolífera espanhola.

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Os Petróleos em Portugal

tos petrolíferos em Portugal. Durante largas décadas, essas duas empresas


disputavam o mercado nacional de produtos petrolíferos, juntamente
com outras empresas internacionais, numa concorrência largamente de-
terminada pela política de preços conduzida centralmente pelo Estado.
Em 1976, na sequência das nacionalizações ocorridas no ano anterior, o
governo procedeu à restauração do sector energético, criando a Petróleos
de Portugal — Petrogal, resultante da fusão da Sacor, da Sonap, da Cidla
e da Petrosul.
Processo de integração semelhante ocorrera em Espanha, ainda antes
do fim da ditadura, em 1974, com a criação da Empetrol, que fundia três
importantes refinarias.11 Tratava-se de uma empresa integrada vertical-
mente, de capitais públicos, com investimentos internacionais, geradora
de tecnologia e funcionando num mercado concorrencial, que seria pos-
teriormente colocada à venda através de um processo longo e com mui-
tos incidentes de percurso. Também essa história tem de ser compreen-
dida no contexto mais amplo da história do país. Ao colocarmos este
estudo de história empresarial nesse contexto alargado aprendemos mais
sobre a empresa, mas também mais sobre o país.
A história da privatização da Galp Energia precisa de ser entendida
tendo em consideração a génese das empresas em Portugal, o papel do
Estado e as relações entre este e os acionistas, os problemas do mercado
em que funcionavam essas empresas, o contexto das nacionalizações de
que foram alvo, a transição para a privatização e, finalmente, o próprio
processo de privatização. Esta não é a história de uma iniciativa privada,
jogando em mercados livres e abertos, coartada por uma revolução e de-
pois restaurada. É a história de governantes e empresários, nacionais e
estrangeiros, procurando soluções para a resolução de um problema eco-
nómico nacional, a saber, a provisão de energia à economia.
O foco da nossa investigação na imprensa económica, mas também
na generalista, deve-se essencialmente a vicissitudes com que nos depa-
rámos ao longo da investigação e do processo de recolha de fontes pri-
márias. Se, por um lado, os Relatórios e Contas pouco mais revelam do
que a situação económica das sociedades, devidamente filtrada e sempre
na perspetiva dos seus órgãos sociais, por outro lado, não nos foi possível
aceder aos relatórios de consultoria e a parte da informação interna da
empresa. O arquivo da empresa não está devidamente organizado e mui-
tos documentos permanecem sigilosos. Nesse sentido, como forma de

11
Ver Carreras, Tafunell e Torres (2000, 250).

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Introdução

colmatar essas lacunas, recorreu-se à imprensa sendo dada particular aten-


ção à diversificação das fontes consultadas.
As privatizações em Portugal foram contemporâneas de uma vaga de
privatizações à escala mundial, numa altura em que as preocupações com
o aumento da eficiência económica passavam pela promoção do au-
mento da concorrência empresarial, da disciplina do mercado e da dis-
seminação da propriedade por investidores privados. Entre 1977 e 2003,
Portugal, todavia, foi o país que mais privatizou em termos de valor por
habitante num conjunto alargado de países.12 De notar que, em 1991,
nos anos iniciais da fase de privatizações no país, Portugal tinha um dos
maiores sectores públicos da Europa ocidental, sendo a produção das
empresas estatais equivalente a 25% do PNB.13
Porém, a especificidade do caso português não deve ser exagerada, uma
vez que podemos encontrar desenvolvimentos idênticos no que diz res-
peito à instabilidade e à intervenção do Estado um pouco por toda a Eu-
ropa, ao longo do século XX. As diferenças são mais de grau do que de
substância.

12
Ver Toninelli (2008, 685 e 688). Ver também Toninelli (2000).
13
Foreman-Peck e Federico (1999, 449). Ver também Confraria (1999, 282-285) e Ama-
ral (2015b).

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Capítulo 1

Estado e privados, 1937-1992


Cerca de uma década depois do golpe que instaurou a ditadura militar,
e depois de controladas as contas públicas, a inflação e a desvalorização
cambial, assim como as últimas manifestações de dissidência política, o go-
verno de Salazar virou-se para a criação e consolidação de uma nova ordem
económica, o que coincidiu com a promulgação da Constituição de 1933,
que institui o regime do Estado Novo. Desse novo ordenamento econó-
mico fizeram parte a Campanha do Trigo, de 1929, que reforçou a proteção
ao sector cerealífero, a reforma da Caixa Geral de Depósitos, do mesmo
ano, que melhorou o enquadramento do investimento apoiado pelo Es-
tado, o Ato Colonial, de 1930, que nacionalizou o comércio com as coló-
nias, o Estatuto do Trabalho Nacional, de 1933, a Lei da Reconstituição
Económica, de 1935, que regulou o investimento público, e a Lei do Con-
dicionamento Industrial, de 1937, que enquadrou a atividade da indústria.1
As medidas assinaladas devem ser vistas como atos fundadores do
novo regime político, mas também analisadas num contexto mais alar-
gado quer no tempo, quer no espaço. Com efeito, o aumento da inter-
venção do Estado na economia remontava ao período da República e
resultava da necessidade, sentida um pouco por toda a Europa, de recu-
peração dos efeitos produzidos pela Primeira Guerra Mundial. Por outro
lado, a estabilização do défice público e da inflação começara antes de
1926, sendo inclusivamente interrompida nos dois anos seguintes, até
Salazar tomar conta da pasta das Finanças. As políticas do Estado Novo
português da década de 1930 também replicavam medidas levadas a cabo
em outras partes do mundo, tanto em regimes democráticos, como nos
Estados Unidos durante a presidência de Roosevelt, como em regimes
autoritários, de que o caso mais paradigmático foi a Itália fascista de Mus-
solini, com a qual o Estado Novo tinha fortes ligações ideológicas e de

1
Ver Confraria (2005).

19
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Os Petróleos em Portugal

política económica. Mas também em algumas democracias europeias o


período de entre as guerras viu nascer uma nova era para a política eco-
nómica, cujo objetivo comum era o de ajudar à recuperação das econo-
mias nacionais afetadas pela Primeira Guerra Mundial e pelas dificuldades
acrescidas que esta trouxe aos mercados internacionais. Esta mudança
foi mais pronunciada e generalizada a seguir ao segundo conflito mun-
dial, dada a maior extensão das suas consequências negativas.2
O bloqueio do comércio internacional, a inflação e o endividamento
provocados pela guerra, a produção de material bélico, entre outros fa-
tores, alteraram a estrutura económica e financeira dos países envolvidos
e a capacidade de intercâmbio internacional, deixando o mundo pro-
fundamente desequilibrado em 1918. A instabilidade internacional foi
seriamente agravada com o crash da bolsa de Nova Iorque de 1929, com
a Grande Depressão que se seguiu, e com o advento de Hitler na Alema-
nha. O desentendimento político impediu soluções coordenadas inter-
nacionalmente, e os governos nacionais, um pouco por todo o lado, en-
veredaram por políticas de proteção económica e de substituição de
importações. Assim, nessa década de 1930, o governo
português tinha como principais preocupações o abas-
tecimento de produtos essenciais, incluindo produtos
alimentares, como os cereais, que eram largamente im-
portados, e de matérias-primas para a agricultura, como
os adubos químicos, e para a indústria, como o carvão,
os derivados de petróleo e a produção de eletricidade.
Esta foi também a época em que ocorrem mudanças associadas às al-
terações no consumo de energia em todo o mundo, provocadas por va-
riações nos preços relativos, muitas decorrentes de descobertas de petró-
leo, mas acima de tudo por alterações tecnológicas na exploração de
energia e no seu uso, em resultado da paulatina divulgação do motor de
combustão, começando a influenciar de forma determinante o papel da
energia na indústria mundial. A intervenção estatal neste sector aconteceu
também em países como a Grã-Bretanha e a França, sendo comum a
preocupação com o fornecimento regular de produtos petrolíferos num
momento agitado da economia europeia.3 Em 1927, foi fundada em Es-
panha a Campsa com a concessão de um monopólio por parte do Estado
na comércio de importação, na refinação e na distribuição.4

2
Ver Foreman-Peck e Federico (1999) e Eichengreen (2007). Ver também Neal e Ca-
meron (2016) e Costa, Lains e Miranda (2016).
3
Ver Millward (2005, cap. 11).
4
Ver Carreras, Tafunell e Torres (2000, 227-228).

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Estado e privados, 1937-1992

Martin Sain, fundador


da Sacor, saudado
e aplaudido na
inauguração da
refinaria de Cabo
Ruivo, em 1940.

Como medida principal de proteção económica, a Lei do Condicio-


namento Industrial de 1937 previa a concessão de licenças de instalação
a «novas indústrias de importância económica e custos de instalação ex-
cecionais, ou indispensáveis à defesa nacional». A primeira sociedade que
beneficiou dessa proteção foi precisamente a Sociedade Anónima Con-
cessionária da Refinação de Petróleos em Portugal (Sacor), que pretendia
construir a primeira unidade de refinação de produtos petrolíferos do
país, e cujo alvará foi concedido logo em 1937, e regulamentado no ano
seguinte.5 A Sacor foi fundada por Martin Sain, um antigo diretor de
uma companhia de petróleos da Roménia, país que era um dos maiores
produtores de petróleo do mundo, com uma importante participação
de capital público nacional (de 1/3), tendo o banqueiro Ricardo Espírito
Santo como maior acionista privado. A Sacor ficou assim com o exclu-
sivo da refinação no país e uma quota de mercado de combustíveis de
50%, atribuída durante os 10 anos do alvará.6
No mercado da distribuição, a nova refinaria
concorria com outras companhias portuguesas, de
que sobressaía a Sociedade Nacional de Petróleos
(Sonap), fundada em 1933 por iniciativa conjunta
de Manuel Queiroz Pereira e Manuel Boullosa,
assim como com outras companhias petrolíferas

5
Ver Pereira (2005, 227), Pires (2013, 21-23) e Silva, Amaral e Neves (2016, 59 e 63).
6
Para além dos petróleos, através da Sacor, durante o período do Estado Novo, o Es-
tado português tinha participação em empresas hidroelétricas, na TAP, em caminhos de
ferro, em empresas de transportes urbanos, e ainda na Siderurgia Nacional e na Caixa
Geral de Depósitos, entre outras empresas de menor dimensão – ver Ministério das Fi-
nanças (1995).

21
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Os Petróleos em Portugal

estrangeiras, em que pontificavam a


Vacuum Oil Company, depois
Mobil Oil, estabelecida em Portugal
em 1896, a Shell, que entrou no
mercado em 1914, e a Atlantic Refi-
ning Company, depois BP, a atuar
no país a partir de 1929. Estas com-
panhias eram também aquelas que
forneciam crude à Sacor, a que se
somava a sua acionista Compagnie
Française des Pétroles, de que era
também acionista a família Sain.7
O mercado português de produ-
tos refinados tinha uma dimensão
pequena, à escala europeia, e tam-
Manoel Cordo Boullosa (1905-2000), bém relativamente à capacidade
fundador da Sonap
média das refinarias da altura. Em
1938, o consumo total nacional rondava as 200 mil toneladas por ano,
quando em França era de cerca de 6 milhões de toneladas e em Itália de
cerca de 2 milhões, o que correspondia a um consumo por habitante
em Portugal equivalente a 20% do consumidor médio francês e a 60%
do italiano. A produção média anual de cada refinaria francesa repre-
sentava cerca do dobro do consumo em Portugal.8 Sem capacidade de
exportação, quer por razões de competitividade, quer por razões da si-
tuação internacional, a reduzida dimensão do mercado nacional impli-
cava seguramente desvantagens num sector de utilização intensiva de
capital e com economias de escala potencialmente substanciais, o que
significava também que a indústria só poderia nascer sob forte proteção
legislativa e financeira do Estado.
Em 1940, foi inaugurada a refinaria da Sacor, em Cabo Ruivo, junto a
Lisboa, nas margens do Tejo, a qual, utilizando uma tecnologia simples,
representou um investimento inicial de cerca de 40 mil contos. Esse valor
correspondia às importações de energia no país durante um período de
um a dois meses.9 Também em 1940, a Sacor entrou com 51% do capital

7
Ver Vicente (2002, 53, 57, 65-66 e 72). Ver também Ribeiro, Fernandes e Ramos (1987,
957) e Cordeiro (2009).
8
Ver Vicente (2002, 16).
9
Para a produção e o valor do investimento, ver Pires (2013, 30 e 37) e acerca das im-
portações de energia, Batista et al. (1997, 101). Entre 1935 e 1939, Portugal importava em
média 300 mil contos por ano em energia.

22
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Estado e privados, 1937-1992

Sem Salazar: inauguração da refinaria da Sacor, em Cabo Ruivo, em 1940

para a criação de uma empresa de distribuição de gás, a Combustíveis In-


dustriais e Domésticos (Cidla). Nos primeiros anos de existência, a refi-
naria de Cabo Ruivo operou de forma irregular, dadas
as dificuldades que a guerra trouxe à importação de
crude, até que em 1943 a atividade virtualmente parou,
mantendo-se abaixo da capacidade instalada até ao fim
da guerra.
A situação alterou-se a partir de 1948, quando a
Sacor atingiu a capacidade máxima de refinação de
300 mil toneladas de petróleo por ano, e em 1950 atingiu a quota de
mercado de 50% estipulada pela lei de 1938.10 A refinaria de Cabo Ruivo,
depois de uma década marcada por dificuldades de expansão a que o
clima internacional não foi alheio, ganhou nova força com o fim da
guerra e foi ampliada em 1953 para uma capacidade máxima de 1,2 mi-
lhões de toneladas.
A proteção do Estado à Sacor criou alguns problemas na emergente
área dos petróleos. Manuel Boullosa, um dos principais acionistas da

10
Vicente (2002, 22-25). Nas décadas seguintes, a quota da Sacor desceu apenas ligei-
ramente, havendo alguma redistribuição do mercado entre as outras companhias, no-
meadamente com a consolidação da posição da Sonap, que subiu a uma quota de 21%
em 1975.

23
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Os Petróleos em Portugal

Manuel Queiroz Pereira (1906-),


fundador da Sonap e à data também
administrador do Banco Espírito Santo
e Comercial de Lisboa.

Sonap, ao lado de Manuel Queiroz


Pereira, manifestou expressamente
o seu desagrado sobre a situação,
numa carta dirigida a Salazar, em
que relatava as dificuldades que a
proteção à Sacor impunha à expan-
são da Sonap.11
O presidente do Conselho tinha
relações muito próximas com os
principais industriais portugueses,
incluindo Alfredo da Silva, Jorge e
José de Mello, da CUF, António
Oliveira Salazar (1889-1970) com
Ricardo Espírito Santo (1900-1955)
num dos encontros regulares entre
os dois amigos.

Champalimaud, Cupertino de Mi-


randa, Queiroz Pereira ou Manuel
Boullosa, entre outros. Todavia, a
Sacor era participada pelo Estado e
haveria um interesse especial na sua
proteção, o que o governo não es-
condia.12
Em 1955, na sequência da morte
de Ricardo Espírito Santo, Salazar
indicou João Pinto da Costa Leite
(Lumbrales) para substituir o ban-
queiro na presidência do Conselho
de Administração da Sacor. Costa

11
Ver Castro (2009, 376-390).
12
Ver Castro (2009).

24
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Estado e privados, 1937-1992

Jantar com fotografia: Ricardo Espírito Santo (segundo à direita da cabeceira) e Manuel
Queiroz Pereira (segundo à esquerda da cabeceira).

Leite, muito próximo do ditador, era até então ministro da Presidência,


tendo sido substituído por Marcelo Caetano, e presidente da Câmara
Corporativa, cargo que manteve.13
A ligação entre os grupos empresariais e os governantes tinha contornos
particulares. Durante um largo período, Ricardo Espírito Santo era rece-
bido todos os domingos ao fim do dia em São Bento, para, segundo relata
o próprio presidente do Conselho no seu diário, discutirem os mais di-
versos assuntos, desde a Sacor, de que Espírito Santo era presidente do
Conselho de Administração e um dos principais acionistas, às relações
com Martin Sain, outro acionista da mesma empresa, passando ainda pela
TAP, pela lapidação de diamantes de Angola, pela siderurgia concedida a
Champalimaud e pela construção do Hotel Ritz. Terão existido, todavia,
alguns desentendimentos, não especificados na correspondência chegada
aos nossos dias, mas que podiam estar relacionados com problemas com
a distribuição de lucros da Sacor ou com a concorrência com a Sonap.14

13
Segundo Pereira (2005, 99n), Salazar deu a Costa Leite a possibilidade de escolha
entre os cargos de governador do Banco de Portugal, administrador da Sacor ou presi-
dente da Câmara Corporativa, tendo aquele escolhido os dois últimos cargos. Para as re-
lações entre grupos económicos e o Estado, ver Castro (2009) e Silva, Amaral e Neves
(2016). Ver também informação útil em Lisboa (2002) e Costa et al. (2010).
14
Ver Castro (2009, 14-15, 85 e 121).

25
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Os Petróleos em Portugal

Inauguração da Fábrica de Gás da Martinha da Sacor, em 1944

Ao monopólio da refinação de petróleo e à proteção na distribuição,


faltava à Sacor juntar uma maior participação na indústria petroquímica,
de utilização de derivados do petróleo. Em 1958, a Sacor inaugurou em
Estarreja a unidade de adubos sintéticos, a Amoníaco Português, abaste-
cida pela refinaria de Cabo Ruivo. O governo apoiou essa maior inte-
gração, embora tenha tentado colmatar alguns dos problemas decorren-
tes da posição favorável no mercado da petrolífera de que era acionista.
Assim, em 1957, foi criada com o apoio do governo, a Sociedade Portu-
guesa de Petroquímica (SPP), também em Cabo Ruivo, com capitais da
Sacor (55,1%), da CRGE (Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade)
(15,2%) e da CUF (9,9%), sendo o restante distribuído entre outros acio-
nistas menores. A empresa entrou em funciona-
mento em 1962 com uma unidade de produção
de gasogénio (ou gás de síntese), substituto do gás
de hulha utilizado para produzir gás de cidade,
para aproveitamento dos derivados da refinaria
vizinha em Cabo Ruivo.15 Essa cooperação entre
os vários operadores nacionais e internacionais no mercado voltaria a
manifestar-se aquando da consulta pública para a construção de uma re-
finaria no Norte do país, lançada em 1961, e a que responderam a Sacor,
o grupo CUF, que começara então a interessar-se pelo sector do petróleo,

15
Ver Teixeira (2010, 39).

26
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Estado e privados, 1937-1992

Sem Marcelo Caetano: inauguração da refinaria da Sacor em Matosinhos, em 1970.

a Sonap, e duas das empresas com redes de distribuição em Portugal: a


Mobil e a Shell. O governo acabou por conceder a nova refinaria a uma
associação entre a Sacor e a Sonap, que passaram a ter participações cru-
zadas, e com a «obrigatoriedade de envolvimento do grupo CUF em fu-
turos desenvolvimentos na área da petroquímica», na qual participavam
ainda a Shell e a Mobil. A refinaria foi instalada em Matosinhos, perto
do Porto, no ano de 1969.
No seguimento do fecho do Canal do Suez, em 1967, e do início da
exploração dos petróleos em Cabinda, Angola, em 1969, o governo lan-
çou em 1970 um concurso para a ampliação da refinaria do Norte, para
a instalação de uma nova refinaria a Sul, e para o desenvolvimento da
indústria petroquímica nesses dois polos. Com esta medida, pretendia-
-se dar prioridade à utilização e aproveitamento do petróleo que come-
çava a ser extraído em Angola. No concurso participaram três consórcios,
um formado pela Shell, Mobil, BP, Sacor e Fundação Calouste Gulben-
kian, outro constituído pela CUF e pela Sonap, numa nova aliança, e
prevendo a associação de um grupo internacional, e finalmente o grupo
Champalimaud.16

16
Deve ainda assinalar-se que, em 1969, o grupo Champalimaud havia pedido auto-
rização para instalar uma nova refinaria no Sul, um complexo petroquímico e uma uni-
dade gigante de produção de amoníaco, o que marcou «a abertura pública duma disputa
pelo controlo futuro do sector petrolífero, que, nos meses finais de 1970 e durante 1971,
viria a encontrar os grupos CUF e Sacor em campos opostos» (Ribeiro, Fernandes e
Ramos, 1987, 987-992).

27
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Os Petróleos em Portugal

À Sacor foi adjudicada a ampliação da refinaria do Norte, mediante


certas condições que incluíam uma redução da quota máxima de mercado
de 50% para 40%, assim que a refinaria do Sul, entregue ao consórcio
Sonap/CUF, que formaram a Sociedade Portuguesa de Refinação de Pe-
tróleos (Petrosul), entrasse em funcionamento. A Petrosul deveria também
lançar a Companhia Nacional de Petroquímica, promovendo assim con-
corrência com a Sacor.17 Em 1972 foi criada a Petrosul, que viria a ser res-
ponsável pela construção da refinaria de Sines, inau-
gurada em 1978. Desta vez o Estado não interveio
enquanto acionista, seguindo um modelo diferente
do da primeira fase da instalação da indústria em Por-
tugal. Estas alterações viriam a ditar a perda gradual
da importância da refinaria de Cabo Ruivo e, claro,
do fim do domínio da Sacor no sector da refinação.
No final do Estado Novo, a estrutura empresarial portuguesa era do-
minada por sete grupos económicos, incluindo dois grupos essencial-
mente industriais, a CUF e o grupo Champalimaud, e cinco controlados
pelos bancos Espírito Santo, Português do Atlântico, Fonsecas & Burnay,
Nacional Ultramarino e Borges & Irmão. Os grupos empresariais do país
juntavam bancos de Lisboa, muito ligados ao financiamento do Estado,
bancos do Porto, com uma maior participação em investimentos indus-
triais, e empresas industriais de capitais privados ou participadas pelo Es-
tado. Esses grupos operavam num vasto leque de sectores económicos,
nomeadamente os petróleos, a petroquímica, a siderurgia, as celuloses, a
construção e reparação naval, as cervejas, as oleaginosas e os tabacos.18
Entre 1969 e 1973, «completara-se a formação dos grupos financeiros
portugueses no quadro de um ambicioso projeto de industrialização».19
Todavia, tinham algumas debilidades, resultantes da acrescida concor-
rência dos bancos internacionais, da necessidade de consolidação finan-
ceira dos grupos industriais, do fraco nível de rentabilidade sem proteção
do Estado, e da sua maior exposição aos mercados internacionais para
onde começaram a exportar.
Em 1974, os maiores grupos empresariais em Portugal agregavam um
total de 300 empresas, controlavam a totalidade dos depósitos do sector
privado (não incluindo, portanto, a Caixa Geral de Depósitos), e 84,1%

17
Para uma cabal descrição das movimentações entre grupos empresarias quanto a
estes negócios, ver Ribeiro, Fernandes e Ramos (1987, 996-998).
18
Ver Silva, Amaral e Neves (2016). Ver também Pintado e Mendonça (1989), Sousa e
Cruz (1995) e Caeiro (2004).
19
Ver Ribeiro, Fernandes e Ramos (1987, 1016).

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Estado e privados, 1937-1992

do valor dos títulos em bolsa. Indicativamente, o valor do capital social


destas empresas correspondia a cerca de 75% do produto interno bruto
do país.20 A estes grupos deve ainda juntar-se o Banco Pinto de Maga-
lhães.21 A concentração da propriedade e a ligação ao Estado seriam um
problema político, mas não implicavam necessariamente a ausência de
concorrência ou um menor grau de eficiência dos grupos empresariais,
relativamente a um cenário alternativo de maior dispersão de capital.22

Grupos económicos, nacionalizações


e integração
A nacionalização das mais importantes empresas financeiras, indus-
triais e de serviços, levada a cabo em Portugal, foi uma consequência di-
reta da radicalização política que se seguiu ao golpe de Estado de 25 de
Abril de 1974. Mas foi fruto, também, de um conjunto de circunstâncias
que caracterizavam a economia e a política do país, assim como do con-
texto internacional. Uma revolução pode ter muitos caminhos, e o ca-
minho percorrido nesse ano de 1975 esteve associado ao facto de o
mundo empresarial do Estado Novo se encontrar fortemente ligado ao
regime político, à existência de uma relação muito forte entre empresas
industriais e financeiras, à circunstância de muitas das maiores empresas
pertencerem a sectores que estavam a sofrer mais severamente a crise dos
preços do petróleo, e à crise social, política e económica generalizada
que então se vivia na Europa, em que as forças favoráveis a uma maior
intervenção do Estado tinham algum predomínio. Muitas das empresas
de maior dimensão tinham também uma forte relação com as colónias
africanas, sendo por isso mais diretamente afetadas pela descolonização,
o que ajudou também à intervenção do Estado.23
As nacionalizações não estavam no programa inicial de quem tinha
comandado o golpe de Estado, nomeadamente o Movimento das Forças
Armadas (MFA), com a exceção dos bancos emissores de Portugal, de

20
Ver Sousa e Cruz (1995, 65-66). Na fonte refere-se que os grupos «geravam quase
três quartos do Produto Interno Bruto do país». Todavia, é preciso notar que se trata da
comparação do valor total do capital dos mesmos grupos com o valor anual do PIB.
Também não se considera a Caixa Geral de Depósitos, cujos depósitos ascendiam a cerca
de 20% do total do país.
21
Ver Faria e Mendes (2011).
22
Ver Amaral (2015b) e, quanto à CUF, Silva, Amaral e Neves (2016).
23
Ver Ferreira (1993, 113).

29
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Os Petróleos em Portugal

Angola e o Banco Nacional Ultramarino, que foram tomados pelo Es-


tado logo em setembro de 1974, mas Portugal era o único país da Europa
com bancos emissores ainda com capitais privados, embora não maiori-
tários. Com efeito, o primeiro plano sobre a ação económica dos gover-
nos do período, o «Plano Melo Antunes», de 1975, que teve a contribui-
ção de José da Silva Lopes, Rui Vilar e Vítor Constâncio, não fazia
referência a nacionalizações.24 Todavia, tudo viria a mudar rapidamente.
Após a tentativa falhada do golpe de 11 de março de 1975 entrou em
funções o IV Governo Provisório, com Vasco Gonçalves como pri-
meiro--ministro. Logo nos primeiros dias, o novo governo deu início
ao processo de nacionalizações, começando pela banca e seguros, tendo
em vista, alegadamente, a substituição de uma «economia capitalista do
tipo monopolista por um capitalismo de Estado».25 Refletindo clara-
mente o espírito revolucionário que caracterizou o processo de transição
para a democracia em Portugal, o objetivo subjacente a estas nacionali-
zações era o de potenciar uma «política económica posta ao serviço das
classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas da população
portuguesa», tal como estava exposto no Programa do Movimento das
Forças Armadas. Neste sentido, considerando o «carácter estratégico»
do sector dos combustíveis, visto como a «base da produção industrial
e dos transportes, e, portanto, de toda a atividade económica», deu-se
um importante passo no objetivo da nacionalização do sector produtivo
em Portugal.26 A intenção seria assim a de pôr termo à economia cor-
porativa do Estado Novo e dar lugar a uma economia de tipo socialista,
a qual viria a ser consagrada largamente na Constituição da República
de 1976.27
O ambiente político revolucionário levou a que as nacionalizações fos-
sem feitas sem grandes cuidados políticos ou empresariais. Simplesmente,
a decisão foi tomada numa assembleia do Movimento das Forças Arma-
das, na qual os ministros e outros responsáveis pela condução da política
económica não tiveram palavra. As nacionalizações começaram pelos
bancos e seguradoras, seguindo-se outras áreas, entre as quais se contavam
as indústrias pesadas. A 16 de abril de 1975 foi aprovado um pacote de
nacionalização das indústrias de base portuguesas, onde se incluíam qua-
tro empresas que se dedicavam à exploração, refinação e distribuição de

24
Uma boa análise destes conturbados meses é feita por Faria (1999, 26-35).
25
Ver Rezola (2006, 151-153). Sobre a situação económica, ver Franco (1993, 176-189).
26
Decreto-Lei n.º 205-A/75 de 16 de abril.
27
Lopes (2002, 289).

30
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Estado e privados, 1937-1992

produtos petrolíferos: a Sacor, a Petrosul, a Sonap


e a Cidla.28 Nacionalizaram-se as maiores empresas,
ligadas aos nomes mais diretamente associados ao
regime deposto. Começando a 14 de março de
1975, em 24 números do Diário do Governo foram
publicados decretos que nacionalizaram 244 em-
presas.29 A família Champalimaud perdeu os ci-
mentos e a siderurgia, a família Mello perdeu a CUF, a construção naval,
as celuloses, a tabaqueira e a participação na refinaria de Sines, e a família
Espírito Santo perdeu as cervejas, os cimentos e a Sacor.
As nacionalizações abrangeram não só as grandes empresas, como as
empresas por elas participadas, muitas de reduzida dimensão, ficando o
Estado proprietário de um número significativo de pequenas empresas.29
As nacionalizações de 1975 têm de ser enquadradas no contexto mais
alargado das políticas económicas da Europa ocidental onde não eram
seguramente apanágio dos governos de esquerda. Com efeito, a seguir à
Segunda Guerra Mundial em muitos países europeus, nomeadamente
na Grã-Bretanha e em França, governos de partidos de diferentes cores
políticas implementaram programas de nacionalização com o mesmo
objetivo de criar medidas de política económica com vista à recuperação
das economias. Essas nacionalizações abrangiam sectores pesados, como
o carvão ou a energia. 30 Por outro lado, a Europa conheceu desde muito
cedo empresas públicas em várias áreas de atividade. Por exemplo, no
século XIX, os caminhos de ferro alemães eram na sua maioria proprie-
dade dos estados e também uma das suas principais fontes de receita.
Ainda atualmente os estados federados alemães detêm participações im-
portantes em empresas de sectores diversos, como a banca ou o auto-
móvel. Também é controlada por capitais públicos a fabricante europeia
de aviões, que concorre com o gigante privado norte-americano para o
lugar cimeiro na área ao nível mundial.
Um outro aspeto que é preciso ter em atenção é que a segunda metade
da década de 1970 e parte da seguinte foram, não apenas em Portugal,
marcadas por políticas de esquerda, resultantes por um lado da crise in-
ternacional provocada pela subida dos preços do petróleo no inverno de
1973, e por outro herdeiras dos movimentos contestatários da década de

28
Ver Martins e Rosa (1979, 9). «Nacionalizadas as indústrias-base», Diário de Lisboa,
16-4-1975, 1 e 4.
29
Ver Sousa e Cruz (1995, 68-69).
30
Ver Toninelli (2000) e Millward (2005).

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Os Petróleos em Portugal

Sem inauguração oficial: refinaria de Sines inaugurada em 1978.

60, nomeadamente do maio de 1968, em França, e dos movimentos an-


tiguerra do Vietname, nos Estados Unidos. Um dos pontos altos desse
clima foi o governo de coligação entre socialistas e comunistas, em
França, sob a presidência de François Mitterrand, que arrancou em 1981
com um programa de nacionalizações que incluiu o banco Paribas e um
conjunto significativo de grupos industriais. No entanto, tal clima co-
meçaria a inverter-se quase ao mesmo tempo que em Portugal, sendo a
eleição de Margaret Thatcher, em 1979, e a alteração da orientação de
política económica do governo francês, em 1982, os seus principais mar-
cos europeus.31 Mas as nacionalizações em Portugal foram de maior al-
cance e mais concentradas no tempo, o que teve implicações imediatas
de grande importância para a economia portuguesa. Na verdade, é difícil
medir esse impacto, embora se possam balizar as suas consequências
tendo em consideração os efeitos na estrutura de gestão das empresas na-
cionalizadas, no seu financiamento e nas decisões quanto à força de tra-
balho e o investimento.32
A contextualização do período das nacionalizações em Portugal é ne-
cessária para se medir a distância daquilo que aconteceu no país relativa-
mente ao resto da Europa, exercício que temos de estender ao período
subsequente, a partir de 1988, quando se passou à fase de privatizações,
mais uma vez a par do que se passava no resto do mundo.
Em 1977, foram definidos por lei os sectores cuja nacionalização a
Constituição de 1976 definia como irreversíveis, numa longa lista que
incluía a banca e os seguros (com algumas exceções), a energia, a água,

31
Ver, entre outros, Marsh (2011).
32
Apesar da sua relevância, não têm sido muitos os estudos sobre as nacionalizações.
Ver, todavia, Sousa e Cruz (1995), e, mais recentemente, Lino (2016). Ver também Viegas
(1996).

