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ARQUITETUR A

COMO EXTENSÃO
DO SERTÃO
ARQUITETUR A
COMO EXTENSÃO
DO SERTÃO
ARQUITETUR A
COMO EXTENSÃO
DO SERTÃO
CASA DE FAZENDA
SETECENTISTA E OITOCENTISTA
DOS INHAMUNS NO CEARÁ

ADELAIDE GONÇALVES

CLÓVIS RAMIRO JUCÁ NETO

Fortaleza, 2019
NOTA PRÉVIA NOTA PRÉVIA

DOS AUTORES DAS ORGANIZADORAS

A publicação que ora chega às mãos dos leitores confirma a potência do Esse livro tem uma composição de textos ou seções que, ligados, apresentam
trabalho acadêmico realizado de forma coletiva e albergando as necessárias ao leitor a possibilidade de vislumbrar uma arquitetura do sertão. Arquitetura
contribuições dos estudos pioneiros sobre a matéria aqui apresentada. Neste plural que fere a visão monocórdia de um único sertão. Para um sertão nada
caso, agradecemos a valiosa contribuição no trabalho de campo dos estudan- fastioso e sim intrigante e desafiador como a vida, há que serem múltiplas
tes dos cursos de Arquitetura e História da UFC – Priscylla Nóbrega, Rafaela as formas como o homem se interpõem no espaço.
Costa, Avilla Queiroz e Janaina Muniz; assim como, as leituras orientadas pelo O texto de abertura, escrito pelo professor Roberto Castelo (Faculdade
saber dos professores José Liberal de Castro e Roberto Castelo e, mediadas, de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará) disserta sobre a casa de
pela leitura prévia do trabalho pioneiro de Maria do Carmo Bezerra. fazenda do sertão dos Inhamuns. De forma lírica, com um roteiro milimétrico,
No plano institucional, a pesquisa logrou êxito graças ao providencial apoio o autor nos faz adentrar nessa casa que congrega “a unidade das vias e
da Prefeitura Municipal de Tauá, a Reitoria e a Pró-Reitoria de Extensão da das relações familiares”, e estabelece um grau de intimidade entre o leitor
Universidade Federal do Ceará e a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura. e o objeto que será tratado ao longo do livro.
Os incontáveis deslocamentos à Região dos Inhamuns começaram Com o texto seguinte, de Adelaide Maria Gonçalves Pereira (professora
sempre em Tauá; quando contamos com a generosa acolhida de Vilanir do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará), saímos do
Gonçalves, a segura orientação pelos caminhos em direção as casas de interior da casa. Andamos pelos Inhamuns e retornamos às construções
fazenda de Chichica Gonçalves, o acesso aos acervos documentais do edificadas. Num diálogo com historiadores, a autora nos insere no modo de
Museu dos Inhamuns e da Paróquia de Tauá, por meio de Salete Vale e do construir e pensar a casa de fazenda. Remete-nos aos relatos dos viajantes e
padre Maurizio Cremaschi. faz a ponte para a pesquisa do professor Clóvis Ramiro Jucá Neto (Faculdade
Uma última palavra de merecido louvor ao programa editorial da Fun- de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará) que virá a seguir.
dação Waldemar Alcântara, cuja demonstração de espírito público traz O trabalho de Jucá nos assegura o privilégio de desfrutar de um conhe-
as bibliotecas e acervos públicos do Ceará uma notável contribuição aos cimento denso, resultado tanto de uma pesquisa teórica como de visitas
estudantes, pesquisadores e à sociedade. Neste sentido, o empenho de aos locais das casas — tipologias da arquitetura estudada. Jucá apresenta
Dr. Lúcio Alcântara tem dado à estampa significativas obras que con- várias arquiteturas representativas das casas de fazendas. Todas elas são
tribuem decisivamente ao processo de guarda e preservação de nossa costuradas pelo sentido da simplicidade, modo de fazer o objeto diretamente
memória social coletiva. associado à mão-de-obra pouco especializada da pecuária. Eis aqui o argu-
A todos que tornaram possível a realização de nossa pesquisa e a edição mento a ser desenvolvido pelo autor que não se atém a querer formatar
do livro, registramos nosso agradecimento. uma única arquitetura representativa do sertão.
Por fim, temos a expectativa, que o leitor, como todos nós envolvidos
no processo de produção desse livro, tenha prazer, ao tê-lo em mãos, em
conhecer mais sobre o Ceará.
SUMÁRIO
Estante Ceará, 11
Lucio Alcântara

A Casa, 12
Roberto Martins Castelo

Uma história aos retalhos e um tempo em ruínas, 16


Adelaide Gonçalves

1 CASA DE FAZENDA SETECENTISTA E


OITOCENTISTA DOS INHAMUNS NO CEARÁ, 59
Clóvis Ramiro Jucá Neto

Arquitetura da casa de fazenda do Ceará, 60


A casa de fazenda dos Inhamuns Século XVIII e XIX, 108
Arquitetura como extensão dos sertões, 146

2 O DESENHO E A IMAGEM
DA CASA DE FAZENDA, 153
Clóvis Ramiro Jucá Neto

Casa de Fazenda Umbuzeiro, 154


Casa de Fazenda Arraial, 162
Casa de Fazenda Belmonte, 168
Casa de Fazenda Carnaúba de Baixo, 178
Casa de Fazenda Carnaúba de Cima, 182
Casa de Fazenda Estreito, 188
Casa de Fazenda Monte Carmo, 196

Referências Bibliográficas, 208

Os Autores, 212
10 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO 11

ESTANTE CEARÁ
LUCIO ALCÂNTARA
Membro instituidor da Fundação Waldemar Alcântara

O
O programa editorial da Fundação Waldemar Alcântara
tem se consolidado ao longo de mais de duas déca-
das como uma insistência em dar-se a conhecer o
Ceará. Constitui parte desse trabalho a reedição de
livros em formato fac-similar de obras esgotadas que
xão que se sucede, expressar e divulgar um pensamento
que enseje mais dinamismo sobre a realidade. Estamos
falando aqui de produção de saberes, de educação, de
ensino, de pensamento crítico, de formulação de teo-
rias e mudanças de visões, por vezes estagnadas. Aos
subsidiam pesquisas sobre a terra e o povo cearense, autores e professores agradecemos a disponibilidade e
suas origens, seu jeito de lidar com o cotidiano, sua cooperação no decorrer do trabalho de edição.
literatura, sua forma de ser, enfim. Agora, ampliamos Não podemos ainda deixar de citar o Ministério da
ainda mais esse programa, ao publicarmos dois livros Cultura e nossos interlocutores para que o projeto fosse
inéditos, frutos de estudos aprofundados e pesquisas viabilizado: o departamento de livro, leitura e biblioteca.
e que, por sua vez, também subsidiarão outros estudos, Fazer livros requer paciência e por vezes obstinação
frutificando ideias e tornando possível um pensamento posto que o trabalho se constrói e reconstrói inúmeras
crítico sobre nossa gente. vezes. Mas isso faz parte do que queremos oferecer ao
Os livros Arquitetura como Extensão do Sertão de público que deseja saber mais de si mesmo, uma espécie
Clóvis Ramiro Jucá Neto e Adelaide Maria Gonçalves de retrato e documentário em constante movimento.
Pereira e Fortaleza em Perspectiva Histórica, de Mar- Como um dos que idealizaram a Fundação Waldemar
garida Julia Farias de Salles Andrade que compõem o Alcântara e que atua constantemente para mantê-la
projeto Estante Ceará, todos professores e pesquisa- ativa nesse propósito de construção de uma memó-
dores da Universidade Federal do Ceará, reúnem um ria do Ceará e dos cearenses, me congratulo com o
cabedal de conhecimento fruto de estudos profícuos leitor e espero que nossa contribuição à cultura ins-
e continuados que atestam o quanto é fundamental o pire outros projetos na área. Nós certamente não
debruçar-se sobre o objeto de estudo e, a partir da refle- vamos parar por aqui.
12 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA 13

A CASA
ROBERTO MARTINS CASTELO

“El interés del hombre por el espacio tiene raíces torno de si a unidade das vias e das relações familiares No princípio, junto à casa, ergue-se o curral. A face “De couro era a porta das cabanas, o rude leito
existenciales: deriva de una necesidad de adquirir – o nascimento e a morte, a resistência e a ruína. do cercado, feito de pedra ou mourões, é a própria conti- aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para
relaciones vitales en el ambiente que le rodea Em seu desdobrar, a casa já é, em si, um lugar. No nuação da casa. O seu acesso é marcado por um portão os partos; de couro todas as cordas, a borracha
para aportar sentido y orden a um mundo de interior, ela aconchega e protege. As paredes de adobe e o tratamento que recebe evidencia a importância que para carregar água, o mocó ou alforje para levar
acontecimientos y acciones”. que ladeiam o interno amenizam a inclemência do sol. lhe confere o mundo. comida, a maca para guardar roupa, a mochila para
Feitas de adobe, uma mistura de argila e água, areia e A casa não admite adorno, é seca e escassa, como milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as
Norgerg-Schulz esterco fresco de gado, torna-se o chão que continua. a vida. Germina do que jejua. Integra-se à luta pela exis- bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa para
Durante o dia, protege os espaços internos do calor, tência em um cotidiano inóspito. Por isso, sua arquitetura entrar no mato, os banguês para curtume ou para
aquecendo-se lentamente. À noite, ao perder o calor, guarda o esforço físico no rigor de cada gesto constru- apurar o sal; para os açudes, o material de aterro era

A
inverte o sentido e aquece os cômodos. Essas grossas tivo, como se cada um deles fosse o próprio corte das levado em couros puxados por juntas de bois que
A casa repousa sobre o chão dos Inhamuns. Funda o paredes que delimitam o interior são, antes de tudo, lâminas: nada em excesso, todos simplesmente exatos. calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se
lugar da existência, dotando-o de concretude e sentido. proteção contra a investida dos aventureiros ou contra No interior da casa as paredes que dividem o espaço o tabaco para o nariz”.1
Subverte o espaço antes amorfo e abstrato. O espaço a resistência dos índios. não alcançam o telhado. Servem de suporte aos pontaletes
diante do qual não existe desvio possível, senão retrai- No princípio, o estrangeiro ficava à margem. Mais sobre os quais incidem as cargas do telhado. O vão torna-se Essa casa pertence ao sertão e não existe fora dele.
mento ou angústia. Ao descansar em si, isolada de tudo, tarde, surge o alpendre para aproximá-lo da casa. propício ao fluxo do vento que areja os espaços internos. A Permanece obra como obra. Fora do sertão ela não tem
a casa mostra ao sertão o quanto ele é vasto. À mercê Antes, dormia ao relento, a rede ao abrigo das árvo- uma altura conveniente do chão, a coberta liberta o corpo sentido. A sua essência nele está. Trata-se de uma con-
do sol, ela evidencia a claridade do dia, a imensidão do res. O alpendre tanto o aproxima quanto o detém. da incidência do calor que se vai acumulando no plano mais dição originária: o sertão é o seu espaço essencial. Está
céu e a ausência das nuvens, o pôr do sol e as trevas da É o “fora-dentro” da casa, portanto, não a integra. elevado da coberta e se escoa por entre o vazio das telhas sujeita à dissolução de seu mundo e de seu estar-em-si-
noite. Em sua integridade, torna visível o curso do rio, a Somente quando o pastoreio cede espaço à agricul- toscas, todas elas feitas à mão, denunciando a irregulari- -mesma como obra. Fora dele, a sua ruína é irreversível.
vegetação da caatinga e o gado entregue à própria sorte. tura, os alpendres terão a serventia alagada no trato dade do seu assentamento. Pelas frestas por onde sai o A obra e o mundo por ela gerado são inalienáveis. A casa
É a casa que inaugura o mundo à sua volta, concedendo do proprietário com os que cultivam a terra. Então, vento quente, dá curso certa luminosidade, que se distribui encravada no sertão não remete a nada fora dela. É o
às coisas a própria face e ao vaqueiro a vista de si mesmo. só então, as paredes da casa se afinam e o alpendre aleatoriamente pelo chão de tijolo ou de terra-batida. Tudo início em si mesmo. Ela e a figura do vaqueiro dão corpo
Estabelece limites e, a um só tempo, inclui e exclui. Por passa a integrá-la. Dele se avista o horizonte e nele implica uma intimidade diversa que torna audível qualquer e lugar ao acontecer do sagrado.
sua vez, é o sertão inóspito que mostra a casa como se descansa. São como longos beirais que se apoiam ruído ou conversa. Certa moral em que se compartilha o
coisa do homem, aquilo que, de fato, ela é. Traz à luz a sua nas paredes laterais. É dele que emanam as ordens; é cheiro que emana do fogão, a alegria e a dor. Pois, é pelo
materialidade rude e lhe concede a condição de obra de dele que se observa e se vigia. A defesa ostensiva do desvão que os espaços se comunicam.
arte. A casa com seus espaços de dentro: o aconchego pastoreio cede lugar às tratativas mais frequentes,
dos cômodos, a escuridão das camarinhas. Ajusta em menos rudes e mais sofisticadas do campo. 1 ABREU, Capistrano. Capítulos de história colonial – 1500-1800. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha, 2000, p.153
CASA DE FAZ E NDA SE T EC E NT I STA E OI TO C E NT I STA DO S I NHAM U NS NO C E AR Á, 5 9
16 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 17

UMA HISTÓRIA AOS RETALHOS FIGURA 01Quinamuiú.


Aquarela Reis Carvalho.

E UM TEMPO EM RUÍNAS Fonte: Carvalho, 2016.

