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Curso: Psicologia e Educação

Aula 6: A Segunda Infância

Vilma Barbosa Soares

Parte 1: O terceiro ano de vida

A criança agora é mais sociável e mais facilmente compreendida, pois


se exprime melhor. O que mais lhe interessa neste momento é falar sem cessar, da
mesma forma que antes ela não se cansava de mexer em tudo. Ela agora deseja
rotular, etiquetar verbalmente tudo e todos, fazendo eco ao que ouve.
Ela presta atenção nas conversas ao seu redor, naquilo que dizem as
pessoas, o rádio, a televisão. Nem sempre ela compreende o sentido do que ouve, e
precisa de uma certa “tradução” para alcançar a essência de algum comentário. Os
adultos precisam compartilhar com ela os programas que assiste, para poderem
escolher mais criteriosamente o que é bom para sua formação moral e cultural, e
para que não se exponha a temas e tensões desnecessários e inadequados.

Incansavelmente, ela repete suas perguntas a pessoas diferentes, para


verificar as respostas e os conceitos, para ouvir uma vez mais as palavras novas.
Repetir e fazer repetir é o seu modo de aprender. Tudo é bom para enriquecer o
seu vocabulário: comidas, brinquedos, ocorrências, pessoas.
Ela tem um desejo intenso de se orientar no mundo, de encontrar seu
lugar, de se reconhecer. Quando está sozinha, repete as palavras que aprendeu e
comenta o que fez. Esse monólogo durará até cerca de 7 anos.
Passando horas a falar com as pessoas, com os brinquedos, a criança
faz imensos progressos de linguagem. Ela assim adquire palavras novas, além de
uma forma mais confiante de se exprimir, afastando-se aos poucos da linguagem
de bebê.
O vocabulário se enriquece dia a dia, e os substantivos e verbos
predominam, podendo ser contados até 90 ou 100. As palavras deformadas
imperam, pois a criança ainda não pronuncia os f, r, v, e os grupos consonantais.

As diferenças individuais na aquisição e uso da linguagem não devem


ser desconsideradas, e podem subsistir por toda a vida: o vocabulário de base de
um adulto médio contém cerca de 1500 palavras, o do adulto culto 3000 palavras,
e o do erudito, cerca de 5000.
Tais diferenças decorrem de vários fatores: das disposições individuais -
alguns são precoces, outros não; do ambiente - para falar, a criança precisa viver
envolta em afeição e compreensão, e precisa também ouvir falar, em geral, e que
lhe falem diretamente, respondendo às suas perguntas, encorajando-a em tom
gentil e sem deformar as palavras.
A criança com quem se fala corretamente e de forma afetuosa faz
progressos de linguagem mais rápidos do que as que são cuidadas por pessoas
indiferentes, ou irritadas, ou mesmo com quem ninguém fala. Estas, tornam-se
taciturnas, introspectivas, e suas dificuldades aparecerão mais tarde, na hora de
aprender a ler e escrever.
A mente necessita de palavras para se desenvolver, assim como o corpo
precisa de alimento para se nutrir. Pois quando a criança pergunta “o que é isto?”
nós lhe dizemos um nome e lhe damos uma explicação: “Isto é um aspirador e
serve para tirar a poeira”. As questões se seguem e o cenário também:
curiosidade, que leva a criança a perguntar; compreensão, que lhe permite
entender a explicação dada; memória, que registra a palavra e tudo o que a
acompanha: circunstâncias, ambiente, organização, etc.

Devido a essa ginástica, a mente se torna cada vez mais hábil, o


mecanismo funciona cada vez mais rapidamente, pois a curiosidade e a
compreensão aumentam: a criança pergunta cada vez mais, e entende melhor,
pois sabe mais palavras; e a memória se aperfeiçoa: mais ela funciona, mais se
desenvolve. Com isso, uma criança de 30 meses conhece cerca de 300 palavras.
São necessárias 1000, para passar no vestibular.
Com essa bagagem, a inteligência ganha em extensão e audácia.
Interessada por coisas cada vez mais difíceis, a criança busca objetos novos,
palavras estranhas. Ela se envolve em situações desconhecidas, e as compara
com experiências que já fez, e tira suas conclusões. Antes, ela tinha apenas as
mãos para agir; agora, ela encontra as soluções na sua cabeça.