32
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Estado e privados, 1937-1992

os serviços postais, as telecomunicações, os transportes aéreos, os cami-


nhos de ferro, os portos e aeroportos, e ainda as indústrias metalúrgica,
de refinação de petróleo e petroquímica, de adubos e de cimentos. Em
1980, 23% do produto, 19% do emprego e 43% do investimento nacio-
nais emanavam do sector empresarial do Estado.33
A contextualização também nos permite concluir que, apesar de as
nacionalizações terem sido claramente impostas por uma situação dita
revolucionária, o que conduziu à sua realização de forma apressada, sem
grandes critérios, e sob uma grande convulsão, a gestão das empresas na-
cionalizadas acabou por não só preservar algum do valor das empresas,
como por proceder a alterações estruturais que viriam a ter um impacto
positivo em períodos subsequentes, inclusivamente aquando dos respe-
tivos processos de privatização. A história das empresas que estão na gé-
nese da Galp Energia é disso um exemplo de grande importância.
Um dos aspetos mais importantes da gestão das empresas nacionali-
zadas será talvez o facto de terem sido sujeitas a importantes processos
de reestruturação quando estavam a ser preparadas as reprivatizações.
Assim, os ativos que o Estado vendeu a partir de 1988 eram substancial-
mente diversos daqueles que o Estado nacionalizou em 1975. Essa rees-
truturação terá tido seguramente implicações no valor de mercado das
empresas mas, mais importante, só foi possível efetuar de uma forma
concentrada no tempo, em virtude de o respetivo controlo pertencer a
uma única entidade.
É comum considerar as privatizações como uma «reforma estrutural»,
mas é preciso ter em atenção que a preparação para a alienação do capital
havia constituído já uma reforma assinalável de uma importante parte
da estrutura empresarial portuguesa, tão ou mais determinante do que a
posterior mudança de propriedade. Entre as primeiras empresas que so-
freram essa reestruturação, contam-se a Unicer, Quimigal, a Portucel, a
Siderurgia Nacional, a Rodoviária Nacional, a Portugal Telecom (ex-Te-
lefones de Lisboa e Porto – TLP) e a Gás de Portugal.34
De regresso ao sector petrolífero, foi no mês de março de 1976 que,
após quase um ano de estudos, foi aprovada a reestruturação das quatro
empresas de exploração, refinação e distribuição de produtos petrolíferos
que haviam sido nacionalizadas (a Sonap, a Sacor, a Cidla e a Petrosul),
dando origem à empresa pública Petróleos de Portugal, a EP-Petrogal.

33
Ver Nunes, Bastien e Valério (2006, 4).
34
Para uma análise das reestruturações dessas empresas, levadas a cabo entre 1987 e
1995, ver Ministério das Finanças (1995, cap. V).

33
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Os Petróleos em Portugal

Esta empresa manteve a sua atividade nas três áreas das anteriores quatro
empresas, dedicando-se à pesquisa e prospeção de petróleo e gás natural,
refinação de petróleo bruto e seus produtos, e ao transporte, distribuição
e comercialização de petróleo e seus derivados.35 A fusão numa única
empresa pública era uma medida que vinha a ser considerada, desde a
elaboração do IV Plano de Fomento no período do marcelismo. Para-
doxalmente ou não, foi no conturbado período
entre 1975 e 1976 que se criaram as condições
para a sua realização.36
Progressivamente, ao longo da década de
1980, a situação da indústria foi melhorando,
tendo a Petrogal feito fortes investimentos na re-
37
finaria de Matosinhos. Adicionalmente, tirando proveito da possibili-
dade de endividamento das empresas públicas suportadas pelo aval do
Estado, a Petrogal evitou a racionalização dos custos através da baixa de
produção como se exigia perante os problemas do mercado do petróleo
a que se assistia à escala mundial. De acordo com José da Silva Lopes, a
Petrogal foi, de certa forma, incapaz de desenvolver um conjunto de
transformações que assegurassem a competitividade das suas atividades.
Perante isto, entre 1982 e 1992, o sector dos petróleos em Portugal aca-
bou por perder peso na economia nacional. A refinação de petróleo cres-
ceu 2,68% ao ano durante este período, mas houve uma clara diminuição
da estrutura de emprego, com uma diminuição média entre –5,8%
e –9,28%.38
Progressivamente, após a revisão constitucional de 1982, a política eco-
nómica nacional orientou-se no sentido da economia de mercado, «subs-
tituindo as disposições de natureza mais claramente socialista do texto
de 1976», ciclo que se encerrou com a terceira revisão constitucional de
1989.39 Contudo, será importante ressalvar que apesar destas transforma-
ções, «o intervencionismo do Estado na vida económica continuou a ser
intenso até meados dos anos 80».
Na verdade,
as forças favoráveis à liberalização eram comparativamente débeis: à direita
prevaleciam os interesses dos que estavam acostumados a utilizar o poder

35
Decreto-Lei n.º 217-A/76 de 26 de março. Ver Martins e Rosa (1979, 31-32) e Antó-
nio, Mata e Carvalho (1983, 187-190).
36
Santos (2011, 139-143).
37
Ver Lopes (2002, 312).
38
Ver Lopes (2002, 92-97).
39
Ver Lopes (2002, 291).

34
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Estado e privados, 1937-1992

do Estado para conseguir proteções, subsídios e restrições à concorrência; à


esquerda estava generalizada a desconfiança em relação aos mecanismos de
mercado e a convicção de que as atividades privadas careciam de ser aperta-
damente disciplinadas através de ações governamentais.40

A orientação política da ação dos governos do Partido Social Demo-


crata (PSD) a partir de 1985, a juntar à estabilidade política e à adesão de
Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) – que obrigou ao
desmantelamento dos sistemas protecionistas até 1992 e à diminuição
do intervencionismo do Estado na atividade económica – foram um im-
pulso fundamental para este processo.41
Assim, refletindo em grande parte o projeto de integração de Portugal
na CEE, a economia portuguesa afastou-se progressivamente das pro-
postas de intervenção do Estado no mercado, aderindo a perspetivas mais
liberais. Foi um processo longo que, apesar de liberalizante, não deixou
de preservar em boa parte a capacidade de influência significativa pelos
governos, sobretudo em áreas consideradas estratégicas, como era o caso
do sector petrolífero.42 A adesão de Portugal à CEE em 1986 forçou, de-
finitivamente, a banca, indústria e serviços, processo a que a Petrogal não
escapou.
Um primeiro passo no sentido da reprivatização de vastos sectores da
economia portuguesa que tinham sido nacionalizados na sequência do
11 de março de 1975 tinha já sido dado com a publicação, em julho de
1988, de uma lei que permitia a transformação de empresas públicas em
sociedades anónimas de capitais públicos ou de maioria de capitais pú-
blicos, desde que ficasse salvaguardado que a maioria absoluta do capital
social permaneceria nas mãos do Estado e que a representação da parte
pública nos órgãos sociais fosse sempre maioritária (Lei n.º 84/88, de 20
de julho). Uma vez aprovada a alteração da Constituição, a Lei-Quadro
das Privatizações (Lei n.º 11/90, de 5 de abril) estabeleceu os processos e
as modalidades das reprivatizações.
Na revisão de 1989 foi retirado da Constituição o princípio da irrever-
sibilidade das nacionalizações, mas tal não aparece como um marco fun-
damental. A razão prende-se com o facto de a Constituição proibir a pri-
vatização das empresas públicas, mas não a concessão da sua exploração.43

40
Ver Lopes (2002, 291).
41
Ver Lopes (2002, 291-292).
42
Vicente (2002, 257-271).
43
Sousa e Cruz (1995, 85-88). Para a análise das privatizações, ver também Ministério
das Finanças (1995 e 1999). Ver ainda Amaral (2015a) e Silva, Amaral e Neves (2015).

35
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Os Petróleos em Portugal

Em suma, a calendarização das privatizações poderá ter mais que ver com
a capacidade de absorção do mercado, para exploração ou compra das em-
presas, do que propriamente com restrições de ordem constitucional.
Os governos de Cavaco Silva, entre 1985 e 1995, privatizaram aquilo
que era mais rentável e deixaram para depois as empresas em maiores di-
ficuldades. Em consequência, na fase inicial as privatizações incidiram
de forma esmagadora sobre a banca e os seguros: entre 1989 e 1995, do
total de receitas das privatizações, 74% resultaram da venda das institui-
ções financeiras. O resto deveu-se à venda das fábricas de cimento (11%)
e de cerveja (6%), ficando um residual de 9% para todas as outras em-
presas envolvidas no processo. A maior parte das empresas industriais e
de comunicações, nacionalizadas em 1975 e 1976, encontravam-se ainda
na posse do Estado em 1993.44
Aproveitando as condições favoráveis que se viviam na altura nos mer-
cados de capitais, os sucessivos governos optaram por privatizar essen-
cialmente através de operações nesses mercados, e não por negociação
direta ou concurso limitado, com o que se conseguiu maior transparên-
cia, participação do público e, sobretudo, um grande encaixe financeiro.
Todavia, tal opção parece ter limitado a formação de núcleos fortes de
investidores. Acresce que, atendendo ao otimismo financeiro do período
em que foram realizadas, algumas das privatizações resultaram em negó-
cios menos vantajosos para os investidores. Das 15 empresas cotadas nas
bolsas, dez delas viram os seus valores cair, sistematicamente, a seguir à
sua privatização. O Estado privatizou «bem e caro», facto a que os in-
vestidores não foram, evidentemente insensíveis, sobretudo os pequenos,
refletindo-se isso na cada vez menor apetência de alguns segmentos pela
compra deste tipo de ações. As receitas das privatizações foram essen-
cialmente canalizadas para a redução da dívida pública portuguesa. Em
1993, as privatizações permitiram a redução da dívida pública de 65 para
61% do PIB. Certamente um bónus para a famosa convergência nominal
com as restantes economias da CEE.45
As privatizações tiveram como justificação principal a necessidade de
aumentar a eficiência económica das empresas, até então sob alçada do
Estado. Alegadamente, os gestores públicos não eram capazes de em-
preender uma melhor gestão, para o que seria necessário a concorrência
nos mercados. Todavia, algumas das mais importantes empresas vendidas
pelo Estado continuaram em situação de monopólio, ou quase, no mer-

44
Sousa e Cruz (1995, 127). Ver também Toninelli (2000) e Toninelli (2008).
45
Ver Sousa e Cruz (1995, 191).

36
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Estado e privados, 1937-1992

Sá Carneiro de visita
a Sines com
Jorge Gonçalves
e Corrêa Gago.

cado nacional. Por isso, as privatizações não trouxeram, por si mesmas,


um acréscimo significativo de concorrência em alguns sectores, como o
dos telefones fixos e da eletricidade. Nestes casos, voltou-se a uma situa-
ção já conhecida antes das nacionalizações de 1975: empresas detidas
por capitais privados, com preços regulados pelo Estado.
Mas as privatizações tiveram dois efeitos importantes. Em primeiro
lugar, através das receitas geradas para o Estado, ajudaram ao equilíbrio
das contas públicas. Em segundo lugar, estimularam o desenvolvimento
do mercado nacional de valores mobiliários, constituindo atualmente os
títulos das empresas privatizadas mais de metade do valor das transações
na bolsa.
Com base na Lei n.º 84/88, a Petrogal E. P. foi transformada, por De-
creto de 4 de abril (Decreto-Lei n.º 103-A/89) em sociedade de direito
privado. Movido este primeiro obstáculo, no seguimento da aprovação
da Lei-Quadro das Privatizações, deu-se início ao processo de privatiza-
ção da Petrogal que se passa a detalhar.
A justificação oficial para esta alteração era a da «salvaguarda da futura
competitividade e eficiência da empresa», que seria dotada da «flexibili-
dade necessária à tomada de decisões nos domínios financeiro e opera-
cional, adequando a sua capacidade de resposta à complexidade e dinâ-
micas próprias do mercado dos petróleos», sendo-lhe proporcionada a
possibilidade de uma nova fase com um «ritmo de modernização com-
patível com o desenvolvimento de uma estratégia de ajustamento estru-
tural». A medida era enquadrada também no «expressivo avanço no pro-
cesso de gradual redução do peso do Estado na economia».46 A Petrogal
passava, assim, a ser uma sociedade anónima, com um capital social de
40 milhões de contos que pertenciam, na sua totalidade, ao Estado.

46
Decreto-Lei nº 103-A/89 de 4 de abril.

37
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Capítulo 2

O tempo da Petrogal, 1992-1999


Até 1992, altura em que os privados entraram no capital da Petrogal,
foi longo o percurso percorrido. Em primeiro lugar porque o sector dos
petróleos era considerado estratégico para o interesse nacional dos Esta-
dos e, desta forma, qualquer alteração na estrutura acionista da empresa
teria de ser feita com as cautelas inerentes a esta condição.1 Em segundo
lugar porque, apesar dos problemas financeiros que a Petrogal viveu
desde a sua fundação, em 1976, tratava-se, no início da década de 1990,
de uma empresa de dimensão relevante à escala europeia, e da maior em-
presa portuguesa.2
De acordo com o prospeto de privatização da empresa citado na im-
prensa em finais de 1991, a Petrogal era a empresa líder do mercado na-
cional petrolífero, com uma quota de mercado de 56%, e um volume de
negócios de 380 milhões de contos. Adicionalmente, era significativa a
quantidade de produtos petrolíferos exportados pela Petrogal, nomeada-
mente produtos petroquímicos e gasolina sem chumbo. Na área comercial,
assistia-se, no início da década de 1990, a um reforço de atividade, fruto
de aquisição de áreas de serviço nas autoestradas recentemente inauguradas
e pelo estabelecimento de uma política de marketing que favorecia a criação
de produtos comerciais para frotas. Sendo a única companhia a operar no
mercado nacional com capacidade de refinação, a Petrogal estava também
a desenvolver a sua área de exploração nos offshores de Angola e da Síria.3
Mas a joia da coroa do mundo Petrogal era, sem margem de dúvida, a ex-
pansão que estava a desenvolver no mercado espanhol, onde detinha já
três estações de serviço, tendo em curso a construção de outras dez e es-
tando em vias de solicitar a autorização para outros 32 projetos.4

1
Ver, por exemplo, Toninelli (2008).
2
«Petrogal nas 500 maiores empresas europeias», Expresso, 20-1-1990, C2.
3
«Petrogal com 56% do mercado de combustíveis», Semanário Económico, 7-2-1992, 13.
4
«Petrogal: nova refinaria antes da privatização», Expresso, 26-5-1990, C1.

39
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Os Petróleos em Portugal

Porém, nem tudo eram boas notícias. Quer ao nível da venda de pro-
dutos químicos pesados, quer ao nível das exportações, a quota de mer-
cado da Petrogal estava a diminuir.5 Além do mais, a Petrogal era consi-
derada uma «empresa de capital intensivo», em que o Estado não acorria
«atempadamente às necessidades de financiamento». Neste sentido, a em-
presa tinha-se tornado numa «empresa descapitalizada e com um forte
atraso tecnológico em relação às suas competidoras mais diretas».6 Como
reconheceu posteriormente o próprio ministro da Indústria, Luís Mira
Amaral, o aparelho refinador da empresa estava «ultrapassado», sendo que
Sines «era mais uma destilaria do que uma refinaria».7
Em vésperas da abertura de mercado exigida pela Comissão Europeia,
era necessário promover a «profunda reestruturação do aparelho indus-
trial e comercial» da empresa, aumentando a sua eficiência ao nível pro-
dutivo e direcionando-a para o fornecimento de produtos que o mercado
exigia. Na verdade, era claramente visível que o mercado estava cada vez
mais virado para necessidades em termos de produtos leves – gasolinas
e gasóleos – e não de produtos pesados, tais como o fuel. 8
Esta realidade acabou por condicionar o processo e o valor inerentes
à privatização da Petrogal. Na verdade, a questão da capitalização era
crucial, estando previsto que se avançasse ainda antes da privatização da
empresa com um investimento que oscilava entre os 45 e os 60 milhões
de contos. De acordo com Mário de Abreu, presidente da Petrogal em
1990, era necessário construir uma nova unidade em Sines, «orientada
fundamentalmente para o mercado dos produtos leves – gasolina e ga-
sóleo», que potenciasse um «melhor aproveitamento da matéria-prima:
o crude». Contudo, o investimento não se reduzia, apenas, a Sines. Tam-
bém estavam previstas «obras importantes» em Matosinhos com o obje-
tivo de melhorar a fabricação de diversos produtos, entre os quais lubri-
ficantes.9
Um dos passos fundamentais para a privatização da Petrogal, con-
forme resulta da Lei-Quadro das Privatizações, foi a avaliação realizada
por dois grupos financeiros, com o objetivo de permitir ao governo dis-
por de uma perspetiva realista quanto ao verdadeiro valor da empresa
antes de abordar o mercado. Para tal, o governo português solicitou um
relatório de avaliação ao grupo constituído pela Finantia e pela Goldman

5
«Petrogal com 56% do mercado de combustíveis», Semanário Económico, 7-2-1992, 13.
6
«Petrogal: nova refinaria antes da privatização», Expresso, 26-5-1990, C1.
7
Ver Amaral e Durães (1995, 50).
8
Ver Amaral e Durães (1995, 63-65).
9
«Petrogal: nova refinaria antes da privatização», Expresso, 26-5-1990, C1.

40
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

Sachs e outro ao grupo constituído pela ESSI-Espírito Santo Sociedade


de Investimentos e à American Appraisal. Os resultados foram bastante
divergentes. Enquanto um dos avaliadores afirmava que a Petrogal valeria
cerca de 170 milhões de contos, o outro relatório apontava para um valor
próximo dos 130 milhões de contos. No entanto, mais importante do
que o valor em questão, o que era relevante em termos da privatização
da Petrogal seria o planeamento estratégico, principalmente em relação
aos investimentos e planos de desenvolvimento industrial. A adminis-
tração previa a necessidade de um investimento de 170 milhões de contos
nos sete anos seguintes para o desenvolvimento das unidades de recon-
versão e refinação da empresa, nomeadamente em Sines.10
Paralelamente à evolução dos resultados da empresa, não se pode com-
preender o processo de privatização da Petrogal sem observar as altera-
ções institucionais pelas quais passou. A aprovação do Decreto-Lei
n.º 353/91, de 20 de setembro, tornou irreversível a alienação de parte
do capital da Petrogal a privados. Com esta peça legislativa, o Estado
português aprovava a redução, por fases, da sua participação no capital
da empresa até ao valor de 10%, mantendo sempre uma capacidade de
influência significativa nas definições estratégicas da empresa (faculdade
conhecida como golden share). Na primeira fase, a que assim se estava a
dar início, o objetivo era reprivatizar 51% do capital social da Petrogal
através de um aumento de capital de 19 milhões de ações e da aquisição
de mais 5 milhões de ações ao Estado português. No prazo de três anos,
o grupo vencedor assumiria o compromisso de comprar ao Estado mais
24 960 000 ações da sociedade. De realçar também que 20% estavam re-
servados aos trabalhadores da empresa e pequenos subscritores, no âm-
bito da política de criação de acionariado popular que orientou a Lei-
-Quadro das Privatizações.11
O Decreto-Lei em questão regulava ainda, o tipo de grupos que poderia
concorrer à entrada no capital da Petrogal, definindo que os interessados
deveriam apresentar-se a concurso em agrupamento, ficando obrigados a
«constituir, entre si, no prazo fixado no caderno de encargos, uma socie-
dade gestora de participações sociais, SGPS, para a qual serão transmitidas
as ações subscritas ou adquiridas». Ora, 50% deste agrupamento, ficava
com direito de voto na sociedade gestora de participações sociais, tinha de

10
«Petrogal nas 500 maiores empresas europeias», Expresso, 20-1-1990, C1. Por motivos
que nos foram alheios, não foi possível aceder aos relatórios destes avaliadores externos.
11
Segundo Vieira e Serra (2006, 8-9), este método de privatização foi aplicado à Petrogal
por se tratar de uma empresa em que «os interesses políticos e económicos nacionais es-
tavam em causa».

41
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Os Petróleos em Portugal

ser detido por «entidades nacionais», para além de a maioria dos membros
dos órgãos de administração e fiscalização obrigar a que fosse de naciona-
lidade portuguesa. Adicionalmente, durante cinco anos, as participações
no capital social da Petrogal não poderiam ser alienadas, «sob pena de nu-
lidade dos atos». Estas restrições deviam-se à «força dos interesses nacionais
em causa», de forma a preservar «quaisquer decisões que, direta ou indire-
tamente, possam pôr em causa o abastecimento normal do País».12
Meses mais tarde, no princípio de 1992, o Conselho de Ministros
aprovou o caderno de encargos para a privatização da Petrogal, no qual
se estipulavam as condições inerentes a este processo, incluindo a defi-
nição do valor de cada ação (1700$00 escudos). Ficavam também claros
os objetivos do Estado com a privatização e as finalidades subjacentes à
entrada dos privados no capital da empresa. Os principais objetivos con-
sistiam, em primeiro lugar, em defender a presença nacional na empresa,
considerada estratégica para o país. Em segundo lugar, pretendia-se a «re-
solução atempada das insuficiências estruturais do sistema de refinação,
tornando-o apto a enfrentar as necessidades futuras do mercado, no con-
texto europeu, e assegurando o seu contínuo aperfeiçoamento». Em ter-
ceiro lugar, pretendia-se a «expansão sustentada das atividades no con-
texto crescentemente concorrencial». Procurava-se também a «suficiência
e garantia» de abastecimento de crude, «com acesso mais direto à explo-
ração petrolífera», bem como o desenvolvimento do valor acrescentado
dos produtos químicos na atividade da empresa. Finalmente, visava-se
também o «desenvolvimento da rede própria de comercialização de com-
bustíveis da Petrogal, com extensão significativa ao mercado ibérico».13
Com a publicação desta legislação ficavam enunciados os objetivos e
valores concretos para a privatização da Petrogal. Ao mesmo tempo, a
definição dos procedimentos contribuiu para que na imprensa surgissem
vozes que contestavam os métodos e as escolhas do governo. Estas vozes
fizeram-se sentir durante todo o processo e, em alguns casos, antecipa-
ram-se, mesmo, à publicação do caderno de encargos. Logo em meados
de 1991, surgiram na imprensa críticas quanto ao modelo de privatização
que o governo parecia direcionado a escolher, na medida em que se con-
siderava que tal privatização não iria «resolver os problemas da petrolífera
nacional» já que, «para se modernizar e reestruturar», a Petrogal necessi-
tava «no mínimo de 130 milhões de contos, uma verba que já devia ter
sido parcialmente aplicada há cerca de cinco anos na refinaria de Sines,

12
Ver Decreto-Lei n.º 353/91, 20 de setembro.
13
Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/92 de 17 de janeiro.

42
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

de modo a permitir à empresa ser competitiva com os gigantes mundiais


dos petróleos». Com a privatização a ser feita nos moldes definidos pelo
governo, o investimento dos privados na empresa não ultrapassaria os
60 milhões de contos, o que implicaria que a empresa passasse «por uma
fase crítica», estando previsto que estivesse «três anos no vermelho». Con-
forme era divulgado pelo Expresso, vários responsáveis da Petrogal con-
sideravam que o modelo não era «o mais adequado», parecendo mesmo
estar feito à medida dos «interesses do único consórcio que já tinha de-
monstrado [vontade] em concorrer à privatização da Petrogal».14
De certa forma, a tutela reconhecia estas críticas. Mira Amaral, minis-
tro da Indústria e Energia, não negou que os objetivos consistiam em as-
segurar os «interesses portugueses». Para isso, tinha sido «montado um
esquema» em que desincentivava o aparecimento de muitos grupos, dada
a exigência de «grandes recursos financeiros». Como a Petrogal não estava
a ser «vendida ao preço da chuva», a única solução era que os concor-
rentes se reunissem num consórcio para a partilha dos riscos por vários
acionistas.15

A Petrocontrol
O grupo Petrocontrol tinha começado a desenhar-se a partir da aprova-
ção da Lei n.º 11/90, de 5 de setembro, que estabeleceu o regime aplicável
à privatização das empresas públicas. No final de 1990 e ao longo de 1991,
os principais grupos financeiros portugueses, em particular aqueles que ha-
viam participado nas empresas petrolíferas nacionais antes de 1974, avan-
çaram com uma proposta para a entrada no capital da Petrogal. Estas mo-
vimentações foram apoiadas pelo governo que, como vimos, desde cedo
«manifestou interesse» em «envolver entidades portuguesas que viessem a
constituir um grupo privado estável» para controlar, a médio e longo prazo,
a empresa. No princípio de 1991, esse consórcio estava já praticamente
constituído. Nele participavam o grupo Espírito Santo (que havia estado
ligado à Sacor), o grupo José de Mello (ligado à Petrosul e à Sonap), o
grupo Champalimaud, Manuel Boullosa (ligado à Sonap), Patrick Mon-
teiro de Barros, o grupo Amorim, o grupo Roquete, a Parfil e a Fundação
Oriente, em associação com a Stanley Ho. No mesmo ano, este consórcio

14
«Petrogal: modelo de privatização ameaça futuro», Expresso, 17-8-1991, C1 e C24.
15
«UEM acaba com o monopólio da banca como alternativa de financiamento», Se-
manário Económico, 27-3-1992, 5.

43
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Os Petróleos em Portugal

criou uma sociedade ges-


tora de participações so-
ciais, a Finpetro.16 Deste
grupo, Manuel Boullosa e
Patrick Monteiro de Bar-
ros tinham, de acordo
com Ricardo Espírito
Santo Salgado, uma parti-
cipação superior à dos res-
tantes participantes no
consórcio.17
Dadas as necessidades
financeiras envolvidas
neste projeto, o consórcio
de acionistas portugueses
procurou estabelecer par-
Dos cimentos, do aço e da banca para o petróleo:
António Champalimaud (1918-2004), um dos
cerias estratégicas com
acionistas portugueses da Petrocontrol, consórcio grandes petrolíferas inter-
que em 1992 adquiriu 25% da Petrogal. nacionais, de forma a di-
vidir os riscos da opera-
ção. Em 1992, o consórcio Finpetro e a francesa Total chegaram a
entendimento para constituírem a Petrocontrol, com o grupo português
a deter 51% das ações desta sociedade, tendo apresentado a sua candida-
tura à primeira fase de privatização da Petrogal.18
A Petrocontrol foi a única candidata à privatização da Petrogal e, em
meados de 1992, o processo foi dado por concluído, com este grupo a
assegurar a compra da primeira fatia de 25% do capital da empresa, ao
preço base de 1700$00 por ação. Este processo envolveu «um total de
24 milhões de títulos, 19 milhões dos quais relativos ao aumento de ca-
pital e o restante correspondente à alienação de cinco milhões de ações
detidas pelo Estado». Numa segunda fase, a concluir num prazo de três
anos, o consórcio de privados comprometia-se a adquirir mais 26% do
capital da Petrogal, o que lhe permitiria alcançar os 51% e o controlo da
empresa. As duas operações do consórcio luso-francês significariam um
investimento de cerca de 83 milhões de contos.19

16
Vicente (2002, 259-260).
17
«Total aposta na Petrogal para entrar em Espanha», Expresso, 21-3-1992, C2.
18
Vicente (2002, 259-260).
19
«Petrocontrol compra 25% da Petrogal», Expresso, 23-5-1992, C1.

44
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

Quais as razões e interesses dos franceses da Total para entrarem neste


consórcio com o grupo de acionistas portugueses reunidos na Finpetro?
De acordo com um dos principais acionistas portugueses, Ricardo Espí-
rito Santo Salgado, a Petrogal abria «a possibilidade da Total entrar em
Espanha», numa altura em que a sua congénere Elf se havia associado à
Cepsa espanhola e em que a BP adquirira uma das refinarias espanholas.
Assim, «a Petrogal com duas refinarias, em Sines e em Matosinhos, mais
próximas, por exemplo, da Extremadura, que a refinaria de Algeciras, a
mais próxima daquela província espanhola, serve os intentos comerciais
da Total, que assim poderá atacar em duas frentes».20 A entrada da Total
no consórcio concorrente à primeira fase de privatização da Petrogal era,
ainda, vista como trazendo «mais-valias técnicas à Petrogal», porque per-
mitia a entrada na empresa de quadros técnicos, sobretudo para o sector
industrial, o que era percecionado pelos acionistas portugueses da Petro-
control como «um fator positivo».21
Abria-se, assim, uma nova fase na vida da Petrogal. Após a nacionali-
zação das empresas petrolíferas de capital nacional a operarem em Por-
tugal, em 1975, e depois da unificação dessas empresas na Petrogal, os
privados voltavam a participar no negócio dos petróleos. De acordo com
o Decreto-Lei n.º 353/91, o mais tardar em três anos a maioria do capital
da empresa passaria para mãos privadas. Contudo, cedo ficou claro que
as grandes mudanças na empresa estavam dependentes da obtenção da
maioria do capital da empresa, sendo que, até lá, os privados iram limi-
tar-se a «uma ação de diagnóstico», visto ser claro que a Petrogal «não
está bem e vai apresentar prejuízos consideráveis».22 No fundo, muito
ainda estava por resolver na Petrogal. Com a Assembleia Geral de Acio-
nistas, ocorrida em meados de julho de 1992, ficou definida a nova ad-
ministração da Petrogal. José Viana Baptista assumiu a presidência da
empresa, substituindo Mário de Abreu e acumulando a função de ad-
ministrador por parte do Estado. Ao todo, a nova administração era com-
posta por sete administradores, três dos quais nomeados pelos acionistas
privados.
A nova gestão definiu como prioritário avançar com a modernização
do sistema de refinação de Sines, um projeto apoiado pelo Banco Euro-
peu de Investimento (BEI), através de um empréstimo celebrado em fi-

20
«Total aposta na Petrogal para entrar em Espanha», Expresso, 21-3-1992, C2. Ver, tam-
bém, Expresso, 28-3-1992, C6, para informação mais detalhada sobre a Petrogal no mer-
cado espanhol.
21
«Discórdia na Petrogal», Expresso, 28-9-1992, C1.
22
«Total aposta na Petrogal para entrar em Espanha», Expresso, 21-3-1992, C2.

45
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Os Petróleos em Portugal

nais de 1992. Depois, foi necessário avançar com a modernização e re-


configuração do sistema comercial da empresa, sobretudo porque a rede
viária portuguesa estava a crescer substancialmente. Acresce que havia
necessidade de preparar a empresa para a progressiva liberalização do
mercado dos combustíveis nacionais, um imperativo em face da partici-
pação de Portugal no mercado comum
europeu, ao mesmo tempo que se man-
teve o desejo de continuar o investi-
mento efetuado na expansão comercial
da Petrogal em Espanha.23 Estas ações
foram desenvolvidas num momento em
que a conjuntura internacional do mer-
cado petrolífero era claramente adversa,
«provocando dramáticas e inesperadas
reduções nas margens de refinação»,
como reconheceu Viana Baptista.24
Os problemas estruturais da empresa
e o agravamento da situação internacio-
nal do mercado do petróleo traduziram-
-se na manutenção da tendência nega-
tiva que a empresa experienciara nos
anos anteriores. O primeiro semestre do
José Viana Baptista (1931-2004), exercício de 1992 trazia já um prejuízo
presidente da Petrogal entre 1992
e 1995.
de 16,3 milhões de contos, situação que
não se inverteu no segundo semestre do
ano, com a empresa a fechar o exercício com resultados negativos de
cerca de 30 milhões de contos. Como concluia o Expresso, «a Petrogal
não teve um ano fácil».25 Aliás, na primeira entrevista do novo presidente
da empresa, esta situação não foi ocultada, ainda que Viana Baptista pro-
curasse «desdramatizar a atual situação».
Num primeiro momento, a nova gestão procurou diminuir as partici-
pações em que a Petrogal estava envolvida e que não correspondessem a
atividades incluídas no seu core business, abdicando das ações no Banco
de Fomento e Exterior e na seguradora Bonança. De seguida, o novo pre-
sidente identificou os principais problemas da empresa: a pressão provo-
cada pelo sistema de formação de preços, com Viana Baptista a preconizar

23
Vicente (2002, 262).
24
Relatório e Contas 1992, Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A.
25
«Galp, enfrentar a concorrência», Expresso, 9-1-1993, C2.

46
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

«um mecanismo de flutuação de preços no consumidor», e a necessidade


de se ver reduzido o prazo de stocks obrigatórios de 120 para 90 dias, tal
como se praticava na maioria dos países europeus. Quanto ao futuro,
Viana Baptista considerava haver «determinadas atividades que a Petrogal
não pode deixar de fazer, como sejam as relacionadas com a refinação,
distribuição e comercialização do petróleo».26
O embate dos acionistas privados com a realidade da Petrogal terá le-
vado às primeiras discórdias entre os detentores do capital social da em-
presa. As críticas que foram transmitidas pela imprensa prendiam-se, so-
bretudo, com o valor pago pelas ações da Petrogal. Ainda antes de ser
conhecido o caderno de encargos para a privatização, já alguns acionistas
da Petrocontrol mostravam, publicamente, a sua opinião em relação ao
valor das ações. Patrick Monteiro de Barros considerava que o valor pe-
dido pelo Estado era «muito elevado», tendo em conta os prejuízos que
a empresa continuava a acumular.27 Ao longo de todo o processo de pri-
vatização, os jornais afirmavam que «os acionistas privados não deixam
de questionar o valor da empresa».28 Ora, com o apuramento dos prejuí-
zos de 1992, estes problemas ressurgiram. A tutela, pela voz do presidente
da Petrogal, recusava estas críticas. Numa entrevista a um jornal, Viana
Baptista foi perentório ao afirmar «que todos os elementos estavam dis-
poníveis à data da privatização».29 Porém, sectores ligados à Petrocontrol
exigiam uma auditoria à empresa «caso o governo não apresente uma so-
lução para os problemas» com que se tinham deparado.30
Assim, colocava-se a necessidade de diminuir os prejuízos da empresa
e de financiar a modernização do complexo de refinação de Sines, o que
conduziu os acionistas privados a exigirem a atribuição de um crédito
fiscal do Estado português à empresa no ano de 1993. Este crédito as-
cenderia a cerca de 11,5 milhões de contos, segundo dados avançados
pela imprensa.31 A situação foi resolvida em finais de 1993, com a inscri-
ção desta transferência no Orçamento de Estado para o ano de 1994. No
entanto, a solução encontrada acabou por acarretar uma perda para os
interesses privados, já que o Estado se recusou a contar os juros do crédito
fiscal a partir de 1986, tal como a Petrocontrol pretendia. Assim, ficou

26
Relatório e Contas 1992, Petróleos de Portugal, Petrogal, S. A.
27
«Monteiro de Barros considera ‘muito elevado’ o preço da Petrogal», Semanário Eco-
nómico, 10-1-1992, 11.
28
«Galp enfrentar a concorrência», Expresso, 9-1-1993, C2.
29
«Petrogal: venda da Bonança, BFE e JN começou», Expresso, 10-10-1992, C1 e C11.
30
«Discórdia na Petrogal», Expresso, 28-9-1992, C1.
31
«Petrogal exige receber 11,5 milhões do Estado», Diário de Notícias, 26-9-1992, 39.

