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7/28/2017 Cidades e Culturas: 3 princípios de ação política | Esquerda

Cidades e Culturas: 3 princípios de ação política

Só é democrática a cidade onde os seus espaços são vividos por todos, e onde o espaço público é
encarado como um espaço de cultura onde se cruzam pessoas muito diferentes, com origens
diferentes, que se conhecem e dão a conhecer a sua memória numa ação coletiva. O debate das
políticas públicas de cultura é o debate sobre a nossa liberdade.

29 de Março, 2017 - 13:54h

Catarina Martins[1]

O debate sobre políticas públicas de cultura está minado à partida por um conjunto de ideias
feitas que olha para a política cultural como um nicho que diz respeito aos pro ssionais do
setor. Como se, para a generalidade da população, a cultura dissesse pouco. Devemos por isso
ter em conta que, enquanto Donald Trump choca o mundo com os seus tweets ou a sua
incapacidade em dar um aperto de mão a uma mulher, decidiu acabar com os apoios públicos às
artes e às humanidades nos Estados Unidos da América. E se esta decisão é tomada é porque
talvez as políticas públicas para a cultura não sejam um pormenor mas sim centrais para a
forma como olhamos para a nossa sociedade, para o nosso futuro e para a forma como queremos
crescer.

Há uma coisa que sabemos. Sabemos que quando cresce o medo, quando cresce a intolerância,
quando crescem muros à nossa volta, o centro é sempre o desconhecimento e ignorância. E só
há uma forma de nós conhecermos as pessoas com quem partilhamos as nossas cidades; política
cultural.

Acabar com a ignorância, promover o conhecimento não é uma tarefa estrita da escola pública.
Não é uma tarefa estrita de um programa de animação cultural pontual aqui ou acolá. É uma
tarefa concreta, determinante dos Estados sobre o conhecimento: olharmos uns para os outros.

As políticas públicas da cultura têm vindo a ser destruídas nos últimos anos em toda a Europa e
não é por acaso. Elas têm seguido um projeto neoliberal de isolamento de cada um de nós,
partindo laços comunitários privatizando, atacando direitos laborais, e limitando a capacidade
de pessoas com origens culturais diferentes, com etnias diferentes, e gentes com tradições

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culturais diferentes de comunicarem e de se protegerem e aliarem, reconhecendo o que têm em


comum: são os 99% que têm empobrecido.

O ataque às políticas públicas da cultura é, em boa medida, tanto o produto, como a causa da
crise em que vivemos. Alimenta o caldo da crise. Alimenta a incapacidade de atuação contra a
crise. Alimenta a quebra dos laços de solidariedade essenciais para uma resposta num país,
numa europa, num mundo onde se quer crescimento do conhecimento.

É tão mais complicado que é para nós difícil de compreender que quando nós conseguimos em
Portugal pelo menos o acordo de princípio que a quali cação da população é um dos desa os
maiores do nosso país - porque, apesar do caminho extraordinário que estamos a fazer na
quali cação, quando comparados com os restantes países europeus, Portugal é o que tem uma
população menos quali cada em todas as gerações - é surpreendente não se falar no acesso à
cultura.

Entendamo-nos, não existe quali cação sem cultura. O conhecimento não é uma lista de metas
curriculares nem está encerrado nas escolas. E se as escolas não se devem encerrar nas metas
curriculares também não se deve aceitar que a quali cação e o conhecimento sejam uma
responsabilidade apenas da escola e não de todos nós enquanto sociedade. E aqui entram as
políticas públicas para a cultura.

É no debate das políticas públicas de cultura que se debate e que se conquista o direito de todos
nós ao conhecimento. A sabermos e a produzirmos. E esse é o debate determinante para o
futuro. E é, julgo, um problema para este país que a Cultura continue de fora do acordo parar o
empobrecimento deste país.

O orçamento de estado para a cultura não só é vergonhosamente baixo e parecido, se não pior,
aos orçamentos do tempo PSD/CDS, como não se regista nenhuma evolução no pensamento do
governo, nem no que diz respeito à forma como se encaram os equipamentos públicos de
cultura, nem o tecido pro ssional da cultura, nem mesmo a saudável e democrática forma de
distribuição dos poucos e escassos meios que existem para a Cultura.

Para o Bloco de Esquerda a política cultural não está esquecida. E faremos tudo, não apenas do
ponto de vista da disputa local nas eleições autárquicas, mas também no debate no parlamento,
no debate no seio da maioria, para que a cultura não que de fora, e para que possa ter, pelo
menos, um orçamento um pouco mais decente.