O instrumento “linguagem” faz com que a criança se desenvolva


rapidamente. Seu papel é tão importante que as crianças surdas têm cerca de 2
anos de atraso intelectual em relação às outras, e crianças hospitalizadas ou
institucionalizadas, com quem não se fala suficientemente, podem ter, aos 2 anos,
5 palavras em lugar de 100, e um coeficiente evolutivo de 60 e não de 90.
Poder falar transforma completamente a vida e os horizontes da criança:
graças à linguagem, ela penetra no mundo dos adultos. Até então, ela só podia ser
compreendida por seus pais, que entendiam seu balbucio; agora, pode ter
relacionamentos normais com todo mundo. A criança fica feliz com essa nova
marca de independência, da mesma forma que se sentira mais segura e auto-
confiante quando aprendera a andar.
Dois anos e meio é a idade da brincadeira paralela: cada um se ocupa
com seus brinquedos, monologando sem parar, sem se ouvir nem se perturbar
mutuamente. Quando brincam juntos, rapidamente acontecem brigas e choros. A
criança brinca bem sozinha. A sociedade que ela procura é aquela das pessoas
adultas e das crianças mais velhas, a quem pode fazer perguntas
incessantemente. Sua grande procura é por um dicionário vivo.

Nessa idade, ela não quer emprestar seus brinquedos, pois está
descobrindo o que é seu e o que é dos outros. Ela começa a se despir sozinha:
estimule-a. Ela gosta de ajudar nas tarefas de casa: ofereça-lhe materiais
adequados, e aceite a ajuda, que a deixará orgulhosa.
Ela gosta talvez de cantarolar sílabas sem sentido, embora dando o
ritmo e entonação do idioma que ouve. Ela gosta de ouvir rádio e discos, e ainda
não canta afinado, por não ter ainda pleno controle da musculatura bucal, nem do
posicionamento da língua para emitir os fonemas.
Esta é uma idade dos medos da noite, do escuro, da chuva, dos
motores, do avião, de certos animais e mesmo de pessoas. A criança luta contra
eles através de certos hábitos, ritos e manias. Conte-lhe histórias, deixe a porta
entreaberta, uma luz acesa, mas não a leve para sua cama.
A criança de três anos compreende que ela é um ser independente,
como cada outra pessoa, e não uma parte de alguém. Que ela é uma menina, e
não menino, filha de seus pais e não dos vizinhos, que tem cabelos pretos e olhos
castanhos (pois se reconhece no espelho e identifica as cores).
Nosso bebê precisou de trinta meses para se dar conta de que existe,
para saber que tem um corpo, com braços e pernas, e saber o que fazer com eles,
e perceber que tem uma mente capaz de pensar, de se lembrar e de querer.
Sabemos quando a criança compreende que tem um corpo através de
sua atitude diante do espelho e da maneira como olha ou pega suas mãos e pés. A
linguagem, sobretudo o uso dos pronomes, nos dirá como ela percebe a existência
dos outros, como os distingue de si mesma. Essa tomada de consciência depende
do ambiente onde a criança é educada. Este precisa ser estável, estimulante,
afetuoso.
Estável, porque se tudo muda freqüentemente a criança perde as
referências, não chega a se conhecer e a se inserir. Estimulante, porque ela toma
consciência de si graças às experiências que faz com os objetos (dar-lhe
brinquedos, portanto, é importante, assim como deixá-la mexer nos apetrechos
domésticos, com os devidos cuidados), com a marcha (encorajá-la a andar), com a
linguagem (ser um interlocutor paciente e interessante para ela).
Enfim, é necessário que as passagens delicadas - desmame, toalete,
pequenos períodos de crise - sejam bem ultrapassadas, e para isso a criança
precisa sentir-se amada. As crianças mal-amadas dizem “eu” muito mais tarde,
falam na terceira pessoa, sentem-se inseguras diante das novidades e dos
desafios.
Nos adultos, os distúrbios da personalidade tomam outras formas: os
doentes se olham repetidamente no espelho para se assegurar de que são mesmo
eles; os esquizofrênicos se crêem outros; alguns falam de si no plural, formam uma
unidade com uma pessoa imaginária. E Rimbaud, despossuído de si, dizia: “eu, é
um outro”.
*
Parte 2: A criança entre 3 e 5 anos