47
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Os Petróleos em Portugal

definido que esses juros eram devidos, apenas, a partir de junho de 1992,
altura em que ficou concluída a primeira fase da privatização da
empresa.32
Em segundo lugar, ao longo de 1992, a administração tomou cons-
ciência de que o Fundo de Pensões da Petrogal não se encontrava devi-
damente provisionado. De acordo com relatórios feitos por auditores ex-
ternos, este fundo não era «suficiente para cobrir integralmente as
responsabilidades pelos complementos de reforma por velhice e invali-
dez».33 Esta situação era reflexo da transformação verificada na empresa
ao nível dos recursos humanos, com uma diminuição substancial do uni-
verso dos trabalhadores no ativo. De facto, uma das principais reformas
feitas no princípio da década de 1990 prendeu-se com a redução do nú-
mero de trabalhadores, passando de cerca de 7000 funcionários para
3870, em 1993, sem que se tivesse havido despedimentos. A solução pas-
sou pelo recurso a rescisões amigáveis e reformas antecipadas e pré-
-reformas, algo que, em última instância, colocou ainda mais pressão
sobre o fundo de pensões da empresa,34 só ocorrendo posteriormente o
conveniente provisionamento deste fundo.
Em terceiro lugar, a empresa foi confrontada com novas despesas ine-
rentes ao processo de transferência das instalações da Petrogal em Cabo
Ruivo, devido ao início das obras da Expo’98, na zona oriental de Lisboa.
Este era um facto novo, que implicaria o «desmantelamento de todo o
complexo logístico da Petrogal», para além de envolver o encerramento
da refinaria «antes da data prevista». Por esta razão, tornava-se necessária
a construção de novas instalações para o abastecimento da Grande Lisboa
e Centro do país, uma vez que tal não poderia ser assegurado pelo trans-
porte rodoviário de Sines para o Norte do país.35
As principais questões neste contencioso e que muito contribuíram
para o agravamento das já difíceis relações entre os acionistas privados
da Petrogal e a tutela, foram o valor das indemnizações que o Estado es-
tava disposto a pagar pela expropriação dos terrenos da futura Expo’98,
assim como o prazo dado para a desocupação dos terrenos na zona orien-
tal de Lisboa. A desativação das instalações da Petrogal em Cabo Ruivo,
sem que fosse encontrada uma alternativa, era algo «quase impossível»
para a Petrogal, uma vez que era «inviável trazer combustível do Alentejo

32
«Crédito fiscal à Petrogal no OE 94», Expresso, 28-8-1993, C16.
33
Relatório e Contas 1992, Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A.
34
«Sines-Lisboa em pipeline privado», Expresso, 13-11-1993, C3.
35
Vicente (2002, 263).

48
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

através de carros-tanque», naquela que parecia ser a única alternativa em


cima da mesa.36 Era então necessário encontrar soluções intermédias para
o armazenamento e distribuição dos combustíveis até que fossem cons-
truídas as novas instalações, o que tornava esta operação bastante dis-
pendiosa. A solução encontrada passou pela construção de um pipeline
multiproduto que unisse a refinaria de Sines à futura central de armaze-
namento, que veio a ser localizada a norte de Lisboa, em Aveiras de
Cima, no concelho da Azambuja, e que permitisse uma distribuição
limpa e segura dos combustíveis. Este pipeline poderia ser também aberto
às outras petrolíferas a operar em Portugal e que também teriam de aban-
donar Cabo Ruivo, nomeadamente, a Shell, a Mobil e a BP.
Porém, esta solução deveria ser articulada com uma política «mais
abrangente» do próprio governo português, em que se contemplassem
as questões ambientais e de segurança.37 De modo a assegurar o abaste-
cimento de combustíveis à Grande Lisboa e à zona Centro do país, en-
quanto decorressem as obras de construção do pipeline e da própria cen-
tral de armazenamento e abastecimento de combustíveis em Aveiras, a
desocupação das instalações de armazenamento de Cabo Ruivo seria
feita «por etapas», que seriam «conciliadas com a construção do oleo-
duto».38
Ainda assim, subsistia a questão da indemnização devida pelo Estado
à Petrogal pela saída de Cabo Ruivo. Em fevereiro de 1994, foi assinado
o protocolo entre a empresa e o Estado, que definia «uma contrapartida
mínima de 12 milhões de contos», que seria «ajustada em função de cri-
térios a estabelecer» pelas duas partes.39 Até se chegar a este entendi-
mento, decorreram longos meses de negociações entre o Estado e a Pe-
trogal, uma vez que o pagamento proposto pelo Estado era claramente
insuficiente para que a empresa pudesse acomodar as despesas de cons-
trução das futuras instalações de armazenamento, avaliadas em cerca de
45 milhões de contos.40 Assim, foi necessário à Petrogal recorrer à banca
para financiar este projeto, aumentando ainda mais os seus encargos fi-
nanceiros.41 Perante estas questões – a saber, o crédito fiscal, o fundo de

36
«Cabo Ruivo divide petrolíferas», Expresso, 21-8-1993, C12.
37
«Petrogal: estratégia até 1997 prevê acesso às bolsas internacionais», Semanário Eco-
nómico, 20-8-1993, 12.
38
«Sines-Lisboa em pipeline privado». Entrevista do secretário de Estado da Energia,
Luís Filipe Pereira, ao Expresso, 13-11-1993, C2-C3.
39
Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 13.
40
Santos (2011, 181).
41
Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 6.

49
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Os Petróleos em Portugal

pensões e a saída da Petrogal da zona oriental de Lisboa na sequência da


Expo’98 –, as relações entre o Estado e os acionistas da Petrogal deterio-
raram-se ao longo do ano de 1993. A posição destes últimos resumiu-se a
uma só: recusar avançar para a segunda fase de privatização enquanto não
vissem satisfeitas pelo Estado as suas reivindicações.
Ao mesmo tempo, a aproximação entre o Estado e a Petrocontrol foi
seguramente dificultada pelas notícias saídas a público no final de março
de 1993, segundo as quais a Total tinha estabelecido um acordo secreto
com os restantes acionistas privados «que, a prazo, dariam o controlo da
participação privada aos franceses da Total». No fundo, tratava-se da cria-
ção de um mecanismo que iria permitir à Total «tornear a limitação a es-
trangeiros, imposta pelo caderno de encargos» da primeira fase de priva-
tização.42
Segundo o acordo, a Total faria um empréstimo de 4 milhões de con-
tos aos acionistas privados portugueses; posteriormente seria constituída
a Petromadeira, com sede na zona franca da Madeira, com o objetivo de
financiar os sócios portugueses durante a primeira fase de privatização.
A nova sociedade permitiria vários tipos de investimento da Total na Pe-
trogal, que lhe dariam o controlo efetivo da empresa. De acordo com a
fonte que revela o acordo, o objetivo da Total nesta operação seria o pos-
terior controlo da Petrogal espanhola. Ao descobrir o propósito da ini-
ciativa da petrolífera francesa, o governo português, enquanto acionista
maioritário da Petrogal, endureceu a sua posição.43
Perante a tentativa dos privados de contornarem as normas instituídas
no caderno de encargos da primeira fase de privatização, o Estado tomou
duas decisões de grande importância: a primeira foi atribuir a gestão da
Petrogal espanhola a José Viana Baptista, presidente do Conselho de Ad-
ministração da Petrogal, que o tinha igualmente designado como admi-
nistrador por parte do Estado para efeitos de garantir o exercício dos di-
reitos especiais decorrentes da golden share que tinha sido assegurada no
processo de privatização. Deste modo, o acesso dos privados à Petrogal
espanhola, estaria bloqueado e sob alçada do Estado Português.44 A outra
medida de força foi a retirada de funções executivas aos privados no Con-
selho de Administração. Apesar de serem minoritários na percentagem
que detinham da Petrogal (25%), fora atribuída aos acionistas privados a

42
«Total deixa cair Petrogal», Semanário Económico, 26-3-1993, 13-14.
43
Ibid.
44
«Privatização da Petrogal revista», Semanário Económico, 2-4-1993, 15.

50
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

tutela dos importantes pelouros – financeiro e comercial –, na expetativa


de que a breve prazo a Petrocontrol «compraria o segundo lote de ações
da Petrogal».45
Perante a recusa da Petrocontrol em participar no aumento de capital
da Petrogal (o que aumentava grandemente o investimento financeiro
daquele consórcio privado na empresa) e a sua decisão de não concretizar
a promessa de aquisição dos restantes 26% das ações efetuada no mo-
mento inicial da privatização –, que equivaleriam à segunda fase de pri-
vatização –, ao mesmo preço da primeira fase, o Estado decidiu alterar a
composição da Comissão Executiva da Petrogal. Apesar de se reconhecer
que a «dificuldade de um perfeito entendimento» entre os acionistas era
algo «formalmente exterior ao Conselho de Administração e à sua Co-
missão Executiva», a verdade é que não poderia deixar de ter «repercus-
sões na condução dos destinos da empresa», nomeadamente no que dizia
respeito à «prossecução dos programas de desenvolvimento, [...] bem
como da manutenção da estabilidade interna». Assim, era proposto pelo
presidente do Conselho de Administração, José Viana Baptista, «inter-
pretando o sentido do voto de confiança do acionista Estado», uma al-
teração da Comissão Executiva da Petrogal.46
Com entrada em funções a 6 de maio de 1993, a nova Comissão Exe-
cutiva era composta apenas por quatro membros: José Viana Baptista
(presidente), Fernando Noronha Leal, José Manuel Serrão e Pedro Pe-
drosa Machado (vogais), sendo que todos foram nomeados pelo acionista
Estado. Ou seja, os dois administradores nomeados pelos privados que
anteriormente integravam a Comissão Executiva, António Cardoso
Pinto, e Ian Howat, passavam a administradores não-executivos, aos quais
se juntou, nessa qualidade, Pedro Pires de Miranda, deixando os privados
de ter representação na Comissão Executiva da Petrogal.47 Esta alteração
organizativa aumentou «a interferência do Estado» na empresa e criou
«uma situação de certa crispação e de instabilidade na gestão».48
Porém, a alteração na composição da Comissão Executiva permitiu ao
Estado salvaguardar a gestão corrente da empresa de quaisquer agitações

45
Esta era uma opção que procurava favorecer os privados, ao mesmo tempo que ace-
leraria o processo de privatização da Petrogal.
46
Ata n.º 8/93 do Conselho de Administração da Petrogal, 6-5-1993, Ministério da Eco-
nomia, Secretaria de Estado da Energia, Proc. n.º 3.01 Petrogal/3.02 Fundo de Pensões, 1994.
47
Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 9. Ata n.º 8/93 do Conselho de Administração
da Petrogal, 06-05-1993, Ministério da Economia, Secretaria de Estado da Energia, Proc.
n.º 3.01 Petrogal/3.02 Fundo de Pensões, 1994.
48
Vicente (2002, 263).

51
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Os Petróleos em Portugal

Pedro Pires de Miranda (1928-


-2015). Depois da BP, da Petrosul
e da Sonap, em 1976, entrou
para a administração da Petrogal.
Em 1979, foi nomeado por
Nobre da Costa para presidente
da Comissão de Integração
Europeia, em substituição de
Jacinto Nunes, ato representado
na fotografia. Foi presidente da
Petrogal entre 1980 e 1985.
Regressou à adminsitração
da Petrogal, em 1993-1994.

entre os acionistas, nomeadamente da parte dos acionistas privados.


Numa declaração de voto proclamada nesta ocasião, Pedro Pires de Mi-
randa reconhecia que tal modificação alterava «profundamente as respon-
sabilidades até agora acometidas» aos representantes dos acionistas priva-
dos e reduzia o seu «envolvimento direto nas atividades da Empresa»,
pelo que votava contra esta decisão.49 A imprensa relatava este episódio
como um castigo que o acionista Estado procurou aplicar ao consórcio
privado Petrocontrol pela sua recusa em avançar logo para a compra dos
restantes 26% que concluiriam o processo de privatização, e representa-
vam uma injeção de capital na empresa, bem como pela denúncia da coo-
peração entre os privados portugueses e a Total para que a petrolífera fran-
cesa tomasse o controlo da Petrogal.50
Mas não era só o Estado que estava a endurecer a sua posição na Pe-
trogal. Também os acionistas privados tomaram uma posição de força
perante a nova situação da empresa petrolífera portuguesa. Numa carta
enviada aos ministros das Finanças e da Indústria e Energia, a que estava
anexo o «Estudo sobre a situação atual da Petrogal e da privatização dessa
empresa», a Petrocontrol apresentava uma «nova proposta de carácter
global» para a Petrogal. Esta proposta assentava em seis pontos: desde
logo, a Petrocontrol garantia que seria acionista da Petrogal até 19 de
junho de 1995, data em que expirava o prazo para conclusão da segunda
fase da privatização da petrolífera portuguesa, e que só nessa altura «o

49
Ata n.º 8/93 do Conselho de Administração da Petrogal, 6-5-1993, Arquivo do Mi-
nistério da Economia e Emprego, Processo de Privatização da Petrogal, Proc. n.º 3.01 Pe-
trogal/3.02 Fundo de Pensões, 1994.
50
«Petrogal sem privados na Comissão Executiva», Diário de Notícias, 7-5-1993, 2.

52
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

direito de opção para adquirir 51% do capital da empresa será exercido,


se o for». 51 De seguida, a Petrocontrol declarava-se pronta para assegurar
a sua colaboração com a Petrogal, nomeadamente quanto aos «contratos
de cooperação técnica» a serem estabelecidos entre a empresa e os sócios
da Petrocontrol, a Finpetro e a Total, e para «participar com o Estado no
reforço financeiro da Petrogal». Por fim, e porque a questão da expro-
priação dos terrenos de Cabo Ruivo não estava ainda totalmente resol-
vida, a Petrocontrol reservava-se o direito de recuar na aquisição da pri-
meira parte das ações da Petrogal, os 25% adquiridos em 1992,
solicitando «desde já que lhe seja reconhecido o direito [...] de devolver
ao Estado a ações correspondentes», recebendo do Estado «a totalidade
do valor por que essas ações foram adquiridas em 1992».52 Portanto, a
Petrocontrol não dava por garantida a sua participação na segunda fase
da privatização da Petrogal, assumindo inclusivamente que se poderia
dar uma completa inversão da situação, com o Estado a ser forçado a
comprar de volta as ações vendidas em 1992, tal como estava previsto
nos diplomas legais que aprovaram a privatização da empresa.
Como forma de pressão adicional, no «Estudo sobre a situação da Pe-
trogal e o processo da sua privatização»,53 os acionistas privados demons-
travam que existiam várias condições para a revogação do contrato com
o Estado português, na sequência da alteração das bases em que tinha
decorrido a primeira fase de privatização da Petrogal. O principal argu-
mento para esta revogação era a aplicação do «instituto de alteração das
circunstâncias» que seria indicado para «solucionar problemas suscitados
por súbitas alterações legislativas ou por outras decisões do Estado que
[...] venham a atingir contratos pré-existentes». Ora, segundo os sócios
da Petrocontrol, essas alterações «radicais e imprevisíveis» tinham-se ve-
rificado com a questão das instalações de Cabo Ruivo e com todos os
impactos que daí adviriam, nomeadamente a reformulação «profunda e
muito acelerada» das instalações e a necessidade de «repensar toda a es-
tratégia da Petrogal, que irá assentar, no futuro, em bases menos favorá-
veis». Assim, era exigido pela Petrocontrol que esta expropriação decor-
resse segundo «o estrito respeito pelas leis do país», o que implicava uma

51
Carta da Petrocontrol (Diogo Freitas do Amaral) para os ministros das Finanças e da
Indústria e Economia, de 23-7-1993. Arquivo do Ministério da Economia e Emprego,
Processo de Privatização da Petrogal, Proc. n.º A-3-01. Petrogal/5.07 Privatização.
52
Ibid.
53
Da Situação da Petrogal, S.A. e do Processo da sua Privatização. Estudo anexo à carta da
Petrocontrol (Diogo Freitas do Amaral) para os ministros das Finanças e da Indústria e
Economia, de 23-7-1993, Arquivo do Ministério da Economia e Emprego, Processo de
Privatização da Petrogal, Proc. n.º A-3-01. Petrogal/5.07 Privatização.

53
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Os Petróleos em Portugal

«justa indemnização». De todo o modo, não deveria haver lugar a qual-


quer sanção à Petrocontrol, caso ela desejasse a revogação do contrato
de privatização da Petrogal, uma vez que «não foram os compradores
que mudaram de ideias, foi a empresa que se alterou objetivamente, para
pior, sem que eles o pudessem ter previsto».54
A rutura entre os acionistas privados e o Estado parecia eminente, o
que implicaria o regresso do controlo do Estado sobre a empresa, con-
sequência direta da revogação do contrato de privatização pelos acionis-
tas privados. Esta situação significaria para o governo português o fa-
lhanço da sua estratégia de privatização da Petrogal, com consequências
financeiras claras para o Estado. Perante este risco, existiam apenas dois
caminhos: ou se partia para a rutura, ou se adiava o problema, com o
objetivo de garantir a finalização do processo de reprivatização. Porém,
a tensão entre as duas partes não impossibilitou a emissão de títulos de
participação, em 17 de agosto de 1993, no valor de 25 milhões de
contos.55 A emissão dos títulos de participação foi a solução encontrada,
perante a impossibilidade do «aumento de capital que a empresa carecia»,
segundo declarações de José Manuel Serrão, administrador financeiro da
Petrogal nomeado pelo Estado.
Na realidade, em finais de agosto de 1993, Serrão punha fim a um ano
de silêncio por parte do Conselho de Administração da Petrogal, tendo
como objetivo o esclarecimento de «alguns aspetos financeiros que têm
gerado alguma confusão nos mercados». Ou seja, tratava-se de uma en-
trevista autorizada pelo presidente da empresa, Viana Baptista, para tran-
quilizar os mercados nacionais e internacionais, dos quais a Petrogal de-
pendia para o seu financiamento. Daí que quaisquer assuntos que
extrapolassem as questões financeiras, especialmente acerca das «relações
com a Petrocontrol» ou a saída de Cabo Ruivo, fossem «tabu». Ainda
assim, José Manuel Serrão não se inibiu de referir que os problemas entre
os acionistas tinham trazido «dificuldades acrescidas de crédito junto da
banca nacional e internacional», tendo o administrador financeiro da Pe-
trogal demonstrado a sua preocupação «com a falta de aprovação das
contas [do ano de 1992] e com as implicações que isso pode ter no acesso
ao crédito» por parte da empresa. Esta entrevista tornava-se, assim, em
mais uma forma de a administração da Petrogal pressionar os acionistas
privados a modificarem a sua posição.56

54
Ibid.
55
Confirmação da data de emissão dos Títulos de Participação no Relatório e Contas
da Petrogal, 1994, 12.
56
Entrevista de José Manuel Serrão, Semanário Económico, 20-8-1993, 11-12.

54
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

Este primeiro passo contribuiu para que a situação de tensão se dissi-


passe até ao final do ano de 1993, naquele que poderia ser o «princípio
de uma nova era para a empresa». Após vários meses de tensão, a
23 de dezembro, os acionistas privados aceitaram aprovar finalmente as
contas relativas a 1992, admitindo-se até a hipótese de a Petrocontrol
poder participar num aumento de capital intercalar para a Petrogal.57
O ano de 1993 parecia então terminar com a promessa de alguma acal-
mia nas relações entre os acionistas da Petrogal. Porém, as divergências
entre os acionistas estavam longe de estar sanadas, e o ano de 1994 reve-
lou-se de grande tensão no seio da empresa.
Desta vez, a principal fonte das divergências foi o interesse da Total,
participante no consórcio da Petrocontrol, no mercado espanhol e a tam-
bém crescente concorrência que se sentia entre a Total e a Petrogal espa-
nhola. Ora, a expansão da atividade da Petrogal em Espanha estava a ter
excelentes resultados. Durante o ano de 1993, as vendas da Petrogal es-
panhola ultrapassaram os 43 milhões de contos, «ao que correspondeu
um aumento de quase 200%», atingindo cerca de 2% do mercado da-
quele país. Estes bons resultados foram possibilitados pela abertura do
mercado do petróleo em Espanha, o que permitiu, por sua vez, a «aber-
tura de mais 55 áreas de serviço», transformando assim a Petrogal espa-
nhola «no primeiro operador externo naquele país».58
As notícias relativas à intenção da Total querer controlar a Petrogal
portuguesa para mais facilmente controlar o mercado espanhol haviam
surgido na primavera de 1993, quando um jornal denunciou o acordo
secreto entre a Total e os acionistas privados para que a petrolífera fran-
cesa alcançasse o controlo da Petrogal.59 Mais tarde, já em outubro de
1993, surgiram outras notícias que davam conta do esforço continuado
da Total para «hostilizar abertamente a Petrogal, reagindo a todas as me-
didas da petrolífera portuguesa em Espanha».60 Contudo, apesar destas
pressões, a Petrogal espanhola era, no final de 1993, «a primeira compa-
nhia petrolífera de capital estrangeiro em Espanha», com 100 estações
de serviço, o que a colocava muito à frente de outras empresas multina-
cionais (a Total tinha apenas 85 estações de serviço). Era inclusivamente
de se esperar que viesse a entrar para o lote das «cem maiores empresas

57
«Petrogal aprova hoje contas de 1992», Semanário Económico, 23-12-1993, 15.
58
Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 35-36. Ver reflexo deste crescimento no Semanário
Económico, 12-02-1993, 20.
59
Ver Semanário Económico, 26-3-1993, 13-14.
60
«Total vira costas à Petrogal», Semanário Económico, 22-10-1993, 21.

55
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Os Petróleos em Portugal

espanholas, em volume de faturação».61 Já em março de 1994, voltaram


a surgir rumores na imprensa espanhola de que os franceses da Total se
preparavam para assumir o controlo da Petrogal, como modo de tirar
vantagem da posição da empresa em Espanha.
Apesar dos desmentidos da Total e dos protestos da Petrogal, acredi-
tava-se ter existido uma alteração de posição da Total na Petrogal por via
«indireta», com a entrada de um novo parceiro no grupo Petrocontrol.
Através da Petromadeira, a empresa offshore criada em 1992 com o objetivo
de injetar capitais na Petrogal, havia a ideia de que os franceses controla-
vam 23,95% da Petrocontrol, estando na disposição «de tomar posições
de acionistas privados que queiram sair da Petrogal, sem manifestação pú-
blica dessa intenção».62 Assim, a própria relação entre os membros da Pe-
trocontrol estava a deteriorar-se, com a Total a tornar-se um parceiro cada
vez mais problemático.
Em 1994, regressou a tensão entre os acionistas privados e o Estado.
Segundo as informações que chegavam à imprensa, os acionistas privados
recusavam-se, mais uma vez, a aprovar as contas relativas ao ano de 1993,
com o objetivo de «pressionar o governo a baixar o preço das ações na se-
gunda fase de privatização da empresa», que deveria acontecer até junho
de 1995. No entanto, era necessário um aumento de capital da Petrogal,
de modo a efetuar o respetivo saneamento financeiro. Esta questão do
aumento de capital abalou igualmente a situação da empresa. Por um
lado, o Estado não se disponibilizou a assegurar a verba necessária, entre
50 e 100 milhões de contos, por outro lado, os privados, caso não parti-
cipassem, veriam a sua quota acionista muito reduzida, o que, «segundo
alguns juristas, contraria o espírito da lei que rege a privatização da em-
presa». Por outras palavras, um aumento de capital imediato seria feito
através da venda de ações da Petrogal que abririam a participação privada
a outras entidades, e que significaria uma espécie de segunda fase de pri-
vatização antecipada, à margem do que ficara estipulado na lei de 1992.
Durante esta crise, foi impossível que as tensões não se refletissem na
administração da empresa. De acordo com o Expresso, alguns adminis-
tradores defendiam uma «estratégia imediata de clarificação da estrutura
acionista», nomeadamente Pedrosa Machado e José Manuel Serrão. Nesta
conjuntura, destacava-se como «fiel da balança» o presidente da empresa,
Viana Baptista que, «com grande experiência política», procurava assumir
uma «atitude conciliadora». Era claro que ainda procurava o acordo, já

61
«Petrogal espanhola ganha 400 mil em 1993», Semanário Económico, 17-12-1993, 21.
62
«Total ao ataque na Petrogal», Expresso, 5-3-1994, C1.

56
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

que «mede cuidadosamente as palavras» em público «de modo a não dei-


xar transparecer a sua preferência por esta ou por aquela solução». Além
do mais, mostrava-se sensível à necessidade de aumento de capital da Pe-
trogal.63 Assim, a Petrogal entrava numa fase decisiva do seu processo de
privatização. Era necessário decidir qual a modalidade e os participantes
nesta segunda fase, algo que se definiu apenas em 1995, no limite do
prazo estipulado para esse efeito.

A saída da Total
Desde meados de 1994 que se tornava claro que seria necessário rever
o processo de privatização que tinha sido delineado para a Petrogal no
início da década de 1990. A situação que se vivia, em que a gestão da
empresa era conduzida apenas pelos administradores nomeados pelo Es-
tado, na sequência da recomposição da Comissão Executiva de maio de
1993, subvertia o objetivo da privatização.
Um dos primeiros sinais no sentido de uma revisão do processo de pri-
vatização veio de dentro da própria Petrogal, através do seu presidente,
José Viana Baptista. Num ofício reservado para o secretário de Estado da
Energia, o presidente do Conselho de Administração e da Comissão Exe-
cutiva da Petrogal tomava uma posição clara acerca do futuro da empresa
e do seu processo de privatização. Segundo Viana Baptista, o processo de
privatização delineado pelo Estado consagrava várias soluções que, era
necessário «reconhecer», seriam «dificilmente ajustáveis ao carácter estra-
tégico do sector e à salvaguarda do interesse nacional». Viana Baptista co-
meçava desde logo por criticar o modo essencialmente vago e indefinido
como o Estado delineou a privatização da Petrogal, acima de tudo por
não assegurar o pleno controlo do processo e do comportamento dos
acionistas privados, sendo que, para cúmulo, «conferiu à Petrocontrol a
possibilidade de exigir ao Estado a recompra» das ações que detinha.64
A grande preocupação de Viana Baptista era o facto de que a aplicação
«estrita» da lei da privatização pudesse conduzir a que «um agrupamento
que já não dá garantias de ser dominado por entidades nacionais», real-
çando o peso da Total no consórcio da Petrocontrol, e que, «durante dois

63
«Tensão cresce na Petrogal», Expresso, 30-4-1994, C3, 50.
64
Ofício de Viana Baptista para o secretário de Estado da Energia, de 29-7-1994, Ar-
quivo do Ministério da Economia e Emprego, Processo de Privatização da Petrogal, Proc.
n.º 3.01 Petrogal / 3.02 Fundo de Pensões.

57
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Os Petróleos em Portugal

anos, não deu qualquer prova de capacidade técnica e financeira» para


assegurar os objetivos previstos no caderno de encargos, «venha a domi-
nar maioritariamente a principal empresa portuguesa», que tinha, sobre-
tudo, «um interesse estratégico cada vez mais inquestionável». Para re-
forçar esta posição, o presidente da Petrogal demonstrava, através de
vários indicadores, que tinha sido o Estado, e não os acionistas privados,
a controlar as contas e a gestão da empresa, algo que seria particularmente
visível a partir do segundo semestre de 1993, altura em que o Estado to-
mara o controlo da Comissão Executiva da Petrogal. Era propósito de
Viana Baptista demonstrar que a «recuperação da Petrogal nada ficou a
dever à Petrocontrol ou aos seus representantes na Administração». Aliás,
a atuação dos seus acionistas passou por uma recusa constante em apro-
var «as propostas essenciais apresentadas pelo Estado, designadamente
as referentes à aprovação de contas de 1992 e 1993», naquilo que Viana
Baptista entendia como «uma manifesta e inaceitável forma de pressão
sobre o Estado».65
O caminho proposto pelo presidente da Petrogal tinha como principal
objetivo a salvaguarda da própria empresa, independentemente dos in-
teresses de privados e do Estado. Nesse sentido, Viana Baptista propunha
que fosse o Estado a recomprar os 25% detidos pela Petrocontrol, rever-
tendo assim o processo de privatização iniciado em 1992, no contexto
de um novo Decreto-Lei «que adote um novo modelo de reprivatização
da Petrogal que [...] permita alterar o modelo de privatização anterior-
mente previsto».66 E, de facto, foi isso que acabou por acontecer, se bem
que garantindo a manutenção da Petrocontrol como acionista privado
da Petrogal, ao contrário daquilo que Viana Baptista tão claramente ex-
pressara ao secretário de Estado da Energia.
As negociações entre o Estado e a Petrocontrol iniciaram-se no prin-
cípio de 1995, depois de serem resolvidas algumas questões relacionadas
com a própria Petrocontrol. Uma dessas questões prendia-se com a saída
da Total, empresa que até aí tinha sido responsável pela capacidade fi-
nanceira do consórcio privado. A solução encontrada passou pela aqui-
sição da posição acionista da Total pela Finpetro, que congregava os ele-
mentos portugueses da Petrocontrol, com exceção de Manuel Boullosa.
Esta operação financeira foi «montada e garantida» pelo grupo Cham-
palimaud, com o apoio de várias instituições bancárias portuguesas.67

65
Ibid.
66
Ibid.
67
«Champalimaud financia saída da Total», Expresso, 20-5-1995.

58
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

Aliás, a questão da saída da Total da Petrocontrol tinha já originado


várias críticas. Num dos poucos artigos de opinião acerca da operação
de privatização da Petrogal, publicado por Luís Marques no Expresso,
com o título «Petroconfusão», salientava-se que a Petrogal «já foi uma
empresa vital» sob vários níveis: «políticos, económicos e até militares».
Porém, após a criação do mercado único era «só» «importante», resultado
da «perda de independência económica». Ainda assim, a vontade do go-
verno em privatizar a Petrogal, uma empresa «grande», estava a traduzir-
-se numa decisão «perigosa e difícil de concretizar», na medida em que
o governo «definiu que deve continuar em boas mãos», o que para o
autor do artigo de opinião significava «em mãos portuguesas». Cons-
ciente de que o negócio dos petróleos implicava «compradores poderosos
e conhecedores» desta área de negócios, com «forte capacidade finan-
ceira», o problema estava em garantir que os investidores portugueses ti-
nham essa capacidade financeira, ou seja, que existiam «mãos portugue-
sas com músculo internacional para aguentar a Petrogal».
O principal problema prendia-se com o facto de o governo ter já ven-
dido 25% da Petrogal à Petrocontrol, constituída por capital maioritário
português e por uma participação francesa. Este desequilíbrio, em que
os portugueses eram «maioritários» e os franceses «minoritários», levava
a que os sócios da Petrocontrol não se entendessem. Acima de tudo, pe-
savam as expetativas goradas da Total, nomeadamente a limitação im-
posta pelo Estado, aquando da definição das regras da privatização da
Petrogal, em relação ao peso do parceiro estrangeiro no consórcio da Pe-
trocontrol. Isto trazia um «resultado» óbvio: «os franceses estão fartos e
querem ir embora. Não se entendem com os parceiros portugueses».
O problema a jusante era que «os próprios portugueses entre si também
não se entendem», faltando-lhes acima de tudo capacidade financeira
para avançar com a restante privatização. A grande lição de todo o pro-
cesso da primeira fase da privatização da Petrogal era, segundo Luís Mar-
ques, que «só o Estado pode assegurar que a Petrogal continue nas boas
mãos nacionais».68 Apesar de a solução encontrada para a viabilidade do
consórcio da Petrocontrol ter passado pelo investimento do grupo
Champalimaud na aquisição da parte dos franceses da Total, a verdade
é que o Estado também teve de ceder e rever o processo de privatização
tal como tinha ficado definido em 1992.
No seguimento da saída da Total do capital da Petrogal foi possível
avançar definitivamente para a renegociação dos termos em que se daria

68
«Petroconfusão», Expresso, 13-5-1995, C3.