ADELAIDE GONÇALVES

A
Começo esta escrita recolhendo em Joaquim Pimenta
uma Memória desde os tempos de sua meninice em
Tauá, uma reconstituição do que viu e ouviu contar se
transmutando em história. Uma meninice vivida na vasti-
dão dos taboleiros e na beira do rio, pescando curimatã,
causos, gentes e bichos, secas e chuva com trovoadas,
rios e serrotes, padres e sacristias... Uma linhagem invul-
gar se encontra em sua Memória aos Retalhos, escapando
ao laudatório das famílias e dos homens de bens, para
fixar uma genealogia sangrenta. O direito, a lei? Era o
traíra, piau e corró; de anzol, tarrafa ou landuá, caçando bacamarte que quase sempre ditava sentença. Cenas de
enxu e outras abelhas de nome bonito: capuxu, jati, jan- ruidosas e insolentes bebedeiras, coronéis desabusados,
daíra, tubiba e enxui. De suas andanças pelo sertão, salta homens de punhal à cinta, mais barulhentos nos dias de
uma geografia dos taboleiros salpicados de chique-chi- feira, dias de carraspana e impropérios. Demonstrações FIGURA 02 Memória em papel.
que, mandacaru, coroa-de-frade, palmatória, gameleira, de força e brutalidade que transbordam dos fatos para Fotos de família na parede da
e caroatá. E tudo “esturricado por um sol de fogo”. A nomear os lugares no sertão dos Inhamuns – Pendência, sala principal. Casa de Fazenda
paisagem e as plantas, elas também agressivas e resis- Arraial, Batalha, Tropas, Emboscadas, Riacho do Sangue, São Miguel. Foto: Clovis Jucá.

tentes. Aroeiras, angicos, pau d’arcos, braúnas, oiticicas Trincheiras, Cruzes, Saco de Balas... Uma cartografia
são “sentinelas perdidas nos campos descalvados”. Um que parece perguntar “E, agora, quem é que vamos
sertão de muitos vultos e sons. Graúnas, sabiás, juritis, vingar?” (Figura 02) .
nambus, anuns, canários, periquitos, raposas, guaxi- Uma história do bacamarte e da oração forte para
nins, caetetús, teús. fechar o corpo, pois no traçado da política do lugar, do
Na paisagem social encontramos meninos com feitio mundão das terras dos fazendeiros, é o mando quem
de gente grande e desde cedo experimentando a labuta manda. A vida no lugar é lenta e longa as distâncias. Tudo
do roçado, do plantio do milho, do feijão, da melancia, do medido em léguas. Como as terras desde os tempos das
jerimum, tangendo o gado e ajudando a tirar o leite. Uma sesmarias. O ritmo lento só se alterava no “sábado, de
geografia da meninice ou de como, em um mundo tão feira e domingo, dia de missa”. O dia de missa é dia de
vasto, é grande o Trici, o rio de sua terra, e alto o Qui- feira, de festa, de roupa nova, e mais: “Cachaças, baralhos,
namuiú (figura 01) e as outras Serras: da Joaninha, das mulheres, velhas pendências em ajuste de contas”. “Malas,
Guaribas, dos Bastiões, de São Joaquim, São Domingos, surrões, arreios, chapéus de couro, facas, reluzentes e
São Bernardo, Marroás. afiadas, por entre garruchas e rifles fumegantes”.
São pedaços de tempo, lugares, nomes, geografias, Em Retalhos do Passado, com Joaquim Pimenta, vis-
18 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 19

lumbramos um tanto da história de Marrecas (Figura 03),


Marruás, Flores (Figura 04) e Cococi (Figura 05 e 06). Flores
é cenário lembrado dos dias de missa e “famosa, pelos seus
distúrbios. Não havia festa da Igreja que não acabasse em
sangue”. De Marruás uma linda recordação; naqueles con-
fins, viu e ouviu pela primeira vez uma caixinha de música
e os sons de Rigoleto e do Danúbio Azul. A caixinha era
de um chefe do lugar que fizera fortuna no “inferno verde”
da Amazônia. Ainda bem que o dinheiro do homem tivera
alguma serventia. Marrecas, uma penúria, com a Igreja em
ruínas. Cococi, um grande e próspero domínio dos Feito-
sas. Para Joaquim Pimenta, o lugar estava a merecer “uma
interessante página de sociologia sertaneja”. Argumento
do Poder Patriarcal havia para estudo. Bastava observar
os costumes dos Noronhas e já se via um mundo muito
particular. “Isolados na sua fazenda, só apareciam nos
grandes dias de festa religiosa, em mangote, vestidos de
jaquetão, calças de casimira, justíssimas, colete de veludo
com botões de ouro. Essa indumentária era uma tradição,
uma herança, que passava de pais a filhos; e, se alguma vez FIGURA 03 [ACIMA] Figura
03 - Igreja de Jesus, Maria e
se renovava, o corte teria que ser rigorosamente dentro
José – Marrecas / Tauá.
do velho molde patriarcal”. (PIMENTA, 2009).
Sobre este velho molde patriarcal, a narrativa de Ner- FIGURA 04 [PÁG. AO LADO]Figura
04 – Igreja de Nossa Senhora
tan Macedo recupera os principais nomes das famílias
do Carmo – Flores / Tauá
do sertão dos Inhamuns, para sublinhar um mundo de
sangue e arbítrio, quando chefes de clãs, latifundiários,
senhores de imensas regiões

“com seus crimes e suas grandezas, seus gestos


largos e apertados pecados, sua vontade de potên-
cia, e seu desgoverno de ações atrabiliárias, Montes,
Feitosas, Mourões, Melos, Bezerras, Chaves, Gade-
lhas, todos eles e muitos outros refletem um mundo
de sangue e arbítrio, poder e crime, um mundo que
o tempo comeu e dissolveu, (...)”. (MACEDO, 1966).
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FIGURAS 05 E 06 Igreja de Nossa


Senhora do Rosário - Cococi.
Inhamuns.
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Cabe ao pesquisador de hoje, indagar sobre as perma- deste trabalho terá a oportunidade de observar das
nências e mudanças na história, posto que parece que nem imagens recolhidas por Clovis Jucá, o esforço para fixar
tudo terá sido dissolvido pela ação corrosiva do tempo. por entre as ruinas a espessura das paredes das casas
Para pensar este mundo do sertão, das lonjuras e dos currais como evidencia material do poder dos
dos Inhamuns e das léguas de terra em disputa, do senhores das terras (figura 07 e 08).
bacamarte ditando a sentença, apresentamos aqui um Aqui é de relevo enfatizar a assertiva preci(o)sa do
cenário em tintas fortes por entre as ruínas de Casas historiador Nicolau Sevcenko em seu arguto estudo
de Fazenda quais fortalezas antigas lá onde “o cão per- sobre os latifúndios autárquicos, para compreender-
deu as botas”. O Cenário da ação, o Palco das grandes mos o lugar da Casa Senhorial neste mundo que se
pugnas, o Chão estorricado, a Terra onde as matas fazia auto-suficiente:
viram cercas, as Ruínas de construções feitas de pedra
e ambição comparecem aqui trazidas de quem sabe a “A atividade predominante da colônia, a mono-
linguagem épica do teatro: cultura de produtos tropicais para a exportação,
sobretudo a cana-de-açúcar, também não favorecia
“Palco de antigas guerras de ocupação, cavaleiros assentamentos urbanos. As unidades produtoras,
encourados, disputas de territórios, onde o gado fazendas e engenhos, constituíam imensos latifún-
era a moeda e o trabuco o argumento. Chão de dios autárquicos, concentrando toda a população
lendárias sinhazinhas, paixões ardentes e trágicos trabalhadora e atividades acessórias, além da casa
desafios. Terra de lonjuras e devastações, onde o senhorial, da capela, da milícia armada e de rebanhos
vento queima com seu hálito grosso as folhas dos de animais, de forma a compor um mundo indepen-
FIGURA 07 Figura 07. Casa em
arbustos, as matas transformam-se em cercas, que dente e auto-suficiente”. ruinas na cidade de Cococi.
aprisionam a paisagem, e o cão perde as botas, entre Século XIX. Município de
os espinhos das veredas. Por suas planícies, serras e Nicolau Sevcenko nos apresenta a moldura material Parambú. Foto: Clovis Jucá.
tabuleiros, espalham-se ruínas de fortalezas antigas, e simbólica daquela realidade dos imensos latifúndios
feitas de pedra e ambição, que ocultam entre os autárquicos, “feita de uma multiplicidade de instâncias
lajedos, fechados de garrancheira. Ao lado, casas de autônomas entre si tanto quanto em relação ao poder
longos alpendres, levantam - se, feito armaduras, central”, e nos convida a ler a palavra inspirada e aguda de
contra o sol, que atravessa com flechas de luz suas Frei Vicente do Salvador que tão bem sintetiza em metá-
paredes dobradas, enfiando-se pelas frestas dos fora a Casa Senhorial nesta história contada em séculos:
telhados e das janelas”. (BARROSO, 2006). “nessa terra andam as coisas trocadas, por que toda ela
não é República, sendo-o cada Casa”. (SEVCENKO, 2000).
A força destas palavras abriu nossa sensibilidade de A transcrição seguinte, de um Registro de Terras da
pesquisadores, para sublinhar nossa percepção ante as Freguesia de Arneiroz é evidência e expressão do vasto
ruínas de casas como fortalezas antigas, indiciando um domínio da terra quando uma aroeira seca e na ponta
tempo pontilhado pela disputa de territórios. O leitor um massapê vira recurso do que não se podia medir:
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FIGURA 08 Figura 08. Casa em
ruinas na cidade de Cococi.
Século XIX. Município de
Parambú. Foto: Clovis Jucá.
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“Uma légua e meia de terra, ou o que na verdade se ”a maioria furava de Tauá, diretamente para o Piauí. com cobertas quase sempre de palha, tetos baixos e compreender os sentidos da Casa Brasileira – de sítio,
achar, no sítio Jardim, da parte do poente, com os Outros tomavam novos rumos, de Tauá para Crateús pouca inclinação, portas e janelas insuficientes para a da chácara, de engenho, de fazenda, entre outras. Em
fundos que se acharem, extremando com terras dos e daí seguiam galgando a Ibiapaba para o Campo entrada de luz e ventilação”. (GIRÃO, 1994). Gilberto Freyre, encontramos uma apreciação sobre os
fundos da Fazenda Arraial compreendendo a situa- Maior, banhado pelo Rio Surubim ou dos cearenses Em Capistrano de Abreu, encontramos a afirmação tipos distintos de habitação rural:
ção do Angico, o Sacco e o Veado da outra parte Arneirós e Cococi, alcançando Valença do Piauí ou aguda das mudanças que se estão operando na virada
do rio pelo poente, extremando no comprimento no em diagonal para Picos (...)”. (Apud FREITAS, 1972). para o oitocentos quando a perspectiva absenteísta “Enquanto a casa do sítio – a chácara, como se
lugar denominado Vertente em uma aroeira secca do fazendeiro se vai alterando em favor da permanên- diz na Bahia para o sul – marcou a transição do
que tem na ponta d’um maçapê pelo rio abaixo até A historiadora Valdelice Girão, também partindo dos cia na Fazenda de criação e pastoreio. É quando se vai tipo rural de habitações nobres, para o urbano,
a barra do Puiú e com todas as suas benfeitorias” estudos de Câmara Cascudo sobre as casas-grandes encontrar no lugar ermo a Casa senhorial, a presença três tipos distintos de casa e um só verdadeiro:
(Apud CHANDLER, 1980). fazendeiras, observa que tais exemplares referidos pelo da família, o argumento simbólico e as marcas de sua fé, a casa patriarcal brasileira com senzala, oratório,
autor “não foram muito freqüentes no Sertão do Ceará”. uma sorte de benfeitorias, os artefatos da vida de todo camarinha, cozinha que nem a de convento como o
Esta desmesura do território é compreendida desde Com acerto a historiadora observa que na região da o dia, os instrumentos de provisão material – os teares, de Alcobaça, chiqueiro, cocheira, estrebaria, horta,
