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Nessa idade, ela não quer emprestar seus brinquedos, pois está
descobrindo o que é seu e o que é dos outros. Ela começa a se despir sozinha:
estimule-a. Ela gosta de ajudar nas tarefas de casa: ofereça-lhe materiais
adequados, e aceite a ajuda, que a deixará orgulhosa.
Ela gosta talvez de cantarolar sílabas sem sentido, embora dando o
ritmo e entonação do idioma que ouve. Ela gosta de ouvir rádio e discos, e ainda
não canta afinado, por não ter ainda pleno controle da musculatura bucal, nem do
posicionamento da língua para emitir os fonemas.
Esta é uma idade dos medos da noite, do escuro, da chuva, dos
motores, do avião, de certos animais e mesmo de pessoas. A criança luta contra
eles através de certos hábitos, ritos e manias. Conte-lhe histórias, deixe a porta
entreaberta, uma luz acesa, mas não a leve para sua cama.
A criança de três anos compreende que ela é um ser independente,
como cada outra pessoa, e não uma parte de alguém. Que ela é uma menina, e
não menino, filha de seus pais e não dos vizinhos, que tem cabelos pretos e olhos
castanhos (pois se reconhece no espelho e identifica as cores).
Nosso bebê precisou de trinta meses para se dar conta de que existe,
para saber que tem um corpo, com braços e pernas, e saber o que fazer com eles,
e perceber que tem uma mente capaz de pensar, de se lembrar e de querer.
Sabemos quando a criança compreende que tem um corpo através de
sua atitude diante do espelho e da maneira como olha ou pega suas mãos e pés. A
linguagem, sobretudo o uso dos pronomes, nos dirá como ela percebe a existência
dos outros, como os distingue de si mesma. Essa tomada de consciência depende
do ambiente onde a criança é educada. Este precisa ser estável, estimulante,
afetuoso.
Estável, porque se tudo muda freqüentemente a criança perde as
referências, não chega a se conhecer e a se inserir. Estimulante, porque ela toma
consciência de si graças às experiências que faz com os objetos (dar-lhe
brinquedos, portanto, é importante, assim como deixá-la mexer nos apetrechos
domésticos, com os devidos cuidados), com a marcha (encorajá-la a andar), com a
linguagem (ser um interlocutor paciente e interessante para ela).
Enfim, é necessário que as passagens delicadas - desmame, toalete,
pequenos períodos de crise - sejam bem ultrapassadas, e para isso a criança
precisa sentir-se amada. As crianças mal-amadas dizem “eu” muito mais tarde,
falam na terceira pessoa, sentem-se inseguras diante das novidades e dos
desafios.
Nos adultos, os distúrbios da personalidade tomam outras formas: os
doentes se olham repetidamente no espelho para se assegurar de que são mesmo
eles; os esquizofrênicos se crêem outros; alguns falam de si no plural, formam uma
unidade com uma pessoa imaginária. E Rimbaud, despossuído de si, dizia: “eu, é
um outro”.
*
Parte 2: A criança entre 3 e 5 anos
Aos cinco anos, a criança sabe vestir-se sozinha, mas talvez ainda tenha
dificuldades com os botões, que precisam ser grandes, assim como os lápis e
pincéis. Pergunta sobre o significado das palavras, conhece alguns números e letras
e reconhece logotipos.
1 - Algumas considerações
A criança brinca, e brincar é próprio da infância, embora dela não seja
exclusivo; é brincando que a criança se descontrai e se estrutura para poder suportar
as exigências do dia a dia. A vida da criança não é composta apenas de prazeres,
desde pequeninos estamos expostos a conflitos, frustrações, incompreensões,
exigências difíceis de serem suportadas e solucionadas.
2 - A mente lúdica
3 - A função do brincar
Os mamíferos superiores utilizam-se do brincar como forma de
aprendizagem e treino de tarefas que lhes são importantes na vida adulta.
O gatinho brinca com o novelo de lã: ele não se sabe causador do
movimento pendular, mas supõe uma autonomia voluntária no novelo, interage com
ele, fantasia um camundongo, um inseto. Bate com a pata, mordisca, salta, ataca,
observa. O animalzinho brinca, preparando-se para as tarefas que, adulto, precisará
realizar.
Brinca também o bebê humano: imita, observa, se defende, ataca,
fantasia, teatraliza... Em muitos pontos, o gatinho e a criança pequena se
assemelham.
Mas o gatinho não vai à escola, não cria cultura, não registra sua
história: de infância longa, a criança não esgota no instinto, nem na fantasia
superposta às atividades de imitação, o treinamento para as tarefas adultas, mais
sofisticadas e complexas.
Dadas as suas peculiaridades, a criança humana necessita de muito
tempo para se preparar para a vida, e esse preparo abrange inúmeras áreas:
resolução de necessidades básicas - comer, morar, vestir-se, proteger-se do calor e
do frio excessivos - adequação a parâmetros de relacionamento social,
aprendizagem de conhecimentos e teorias que compõem a cultura de sua época e
sociedade.