A criança agora tenta descobrir sua própria identidade e a do mundo


real, separando-o do mundo de faz-de-conta de sua imaginação. Cada vez mais ela
vai compreendendo que há pensamentos e sentimentos, que são componentes da
sua vida mental, do seu mundo interno, e que há objetos e fatos, que ocorrem no
mundo externo à sua mente. Pensamentos, idéias, sonhos, não têm corpo, mas tem
existência, e é com a participação intensa deles que nós abordamos o mundo dos
fatos e dos objetos.
A criança começa a perceber mais refinadamente que as pessoas têm
gostos diferentes, e que isso não é um defeito, mas faz parte de nós. Ela descobrirá
que somos parecidos em muitos aspectos, e muito diferentes em outros. Isso a
surpreenderá.
Seu domínio da linguagem aumentou enormemente, e suas brincadeiras
refletem o desenvolvimento de sua personalidade. É a idade da criança ocupada,
brincando intensamente, embora seu mundo ainda gire em torno do lar, da mãe e da
família. Ela precisa de sossego em sua casa, e de espaços onde possa brincar em
segurança..
Dessa base segura ela vai aventurar-se e alargar seus horizontes,
através da escola ou de grupos recreativos. A experiência de convívio com outros
adultos e crianças fora da família pode ser muito enriquecedora, nos mais variados
aspectos do desenvolvimento.

Há muito desenvolvimento físico e mental neste período, e o modo como


a criança resolve seus problemas agora lhe será vantajoso ao alcançar o tormentoso
momento da adolescência. A segurança física e relacional que ela experimentar
nesse momento, a confiança que se construir entre ela e os adultos que dela cuidam
será um fator muito importante para a formação de sua auto-confiança e de sua
forma de lidar com as questões da vida.

Brincar é o seu modo de expressar-se e uma preparação para a vida. Ao


imitar os adultos, ela desenvolve habilidades e aprende o que pode fazer, como
controlar coisas e materiais ao seu redor. Por meio de rimas e jogos de palavras, ela
faz experiências com a linguagem.

Os brinquedos educativos têm o seu lugar, mas não devem impedir a


criança de desenvolver a imaginação e usar as mãos habilmente. realizando os
gestos e estratégias que puder e desejar para resolver os desafios. Alguns
brinquedos são ditos “educativos” porque nos auxiliam a passar, de modo mais leve,
mais pertinente à idade da criança, alguma informação que consideramos
necessária. Mas educar é, sobretudo, favorecer à pessoa condições para ela
conhecer e expressar seu potencial e seus conteúdos mentais, nas suas relações
com as coisas do mundo. Isso a criança faz, e muito bem, brincando.

Tudo pode tornar-se brinquedo e brincadeira, e ela precisa, sobretudo,


fazer suas experiências pessoais, sempre e cada vez que possível. Ela pode pintar
céus de vermelho ou pessoas de verde, fazer rabiscos incríveis e dizer-nos o que
significam, contar histórias aparentemente sem pé nem cabeça e se divertir
muitíssimo com elas...

Desde os 3 anos a criança sobe escadas alternando os pés, anda de


triciclo e gosta de rabiscar. Sabe sua idade, falada e mostrada com os dedos, e
ajuda a se vestir. Gosta de ajudar. Aceite sua participação naquilo que não oferecer
riscos: não a proteja de menos, mas também não subestime sua capacidade de
desempenho. Conquiste-a como parceira para a vida, como companheira para as
pequenas coisas do dia-a-dia. Afinal, a vida é feita de um grande conjunto de
pequenas coisas, os grandes amores são tecidos nos pequenos momentos de
coesão; e um filho é, sem dúvida, um amor conquistado. Assim como um aluno, um
amigo.