a história da ocupação colonial do Siará Grande, tempo pecuária as casas de fazenda “nunca tiveram o alto valor as bolandeiras, as engenhocas e tudo o mais movido, jardim (...)”. (FREIRE, 1996).
permeado pelos grandes confrontos, que adquiriram os engenhos, as fazendas e os sítios de quase sempre, pelo braço escravo.
cana”, mas localiza com argúcia, inclusive as razões de O estudo de Carlos Lemos (1996) nos instiga a pen-
“por meio do combate aos indígenas e da conces- articulação entre o sertão da pecuária e os interesses “Desvanecidos os terrores da viagem ao sertão, sar a historicidade da Casa rural face ao significado da
são das sesmarias para a atividade pastoril como econômicos da região da cana de açúcar, para divi- alguns homens mais resolutos levaram família identificação das influencias diversas no tempo, pois se
pagamento aos serviços prestados na guerra contra sar na paisagem social para as fazendas, temporária ou definitivamente é fato que uma genealogia vai encontrar seus começos
os gentios. Foi nas duas ultimas décadas do século e as condições de vida melhoraram; casas sólidas, nas terras lusitanas, é preciso perceber “seus vínculos
XXVII e na primeira metade do século XXVIII que “aqui e ali, perdidas na imensidão das caatingas, (...) espaçosas, de alpendre hospitaleiro, currais de com a oca indígena e até perceptíveis compromissos
o processo de doação de terras intensificou-se casas enormes, baixas, de paredes grossíssimas e mourão por cima dos quais se podia passear, bolan- com a África e com o Oriente, com a Índia, nas tentati-
na capitania, e quando, também, aconteceram os madeirame pesado – verdadeiras casas fortes – para deiras para o preparo da farinha, teares modestos vas de contornar os incômodos do calor abrasador. Só
maiores confrontos na conhecida guerra dos bár- atender as exigências de estabilidade e da segu- para o fabrico de redes ou pano grosseiro, açudes, o negro escravo não contribuiu na definição da casa
baros. A distribuição das sesmarias do Siará grande rança dos antigos donos de engenho que situavam engenhocas para preparar a rapadura, capelas nacional, embora tenha sido figura indispensável ao
seguiu os caminhos dos principais rios: Jaguaribe, fazendas de criar nos sertões, com a finalidade de e até capelães, cavalos de estimação, negros seu funcionamento”.
Banabuiú, Salgado, etc. Feitas as concessões nas satisfazer os seus interesses comerciais na zona africanos, não como fator econômico, mas como Para entender o cotidiano da Casa e de seus ele-
margens desses rios, passaram-se às doações nos açucareira”. (GIRÃO, 1994). elemento de magnificência e fausto, apresenta- mentos acessórios é necessário que a imaginação
seus afluentes” (SILVA, 2010). ram-se gradualmente como sinais de abastança”. histórica não se contente em contabilizar os apetrechos
Nesta paisagem social oitocentista a historiadora (ABREU, 1998). nomeados nos inventários post mortem ou as descrições
Para o caso do sertão dos Inhamuns a observação sensível ao plano do tempo fixando hierarquias, observa e desenhos da mão e do olho comparativo (etnocên-
de Câmara Cascudo sobre as sesmarias para os fins do o pontilhado dos casebres dos “outros habitantes”, Partindo desta descrição da lavra de Capistrano trico e eurocêntrico) do viajante europeu, para situar
século XVIII em diante, situa o pastoreio e localiza Tauá diríamos os trabalhadores e sua prole, com sua vida de Abreu, convidamos nosso leitor a uma viagem por adequadamente a presença do trabalho escravo, pés
como área de convergência dos caminhos e distribui- precária e de insuficiências materiais: “Ao longo dos dentro deste livro no intento de conhecer um tanto e mãos dos senhores, como dirá Antonil. Os estudos
ção de rotas do gado; vaqueiros e tangerinos à frente. latifúndios, a distancias irregulares, ficavam os casebres mais uma história das Casas de Fazenda dos Sertões de Carlos Lemos sobre a nossa velha casa patriarcal
Naquele tempo de “muito valia a nossa vida de pastorício”, dos outros habitantes. Cabanas de taipa, de chão batido, dos Inhamuns. Variados são os estudos que intentam observam que tal história
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“não pode ser imaginada sem a presença do escravo aldeias - verdadeiros centros de atração cuja força ao estudo de Nathália Diniz, Um sertão entre tantos dos donos do lugar em suas casas de fazenda pois “As
solícito - é difícil imaginarmos uma servidão pressu- centrípeta que faz convergir a atenção de todos para outros, considera que a pluralidade formal e construtiva vilas permaneciam desertas a maior parte do ano, as
rosa, mas assim foi intramuros - subindo e descendo a igreja local, para os pequenos estabelecimentos nas casas de fazenda dos sertões do nordeste, “revela a casas fechadas; só residiam ali o vigário, as autoridades
escadas, carregando sacos de lixo, feixes de lenha, comerciais e para as escolas. Tudo converge para diversidade social e o processo de ocupação não linear e alguns negociantes. Os donos das casas com suas
potes de água, tigres plenos de fezes dos sinho- a aldeia”. (LEMOS, 1996). de paisagens amplas, fragmentadas e heterogêneas. famílias residiam nas suas fazendas”. Com aguda ironia
zinhos e nhanhás mandonas; subindo e descendo Amplas porque se trata de um vasto sertão, envolvendo Capanema e Gabaglia comentam sobre o (não) ornato e
pesadas janelas de guilhotina; abanando e afastando Tal ponderação acerca de evidentes diferenças entre a distâncias colossais, entraves geográficos inimagináveis aformoseamento (um dos requisitos de algum suposto
as moscas do patriarca à mesa, esfregando areia casa rural em Portugal e no Brasil mobiliza o argumento de aos olhos estrangeiros”. (BUENO, 2015). requinte). Eis um indício preciso donde se começa uma
molhada nos assoalhos sempre limpos; fazendo Carlos Lemos pressupondo a adoção de modelos de casas Neste ponto, e já entendendo a fixação dos fazen- ‘história da destruição’ do ambiente.
comida, fazendo velas, fazendo sabão de cinzas”. rurais brasileiras como oriundos da arquitetura vernácula deiros em seus domínios, importa aqui a observação de
portuguesa, consoante à adaptação às condições locais Nestor Goulart Reis Filho, para compreender o tipo de “Em clima quente como o da província se nota que o
Desta presença do braço escravo de homens e construção mais comum na área rural da Capitania do primeiro ornato ou aformoseamento que os mora-
mulheres – abanando, esfregando, limpando, plantando “e essa adaptação certamente variaria de critérios Ceará. Para Goulart Reis “Apesar da grande dimensão, dores do campo procuram dar as suas habitações
a roça, cozinhando, fiando, fabricando rapadura - e por segundo o pensamento de seu usuário e conforme eram casas sóbrias, com cobertura de telha em duas é isolar completamente as casas de tudo quanto é
vezes invisível em certos estudos, Carlos Lemos ativa a mão-de-obra disponível trabalhando os materiais águas, vastos alpendres e paredes também grossas, arvoredo: julgar-se-ia que, receosos de perder os
nossa consciência histórica recorrendo ao certeiro juízo oferecidos pelo meio. Em contrapartida, também levantadas com madeira, pedra e tijolo da própria primeiros e últimos raios crepusculares, buscam
de Lúcio Costa: “O negro [escravo] foi elevador, guin- seria possível a admissão de exemplares desconhe- fazenda. As instalações modestas dessas fazendas e a derrubar os obstáculos que a vegetação oferece, e,
daste, esgoto e ventilador”. (Apud LEMOS, 1996). cidos introduzidos por agentes alheios ao mundo indumentária simples de seus moradores não apresen- não só arrancam os arbustos e destocam o terreno
Retomando o fio da narrativa acerca das matrizes do português. Disso resulta a falta de uniformidade tavam nenhum conforto e requinte”. (REIS FILHO, 1978). contíguo à casa de vivenda, como levam a destruição
vernáculo lusitano, é ainda em Carlos Lemos uma defi- no quadro arquitetônico relativo às propriedades O estudo de Chandler para o sertão dos Inhamuns até bem longe”. (CAPANEMA, 2006).
nição acerca das diferenças sensíveis entre os modos rurais”. (LEMOS, 1996). também indicia os modos de morar na fazenda e assinala
de habitar em Portugal e na casa rural brasileira. Para o a ausência de conforto. Ora, se destocar, cortar as árvores e limpar o ter-
autor, é preciso destacar que se “o centro de interesse Neste sentido, e partindo de outro mirante de apre- reno mais elevado e ao longe para estabelecer a casa
da casa portuguesa é o fogão, é o centro irradiador de ciação, a sociologia em Djacir Menezes observa o que “Havia pouco conforto na fazenda. O patrão morava é o padrão, os estudos por nós examinados asseveram
calor”, no Brasil tal não é o fato assinalável. Assim como, considera “multiplicidade de causas” na composição da na casa grande que era geralmente baixa, sem muita que a escolha do local onde se vai levantar a Casa de
bem vistas as coisas, em Portugal, face à casa de pedra “variedade do tipo de habitação”. Para o autor, é preciso estética e construída em local elevado. Até perto de morada do fazendeiro e sua família, em primeiro lugar
do camponês de Trás-os-Montes ou do saloio do Algarve situar a habitação do Nordeste, e no Ceará, enquanto 1930 as casas eram feitas de taipa. Depois come- identifica a existência próxima da água. O estudo de
expressão não apenas da “técnica do homem criador do çaram a usar tijolos rústicos feitos no local e, por Caldeira para a zona baiana do cacau observa inclusive
“praticamente nunca existiu uma casa rural como ambiente cultural”. A estes condicionalismos de ordem fim, cobriam as suas casas com telhas ao invés de que “Nas zonas sujeitas a inundações, procura-se, tanto
a brasileira, isto é, uma residência absolutamente sociohistórica é preciso ter em devida conta “a expansão palha”. (CHANDLER, 1980). quanto o permite a topografia, construir a casa em local
isolada num latifúndio, às vezes distante léguas de econômica, a técnica de exploração da terra, as relações suficientemente elevado, de maneira a preservá-la da
outra morada ou de uma cidade ou vila. Em Portugal, sociais do trabalho, as diferentes camadas sociais no Ora, se o conforto e o requinte não participam cen- ação das enchentes, sem contudo afastá-la bastante do
os minifúndios são decorrentes de partilhas das grau de diferenciação das classes economicamente tralmente da empreitada de então no fazer da Casa, outro rio ou córrego”. Quanto à localização (num descampado,
propriedades que se perdem no tempo e, de um ativas”. (MENEZES, 1995). A anotação arguta de Bea- ponto a destacar no tempo, diz respeito aos registros num elevado) da sede da fazenda, o estudo referido
modo ou outro, agrupam-se em volta de pequenas triz Bueno em Cotidiano curtido no tempo, Prefácio de Capanema e Raja Gabaglia, confirmando a presença aponta que “além de imprimir à paisagem uma nota
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hierárquica, tem a vantagem de permitir ao fazendeiro