59
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Os Petróleos em Portugal

o segundo momento da primeira fase do processo de privatização da Pe-


trogal. Após várias assembleias gerais que não tiveram resultados práticos,
foi finalmente acordado, entre o Estado e os acionistas privados, um
novo procedimento de privatização. No preâmbulo do Decreto-Lei que
definia os novos termos da operação de reprivatização da Petrogal são
referidas «alterações de circunstância de natureza imprevisível» que teriam
afetado a atividade da empresa, justificavam e determinavam «a alteração
do respetivo processo de privatização». A primeira dessas alterações era
que o Estado ficaria ainda como detentor maioritário do capital da Pe-
trogal, e a segunda era que seriam «consolidados e reforçados» os capitais
próprios da sociedade.69
Recorrendo a um instrumento conhecido como «operação harmónio»,
esta solução para as contas da Petrogal implicava que se daria um «sa-
neamento financeiro», com uma redução do capital da empresa em
70 milhões de contos, para 26 milhões de contos, «para absorver os pre-
juízos acumulados».70 Porém, esta redução de capital estava condicionada
a um «subsequente aumento de capital, para 103,35 milhões de contos,
a subscrever e a realizar nas quarenta e oito horas seguintes à deliberação
respetiva». Deste aumento de capital, 40 milhões de ações seriam subs-
critas pela Petrocontrol, que as adquiriria a 1000$00 cada, e as restantes
37,35 milhões de ações seriam «subscritas pelo Estado e realizadas, no
todo ou em parte, através da conversão de títulos de participação da Pe-
trogal de que é titular».71 Esta nova modalidade implicava assim que a
primeira fase da privatização da Petrogal seria reduzida para 45% do ca-
pital social da empresa. Por detrás desta solução poderá entrever-se algum
desconforto da parte do acionista Estado relativamente à participação da
Petrocontrol na gestão da petrolífera nacional desde 1992, e a não con-
cessão da maioria das ações da Petrogal ao consórcio privado indicaria
assim uma relativa falta de confiança.
A publicação do Decreto-Lei que oficializava a nova forma de proce-
dimento na privatização da Petrogal ocorreu no dia em que terminava o
prazo legal para a subscrição, pela Petrocontrol, das restantes ações a que
se tinha comprometido em 1992, ou seja, em 19 de junho de 1995.
Porém, uma resolução anterior do Conselho de Ministros tinha dilatado
o prazo até 31 de julho de 1995, precisamente para que fosse possível
terminar as negociações e chegar a um acordo entre os acionistas da pe-

69
Decreto-Lei 145-A/95 de 19 de junho.
70
Vicente (2002, 266).
71
Decreto-Lei 145-A/95 de 19 de junho.

60
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

Refinaria de Cabo Ruivo antes das obras da Exposição Internacional de Lisboa de 1998.

trolífera nacional.72 Esta solução não trazia encaixe financeiro para o Es-
tado, mas garantia-lhe direito de preferência caso os acionistas privados
quisessem vender algumas ações, assim como garantia à Petrocontrol o
direito de preferência caso o Estado quisesse vender capital da Petrogal.73
Estava assim finalmente resolvido o problema da primeira fase da pri-
vatização da Petrogal. Iniciado em 1992, este processo foi duro e confli-
tuoso, essencialmente pelas dificuldades de entendimento dos acionistas
privados, representados pela Petrocontrol, com o Estado. Podemos assim
concluir que os sucessivos problemas que a empresa enfrentou logo após
a fase inicial de privatização, com a questão do fundo de pensões, com
a acumulação de prejuízos, e com os problemas decorrentes da constru-
ção da Expo’98 e a consequente saída das instalações da Petrogal da zona
de Cabo Ruivo, não facilitaram as relações no seio da sua administração.
Mas «o Estado, como ‘pessoa de bem’, não poderia ficar indiferente na
procura de uma solução consensual entre o público e o privado». Acima
de tudo, caso o Estado decidisse avançar com o processo como tinha fi-

72
Resolução do Conselho de Ministros n.º 49-A/95, de 25 de maio de 1995.
73
«Petrogal tem novas regras de privatização», Semanário Económico, 25-5-1995, 13.

61
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Os Petróleos em Portugal

cado previsto em 1992, corria seriamente o risco de ter de renacionalizar


a Petrogal, uma vez que estava comprometido, conforme se assinalou
acima e com exceção de um bloco de 5% que se encontrava sujeito a re-
versão não onerosa, a voltar a comprar as ações detidas pela Petrocontrol
(ao preço da compra em 1992, o que equivaleria a 30 milhões de contos),
e seria «obrigado a fazer a sua recapitalização sozinho, desacreditando o
processo de privatização».74
Tal como reconheceu Mira Amaral, o desfecho encontrado para a pri-
meira fase do processo de privatização da Petrogal acabou por ser o mais
vantajoso quer para o Estado, quer para a própria empresa, não deixando
de considerar «os legítimos interesses do grupo privado». Segundo o
então titular da pasta da Indústria e Energia, este «ajustamento» no pro-
cesso de reprivatização permitiu evitar que o Estado tivesse de efetuar «o
desembolso imediato de 70 milhões de contos» e que pudesse «controlar
no futuro a evolução da estrutura acionista privada», sem que, no en-
tanto, ficasse «vinculado a qualquer data para realização de novas fases
de privatização». Do mesmo modo, para a empresa, o acordo alcançado
no verão de 1995 daria à Petrogal condições quer «de competitividade
financeira», quer de «estabilidade acionista e de gestão», indispensáveis
para o seu «desenvolvimento estratégico».75
Com esta alteração efetivada em junho de 1995, também se deu uma
alteração na composição do Conselho de Administração da Petrogal, que
foi alargado para 15 membros. Passou a adotar-se uma presidência dupla,
em que Viana Baptista se manteria como presidente do Conselho de Ad-
ministração e administrador designado para efeitos da golden share do Es-
tado, se bem que sem qualquer função executiva, tendo sido nomeado
para a presidência da Comissão Executiva Manuel Ferreira de Oliveira,
«nome consensual entre os privados».76 Outro administrador não execu-
tivo era Jorge Armindo, do grupo Amorim, designado pela Petrocontrol.
Os demais vogais da Comissão Executiva seriam António Manuel Sal-
vador Pinheiro, António José Chalmique Chagas, Raul Sant’Anna Coe-
lho e Carlos Eugénio Corrêa da Silva, os últimos dois nomeados pelos
privados.77 A reformulação definitiva da estrutura administrativa da Pe-
trogal ocorreu em outubro de 1995, com a renúncia de Viana Baptista e
a designação, por ambos os acionistas, de Ferreira de Oliveira para os car-

74
Vicente (2002, 266).
75
Amaral e Durães (1995, 65).
76
«Manuel Oliveira à frente na Petrogal», Diário de Notícias, 31-5-1995, 4.
77
«Petrogal: privados pagam 67 milhões», Expresso, 10-6-1995, C4.

62
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

Tomada de posse do segundo governo de Cavaco Silva, sendo Luís Mira Amaral ministro
da Indústria e Energia (1987-1991).

gos de presidente do Conselho de Administração e da Comissão Execu-


tiva, passando o engenheiro Joaquim Nunes Barata a ser o administrador
designado pelo Estado, para efeitos de exercício dos direitos referentes à
golden share.78
A 31 de julho de 1995, prazo limite para a concretização da segunda
fase da privatização, foi assinado o acordo parassocial entre o Estado e a
Petrocontrol. Este acordo, que não foi tornado público, estipularia a «ra-
cionalidade económica da gestão» da empresa, representando a parceria
estratégica entre os acionistas da Petrogal.79 Segundo Pedro Pires de Mi-
randa, fechava-se assim o entendimento dos acionistas «sobre a evolução
estratégica da atividade» da empresa, com vista a «melhorar a sua renta-
bilidade», levando a Petrogal para as atividades de «prospeção e entrada
no negócio do gás natural, bem como na procura do ‘parceiro estratégico
estrangeiro’».80 Na realidade, o acordo parassocial acabava por garantir
aos acionistas privados a gestão de facto da Petrogal, segundo afirmara o

78
Vicente (2002, 267).
79
«Petrogal: tudo bons rapazes», Diário de Notícias, 1-8-1995, 2.
80
Vicente (2002, 267).

63
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Os Petróleos em Portugal

deputado do Partido Comunista Português, Lino de Carvalho, no de-


curso de um debate parlamentar.81
Para a história da privatização da Petrogal, a «operação harmónio» e o
acordo parassocial que se lhe seguiu tiveram um duplo sentido: por um
lado, foi a solução para que o Estado garantisse o sucesso da privatização
e sobretudo para evitar que tivesse de arcar com as consequências dos pro-
blemas da primeira fase de privatização da Petrogal, iniciada em 1992; por
outro lado, era uma operação de alto risco, que entregava nas mãos dos
privados o controlo da empresa sem que estes detivessem a maioria do ca-
pital social, sendo, desta forma, sujeita a críticas. Em finais de dezembro
de 1995, já com o governo liderado pelo Partido Socialista em funções
desde finais de outubro desse ano, o deputado do PCP, Lino de Carvalho,
interpelou na Assembleia da República, o secretário de Estado do Tesouro
e das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, que respondeu mostrando-
-se muito crítico relativamente à condução do processo de privatização da
Petrogal pelo executivo anterior de Cavaco Silva (PSD).
Teixeira dos Santos começou por concordar com o deputado comunista,
afirmando que o processo de privatização «não pode [...] ser considerado
um processo exemplar», constituindo «mais uma privatização-problema»
e salientando que a solução encontrada para a conclusão da primeira fase
de privatização «merece [ao governo socialista] algumas reservas pela sua
falta de transparência e rigor de procedimentos». Porém, o problema era
que, caso se aprovasse a moção interposta pelo PCP (e que originou este
debate seis meses após a aprovação do Decreto-Lei 145-A/95, de 19 de
junho) que pretendia impedir a ratificação desse mesmo decreto, corriam-
-se sérios riscos de anular uma operação que tinha criado já «uma nova si-
tuação de facto» e que comportava «direitos para a parte privada». Segundo
o secretário de Estado, um eventual chumbo pela Assembleia da República
desta peça legislativa poderia «acarretar consequências com custos deveras
elevados». Entre estes salientava-se o prejuízo para a própria empresa,
«comprometendo, por muitos anos, o seu processo de reprivatização»; o
dano que faria à imagem do Estado português como «pessoa de bem»,
uma vez que seria de antecipar «um processo judicial longo», algo que era
«importante preservar»; e, finalmente, implicaria a reposição «da situação
anterior a todo o processo de reprivatização, com custos elevadíssimos para
o Estado».82 Deste modo, a conclusão de Teixeira dos Santos, era a mesma

81
Intervenção do Sr. deputado do PCP Lino de Carvalho, Diário da Assembleia da Re-
pública, 9-12-1995, 405.
82
Intervenção do secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Francisco Teixeira dos
Santos, na Assembleia da República, Diário da Assembleia da República, 9-12-1995, 411.

64
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

que tinha levado à adoção desta solução no primeiro semestre de 1995:


no fundo, era a única solução possível para não regredir no processo de
privatização da Petrogal, algo que afetaria tanto a própria Petrogal como
as futuras iniciativas de privatização que se iriam desenrolar noutros secto-
res da economia portuguesa.
A partir do momento em que a equipa de gestão da Petrogal ficou fi-
nalmente definida, a atividade da empresa entrou numa fase de «estabili-
dade e de reforço estratégico e operacional»,83 sendo o ano de 1995 o úl-
timo de prejuízo nas contas da empresa. De facto, o resultado líquido de
1996 foi já de 6,6 milhões de contos positivos, assente na reestruturação
financeira possibilitada pelo saneamento das contas aquando da finaliza-
ção da primeira fase da privatização e no «início da operação da Compa-
nhia Logística de Combustíveis (incluindo o pipeline multiproduto entre
Sines e as instalações de Aveiras)».84 A empresa conheceu então um pe-
ríodo de crescimento justificado pelo aumento das margens de refinação,
pela reestruturação financeira conseguida na sequência do saneamento fi-
nanceiro alcançado em 1995 e pelo fim dos conflitos entre acionistas.
A par da assinatura do acordo parassocial, também a mudança na ad-
ministração deixou antever alterações estratégicas ao nível da expansão
de negócio da Petrogal. Logo em 1995 foi delineado o programa «Petro-
gal 2000», no qual ficavam definidas as linhas estratégicas de atuação da
empresa para os cinco anos seguintes. Visando o aumento da rentabili-
dade e a liderança no mercado interno, o programa «Petrogal 2000» era
constituído, no essencial, por três vias de ação, a saber, aumento da efi-
ciência operacional, com vista à redução de custos e aumento da produ-
tividade da empresa; o equilíbrio financeiro com reforço dos capitais
próprios da empresa; e o reposicionamento estratégico da empresa. Este
último objetivo implicaria aumentar o investimento em Espanha, na ex-
tração de hidrocarbonetos, maior participação no projeto de gás natural
de Portugal em curso, e o estabelecimento de uma aliança estratégica na
área da refinação com um operador internacional.
Na «definição de prioridades internacionais da empresa» estava ainda
a aproximação aos PALOP, em particular a Angola, de forma a estabelecer
uma parceria com a Sonangol para potenciar a entrada da Petrogal no
mercado da África do Sul. Esta nova estratégia era tida como «bem
aceite» entre os acionistas privados já que ia potenciar «sinergias» com
interesses da maioria do capital da Petrocontrol, detido pela Finpetro.

83
Santos (2011, 202).
84
Vicente (2002, 267).

65
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Os Petróleos em Portugal

Luanda, Angola:
um dos destinos de
investimento da
Petrogal na exploração
de petróleo.

Dentro desta sub-holding, o grupo Espírito Santo podia ver «maximiza-


dos» os seus interesses financeiros na África Austral, ao mesmo tempo
que Manuel Boullosa continuava com interesses no mercado moçambi-
cano e na distribuição na África do Sul. A moeda de troca desta aproxi-
mação à Sonangol era a entrada desta empresa no capital da Petrogal,
«um projeto há anos mantido em aberto».85
A estratégia desenhada em 1995 revelou resultados positivos, o que
aponta para as vantagens da estabilidade de gestão. Assim, a nível opera-
cional, logo em 1998, a rentabilidade dos capitais empregues atingiu o
nível da média do sector na Europa e, ao nível financeiro, os capitais
próprios atingiram 48,8% do passivo total da empresa, quando em 1995
representavam apenas 33,6%.86 Por outro lado, a entrada no upstream
consumou-se com os investimentos nos blocos petrolíferos em Angola,
que vieram a mostrar-se altamente rentáveis. Em 1998 os investimentos
em Angola aumentaram significativamente com a exploração de mais
três blocos.87 Do mesmo modo, a implantação da Petrogal espanhola
levou a uma presença cada vez mais forte. A participação no projeto do
gás natural foi igualmente consumado, na alta e na baixa pressão, com a

85
«Petrogal ‘ataca’ África a partir de Luanda», Expresso, 8-7-1995, C1.
86
Relatório e Contas 1998 da Petróleos de Portugal – Petrogal, SA, 6, 7, e 50-51.
87
Vicente (2002, 268).

66
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O tempo da Petrogal, 1992-1999

entrada em 1996 na Transgás e o reforço da participação da Petrogás nas


distribuidoras de gás, ao longo da segunda parte da década.88
Já relativamente à prossecução da parceria internacional na área da re-
finação, entre 1996 e 1997, o Estado português estabeleceu contactos
com empresas produtoras de «crude» para promover a sua entrada no
capital da petrolífera portuguesa. Dos contactos estabelecidos com os
sauditas da Saudi Aramco, os angolanos da Sonangol, e os venezuelanos
da Petróleos de Venezuela, resultaram avanços negociais com a empresa
do Médio Oriente, a maior produtora mundial de «crude». O Estado es-
tava então disposto a vender um terço do capital à Saudi Aramco, a re-
servar outro terço para a Petrocontrol, a manter 20% do capital nas suas
mãos e a alienar 10% à Sonangol. No entanto, os investidores sauditas e
angolanos não demonstraram interesse em concluir as negociações.89
Por fim, os diferendos entre o acionista Petrocontrol e o Estado, que
haviam sido marcantes e determinantes, ao longo do triénio 1992-1995,
foram finalmente sanados em 1998. Através de um acordo alcançado em
arbitragem, foi definido o valor de 34,8 milhões de contos como «valor
total a atribuir à Petrogal a título de compensação» pelos montantes que
a empresa teve de despender, «resultantes de certos factos e decisões de
gestão determinados pelo Estado», quantia que deveria ser paga até 2002.
Assim, percebemos que as exigências da Petrocontrol, reclamadas
desde que tinha sido escolhida como o consórcio vencedor da primeira
fase de privatização da Petrogal, tinham finalmente sido atendidas pelo
Estado. Esta indemnização de 34,8 milhões de contos dizia respeito à
conclusão do litígio entre os acionistas da petrolífera portuguesa, centra-
dos na questão do «desmantelamento de Cabo Ruivo em virtude da
Expo’98 e de acertos no Fundo de Pensões» que, como vimos anterior-
mente, foram dois dos principais problemas que afetaram as relações
entre o acionista Estado e o grupo privado Petrocontrol.90 A partir daqui
a Petrogal pôde estabilizar a sua gestão. A segunda metade da década de
1990 foi caracterizada pela concretização das várias opções estratégicas
definidas em 1995 no programa «Petrogal 2000». Só no final da década
se daria mais um passo para uma nova fase de privatização, também mar-
cada por uma série de sobressaltos.

88
Relatório e Contas 1999 da Petróleos de Portugal – Petrogal, SA, 70-71. No final de 1999
a Petrogás SGPS detinha participações na Portgás (20,28%), Lusitâniagas (35,33%) e Ta-
gusgás (20%).
89
Vicente (2002, 268-269).
90
Vicente (2002, 268).

67
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Capítulo 3

O tempo da Galp Energia, 1999-2012


Em 1999, na sequência de estudos encomendados pelo governo a con-
sultoras internacionais, o executivo decidiu concentrar as suas participa-
ções financeiras na Petrogal, na Gás de Portugal e na Transgás, numa
nova empresa criada para o efeito: a Galp – Petróleos e Gás de Portugal,
SGPS, S. A., ou Galp Energia. Com esta medida, o governo pretendia
tornar o sector energético português «internacionalmente competitivo»,
defendendo para esse efeito uma articulação mais eficaz dos sectores do
petróleo e do gás natural, tendo em vista uma «melhor racionalização
dos investimentos». Esta operação foi a concretização «de uma política
de integração. Apesar da relativa instabilidade que um processo deste gé-
nero originaria, a verdade é que a Petrogal se tinha tornado numa em-
presa com «capacidade para competir com eficácia num contexto pro-
fundamente concorrencial».1 A partir do ano 1999, a Galp entraria numa
nova fase da sua vida, com a entrada da Ente Nazionale Idrocarburi
S.p.A. (Eni), da Electricidade de Portugal (EDP) e da Iberdrola na estru-
tura acionista da empresa. Na ótica do governo, essa racionalização ge-
raria, «de forma quase imediata, benefícios para os consumidores, tanto
empresariais como residenciais» e assumiria «um carácter permanente»,
uma vez que a nova empresa teria o «centro de decisão em Portugal».
De acordo com o diploma que lhe deu vida, ficou ainda estabelecido
que os direitos do Estado como acionista seriam exercidos por represen-
tante «designado por despacho conjunto do ministro das Finanças e do
ministro da Economia».2 Nos anos seguintes, este ponto faria correr
muita tinta.

1
Relatório e Contas da Petrogal, 1999, 66-67.
2
Decreto-Lei n.º 137-A/99 de 22 de abril, Diário da República, 1ª Série-A, n.º 94, 22-4-
-1999.

69
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Os Petróleos em Portugal

Tal como ficara estabelecido no Decreto-Lei que criou a Galp, três meses
depois o Ministério das Finanças, então liderado por António de Sousa
Franco, elaborou um Decreto-Lei que definia os moldes em que se deveria
processar a articulação da criação da nova empresa com a privatização da
Petrogal. No seu preâmbulo, era expressamente referido que uma vez que
existia um processo de reprivatização anterior, havia que «coordenar as so-
luções» adotadas e que essa coordenação implicava atribuir ao acionista
privado da Petrogal, a Petrocontrol, a «possibilidade de participar na repri-
vatização da Galp» em termos que refletissem a sua posição na Petrogal.
Com o argumento da «longa permanência no sector de tal acionista» e das
«expetativas que lhe foram criadas pelo atual quadro legislativo», o Estado
atribuía à Petrocontrol o direito de «subscrever e realizar em dinheiro as
ações adicionais necessárias [par]a perfazer uma participação equivalente
a 33,34% do capital social» da nova em-
presa, direito que era apresentado como um
meio de os privados minorarem «o efeito
de diluição da sua participação resultante
do processo em causa».3
O mesmo diploma legal estabelecia ainda que, após concluída a pri-
meira fase de reprivatização da Galp, que seria concretizada através de um
aumento de capital e da troca das participações de outros acionistas das
empresas que vieram a integrar a Galp (além do caso da Petrocontrol na
Petrogal, a EDP, a CGD, a Portgás e a Setgás eram acionistas da Transgás),
o Estado iniciaria uma nova fase de reprivatização da empresa, «destinada
à alienação, por venda direta, de uma participação a um ou vários parcei-
ros estratégicos». Esta nova fase era justificada em nome do «interesse na-
cional», uma vez que, no entender do governo, esses parceiros reforçariam
a «solidez financeira» e a «viabilidade económica de um operador energé-
tico português» que se pretendia «internacionalmente competitivo».4
A criação da Galp, SGPS inseria-se assim numa estratégia que passava pela
formação de dois grandes grupos no sector da energia, juntamente com a
EDP, tendo em vista a posterior atração de investimento privado.
Nesse mesmo ano de 1999 foi iniciado o processo de consulta a empresas
estrangeiras com o intuito de escolher um parceiro estratégico que deveria
adquirir até 15% do capital da Galp, através de um concurso internacional.
Deixando de fora as duas grandes petrolíferas do país vizinho, a Repsol e a
Cepsa, foram convidadas a participar no processo de seleção 15 empresas.
3
Decreto-Lei n.º 261-A/99 de 7 de julho, Diário da República, 1.ª Série-A, n.º 156, 7-7-
-1999.
4
Ibid.

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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

No dia 2 de junho de 1999, Henrique Bandeira Vieira, presidente do Con-


selho de Administração da Galp, enviou uma carta-convite a essas 15 em-
presas, esclarecendo que o governo «procurava parceiros estratégicos que
pudessem contribuir para o negócio de uma forma significativa nos sectores
do petróleo e do gás», e que um dos principais critérios de seleção seria o
contributo que esse parceiro poderia trazer para a Galp nos domínios co-
mercial, de abastecimento, logística e know-how técnico, ficando ainda es-
tipulado que «a escolha final dos parceiros estratégicos teria de ser do acordo
do governo e da Petrocontrol». Juntamente com a carta, seguiram minutas
de acordos de confidencialidade, nos quais o presidente do Conselho de
Administração da Galp, em representação da empresa e do Estado portu-
guês, se disponibilizava a entregar documentação relativa à avaliação da
empresa. Seis das empresas consultadas manifestaram interesse, devolvendo
os acordos de confidencialidade devidamente assinados. Foram elas a Elf,
a Williams, a Shell, a Sonatrach, a Eni e a Iberdrola. Uma vez que a Sona-
trach não respondeu dentro do prazo estipulado, esta empresa ficou auto-
maticamente excluída do processo.5

A entrada da Eni
Entre todas as empresas que responderam ao convite, apenas a Eni e
a Iberdrola apresentaram propostas «firmes». A primeira, para a compra
do máximo definido pelo governo, e a segunda para adquirir 4% do ca-
pital da empresa.6 A oferta vinculativa da Eni foi entregue no dia 30 de
setembro de 1999. A empresa italiana propunha-se adquirir 15% da Galp
por 430 milhões de euros.7 No dia seguinte, fonte oficial da Eni confir-
mava que apenas aquelas duas empresas tinham apresentado candidatu-
ras à reprivatização e que até ao final desse ano o processo deveria ficar
concluído. A Galp tinha sido avaliada em 2,4 mil milhões de euros, pelo
que a participação de 15% que o Estado pretendia alienar correspondia
a cerca de 360 milhões de euros.8 A proposta da Eni avaliava a empresa
em aproximadamente 2,9 mil milhões de euros.

5
Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos do
Governo referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diário
da Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.
6
Vicente (2002, 270).
7
Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos do
Governo referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diário
da Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.
8
«Governo decide entre Eni e Iberdrola para parceria estratégica com a Galp», Negócios
online, 1-10-1999.

71
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Os Petróleos em Portugal

Contudo, no final do mês de outubro, a Eni revelava que pretendia


adquirir uma percentagem mais elevada, entre 25% a 30% da petrolífera
portuguesa, desejo que era partilhado com a EDP, que também demons-
trou interesse em reforçar os 3,27% que detinha na Galp para uma parti-
cipação na ordem dos 15% a 20%. Estas intenções tornavam muito cobi-
çada a fatia detida pela Petrocontrol no capital da Galp. De acordo com
a imprensa económica, a Eni estava a exercer pressão para que o grupo
privado português abandonasse a sua posição.9 Por outro lado, a empresa
que juntava os grupos portugueses na Galp estava nesse momento a atra-
vessar um período de alguma instabilidade, uma vez que o seu maior acio-
nista, o Banco Totta & Açores, tinha sido vendido pouco antes por An-
tónio Champalimaud ao Banco Santander Central Hispano, instituição
financeira com interesses nas empresas de energia espanholas. A Petro-
control corria assim o risco de ter de admitir no seu seio um importante
acionista do país vizinho com ligações ao sector ener-
gético. Este cenário só poderia ser evitado de duas for-
mas: ou os restantes acionistas exerciam o direito de pre-
ferência e compravam a posição detida pelo Banco
Totta, ou o Santander vendia a sua posição a um ter-
ceiro, perfilando-se como principal interessada a Eni que
já tinha demonstrado interesse em adquirir mais do que
os 15% inicialmente previstos.10
No final de novembro de 1999, através do Banco Rothschild, a Eni
dirigiu-se à Petrocontrol, manifestando o seu interesse em adquirir a po-
sição desta na Galp. A resposta da Petrocontrol foi transmitida a 29 de
novembro, sendo que a empresa não estava «vendedora de quaisquer
ações, salvo se, de acordo com o interesse nacional, o governo português
manifestar o desejo de ver a Petrocontrol participar no desenho de uma
nova solução para o sector energético nacional».11 Contudo, duas sema-
nas mais tarde, a imprensa revelava que a Petrocontrol estava disposta a
ceder a sua posição à Eni, caso esta estivesse disposta a adquirir a totali-
dade da posição que a Petrocotrol detinha na Galp, ou seja, 33,34%.12

9
«Eni quer entre 25% a 30% na Galp», Negócios online, 25-11-1999.
10
«Petrocontrol não quer Santander como acionista», Negócios online, 7-12-1999.
11
Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos do
Governo referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diário
da Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.
12
«Acionistas da Petrocontrol só vendem a totalidade da sua posição na Galp», Negócios
online, 15-12-1999.

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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

Visões contrastantes sobre a


privatização da Petrogal:
António de Sousa Franco
(1942-2004), ministro das Finanças,
entre 1995 e 1999, e Joaquim Pina
Moura (1952-), ministro
das Finanças e da Economia, entre
1999 e 2002.

A forma de a Petrocontrol «participar no desenho de uma nova solu-


ção para o sector energético nacional» passou, de um momento para o
outro, pura e simplesmente pelo seu afastamento e liquidação. Uma vez
que o Estado só estava disposto a alienar 15% e que passara a pretender
envolver, não um, mas dois parceiros estratégicos, vendendo 11% à Eni
e 4% à Iberdrola, e dado que a Eni tinha transmitido que se ficasse apenas
com 11% da Galp não se considerava uma parceira estratégica da petro-
lífera portuguesa,13 assistiu-se a uma mudança de 180º na posição do
maior acionista da Galp Energia. Segundo o então apenas ministro da
Economia, Joaquim Pina Moura, esta alteração prendia-se com o facto
de a Eni representar uma resposta «à alteração do mapa energético euro-
peu» e a Iberdrola constituir-se como «porta para o mercado espanhol».
O ministro chegaria mesmo a afirmar que «todos os pré-classificados sa-
biam da intenção da Petrocontrol em alienar a sua posição na Galp».14
No entanto, mesmo no seio do governo, esta posição não era consen-
sual. Sousa Franco, o responsável pela pasta das Finanças, tinha uma opi-
nião bastante diferente. Além de defender que «a estratégia para o sector
energético nacional assentaria em dois pilares: o Estado e a Petrocontrol»,15

13
«PCP quer caso da Galp na PGR», Negócios online, 30-11-2000.
14
«Eni, EDP e Iberdrola sem direitos de preferência no IPO da Galp Energia», Negócios
online, 22-11-2000.
15
«Eni, EDP e Iberdrola sem direitos de preferência na IPO (Initial Public Offering) da
Galp Energia», Negócios online, 22-11-2000. «Relatório final da Comissão de Inquérito
Parlamentar para apreciação dos Atos do Governo referentes à participação da Eni e da
Iberdrola no capital da Galp, SGPS», Diário da Assembleia da República, II Série – B,
n.º 11, 6-1-2001.

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Os Petróleos em Portugal

visão que era corroborada quer


pelos acordos parassociais esta-
belecidos entre estas duas par-
tes, quer pela carta-convite de
junho de 1999, revelou algum
desagrado por ter tido conhe-
cimento de que o arranque do
processo tinha sido desenca-
deado por um mandato verbal,
Diogo Freitas do Amaral (1941-), presidente transmitido por Pina Moura ao
da Petrcontrol.
presidente da Galp, Bandeira
Vieira, sem que lhe tivesse sido
dado conhecimento. O facto de a empresa estar sob a dupla tutela dos
Ministérios das Finanças e da Economia implicava, em sua opinião, que
a atuação de Bandeira Vieira fosse considerada «irregular e ilegal». Esta
opinião era partilhada pelo presidente da Petrocontrol, Diogo Freitas do
Amaral, que defendeu que se tinha verificado uma «falha na dupla tutela»
e que considerou abusivo que Bandeira Vieira tivesse agido em nome da
empresa e em nome da República Portuguesa no início do processo ne-
gocial, uma vez que «nem mesmo os ministros» poderiam assinar em
nome do Estado sem qualquer autorização escrita.16
Em outubro de 1999, realizaram-se eleições legislativas. O PS, liderado
por António Guterres, obteve uma nova vitória eleitoral e constituiu um
novo governo, que tomou posse a 25 de outubro de 1999. O antigo mi-
nistro da Economia do anterior governo foi reconduzido, tendo-lhe
ainda sido entregue a pasta das Finanças. O problema da dupla tutela
deixou de se colocar. Esta alteração deu-se em pleno processo de venda
da Galp. Dois meses e meio após a entrada em funções do novo governo
começava a ser revelada a nova estratégia desenhada por Pina Moura.
No início de janeiro de 2000, o semanário Expresso afirmava que o
novo superministro pretendia criar um gigante ibérico, através da fusão
da EDP, Galp e Iberdrola, capaz de competir com a Endesa, a Cepsa ou
a Repsol, cenário que dependia da prévia alienação da participação da
Petrocontrol na Galp aos italianos da Eni e à EDP.17 Uma semana mais
tarde, um despacho do ministro das Finanças e da Economia autorizava
a alienação da posição da Petrocontrol na Galp às suas acionistas e, destas,
à Eni. Em paralelo, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Manuel

16
«PCP quer caso da Galp na PGR», Negócios online, 30-11-2000.
17
«Pina Moura quer fusão ibérica», Negócios online, 10-1-2000.

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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

Baganha, autorizava o diferimento da aplicação do imposto sobre mais-


-valias ao negócio projetável.18
Removidos todos os obstáculos à conclusão do negócio, a Petrocontrol
anunciou, a 17 de janeiro de 2000, que tinha resolvido deixar de ser acio-
nista da Galp, vendendo 22,34% do capital que detinha na petrolífera à
Eni e os restantes 11% à EDP. Os contratos só foram fechados no final
de abril e ficaram dependentes de aprovação pela Comissão Europeia.
Após o aval das autoridades europeias, a Eni pagaria os 645,94 milhões
de euros pelos 22,34% adquiridos à Petrocontrol e os 318,23 milhões de
euros pela participação de 11% do Estado.19 Os sócios da Petrocontrol
obtiveram assim uma mais-valia de 523 milhões de euros (uma rentabi-
lidade anual média de 14,5%, durante os oito anos em que estiveram
presentes no capital da Galp), que ficou isenta do pagamento do respe-
tivo imposto, estimado em cerca de 165 milhões de euros, dando origem
a nova polémica uma vez que a Petrocontrol, enquanto sociedade gestora
de participações sociais, só poderia ficar isenta se reinvestisse o valor ob-
tido com a venda, o que acabou por não acontecer. Tal situação foi agra-
vada pelo facto de a isenção aprovada por despacho governamental
abranger também os sócios individuais da Petrocontrol.20
A 30 de junho de 2000, a
Comissão Europeia aprovou a
compra de 33,34% do capital
social da Galp pela Eni.21 Os
italianos tornaram-se assim os
segundos maiores acionistas da
petrolífera, atrás do Estado por-
tuguês que continuava a deter
34,81% do capital, após ter ven-
dido 11% à Eni e 4% à Iber- Manuel Boullosa (1905-1998), de regresso
aos petróleos em Portugal.
drola. Seguia-se a EDP com
14,27%, a CGD com 13,50% e
a Portgás e Setgás com 0,01%. Os privados portugueses, com a exceção de
Manuel Boullosa, que antes de morrer deu instruções aos seus herdeiros

18
Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos do
Governo referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diário
da Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.
19
«Eni paga participação na Galp em Julho», Negócios online, 8-5-2000.
20
«Governo isentou Petrocontrol de 33 milhões de impostos», TSF.pt, 24-10-2000;
«Pina Moura diz Petrocontrol obrigada a investir mais-valias», Negócios online, 30-6-2000.
21
«CE aprova entrada da Eni na Galp Energia», Negócios online, 30-6-2000.