A criança humana herda de seus ancestrais a capacidade de raciocínio,
de fantasia, de filosofar sobre a vida e a morte, de criar prazer.
Desde pequenina, ela é envolta nos padrões afetivos e culturais que a
auxiliarão a se situar no mundo, e lhe fornecerão instrumentos e estruturas para dar
conta de seus problemas existenciais.
5 - Brincar é atemporal
Cada indivíduo pertence a um determinado momento histórico, do qual
recebe influência de objetos, conceitos, instrumentos, valores, ideais.
Nos tempos atuais, por exemplo, a televisão é um instrumento usual
para a comunicação e o lazer. Estímulo sensorial fascinante, com seu movimento e
variação perenes, traz o mundo à sua casa, favorecendo impressões que antes só
seriam possíveis com a presença concreta da pessoa no local do acontecimento.
Caixinha mágica, também hipnotiza e seduz, pregando o espectador no sofá,
alimentando sua inércia, suas fantasias, sua preguiça, suas ilusões.
Mas não é suficiente para preencher as necessidades de informação,
distração e comunicação de uma criança (nem de um adulto). Além disso, inibe a
motricidade, e o excesso de estimulação sensorial perturba a concentração e o
raciocínio. Nenhum instrumento, atividade ou relação, isoladamente, sacia as
necessidades, os desejos e a imaginação.
Os mundos virtuais que hoje preenchem nosso imaginário - televisão,
cinema, videogames - são uma diversão - divertissement, variação - que servem
para nos auxiliar a melhor compreender nosso mundo real, com seus problemas e
possibilidades. São frutos da inteligência humana, da ludicidade tornada material.
O mundo virtual da imaginação (individual) e o mundo virtual da
tecnologia (coletivo) são assessores do indivíduo na construção de seus
instrumentos para resolução dos problemas do mundo real.
Toda criação humana pode ser interessante, fascinante, prazerosa.
Porém, na sua multiplicidade, o homem não se reduz a uma necessidade única. A
tecnologia que nos oferece mundos virtuais não nos dispensa de precisar mexer com
as pernas, usar o raciocínio, metabolizar, transpirar, amar. Não existe amor virtual.
A criança de hoje não é mais inteligente porque manipula brinquedos
eletrônicos, de complexa tecnologia, nem necessáriamente a criança de outrora era
mais sensível porque vivia em maior contato com a natureza.
Integrando as características diversas da criança, o mundo da
brincadeira pode ser aquele do faz de conta - de substituição, onde ela vive papéis
variados - ou um mundo de onipotência, onde ela se protege magicamente das
frustrações e do tédio.
A eletrônica é fantástica: gameboy, video-games, video-cassetes, TV.
Mas quando acontece uma pane de eletricidade, o homem mergulha na escuridão
física.
Esperamos que isso não signifique também uma escuridão humana,
sinônimo de solidão. Porque pensar, sentir, ter acesso ao seu imaginário, às
lembranças e projetos que compõem uma vida, independe da tecnologia.
Nossa noite interior pode ser amistosa ou aterrorizante, consoante as
imagens que estruturamos e que dão suporte à nossa vida. Se temos auto-
confiança, se aprendemos a partir da ação, se definimos relações de confiança com
os nossos semelhantes, estaremos relativamente tranqüilos com relação à nossa
capacidade de solucionar problemas.
5 - Conclusões
O homo sapiens é lúdico, como a maior parte dos mamíferos.
A inteligência, que o fez destacar-se dos demais, possibilitou-lhe a
construção de instrumentos sofisticados para facilitar suas tarefas, desvendar
relações de causa e efeito, criar e registrar história e cultura.
Homo ludus - o homem que brinca, que usufrui do prazer - brincadeira
da autora com as palavras, seria justamente a característica principal desse Homo
sapiens: a capacidade de brincar, além de fazer parte da sua constituição intrínseca,
seria a chave mestra do seu comportamento.
Liberto (ou órfão?) do domínio estrito do instinto, o prazer da ação
motora, da reflexão e da imaginação seria a referência primeira, capaz de guiar o
homem à conquista, à descoberta, à solução dos problemas específicos à sua
sobrevivência. Na sua gênese latina, o termo Ludens significa tanto “brincar” quanto
“aprender”.
Nos dias atuais, vivemos o paradoxo do máximo de conforto e
tecnologia, que deveria servir "para aliviar a canseira da existência humana"
(Brecht), promovendo portanto um máximo de prazer. Mas, por outro lado, parece
incitar o homem, desde a infância, a viver em desacordo com a sua natureza.
Brincar é uma forma de preparação para a vida, mas esta não é virtual,
e nenhuma vida cabe completa em uma brincadeira. A brincadeira nos prepara,
porém ela não esgota jamais os fatos, nem se esgota nos fatos. É, antes, como uma
fórmula mágica, modificadora, que serve para situações variadas, porque flexibiliza a
mente da criança, instigando-a a articular-se com os contextos complexos
(emocionais, relacionais, sociais, críticos) em que se envolverá forçosamente no
decorrer de sua existência.