Ouvimos sistematicamente que Cultura está condenada à irrelevância porque as urgências são
muitas e os meios poucos. E que, se formos pacientes, e a política cultural for obedientemente
subordinada aos interesses turísticos, quando o Turismo estiver su cientemente desenvolvido
(seja lá o que isso for) alguma coisa lhe há de calhar. O problema é este: o Turismo em Portugal
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aumentou 10% as suas receitas em 2016. O governo espera que o turismo possa crescer 4% ao
ano nos próximos anos. E nenhum de nós tem dúvidas sobre o contributo positivo que o
turismo está a dar para o crescimento da economia e para a criação de emprego no nosso país.
Mas não basta carmos por estes números. Não só temos de saber qual é a qualidade do
emprego, como temos seguramente de saber se este crescimento económico serve a quem,
como serve e como é distribuído.

Se o turismo for apenas um negócio que está a crescer e não uma potencialidade económica
aproveitada pelo país, a maior parte da população será prejudicada e não bene ciada pelo
crescimento do turismo. E este é um debate que tem de ser feito. É um debate que é da Cultura e
é de todas as áreas. De facto, o que está a acontecer é que os lucros que o turismo gera servem o
crescimento de alguns negócios mas pesam muito sobre os custos sociais e de infraestruturas
que não recebem uma distribuição equilibrada da riqueza gerado pelo turismo. Todas as pessoas
compreendem: quando faltam transportes porque há mais turismo precisamos de compreender
porque é que as receitas desse turismo não ajudam as cidades a ter receitas para melhores
transportes públicos. Quando as cidades têm uma maior pressão para reparar as suas
infraestruturas ou o seu património cultural porque têm uma utilização muito maior é preciso
perguntar porque é que as receitas desse turismo não podem ajudar nesse esforço. E se as
poucas receitas forem para as políticas culturais de promoção turística, a política da
recuperação de fachada e da programação de eventos, descobriremos um dia que vivemos numa
"Disneylândia" vazia de gente e de interesse.

O debate que conta hoje é o do direito à cidade, do espaço que habitamos, onde trabalhamos. A
conquista a fazer é a dos direitos sociais, culturais e ambientais em que esse direito radica, e
essa é conquistada à esquerda. A existência de políticas culturais depende dessa visão; não
queremos cidades preparadas para quem vem de fora, mas sim cidades, que sendo atraentes
para quem olha para elas de fora e que saibam receber bem quem a elas chega, sejam pensadas e
habitadas por quem cá sempre viveu.

Estamos neste momento a meio de debate importante com o governo: o programa Revive, que
concede a privados a exploração de monumentos nacionais. Sabemos bem que há património
abandonado um pouco por todo o país. E que, por isso, as população encaram com naturalidade
que se houver algum privado que tenha um projeto para esse património que o possa fazer. E
esta é uma discussão difícil. Porque também não somos imobilistas e sabemos que nem tudo
pode car como está. Mas convenhamos, há património que tem sentido ser recuperado e ter
alguma exploração comercial, mas há património que não pode ser explorado seja sob que
circunstância for, porque é incompatível com isso (veja-se o projeto inaceitável, e entretanto
abandonado, de transformar o Forte de Peniche num hotel). E mesmo no património que seja
compatível com exploração comercial, não se pode fechar o acesso das pessoas a esse
património. Tem sempre de existir garantia de acesso público. Ninguém pode car dono de um
património que é de todos. E por isso, neste apetite voraz de transformar o nosso país em mero
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recetáculo de turistas, e não num país onde todos vivemos e todos desfrutamos da memória do
que somos coletivamente, é preciso a rmar que projetos como o Revive só podem ir para a
frente com um intenso debate público sobre a reabilitação e os planos de uso, participado em
cada local pelas populações que são as  donas desse património e com imprescindível parecer
técnico de quem investiga e conhece o património. Precisamos dessa transparência. E vamos
bater-nos por ela.

Há três linhas fundamentais que marcam um projeto de políticas culturais para o espaço
partilhado (o espaço coletivo, em comum) que é o espaço concelhio.

O primeiro é que a Cultura tem de ser memória e ação coletiva. Ou seja, que o património tem
de ser interpretado, que as pessoas têm de perceber o que têm ali ao lado, que onde existe uma
parte da nossa memória tem de haver uma descodi cação para que todas as pessoas possam
perceber porque razão aquilo foi feito, o que signi ca, porque deve ser preservado, que batalhas
da nossa memória estão ali, que culturas se cruzaram.