75
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Os Petróleos em Portugal

Estrutura acionista Estrutura acionista


a 31-12-1999 a 13-6-2000
Portgás Setgás Setgás Iberdrola
0,04% 0,04% Portgás 0,04% 4,00%
0,04%

EDP
CGD SA CGD SA
3,27%
13,51% 13,51% Estado
português
Estado 34,81%
português
49,81% Eni
Petrocontrol
33,4% 33,34%
EDP
14,27%

Alteração da estrutura acionista da Galp SGPS com a entrada da Eni.

no sentido de não venderem as ações que detinha na Petrocontrol à Eni,22


congratularam-se com a solução encontrada. Boullosa era dos poucos acio-
nistas da Petrocontrol que tivera prévias ligações ao sector petrolífero, e o
seu envolvimento neste projeto não seria motivado pela obtenção de mais-
-valias a curto ou médio prazo. Patrick Monteiro de Barros, um dos acio-
nistas da Petrocontrol, defendeu que a entrada da Eni tinha sido «a melhor
opção para o projeto da Galp», por se tratar de uma «grande produtora de
gás natural» e ser a empresa que melhor se enquadrava na Galp.23 Segundo
Pina Moura, este era o caminho que garantiria «a concorrência face aos gi-
gantes ‘multi-utilities’». Fonte da empresa italiana chegava mesmo a afirmar
que o responsável português apoiava o desejo da Eni de, a médio prazo,
dominar a holding nacional de energia.24
Foi esta alteração estratégica, preconizada por Pina Moura, que esteve
na origem da constituição de uma comissão de inquérito parlamentar à
entrada da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, que viria a ser presidida
por José Penedos.25 A iniciativa partiu do PSD, que considerou que o

22
Estas indicações foram cumpridas, as ações de Manuel Boullosa acabaram por ser
vendidas diretamente à EDP. «Bulhosa impediu venda da Petrocontrol a italianos», Pu-
blico.pt, 20-11-2000.
23
«Entrada da Eni na Galp é ‘melhor opção’», Negócios online, 6-6-2000.
24
«Eni quer maioria na Galp SGPS», Negócios online, 21-1-2000.
25
«Inquérito parlamentar n.º 5/VIII», Diário da Assembleia da República, II Série – B,
n.º 31, 8-7-2000.

76
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

«reajustamento acionista na Galp» realizado em janeiro de 2000 tinha


sido «francamente obscuro para o país e de alcance absolutamente con-
trário à estratégia de criação de um grupo português no domínio do sec-
tor energético». O receio era de que as dificuldades orçamentais que se
faziam sentir levassem o governo a «reduzir significativamente a posição
do acionista público nacional» e a permitir que «o grupo estrangeiro mais
forte – a Eni –, pudesse vir a deter mais de 50% no capital da Galp, «al-
cançado, assim, a completa predominância sobre a holding da energia»,
intenção que já fora «publicamente assumida pela Eni». O maior partido
da oposição registava ainda que «os fundados receios que perpassavam
a sociedade portuguesa de este negócio envolver um irreparável prejuízo
para a prossecução do interesse nacional» tinham sido reforçados com a
demissão do presidente da Petrogal, Manuel Ferreira de Oliveira, em di-
vergência com as opções tomadas pelo governo.26
Ouvido na comissão parlamentar de inquérito, o ministro Pina Moura
afirmou que nem a Eni nem a Iberdrola teriam direito de preferência na
oferta pública inicial (Initial Public Offering ou IPO) que o governo preten-
dia realizar tendo em vista a
alienação de 21% do capital da
Galp. No entanto, reconhecia
que no acordo parassocial cele-
brado entre o Estado e a em-
presa italiana ficara estipulado
que a Eni não poderia ser des-
criminada em relação a outros
acionistas e a outras empresas
Em 2000 e 2001, a Assembleia da República
de petróleo e de gás, e que não levou a cabo um inquérito parlamentar sobre a
seriam tomadas medidas que privatização da Galp Energia.
impedissem a Eni de adquirir
no mercado ações da Galp após o lançamento da oferta pública. Pina
Moura reconheceu ainda que do acordo assinado com a Eni constava
uma cláusula que estipulava que caso o Estado não organizasse a referida
oferta pública inicial até 30 de junho de 2002, este seria obrigado a realizar
«uma ou duas vendas por ajuste direto aos parceiros estratégicos, com a
Eni incluída». Segundo os acordos parassociais entre o Estado e a Eni, se
a oferta pública de venda não se realizasse até 30 de junho de 2002, o Es-

26
«Inquérito parlamentar n.º 5/VIII», Diário da Assembleia da República, II Série – B,
n.º 21, 15-4-2000.

77
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Os Petróleos em Portugal

tado venderia diretamente aos restantes acionistas privados 20% da sua


participação, contando a CGD como fazendo parte do sector público, e
não podendo participar no rateio. Dessa forma, a Eni veria a sua partici-
pação subir para 46,24%. Estava ainda previsto que, se até dezembro de
2005, não se realizasse a oferta pública, o Estado venderia diretamente
mais 10% da sua participação, nas mesmas condições. Estes cenários não
se concretizariam devido a negociações realizadas posteriormente, com
alguma tensão, entre o Estado português e a Eni, tendo esta abdicado do
direito de compra. Se a venda se tivesse concretizado, a Eni ficaria com a
maioria absoluta do capital social da Galp, apenas prevalecendo a regra
referida verbalmente pelo ministro de que nenhum parceiro poderia deter
mais de 50%. O então ministro Pina Moura defendeu ainda que o inte-
resse nacional ficaria assegurado pela manutenção de uma golden share no
capital da empresa e que a oferta tinha como objetivo a dispersão do ca-
pital, sendo que nenhum dos
parceiros estratégicos poderia
deter mais de 50% do capital.27
A comissão de inquérito
ouviu os principais interve-
nientes no processo: os diri-
gentes das empresas nacionais
e estrangeiras envolvidas, os
responsáveis políticos, repre-
Manuel Ferreira de Oliveira (1948-), presidente sentantes de vários organismos
da Galp Energia, entre 2007 e 2015. como a comissão de trabalha-
dores da Petrogal e associações
de consumidores, de revende-
dores de combustíveis, entre outros. Deste modo, a comissão teve acesso
a um vasto conjunto de documentos, nomeadamente relatórios de au-
ditoria, acordos parassociais e correspondência trocada. No entanto, os
inquéritos produziram poucas consequências. Da matéria de facto apu-
rada, regista-se que a alienação da posição acionista da Petrocontrol na
Galp constituiu um «volte-face relativamente à estratégia inicialmente
prosseguida de conservar em mãos nacionais uma minoria de bloqueio»,
uma vez que tendo em linha de conta os acordos parassociais outorgados
entre o Estado e a Petrocontrol em junho de 1995 e em dezembro de
1999 era «pacífico sufragar-se o entendimento de que a Petrocontrol era

27
«Eni, Edp e Iberdrola sem direitos de preferência no IPO da Galp Energia», Negócios
online, 22-11-2000.

78
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

considerada a acionista de referência nacional incontornável, [à qual]


competiria sempre o controlo da empresa e a manutenção do centro es-
tratégico de decisão nacional em Portugal».28
Por outro lado, concluiu-se também que a alteração da orientação da
tutela relativamente à Galp se verificou após a tomada de posse do se-
gundo governo liderado por António Guterres. Para a comissão de in-
quérito, essa alteração não se fundamentara em qualquer razão estraté-
gica, sublinhando-se que a nova estratégia implementada para a Galp
não era «suscetível de encontrar uma explicação consensual no domínio
do interesse nacional ou/e da racionalidade empresarial», radicasse ela
«em fatores exógenos, endógenos ou de qualquer outra natureza». Final-
mente, a comissão considerou que perante as dúvidas de regularidade
do mandato do presidente da Galp, Bandeira Vieira, se justificava o envio
da carta-convite e dos seus anexos para a Procuradoria-Geral da República
e recomendou que o processo de privatização em curso preservasse «a
manutenção do centro de decisão da Galp em Portugal» e que fosse «as-
segurada a prevalência de um núcleo acionista português de referência»,
cabendo ao Estado «fazer uso de todos os instrumentos de que possa
dispor de forma a permitir a substituição da Petrocontrol por outros gru-
pos de acionistas nacionais» que dessem continuidade «à vontade sempre
afirmada em todos os decretos-leis e resoluções de Conselho de Ministros
produzidos sobre a reestruturação do sector do petróleo e do gás, de man-
ter uma componente empresarial nacional neste sector». Esses novos gru-
pos nacionais, «em articulação com o parceiro privado e o Estado», de-
veriam ser o garante da solidez e coerência estratégica num sector de
interesse relevante para o abastecimento energético do país.29
A carência de fundamentos estratégicos para a mudança de posição
do Estado viria em breve revelar as suas consequências. Em setembro de
2000, os responsáveis das elétricas espanholas, Endesa e Iberdrola, reco-
nheceram que mantinham conversações com vista à eventual fusão atra-
vés da absorção da Iberdrola pela Endesa.30 Apesar de o governo espa-
nhol ter aprovado o negócio, o mesmo não se chegou a concretizar
devido à imposição por parte das autoridades europeias no sentido de as
duas empresas efetuarem uma venda de ativos superior ao por elas dese-

28
Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Actos do
Governo referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diário
da Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.
29
Ibid.
30
«Espanha: Iberdrola e Endesa em fusão», TSF.pt, 22-9-2000.

79
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Os Petróleos em Portugal

jado.31 Ficavam claras as fragilidades do modelo desenhado por Pina


Moura, que assentava em premissas que o governo português não podia
controlar. Em resposta às movimentações no sector energético espanhol,
começaram-se a desenhar cenários para a futura estrutura acionista da
Galp que passavam pela saída da Iberdrola, que venderia a sua participa-
ção à EDP, uma eventual participação do BCP, e a entrada da Cepsa, hi-
pótese que, segundo um responsável da Eni, representaria «um grave pre-
cedente político».32
Este contexto, já de si complexo, foi agravado pela abertura de uma
crise política. A 16 de dezembro de 2001, após divulgados os resultados
das eleições autárquicas, o líder do Partido Socialista e primeiro-ministro
de Portugal, António Guterres, anunciou que renunciava ao cargo. Apre-
sentado o pedido de demissão, o presidente da República agendou a rea-
lização de eleições legislativas para o dia 17 de março de 2002. Após sete
anos na oposição, o Partido Social Democrata (PSD), liderado por Durão
Barroso, regressava ao poder aliado ao Centro Democrático e Social
(CDS), então chefiado por Paulo Portas.
No sector energético, o novo executivo deparou-se com um pro-
blema. O anterior governo, seguindo o modelo implementado por Pina
Moura, tinha-se comprometido a realizar uma oferta pública inicial
(IPO) de capital da Galp até ao final do segundo semestre de 2002.
Acontece que neste, como noutros domínios, o governo de Durão Bar-
roso tinha ideias próprias que passavam pela «modificação do quadro
estrutural do sector» e pela «reorganização da oferta energética», estabe-
lecendo como prioritárias algumas medidas que implicavam uma res-
truturação, preconizando nomeadamente: «o reforço dos mecanismos
de concorrência e de abertura dos sectores de eletricidade e gás natural»,
«a concretização do Mercado Ibérico da Eletricidade, com defesa in-
transigente dos interesses nacionais»; e a «reponderação da filosofia de
concentração das fileiras energéticas, no domínio dos petróleos, gás na-
tural e eletricidade».33
O primeiro passo do novo governo foi no sentido de adiar a realização
da oferta pública inicial da Galp Energia, estabelecendo contactos com
a Eni com vista a obter a concordância dos italianos que, recorde-se, em
caso de litígio tinham do seu lado argumentos jurídicos que lhe permi-

31
«Endesa e Iberdrola cancelam fusão», Negócios online, 5-2-2001.
32
«EDP, CGD e BCP constituem núcleo duro da Galp Energia», Negócios online, 25-
-1-2001.
33
Programa do XV Governo Constitucional, Lisboa, 2002.

80
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

tiam forçar o Estado a vender parte do capital da empresa. No final de


2002, o governo obteve da Eni concordância para que a oferta pública
inicial fosse adiada até ao final de 2003 e, no mês seguinte, nomeou João
Talone, que tinha sido responsável pela elaboração do modelo de extin-
ção do Instituto de Participações do Estado (IPE) e anteriormente admi-
nistrador do BCP, como encarregado de missão junto dos ministros das
Finanças e da Economia, com a responsabilidade de elaborar «uma pro-
posta das linhas de orientação estratégica e do modelo organizativo e de
privatização do sector energético português».34
A 31 de março de 2003, João Talone apresentou as conclusões do seu
estudo e, no início do mês seguinte, o Conselho de Ministros tornou
públicas as «linhas gerais do quadro estratégico e organizativo do sector
energético». Nelas se sublinhava que «as sinergias e complementaridades
estratégicas na combinação gás/petróleo» existiam «essencialmente no
upstream, onde a exploração de um produto é normalmente associada à
do outro, na medida em que a perfuração para a exploração do petróleo
traz frequentemente a libertação de apreciáveis depósitos de gás natural»,
situação que, à data, não acontecia no operador nacional; que existia um
largo consenso a nível internacional «sobre as maiores sinergias e com-
plementaridades estratégicas na ligação gás/eletricidade do que na ligação
gás/petróleo», uma vez que as elétricas eram as grandes consumidoras de
gás, razão que levava o governo a manifestar-se favorável à «junção da fi-
leira do gás à da eletricidade, combinando numa mesma organização
empresarial a oferta dos dois tipos de energia», opção que permitiria «uma
melhor exploração das respetivas sinergias e complementaridades».
No documento apontavam-se ainda alguns indicadores que revelavam
que a junção do gás com a eletricidade possibilitaria a criação de um ope-
rador energético de escala ibérica, e sublinhava-se que o executivo não
pretendia «impor unilateralmente» a sua visão aos outros acionistas das
empresas do sector, mas que pretendia «partilhá-la» e que iria «adotar as
medidas consistentes com a opção formulada». Neste contexto, o go-
verno anunciava que iria «promover e apoiar a constituição de uma em-
presa» que reuniria as infraestruturas reguladas de gás e eletricidade, a
«Redes Energéticas Nacionais», com o intuito de a mesma vir a ser cotada
em bolsa.35 Entre as várias críticas que então se fizeram ao modelo dese-

34
«Talone elabora proposta para privatização do sector energético até março», Negócios
online, 10-1-2003.
35
«Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2003», Presidência do CM, 3-4-2003,
Diário da República, I Série-B, n.º 108, 10-5-2003.

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Os Petróleos em Portugal

nhado por João Talone e apadrinhado pelo ministro da Economia, Car-


los Tavares, a principal prendia-se com o facto de ter sido apresentado
como benéfico para os consumidores finais. Sobre este assunto, um co-
mentador de assuntos económicos escreveu com ironia: «será a primeira
vez, provavelmente em todo o mundo, que a criação de um monopólio
nos lares domésticos reduz preços, em vez de os aumentar».36
No mês seguinte, o governo anunciava a aprovação da terceira fase de
privatização da Galp Energia. Seguindo a política energética previamente
definida, e tendo em vista a integração da estrutura de transporte do gás
natural (Transgás) na REN, até então apenas responsável pelo transporte
de eletricidade, bem como a saída do negócio do gás natural da Galp, o
Estado decidiu privatizar 18,3% da Galp Energia, vendendo essa posição
por ajuste direto à REN (13,5% seriam provenientes da CGD e os res-
tantes 4,8% diretamente da participação estatal).37 Estas alterações foram
enquadradas a nível legislativo pelo Decreto-Lei n.º 124/2003, aprovado
no dia 2 de maio de 2003 pelo Conselho de Ministros, que definia os
parâmetros da terceira fase da privatização da Galp, de acordo com o
novo modelo apadrinhado pelo governo.38
O projeto do governo implicava ainda a saída da Eni da Galp, que em
troca passaria a deter 49% de uma nova empresa, a EDP Gás, na qual a
EDP controlaria os restantes 51%. Em outubro de 2003, a imprensa reve-
lava que a elétrica portuguesa e a empresa italiana estavam perto de fina-
lizar um acordo nesse sentido e, em março de 2004, o governo publicou
um despacho que abria caminho à recomposição acionista da Galp, pre-
vendo a saída da Iberdrola e da Eni, uma vez constatada «a incompatibi-
lidade dos objetivos subjacentes ao estabelecimento de parcerias estraté-
gicas entre a Galp e a Eni e a Iberdrola com os novos objetivos definidos
para o sector energético nacional».39 O mesmo despacho autorizava a Galp
a adquirir as ações representativas do seu capital de que era titular a Iber-
drola e validava a celebração de um acordo entre a Parpública e a Eni
tendo em vista a venda da participação desta na Galp, assim que estives-
sem «verificadas determinadas condições». A Parpública ficava desde logo
«autorizada a iniciar o processo tendente à alienação das ações represen-
tativas de uma participação não inferior a 33,34% do capital social da
Galp, através de um procedimento de negociação particular», cabendo a
esta entidade o envio de convites para a apresentação de propostas, diri-

36
«A EDP, naturalmente», Negócios online, 10-4-2003.
37
«Governo aprova terceira fase da privatização da Galp Energia», Público.pt, 2-5-2003.
38
Decreto-Lei n.º 124/2003 de 20 de junho, Diário da República, I série-A, n.º 140.
39
«Italianos devem ficar com até 49% do Gás Natural», Publico.pt, 7-10-2003.

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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

gidos «aos investidores que manifestaram ao governo o seu interesse em


vir a adquirir uma participação na Galp».40
Para encontrar um novo acionista que viesse a substituir a Eni no ca-
pital da petrolífera, o governo nomeou um «comité de sábios» que tinha
como funções auxiliá-lo no processo de seleção das quatro propostas
apresentadas pelos consórcios Luso-Oil, liderado pelos norte-americanos
do Carlyle Group, e que integrava um conjunto de grupos portugueses
incluindo o Grupo Espírito Santo, Amorim, Fomentivest, Fundação
Oriente e Ilídio Pinho; a Petrocer, liderada pela Viacer (grupo Unicer), a
que se juntava o grupo Violas, Arsopi e BPI; o grupo Mello, e o grupo
britânico de capital de risco CVC. Do comité, que se reuniu pela primeira
vez no dia 11 de maio de 2004, faziam parte Eduardo Catroga, ex-mi-
nistro das Finanças, João Morais Leitão e José Luís Sapateiro.

Problemas de estratégia
As bruscas mudanças de estratégia do Estado português, para as diver-
sas empresas que direta ou indiretamente controlava no sector da energia,
teve consequências na vida da Galp, para a qual, como tivemos oportu-
nidade de observar, cada alteração política ao nível governativo tinha im-
plicações diretas. A inconstância do principal acionista afetou os planos
que as sucessivas administrações delinearam para a empresa: deveria a
Galp assumir-se como uma empresa industrial, afirmar-se como uma em-
presa de serviços, ou procurar conciliar estas duas vertentes?
Como observámos, em 1999, o executivo, então liderado por António
Guterres, decidiu concentrar as participações do Estado na Petrogal, Gás
de Portugal e Transgás numa nova empresa, a Galp Petróleos e Gás de
Portugal, SGPS, S. A., privilegiando desta forma a junção dos negócios
do petróleo e do gás. Foi esta opção que, em larga medida, justificou a
entrada de um novo acionista, a Eni, empresa que se tinha vindo a afir-
mar no sector do gás europeu e que estava interessada em acompanhar
o processo de introdução do gás natural em Portugal. A junção destes
dois ramos do sector energético procurava criar um operador à escala
ibérica. Este desiderato era acompanhado pela administração da empresa,
então presidida por Henrique Bandeira Vieira, que sabia que o mercado

40
Despacho conjunto n.º 190-A/2004 dos Ministérios das Finanças e da Economia,
19-3-2004, Diário da República II Série, n.º 76, 30-3-2004.

83
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Os Petróleos em Portugal

ibérico era uma das regiões da Europa de mais elevado «ritmo de cresci-
mento da procura de energia».
Paralelamente, o ano de 1999 foi também marcado por importantes
acontecimentos no domínio da pesquisa e produção petrolífera. Em An-
gola, a Petrogal obteve uma participação de 5% nos blocos 32 e 33 do
offshore ultra-profundo de Angola e deu-se início à produção extraída do
jazigo de Kuito, situado em Cabinda, em que a petrolífera portuguesa
detinha uma participação de 9% desde a segunda metade dos anos 90
(bloco 14). Do Kuito começaram a ser extraídos 75 000 barris por dia
(bpd) de crude e previa-se que a sua produção diária viesse a atingir os
85 000 bpd. Nos últimos dias de 1999, deu-se ainda um importante passo
no domínio da prospeção, através da constituição da Petrogal Brasil, em-
presa sediada no Recife e que pretendia participar nos concursos de con-
cessão da exploração e desenvolvimento de petróleo e gás natural a lançar
pelas autoridades brasileiras.
No sector da comercialização deu-se continuidade à estratégia de ex-
pansão em Espanha e nos países africanos de língua portuguesa através
da abertura de 19 novos postos de abastecimento. Neste sentido, os ob-
jetivos futuros passavam pela «implementação da Galp como operador
integrado de petróleo e gás» e pela conjugação da vertente de exploração,
mediante a «procura de novas oportunidades de investimento na área de
pesquisa e produção de petróleo bruto e gás natural», que deveria ser
conjugada com «o reforço da posição no mercado espanhol de comer-
cialização de produtos petrolíferos».41 A administração pretendia com-
patibilizar a transformação da Galp como um operador no sector petro-
lífero e do gás, em Portugal e em Espanha, e paralelamente continuava
a apostar no domínio da pesquisa e exploração, reforçando a integração
vertical da empresa em todos os processos do negócio, desde a extração
até ao consumidor final. Em execução desta estratégia, a empresa, através
da Petrogal Brasil, participou, em 2000, no concurso de atribuição de li-
cenças promovido no Brasil pela Agência Nacional do Petróleo e obteve
em consórcio com a Petrobras a concessão de duas participações de 10%
em blocos de águas ultra-profundas na bacia de Santos, os chamados blo-
cos BM-S-8 e BM-S-11.
Em fevereiro de 2001, após a renúncia de Bandeira Vieira, deu-se uma
alteração nos órgãos sociais da empresa. A partir dessa data, o presidente
do Conselho de Administração deixou de presidir à Comissão Executiva,
passando a verificar-se uma divisão entre estes dois órgãos. Para o cargo

41
Relatório de Gestão do Exercício de 1999; ver também Santos (2011, 203).

84
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

António Mexia (1957-),


da presidência da Galp para
o Ministério das Obras
Públicas, Transportes
e Comunicações.

de presidente do Conselho de Administração foi eleito Rui Vilar, antigo


presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos,
e a Comissão Executiva passou a ser dirigida por António Mexia, que
tinha sido presidente da Gás de Portugal.
As alterações que ocorreram nos órgãos sociais da empresa estariam
relacionadas, de acordo com a versão oficial, com os preparativos da
oferta pública de venda (IPO), que deveria realizar-se até junho de 2002.
No entanto, segundo as notícias divulgadas pela imprensa económica, o
que estava em causa eram divergências estratégicas para as áreas do pe-
tróleo e do gás natural, combustível que tinha sido eleito como prioritá-
rio pelo governo. Estas mudanças eram acompanhadas com alguma
preocupação pelo maior acionista privado da empresa, a italiana Eni,
tendo o seu presidente, Vittorio Mincato, efetuado uma deslocação a
Portugal para se encontrar com o ministro da Economia, Mário Cristina
de Sousa, e o ministro das Finanças, Pina Moura.42 O objetivo era o de
serem dados esclarecimentos sobre a situação interna da Galp Energia,
nomeadamente sobre a substituição de Bandeira Vieira e sobre a Comis-
são de Inquérito Parlamentar.43 Sinal da existência de problemas internos
no seio da empresa, logo após ter sido confirmado pela Assembleia Geral
como novo presidente do Conselho de Administração, Rui Vilar afirmou
que o seu «objetivo prioritário» passava pelo «estabelecimento de um
clima de confiança na empresa e a motivação de todos para os fins

42
Em setembro de 2000, Cristina de Sousa substituira Pina Moura na Economia, man-
tendo-se este como ministro das Finanças.
43
«Bandeira Vieira pede demissão do responsável pelo gás natural», Negócios online,
2-2-2001; «António Mexia ganha ‘guerra’ pela gestão da Galp Energia», Diário Económico,
9-2-2001; «Governo esclarece Eni sobre Energia», Negócios online, 2-2-2001.

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Os Petróleos em Portugal

comuns, designadamente a criação de condições de sucesso para a reali-


zação da oferta pública de venda inicial no prazo fixado».44
Todavia, a queda do governo de António Guterres colocara em causa
o processo de privatização nos moldes em que este tinha sido delineado.
Como vimos, o novo executivo de Durão Barroso defendeu modificações
no «quadro estrutural do sector» e uma «reorganização da oferta energé-
tica», e procurou convencer os italianos da Eni a aceitarem o adiamento
da oferta pública inicial.45 No entanto, o novo presidente da Galp Energia
afirmou que embora faltasse «quase tudo para concluir o processo de rees-
truturação da empresa», a colocação em bolsa não estava comprometida.46
Apesar das alterações na liderança de tudo, a empresa continuou a con-
correr a blocos petrolíferos no Brasil e, em junho de 2001, integrou com
20% o consórcio que venceu o leilão do bloco BM-S-21, e com 20% o
consórcio que arrecadou a concessão do bloco BM-S-24, ambos localiza-
dos na bacia de Santos.47
No entanto, a maior aposta da administração da empresa à data passou
a ser o desenvolvimento da rede de lojas de conveniência e pelo reforço
da posição no mercado espanhol. Em agosto de 2001, a Galp Energia es-
tabeleceu uma parceria com o grupo Sonae tendo em vista a abertura de
100 lojas de conveniência até ao final de 2003. De acordo com a petrolífera,
a área da prestação de serviços nos postos de combustíveis atingia «cada
vez mais elevado interesse económico» e a Galp Energia pretendia liderar
o mercado das lojas de conveniência, pois essa era uma forma de desen-
volver uma «maior proximidade com os clientes». A parceria com a Sonae,
que detinha uma participação de 25% neste negócio, previa a criação de
dois tipos de loja, batizadas de M24, as de tipo urbano e as situadas nas
autoestradas. A intenção da Galp Energia era conseguir que em três anos
as áreas non fuel viessem a representar 30% dos resultados da empresa, apro-
ximando-se dos modelos praticados nos mercados mais maduros, sendo
que em 2000 essa área de negócio apenas tinha sido responsável por 5%
do total dos resultados gerados pela petrolífera. Paralelamente, a Galp es-
tava a ensaiar uma parceria no campo da assistência técnica automóvel
com a empresa Midas, estimando a abertura de cerca 50 a 60 oficinas, e a

44
«AG da Galp Energia aprova Rui Vilar para presidente», Negócios online, 19-2-2001.
45
Programa do XV Governo Constitucional, Lisboa, 2002.
46
«Reestruturação da Galp Energia ainda em fase inicial; IPO não está comprometido»,
Negócios online, 15-5-2001.
47
«Petrogal vence leilão de bloco petrolífero no Brasil», Negócios online, 20-6-2001; «Pe-
trogal garante 9% de consórcio vencedor do bloco BM-2-24 no Brasil», Negócios online,
23-6-2001.

86
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

estudar a criação de uma joint venture com um líder europeu na área da la-
vagem de carros para o lançamento de novos postos de lavagem.48
Relativamente ao mercado espanhol, a intenção da administração da em-
presa passava por transformar a empresa num «operador ibérico» que viesse
a ser responsável por uma quota de 16% no mercado da Península nos sec-
tores do gás e do petróleo, ou seja, o objetivo passava por conquistar mais
5% desse mercado, uma vez que a Galp Energia já era responsável por cerca
de 11%. Para atingir esse fim, a petrolífera portuguesa pretendia triplicar a
quota de 2% que detinha do mercado da venda de combustíveis a retalho
em Espanha, crescimento que seria realizado tanto através do estabeleci-
mento de parcerias, como mediante aquisições, e aspirava vir a tornar-se no
segundo maior operador ibérico na área do gás natural.49
Este posicionamento à escala ibérica era visto como indispensável para
o sucesso da dispersão do capital em bolsa. Na apresentação dos resulta-
dos referentes ao primeiro semestre de 2001, Rui Vilar sublinhou a ne-
cessidade de que a Galp Energia fosse reconhecida como um «operador
ibérico» e que o sucesso da operação passava por conseguir sinergias das
unidades de negócios, por estabelecer novas parcerias e reduzir os custos
«de modo a construir uma marca forte».50 Entre as parcerias desejadas
encontrava-se o estabelecimento de uma aliança com a Agip, empresa
controlada pela Eni, então detentora de uma quota de 1,7% do mercado
espanhol, que poderia criar em Espanha uma rede de 800 postos de abas-
tecimento.51 Ao mesmo tempo que procurava obter a concordância da
Eni para o adiamento da entrada em bolsa do capital da Galp Energia, o
governo preparava o lançamento da IPO e contratou a Caixa Geral de
Depósitos e a Merrill Lynch para coordenarem a oferta pública agendada
para o primeiro semestre de 2002.52
Em novembro de 2001, António Mexia fez declarações sobre o futuro
da empresa e a estratégia que pretendia implementar. Durante a realiza-
ção de um congresso luso-espanhol subordinado ao tema «o mercado
ibérico de energia», Mexia referiu aos jornalistas que a Galp Energia não

48
«Galp realiza parceria com Sonae para abertura de 100 lojas de conveniência até
2003», Negócios online, 21-8-2001; «Galp Energia e Sonae investem até 25 milhões no de-
senvolvimento de lojas de conveniência», Negócios online, 23-8-2001.
49
«Galp Energia quer 16% de quota no mercado ibérico; admite novas parcerias», Ne-
gócios online, 6-9-2001.
50
«Galp Energia mantém calendário de IPO para primeiro semestre de 2002, Negócios
online, 6-9-2001.
51
«Galp quer 800 postos de abastecimento em Espanha», Negócios online, 8-9-2001.
52
«Governo confirma CGD e Merryl Lynch para coordenar IPO da Galp Energia»,
Negócios online, 22-11-2001.

87
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Os Petróleos em Portugal

estava interessada em «mais blocos no Brasil» e afirmou: «temos que nos


focalizar em Espanha».53 Esta notícia chegou rapidamente ao Brasil. No
dia seguinte, o conceituado jornal económico brasileiro Gazeta Mercantil,
divulgava que a empresa petrolífera portuguesa tinha desistido de conti-
nuar a investir na aquisição de novos blocos de petróleo no Brasil, uma
vez que a prioridade passara a ser Espanha, onde a Galp pretendia chegar
a uma rede alargada de postos de combustíveis.54
A antiga política que procurava complementar o crescimento da rede
comercial, tanto em Portugal como nos países africanos de língua portu-
guesa, e, especialmente, em Espanha, com a realização de investimentos
no domínio da exploração petrolífera, parecia ter chegado ao fim. Empe-
nhada no sucesso da colocação em bolsa, na notoriedade da marca e na
criação de valor para o acionista no curto prazo, a gestão da empresa rele-
gou para segundo plano os investimentos que requeriam estratégias de
longo prazo, investimentos que eram mais arriscados, mas em caso de su-
cesso garantiriam taxas de retorno mais elevadas. Ao abrir o relatório de
apresentação de contas referentes a 2001, o presidente do Conselho de Ad-
ministração, Rui Vilar, não escondia esta nova visão para a empresa, des-
crevendo-a como «um operador energético ibérico, centrado nas atividades
de downstream, orientado para o serviço ao cliente e focado na criação de
valor», que procurava «gerar valor para o acionista» e «satisfazer o cliente».55
As operações da indústria petrolífera podem ser divididas em três fases.
A primeira é a fase da exploração, perfuração e produção; a segunda é
aquela em que se procede à transformação das matérias-primas em pro-
dutos petrolíferos, ou seja a refinação; e a terceira diz respeito, essencial-
mente, à parte logística, englobando o transporte dos produtos desde as
refinarias até ao consumidor final, atividade que compreende o trans-
porte, a distribuição e a comercialização. De acordo com a nova estratégia
defendida pela administração da Galp Energia, a empresa deveria focar-
-se prioritariamente na última fase, relegando para segundo lugar as ati-
vidades de exploração, de produção e de refinação. Se, até 2002, a ex-
ploração e produção de petróleo surgia nos relatórios como uma unidade
de negócio independente que merecia um subcapítulo, em 2002 estas
atividades da empresa deixaram de ser referidas num subcapítulo próprio
e passaram a estar integradas no último ponto das diversas unidades de

53
«Galp Energia desiste de investir na produção de petróleo no Brasil», Negócios online,
29-11-2001.
54
«Galp desiste de comprar novos blocos no Brasil», Gazeta Mercantil, 30-11-2001.
55
Relatório de Gestão do Exercício de 2001.

88
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

negócio sob o tema: «outras unidades de negócio», revelando desta


forma a menor importância que então se dava às atividades de explora-
ção.56
O objetivo de colocação da empresa em bolsa, no primeiro semestre
de 2002, terá contribuído para a consolidação desta estratégia. Paralela-
mente, a quebra das margens de refinação, verificada em 2001, também
terá contribuído para a secundarização das atividades industriais da em-
presa. Por outro lado, registavam-se resultados positivos no sector do gás,
onde se verificaram elevadas taxas de crescimento (29% no segmento in-
dustrial e 31% na distribuição) e no retalho, em que as vendas aumenta-
ram 4% em relação ao ano anterior. Desta forma, procurando atingir os
objetivos delineados, a empresa focou-se essencialmente em dois grandes
vetores: reforço da marca e crescimento orientado para o mercado ibérico.
Relativamente ao primeiro aspeto, foi desenvolvida uma nova imagem
da Galp Energia que recuperava o antigo símbolo do «G». Menos de dois
anos depois de a empresa ter apostado numa imagem que procurava afas-
tar-se de qualquer uma das empresas que tinha originado a Galp Energia,
e de ter sido aprovado um novo logótipo, o Flowerman, constatou-se que
o novo símbolo não tivera o reconhecimento desejado e voltou-se a in-
vestir na criação de uma nova imagem. Depois de escolhido o novo lo-
gótipo, baseado na letra G (de Galp) e na cor laranja, iniciou-se o processo
de renovação dos postos de combustível. Para apoiar os esforços de re-
conhecimento da marca Galp, a empresa contratou Luís Figo, futebolista
internacional português com carreira em Espanha.57
Quanto à aposta no mercado espanhol, logo nos primeiros dias de ja-
neiro de 2002, o presidente executivo da Galp Energia anunciou que a
empresa portuguesa previa investir 748 milhões de euros em Espanha,
de modo a conseguir vir a ser a «segunda maior companhia de energia
da Península Ibérica», necessitando para isso de «triplicar ou quadrupli-
car» a sua presença no país vizinho onde então contava com uma rede
de 200 postos de abastecimento. Mexia revelou ainda que tinha reque-
rido ao ministro das Finanças que a dispersão de ações em bolsa da com-
panhia que dirigia fosse realizada não só na bolsa de Lisboa, mas também
na de Madrid, e que a sua intenção era colocar cerca de 20% do capital
da Galp Energia não apenas junto de clientes institucionais, mas também
de particulares, reafirmando-se preparado para colocar a empresa em

56
Relatório de Gestão do Exercício de 2002.
57
«Galp Energia investe 35 milhões de euros para renovar postos de combustível», Ne-
gócios online, 14-1-2002.