Ela já deixou chupetas e mamadeiras, come quase tudo sozinha, e sua


alimentação é bastante variada, parecida com a dos adultos. Ela aprenderá a comer
de tudo se você tiver paciência e bom humor para lhe ensinar a provar novos
sabores, novas apresentações do mesmo alimento, sem forçá-la demasiadamente, e
repetindo, depois de alguns dias ou semanas, para que ela se familiarize. Aproveite
para aprender você também, pois às vezes na idade adulta podemos reconsiderar
diversas aprendizagens. Não encha o prato dela como se fosse o de um adulto, e
dê-lhe tempo para comer num ritmo próprio, sensato.

Sua necessidade de contato físico é menor do que quando era bebê,


embora continue buscando carinhos e precisando deles. Abrace-a, beije-a e afague-
a com freqüência, dê a mão a ela sempre que estiverem fora de casa; faça-lhe
companhia, mesmo em silêncio.

Estimule-a a brincar e a conviver com outras crianças. Não se aborreça


nem a critique se existirem conflitos entre ela e seus companheiros: nenhuma
convivência rica é isenta de discordâncias. Separe-as por alguns minutos, se
estiverem se agredindo. Elas ainda precisam muito da ajuda dos adultos para
interromperem situações difíceis, de disputas, de invejas. Mas não as culpe por isso,
nem faça o assunto render mais do que o tempo mesmo da existência dele.
Precisamos de muitos anos, e de muita experiência, para aprendermos a controlar
os nossos impulsos e sentimentos. Ensine-lhe seu telefone, o nome de seus pais e
irmãos; se ela tem um apelido em casa, ensine-lhe também o seu nome correto.

Aos 4 anos ela conta e inventa histórias, ricas de enredos e detalhes, e


sabe usar a tesoura para recortes. Despe-se sem dificuldades e vai ao banheiro
sozinha. Fala muito bem, com vocabulário rico; reconhece as cores, gosta de ritmo e
movimento e de brincar com situações domésticas. As crianças gostam de dançar,
de correr, e isso é bom para seu desenvolvimento motor e para a afirmação de ritmo,
de equilíbrio e dos hábitos do grupo cultural onde vive.

Identifica masculino e feminino, e começa a se interessar pelas funções


de homens e mulheres, de machos e fêmeas. Tais diferenças instigam suas
perguntas, e talvez demonstre curiosidade em ver e tocar nos corpos de seus
colegas, além do seu próprio. Não há qualquer mal em que ela faça isso, e os
adultos podem aproveitar esse momento para compartilhar com as crianças livrinhos
ilustrados, que contam, de forma acessível, como são gerados e como nascem os
bebês.

Os meninos precisam entender o que é uma menina, e vice-versa, e


ambos, meninos e meninas, necessitam da companhia de crianças do outro sexo.
Ambos se interessam pelos brinquedos e atividades de todos, e não devem ser
impedidos de experimentar: não existem brincadeiras “só de meninos” nem “só de
meninas”, nem há riscos para a identidade de cada um se participam de quaisquer
brincadeiras. Sobretudo nas brincadeiras teatrais, talvez meninos queiram fazer
papéis femininos e as meninas, papéis masculinos; não há qualquer mal nisso. Não
devemos ser demasiadamente estritos na estipulação do que é feminino ou
masculino, ambos nos constituem, e ambos constituímos o mundo. Devem ser
evitadas competições do tipo “meninos contra meninas” e vice-versa. As equipes
devem, na medida do possível, ser mistas, e as metas propostas devem ser
alcançáveis por umas e por outros.

Talvez a criança tenha alguns medos e impulsividades, decorrentes


dessas curiosidades e descobertas, e das fantasias que cria a partir de suas
relações com seu pai e sua mãe. A constatação de que há, de fato, fisicamente,
diferenças irrecorríveis entre homens e mulheres, adultos e crianças, instala-se na
nossa vida fortemente nessa fase.
É a fase edipiana, que às vezes lhe provoca pesadelos, e demanda que
durma sozinha no seu quarto, podendo usufruir dessa separação que ajuda a
amadurecer. A hora de deitar deve ser um momento de tranqüilidade, de
relaxamento, à espera de que o sono se apresente. Leia para ela pequenas histórias,
faça-lhe um pouco de companhia, cante com ela pequenas canções relaxantes.

Estimule sua criatividade ajudando-a a aprimorar suas habilidades.