A Cultura tem de ser memória coletiva para ser também uma ação coletiva. Porque um povo que
não conhece a sua memória é um povo colonizado. E verdadeiramente é isso que tem
acontecido. Nós somos dos países da Europa com maior quota da indústria de entretenimento
dos Estados Unidos da América. Ou seja, somos dos países que menos conhece o seu passado e
que menos conhece a sua criação artística atual. E portanto não sabemos aquilo de que somos
capazes. Não sabemos os passos que já demos, que caminhos utilizámos. E nós temos de
conhecer os tropeções que já demos para poder construir um futuro coletivo. E isso é de todos e
de todas. Não é de um grupo de especialistas. Em cada sítio tem de haver capacidade para toda a
gente perceber o que está em causa.

Recuperar o património do "fachadismo", que é bom para fotogra a de turista mas que não tem
capacidade para que as pessoas o conheçam, é próprio de um país colonizado. E um país que se
abre a todo o mundo é um país em que seguramente quem cá vive tem de saber o que cá tem. E
essa é uma primeira linha de política do Bloco: Cultura tem de ser Memória e Ação.

Segundo ponto: Cultura é Serviço Público. Tem de car claro que Cultura não é uma atividade
de umas quantas pessoas bem intencionadas que fazem umas coisas de vez em quando. O
trabalho bibliotecário é um trabalho técnico, especializado, importante para sabermos quem
somos. A produção artística depende de pro ssionais que sabem o que estão a fazer. Nós, que
estamos habituado a ver o que é feito com a melhor tecnologia que nos entra pela televisão
adentro, não queremos ter também a produção nacional com a técnica, o conhecimento que o
país tem? Há quarenta anos, quase não havia formação nesta área. Hoje, temos gerações
quali cadas nas mais variadas áreas culturais, do património à criação artística. E essa
capacidade tem de ser usufruto do país.

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Se levamos a Cultura a sério temos de fazer com que a Cultura seja um serviço público, com
regras, com combate à precariedade, com capacidade de independência. Nós bem sabemos que
os poderes políticos sempre gostaram de usar a cultura como um campo de todas as
manipulações, e como o campo de todas as dependências. É tempo mudar.

Chegamos por isso ao terceiro ponto: se a Cultura é coletiva e Serviço Público, a Cultura é
também Democracia. E a Democracia exige clareza política: a Cultura não é o espaço da política
do príncipe que chama o artista e diz “agora podes fazer o que queres porque eu decidi que
podes fazer o que queres.” A política do Príncipe é a política que humilha, e é a política que faz
da Cultura algo manietado, que não é democrático e que ca dependente do poder do momento.
E portanto se há coisa que devemos ser claros é que o Bloco de Esquerda não quer mandar em
nada na Cultura que é feita. Quer criar os serviços públicos e os concursos com princípios de
clareza e transparência para que toda a gente tenha acesso aos meios necessários para fazer
aquilo que tem sentido para a sua comunidade. Não é a função da política decidir o que é feito
na Cultura, mas sim criar os meios para que se possa fazer Cultura.

Se a Cultura é um Serviço público que não dispensa os pro ssionais que a fazem, a cultura é
muito mais do que os pro ssionais que a fazem. Toda a gente tem de ter o direito, tem de ter o
acesso à Cultura. O acesso à cultura é fruir mas também fazer. Não há por isso um grupo de
iluminados que decide o que é Cultura. Um projeto de cidade que leva a sério a Cultura é aquele
onde a comunidade tem capacidade de propor usos não pensados antes para os espaços da
cidade. É aquele onde há espaço para respeitar o associativismo que se organiza. É aquela que
sabe que toda a gente tem o direito a pisar o tapete vermelho do Teatro Nacional ou do Museu
Nacional. Esta ideia está no oposto da política do programador cultural iluminado. É um projeto
de democracia.

Só é democrática a cidade onde os seus espaços são vividos por todos, e onde o espaço público é
encarado como um espaço de cultura onde se cruzam pessoas muito diferentes, com origens
diferentes, que se conhecem e dão a conhecer a sua memória numa ação coletiva. Nas políticas
públicas de cultura desenhamos a nossa liberdade.

Links

1. http://www.esquerda.net/autor/catarina-martins

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