ou seu administrador uma visão de conjunto e quiçá
a fiscalização, mesmo um pouco à distancia, daquele
pequeno mundo”. O estudo em tela, aponta ainda os
modos de construção nas propriedades de pequeno
tipo, quando a casa de residência é construída,

“via de regra, de pau-a-pique. Esteios, traves, caibros


e demais peças são de pau roliço, simplesmente
descortiçado. As paredes têm como ossatura varas
dispostas em pequenos quadriláteros, ou hastes de
taquara, em forma de traçado, amarradas, umas e
outras, de cipó. A casa, geralmente de duas águas,
é coberta de telha vã. As dependências, sumaríssi-
mas, limitam-se no comum, a sala, quarto e cozinha.
Excepcionalmente, quando a família é mais numerosa,
existem dois quartos. Não há banheiro nem latrina. O
rio e o mato atendem, a seu modo, a estas duas exi-
gências da civilização”. (CALDEIRA, 1954). (Figura 09).

Relatos do século XIX, entretanto anotam o uso


FIGURA 09 [ACIMA] Figura 09.
comum na construção, de várias espécies de palmeira, Madeiramento de coberta
com destaque à carnaúba, tido na Corografia Brasílica, aparente. Sistema de caibros
de Aires Casal como e ripas em madeira roliça.
Casa de Fazenda São Miguel.
Século XIX. Município de
“o vegetal mais comum e útil deste país: pode fazer- Tauá. Foto: Clovis Jucá.
-se uma casa com ela, sem mais outro ingrediente
FIGURA 10 [PÁG. AO LADO]
do que o barro: seu tronco é rijíssimo, e serve para
Figura 10. Varanda de casa de
tirantes e ripas; sua copa pequena; as folhas, em fazenda. Uso de Carnaúba no
forma de leque fechado, servem para cobri-la, (...) madeiramento de coberta. Casa
elas são ainda o sustento do gado vacum do tempo de Fazenda Malhada Grande.
Século XIX. Município de
de maior seca. Enquanto novas o âmago do tronco é
Granja. Foto: Clovis Jucá.
tenro, e dá-se aos animais na falta doutro alimento.
Ainda se extrai dele uma sorte de farinha, que é um
recurso em tempo de fome”. (CASAL, 1976).
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De modo assemelhado, as notas de Viagem de G. plantas cujos componentes apresentam alta resis- No clássico de Robert C. Smith divisamos segu- animais da vida doméstica.1 Alguma simpatia se manifesta
Gardner atestam a “utilissima palmeira”. De grande dura- tência à tração. Adotam-se outras espécies para ras anotações acerca dos parcos registros escritos pela gente do lugar, ainda que as ressalvas apareçam
bilidade, da carnaúba se fazem casas e currais e toda as vedações de paredes externas, a construção de sobre arquitetura, seja entre os portugueses ou bra- seguidas vezes. Embora os entrechos aqui selecionados
uma sorte de artefatos (figura 10): escadas e assoalhos, além da cobertura, executada sileiros do passado. não digam respeito à região dos Inhamuns, acreditamos
a partir da palha advinda de diversas palmeiras, sua valia sobre os usos e hábitos de morar e viver no
“As casas se constroem com um madeiramento feito escolhidas em função do tamanho das palmas, da “não há um único tratado de construção publicado Ceará do sertão oitocentista.
de tronco da carnaúba, e os espaços são tapados flexibilidade e da resistência da palha”. (COSTA, 2012). antes de 1800, salvo no ramo da engenharia militar
com tijolos. O tronco desta utilíssima palmeira é e viajantes e autores de diários, sempre se inte- “Apeamo-nos no pouso, onde a nossa gente havia
usado pelos habitantes para quase todos os fins a Neste ponto de nosso trabalho, pedimos a atenção ressaram de preferência por outros assuntos. Se chegado pouco tempo antes. (...) É uma casa grande,
que se pode aplicar a madeira. É de tal resistência dos leitores à literatura dos viajantes. Tal registro, por quisermos descrições de interiores portugueses e meia coberta de telha e meia de palmas, meia toda
que a parte inferior, especialmente dos troncos ple- certo, é um caudal de projeções desde o ponto de vista brasileiros dos séculos XVII e XVIII temos pois que aberta, onde havia fábrica de farinha, e outra meia
namente crescidos, dura anos e anos, ainda quando eurocêntrico e assim deve ser acolhido, com as devidas procurá-las nos relatos de visitantes estrangeiros, ainda meia barreada e meia fechada de paus-a-pique,
exposta ao tempo. Por isso, com ele se fazem os cautelas metodológicas. Feita a ressalva, se quer dizer dos quais poucos parecem ter ficado sensivelmente com cercados de porcos, de cabras, de vacas, etc.
currais de gado, cortando-se madeira em sentido que tais relatos contribuem sobremaneira para trazer as impressionados com o que viram”. (SMITH, 1979). aos lados. O dono é um rapaz casado e com família,
longitudinal”. (GARDNER, 1975). marcas de um tempo que legou escassos testemunhos nos recebeu mui contente, nos deu ceia de peixe e
escritos e visuais. Entendemos como fato assinalável Atentando para o imprescindível contributo dos rela- café ralo feito com água barrenta, única que aqui há
Ainda em relação aos modos de construção, trazemos que, aos relatos dos viajantes “não escapou o assombro tos de viagens, Smith convoca a atenção do pesquisador e que, se eu quis beber, pedi-lhe que me mandasse
a pesquisa de Eliza Costa para ampliar nosso conheci- com a pobreza e a escravidão, que não podiam ser postas para os modos de ver e perceber as realidades locais fazer uma garapa com rapadura, e assim a traguei”.
mento acerca dos hábitos, dos imperativos materiais fora do enquadramento do retrato escrito”. (MACÊDO, posto que orientados pela de origem: (ALEMÃO, 2011).
quanto à fatura da moradia, chamando a atenção quanto 2015). O estudo de Marcelo Oliveira, com acerto fixa os
à relação homem e natureza, quando nas edificações se juízos de valor anotados pelos viajantes e as nomeações “Arago, Saint Hilaire, Luccock, Ebel e Maria Graham Em alguns pontos o Diário de Freire Alemão é sensi-
buscam os elementos construtivos que amenizem os diversas ao modo de habitar. disseram o mesmo dos interiores brasileiros dos velmente atento ao que observa como melhoramentos
eventuais desconfortos do clima. Ainda que o estudo começos do século XIX. Todos sentiram profunda- na forma de moradia e no beneficiamento agrícola,
referido volte suas vistas às realidades do norte do “Os lugares orientados para a produção eram tidos, mente a falta dos agradáveis interiores forrados de como aqui no Aracati.
Brasil, acreditamos que as lições se aplicam às praticas em sua maioria, como arcaicos, ingênuos, pragmáti- madeira, pintados e bem mobiliados da Inglaterra,
divisadas no Ceará. cos, primitivos e utilitários. Os viajantes estrangeiros França e Alemanha, e o desapontamento talvez os “Nos achamos como disse no sítio do Pacheco, pro-
do século XIX, ao se depararem com o mundo da tenha feito exagerar de algum modo os defeitos que prietário e negociante rico de Aracati, (...) e casa de
“As casas seguem padrões tradicionais, orientados produção e da rusticidade, consideravam-no expres- encontraram”. (SMITH, 1979). morada, tudo muito melhor do que o que já temos
pelo procedimento de selecionar o tipo certo de são da mais pura e encantadora desordem e miséria, visto por aqui. A casa das moendas é grande, e feitas
madeira para cada parte da obra, a começar pelos opiniões que não estavam destituídas de juízos de Neste ponto de nosso escrito, nos valemos do relato de madeiras lavradas; as moendas são muito boas;
barrotes e esteios, que devem apresentar dura- valor. Tratavam as moradias, não raras vezes, como em forma de Diário de Expedição de Freire Alemão, a casa da aguardente é de telha e paredes de pau-
bilidade e resistência. Para realizar a amarração cabana, choças, choupanas, mocambos, palhoças quando se pode perceber a minúcia do apontamento -a-pique barreado e pequeno; o alambique, que é de
estrutural, executada na cumeeira, algumas pal- ou ranchos, devido ao fato de essas construções acerca da casa, sua coberta, os materiais utilizados, os cobre, está assentado fora, debaixo de um telheiro. A
meiras e várias qualidades de embiras ou enviras, serem executadas com técnicas rudimentares”.
que também servem para efetuar os encaixes. São (OLIVEIRA, 2012). 1 Sobre a Comissão Científica de Exploração ver: KURY (2009), BRAGA (1982) e CARVALHO (2016).
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casa de vivenda é espaçosa, com uma boa varanda, p.e. da Igreja de Cococi, onde ao entrar se tem idêntica cisterna de tachos, caldeiras, etc., [tudo] mui bom e função de zona de transição climática, como empre-
sustentada por grossos pilares cilíndricos, ladrilhada sensação de desolação e abandono. bem juntado: casa de aguardente grande, cômoda, gado em Portugal, suavizando a entrada da casa
e muito levantada sobre o terreno, que é encostado alambique moderno com excelentes aparelhos e (…) Sociologicamente, é a antecâmera refrescante
ao morro que fica por detrás”. (ALEMÃO, 2011). “As casas são de telha, mas todas mui pequenas, utensílios. A água que move o engenho corre em de ligação entre o interior e o exterior; (…) a frente
ladrilhadas de telha vã e sem ornamento de quali- grande parte por canos escondidos, vai à casa da social, lugar de descanso, sala de estar e de esperar,
O atento viajante escrutina a distribuição da Casa, dade alguma, (...), mas o sítio é bonito e alegre, é uma caldeira e do aguardente servindo a diferentes usos. de receber, (….); parlamento do patriarca que, em
os aspectos comunicativos entre as peças da moradia, espécie de morro de pequena altura e mui largo: A casa do engenho é quadrada, tendo os lados de calças de linho branco, entronado numa preguiçosa
assim como os materiais construtivos e o quintal onde um tabuleiro. (...) A igreja foi feita com risco grande 119 palmos. O corpo do engenho é grande. É uma ou espichado numa rede, exercia autoridade sen-
pontifica um jirau para o cultivo das hortaliças. Repa- para o lugar, mas nem se acabou e atualmente está das fábricas de açúcar das maiores que tinha visto tenciando em gravidade monárquica os negócios
remos seu comparativo entre a casa rural do Ceará muito arruinada; [o] corpo da igreja de telha vã, o no Ceará. Ainda não está feita a casa da vivenda, e da fazenda, os preparativos da vaquejada, a ferra do
e do Rio de Janeiro. pavimento de tijolo está muito estragado, por se o Sr. Firmino a tenciona a fazer sobre uma colina gado. Telheiro de vigiar os arredores da casa, (…) Nave
enterrar nela; é habitada por grande quantidade de que fica por diante do engenho e sobremaneira a de orações. Ornamentado de redes coloridas e de
“(...) A casa em que moram os Pachecos (...) tem uma morcegos que esvoaçam com constância e dão à ele”. (ALEMÃO, 2011). tamboretes de couro de cabra, é a personificação
distribuição singular, é uma espécie de labirinto, toda igreja um cheiro desagradável, nauseabundo. Isto se de uma arquitetura vernacular, aberta, convidativa,
de telha vã (exceto as salas de visita e de janta salvo nota em muitas igrejas do sertão, por mais cuidado Da Casa se quis trazer aos leitores deste estudo cer- de encontro e de uso diversificado. (….) Por vezes os
o gabinete da sala), comunicando todas as peças por que se tenha. (ALEMÃO, 2011). tos arranjos singulares também observados por Clóvis alpendres também serviram de abrigo a um ou outro
cima como do uso aqui no Ceará (senão em todas Jucá na região dos Inhamuns e aqui apresentados na cavalo encilhado de um viandante temporão. Alpen-
as províncias do Norte)”. A casa (…) é construída à Este trecho se quis apresentar pela minúcia quanto fotografia das ruínas e no esmero da reconstituição dres isolados se vêem não como apêndices tardios
maneira comum do Rio: o seu madeiramento de ao corpo das edificações, materiais usados, procedência possível do desenho da planta. Assim se ia vendo desde mas como solução de resguardo à privacidade
barrotes e forro todo de carnaúbas, e as peças do madeirame, presença do ferro, o mecanismo das o passado o Alpendre, a Varanda, a Latada, a Cozinha, a doméstica. Via de regra cobrem toda a extensão das
do sótão são ladrilhos sobre lustros, ou barrotes, moendas, a escolha do lugar (elevado) para a futura casa alcova, o Quintal, as trempes, os jiraus... (Figura 11 e 12) fachadas, por vezes em L contornando um cunhal,
unidos de carnaúba. As portas e janelas de fora de vivenda, entre várias outras anotações de relevo para Neste ponto, a leitura do bonito estudo sobre o por vezes entalados à feição do padrão paulista
têm postigos; bem que, tanto por fora, portas ou o Ceará rural do século XIX. Piauí e sua arquitetura das casas-de-fazenda, da lavra bandeirante, herança remota das loggias paladia-
janelas envidraçadas. Na casa, digo, no quintal de de Olavo Pereira e Silva Filho, elucida um quanto das nas. Quase sempre são guarnecidos de peitoris
casa dos Pachecos vi um dos jiraus que aqui fazem “A casa do engenho é grande e muito bem-feita, questões que se apresentam ao pesquisador, assim de alvenaria, quando não de réguas ou torneados
para plantar hortaliças, (...). (ALEMÃO, 2011). todos os pilares são de tijolo e barro e os alicerces, como confirma a urgência de estudos e pesquisas de madeira, ou ainda totalmente vazados. Embora
largos e fundos de pedra e cal. Todo o madeiramento desta natureza. Em primeira plana se quer trazer ao nem sempre constante, o alpendre é a mais forte
Neste ponto além de referir as casas de telha e a é de aroeira e pau-d’arco, principalmente tirantes, leitor alguns apontamentos de grande argúcia sobre expressão e principal característica que distingue a
ausência de ornamentos, que já se viu aqui doutras ano- frechões, vigas de grandes dimensões (tudo lavrado o Alpendre. Ainda que seja uma transcrição extensa casa de campo da casa urbana. Espaço polivalente
tações, se quer ressaltar tanto o elogio franco ao ‘sítio a enxó), caibros de pereiro serrados, ripões de cedro pedimos seja lido o autor referido: que melhor traduz a hospitalidade sertaneja”. (SILVA
bonito e alegre’ como a referencia ao risco da Igrejinha, igualmente serrados. As moendas são de ferro, FILHO, 2007).
tão recente e já inacabada e em ruínas. Em sua perspec- grandes e fortes, assim como todas as mais peças “Na setorização da casa de fazenda o alpendre é
tiva se destacam pontos de semelhança com a situação do mecanismo, e tudo é movido por água que vem peça fundamental. Etimologicamente é tão remoto Embora tão completo o estudo de Olavo Pereira
das capelas e lugares de culto como examinadas neste do açude, que estará a umas 100 braças distantes do quanto a própria história da arquitetura (…). Chegou Filho trazemos ao nosso leitor outras apreciações que
estudo sobre a região dos Inhamuns. É o estado hoje, engenho. A roda d’água tem 30 palmos de diâmetro, até nós através da península ibérica, com a mesma possam quando menos ampliar nossa sensibilidade
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quanto ao tema aqui apresentado. Assim se foi em Convém ressaltar também a múltipla função da rede,
busca de anotações doutros mestres em seus estudos armada na varanda, no alpendre, no quarto de dormir,
pioneiros. É o caso de Joaquim Cardoso, a partir de um embaixo das árvores, se liga também às funções da vida
conjunto de fotografias e de sua observação, sobre as e da morte, como no ato da fornicação ou no cortejo
casas rurais para o Distrito Federal, o Estado do Rio e fúnebre. (Figura 13 e 14)
algumas regiões de Minas; destacando elementos de
grande interesse para o inventario e o levantamento “Camas, leitos, catres, redes e esteiras. Não há
da Casa Rural Brasileira. Seu trabalho se apóia ainda dúvidas de que poderíamos associar essa gradação
em notáveis pesquisas de interesse para o Brasil (Luis de objetos à qualidade social de seu possuidor. As
Saia, Paulo T. Barreto, p.e.) e Portugal (Raul Lino e João camas e armações congêneres eram patrimônio das
Barreira). De destaque também sua preciosa anotação famílias mais abastadas, principalmente os leitos
sobre as Capelas, o “relevo bem merecido” às casas de com lastros de couro, horizontalidades da vida e
varanda, a peculiaridade dos Alpendres (e das escadas) da morte, usadas para descansar, dormir, fornicar,
nos núcleos rurais estudados, como aqui: nascer e morrer.” (MACÊDO, 2015).

“Foi a insistência desses alpendres, de tão agradável O já citado Chandler assinala outro elemento, algo
aspecto, (…); foi o seu aparecimento no alto das coli- curioso, e aqui destacado porque fruto de sua observação
nas, entre árvores, abandonados ou em estado de atenta por dentro das rodas de conversa nos alpendres
quase ruína que trouxe a nossa atenção despertada que teimavam em sobreviver no sertão dos Inhamuns e
para a sua, no tempo, longínqua comunicação, para onde apreendeu sua valia como sala-de-estar:
a sua linguagem quase esquecida, porém, legítima
e comovida.” (CARDOSO, 1993). “Havia, geralmente, um alpendre na frente da casa
grande que além de ser um lugar mais ventilado para
FIGURA 11Fogão a lenha. Casa
de Fazenda São Miguel. Século O agradável aspecto dos alpendres onde se viveu boa o descanso do meio dia, também servia para esfriar
XIX. Município de Tauá. Foto: parte da vida e se praticou a arte de prosear, de receber, as selas dos sertanejos que acreditavam em doen-
Clovis Jucá. é percebida em Nestor Goulart Reis: “Desenvolvia-se ças sérias provocadas por selas quentes. Ao lado do
nos alpendres uma boa parte da vida das residências do alpendre, para amarrar as montarias, havia um ou
Brasil. Nas áreas de clima quente, eram os locais mais mais mourões fincados no chão”. (CHANDLER, 1980).
ventilados, de temperatura mais amena. Para eles abriam
sempre as salas de viver e de jantar, que se prolongavam, A visada do historiador das famílias e seu modo
desse modo, para o exterior. Eram locais de conversa, de vida no sertão deixa entrever mais que a presença
de reuniões de família, as horas de lazer, dos vasos de dos homens proseando. A apropriada imaginação
estimação, das gaiolas de canários e das cadeiras de histórica olha por entre as frestas e fronteiras do pas-
balanço, onde as senhoras mais idosas bordavam ou sado para escutar o silencio das mulheres da soleira
faziam crochê”. (REIS FILHO, 1978). da porta para dentro:
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“Enquanto o dono da fazenda recebia e conversava Ainda que se retenha das pesquisas a informação
com os hospedes, se podia imaginar suas filhas e acerca da sobriedade no recheio das casas é preciso
esposas olhando entre as ripas das portas, e com o assinalar que a mobília e demais objetos vão chegando
olhar espremido e o ouvido atento buscavam aces- conforme as necessidades da vida cotidiana e da
sar um mundo alheio a casa. Quando apareciam convivialidade que se vai afirmando entre as gentes.
diante dos estranhos ficavam na fronteira entre a Em Câmara Cascudo vemos como a sala da frente é
varanda e a entrada da residência, espreitando em arranjada num misto de mobília para vida de todo dia ou
silencio o diferente. (...) A soleira da porta aparecia para o uso protocolar do viajante de posses: “Na Sala
como um limite onde a mulher ficava resguar- da frente uma mesa, cabides para arreios, tamboretes,
dada pela proximidade com o interior da morada”. outro banco, uma cadeira de couro, macia, para gente
(VIEIRA JR., 2004). de fora, cerimoniosa e protocolar.” (CASCUDO, 1956).
Para o mesmo autor é de se assinalar os modos cam-
Mas que se atente também ao fato que este limite/ biáveis quanto aos usos dos cômodos, como é o caso
fronteira, espécie de confinamento às mulheres, não do quarto grande “em grande porcentagem, despensa.
FIGURA 12 Figura 13. Armador
de rede feito de madeira é fato geral. As mulheres pobres, agregadas e escra- Guardavam ali os queijos, trepados no jirau, os surrões
engastado na taipa. Século XIX. vas viviam intensa vida de trabalho da soleira da porta de farinha, os baús de pregaria com a roupa, as garrafas
Casa de Fazenda Umbuzeiro para fora. Quando se olha o interior da Casa, p.e. e se de manteiga”. (CASCUDO, 1956). É o que se pode também
– Município de Arneiróz. Foto:
encontram os panos bordados, recobrindo bandejas observar quanto aos usos diversos da sala da frente
Clovis Jucá.
e oratórios, ou se enxerga ao canto uma almofada de onde, invariavelmente, se fixava o oratório ornado com
bilros ou o bastidor com seus riscos de monogramas e os santos de proteção e estima: “A presença do oratório
outros sinais de distinção da Casa de fazenda, ali estão era uma compensação para os distantes altares das
as mulheres pobres: igrejas e capelas que, embora já figurassem nas vilas,
ainda demoravam a se generalizar na vida do rebanho
“Rendas e bordados não eram necessariamente de cristãos”. (MACÊDO, 2015). (Figura 15, 16 e 17).
enxovais de casas e mulheres pobres. Em muitos Os estudos indicam que a presença tardia de outros
FIGURA 13 Figura 14. Argola
de ferro presos em tufos casos, agregadas e escravas eram as artistas que objetos de mobília como armários e cômodas expressam
de madeira encrustados na produziram para os domicílios senhoriais. Por vezes também um maior sedentarismo no século XIX (figuras
alvenaria para dependurar rede mercadejavam sua arte para complementar sua 18 e 19). Outros estudos atentam para a presença de
com uso de corda ou peça
parca receita. Eram mulheres de performances certo trabalho requerendo especialização como é o caso
de ferro. Século XIX. Casa de
Fazenda São Miguel. Município múltiplas, cujas mãos deveriam estar aptas também dos “‘mestres carapinas’ esses carpinteiros do sertão
de Tauá. Foto: Clovis Jucá. para o trabalho pesado de carregar lenha, roçar serravam e montavam desde o emadeiramento das casas
matos, plantar e colher, mas também aptas ao até os móveis domésticos. A mobília ainda pousava sobre
cuidado dos filhos, a cozinhar, a costurar e a fazer o assoalho com seu peso sólido, seu formato robusto,
renda.” (MACÊDO, 2015). austero e grosseiro.” (MACÊDO, 2015).
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FIGURA 14 Figura 15 – Caritó com