89
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Os Petróleos em Portugal

bolsa no prazo estipulado, ou seja, até ao final de junho desse ano, caso
essa fosse a decisão dos acionistas.58
Mexia revelou ainda que o seu objetivo era que a Galp Energia viesse
a ser avaliada na ordem dos 3,5 mil milhões de euros (estava então ava-
liada em cerca de 2,5 mil milhões), e que, para isso, iria centrar a sua ati-
vidade na Península Ibérica, onde pretendia desenvolver as suas capaci-
dades para «criar novas ideias e criar novos clientes», estabelecendo metas
concretas que passavam por transformar a empresa numa das três maiores
empresas não financeiras portuguesas e colocá-la entre as 15 maiores à
escala ibérica e entre as 75 maiores à escala europeia.59
Em fevereiro de 2002, o governo divulgou que tinha decidido adiar a
oferta pública inicial (IPO) da Galp e que o novo calendário deveria ser
apresentado até ao final do primeiro semestre.60 No entanto, este adia-
mento não alterou a estratégia que vinha sendo empreendida pela lide-
rança executiva da petrolífera. Em abril, a Galp Energia anunciou que iria
investir 17 milhões de euros em 100 lojas de conveniência em Espanha e
que pretendia continuar a alargar a sua atividade em áreas non fuel, no-
meadamente em lojas de conveniência, espaços de restauração e de assis-
tência automóvel.61 No mês seguinte, a estratégia de crescimento no país
vizinho conheceu mais um desenvolvimento com a celebração de um
acordo de troca de postos de combustível entre a Galp e a Cepsa. Este
acordo, que numa primeira fase envolveu a troca de 20 postos de abaste-
cimento, permitiria à Galp aumentar a sua quota no mercado espanhol
de 2% para 2,5%.62 Paralelamente, prosseguindo a ideia de alcançar um
melhor relacionamento com os seus clientes, a petrolífera portuguesa, em
associação com a Brisa, desenvolveu um serviço que permitia o paga-
mento através do sistema Via Verde nos seus postos de abastecimento.63
Entretanto, no final de maio de 2002, realizou-se uma Assembleia
Geral da Galp Energia, que aprovou a substituição na presidência da em-
presa de Rui Vilar, que renunciou ao cargo para presidir à Fundação Ca-
louste Gulbenkian, por Joaquim Ferreira do Amaral, antigo ministro das

58
«Galp Energia investe 748 milhões de euros em Espanha; quer cotar em Madrid»,
Negócios online, 14-1-2002.
59
«Galp Energia com objetivo de avaliação de 3,5 mil milhões de euros», Negócios on-
line, 14-1-2002.
60
«Governo adia IPO da Galp Energia», Negócios online, 21-2-2002.
61
«Galp Energia investe 17 milhões de euros em 100 lojas de conveniência em Espa-
nha», Negócios online, 11-4-2002.
62
«Galp Energia com 4% de quota em Espanha depois de acordo com Cepsa», Negócios
online, 13-5-2002.
63
«Brisa Serviços quer faturar 57 milhões de euros este ano», Negócios online, 19-4-2002.

90
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

Obras Públicas durante os governos de Cavaco Silva. A recondução de


António Mexia como presidente da Comissão Executiva foi votada na
primeira reunião do novo Conselho de Administração saído da Assem-
bleia Geral. O presidente executivo assumiu ainda a presidência do Con-
selho de Administração da Petrogal e da Gás de Portugal, subsidiárias da
Galp Energia para as áreas petrolíferas e do gás natural.64 António Mexia
continuou empenhado na entrada da empresa em bolsa. Dias depois de
ter sido reconduzido na presidência, o gestor sublinhou que não fora
por motivos internos que a colocação de parte do capital social da Galp
Energia no mercado bolsista sofrera um adiamento, defendendo que a
mesma deveria ocorrer no primeiro semestre de 2003.
O presidente executivo continuava a revelar-se mais concentrado neste
objetivo, afirmando que a Galp era «um produto vendável» e que estava
empenhado em «duplicar o cash-flow e os resultados nos próximos dois
anos», ao mesmo tempo que esperava conseguir reduzir o endivida-
mento, então muito elevado, e que colocava a empresa portuguesa entre
«uma das mais endividadas a nível europeu no seu sector». Como atra-
tivos para compra de ações da Galp eram apresentados alguns fatores
como «a notoriedade da marca, a base de clientes na ordem dos 2,5 mi-
lhões, as infraestruturas e a exclusividade do negócio do gás natural».65
Porém, este último fator estava a ser posto em causa pelas posições do
governo relativamente ao funcionamento e desenho do mercado da ener-
gia em Portugal, conforme já anteriormente se descreveu.
A equipa liderada por António Mexia continuou a centrar-se em três
grandes objetivos, nomeadamente o crescimento em Espanha, o cresci-
mento no retalho e o aumento da notoriedade da marca. Em relação aos
dois primeiros, em julho de 2002, a Galp Energia e a Agip, do grupo Eni,
concluíram um acordo para adquirir a rede de 186 postos da Total Fina
Elf em Espanha. O acordo implicava a cedência à Total, por parte da
Galp, de 111 estações de serviço localizadas em território nacional e per-
mitiam um reforço da posição da petrolífera portuguesa no mercado es-
panhol.66 Os acordos celebrados visavam permitir à Galp duplicar as ven-
das de combustível em Espanha (de 450 milhões de litros para 900
milhões de litros) e aproximar-se dos 400 postos no país vizinho, acer-

64
«António Mexia na presidência da Petrogal e Gás de Portugal», Negócios online, 11-6-
-2002.
65
«Mexia estima IPO da Galp Energia primeiro semestre 2003; quer Euronext 100»,
Negócios online, 20-6-2002.
66
«Galp e Eni trocam postos de combustível com Total Fina Elf», Negócios online, 10-
-7-2002.

91
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Os Petróleos em Portugal

cando-se assim dos objetivos traçados, que passavam pela «transformação


da Galp Energia numa empresa ibérica».67 No mesmo contexto, inse-
riam-se as negociações para troca de postos de abastecimento com a Rep-
sol, a maior petrolífera espanhola. No entanto, estas últimas negociações
arrastaram-se durante longos meses e só foram retomadas em março de
2004.68 De qualquer forma, a empresa previa um ambicioso programa
de investimentos para garantir a expansão das suas atividades a nível ibé-
rico, num montante de 1,5 mil milhões de euros a serem aplicados em
três anos.69
No seguimento desta estratégia, a Galp Energia adquiriu, em novem-
bro de 2002, 5% da Compañia Logística de Hidrocarburos (CLH), ga-
rantindo assim uma boa penetração no mercado espanhol, uma vez que
esta empresa detinha 39 unidades de armazenamento distribuídas geo-
graficamente por toda a Espanha e era responsável por uma grande rede
de oleodutos no país vizinho.70 Outra parte deste investimento seria ca-
nalizado no desenvolvimento de um novo tipo de lojas de conveniência,
a implementar em Portugal e em Espanha. Depois da parceria com a
Sonae para a implementação das lojas M24, a Galp Energia desenvolveu
um conceito similar para lojas de menor dimensão, que foram designadas
por Tangerina, prevendo a abertura de 70 a 100 lojas nos cerca de 200
postos detidos pela empresa em Espanha.71
O sector das vendas a retalho de produtos non fuel continuava assim a
merecer forte empenho por parte da gestão da empresa. Na apresentação
da primeira loja da marca Tangerina, o presidente executivo declarou que
pretendia que no espaço de dois a três anos a parte dos lucros da empresa
com origem nas áreas non fuel, como as lojas de conveniência e os serviços
de lavagens de viaturas, crescessem do nível de 10% que se verificava na
altura, para 30%. Depois de afirmar que esperava que com esta alteração
as lojas viessem a «vender quatro vezes mais do que vendiam», António
Mexia revelou que a Galp Energia ganhava «tanto com a venda de um

67
«Galp Energia disponível para mais trocas de postos de abastecimento em Espanha»,
Negócios online, 10-7-2002.
68
«Galp Energia negoceia troca de postos de abastecimento com Repsol», Negócios on-
line, 22-7-2002; «Galp retoma negociações para troca de postos com Repsol, Negócios on-
line, 24-3-2004.
69
«Galp Energia investe 1,5 mil milhões em três anos», Negócios online, 1-10-2002.
70
«Galp Energia negoceia adiamento de opção de compra mais 5% CLH para junho»,
Negócios online, 21-11-2002.
71
«Galp Energia aposta em marca própria nas lojas de conveniência», Negócios online,
1-10-2002.

92
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

abastecimento de combustível de cerca de 25 litros como com a venda


de uma garrafa de 1,5 litros de refrigerante». Mexia defendeu ainda que
a Galp Energia era muito afetada por fatores exógenos, que influencia-
vam especialmente as margens de refinação, sendo que metade dos ati-
vos da Galp Energia se encontravam na área da refinação.72 A aposta no
retalho non fuel e nos serviços era assim uma forma de procurar diversi-
ficar as fontes de receita da empresa e de a preparar para a nova fase de
privatização: a «redução da dívida, a aposta nas lojas de conveniência e
a troca de postos são passos decisivos para credibilizar a empresa para a
IPO».73
Relativamente ao aumento de notoriedade da marca, depois de ado-
tada a nova imagem e de realizado o volumoso investimento de adapta-
ção e modernização dos postos de venda, a empresa procurou chegar ao
grande público associando-se ao fenómeno desportivo mais popular na
Península Ibérica: o futebol. Assim, a Galp tornou-se patrocinadora da
liga portuguesa de futebol, tendo a empresa revelado que com esta ini-
ciativa pretendia «projetar a imagem da companhia antes da entrada em
bolsa» que estava prevista ocorrer no primeiro semestre de 2003, «pro-
mover os seus produtos e aumentar as suas receitas». O campeonato na-
cional passaria assim a designar-se por «superliga Galp Energia».74
Em fevereiro de 2003, o envolvimento da Galp Energia com o mundo
do futebol alcançou um novo patamar, quando a empresa se tornou no
segundo patrocinador oficial da organização do campeonato europeu de
futebol em Portugal, no ano de 2004. O acordo estabelecido com a Fede-
ração Portuguesa de Futebol previa a exclusividade de abastecimento de
combustível a veículos da organização do campeonato europeu e a venda
de bilhetes nos postos e, segundo António Mexia, iria permitir à Galp au-
mentar a sua quota de mercado.75 Na sequência da assinatura deste acordo,
a Galp Energia realizou um conjunto de iniciativas de promoção do Euro
2004 em Espanha. Ao associar-se a este evento desportivo, a empresa pro-
curava mais uma vez revelar o seu posicionamento como um «operador
verdadeiramente ibérico, com lojas ibéricas e clientes ibéricos», canali-

72
«Galp Energia estima 30% dos lucros em 2005 com áreas de ‘não combustíveis’»,
Negócios online, 2-10-2002.
73
«Galp aposta na expansão para preparar IPO», Negócios online, 2-10-2002.
74
«Galp Energia patrocina Liga Portuguesa de Futebol», Negócios online, 16-8-2002;
«Galp Energia assina contrato para patrocinar Liga Portuguesa de Futebol», Negócios online,
16-8-2002.
75
«Patrocínio do Euro 2004 aumenta quota da Galp Energia», Negócios online, 17-2-
-2003.

93
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Os Petróleos em Portugal

zando investimentos que anteriormente eram destinados a patrocínios na


área da competição automóvel para o futebol.76
A outra aposta da empresa era no sector do gás natural. Também neste
domínio os objetivos da companhia eram muitos claros. A administração
da Galp Energia pretendia alcançar uma quota «entre 10 e 15% no gás
natural» na Península Ibérica, e tornar-se o «segundo jogador ibérico no
gás natural» nestes dois países, a seguir à empresa espanhola Gás Natural.
Para que este objetivo fosse cumprido, a energética portuguesa defendia,
por um lado, um reforço das parcerias com produtores de gás e, por
outro, tal como vinha fazendo no domínio do petróleo, advogava a troca
de ativos com congéneres espanholas.77
Todavia, a dispersão do capital da empresa em bolsa continuava a ser
foco de atenção da administração da Galp Energia. Em novembro de
2002, António Mexia revelou que o governo português pretendia alienar
uma parcela de 20 a 25% da empresa numa oferta pública de venda des-
tinada a investidores institucionais e particulares, a realizar simultanea-
mente em Lisboa e em Madrid. O responsável da empresa, Mexia, su-
blinhou a importância da Galp Energia vir a ser cotada em Madrid, pois
essa era uma forma de «reforçar o interesse numa estratégia ibérica da
Galp Energia», empresa que pretendia vir a obter até 2004 uma quota de
15% no mercado ibérico, dos quais 35% em Portugal e 8% em Espanha.
Revelou ainda que pretendia que a Galp viesse a ser uma das 20 maiores
empresas não financeiras cotadas na praça madrilena e que os objetivos
passavam por garantir que, no futuro, «25% da criação de valor da Galp
Energia» fosse oriunda de Espanha.78
Estas declarações do presidente executivo da Galp Energia não foram
bem recebidas pelo seu principal acionista, que revelou publicamente o
seu desagrado. No dia seguinte, o ministro da economia, Carlos Tavares,
afirmou que era prematuro avançar com o modelo de privatização da Galp
Energia e que ainda havia «muito que trabalhar na definição do modelo».
O ministro defendeu ainda que neste domínio apenas o governo podia
ficar vinculado por aquilo que ele próprio afirmava, e sublinhou que quem
tinha «competência para se pronunciar sobre as operações de privatização»
era o governo e em «particular os ministérios envolvidos». Esclareceu, no

76
«Galp Energia investe 5 milhões na promoção Euro 2004 na Península Ibérica», Ne-
gócios online, 16-7-2003.
77
«Galp Energia quer quota entre 10 a 15% no mercado de gás natural ibérico», Negó-
cios online, 22-10-2002.
78
«Governo aponta para venda de 20 a 25% da Galp Energia em OPV», Negócios online,
21-11-2002.

94
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

entanto, que nada seria decidido antes de ser ouvido o presidente do Con-
selho de Administração, Ferreira do Amaral, que, na sequência destas de-
clarações de Carlos Tavares, defendeu que a condução do processo de pri-
vatização cabia ao governo e que «nem podia ser de outra forma».79
De facto, apesar de a gestão da empresa pretender uma rápida entrada
em bolsa, as negociações entre os principais acionistas não foram fáceis,
uma vez que o executivo não pretendia apenas privatizar a Galp Energia,
englobando este processo de privatização num mais vasto plano de orga-
nização do sector energético nacional, que afetava os interesses do maior
acionista privado da petrolífera portuguesa. Esta complexidade levou o go-
verno a adiar novamente a oferta pública inicial da Galp Energia até 31 de
dezembro de 2003, após ter obtido a concordância da Eni, que abdicava
de reforçar a sua posição na Galp Energia e reconhecia a necessidade da
existência de um núcleo duro de acionistas portugueses na empresa.80
A opção do governo em integrar as fileiras do gás natural e da eletrici-
dade, expressa nas «linhas de orientação estratégica e do modelo organi-
zativo e de privatização do sector energético português»,81 como vimos,
veio agravar as tensões existentes entre o ministro que tutelava a Galp
Energia, Carlos Tavares, e a administração da empresa. A imprensa eco-
nómica revelou que a reestruturação do sector energético desenhada por
João Talone e aprovada pelo governo ia «contra os planos e a vontade
da gestão da Galp», e referia a existência de uma guerra aberta entre o
ministro e os mais altos responsáveis pela petrolífera portuguesa.82
Como tivemos oportunidade de observar, a lógica empresarial nem
sempre foi seguida ao longo do processo de privatização da Galp Energia.
No entanto, apesar das constantes alterações estratégicas do Estado en-
quanto principal acionista, a Galp Energia conseguiu adaptar-se às diver-
sas orientações, revelando uma grande capacidade de adaptação e resi-
liência.
Apesar de relegadas para um lugar secundário, as atividades de pros-
peção e extração de petróleo não foram completamente abandonadas e
a Galp Energia não chegou a transformar-se numa mera empresa reta-

79
«Governo ainda não definiu modelo para privatização da Galp Energia», Negócios
online, 22-11-2002; «Ferreira do Amaral esclarece privatização da Galp Energia», Negócios
online, 22-11-2002.
80
«Governo e Eni acordam adiamento do IPO da Galp Energia», Negócios online, 2-1-
-2003.
81
«Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2003», Presidência do CM, 3-4-2003,
Diário da República, I Série-B, n.º 108, 10-5-2003.
82
«No lugar do morto», Negócios online, 12-1-2004.

95
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Os Petróleos em Portugal

lhista e vendedora de serviços. Tanto que, em junho de 2004, a empresa


voltou a manifestar interesse em participar numa nova ronda de licitações
para explorar blocos petrolíferos no Brasil, que estava a ser levada a cabo
pela Agência Nacional de Petróleo.83 Apesar de a administração ter su-
blinhado que se tratava de um investimento com menos risco do que os
que tinham sido realizados pelos seus antecessores, uma vez que se tra-
tava de blocos em águas pouco profundas, a empresa procurava adaptar
a sua estratégia a um novo modelo que resultaria da potencial saída do
negócio do gás natural e que obrigava a Galp Energia a recentrar a sua
atenção no negócio do petróleo.84
No dia 1 de junho de 2004, a Parpública, entidade responsável pela
gestão das participações do Estado, anunciou que tinham selecionados
ex-aequo o consórcio Petrocer e o grupo Mello para negociarem com o
governo a compra de pelo menos 33,34% do capital da Galp. Esta re-
comendação, subscrita unanimemente, iria ser acatada, passando-se à
fase de negociações diretas com os dois candidatos, depois de consulta-
dos a ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite e o ministro da Eco-
nomia, Carlos Tavares.85 No final de junho, foi revelado que o Estado
tinha optado pela proposta apresentada pela Petrocer. O grupo Mello
criticou o desempenho da Parpública durante as negociações, acusando-
-a de ter recusado discutir a sua proposta, que, entre outros aspetos, in-
cluía um projeto industrial que passava pela integração do sector quí-
mico da CUF na empresa petrolífera.86 Posteriormente viria também a
ser criticado o facto de a proposta vencedora prever que parte do paga-
mento fosse proveniente de dividendos futuros da empresa.87 Uns dias
mais tarde, Carlos Tavares anunciava que a Petrocer tinha sido selecio-
nada para comprar os 33,34% da participação da Eni, por 700 milhões
de euros e mais 7% da participação da EDP, por 146,2 milhões de euros.
Ficava ainda acordado que, no ano seguinte, a Parpública teria de com-
prar os restantes 7,25% da participação da EDP, esperando o Estado ar-

83
«Relações com Petrobras motivam reforço da Galp no petróleo brasileiro», Negócios
online, 4-6-2004.
84
«Galp quer novas explorações de petróleo no Brasil», Negócios online, 4-6-2004.
85
«Galp Energia: sábios escolhem Petrocer e grupo José de Mello ‘ex-aequo’», Público.pt,
1-6-2004.
86
«Galp Energia: sábios escolhem Petrocer e grupo José de Mello ‘ex-aequo’», Público.pt,
1-6-2004. Ver também «Venda da Galp à Petrocer deve ser formalizada hoje», Público.pt,
29-6-2004 e «Intervenção estatal baralha futuro da petrolífera», DN.pt, 22-12-2004.
87
«Galp Energia: sábios escolhem Petrocer e grupo José de Mello ‘ex-aequo’», Público.pt,
1-6-2004.

96
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

recadar 1,2 mil milhões de euros com a posterior venda da Gás de Por-
tugal.88 Esta decisão do governo foi anunciada na última semana de vi-
gência do XV Governo Constitucional.
A 17 de julho, Durão Barroso pediu a demissão do cargo de primeiro-
-ministro, optando por aceitar o cargo de presidente da Comissão Euro-
peia para que fora convidado. Mais uma vez, o processo de privatização
da Galp seria afetado por uma crise política. Suceder-lhe-ia um governo
liderado por Pedro Santana Lopes, que tinha como ministro das Finanças
António Bagão Félix e como ministro da Economia Álvaro Barreto e
ainda António Mexia, antigo presidente executivo da Galp Energia e pre-
sidente dos conselhos de administração da Petrogal, Gás de Portugal,
Transgás e Transgás-Atlântico, como ministro das Obras Públicas, Trans-
portes e Comunicações.
No tocante à política energética, o programa do novo governo preco-
nizava «a consolidação do processo de modificação do quadro estrutural
do sector» e a «reorganização da oferta energética», estabelecendo como
prioridades «o desenvolvimento do Mercado Ibérico de Eletricidade,
com defesa intransigente dos interesses nacionais» e o aprofundamento
«da recente filosofia de consolidação em cada uma das diferentes fileiras
energéticas, no domínio dos petróleos, gás natural e eletricidade», defen-
dendo ainda a realização de um estudo sobre a «eventual separação entre
as atividades de importação e distribuição de alta pressão e distribuição
capilar de gás natural, dentro dos termos dos contratos de concessão exis-
tentes».89
Mas a vida continuava e, duas semanas após a tomada de posse do go-
verno de Pedro Santana Lopes, a Parpública assinou um acordo com a Pe-
trocer para a aquisição de cerca de 40% do capital da petrolífera. Ficou
então estabelecido que os privados poderiam nomear seis administradores
não executivos, cabendo à Parpública a indicação dos nomes do presidente
do Conselho de Administração e mais cinco administradores não execu-
tivos. O presidente executivo seria nomeado por comum acordo entre as
partes, durante o primeiro mandato deste núcleo de acionistas, passando
no segundo mandato esta responsabilidade a ser atribuída à Petrocer.
A comissão executiva seria composta por mais quatro gestores. Ficou tam-
bém estipulado quais as matérias que tinham de ser decididas por maioria
qualificada (votadas favoravelmente por 14 dos 17 administradores), in-

88
«Ministro confirma Petrocer na Galp», Jornal de Notícias online, 6-7-2004.
89
Programa do XVI Governo Constitucional.

97
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Os Petróleos em Portugal

cluindo questões relacionadas com alterações aos estatutos, aprovação dos


objetivos e linhas gerais de orientação estratégica da Galp e das empresas
participadas, planos de investimentos ou de desinvestimentos estratégicos
superiores a 50 milhões de euros, emissões de valores mobiliários e em-
préstimos superiores a 100 milhões de euros, participações estratégicas na
área energética e participação em negócios não incluídos na atividade prin-
cipal da Galp. As duas partes manifestaram ainda a intenção de colocar a
empresa na Bolsa em 2005 através da realização de uma oferta pública de
venda inicial.90
Esta sucessão de episódios em torno da privatização da empresa foi
descrita por um jornal com alguma ironia no dia seguinte à celebração
do acordo entre o Estado e a Petrocer:

A ministra das Finanças remetia para o colega da Economia. O ministro


da Economia lavava as mãos e apontava para a Parpública, a holding do Es-
tado que estava a intermediar a operação. A Parpública não tinha responsa-
bilidades, porque era um mero executante, e acenava com os relatórios do
«comité de sábios». O «comité de sábios», entretanto constituído, fazia a
análise técnica das propostas e escrevia no seu primeiro relatório que «nem
o governo, nem obviamente a Galp, têm qualquer intervenção ou respon-
sabilidade direta quer no processo quer naquela transação», sendo que tam-
bém ele não pode assumir o ónus político da operação. E, por último, temos
o governo (outro governo, mas dito de continuidade), a estabelecer novas
regras à 25.ª hora e a provocar o adiamento por três vezes da assinatura do
acordo. Só que este governo, dirão os seus membros, não é responsável pelas
decisões que herdou... O pecado original deste carrossel está em querer-se
tomar decisões políticas sem querer assumir o ónus que as decisões políticas
têm. [...] E aí temos a Galp de novo em mãos portuguesas. Do BPI, Violas
e Arsopi, que vão entrar no capital da petrolífera, espera-se um comporta-
mento mais digno do que o da famigerada Petrocontrol, que abandonou a
empresa quando sentiu o cheiro dos milhões. Ser-lhes-á muito fácil ter maior
sentido de responsabilidade. Dos candidatos preteridos, a Luso-Oil liderada
pela Carlyle e o Grupo Mello, está ainda por saber se vão protestar nos tri-
bunais. Se têm dúvidas sustentadas, é por aí que devem ir. Isso é preferível
às insinuações que nunca serão esclarecidas.91

Não sabia o articulista que afinal a solução seria outra, e que o processo
de privatização da Galp ainda estava longe de terminar. Logo que foi co-

90
«Petrocer e Estado querem Galp na Bolsa em 2005», Negócios online, 3-8-2004.
91
«Procuram-se pais!», Negócios online, 4-8-2004.

98
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

nhecida a intenção do governo português de proceder à junção dos ne-


gócios do gás e da eletricidade na EDP, Mário Monti, comissário europeu
da Concorrência, afirmou que «teoricamente, a concentração numa em-
presa dos dois segmentos de energia não era desejável nem seria o mais
correto».92 Em meados de novembro de 2004, o ministro da Economia,
Álvaro Barreto, reconheceu que a Comissão Europeia se preparava para
vetar o negócio e a EDP revelou que tinha recebido um parecer negativo
das autoridades europeias. O comissário afirmou ainda que «os consu-
midores portugueses e os utilizadores industriais» já pagavam os preços
mais elevados de eletricidade na UE e que a concentração proposta não
iria melhorar a situação nem provocar uma baixa nos preços.93
Seguindo os trâmites normais, o parecer do comissário foi enviado
para o comité consultivo para as concentrações, constituído pelas Auto-
ridades da Concorrência de todos os Estados membros da União Euro-
peia, organismo que no final de novembro de 2004 chumbou o negócio.
João Talone, então presidente da eléctrica portuguesa, continuava empe-
nhado na viabilização da solução que tinha desenhado e apresentou al-
gumas propostas que visavam remover algumas das objeções colocadas
pelas entidades europeias. No entanto, para o governo português, era
cada vez mais claro que a transferência do gás para a órbita da EDP teria
muito poucas probabilidades de vir a efetuar-se, razão que o levava a
equacionar uma alternativa que não viesse a colocar em causa a saída da
Eni da Galp e a sua substituição pela Petrocer, o que implicava garantir
uma posição de 49% dos italianos no negócio do gás. Esta situação po-
deria ser conseguida se, em vez da EDP, o parceiro maioritário da Gás
de Portugal, com 51% do seu capital, viesse a ser a Parpública.94
No dia 9 de dezembro de 2004, a Comissão Europeia divulgou a sua
posição final sobre o assunto, anunciando que proibia a EDP e a Eni de
adquirem a Gás de Portugal. Segundo Bruxelas, a decisão tinha sido ado-
tada «na sequência de uma investigação aprofundada» que concluíra que
«a operação reforçaria a posição dominante da EDP nos mercados gros-
sista e retalhista de eletricidade em Portugal e a posição dominante da
GDP nos mercados do gás em Portugal» e que, deste modo, a operação
de concentração «reduziria significativamente ou contrariaria os efeitos
da liberalização dos mercados da eletricidade e do gás e aumentaria os
preços a nível dos clientes nacionais e industriais». Era ainda feita uma

92
«Edp só quer negócio do gás se o controlar», Público.pt, 25-6-2003.
93
«Edp vai tentar ultrapassar obstáculos», TSF.pt, 19-11-2004.
94
«Transferência do gás para a EDP leva novo ‘chumbo’», DN.pt, 27-11-2004.

99
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Os Petróleos em Portugal

referência aos esforços que a EDP e a Eni tinham desenvolvido no sen-


tido de serem ultrapassadas as objeções colocadas, afirmando-se que as
soluções propostas por estas duas empresas eram «insuficientes para dar
resposta às preocupações em matéria de concorrência». A comissária da
Concorrência, Neelie Kroes, sucessora de Mário Monti, sublinhou ainda
que caso a concentração fosse adiante, os preços iriam subir e, conse-
quentemente, iria assistir-se a uma «perda de competitividade da econo-
mia portuguesa».95 A Comissão Europeia, liderada já por Durão Barroso,
vetava assim o modelo proposto pelo mesmo Durão Barroso, quando
este era primeiro-ministro de Portugal.
Esta decisão não afetava apenas a Gás de Portugal, a EDP e a Eni.
O sector energético português tinha sido redesenhado de forma a ser
conseguida uma saída para a Eni e a sua substituição na Galp por acio-
nistas privados nacionais. Inviabilizado o negócio que permitia a manu-
tenção da Eni em Portugal e atribuía aos italianos uma posição relevante
no sector do gás, esta deixava de estar interessada em abandonar a Galp.
Pelo contrário, perspetivava-se a possibilidade de os italianos reforçarem
a sua posição na petrolífera e obrigarem o governo português a realizar
uma venda por ajuste direto, nos termos do acordo celebrado anos antes
com Pina Moura.
A posição do consórcio vencedor nesta fase do processo de privatiza-
ção da Galp ficava, assim, de um momento para o outro, muito fragili-
zada. Ultrapassada pelos acontecimentos, a Autoridade da Concorrência
portuguesa divulgava, no final de dezembro de 2004, a sua decisão sobre
a operação de concentração promovida pela Petrocer e pela Parpública
no capital da Galp, nos termos do acordo parassocial celebrado entre as
duas entidades. No parecer do regulador, a operação em causa não era
suscetível de criar ou reforçar «uma posição dominante» da qual pudes-
sem «resultar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercados
das vendas retalhistas de combustível, das vendas não retalhistas de com-
bustível e do betume no território nacional».96 Todavia, os problemas,
do ponto de vista da concorrência nos mercados, não estavam no sector
petrolífero, mas sim na junção do gás com a eletricidade. O processo de
privatização da Galp entrava novamente num impasse.

95
Comunicado da Comissão Europeia, «Concentrações: a Comissão proíbe a EDP e
a Eni de adquirirem a GDP», IP/04/1455, 9-12-2004.
96
Decisão do Conselho da Autoridade da Concorrência. Ccent. 36/2004 – Petrocer,
SGPS, Lda./Parpública – Participações Públicas, SGPS, S.A./Galp Energia, SGPS, SA,
23-12-2004.

100
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

Entretanto, no início de janeiro de 2005, a Eni, a Petrocer e a Parpú-


blica chegaram a um acordo que adiava a concretização do processo que
conduziria à saída da Eni da Galp e à sua substituição pela Petrocer, troca
que inicialmente estava prevista suceder até ao final de janeiro.97 Este
acordo permitiu o adiamento da compra do primeiro lote de ações
(33,34%) da Galp pela Petrocer e evitou que a Eni exercesse uma opção
de compra sobre as ações da petrolífera, situação que lhe poderia dar a
maioria do capital social da empresa.98 No entanto, perante este adia-
mento, os concorrentes preteridos nesta última fase de privatização, que
já tinham apresentado queixas em tribunal sobre o modo como o pro-
cesso tinha sido conduzido, defendiam agora que a prorrogação dos pra-
zos para a efetivação do negócio poderia implicar o recomeço de todo o
processo.99
A complexa situação acionista na Galp seria mais uma vez afetada por
uma crise política. A 30 de novembro de 2004, o presidente da Repú-
blica, Jorge Sampaio, anunciou a dissolução da Assembleia e a convoca-
ção de eleições antecipadas. O governo liderado por Pedro Santana Lopes
deixava assim de ter legitimidade para decidir o futuro da empresa pe-
trolífera. Caberia ao novo governo encontrar uma solução para um pro-
blema que se arrastava há largos anos. As eleições legislativas realizaram-
se no dia 20 de fevereiro de 2005 e deram a vitória por maioria absoluta
ao PS, dirigido por José Sócrates.

A entrada da Amorim Energia


O governo socialista tomou posse a 12 de março de 2005. A pasta das
Finanças começou por ser dirigida por Luís Campos e Cunha, que deixou
o governo passados quatro meses, sendo substituído por Fernando Teixeira
dos Santos, e a pasta da Economia foi entregue a Manuel Pinho. Relativa-
mente à política energética, o novo governo não apresentava qualquer so-
lução, advogando a adoção, «a curto prazo», de um «novo modelo de or-
ganização do sector energético público ou em curso de privatização» que
tivesse em conta «a recente decisão da Comissão Europeia sobre esta ma-
téria».100 Passados seis meses sobre a posse, o Conselho de Ministros apro-

97
«Parpública, Petrocer e Eni acordam novas datas», TSF.pt, 19-1-2005.
98
«Petrocer quer que o Estado cumpra o contrato de venda», RTP.pt, 1-2-2005.
99
«Venda da Galp à Petrocer volta a gerar polémica», DN.pt, 7-2-2005.
100
Programa do XVII Governo Constitucional, Lisboa, 2002.