Leve-a ao teatro e cinema, forneça-lhe materiais e brinquedos com que ela possa
criar formas e situações diferentes. Ensine-lhe seu nome completo e endereço,
oriente-a nos passeios, informando-lhe os nomes dos lugares, os detalhes e pontos
de referência que possam auxiliá-la a aprender mais, a situar-se melhor. Auxilie-a a
confiar nas demais pessoas que cuidam dela, e a não ter medo exagerado de perder
você.

Aos cinco anos, a criança sabe vestir-se sozinha, mas talvez ainda tenha
dificuldades com os botões, que precisam ser grandes, assim como os lápis e
pincéis. Pergunta sobre o significado das palavras, conhece alguns números e letras
e reconhece logotipos.

Promova brincadeiras com outras crianças. Deixe-a, desenhar, pintar e


recortar. Pode dormir, se quiser, na casa de parentes ou amigos, mas esteja pronto
também para buscá-la às pressas tarde da noite...

A representação teatral é talvez a brincadeira mais importante nessa


idade. Mudando de papéis, a criança expressa suas necessidades, desejos e
ansiedades. É através desse tipo de brincadeira que aprende a ser sociável, pois
não apenas sente-se encorajada a expressar seu mundo interno, mas tenta
compreender os comportamentos alheios, ao buscar “ser como eles”.

Seu senso de realidade é maior, ela tolera melhor alguma frustração, já


sabe esperar um pouco, pois compreende melhor as relações de causa e efeito,
embora seja ainda ansiosa com o tempo que não passa com a velocidade que ela
deseja. Lembra-se de pessoas e lugares, dá-se conta de que muitas coisas não
desaparecem e modificam-se pouco.

Seu auto-controle é mais eficiente e lhe favorece a descoberta de


diferentes modos de expressar os sentimentos, ajudando-a também a abdicar de
respostas mágicas imediatas, o que é muito importante para a vida escolar que logo
começará. Pois as atividades de aprender a ler, escrever, fazer contas, implicam
necessidade de refletir, de memorizar, de tecer relações imutáveis – entre o desenho
da letra e seu som, entre a grafia do número e seu valor, entre as posições das
letras nas sílabas e sua correspondência fonética...

Antes de poder aprender a ler, escrever e somar, ela precisa apreender


a idéia de que uma coisa pode substituir a outra, como um código. A linguagem é o
melhor exercício nesse campo: as palavras podem representar coisas reais, além de
sentimentos, desejos e idéias. Quando mais liberdade de pensamento ela tiver para
permutar formas e símbolos, confirmar antigas relações e estabelecer novas
relações entre representantes e representados, melhor preparada estará para as
aprendizagens formais, próprias da vida escolar.

As rivalidades entre irmãos são comuns, e estes são menos companhia


do que modelos, como os pais e outros adultos. Os atritos e conflitos fraternos são
experiências importantes para o amadurecimento, assim como os afetos, o
companheirismo e a permanência que os familiares representam. Devem-se evitar
as comparações e as hierarquias exageradas, que angustiam as crianças,
aumentando as discórdias e gerando injustiças. Cada criança é única, e não
somente os filhos não são seus pais em tamanho pequeno como os irmãos mais
velhos também são imaturos, necessitados de amparo para lidar com seus próprios
sentimentos de inveja, ciúme e competição.

Nosso carinho e bom-senso são os principais instrumentos que nos


auxiliarão a compartilhar dessa fase, que é tumultuada, por vezes, mas é também
uma das mais cálidas que a infância pode nos oferecer.
***
Parte 3: Sobre o brincar

1 - Algumas considerações
A criança brinca, e brincar é próprio da infância, embora dela não seja
exclusivo; é brincando que a criança se descontrai e se estrutura para poder suportar
as exigências do dia a dia. A vida da criança não é composta apenas de prazeres,
desde pequeninos estamos expostos a conflitos, frustrações, incompreensões,
exigências difíceis de serem suportadas e solucionadas.

Ao brincar, a criança se relaciona com o mundo material e afetivo,


exteriorizando sentimentos e pensamentos que talvez ainda não tenha condições de
explicitar verbalmente. Nós nascemos com habilidades básicas para expressar os
sentimentos, mas ainda precisaremos desenvolver nossas capacidades de nomeá-
los e falar sobre eles.