santos. Século XIX. Fazenda São
Miguel. Município de Tauá . Foto:
Clovis Jucá.

FIGURA 15 [ESQ.] Figura 16 –


Caritó com santos. Século XIX.
Fazenda São Miguel. Município
de Tauá . Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 16 [DIR.]Figura 17.


Santuário do Século XIX.
Casa de Fazenda Arraial.
Município de Tauá. Século XIX
Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 17 [PÁG. AO LADO]


Figura 18 – Nichos na alvenaria
indicando a presença de
armários. Casa de Fazenda
Monte Carmo. Século XIX.
Município de Saboeiro. Foto:
Clovis Jucá.
42 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 43

Em Lúcio Costa noutra de suas inúmeras e origi- primeiro ponto que se poderia destacar era o fato da “Na arquitetura popular brasileira (que, por ser
nais observações, que se atente à recomendação de cozinha ser fora de casa, tendo ao seu pé uma “latada”, mesmo popular fixa mais claramente os proble-
mestre sobre as Varandas: “(…) embora se fale tanto na ou seja, uma cobertura de palhas que servia como mas da arquitetura tradicional) tenho encontrado
luminosidade do nosso céu, na claridade excessiva dos extensão do espaço da morada. Era uma construção vários exemplos. Citarei um que me parece bastante
nossos dias, etc., o fato é que as varandas, quando bem simples, que além dos possíveis tradicionais aparelhos característico, apesar de ainda insuficientemente
orientadas, são o melhor lugar que as nossas casas utilizados para o preparo da refeição, também tinha estudado: a presença da latada na habitação serta-
têm para se ficar; e que é a varanda, afinal, senão uma uma rede amarrada e talvez uma esteira sobre o chão neja de certas zonas do Nordeste brasileiro”.
sala completamente aberta?” (COSTA, 1993). Um outro batido, onde mãe e filha se sentavam esperando a
estudo já aqui destacado descortina a varanda em seu carne cozinhar ou o feijão ficar pronto” (figura 20 e O autor referido situa a Latada no plano da habitação,
feitio de cupiá ou copiar. Para Macedo 21). (VIEIRA JR., 2004). sua procedência singular, a solução mestiçada sugerindo
Em Macêdo também se evidenciam os espaços que influencia hispano-americana; seu esforço comparativo
“à frente da vivenda, voltada sempre para o poente, vão surgindo a partir dos usos e necessidades; assim e as pistas ao pesquisador demandam citação mais larga:
montava-se uma espécie de varanda que ficava ao como a presença do trabalho escravo e das mulheres:
nível do solo. Era o copiar ou cupiá. (...) Sendo a “A latada nordestina é uma peça da casa sertaneja
parte mais ‘pública’ da casa, o copiar era um lugar “Em muitas casas-grandes existia um espaço cha- firmada por quatro esteios e uma cobertura hori-
de homens recebendo outros homens. Eles pales- mado de sala de trás, ou sala de janta, que ficava zontal de galhos e folhas. Geralmente encostada
travam fechando acordos de trabalho, proseando ao final do corredor e era utilizado para refeições na habitação, nunca participa completamente da
em pé ou sentados (...)”. (MACÊDO, 2015). e trabalhos domésticos. Era uma transição entre estrutura desta. Com toda a certeza, proveniente
o corpo domiciliar da família e a parte onde a de uma influência diversa daquela que determinou
Latadas e lugar do preparo de alimentos convi- habitação se misturava ao trabalho dos escravos o plano geral e a técnica de fatura da habitação do
vem nestes arranjos da Casa de Fazenda. Outra vez, domésticos, agregados e mulheres da casa. Atrás sertão do Nordeste, a latada se conservou tecni-
o historiador já referido afirma e tece conjecturas da construção havia um alpendre chamado de taça- camente independente dela, separada do edifício
sobre os possíveis modos e lugares das mulheres nas nica. Nesse espaço sem paredes ficou a cozinha principal. É uma solução evidentemente mesti-
casas. E se insistimos na citação se trata também do primitiva que funcionava em trempes quase rentes çada. Talvez seja o resultado de uma influência
desconforto de ver/ler tantos estudos que fixam um ao chão, sobre uma cobertura de palha ou telha”. hispano-americana, trazidos das bandas do Oeste
retrato excessivamente masculino daquele tempo. Pois (MACÊDO, 2015). para as regiões pastoris do interior nordestino.
as mulheres sustentavam a vida cotidiana da soleira da Restaria, para estabelecer com precisão esta pro-
porta para dentro, como já disse; entretanto existem Convém sublinhar que tal alpendre ou taçanica cedência, verificar a presença deste detalhe nas
as muitas mulheres pobres que também cuidavam é encontrado na parte exterior nas casas de taipas, zonas intermediárias entre o sertão e a América
das vazantes, dos pequenos roçados e da labuta com geralmente mais pobres, correspondendo ao que se espanhola (Goiás, Mato Grosso) e também no Sul
FIGURA 18 Figura 19 – Armários o fabrico da cestaria e da roupa, a de panos grossos chamava puxada ou latada. do Brasil. Esta pista me parece bastante frutuosa,
com portas de madeira. Casa para si e sua prole e a engomada e em rendas e bor- Sobre as latadas, achamos por bem trazer ao leitor a sobretudo porque a freqüência da latada vai-se
de fazenda Carnaúba de
Baixo. Século XIX. Município
dados das Don’Anas de sempre. Mas vamos ler sobre apreciação fixada por Luis Saia quanto ao que considera apoucando à medida que a arquitetura sertaneja
de Saboeiro. Foto: Clovis as cozinhas ou que tais ao pé de uma latada, onde as característico na habitação sertaneja de determinadas se aproxima do litoral (mesmo quando continua
Jucá. panelas de barro ou de ferros sobre as trempes: “O zonas do Nordeste do Brasil. Para o autor, eminentemente pastoril)”.
44 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 45

FIGURAS 20 E 21 Expansão do
telhado. Casa de fazenda sem Em viagem pelo Nordeste e inclusive chegando ao
identificação. Século XIX. sul do Ceará, Luis Saia confirma sua hipótese quanto a
Município de Granja. Foto: variação dos usos e formas da latada:
Clovis Jucá.

“observei que a latada surgia das maneiras mais


variadas: em edifício com alpendre de influência
ibérica (cuja cobertura é constituída pelo prolon-
gamento de uma das águas do telhado); no Sul do
Ceará, em diversos exemplos, surgia duas vezes na
mesma habitação; em certas regiões encontrei uma
verdadeira orgia de alpendres e latadas circundando
quase totalmente a habitação. Mesmo pondo de
parte o problema da sua procedência, a latada só
pode ser explicada como um elemento mestiçado,
pois freqüenta o mesmo tipo de habitação cujos
detalhes técnicos e planos são idênticos aos da FIGURA 22 Figura 22. Pequena

casa popular nordestina em que ela não existe. É latada anexa a cozinha. Casa
de fazenda sem identificação.
evidente, portanto, que se trata de uma peça incor-
Século XIX. Município de
porada à casa sertaneja, juntamente com traços de Granja. Clovis Jucá.
cultura pastoril e que, por outro lado, se conservou
fiel, quanto à técnica de fatura e mesmo de apro-
veitamento, à experiência da solução que veio a
mestiçar-se”. (SAIA, 1939). (Figura 22 e 23).

Das latadas das Casas de fazenda, passemos aos


Currais (figura 24 e 25), e aos Terreiros, para o vislumbre
em pormenor da Casa de porta afora, como na observa-
ção de Pereira d’Alencastre sobre a economia do lugar:

“Em cada fazenda devem haver pelo menos tres


curraes, que tomam diversos nomes conforme o
serviço que prestam. Chamam curral de vaqueijada
aquelle em que se recebe o gado que tem de ser
vendido, onde se tira o leite, e onde se faz o rol de
porteiras; curral de apartar em que se recebe todo o
46 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 47

FIGURA 23 Figura 23. Grande gado indistintamente, para ao depois ser distribuído o coentro, a couve, a hortelã, o hortelão-do-irmão-
coberta, alpendre e pequena latada pelas diferentes accomodações; curral de beneficio -José, o malvarisco, o mastruço, as onze-horas, a
anexa a cozinha. Casa de fazenda onde se recolhem os garrotes para serem ferrados, perpétua, a pimenta, o tajá, o tomate”. (OLIVEIRA, 2012).
sem identificação. Século XIX.
e para se fazer as partilhas dos vaqueiros”. (PEREIRA
Município de Granja. Clovis Jucá.
D’ALENCASTRE, apud SILVA FILHO, 2007). Dali ao espaço das Roças, o estudo quer assinalar um
quanto da lógica produtiva de sustentação à vida material
Já os Terreiros de usos variados e funcionais, dão no contexto da Casa de fazenda: “Compreender a maneira
a ver outras construções em apêndice à Casa – jirau, como são escolhidos e abertos os roçados, faz-nos valori-
paiol de mantimentos, telheiros – além de se abrirem à zar a lógica produtiva existente nas roças e a organização
comunicação entre outros espaços ao derredor da Casa dos respectivos espaços, assunto pouco notado no con-
e irradiarem caminhos, lugares de encontro e dispersão, teúdo de relatos históricos”. Para entendermos melhor a
como apreciado no estudo de Eliza Costa: questão, devemos observar que, no conjunto da grande
propriedade, ocorriam simultaneamente várias culturas, em
“Os terreiros, conforme registros realizados na diferentes ciclos ou estágios de desenvolvimento, dispostas
região norte brasileira, mostram-se iluminados, em diversos lugares, o que requeria permanente trabalho
limpos e varridos. Constituem espaços funcionais, para conservá-las. (OLIVEIRA, 2012).
marcadamente de serviço, normalmente pontuados Observando ainda do trabalho de Ricarte Silva, a exis-
por várias construções dentre elas o jirau, o paiol de tência dos pequenos roçados, o tipo de agricultura entre
mantimentos e os telheiros, sendo ainda destinados outras dimensões da vida material:
à criação de animais domésticos. O local em si esta-
belece comunicação com a horta, o pomar e a casa “Ao redor das choupanas, se cultivavam os pequenos
de farinha, além de irradiar caminhos”. (COSTA, 2012). roçados para atender ao consumo imediato. Agricul-
tura de emergência, trabalho para mulheres e crianças,
Dos terreiros é possível avistar a disposição dos Can- por que os homens estavam ocupados nas labutas
teiros, combinando o cultivo variado dos temperos ou das pastoris. A própria lavoura da sede da fazenda não
infusões de uso medicinal: tinha importância comercial. Produzia milho, o feijão,
um pouco de algodão para a fiação doméstica e outras
“Os canteiros permanecem dispostos na meia-sombra, culturas de ciclo produtivo curto, complementar ao
cercados e protegidos contra o ataque de formigas e regime alimentar, fornecido pelo gado, que consistia
ratos e a ação danosa de galinha e porcos. Em determi- no leite, queijo, manteiga e carne”. (SILVA, 2010).
nadas situações, as culturas são mantidas suspensas
do chão,(...) erguidas por forquilhas de madeira, ou O exame da Casa de fazenda em vista dos liames da hos-
em caixotes recheados de solo orgânicos. Dentre as pitalidade ou da sobrevivência leva o pesquisador a observar
plantas cultivadas, no geral dispostas de maneira pro- novas dependências no corpo da Casa (quarto de hóspedes
míscua, destacam-se: os bredos, a cebola, a cebolinha, ou outro alojamento) ou em seu entorno (cercados):
48 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS FIGURA 24 Figura 24. Curral 4 9
anexo casa de fazenda. Século
XIX. Município de Sobral. Foto:
Clovis Jucá.
50 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 51