101
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Os Petróleos em Portugal

vou a «estratégia nacional para a energia». O documento referia que pre-


tendia corrigir «algumas das orientações anteriores, designadamente as pre-
vistas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2003, de 10 de maio,
no que respeitava à orientação estratégica de juntar numa única entidade
empresarial as atividades de distribuição e de comercialização de eletrici-
dade e gás e respetivas infraestruturas».101
Lembrando que uma das finalidades das políticas públicas neste do-
mínio passava pelo incentivo à concorrência, defendia-se que «as empre-
sas incumbentes dos sectores da eletricidade e do gás natural em vez de
se limitarem a manter as suas áreas de atividade» as deveriam alargar, «tor-
nando-se operadores em concorrência». Pretendia-se agora que cada ope-
rador pudesse estar «simultaneamente presente nos sectores do gás e da
eletricidade, de modo a contribuir para o reforço da concorrência e a re-
dução do poder de mercado, em benefício dos consumidores». Neste
contexto, o governo anunciava que pretendia «estimular alterações das
participações nos capitais sociais das empresas relevantes» que facilitas-
sem «o cumprimento dos objetivos definidos», e que desejava «continuar
a reduzir significativamente a presença do Estado no capital dessas so-
ciedades». Era ainda divulgado que, na vertente regulamentar e regula-
tória, o Executivo pretendia introduzir regras que incentivassem «a efi-
ciência e o ambiente concorrencial nas fileiras da eletricidade, do gás
natural e do petróleo».102
Esta posição do governo foi conhecida um mês após a Gás Natural
ter lançado uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a Endesa. Na
sequência do fracasso de uma operação idêntica sobre a Iberdrola, a Gás
Natural (que tinha entre os seus principais acionistas a La Caixa e a Rep-
sol) voltava a liderar uma iniciativa de concentração em Espanha, desta
vez dirigida à maior operadora elétrica espanhola.103 Caso o processo ti-
vesse sucesso, originaria o terceiro maior grupo do sector a nível mundial,
situação que teria óbvias implicações no mercado ibérico.
Conhecida a orientação do executivo e as movimentações no país vi-
zinho, a situação da posição da Eni no capital da Galp Energia voltava a
ser um dos principais problemas por resolver. O plano do governo im-
plicava a criação de dois operadores concorrentes e a criação de condi-
ções que permitissem à Galp Energia entrar no mercado elétrico e à EDP

101
Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, aprovada a 6-10-2005, Diário
da República, 1.ª Série-B, n.º 204, 24-10-2005.
102
Ibid.
103
«Ambiente propício a sucesso de OPA Gás Natural sobre Endesa», RTP.pt, 6-9-2005.

102
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

ter acesso ao mercado do gás natural. Na pasta da Economia, Manuel


Pinho reconhecia que as negociações eram «extremamente complexas»
e revelou estar empenhado em criar condições para que a composição
acionista da Galp Energia não condicionasse «esta estratégia». O ministro
defendeu ainda que «a entrada da Petrocer tinha pressupostos que já não
existem».104 Ficava claro que o novo modelo implicava, uma vez mais, o
sacrifício de um consórcio português.
As negociações entre o Estado e a Eni não seriam fáceis. No início de
outubro de 2005, a imprensa referia que as partes teriam chegado «a um
acordo de princípios sobre a hipótese de os italianos trocarem a sua par-
ticipação de 33,34% na Galp Energia por 50% do capital da GDP», pas-
sando os restantes 50% a ser detidos pela própria Galp Energia. Em cima
da mesa estava ainda a possibilidade de os italianos venderem a sua par-
ticipação na petrolífera, ou comprarem mais 10% da empresa, recorrendo
ao que fora acordado com o Estado no ano 2000.105 O futuro do sector
energético português estava assim nas mãos da Eni.
Em meados de novembro de 2005, a Eni revelava a sua força negocial.
Os italianos questionavam porque tinham de optar entre sair da Galp Ener-
gia ou estabelecer uma parceria com a GDP, e apresentaram uma contra-
proposta que passava pela entrada de um parceiro português na Galp Ener-
gia, parceiro que, em conjunto com o Estado, viesse a deter um mínimo
de 18% e um máximo de 33,34% do capital. No cenário proposto pela
Eni, a empresa italiana deteria a maioria dos lugares na comissão executiva
da empresa (seis em onze pessoas) e nomearia o Chairman e o CEO (Chief
Executive Officer). Perfilaram-se, então, cinco grupos
portugueses, a saber, a Petrocer, que manifestou in-
teresse em trabalhar num modelo em que a Eni de-
sempenhasse o papel de parceiro internacional,
Américo Amorim, o grupo Mello, Pedro Queiroz
Pereira, e o grupo Espírito Santo.106
No dia 5 de dezembro de 2005, o Jornal de Negócios revelava que Amé-
rico Amorim estava prestes a formalizar um acordo para a compra das
participações da EDP (14,27%) e da REN (18,3%) e a negociar a aquisição
dos 4% que a Iberdrola continuava a deter na Galp Energia.107 Confron-

104
«Liberalização sem data», Jornal de Notícias.pt, 30-9-2005.
105
Ibid.
106
«Grupo Mello mantém interesse na Galp», Negócios online, 13-10-2005; «Petrocer
aceita parceira com a Eni», Diário Digital, 19-11-2005; «Privados tentam evitar rutura na
Galp», DN.pt, 23-11-2005.
107
«Amorim negoceia posição da Iberdrola», Negócios online, 5-12-2005.

103
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Os Petróleos em Portugal

tado com estes acontecimentos, o líder da Petrocer, Ferreira de Oliveira,


manifestou surpresa, uma vez que se encontrava em andamento o pro-
cesso de saída da EDP do capital da Galp Energia, referindo ainda que,
relativamente à posição da REN, e uma vez que esta empresa era maiori-
tariamente detida pelo Estado, exigia-se um «processo concorrencial». Su-
gerindo que o governo deveria «dizer o que quer», o líder da Petrocer de-
fendeu que os agentes económicos fariam então as suas propostas e um
júri decidiria.108 Ferreira de Oliveira revelou também que após a EDP ter
informado o mercado que tinha recebido uma proposta de Américo
Amorim para vender as suas ações na Galp Energia, a Petrocer estava a
preparar uma oferta para as ações da elétrica na Galp Energia, mas que
desconhecia que o negócio proposto por Amorim envolvia uma cláusula
de proteção do acionista minoritário, dita de tag along, para a compra da
participação da REN na petrolífera.109
Também o presidente da Eni, Paolo Scaroni, mostrou ter sido sur-
preendido com esta notícia, tendo afirmado não acreditar que a EDP
viesse a vender a sua posição na Galp Energia de forma direta, em vez
de realizar um leilão que lhe permitisse «maximizar o preço». O italiano
reafirmou o interesse da Eni na Galp Energia e mostrou-se disposto a
«participar num leilão competitivo, em acordo com o governo portu-
guês». Por seu lado, o presidente da EDP, João Talone, reconheceu que
estava a analisar a proposta efetuada por Américo Amorim e que a deci-
são sobre a venda seria rápida.110
A promessa de João Talone quanto à rapidez da decisão foi cumprida.
No dia seguinte, 6 de dezembro, à noite, o Conselho de Administração
da EDP reuniu-se e decidiu vender a sua posição na Galp Energia à Amo-
rim Energia, empresa detida pelo empresário Américo Amorim, pela pe-
trolífera pública angolana, Sonangol, e por Isabel dos Santos, filha do
presidente da República de Angola, estimando encaixar com o negócio
cerca de 690 milhões de euros. A proposta avançada por Américo Amo-
rim avaliava a Galp Energia em aproximadamente 5000 milhões de euros,
quase triplicando o valor implícito na proposta (700 milhões de euros)
que tinha sido apresentado pela Petrocer, em 2004, para comprar 33,3%
da empresa petrolífera (sem os ativos do gás). Em simultâneo, foi asse-
gurada a compra dos 18,3% da REN ao mesmo preço, tendo a Amorim
pago um valor de mais de 910 milhões de euros por essa posição. Com

108
«Ferreira de Oliveira reclama transparência na Galp», RTP.pt, 6-12-2005.
109
«Petrocer preparava oferta para ações da Edp na Galp», Negócios online, 6-12-2005.
110
«Eni interessada em comprar posição da Edp na Galp», Negócios online, 6-12-2005.

104
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

Américo Amorim (1934-):


da indústria corticeira
para a banca
e para os petróleos.

estas duas operações, o empresário da cortiça e os seus parceiros angola-


nos estavam preparados para despender cerca 1,6 mil milhões de euros,
numa operação que contava com o apoio e o financiamento de dois ban-
cos espanhóis, o Banco Santander e a Caja Galicia.111
Américo Amorim emergia assim como a solução que permitia imple-
mentar a «estratégia nacional para a energia» de Manuel Pinho, que pre-
conizava a saída da EDP e da REN do capital da Galp Energia, seguindo
a lógica de concorrência entre operadores definida pelo governo. A par-
ceria entre a Amorim e a Sonangol, passava assim a ser o segundo maior
acionista da Galp Energia, com cerca de 32,6% da petrolífera, logo atrás
da Eni. O Estado português continuava a ser o terceiro maior acionista,
detendo ainda, por várias vias, cerca de 30%. No entanto, nem tudo es-
tava resolvido. A Eni continuava a poder forçar o Estado a vender-lhe
mais ações e a reforçar o seu peso na estrutura acionista da empresa.
No final de 2005, quando se estava a esgotar o prazo para um enten-
dimento entre a Eni e o Estado, foram assinados dois acordos paralelos,
envolvendo os acionistas da Galp Energia. O primeiro, subscrito entre a
Eni, a Amorim, a REN e a CGD, era válido até 2010, e garantia a ma-
nutenção dos italianos no capital da empresa, que desistiam das opções
de compra que lhes poderiam dar acesso a até 47% do capital da Galp
Energia. Ficava ainda salvaguardada a manutenção do presidente execu-
tivo, Marques Gonçalves, e do presidente do Conselho de Administra-
ção, Murteira Nabo, até ao final dos mandatos, em 2007. O segundo

111
«Amorim passa a segundo maior acionista da Galp», DN.pt, 7-12-2005; «EDP apro-
vou venda da posição na Galp a Américo Amorim», Público.pt, 7-12-2005. Para as origens
empresariais de Américo Amorim, ver Mendes (2015) e Lopes et al. (2016).

105
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Os Petróleos em Portugal

acordo, estabelecido entre a Eni e o Estado, obrigava este último a trocar


a golden share que detinha na empresa por uma participação de 1% da
CGD com «poderes especiais», e previa a preparação da dispersão em
bolsa de 10% a 20% do capital da Galp Energia, até ao final de 2006. 112
No entanto, a nova composição acionista da Galp Energia cedo impli-
cou alterações no Conselho de Administração da empresa. No final de
março de 2006, surgiram os primeiros rumores que indicavam que o an-
tigo líder da Petrocer iria regressar à Galp Energia, pela mão de Amorim.113
Afastadas as polémicas em torno do processo de venda das participações
da EDP e da REN, a 12 de abril, a Amorim Energia propôs o regresso de
Ferreira de Oliveira para o lugar deixado vago por Rui Cartaxo.114 Em pa-
ralelo, tal como ficara estabelecido com a Eni, o Estado preparava uma
nova fase de privatização, tendo em vista a colocação no mercado de uma
percentagem do capital social da empresa, que poderia passar a situar-se
entre os 25% e os 27,5%.
Em agosto de 2006, o governo defendeu que o processo de venda de-
veria ter por base uma avaliação mínima da empresa na ordem dos 6 mil
milhões de euros, ou seja, uma valorização de 20%, em menos de um
ano, tendo em conta os valores envolvidos na entrada da Amorim, e de
100% em dois anos, tendo em consideração os números anteriormente
apresentados pela Petrocer.115 No dia 23 de outubro de 2006, formali-
zou-se a quarta fase do processo de reprivatização da Galp Energia através
da sua entrada em bolsa. Foram colocadas no mercado ações represen-
tativas de 23% do seu capital social. Na se-
quência da IPO, no início de janeiro de 2007,
a Amorim Energia passou a deter a mesma
posição que os italianos da Eni. Cada grupo
controlava 33,34%. Esta situação de paridade
era no entanto compensada com o facto de a
Amorim Energia ter conseguido impor na li-
derança da empresa Manuel Ferreira de Oliveira, que passou a ocupar o
cargo de CEO, até então desempenhado por Marques Gonçalves, que
permaneceu na empresa como vice-presidente, com os pelouros de apro-
visionamento, refinação e logística, compras e ambiente. O Estado con-

112
«Datas-chave do processo Galp/Eni», Negócios online, 30-12-2005.
113
«Estado abdica de poder na Galp a favor de Amorim», Público.pt, 31-3-2006.
114
«Ferreira de Oliveira entra hoje na Galp em substituição de Rui Cartaxo», DN.pt,
12-4-2006.
115
«Governo quer vender Galp acima dos seis milhões», Negócios online, 17-8-2006.

106
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

tinuou a deter, diretamente, 5,004%, mais 2%, através da Parpública e


1% por intermédio da CGD (participação com direito e poderes espe-
ciais). Seguia-se a Iberdrola, que continuava a controlar 4%, o BPI, que
tinha comprado cerca de 2% durante a quarta fase de reprivatização, e a
Caixa Galicia com outros 2%. Os restantes 17% estavam dispersos em
bolsa.116
Um ano após a entrada em bolsa, a Galp Energia sofreu uma valori-
zação de mais de 100%. Estes resultados eram explicados essencialmente
por dois fatores. Por um lado, a empresa beneficiou da subida dos preços
do petróleo e dos consequentes aumentos das margens de refinação, por
outro, a empresa estava finalmente a obter resultados no domínio da
prospeção petrolífera. Com as descobertas realizadas na bacia de Santos
ao largo do Brasil, a Galp passou a ter uma participação numa das maio-
res jazidas de petróleo do Brasil e entrava pela porta grande no negócio
da produção petrolífera, deixando de ser apenas refinadora e vendedora
de produtos. Os bons resultados da empresa fizeram adormecer os pro-
blemas na estrutura acionista da Galp Energia. No entanto, os conflitos
entre os acionistas não tinham deixado de existir, e em breve o governo
iniciaria a quinta fase da reprivatização da Galp Energia.
A 31 de julho de 2008, o Conselho de Ministros aprovou o Decreto-
-Lei que regulamentava a nova etapa de privatização. O governo optou
por um modelo de venda direta, que se concretizaria através da emissão
pela Parpública de obrigações que tivessem como ativo subjacente ações
representativas do capital social da Galp Energia e que fossem «suscetíveis
de permuta ou de reembolso com ações representativas de um máximo
de 7% do capital social da Galp», esperando desta forma «conciliar o
aprofundamento da dispersão das ações representativas do seu capital
social com a preservação da estabilidade do seu núcleo acionista». Esti-
pulava-se ainda que a operação a ser levada a cabo pela Parpública era
«dirigida a investidores institucionais nacionais ou estrangeiros».117
Contrariamente ao que o acionista público pretendia, o anúncio desta
quinta fase de reprivatização da empresa não contribuiu para preservar a
estabilidade do seu núcleo acionista. Pelo contrário, a medida divulgada
pelo governo apenas serviu para revelar o mau relacionamento entre os
principais acionistas da petrolífera, até então escamoteado pelo peso dos
grandes dividendos e das mais-valias potenciais.

116
«Galp: uma prenda em perda», Expresso online, 8-1-2007.
117
Decreto-Lei n.º 185/2008 de 19 de setembro, Diário da República, I série, n.º 182.

107
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Os Petróleos em Portugal

Estrutura acionista Galp-Energia prévia Estrutura acionista


ao acordo Estado e Amorim Energia a 31-1-2006
a 6-12-2005
Setgás
0,04%
Portgás
0,04%
Iberdrola Parpública Estado Estado
4,00% 12,29% português português
17,72% 17,72%
Amorim Energia
32,61%
Ren
18,30%
Eni Eni
33,34% 33,34%
EDP Parpública
3,27% 12,29%

Setgás Iberdrola
0,04% 4,00%

Estrutura acionista da Galp Energia com o acordo entre o Estado e a Amorim Energia

Apesar de detentora de um terço da companhia, a Eni não tinha se-


melhante peso na condução dos negócios da empresa. Neste contexto,
quando foi conhecida a intenção do governo, os italianos adotaram po-
sições dúbias, ora manifestando o seu interesse em reduzir o seu envol-
vimento na Galp Energia, ora revelando intenção de reforçar a sua posi-
ção, adquirindo mais ações. Por outro lado, relativamente à parceria entre
a Amorim e a Sonangol havia quem afirmasse que os angolanos preten-
diam adotar uma postura mais ativa.118 A estes aspetos internos juntava-
-se ainda a deterioração dos mercados e a crise financeira, que acabaram
por contribuir para o adiamento da nova fase de privatização.119
A quinta fase de reprivatização arrastar-se-ia, assim, durante cerca de
dois anos. Apenas em agosto de 2010 o Conselho de Ministros aprovou
a resolução que regulamentava as condições finais das operações ten-
dentes à venda de uma nova fatia de capital. A operação era agora inte-
grada no Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013 e apresen-
tada como contributo «para a diminuição da dívida pública e, por

118
«O ultimato italiano», Negócios online, 11-8-2008.
119
«Sócrates afasta nova fase de privatização da Galp e da EDP», Público.pt, 27-11-2009.

108
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

conseguinte, dos encargos dessa dívida» e como uma medida que se iria
repercutir «positivamente no esforço de consolidação orçamental»,
sendo que o Orçamento de Estado tinha fixado em 1200 milhões de
euros a obtenção de receitas com privatizações, ou seja, 0,73% do PIB.
Com este objetivo, o Estado propunha-se realizar a emissão de obriga-
ções a serem colocadas junto de investidores institucionais nacionais e
estrangeiros pela Caixa Geral de Depósitos e por outras instituições fi-
nanceiras a serem selecionadas pela Parpública, que tinham como ativo
subjacente um máximo de 58 077 000 ações representativas do capital
da Galp Energia.120
O processo ficou concluído no final de setembro de 2010. Um comu-
nicado da Parpública anunciou que tinham sido concretizados os termos
e condições da quinta fase de reprivatização da empresa, numa operação
orçada em cerca de 900 milhões de euros. As obrigações tinham um
prazo de maturidade de sete anos e uma taxa de juro anual fixa de 5,25%.
O preço das obrigações foi fixado a um prémio de conversão de 25%
sobre o preço de referência de 12,20 euros, dando origem a um preço de
Primeira descarga em
Matosinhos de
petróleo produzido pela
Galp Energia
no campo «Lula», Santos,
Brasil, em 2012.

conversão de 15,25 euros.121 O Estado conseguiu assim obter capital, e,


ao mesmo tempo, manteve a sua posição na empresa durante os sete
anos seguintes, reservando os seus direitos como acionista e recebendo
os respetivos dividendos. Esta solução permitiu ao Estado arrecadar mais
umas centenas de milhões de euros, mas não resolveu a questão da com-
posição acionista da Galp Energia. Apenas adiou a resolução de um pro-
blema que se arrastava há anos.

120
Resolução do Conselho de Ministros n.º 57-A/2010 de 5-8-2010, Diário da República,
I série, n.º 158, 16-8-2010.
121
«Governo conclui privatização da Galp e paga juro de 5,25%», Negócios online, 23-
-9-2010.

109
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Os Petróleos em Portugal

No início de 2011, a deterioração das relações entre os acionistas tor-


nou-se evidente. A imprensa revelava que os parceiros angolanos de Amé-
rico Amorim, a Sonangol e Isabel dos Santos, ligadas ao Estado angolano,
estavam descontentes com a posição secundária a que estariam votados,
e a Eni, constatando que não conseguiria obter o controlo da empresa,
revelou interesse em vender a sua posição. Surgiu então a hipótese, apa-
drinhada por Ferreira de Oliveira, da Petrobras entrar no capital da Galp
Energia, como novo parceiro estratégico internacional. Os brasileiros ma-
nifestaram interesse em adquirir 25%, mas acabaram por recuar perante a
falta de consonância estratégica e de clarificação da situação acionista da
empresa.122 Estas movimentações tornaram-se mais visíveis porque, no
final de 2010, tinha terminado o período em que, de acordo com o pacto
parassocial, não poderiam efetuar-se alterações acionistas na empresa.
Pouco tempo depois, o presidente da Sonangol, Manuel Vicente, afir-
maria em Luanda que a petrolífera angolana estava interessada em obter
uma participação direta na Galp Energia.123 Paralelamente, surgiam no-
tícias que indicavam uma eventual aproximação entre os acionistas an-
golanos e os acionistas italianos, que estariam a discutir a substituição de
Ferreira de Oliveira, apenas apoiado por Amorim, na liderança da Galp
Energia.124 Em causa estava o desmembramento da Amorim Energia,
com a saída da Sonangol e de Isabel dos Santos, que davam a entender
o seu interesse numa posição direta no capital da Galp Energia através
da holding Esperanza.125
Caso esse cenário se viesse a concretizar e os acionistas angolanos con-
seguissem libertar-se dos laços que os amarravam à Amorim Energia, a
posição direta dos angolanos na Galp Energia passaria a ser de 15%, ga-
nhando uma grande relevância, uma vez que uma eventual aproximação
à Eni abriria caminho para o domínio dos italianos que, aliados aos an-
golanos, passariam a controlar 48,34 % do capital da empresa. Em março
de 2011, alguns dos mais altos dirigentes da Eni, incluindo o seu presi-
dente executivo, Paolo Scaroni, deslocaram-se a Luanda onde mantive-
ram contactos com membros do governo angolano e com o presidente
da Sonangol, Manuel Vicente. Além de ter manifestado solidariedade
em relação à Sonangol nas suas pretensões de ter uma participação acio-

122
«Galp sem presidente», Expresso.pt, 14-5-2011.
123
«Sonangol quer participação direta na Galp», Público.pt, 25-2-2011.
124
«Palha da Silva desmente ter sido sondado para substituir Ferreira de Oliveira», Ne-
gócios online, 2-3-2011; «acionistas da Galp discutem sucessor de Ferreira de Oliveira», Ne-
gócios online, 2-3-2011.
125
«Pequenos acionistas ganham mais poderes na Galp», Público.pt, 3-3-2011.

110
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

nista direta na Galp Energia, Scaroni mostrou-se «desapontado com a


evolução da situação da Galp» e terá sublinhado que «gostaria de ter tido
uma relação mais profícua com a Sonangol, no desenvolvimento de pro-
jetos comuns para a petrolífera portuguesa».126
O posicionamento da Eni relativamente à Galp Energia não era claro.
Tanto negociavam a venda da sua participação com os brasileiros da Pe-
trobras como com os angolanos da Sonangol, admitindo abandonar a
empresa portuguesa, caso lhes fosse pago um prémio por ação acima da
cotação média dos últimos meses precedentes, ora afirmavam que não
estavam vendedores e que pretendiam permanecer na Galp Energia por
mais dez anos. Tudo isto se passava num período conturbado da vida da
companhia petrolífera italiana, que tinha um exigente programa de in-
vestimento, a que se veio juntar, alguns meses mais tarde, a alteração po-
lítica ocorrida na Líbia, com a queda de Kadafi. A Eni era o maior ex-
portador de gás da Líbia e fora obrigada a suspender as atividades das
plataformas de gás offshore e num dos campos petrolíferos que explorava,
tendo sofrido uma quebra de produção de gás e petróleo na ordem dos
dois terços.127
A luta pelo controlo da Galp Energia passou ainda por uma tentativa,
levada a cabo pela Eni, de alteração dos estatutos da empresa, visando
reforçar os poderes dos acionistas que detivessem entre 10% a 20% do
capital, que passariam a estar diretamente representados no Conselho de
Administração. No dia 28 de março de 2011, realizou-se uma Assembleia
Geral extraordinária com esse propósito. No entanto, os votos contra do
Estado (Parpública e CGD) e da Amorim Energia, inviabilizaram essa
intenção.128 O governo, pela voz do seu representante na Galp Energia,
Francisco Murteira Nabo, que desempenhava as funções de presidente
do Conselho de Administração, justificou esta decisão com o facto de
ainda não se ter conseguido uma «clarificação acionista».129 Um outro
problema prendia-se com a eleição dos novos órgãos sociais da empresa,

126
«Eni foi a Luanda para dar apoio à Sonangol na luta pela Galp», Negócios online,
7-3-2011.
127
«Angola admite usar fundo para entrar diretamente na Galp», Negócios online, 9-3-
-2011; «Eni só vende ações na Galp por valor acima do mercado», Público.pt, 10-3-2011;
«Eni admite vender posição na Galp mas só se lhe derem um prémio pela participação»,
Negócios online, 10-3-2011; «Eni admite vender participação na Galp se receber prémio»,
Expresso.pt, 10-3-2011; «Eni só vende Galp por mais de 14,72 euros por ação», Económico
online, 11-3-2011.
128
«Novos estatutos da Galp chumbados em assembleia geral», Público.pt, 28-3-2011.
129
«Estado e Amorim votaram contra alteração de estatutos da Galp Energia», Negócios
online, 28-3-2011.

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Os Petróleos em Portugal

já que o mandato anterior terminara em dezembro de 2010 e, de acordo


com o estipulado, a Amorim Energia e a Eni teriam de apresentar uma
lista conjunta para os órgãos sociais referentes ao mandato de 2011-2013.
Além dos problemas internos da empresa, mais uma vez a evolução da
situação política portuguesa teve implicações diretas nos destinos da em-
presa. No dia 23 de março de 2011, o primeiro-ministro José Sócrates, apre-
sentou o seu pedido de demissão, na sequência do chumbo pelo Parla-
mento do IV Programa de Estabilidade e Crescimento. O governo entrou
assim numa fase de gestão corrente, condicionando a nomeação dos futu-
ros órgãos sociais da Galp Energia e a própria execução do plano de inves-
timentos delineado até 2015 – plano que exigia um aumento de capital da
Petrogal Brasil de aproximadamente 2 mil milhões de euros, que poderia
passar pela entrada direta de um novo acionista, ou por uma dispersão de
capital em bolsa, operações que exigiam a concordância do acionista Es-
tado.130 A Assembleia Geral, que estava prevista realizar-se a 26 de abril de
2011, foi assim adiada para 30 de maio.131 Pelo que se sabe, este adiamento
foi utilizado pelos intervenientes no processo para estudarem várias alter-
nativas. Umas passavam pela possibilidade de a holding Esperanza adquirir
25% do capital da Galp Energia à Eni, que venderia em bolsa os restantes
8%, e outras pela sempre desejada entrada dos brasileiros da Petrobras.132
Foi neste contexto que o presidente do Conselho de Administração da
Galp deu uma entrevista ao jornal Público, onde não se furtou a comentar
os problemas que afetavam a empresa. Em seu entender, o acionista de
controlo deveria ser um grupo nacional, mas Murteira Nabo reconheceu
que «os acionistas não se conseguiram concertar» e que existiam diver-
gências que eram públicas. O presidente da empresa chegou mesmo a
afirmar que a instabilidade acionista resultava da falta de entendimento
dentro da Amorim Energia, havendo, segundo ele, um diferendo entre
Américo Amorim, por um lado, e a Sonangol e Isabel dos Santos, por
outro, que começava a afetar a vida da empresa. Na verdade, a Assembleia
Geral que se avizinhava era eleitoral, e era necessário concertar uma lista.
Referindo-se diretamente às divergências entre acionistas afirmou: «não é
possível ter um projeto tão ambicioso como o da Galp, se quem governa
não se sentir seguro em termos de estabilidade acionista, não é possível a
uma empresa viver nesta angústia de estar nos jornais no seu dia a dia só

130
«Impasse político condiciona nova gestão da Galp», Económico online, 28-3-2011.
131
«AG da Galp adiada para 30 de maio», Agência Financeira online, 4-4-2011.
132
«Angolanos mais perto dos 25% na Galp», Sol online, 24-4-2011; «Cavaco abre ca-
minho com Dilma», DN.pt, 31-3-2011.

112
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

porque as pessoas se desentendem». Murteira Nabo disse ainda que tinha


lutado para «que houvesse um reforço da posição portuguesa» mas que
não tinha sido fácil, porque a empresa estava bem cotada e os grupos em-
presariais nacionais eram pequenos. Por esses motivos não acreditava que
um grupo de empresas portuguesas pudesse entrar no capital da Galp
Energia adquirindo parte da participação da Eni:
Eu gostava que isso acontecesse, mas não estou a ver ninguém. Nos termos
do parassocial, eles têm de vender em bloco, tudo ao mesmo tempo, o que
são 4 mil milhões de euros. Em Portugal era bom que houvesse um grupo
português que comprasse. O modelo ideal para a Galp era um grande grupo
português ou vários grupos portugueses controladores, um grande free float
e um ou dois parceiros estratégicos que fossem credíveis. Pode ser a Sonan-
gol, ou a Eni ou outro, mas parceiros que pudessem ajudar no negócio, era
o modelo conceptualmente ideal. Não vejo grupos com condições para isso,
tenho pena, mas não vejo.133

Com a aproximação da realização da Assembleia Geral, aumentava a


polémica relativa ao nome a indicar para presidir à comissão executiva
da Galp Energia. No dia 18 de abril, a Eni endereçou à Amorim Energia
uma proposta formal com o nome de Jochen Weise para suceder a Fer-
reira de Oliveira. Weise tinha um vasto currículo nos sectores do gás e
do petróleo e tinha a particularidade de falar português, pois tinha vivido
no país, tendo trabalhado na Shell Portuguesa. Os italianos deixavam
assim claro que não apoiavam a continuação do presidente executivo da
empresa, mas Américo Amorim não cedeu no braço de ferro.134
No dia 13 de maio, terminou o prazo legal para a apresentação da lista
dos novos representantes dos órgãos sociais da empresa sem que qualquer
proposta tivesse sido entregue. Nem a Eni nem a Amorim Energia chega-
ram a um entendimento quanto aos nomes que deveriam integrar a co-
missão executiva, especialmente para a presidência executiva, nem a Caixa
Geral de Depósitos, a quem, segundo o acordo parassocial, caberia desig-
nar o presidente do Conselho de Administração, avançou com um nome
para o lugar de Murteira Nabo, alegando que não tinha legitimidade para
apresentar uma proposta, uma vez que a administração do banco público
aguardava indicações do governo que viesse a sair das eleições agendadas
para 5 de junho.135

133
Entrevista de Murteira Nabo ao Público, 26-4-2011.
134
«Eni quer alemão para o lugar de Ferreira de Oliveira», Económico online, 9-5-2011.
135
«CGD alega falta de legitimidade para propor novo ‘chairman’ da Galp», Económico
online, 16-5-2011.

113
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Os Petróleos em Portugal

Como previsto, a Assembleia Geral realizou-se no dia 30 de maio sem


que tivesse sido discutido e votado o futuro da gestão da empresa. Neste
domínio apenas foi votada uma proposta conjunta apresentada pela Amo-
rim Energia e pela Eni no sentido de se aumentar o número de adminis-
tradores de 17 para 21, situação que pretendia acomodar futuras recom-
posições acionistas. No entanto, como não foi apresentada nenhuma lista,
Murteira Nabo e Ferreira de Oliveira continuaram provisoriamente à frente
dos destinos da empresa, até que fossem votados novos mandatos.136
As eleições de 5 de junho deram a vitória ao PSD, liderado por Pedro
Passos Coelho. Duas semanas mais tarde, tomava posse o XIX Governo
Constitucional resultante de uma coligação do PSD com o CDS.
O novo executivo tinha como principal missão aplicar o memorando
negociado com o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia
e o Banco Central Europeu, vulgo troika, que estabelecia que o governo
português teria de eliminar «as golden shares e todos os outros direitos es-
tabelecidos por lei ou nos estatutos de empresas cotadas em bolsa» que
concedessem «direitos especiais ao Estado» até ao final de julho de 2011.
O memorando estabelecia ainda que o programa de privatizações deveria
ser acelerado, sendo feita uma referência concreta à Galp Energia, como
uma das empresas do sector da energia a privatizar rapidamente.137
Acontece que já pouco havia para privatizar na Galp Energia. Como
vimos, no último trimestre de 2010, o Estado tinha vendido os últimos
7% que estavam nas mãos da Parpública, através de uma emissão de obri-
gações convertíveis em ações e as ações com direitos especiais não eram
detidas diretamente pelo Estado, mas pelo banco público, a CGD, que
controlava 1% do capital, e esses direitos tinham sido definidos no
acordo parassocial da empresa subscrito pela Amorim Energia, a Eni e a
CGD, e não nos estatutos da empresa.
O governo seguiu o estipulado no memorando e, no início de julho,
aprovou em Conselho de Ministros extraordinário um diploma que eli-
minava os direitos especiais que o Estado, enquanto acionista, detinha
na EDP, na Galp Energia e na Portugal Telecom.138 No caso da Galp
Energia, nas ações ainda detidas pela Parpública, os direitos especiais es-
tavam estipulados nos estatutos da empresa e conferiam ao Estado o
poder de vetar o nome do presidente do Conselho de Administração es-

136
«Remunerações na Galp geraram 9,37% de votos contra», Negócios online, 30-5-2011.
137
«Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica»,
17-5-2011.
138
Decreto-Lei n.º 90/2011 de 25 de julho, aprovado em Conselho de Ministros a 5
de julho de 2011, Diário da República, I série, n.º 141.