Na brincadeira, a criança se coloca de forma objetiva diante de questões


que lhe são subjetivas. Ela aprende assim a olhar sob outro prisma os conflitos e
situações que compõem sua vida, e a vislumbrar soluções que em outras
circunstâncias lhe pareceriam estranhas.
Brincar é um fator de proteção da vida mental, de liberação de
angústias, de aprendizagem de regras, de aprimoramento de relações sociais, de
auto-conhecimento.
Brincando, a criança desenvolve habilidades, desempenha papéis
diversos, que de outra forma talvez não lhe fossem acessíveis.
Nas brincadeiras, a repetição de tarefas e atividades do mundo adulto
estão adaptadas aos desejos, maturidade e emoções infantis. Quanto mais brinca,
melhor a criança se instrumentaliza para fazer face às realidades da vida.

2 - A mente lúdica

O ser humano brinca desde sempre; seja no sentido histórico, seja no


aspecto individual, e tudo pode se tornar brinquedo ou brincadeira, em todas as
idades. Encontramos referências e materiais seculares, que nos indicam que brincar
é uma ocupação do interesse humano. O brinquedo sempre existiu, porque é a
mente lúdica do homem que transforma objetos nos símbolos que lhe dão prazer.

O jogo é uma vereda da brincadeira: nele há desafio, competição e regras.


A vida em grupo necessita de convenções, de normas, para que possa transcorrer
sem muitos conflitos, ou que estes possam ser administrados com relativa facilidade.
Os jogos com regras dão às crianças experiência de convívio, de ganhos, de perdas,
de aprendizagens de estratégias, de tolerância à frustração, de continência de humor
e de desejos.
O impulso lúdico se revela na criança desde pequenina: sua presença é
um dado importante de saúde mental. O bebê brinca com sua sonoridade, com seu
corpo, com o corpo de sua mãe, inicialmente. Gradativamente, vai-se direcionando
para objetos distintos de si, e entra em contato com estes através dos sensórios e da
atividade motora: olha, ouve, cheira, põe na boca, segura com as mãos, toca com os
pés...
Tudo lhe interessa, tudo é examinado com atenção, e há uma enorme
seriedade no brincar. Aliada à atividade física – cheirar, lamber, apertar o brinquedo
– há fantasias sobre o seu uso, a sua origem, suas funções. Não brincar é marco de
doença grave, de inibição. O riso e a brincadeira são próprios da infância saudável, e
o homem é o único animal que ri.

A mente humana é preparada para processar estímulos. A criança precisa


deles, e os recebe através dos sensórios que buscam o mundo - os cinco sentidos -
e dos sensórios e funções que buscam o próprio indivíduo - percepção cenestésica,
sistema neurovegetativo, pensamento introspectivo (isto é, a percepção de si
mesmo, de seus sentimentos, sensações e necessidades, e a capacidade de pensar
sobre eles). O universo infantil necessita de riqueza de materiais, de objetos, de
sonoridades, de cores, de relacionamentos, de espaços a percorrer.

O raciocínio se constrói através da sensorialidade e da motricidade.


Criança que não brinca, não pensa bem. Brincando, aprendemos a formular e testar
hipóteses, a contar o tempo, a esperar e a ter esperança. Descobrimos ainda que
um insucesso não nos faz perdedores, mas pode nos ensinar novas estratégias,
novas habilidades, novos pontos de vista.

3 - A função do brincar
Os mamíferos superiores utilizam-se do brincar como forma de
aprendizagem e treino de tarefas que lhes são importantes na vida adulta.
O gatinho brinca com o novelo de lã: ele não se sabe causador do
movimento pendular, mas supõe uma autonomia voluntária no novelo, interage com
ele, fantasia um camundongo, um inseto. Bate com a pata, mordisca, salta, ataca,
observa. O animalzinho brinca, preparando-se para as tarefas que, adulto, precisará
realizar.
Brinca também o bebê humano: imita, observa, se defende, ataca,
fantasia, teatraliza... Em muitos pontos, o gatinho e a criança pequena se
assemelham.
Mas o gatinho não vai à escola, não cria cultura, não registra sua
história: de infância longa, a criança não esgota no instinto, nem na fantasia
superposta às atividades de imitação, o treinamento para as tarefas adultas, mais
sofisticadas e complexas.
Dadas as suas peculiaridades, a criança humana necessita de muito
tempo para se preparar para a vida, e esse preparo abrange inúmeras áreas:
resolução de necessidades básicas - comer, morar, vestir-se, proteger-se do calor e
do frio excessivos - adequação a parâmetros de relacionamento social,
aprendizagem de conhecimentos e teorias que compõem a cultura de sua época e
sociedade.
A criança humana herda de seus ancestrais a capacidade de raciocínio,
de fantasia, de filosofar sobre a vida e a morte, de criar prazer.
Desde pequenina, ela é envolta nos padrões afetivos e culturais que a
auxiliarão a se situar no mundo, e lhe fornecerão instrumentos e estruturas para dar
conta de seus problemas existenciais.