“As grandes distâncias e a precariedade dos caminhos “A casa é de telha, velha, arruinada, mas com
transformou a hospitalidade numa obrigação social, cômodo; tem ao lado casa de farinha grande e
numa questão de sobrevivência. Daí, o quarto de hós- aberta, onde se agasalhou a bagagem. Pela primeira
pedes no corpo da casa de morada, os alojamentos vez vi, ou reparei, uma sala de paredes de paus-
para gente menos categorizada nos arredores das -a-pique, barreada e rebocada com surperfície,
dependências de serviço. Daí, os cercados para as como as nossas. No telhado há também alguma
mulas e cavalos dos passantes que pedissem repouso. coisa a notar-se e que já tenho visto por muitas
Nem sempre a comida estava garantida, mas a cama vezes nesta minha viagem de volta e é o telhado
ou a rede estavam”. (LEMOS, 1996). formado só de caibros prontos até poder receber
as telhas de cano, como se fossem de carnaúba;
Os modos de hospitalidade certamente estiveram não são envaradas, digo enripadas. O dono da casa
condicionados às grandes distancias entre os vastos em que estou no Umari é o Sr. Lucas Evangelista”.
domínios e como assinalado em, Carlos Lemos, transforma (ALEMÃO, 2011).
o provável gesto hospitaleiro em obrigação social, e ainda
que não se conheça a palavra pouso e pousada, uma O que é certo é que se varia o nome – pouso,
outra traduz o ato hospitaleiro, o arranchar-se ou o arranchar-se ou se abancar– o fato é sobejamente
outro jeito de chamar para se abancar: anotado na literatura dos viajantes, confirmando os
usos do alpendre, da rede de dormir como sinal de
“A respeito de pouso devo dizer que muitas vezes franquia hospitaleira:
me via embaraçado quando chegávamos a uma
casa e pedia pousada; o dono da casa ficava abes- “Todas as casas desta parte da região que não está
tado sem me entender: é que aqui o modo de pedir dentro da cidade têm na frente um alpendre sob o
pousada é um descanso, quando é por algumas qual os viajantes geralmente pedem licença para
horas, uma dormida ou para passar a noite, quando fazer o pouso a noite, pendurando suas redes nos
FIGURA 25 Figura 25. Curral
como extensão da casa. Século se quer dormir; é a resposta do dono da casa: ‘É ganchos que para isto estão ali. Logo que forem
XIX. Município de Granja. Foto: Vossa Mercê pode arranchar-se’. Não se conhece desarreados os animais de sela e descarregados os
Clovis Jucá a palavra pouso, ou pousada”. (ALEMÃO, 2011). que traziam a bagagem, soltamo-lo para pastar nas
vizinhanças, com as patas dianteiras bem atadas, a
Seria depois de arranchado, se abancado que o fim de não se extraviarem”. (GARDNER, 1975).
viajante dispunha de dormida e alguma comida para
si e pasto para a alimária e quando já podia escrutinar O estudo já citado, para os sertões do Seridó, reforça
os cômodos da Casa, os usos cambiantes, os mate- nossa argumentação acerca dos usos dos espaços
riais empregados na construção, o telhado, e assim nas casas rurais, como ainda sobre o parco mobiliário,
anotando o que via: também de uso remanejado conforme a necessidade:
52 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 53

“Na parte mais exterior da residência recebiam-se Do preparo dos alimentos e dos modos à mesa
os transeuntes que raramente adentravam em muito se tem inventariado; aqui se traz uma suges-
casa, lugar por excelência da família. Quem con- tiva anotação acerca da altura das mesas dispostas
seguia pousada arranchava-se em cômodo anexo nas Casas do sertão:
à morada ou em redes armadas nos copiares.
Somente os mais eminentes privavam a dormida “(...) é notável que em todo o sertão as mesas são
na sala da frente, costume que denotava distinção demasiadamente altas, algumas mediam com qua-
e sentimento de familiaridade. Lembremos que tais tro palmos e meio de altura, e os bancos, toscos
espaços em casas rurais eram, geralmente, espaços e pesados, não têm menos de três palmos de alto.
multifuncionais. Daí os móveis serem facilmente Em Córrego do Queijo, fazendo eu esta observação
deslocáveis: bancos, canastras, cadeiras e redes. a um moço que aí estava, e a razão que ele me
Objetos que, remanejados transmutavam a sala da deu foi que nos tempos antigos e ainda hoje, para
frente em paiol para armazenagem dos grãos em desobriga, andavam padres correndo o sertão e
palha ou facilmente se transformavam à noite em desobrigando as famílias e vizinhos, para o que
quarto de dormir.” (MACÊDO, 2015). diziam missa em casa, e de altar serviam as mesas
de jantar e por isso faziam com essa altura. Agora
Ora, como vê o leitor, aqui se quer fixar também um [que] assisti a este jantar dos trabalhadores me
tanto da Casa vista de dentro: seus arranjos, a parca veio outra ideia: as mesas se faziam e se fazem
mobília, os adereços, o preparo da comida, como visto com sua altura porque essa gente – trabalhadores,
em Chandler em seu itinerário de pesquisas nos sertão passageiros etc. - devia comer de pé diante dos
dos Inhamuns (figura 26, 27 e 28): donos da casa; acabado o jantar rezavam de mãos
postas, antes e depois de lavar as mãos, com sabão
“Dentro de casa tudo era simples. A mobília consis- porque comiam com colher o pirão, levando-o à
tia apenas de alguns tamboretes com assentos de boca com a colher voltada, e a carne comiam com
couro, bancos de madeira compridos, baús de couro a mão”. (ALEMÃO, 2011).
e uma mesa de jantar. Dormiam em redes armadas
em ganchos de madeira e eram enroladas durante Estes arranjos mínimos, a sobriedade e a rusticidade
FIGURA 26 Figura 26. Banco em
o dia. Visitas importantes eram convidadas a des- das arcas e baús para guardar a tralha de todo dia são madeira. Casa de fazenda São
cansar numa rede, a qualquer hora do dia, enquanto neste entrecho de Lúcio Costa habilmente recuperados Miguel. Século XIX. Município
conversavam com o dono da casa. A comida era ao pesquisador da casa brasileira (figura 29 e 30): de Tauá. Foto Clovis Jucá
preparada num forno de barro, elevado do chão,
de onde a fumaça saía livremente sem chaminé. “É que ao colono só interessava o essencial: além
A casa grande servia também para guardar selas, do pequeno oratório com o santo de confiança,
outros arreios e para armazenar a safra de feijão e camas, cadeiras, tamboretes, mesas e ainda arcas.
milho do ano.” (CHANDLER, 1980). Arcas e baús para ter onde meter a tralha toda.
54 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 55

Essa sobriedade mobiliária dos primeiros colonos


se manteve depois como uma das características
da casa brasileira. (…) Quanto menos coisa, melhor,
para não atravancar inutilmente os aposentos. Mas,
se a arrumação era despretensiosa e sem sombra
de encenação preconcebida(...) as peças em si eram
bem trabalhadas e bonitas; não só porque a tra-
dição do ofício era fazê-las assim, como também
porque os oficiais e ajudantes deles eram muitas
vezes gente da casa, escravos, cujos dotes naturais,
em boa hora revelados, a conveniência do senhor
FIGURA 29 Figura 29. Baú em havia sabido aproveitar. Trabalhando sem pressa,
madeira revestido em couro. nem possibilidades de lucro, o ‘prazer de fazer bem
Casa de fazenda São Miguel.
feito’ era tudo o que importava: isto ao menos era
Município de Tauá . Foto:
Clovis Jucá deles, - o dono não o podia tirar”. (COSTA, 1993).

Este livro, fruto do pendor missionário de Clovis Jucá


e dos que nos deram pouso em Tauá, convida a outras
reflexões para além das Casas de fazenda aqui inventa-
riadas. Convém observar as fotografias aqui dispostas ao
olhar do leitor, entendendo a imagem segundo o estudo
de Miriam Moreira Leite, “os sinais de vida latentes conge-
lados numa fotografia são índices do mundo do passado
que se busca compreender e podem se transformar em
testemunho e representação de uma realidade a ser
reconstruída”. E ainda mais, argumenta a historiadora: “no
aqui e agora da fotografia não permanecem apenas os
FIGURA 27 Figura 27. Taboa FIGURA 28 Figura 28. Pilão
dependurada no telhado de madeira. Fazenda Monte traços do que foi, mas podem se aninhar também outras
da cozinha para utensílios Cristo. Município de Tauá. Foto histórias possíveis cuja germinação a história pode ter
domésticos e queijo. Casa de Clovis Jucá barrado (…)”. (MOREIRA LEITE, 1993).
Fazenda São Miguel. Século XIX.
As fotografias neste livro nos trazem também
Município de. Foto Clovis Jucá
alguns artefatos que participaram com seus usos do
tempo e da vida vivida nessas Casas, em seu entorno
e nas outras casas não retratadas aqui, sugerindo uma
possibilidade de analisar tais artefatos em diálogo com
56 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO U M A HI STÓ R I A AO S R E TAL HO S E U M T E M P O E M R U Í NAS 57

seu tempo, com o lugar de sua fatura e com os usos a “As casas vistas do seu exterior são um primeiro “O sertão (…) foi o cenário que condicionou uma fundiária, a localização das fazendas, a identificação de
que se destinaram. Neste sentido, a reflexão de Claúdia espetáculo; vistas do interior, um outro. Ninguém parte da vida dos homens em terras do Brasil. Não seus proprietários, das edificações existentes, das ruínas,
Martinez é aqui apropriada em seu conteúdo metodo- poderá dizer que este é mais simples do que aquele. condicionou de forma determinista, evidentemente, numa tentativa de precisar a época de suas construções
lógico, posto que o artefato – a roda de fiar, o oratório, Com efeito, todos os problemas de classificação, mas no sentido literal: forneceu as condições nas e as alterações procedidas” com o objetivo de “caracte-
o baú, o tamborete... - “não deve ser analisado conside- de explicação, de visão global à escala do mundo quais a história do homem se desenvolveu. (…) No rizar o programa arquitetônico, os métodos construtivos,
rando apenas o seu conteúdo funcional, morfológico se levantam de novo. Mais uma vez, ver o que se sertão perduram tradições e costumes antigos. O os materiais, o uso do espaço” específicos da Região
e performático. Caso o historiador procedesse dessa mantém, o que se modifica lentamente, é desenhar Brasil não teria hoje o perfil cultural que tem (…) se estudada e avança no sentido de “tornar possível a
forma seria seduzido pela armadilha da reificação, as grandes linhas da paisagem”. (BRAUDEL, 1970). em sua história não tivesse entre seus vários sertões compreensão da relação entre a estrutura espacial e a
enfatizando apenas a sua materialidade”. Assim pro- como componentes socioculturais significativos. E, formação social, freqüentemente desconsiderados em
cedendo, os objetos que encontramos listados nos Deste modo, neste trabalho se desejou na partida no entanto, o tema do sertão ainda não foi bem estu- abordagens dessa natureza”. A autora já nos anos 1980
inventários post mortem, “seriam interpretados ape- da ‘expedição aos inhamuns’ apreciar a Casa enquanto dado em nossa historiografia.(...). (LEONARDI, 1996). chamava nossa atenção para o problema:
nas enquanto um objeto pertencente à sua categoria produto do tempo e produtora de temporalidades, como
estética e não como um artefato que pode dialogar se iam integrando às linhas da paisagem, como projetava Somos portanto, muito gratos à orientação de vários “Os exemplares, do período não são poucos. Entretanto,
com o seu tempo, com o local onde foi confeccionado sua construção e a de suas melhorias face às necessi- mestres da arquitetura que comparecem ao longo de a maior parte desse acervo permanece desconhecida,
e com o público para o qual foi produzido e desti- dades, enfim observar os acréscimos, os retoques, em nossa pesquisa e agora no registro impresso, como em outra certamente em ruínas e outra, provavelmente,
nado”. (MARTINEZ, 2006). Deste modo, em face dos vista daquilo que o historiador Daniel Roche nomeia Lúcio Costa. Sua palavra instiga o pesquisador ao afirmar o desapareceu sem deixar vestígios. Deve-se creditar
objetos aqui retratados, se pode perceber um quanto como bricolagem da história: interesse em conhecer melhor ‘nossa casa brasileira’ para o fato ao isolamento da área (alguns estudos de
da vida nas Casas de fazenda em sua dimensão vária cunho sociológico procuram explicar o fenômeno),
de produção ou de relações sociais. Assim, os modos “A casa, produto do tempo, e produtora de tempora- “dar aos que de tempos a esta parte se vêm empe- às dificuldades de acesso e ao pouco interesse dos
de domar a vegetação e fazer a coivara, a carpina, o lidades diversas, se integrava a todos os movimentos nhando em estudar de mais perto tudo que nos realmente habilitados para tais empreendimentos e
cultivo, o descaroçar, o cozinhar e o comer, carecem econômicos e sociais que transformavam o mundo. diz respeito, encarando com simpatia coisas que na sua documentação”. (BEZERRA, 1984).
de instrumentos, engenhocas e utensílios vários – foice, Sua construção, suas melhorias se desenvolviam sempre se desprezaram ou mesmo procuraram
machado, ancinho, ferros de cova, roda de ralar, cal- quando as necessidades, as da vida material, as da encobrir, a oportunidade de servir-se dela como Como se vê, a autora do trabalho pioneiro, já anotava as
deirões de barro ou de ferro, tachos de cobre, gamelas terra, não passavam antes. A habitação rural evoluiu, material de novas pesquisas, e também para que nós casas em ruínas e a corrosão do tempo dissolvendo os
e cabaças, cuias, trempes, carros de boi, teares, redes portanto, lentamente e por redistribuição – acréscimo outros, arquitetos modernos, possamos aproveitar vestígios das construções, os modos da gente habitar
de dormir, ganchos de madeira, tornos, bancos com- de novas construções, retoques. É nessa bricolagem a lição da sua experiência de mais de trezentos anos, e os arranjos para prover a vida material e cultivar os
pridos, tamboretes, cadeiras, canastras, e muitos baús da história que devemos compreender identificando de outro modo que não esse de lhe estarmos a laços com o santo de sua confiança.
de variado tamanho pelos cantos da Casa, guardando os mecanismos de variação, alem dos elementos reproduzir o aspecto já morto”. (COSTA, 1993). A realização deste trabalho certamente nos con-
roupas, louças, utensílios e até alimentos. que não mudavam, das aproximações aparentes, das frontou com as imagens de um mundo em ruínas, se
Com isto, se quer também fixar os planos distintos estruturas latentes. (ROCHE, 2000). É preciso porém assinalar que o plano de pesquisa desfazendo, mas possibilitando entrever um tanto de
de observação das Casas, para inclusive percebermos original deveu em muito à recolha de orientação a partir memórias acumuladas em tantas Casas em silenciosa
inadequadas comparações e atentarmos aos problemas Do desejo de entrar pelo sertão também se alimentou do criterioso (e pioneiro) trabalho de Maria do Carmo agonia, trespassadas por camadas de poeira e esqueci-
metodológicos de classificação, de escala, e mesmo das a pesquisa originária deste livro e também por acatar a Bezerra sobre as Casas de Fazendas dos Inhamuns; mento. Contra a desmemoria é um compromisso deste
mudanças e permanências em perspectiva histórica, ou palavra do historiador dos sertões, dos rios e das ruínas, ponto de partida da pesquisa apresentada neste livro. tipo de pesquisas, que intentou levantar um conjunto
de como diria o historiador francês F.Braudel: Victor Leonardi, para quem: A autora parte “do levantamento da antiga estrutura de Casas rurais nos Inhamuns.
1. CASA DE FAZENDA
SETECENTISTA E
OITOCENTISTA DOS
INHAMUNS NO CEARÁ