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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

colhido pelos outros acionistas e de bloquear deliberações que pudessem


colocar em causa a segurança do abastecimento do país em petróleo, gás
e eletricidade. Este direito foi assim formalmente removido após a en-
trada em vigor do referido Decreto-Lei.
No entanto, relativamente à posição detida pela Caixa Geral de De-
pósitos, a situação era diferente, já que os direitos especiais do banco não
estavam descritos nos estatutos da empresa, mas sim no acordo parasso-
cial, situação que ficava à margem do Decreto-Lei, uma vez que esses di-
reitos, entre os quais se encontrava o poder de veto sobre o presidente
executivo escolhido pela Amorim Energia e pela Eni, tinha sido confe-
rido pelos demais acionistas e permaneceria caso a participação da CGD
na Galp Energia viesse eventualmente a mudar de mãos.139 Tendo como
ponto único da agenda a alteração dos estatutos da empresa, a Assem-
bleia Geral da Galp Energia reuniu-se no dia 3 de agosto de 2011. Mais
uma vez ficou adiada a eleição do Conselho de Administração. Tratou-
-se apenas de remover dos estatutos os direitos especiais sobre as ações
de tipo A, ou seja aquelas que ainda eram detidas pela Parpública.140
Entretanto, no dia 13 de julho, o presidente executivo da Eni, Paolo
Scaroni, deslocou-se a Lisboa para se encontrar com o novo primeiro-mi-
nistro, Passos Coelho. O encontro, apresentado publicamente como uma
mera visita de cortesia, terá sido um pouco mais do que isso. Segundo a
imprensa, Passos Coelho teria apoiado a permanência dos italianos na Galp
Energia, e Scaroni terá deixado Portugal bastante satisfeito com a postura
assumida pelo novo governo.141 Ainda nesse verão era divulgada uma no-
tícia que ajudava a explicar a satisfação do presidente da Eni. O governo
pretendia que até ao final do ano ficasse definida a saída da CGD do ca-
pital da Galp Energia. Esta decisão governamental punha em causa o equi-
líbrio até então existente entre os dois maiores acionistas da empresa, pois
obrigaria à revisão do acordo parassocial e forçaria a Eni e a Amorim Ener-
gia a procurarem uma nova base de entendimento.142 A alternativa seria
uma agudização dos conflitos internos cujo desfecho era imprevisível.
Apesar de estar de saída, a CGD resolveu tomar a iniciativa e convidou
Diogo Freitas do Amaral, ex-presidente da Petrocontrol, para ocupar o

139
«Estado fora: o que muda na Galp», Dinheiro Vivo online, 5-7-2011.
140
«Galp altera estatutos e põe fim à golden share do Estado», Dinheiro Vivo online,
3-8-2011.
141
«Passos dá luz verde à Eni para continuar no capital da Galp», Económico online, 308-
-2011.
142
«Acionistas obrigados a novo acordo com saída da CGD», Económico online, 6-9-
-2011; «Acionista, credor e devedor. Amorim está em todas», I online, 7-9-2011.

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Os Petróleos em Portugal

cargo de presidente do Conselho de Administração da Galp.143 Tanto a


Eni como a Amorim Energia demonstraram o seu desagrado pela forma
como a CGD tinha conduzido o processo, numa altura em que além de
estar de saída, eram questionados os direitos especiais, nomeadamente o
direito que um acionista com apenas 1% tinha para impor aos restantes
a nomeação do presidente não executivo.144 Todavia, o Governo manteve
a intenção de nomear Freitas Freitas do Amaral, conseguindo dessa forma
que, pelo menos neste ponto, os dois maiores acionistas se procurassem
entender.145
Em outubro de 2011, a Eni, apesar das garantias dadas pelo governo,
voltou a manifestar intenção de sair da Galp Energia. Paolo Scaroni re-
velou que a sua empresa estava em negociações com vários interessados
e que, apesar do mau momento que afetava toda a zona euro, particu-
larmente sentido em Portugal, existiam boas perspetivas para a concreti-
zação do negócio. Scaroni lembrou ainda que, quando resolveram entrar
na Galp Energia, tinham como objetivo a integração da petrolífera por-
tuguesa no universo da Eni e que este desiderato fora sucessivamente tra-
vado quer pelos anteriores governos, quer pelo outro acionista de refe-
rência, a Amorim Energia, com quem tinham partilhado a gestão «num
clima de constante tensão».146
As profundas divergências que afetavam a companhia eram compen-
sadas por sucessivas descobertas nas zonas onde a Galp Energia integrava
consórcios de exploração. Depois do petróleo brasileiro, sucederam-se di-
versas descobertas de gás natural em Moçambique, na bacia do Rovuma.147
Para fazer frente aos avultados investimentos que a atividade de exploração
implicava, e uma vez que não tinha sido possível chegar a qualquer tipo
de entendimento relativamente a um aumento de capital da holding, a Pe-
trogal Brasil abriu o seu capital a um novo investidor, a chinesa Sinopec,
o que se traduziu na entrada de 3,8 mil milhões de euros em troca de 30%
do capital da empresa, montante que permitiu reduzir o rácio da dívida
sobre os capitais próprios, que já tinha ultrapassado os 100%.148

143
«Freitas do Amaral indicado para ‘chairman’ da Galp», Económico online, 8-9-2011.
144
«Eni e Amorim contra nomeação de Freitas do Amaral para a Galp», Negócios online,
30-9-2011.
145
«CGD segura Freitas do Amaral como futuro chairman na Galp», I online, 12-10-
-2011.
146
«Eni volta a negociar venda da posição na Galp», Económico online, 12-10-2011.
147
«Galp confirma descoberta de grande dimensão de gás natural em Moçambique»,
Negócios online, 20-10-2011.
148
«Encaixe da Galp com a Sinopec supera meta fixada pela gestão», Económico online,
14-11-2011.

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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

A recomposição acionista continuava assim por resolver quando, em


meados de novembro de 2011, Passos Coelho realizou uma visita oficial
a Angola e defendeu que o seu governo não colocaria entraves aos planos
da Sonangol para deter uma posição direta na Galp Energia.149 Na se-
quência desta viagem, a empresária com ligações ao Estado angolano,
Isabel dos Santos, reuniu com o ministro da Finanças português, Vítor
Gaspar. Entre os vários pontos da agenda encontrava-se a situação na
Galp Energia e a eventual saída da Eni.150 Dois meses mais tarde, o pre-
sidente da Eni reafirmou publicamente que, apesar do investimento na
Galp Energia ter sido «muito bom» (até 2012 a Eni já tinha recebido em
dividendos e em benefícios fiscais os mil milhões que tinha investido na
empresa), pretendia vender a participação na Galp Energia e não estava
disposto a fazê-lo por um valor «abaixo do preço de mercado».151
Este discurso era assim ligeiramente diferente do anterior. Scaroni já
não falava em prémio e em vender as ações por um preço acima das co-
tações médias da ação da empresa. As negociações para a venda da posi-
ção na Galp Energia, que em outubro pareciam estar bem encaminhadas,
não tiveram o desfecho que então se perspetivara. Comentando a inten-
ção manifestada pela Eni, o maior acionista português na empresa, Amé-
rico Amorim, afirmou que os italianos vinham há muito tempo a mani-
festar interesse em abandonar a Galp Energia e ironizou: «vende-se
quando alguém compra».152 Por seu lado, os seus parceiros angolanos
voltavam a demonstrar interesse em reforçar a posição. Baptista Sumbe,
administrador da Sonangol, revelou que a petrolífera angolana estava in-
teressada na participação dos italianos e que estavam em curso negocia-
ções para «consolidar essa pretensão», mas que ainda era «prematuro
avançar mais informações», uma vez que o governo português tinha re-
velado interesse em que empresas portuguesas também participassem no
processo de saída da Eni.153
De acordo com o estabelecido no pacto parassocial, a saída de qual-
quer um dos grandes acionistas da empresa, antes de fevereiro de 2014,
exigia a concordância dos restantes. Nesse sentido, o abandono da Eni

149
«Passos promete não travar reforço da Sonangol na Galp», Económico online, 16-11-
-2011.
150
«Isabel dos Santos reúne-se com Vítor Gaspar», Sábado online, 16-12-2011.
151
«Eni quer sair da Galp», Dinheirovivo.pt, 15-2-2012.
152
«Américo Amorim desvaloriza decisão da Eni de vender a Galp», Económico online,
16-2-2012.
153
«Sonangol em negociações para comprar participação da Eni na Galp», Económico
online, 24-2-2012.

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Os Petróleos em Portugal

teria de obter o aval da CGD e da Amorim Energia. Os acionistas da


Galp Energia foram assim forçados a procurar um entendimento que
viabilizasse a saída da Eni e não fechasse as portas à intenção da Sonangol
em aumentar o seu envolvimento com a sua congénere portuguesa. No
final de fevereiro, a imprensa económica referia que Américo Amorim e
a Sonangol tinham feito as pazes e que estavam a estudar formas de en-
tendimento.154 No entanto, paralelamente continuavam a surgir notícias,
prontamente desmentidas pelos italianos, que indicavam que a Sonangol
e a Eni estavam em negociações avançadas, que permitiram aos angola-
nos adquirir metade (16,6%) da participação da Eni.155
Foi neste complexo contexto que o ministro das Finanças português,
Vítor Gaspar, se deslocou novamente a Luanda para uma visita oficial
de dois dias. Na agenda estava marcado um encontro com o ministro de
Estado para a coordenação económica, Manuel Vicente, ex-presidente
da Sonangol, e o presidente da petrolífera, Francisco de Lemos.156 Como
se previa, o caso Galp Energia foi um dos temas que dominou a viagem
do ministro português, que afirmou que eram de esperar «desenvolvi-
mentos positivos», quanto à pretensão da petrolífera angolana Sonangol
em ter uma participação direta no capital da Galp.157
Os desenvolvimentos positivos não tardaram a ser tornados públicos.
Um dia depois das declarações do ministro das Finanças, foi divulgado
que a Amorim Energia iria adquirir parte da posição da Eni.158 Num pri-
meiro passo, o consórcio liderado por Américo Amorim iria adquirir 5%
do capital que a petrolífera italiana detinha da Galp Energia, abrindo-se
caminho para a saída dos italianos, que deixavam de estar obrigados a ven-
der em bloco a sua participação. Eni, Amorim Energia e CGD chegaram
assim a um resultado que permitiu alterar o acordo parassocial e que previa
que, uma vez formalizada a venda dos 5%, a Eni teria o direito de vender
no mercado até mais 18%, sendo que nessa altura a CGD também poderia
alienar a sua posição de 1%. Concluído este processo, a Eni poderia alienar

154
«Amorim e Sonangol fazem as pazes para controlar a Galp», Negócios online, 27-2-
-2012.
155
«Sonangol quer metade da participação da Eni na Galp», Económico online, 13-3-
-2012; «Eni garante que não está a negociar venda da Galp com angolanos», Económico
online, 16-3-2012.
156
«Vítor Gaspar chega domingo a Angola com diferendo por resolver nos diamantes»,
Público.pt, 25-3-2012.
157
«Gaspar fala em ‘desenvolvimentos positivos’ sobre entrada direta da Sonangol na
Galp», Público.pt, 27-3-2012.
158
«Amorim e angolanos compram hoje parte da posição da Eni na Galp», Negócios
online, 28-3-2012.

118
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

os 10,34% que lhe restavam, sendo que a Amorim Energia ficava com
opção de compra ou com o direito de nomear outra parte interessada.159
O acordo entre os principais acionistas da Galp Energia permitiu ainda
ultrapassar a longa disputa em torno da gestão da empresa. Ferreira de
Oliveira continuaria como presidente executivo da empresa e Américo
Amorim passaria a desempenhar as funções de presidente do Conselho
de Administração.160 Estas alterações foram aprovadas na Assembleia
Geral realizada no dia 24 de abril de 2012.161
Um mês antes do final do prazo estipulado, a Amorim Energia adqui-
riu 5% da Galp Energia à Eni. Como tinha ficado acordado em março,
os italianos receberam 590,8 milhões de euros, correspondentes a 14,25
euros por ação, numa altura em que a cotação em bolsa rondava os
11 euros, ou seja conseguiram obter um prémio de aproximadamente
30%. Com a consumação do negócio ficava sem efeito o antigo acordo
parassocial e a Eni, que passava a deter 28,34% da companhia petrolífera
portuguesa, ficava com as mãos livres para poder reduzir ainda mais o
seu envolvimento na Galp Energia.162
Associada a esta transação esteve a aquisição pelo Banco Santander de
2,22% da empresa à Amorim Energia, de acordo com as condições esta-
belecidas num contrato de equity swap celebrado com a Amorim Ener-
gia.163 Poucos dias depois, o Conselho de Administração aprovou um
conjunto de alterações que passavam pela saída de vários gestores italia-
nos da Galp Energia.164 Estas mudanças, resultantes da saída da Eni, eram
acompanhadas por outras que espelhavam a nova realidade da Galp
Energia, empresa que nos meses anteriores tinha visto reforçado a sua
Unidade de Negócio de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural
em virtude das sucessivas descobertas verificadas em concessões suas no
Brasil e em Moçambique. Ferreira de Oliveira, que finalmente via recon-
firmado o seu lugar na chefia executiva da Galp Energia e que deixou de

159
«Amorim Energia garante acesso a mais 15,34% da Galp Energia», Público.pt, 29-3-
-2012.
160
«Américo Amorim será o novo ‘chairman’ da Galp», Económico online, 29-3-2012.
161
«Amorim confirma Ferreira de Oliveira como CEO da Galp», Negócios online, 24-4-
-2012.
162
«Amorim Energia paga 590,8 milhões de euros por mais 5% da Galp Energia», Pú-
blico.pt, 20-7-2012.
163
«Santander compra 2,22% da Galp à Amorim Energia», Dinheiro vivo online, 20-7-
-2012.
164
«Antigo presidente da Petrobras entra na administração da Galp», Negócios online,
26-7-2012.

119
03 Petróleos Cap. 3.qxp_Layout 1 19/01/17 11:49 Page 120

Os Petróleos em Portugal

ter de se preocupar com os conflitos entre acionistas, não deixava de su-


blinhar que «vender gasolina já não era o mais importante».165
Cumprida a primeira fase do processo de saída da Eni da Galp Energia,
as atenções voltaram-se para a posição da CGD no capital da petrolífera.
A juntar aos avisos da União Europeia relativamente à manutenção dos
direitos especiais do Estado através do banco público, o memorando de
entendimento do plano de assistência financeira a Portugal preconizava
o fim desses direitos que tinham ficado plasmados no acordo parassocial
recentemente alterado para permitir a saída da Eni. O acordo entre a
Amorim Energia, a CGD e a Eni abria também caminho para a saída do
banco estatal e a Comissão Europeia. O relatório da quinta avaliação rea-
lizada pela troika não deixava de sublinhar que essa saída ainda não se
tinha verificado e que a mesma vinha sendo sucessivamente adiada.166
No final de novembro de 2012, o ditame da troika foi finalmente satis-
feito. Nos termos do acordo celebrado entre os maiores acionistas da em-
presa, no dia 27 desse mês a Eni colocou no mercado 4% do capital da
Galp Energia, sendo acompanhada pela CGD que também vendeu a
sua participação. Em paralelo, a Eni colocou no mercado obrigações con-
vertíveis em ações equivalentes a 8% do capital da empresa.167
Ao fim de 12 anos, a ligação que prendia a Galp Energia à Eni come-
çou a ser desatada. A parceria liderada por Américo Amorim tomou as
rédeas da petrolífera que teve uma vida atribulada desde o início do seu
processo de privatização.
O longo processo de privatização teria certamente tido outro curso se
o Estado não tivesse alterado as suas orientações estratégicas para o sector
energético à razão de cada novo governo em funções. As sucessivas alte-
rações do modelo energético nacional e a existência de poucos investi-
dores nacionais com músculo financeiro suficiente para exercer o con-
trolo da Galp Energia são as duas marcas mais profundas da história da
reprivatização da petrolífera portuguesa. As indefinições, avanços e re-
cuos tiveram elevados custos para o Estado. Até 2004, apenas em asses-
sorias jurídicas e consultorias técnicas e estratégicas, o Estado português
despendera mais de 160 milhões de euros.168

165
«Nova equipa na Galp: ‘vender gasolina já não é o mais importante’», Dinheiro vivo
online, 27-7-2012.
166
«Bruxelas volta a puxar as orelhas a CGD por ainda não ter vendido 1% da Galp»,
Dinheiro vivo online, 12-10-2012.
167
Comunicado da Eni, 27-11-2012,www.cmvm.pt/documents/comunicado%eni%
2027112012.pdf.
168
«Estado já gastou 160 milhões de euros em consultoria para privatizar a Galp», Pú-
blico.pt, 25-6-2004.

120
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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

Estrutura acionista Galp Energia prévia Estrutura acionista


ao acordo Amorim Energia com a Eni a 30-9-2014
31-12-2006
Banco BPI Cx Galicia
2,07% 2,00%

Eni
8,00%
Parpública Free-float
7,00% 17,25% Eni
33,34%
Free-float Amorim Energia
46,66% 38,34%
CGD
1,00%
Amorim Energia
Iberdrola 33,34%
4,00%
Parpública
7,00%

Estrutura acionista da Galp Energia com o acordo entre a Amorim Energia


e a Eni (2006-2014)

Com base num critério vago e difuso – o «interesse nacional» –, de-


fendeu-se uma coisa e o seu contrário. Defendeu-se a entrada de um par-
ceiro estratégico nacional, e esse mesmo critério foi depois usado para
justificar a saída desse parceiro estratégico, substituído por um parceiro
estratégico internacional. Foi também em nome do «interesse nacional»
que se pretendeu reunir o gás natural e a eletricidade sob a égide da EDP
e meses mais tarde se concluiu que afinal o «interesse nacional» estava
na promoção da concorrência interna entre a Galp Energia e a EDP.
A Petrocer não chegou a desempenhar o papel que tinha cabido à Petro-
control, e a Eni não abandonou a Galp Energia para se dedicar exclusi-
vamente ao gás. A partir de 2005 o «interesse nacional» passou a estar re-
presentado por Américo Amorim que, ao longo de sete anos, conduziu
um longo braço de ferro não apenas com a Eni, que entretanto deixara
de representar o «interesse nacional», mas com os seus próprios parceiros
angolanos. A entrada em cena da troika e as necessidades financeiras do
Estado português fizeram com que, em nome do «interesse nacional», o
Estado deixasse de ter qualquer participação no capital social da Galp
Energia. E assim a mais valiosa empresa industrial do país passou final-
mente para a esfera dos interesses privados, numa associação de capitais
portugueses e angolanos, entre outros, também estes nem sempre com
estratégias concertadas ou bem definidas.

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Conclusão
A história da privatização da Galp Energia apresenta caraterísticas úni-
cas relacionadas com a história da própria empresa e daquelas que a an-
tecederam, com as especificidades dos mercados em que opera, e com
os interesses variáveis dos governos e do Estado e dos acionistas privados
que investiram na empresa. Começando como uma empresa protegida
pelo Estado, tendo como objetivo a produção em território nacional de
combustíveis, numa altura em que a Europa fechava fronteiras e se pre-
parava para uma guerra que então já era quase inevitável, a Sacor, uma
das antecessoras da Galp Energia, viria a conhecer um arranque tímido,
logo ultrapassado quando a guerra terminou e Portugal, a Europa e o
resto do Mundo entraram numa das fases de maior crescimento econó-
mico de que há memória. Paralelamente, outras empresas do sector, entre
as quais se destacava a Sonap, de que a Galp Energia viria a ser também
herdeira, conheceram grandes desenvolvimentos. Estes imprimiram con-
corrência no mercado, sobretudo interno, mas também internacional, e
foram enquadrados por um Estado com uma elevada propensão prote-
cionista. Em todo esse período desde o longínquo ano de 1937 até à crise
petrolífera de 1973 e o fim do Estado Novo, em 1973 e 1974, os petróleos
em Portugal viveram sob o signo da concorrência, mas num mercado
protegido interna e externamente. Entre 1974 e 1976, com a revolução e
as nacionalizações, tudo viria a mudar, ficando sobretudo marcada a con-
centração e integração vertical do sector, que conduziria a então fundada
Petrogal para um novo patamar, ainda sob forte proteção do Estado,
desta vez enquanto único proprietário da empresa.
A privatização da petrolífera nacional, iniciada em 1992, levou duas
décadas até ser totalmente cumprida. Esse longo processo foi pautado
por avanços e recuos por parte de sucessivos governos, mas também por
parte dos investidores privados. A Galp Energia, entretanto formada, é
uma empresa estratégica, no sentido em que opera num sector funda-
mental da economia nacional, sendo a única empresa nacional, mas é
estratégica também no quadro internacional, em que se verificaram alte-

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Os Petróleos em Portugal

rações substanciais ao longo dos anos. A disputa pela posse e pelo seu
controlo da empresa foi acesa, o que se compreende pelo facto de nela
se juntarem interesses privados, interesses públicos e interesses estratégi-
cos. Os interesses da valorização acionista, da maximização do preço de
venda por parte do Estado, e do controlo de uma parte do mercado de
produtos petrolíferos internacional, mostraram-se por vezes contraditó-
rios, por vezes antagónicos, e por vezes inconciliáveis. Todavia, todos os
problemas acabaram por ser ultrapassados e a Galp Energia chegou ao
fim do processo de privatizações com uma estrutura acionista relativa-
mente estável. Estes são os factores principais das especificidades que
marcaram a história da Galp Energia, das suas antecessoras, e da sua pri-
vatização. A eles devem todavia juntar-se dois aspetos importantes, inti-
mamente relacionados com conclusões mais gerais que se podem retirar
desta história.
O primeiro tem a ver com a gestão do negócio ao longo dos tempos.
Independentemente de uma análise detalhada levada a cabo em outras
obras, a verdade é que a circunstância de a Galp Energia ter chegado ao
fim de todo o processo aqui descrito como uma empresa saudável, com
uma larga carteira de investimentos internacionais e nacionais, com uma
forte componente tecnológica e em expansão, obriga à conclusão de que
a sua gestão foi globalmente positiva. Essa gestão atravessou as vicissitu-
des dos mercados internacionais, as perturbações políticas e também as
disputas em torno do controlo acionista. Seguramente que foram toma-
das decisões menos vantajosas para a empresa, que foram encontradas
dificuldades que a empresa não soube ultrapassar com a rapidez neces-
sária, que houve hesitações ou recuos. Isto significa, acima de tudo, que
a Galp e as empresas que a antecederam tomaram partido de uma história
longa de décadas, da experiência acumulada de trabalhadores, gestores e
administradores, da participação num mercado internacional altamente
competitivo em termos de produtos e de métodos de produção e de co-
mercialização. Mas significa também que o Estado, mesmo quando in-
terveio com mais acutilância, não constituiu verdadeiramente um pro-
blema ao desenvolvimento do negócio. E, em alguns casos, como
aconteceu quando pacificou o sector através da integração vertical a se-
guir à nacionalização, terá mesmo tido um papel positivo. Essa é a pri-
meira conclusão geral que se pode retirar desta história.
A segunda conclusão geral decorre do facto de todo o processo ter
acabado com a preservação da Galp Energia enquanto empresa industrial
independente e de capitais maioritariamente portugueses, tendo sido ul-
trapassadas as tentativas de a integrar em empresas multinacionais. As

124
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Conclusão

Refinaria de Sines em 2012.

vantagens desse resultado não são totalmente claras à partida, uma vez
que o que interessa acima de tudo no funcionamento das empresas é a
rentabilidade dos seus capitais e investimentos, e não tanto de quem são
propriedade ou se estão ou não integradas em outras empresas. Acresce
que o interesse das empresas em manter níveis de rentabilidade elevados
é também do interesse dos consumidores, quer sejam empresas ou indi-
víduos, pois as boas rentabilidades traduzem menores custos e preços
mais competitivos. Todavia, acontece que o mercado dos produtos pe-
trolíferos não é um mercado como os demais, porque depende de uni-
dades empresariais de grande concentração de capital, o que implica uma
menor capacidade de ajustamento conjuntural, e refere-se a um produto
com características específicas nas economias nacionais. Essas caracterís-
ticas fazem com que não seja totalmente indiferente a nacionalidade da
propriedade e a localização da atividade industrial e da gestão empresa-
rial. O argumento da especificidade não deve ser levado longe demais,
uma vez que no limite se pode aplicar a um grande leque de sectores
económicos. Para além disso, a Galp Energia é também uma empresa
que opera internacionalmente, com vastos investimentos internacionais
em prospeção petrolífera de hidrocarbonetos. Todavia, é preciso ter em
atenção um quadro internacional em que os principais países industriais
com alguma dimensão têm a operar dentro de fronteiras empresas pe-
trolíferas de capitais maioritariamente nacionais. Por outras palavras, a

125
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Os Petróleos em Portugal

globalização, a internacionalização da atividade económica têm vanta-


gens do ponto de vista da concorrência, da eficiência, mas têm também
limites políticos. Mas a conclusão geral mais importante a este respeito
é o facto de ter havido ao longo dos tempos da privatização da Galp
Energia claramente uma linha de delimitação de interesses que não foi
ultrapassada, mesmo com erros, avanços e recuos.
Assim, a história da privatização da Galp Energia e das empresas de
que foi herdeira dá-nos uma história de pacificação industrial, de inves-
timento, de inovação tecnológica, de internacionalização, e de proteção
de interesses gerais ao nível nacional, que nos tem de conduzir a uma
avaliação globalmente positiva do papel dos intervenientes. O saldo po-
sitivo desta história não deve desviar a atenção de alguns atos por parte
de governos e empresários que de algum modo poderão ter prolongado
indevidamente o processo, e que porventura poderão também ter acar-
retado custos financeiros ou sociais globalmente injustificados. É muito
importante ter isso em consideração também e a história que aqui se
contou fornece os elementos para essa avaliação. Tão importante quanto
essa avaliação é a avaliação dos riscos futuros. E aqui os problemas redo-
bram, já que o público tem objetivamente menor capacidade de obser-
vação e de escrutínio dos gestos de gestão de uma empresa privada, em
comparação com uma empresa com capitais públicos. Este facto redobra
a responsabilidade dos novos donos da empresa, assim como das insti-
tuições reguladoras dos negócios do petróleo.

126
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Apêndices
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Os Petróleos em Portugal

Apêndice 1 – Legislação relevante no processo de privatização


da Galp Energia
Data DL/RCM Âmbito

5-9-90 Lei n.º 11/90 Lei-Quadro das Privatizações


20-9-91 DL 353/91 Concurso para a entrada no capital da Petrogal

17-1-92 RCM 3/92 Caderno de Encargos para Privatização

19-6-95 DL 145-A/95 Definição dos novos termos da operação


de reprivatização da Petrogal
22-4-99 DL 137-A-99 Criação da Galp– Petróleos e Gás de Portugal, SGPS, SA

7-7-99 DL 261-A-99 1.ª Fase Privatização da Galp


1-3-00 DL 21-2000 2.ª Fase Reprivatização da Galp

20-6-03 DL 124-2003 3.ª Fase Reprivatização da Galp Energia


30-3-04 DC 190-A-2004 Alienação de Participações Sociais

14-8-06 DL 166-2006 4.ª Fase Reprivatização da Galp Energia


19-8-08 DL 185-2008 5.ª Fase Reprivatização da Galp Energia
DL – Dec. Lei e RCM – Resolução de Conselho de Ministros

128
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Apêndices

Objeto do normativo

Regime aplicável à privatização das empresas públicas


Lança condições para o concurso que estará na origem da entrada da Petrocontrol no capital da
Petrogal
Estipula condições para processo de privatização e definição do preço da Petrogal
de aquisição de cada ação da Petrogal de 1700 escudos
Oficializou uma nova forma de procedimento na privatização da Petrogal

Agrupou as participações estatais diretas na Petróleos de Portugal — Petrogal, SA,


na GDP — Gás de Portugal, SGPS, SA, e na Transgás — Sociedade Portuguesa
de Gás Natural, SA.
Aumento de capital da Galp aos acionistas privados das três empresas nela incorporada
Define processo de reprivatização da Galp mediante a alienação de ações à Eni, EDP
e Iberdrola por venda direta
Propõe a junção da fileira do gás à da eletricidade
São autorizadas as transmissões pela Iberdrola à Galp e pela Eni à Parpública da
totalidade das participações detidas pela Iberdrola e pela Eni no capital social da Galp.
Oferta Pública de Venda em Bolsa
Emissão de Obrigações Convertíveis em capital da Galp Energia

129
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Os Petróleos em Portugal

Apêndice 2 – Principais alterações na estrutura acionista


da Galp Energia e respetiva composição
Petrogal GALP Energia
Criação
GALP, SGPS
e aumento Entrada Eni
Acionista 21-4-1999 de capital 31-12-1999 31-12-2000
e Iberdrola
de privados
13-12-1999

Estado Português 55,00% 49,81% 49,81% –15,00% 34,81%


Petrocontrol 45,00% 33,34% 33,34% –33,34%
EDP 3,27% 3,27% 11,00% 14,27%
CGD 13,51% 13,51% 13,51%
Portgás 0,04% 0,04% 0,04%
Setgás 0,04% 0,04% 0,04%
Eni Portugal Investment, S. p. A. 33,34% 33,34%
Iberdrola, S. A. 4,00% 4,00%
Ren
Parpública
Amorim Energia
Free-float
Total 100,00% 100,00% 100,00% 0,00% 100,00%

130
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Apêndices

Ajustes nas
Participações Entrada IPO Acordo Eni
do Estado 31-12-2005 Amorim 31-12-2006 Galp 2-1-2007 e Amorim 30-9-2014
00-05 Energia Energia Energia

–17,09% 17,72% 17,72% –17,72%

14,27% –14,27% 14,27%


–13,51% 1,00% 1,00% –1,00%
0,04% 0,04%
0,04% 0,04% –0,04% 14,27%
33,34% 33,34% 33,34% –25,34% 8,00%
4,00% 4,00% 4,00% –4,00%
18,31% 18,31% 18,31%
12,29% 12,29% 12,29% –5,29% 7,00% 7,00%
32,61% 0,73% 33,34% 5,00% 38,34%
21,32% 21,32% 25,34% 46,66%
0,00% 100,00% 0,00% 100,00% 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%

131
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Fontes, créditos fotográficos


e bibliografia
Fontes
Arquivo do Ministério da Economia e Emprego, Processo de Privatização da Petrogal,
Proc. nº A-3-01. Petrogal.
Debates Parlamentares, disponíveis em http://debates.parlamento.pt/.
Diário da República Eletrónico, disponível em http://dre.pt.
Diário de Notícias.
Dinheiro Vivo.
Expresso.
Gazeta Mercantil.
Jornal de Negócios.
Jornal I.
Público.
Relatórios e Contas da Petrogal e da Galp Energia.
Sábado.
Sol.
Semanário Económico.
TSF.pt.

Créditos fotográficos
Arquivo Global Imagens.
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Cordeiro, José Manuel Lopes. 2009. «Manoel Cordo Boullosa, 1905-2000». In Empresarios
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Público.
Santos, Carlos Oliveira. 2011. O Nosso Tempo. Uma História da Galp Energia. Lisboa: Fun-
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Vicente, Luís Filipe de Moura, org. 2002. 65 Anos de Petróleo em Portugal. Uma História de
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Os Petróleos em Portugal

Bibliografia
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Outros títulos de interesse: Entre 1992 e 2012, decorreu o processo de privatização da Petrogal/Galp
Os Petróleos David Castaño, investigador do
Instituto Português de Relações

em Portugal
Das Constituições Energia.Tive o privilégio de presidir a essas instituições durante 14 desses
Internacionais da Universidade Nova
dos Regimes Nacionalistas anos e tenho o dever de conhecer bem o mesmo processo, incluindo de Lisboa.
conteúdos e eventos não publicados. Em 2014, desafiei o Prof. Pedro

Os Petróleos em Portugal
do Entre-Guerras
Pedro Velez Lains a conceber e coordenar um projeto de investigação sobre o tema. Ana Mónica Fonseca,
Tinha consciência de que era uma tarefa difícil. O presente livro é o fruto investigadora e professora convidada
O Partido Republicano
Nacionalista, 1923-1935
da competência e da perseverança dos seus autores e representa um
excelente ponto de partida para se perceber o que se fez de bem e
Do Estado do Centro de Estudos de
Internacionais e do Departamento
de História do ISCTE-Instituto
Manuel Baiôa
quem o fez; assim como identificar o que se poderia ter feito melhor, ou
muito melhor, e porque é que tal não aconteceu. Apesar das limitações
à Privatização Universitário de Lisboa.
A Vaga Corporativa
Corporativismo e Ditaduras impostas pela dificuldade de acesso a toda a informação inerente a um 1937-2012 Pedro Lains, investigador do
Instituto de Ciências Sociais da
na Europa e na América Latina projeto desta natureza, a obra é de leitura obrigatória para os Universidade de Lisboa e professor
António Costa Pinto profissionais e investigadores que se interessam pela história das
Francisco Palomanes Martinho
privatizações em Portugal e, em particular, pela história do setor
David Castaño convidado da Católica-Lisbon School
of Business and Economics.
(organizadores)
petrolífero nacional. Ana Mónica Fonseca Daniel Marcos, investigador e
Sem Fronteiras
Os Novos Horizontes
Manuel Ferreira de Oliveira, PetroAtlantic Energy Corporation, S.A.
Pedro Lains professor convidado do Instituto
Português de Relações Internacionais
da Economia Portuguesa Este livro condensa o que de melhor a história económica e empresarial
pode oferecer para o conhecimento da GALP. Nele se conjuga a rigorosa
Daniel Marcos e da Faculdade de Ciências Sociais e
Pedro Lains Humanas da Universidade Nova de
(organizador) análise da informação e uma profundidade temporal que se projecta para Lisboa.
além do horizonte estrito do início da privatização. Acresce a riqueza da
trama explicativa, que integra a evolução da GALP nos ritmos das
vicissitudes políticas, das fricções pelo controlo accionista e da
recomposição do mercado europeu de energia.
Álvaro Ferreira da Silva, Nova School of Business and Economics
A presente obra fornece-nos um excelente contributo para um
conhecimento mais aprofundado da história e dinâmica empresarial dos
petróleos e do gás em Portugal ao longo do século XX e inícios do
século XXI bem como da sua contextualização, no âmbito da história
política e económica do respetivo período.
José Amado Mendes, Universidade Autónoma de Lisboa
Foto da capa: Torre de cracking da Sacor, Cabo Ruivo, Lisboa

UID/SOC/50013/2013

ICS ICS
www.ics.ul.pt/imprensa

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