4 - Percepção, pensamento e ação


A criança é ativa. Ela compreende o mundo, inicialmente, de forma
sensorial e motora. Ela age sobre o mundo, ela o cheira, degusta, vê, tateia, ouve. É
através dos seus sensórios que o mundo se lhe apresenta, ela processa tais
sensações e responde com ação motora.
O exercício físico e a verbalização são veículos privilegiados para a
descarga de tensão, o conhecimento de si próprio e o contato com a realidade.
A criança brinca, e enquanto brinca - como o gatinho - ela exercita seu
corpo, ela se descobre fisicamente, aprendendo a melhor se controlar a fim de obter
o que deseja.
A criança brinca, e enquanto brinca, como os humanos, ela interpreta
um papel, constrói um enredo e um cenário; ela realiza o impossível, substitui o
inaceitável; ela vivencia ao máximo suas paixões e seus medos, contorna o
confronto com as regras; ela alivia sua timidez.
Evoluindo em idade, habilidade e tamanho, a criança se utiliza da
capacidade de pensar para compreender e agir sobre o mundo. Ela organiza um
arquivo sensorial e conceitual: pode agora brincar com abstrações, como a
linguagem (jogos de palavras, pegadinhas, charadas) e jogos de raciocínio.
A criança que não se experimenta concretamente evoluirá com falhas
importantes de personalidade, de cognição, de socialização.
O raciocínio se constrói através da sensorialidade e da motricidade.
Criança que não brinca não pensa bem. Com o brincar, aprendemos a formular e
testar hipóteses. Aprendemos também a esperar e a ter esperança. E ainda
descobrimos que um insucesso não nos faz perdedores, mas pode nos ensinar
novas estratégias, novas habilidades, novos pontos de vista.

5 - Brincar é atemporal
Cada indivíduo pertence a um determinado momento histórico, do qual
recebe influência de objetos, conceitos, instrumentos, valores, ideais.
Nos tempos atuais, por exemplo, a televisão é um instrumento usual
para a comunicação e o lazer. Estímulo sensorial fascinante, com seu movimento e
variação perenes, traz o mundo à sua casa, favorecendo impressões que antes só
seriam possíveis com a presença concreta da pessoa no local do acontecimento.
Caixinha mágica, também hipnotiza e seduz, pregando o espectador no sofá,
alimentando sua inércia, suas fantasias, sua preguiça, suas ilusões.
Mas não é suficiente para preencher as necessidades de informação,
distração e comunicação de uma criança (nem de um adulto). Além disso, inibe a
motricidade, e o excesso de estimulação sensorial perturba a concentração e o
raciocínio. Nenhum instrumento, atividade ou relação, isoladamente, sacia as
necessidades, os desejos e a imaginação.
Os mundos virtuais que hoje preenchem nosso imaginário - televisão,
cinema, videogames - são uma diversão - divertissement, variação - que servem
para nos auxiliar a melhor compreender nosso mundo real, com seus problemas e
possibilidades. São frutos da inteligência humana, da ludicidade tornada material.
O mundo virtual da imaginação (individual) e o mundo virtual da
tecnologia (coletivo) são assessores do indivíduo na construção de seus
instrumentos para resolução dos problemas do mundo real.
Toda criação humana pode ser interessante, fascinante, prazerosa.
Porém, na sua multiplicidade, o homem não se reduz a uma necessidade única. A
tecnologia que nos oferece mundos virtuais não nos dispensa de precisar mexer com
as pernas, usar o raciocínio, metabolizar, transpirar, amar. Não existe amor virtual.
A criança de hoje não é mais inteligente porque manipula brinquedos
eletrônicos, de complexa tecnologia, nem necessáriamente a criança de outrora era
mais sensível porque vivia em maior contato com a natureza.
Integrando as características diversas da criança, o mundo da
brincadeira pode ser aquele do faz de conta - de substituição, onde ela vive papéis
variados - ou um mundo de onipotência, onde ela se protege magicamente das
frustrações e do tédio.
A eletrônica é fantástica: gameboy, video-games, video-cassetes, TV.
Mas quando acontece uma pane de eletricidade, o homem mergulha na escuridão
física.
Esperamos que isso não signifique também uma escuridão humana,
sinônimo de solidão. Porque pensar, sentir, ter acesso ao seu imaginário, às
lembranças e projetos que compõem uma vida, independe da tecnologia.
Nossa noite interior pode ser amistosa ou aterrorizante, consoante as
imagens que estruturamos e que dão suporte à nossa vida. Se temos auto-
confiança, se aprendemos a partir da ação, se definimos relações de confiança com
os nossos semelhantes, estaremos relativamente tranqüilos com relação à nossa
capacidade de solucionar problemas.