CLÓVIS RAMIRO JUCÁ NETO


60 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 61

ARQUITETURA DA
CASA DE FAZENDA
N No século XVIII, a Capitania do Ceará foi percorrida
de norte a sul, de leste a oeste por boiadeiros que,
expulsos do litoral açucareiro, partiram em busca de
novas pastagens. A atividade da pecuária atribuiu sen-
tido econômico a ocupação da Capitania durante os
da terra, fixaram-se em pontos estratégicos para a
produção do criatório.
Em meio ao um processo extremamente complexo,
a conquista pelos portugueses foi à base de facão e
trabuco. Os índios reagiram com arco e flecha. Sob

DO CEARÁ
Setecentos (JUCÁ NETO, 2012). No rumo da conquista, o signo da violência, os naturais da terra seguiram
os representantes da Igreja e do Estado português lutando ou escaparam em direção à região Norte do
seguiram os caminhos incialmente trilhados pelos Brasil. Resistiram como puderam. Brigaram os futuros
donos das boiadas2. sesmeiros entre si pela posse do chão, fizeram “correr”
O índio resistiu como pôde à ocupação. Não foi por e mataram os índios. Violência pura, tingindo de verme-
menos. Nos últimos anos do século XVII e nas primeiras lho o solo sertanejo3.
décadas do século XVIII, os primeiros colonizadores, A Igreja associou-se ora aos conquistadores, aos
alguns futuros sesmeiros, chegaram impondo ao som futuros sesmeiros, ora aos naturais da terra. Os repre-
da pólvora o tempo, marcado pela barbaria, da expul- sentantes da Igreja não cumpriram apenas um papel
são indígena do território. “Os vaqueiros e boiadeiros catequético: muitos religiosos tornaram-se ainda pro-
não foram apenas os primeiros desbravadores, mas prietários de terra, donos de boiadas e de fazendas de
os futuros sesmeiros, proprietários de terras e das gado. Por quase todo o século XVIII, a Igreja esteve inti-
fazendas de gado, e, em alguns casos, futuros repre- mamente associada ao Estado lusitano, dando suporte
sentantes do Estado português”. (JUCÁ NETO, 2012a, ideológico à conquista. (JUCÁ NETO, 2012 a, pp. 137
p. 158). Os conquistadores montaram acampamento - 141). No movimento de fixação no território, a Igreja
em locais favoráveis ao pouso. Arvorando condição antecedeu à Coroa com instalação de aldeamentos,
de senhores da imensidão do sertão, de novos donos capelas, Igrejas matrizes, constituição das freguesias e
formação de patrimônio religioso. (MARX, 1991).

2 Ampliamos para a escala territorial a perspectiva de análise do espaço intraurbano das cidades coloniais brasileiras de Pedro de Almeida
Vasconcelos (1997, p. 249) em Os agentes modeladores das cidades brasileiras no período colonial. O autor refletindo sobre a “cidade colonial
brasileira, considerando as transformações ocorridas na sociedade ao logo de mais de três séculos” elabora “uma proposta de desdobramento
dos agentes que tiveram papel importante na conformação da cidade colonial, e que não poderiam corresponder, evidentemente aos atuais
agentes da produção da cidade capitalista” [...]. Vasconcelos apresenta como “principais agentes modeladores das cidades: (1) a Igreja; (2) as
ordens leigas; (3) o Estado; (4) os agentes econômicos; (5) a população e os movimentos sociais”.
3 Ver Robert Moraes (2000, p. 265). Moraes aponta a “violência e a expropriação” como “dados irredutíveis do processo colonial, variando em
grau, mas sempre presente em suas manifestações. Colonização implica [...] estruturalmente uma hierarquia entre sociedades e lugares”. O
autor prossegue: “a eliminação e/ou incorporação das populações autóctones não pode ser avaliada como um aspecto a mais da expansão
colonial mercantilista, pois está em seu centro. [...] De todo modo, a submissão efetiva impõe-se em todos os casos, independente do nível
político-cultural ou do contingente demográfico de cada sociedade conquistada” (2000, pp. 266 – 267).
62 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 63

A conquista e a fixação foram pautadas por uma Neste contexto, se por um lado, a arquitetura fez- as variáveis possíveis, construtivas e formais, da sim- técnicas de representação cartográfica na Capitania;
rede de consensos e intrigas. Os diversos agentes uni- -se sem arroubos formais, nada se encontrando em plicidade da arquitetura.4 afora os pequenos rios e vilas do litoral, somente o rio
ram-se das mais diversas modalidades e em tempos exagero, sem variedade de técnica e materiais; por No século XVIII, a cartografia portuguesa revela a Jaguaribe e as vilas do Aracati, Icó e Crato fora demar-
diferenciados, transformando o espaço. Alternam-se outro, sua expressão construída não invalida o sentido, Capitania cearense sem fronteiras estabelecidas, uma cado; as demais ribeiras, a topografia, as freguesias,
Estado e Igreja, Igreja e fazendeiros, fazendeiros e segundo Beatriz Bueno (2015 apud DINIZ, 2015), de região ainda não desenhada (JUCÁ NETO, 2012a). Os as fazendas de gado, os caminhos dos sertões são
Estado, Estado e índios, comerciantes de produtos deri- “geografias diversificadas e antropizadas heterogenea- sertões5 eram deveras imprecisos e extremamente anulados na figuração do vazio (figura 01).
vados da pecuária e Estado, marcando suas presenças mente”. De acordo com a autora, “falar de um ‘sertão fluidos. Na representação cartográfica imperava a A transposição dos sertões do Ceará, desenhados
no território, alterando lentamente, durante o século nordestino’ não só empobreceria a leitura por homo- metáfora6 de um grande vazio. Mas a Coroa inserin- como um vazio sem limites na metáfora cartográfica,
XVIII, a paisagem natural dos sertões do Ceará. (JUCÁ geneizar e delimitar um território variado e permeável, do-os nas dinâmicas da colonização, além de delimitar situados literalmente a meio caminho entre o Estado
NETO, 2012 a, p 158). como significaria incorrer em anacronismo por se tratar os termos das vilas fundadas, já havia esquadrinhado do Maranhão e Grão Pará e do Brasil foi crucial para
No século XIX, o incremento da agricultura – mais de uma terminologia forjada no século XX e carregada os sertões em unidades administrativas por razões a conexão territorial, contribuindo na superação dos
especificamente a cotonicultura - associada à ativi- de conotações ideológicas”. Ao pensarmos um sertão de arrecadação dos dízimos, associando as ribeiras impasses administrativos decorrentes da distancia e
dade da pecuária e a instalação da via férrea atribuiu cearense único e homogêneo, cairíamos no mesmo – “Ribeira do Seará”, “Ribeira do Acaracu” (Acaraú), separação dos dois Estados. Neste sentido, além da
novos significados econômicos ao Ceará, alargou a rede risco; ou seja, anular a existência dos vários sertões. “Ribeira de Jaguaribe”7 – às freguesias8, o que já apon- apreensão das singelas variáveis da arquitetura da casa
urbana e amplificou a teia das discordâncias múltiplas Da análise macrorregional do estudo de Nathália tava para apreensão heterogênea do território e suas de fazenda, a importância do território cearense, a
e interesses comuns entre os agentes envolvidos na Diniz (2015), “Um sertão entre tantos outros”, sobressai possibilidades econômicas. meio caminho nos Sertões do Norte, no movimento
reorganização do espaço da Província cearense. a “pluralidade de soluções” arquitetônicas das casas Na “Carta Topográfica aonde se compreendem as expansionista português em direção à zona de fronteira
Durante os setecentos e oitocentos, os agentes da de fazenda nos Sertões do Norte, revelando a “diver- Capitanias de que se compõem ao Presente Governo de com a América Espanhola reforça a importância do
ocupação deixaram marcas indeléveis na organização sidade social e o processo de ocupação não linear Pernambuco” de 1766, a região do Ceará é representada Ceará como recorte espacial a ser trabalhado. Além
do espaço territorial e urbano, na arquitetura civil, de paisagens amplas, fragmentadas e heterogêneas”, em amplitude indefinida, um espaço a ser conquistado. da diversidade social e física inerente aos sertões, a
institucional, religiosa e da casa de fazenda no Ceará. envolvendo “um vasto sertão, [...] distâncias colossais, Mesmo considerando-se que o mapa fora desenhado posição geográfica do Ceará contribui para a apreensão
A casa de fazenda do Ceará é analisada, neste livro, entraves inimagináveis aos olhos estrangeiros” (BUENO, com objetivo específico de representar as “vilas de de influências construtivas e formais na arquitetura.
como uma síntese material resultante dos condicio- 2015; Apud DINIZ, 2015). Tal fio condutor enlaça nossa Índio” da Capitania de Pernambuco e as possibilidades Influências provenientes das soluções arquitetônicas
nantes sociais e físicos que imperaram na organização visada. Entendemos o Ceará em sua complexidade e
do território durante os séculos XVIII e XIX. Reconhe- heterogeneidade social e física, não reduzido a único
4 Ver Ivone Cordeiro Barbosa (2000) em Sertão: um lugar incomum. O sertão do Ceará na literatura do século XIX. A autora se opõe a “ideia de
cemos a arquitetura da casa de fazenda nos Sertões sertão. Muitos são os sertões cearenses: os sertões que o espaço sertanejo possa ser considerado um “lugar-comum”; isto é, “trivial” e “ordinário” ou um “ideia muito conhecida e repisada”. Ainda
do Norte, em nosso caso a cearense, como expressão dos Inhamuns, o sertão central, o sertão do Limoeiro segundo a autora “a pretensão é apontá~lo como um espaço de ambiguidades, de diferentes experiências e de variadas possibilidades de leitura
sócio material da conquista, conformada pelos diversos e vários outros. Nos séculos XVIII e XIX, nos vários [...] supõe uma preocupação [...] de fazer uma leitura diferente de um discurso que se estabeleceu e se cristalizou como um “lugar-comum” na
sociedade brasileira e produziu um sentimento e sensibilidade sobre o sertão cearense.” (2000, p. 25).
tempos e lugares do fixar-se. Argumentamos que a sertões – o lugar de implantação, os materiais possíveis
5 Sobre o “sertão” na dinâmica colonial ver O sertão: um “outro” geográfico de MORAES (2011).
pouca especialização do trabalho, inerente à atividade de serem trabalhados, os potenciais produtivos de cada 6 Sobre a Cartografia como metáfora ver JACOB, Christian (2006).
da pecuária setecentista e do binômio pecuária-agri- ribeira e a inversão de capital e técnica dos “donos” da 7 A classificação encontra-se na “Idéa da População da capitania de Pernambuco, e das suas anexas, extensão de suas costas [...]”; “com-
cultura no século XIX, contribuiu com a simplicidade terra na construção da casa de fazenda, diretamente prehende esta Capitania do Seará quatro Ribeiras muito extensas a saber: A Ribeira do Seará que fica na Costa no meio da Capitania que por
ser a Capital dá o nome, a Ribeira do Acaracú, que fica ao Norte, a de Jaguaribe ao Sul, e a do Icó no Certão ao Poente da Ribeira de Jaguaribe”.
construtiva e volumétrica da arquitetura. associado ao seu poder econômico – condicionaram
Ver Diniz (2015). IDÉIA da População da Capitania de Pernambuco [...]. IN: Annaes Biblioteca do rio de Janeiro. Officinas Gráficas da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. 1923.
8 Segundo Claudia Damasceno Fonseca (2011), a freguesias eram criadas onde havia possibilidade de arrecadação e contingente populacional.
64 FIGURA 01 Carta Topográfica aonde se AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 65
compreendem as Capitanias de que
se compõem ao Presente Governo
de Pernambuco; oferecido ao Il.mo
e Ex.mo Sr. Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, do Conselho de
sua Magestade e Fidelíssima, Ministro,
e Secretário de Estado da Marinha da casa de fazenda das áreas a leste do território, mais as inúmeras fazendas conectando caminhos, estrei-
e Conquista por José Gonçalves da próximas do litoral açucareiro, e da Capitania do Piauí. tando distâncias intransponíveis e abastecendo rotas
Fonseca. Recife de Pernambuco. 31 de
Oriundos do litoral Norte Sul da costa brasileira comercias. Na análise cartográfica o maior número de
Março de 1766. Gabinete de Estudos
Arqueológicos de Engenharia Militar alcançava-se o Maranhão por terra ou por mar. A difi- fazenda fora apreendida na região sul da Província, nas
(GEAM). Lisboa. Desenho N.o 4586. culdade do acesso náutico - em decorrência dos ventos proximidades da moradia de Theberge, ao longo do vale
Armário 3. Prateleira 38. Pasta 52. e correntes marítimas que na costa leste oeste brasileira do rio Jaguaribe. Guiados pelo desenho, percorremos
sopravam em direção ao poente ocasionando cons- trechos do caminho setecentista entre as cidades do
tantes naufrágios no litoral - fortaleceu o avanço dos Icó e Tauá pelo rio Jaguaribe e registramos as fazendas
colonizadores por terra, seguindo as margens dos rios, Arraial, Estreiro, Carnaúba, dentre outras, anotadas no
as antigas trilhas indígenas, configurando os caminhos século XIX pelo médico Francês que mantêm caracte-
das boiadas expulsas do litoral açucareiro. Neste emara- rísticas da arquitetura oitocentista.
nhado de percursos, a fazenda de gado abasteceu rotas De acordo com a Idéa da população da Capitania
econômicas com os produtos da pecuária, possibilitando de Pernambuco de 1766, o território cearense era com-
a inserção dos sertões do Ceará na lógica mercantil posto por “onze villas; vinte Freguezias; quarenta e huma
colonial. O sentido econômico e geopolítico da conti- capelas; nove regimentos; nove centas setenta e duas
nuidade territorial anulou, paulatinamente, as distâncias Fazendas; nove mil sete centos e trinta hum fogos; e [...],
intransponíveis presente nas metáforas cartográficas. trinta e quatro mil cento e oitenta e huma pessoas”. Vilas,
Como documento histórico, na “Carta Chorográfica freguesias, capelas e fazendas conectaram o Maranhão
da Província do Ceará, com a divisão Ecclesiastica, à costa norte sul do Brasil10. Cerca de vinte anos após
e indicação da Civil e Judiciária até hoje organizada a Idéa da população, quando foram anotadas nove-
pelo D.or P.o Theberge, 1861” evidenciamos o rosário de centas e setenta e duas fazendas no Ceará, em meio à
fazendas costurando os sertões cearenses (figura 02 e teia de comunicação, a importância da fazenda de gado
03). Na cartografia, o médico francês Pedro Theberge9 cearense mais uma vez foi reconhecida pela Coroa. Em
desenhou os lugares com a respectiva toponímia da 1788, o Estado português propõe a realização de amplo
“Cidade comarca, Villa comarca, Villa termo, Districtos, inventário das fazendas do vale do Acaraú.
Povoado, Matriz de freguesia, Fazenda, Arraial e Ancora- As informações referentes ao Acaraú encontram-se
douros”, além dos limites das freguesias. Interessa-nos registradas em manuscrito intitulado “livro tem de servir