6 - Um prazer conhecido e verdadeiro


O prazer de brincar está na própria brincadeira: a criança não é obrigada
a fornecer um resultado ou produto da sua atividade.
As razões e os conteúdos das brincadeiras diferem, consoante o
contexto afetivo, familiar e sócio-cultural, e as diferentes etapas evolutivas do
indivíduo. As motivações que geram as brincadeiras estão calcadas no desejo:
basicamente, no desejo de transformar o mundo, naquilo que este apresenta de
frustrante, e torná-lo em provedor de satisfação.
O ambiente pode seqüestrar a criança do seu prazer de brincar,
impondo-lhe falsos brinquedos, falsos motivos, que gerarão falsos prazeres.
Um falso brinquedo é um objeto que ocupa o espaço lúdico próprio da
criança e que manipula seu prazer de forma perversa, impedindo-a de elaborar seus
conflitos pessoais e de resolver suas inabilidades evolutivas. O jogo compulsivo,
imposto pelos modismos ou pela repressão, é um exemplo disso.
O prazer que não ajuda a evoluir é como um círculo de fogo, que
fascina, aprisiona e queima.

5 - Conclusões
O homo sapiens é lúdico, como a maior parte dos mamíferos.
A inteligência, que o fez destacar-se dos demais, possibilitou-lhe a
construção de instrumentos sofisticados para facilitar suas tarefas, desvendar
relações de causa e efeito, criar e registrar história e cultura.
Homo ludus - o homem que brinca, que usufrui do prazer - brincadeira
da autora com as palavras, seria justamente a característica principal desse Homo
sapiens: a capacidade de brincar, além de fazer parte da sua constituição intrínseca,
seria a chave mestra do seu comportamento.
Liberto (ou órfão?) do domínio estrito do instinto, o prazer da ação
motora, da reflexão e da imaginação seria a referência primeira, capaz de guiar o
homem à conquista, à descoberta, à solução dos problemas específicos à sua
sobrevivência. Na sua gênese latina, o termo Ludens significa tanto “brincar” quanto
“aprender”.
Nos dias atuais, vivemos o paradoxo do máximo de conforto e
tecnologia, que deveria servir "para aliviar a canseira da existência humana"
(Brecht), promovendo portanto um máximo de prazer. Mas, por outro lado, parece
incitar o homem, desde a infância, a viver em desacordo com a sua natureza.
Brincar é uma forma de preparação para a vida, mas esta não é virtual,
e nenhuma vida cabe completa em uma brincadeira. A brincadeira nos prepara,
porém ela não esgota jamais os fatos, nem se esgota nos fatos. É, antes, como uma
fórmula mágica, modificadora, que serve para situações variadas, porque flexibiliza a
mente da criança, instigando-a a articular-se com os contextos complexos
(emocionais, relacionais, sociais, críticos) em que se envolverá forçosamente no
decorrer de sua existência.

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