9 O médico francês Pedro Theberge chegou no Ceará na década de trinta do século XIX. Foi autor do projeto da Casa de Câmara e Cadeia do
Icó, de frontispícios de igrejas, de uma cartografia do território cearense, de estradas de rodagens; além de exercer a medicina. Sobre Pedro
Theberge, ver JUCA NETO (2016).
10 Beatriz Bueno (2016, p. 826) indaga em que medida o Brasil colônia seria “mais urbano do que parece à primeira vista”. A autora traz à reflexão
o entendimento da rede urbana na sua “conotação mais ampla, nela incluindo-se pousos, bairros rurais, fazendas, feiras, passagens, barreiras,
registros e demais pontos nodais relacionados às cidades, vilas, capelas, freguesias, julgados e aldeamentos missionários”. Tal perspectiva,
“possibilita ampliar o conceito de urbano para todo e qualquer vestígio de localidade indicativa de presença humana irradiada de demandas
urbanas, via homens urbanos, a despeito da sua fragilidade demográfica, formal e estatuto político”.
66 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 67

FIGURA 02 Figura 02. Carta FIGURA 03 Figura 03. Exercício de


Chorográfica da Província reconstrução gráfica. Vetorização
do Ceará, com a divisão da Carta Chorográfica da
Ecclesiastica, e indicação Província do Ceará, com a
da Civil e Judiciária até divisão Ecclesiastica, e indicação
hoje organizaga pelo D.or P.o da Civil e Judiciária até hoje
Theberge, 1861. Biblioteca organizaga pelo D.or P.o Theberge,
Nacional do Rio de Janeiro. 1861 com indicação das casas de
fazenda. Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro.
68 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 69

para Rellação de Plantações e Creaçoens de gado deste aponta ser a edificação a “expressão mais importante da dos estados de origem dos pesquisadores - no caso de CASA DE FAZENDA COMO TESTEMUNHO
termo, que na conformidade da Ordem do Il.mo e Ex.mo S.nr arquitetura popular cearense”. Assevera a vida cotidiana Bezerra, os Inhamuns, uma região do Ceará - desconsi- MATERIAL DA OCUPAÇÃO DOS
Governador Capitão General das três Capitanias deve nas “grandes fazendas de criação” transcorrendo no derando as dinâmicas que compreendiam seus sertões SERTÕES DO CEARÁ
fazer desta vila e remeter por cópias authentica ao dito “isolamento e na autossuficiência da produção”. O autor associados a outros do Brasil nos séculos XVIII e XIX.
S.nr do que diz este termo”11, assinado em 20 de novem- já identifica a simplicidade do viver; pois “apesar de pode- Após longo hiato temporal, no escrito de Nathalia
bro de 1788 pelo Ouvidor Manoel de Magalhães Pinto rosos, os senhores dos sertões viviam modestamente. Diniz, “Um sertão entre tantos outros” (2015), ante- Seja por se tratar da nossa mais antiga experiência
e Avellar de Barbedo. Segundo a historiadora Luciara Suas casas eram despidas de adornos arquitetônicos riormente citado, a casa de fazenda do Ceará volta a arquitetônica de vulto, anterior à urbanização e
Aragão, o texto seguia os parâmetros da ordem régia e o mobiliário se resumia a uns poucos trastes, quase ser estudada em análise comparativa com as do Piauí, intimidade ligada ao processo de desenvolvimento
de “8 de março de 1788” do “Capitão mor e Governador sempre feitos de couro – baús, bancos, “borrachas” além Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia. O econômico inicial do Estado e ao seu povoamento,
General de Pernambuco D. Tomás José de Melo para se de mesas simples e armários rústicos”. (CASTRO, 1980, trabalho “inova” ao trazer em perspectiva a “macror- seja por aparecer como a mais pura num sentido de
tomarem a rol todos os nomes de fazendas dos senho- p. 22/37). O esmero da sistematização analisa aspectos região (os Sertões do Norte), extrapolando fronteiras ambientação ecológica ou por sua aparência plás-
res do termo” de Sobral. A declaração constava “além construtivos e a dimensão tipológica da arquitetura. políticas e acadêmicas” (BUENO, 2015; apud DINIZ, tica inconfundível, a casa de fazenda é a expressão
das terras e gados, a colheita de legumes, [..] as vendas O segundo trabalho é da arquiteta Maria do Carmo 2015). No Ceará, a contribuição da autora restringe-se mais importante da arquitetura popular cearense:
de tais produtos” e se possuíam cercados defendendo Bezerra (1984). O estudo “vale-se [...] de referências de aos sertões do Inhamuns e a região do Icó12. adaptada paulatinamente às imposições físicas do
as plantas dos animais. O levantamento, para “efeitos caráter histórico e sócio-econômico [...] indispensável Diante do exposto, a reaproximação à casa de meio adverso, persistiu como solução válida até
fiscais”, por razões econômicas, comprova que “a ativi- à compreensão das manifestações arquitetônicas, pois fazenda do sertão do Ceará visa amplificar a aprecia- nossos dias. (CASTRO, 1980, p.24).
dade maior da região era a pecuária” (ARAGÃO, 1974, p. o espaço é, antes de qualquer outra consideração, um ção e exame arquitetônico das expressões cearenses;
XIII). Cada cadastro indicava o nome, título e profissão produto social”. Tendo como referência de análise Celso suas semelhanças e diferenças no espaço e no tempo. A sede da fazenda foi a primeira manifestação cons-
do inventariado, se era morador ou proprietário, nome Furtado, mais especificamente Formação Econômica Entender a singeleza da solução arquitetônica como truída representativa da ocupação dos sertões do Ceará.
e lugar da fazenda, sua extensão e limites, os bens – do Brasil, a autora assevera que a atividade pastoril resultante material do trabalho inerente ao criató- Robert Moraes explica o entendimento que se tem, dos
gado caprino, gado bovino, gado cavalar, gado vacum, desempenhou “grande papel de povoadora dos sertões rio associado às determinações sociais e físicas dos “[...] momentos diferenciados vividos pelos processos
escravos e instrumentos agrícolas – e o tipo de plantio. e geradora de uma civilização que se opunha à do litoral”. diferentes lugares de implantação. Para a análise colonizadores” durante a fixação no território brasileiro.
Ainda são escassos os estudos sistemáticos sobre Bezerra aponta a casa de fazenda como a “instituição levantamos e fotografamos exemplares arquitetôni- O primeiro “ato colonial refere-se à própria descoberta
a arquitetura da casa de fazenda e sua relação com o mais importante da organização sócio-econômica da cos de diferentes pontos do território com intuito (ou “achamento”) e exploração das novas terras, envol-
território cearense. Os dois primeiros datam da década Região dos Inhamuns”. (BEZERRA, 1984, p. 18 e 45). de melhor apreensão da diversidade da arquitetura13. vendo a consciência de sua existência e a identificação
de oitenta do século XX. Em 1980 é da lavra de José Nesta perspectiva, atenta a questão fundiária, realiza Nos apoiamos, na pesquisa, em fontes escritas de rotas para atingi-las e retornar à metrópole”. Em
Liberal de Castro, Notas relativas à arquitetura antiga “levantamento arquitetônico das edificações” e analisa secundárias e primárias, na documentação cartográ- seguida dá-se a “[...] conquista propriamente dita, tendo
do Ceará; tese apresentada para Concurso de Livre-do- a “organização espacial das fazendas de criação” dos fica e visita ao campo. como resultado a instalação dos colonizadores nos
cência no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da séculos XVIII e XIX. Pode-se afirmar que o trabalho novos sítios”. Segue-se uma “[...] etapa de consolida-
Universidade Federal do Ceará. O texto cobre uma longa inaugura no Ceará, a análise da arquitetura da casa de ção do domínio territorial, com a plena montagem das
temporalidade; do século XVIII ao início do século XX. No fazenda como resultado material do processo social
capítulo dedicado à casa de fazenda, Liberal de Castro de ocupação do território. Ambas as pesquisas tratam
12 A arquitetura da região dos Inhamuns foi trabalhada em sua tese de doutoramento, “Um sertão entre tantos os outros. Fazendas de gado
nas Ribeiras do Norte”, apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, no ano de 2013. A autora utilizou os levantamentos de
11 Arquivo NEDHIS – Núcleo de Estudos e Documentação Histórica. Centro de Ciências Humanas. CCH da Universidade Estadual Vale Maria do Carmo Bezerra (1984) e do IPHAN em sua análise.
do Acaraú – UVA. 13 Trabalhos exemplares nos municípios de Granja, Sobral, Icó, Saboeiro, Aracati, Canindé e Tauá.
70 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 71

estruturas produtivas, implicando já instalação de equi- manifestação física e cultural associada à temporalidade tempo resistindo ao inesperado, ao variado contexto da A ATIVIDADE DA PECUÁRIA E AS TECNICAS
pamentos e razoável dispêndio de trabalho morto na de sua construção e às transformações sociais do tempo. fixação nos sertões. Daí por que, construída em barro, CONTRUTIVAS DAS CASAS DE FAZENDA.
colônia”. O quarto momento trata da “[...] complexização Como acontecimento histórico a arquitetura cumpriu cal e madeira nativa, reconhecemos na casa de fazenda
das estruturas de produção já consolidadas”, com o “[...] determinada função no “momento de sua produção”. testemunho do trabalho inerente à fixação na Capitania,
estabelecimento de atividades complementares com Para Marina Waisman (2013, p. 159), “[...] o significado da próprio da “época do couro”, para citar expressão em Analisando a “história do açúcar”, Ruy Gama, em História
certa especialização regional”. Portanto, na gênese da arquitetura é um significado cultural, que não se esgota Capistrano de Abreu (1998, p.133). Documento funda- da Técnica no Brasil Colonial (1994, p.61), vislumbra uma
formação colonial, faz-se expressa uma “qualidade de no ato de sua produção, e, portanto, da concretização de mental para quem se debruça sobre a História material “porta de entrada, para o estudo das técnicas construti-
subordinação” com a “efetiva instalação do colonizador”. uma ideologia”. Em consequência, “[...] sua compreensão e social da organização do espaço cearense, sobre a vas”, compreendendo “[...] os materiais, as ferramentas e
A fixação no território implica a “submissão das popula- exige que o significado seja estudado no âmbito cultural História da Arquitetura do Ceará. a mão-de-obra, o trabalho de carpintaria na construção
ções locais” e a “apropriação dos lugares, envolvendo a correspondente, pois sua separação o privaria de sentido dos edifícios e também das moendas, feitas totalmente
pioneira edificação dos assentamentos europeus” ou de ou poderia levar a tergiversar sobre seu significado”. de madeira”, assim como “[...] as rodas d’água, os carros e
seus descendentes diretos em territórios conquistados A casa é “produto cultural”, como assinala Adriana os barros usados nos transportes de cana e do açúcar”.
(ROBERT MORAES, 2000, p. 276 - 279). Mara Vaz de Oliveira (2010, p. 21), em Fazendas Goianas. Afirma que, pela mesma entrada, é possível chegar ao
A maioria das casas de fazenda setecentista do Ceará A casa como universo de fronteira. A autora identifica “[...] estudo das técnicas de ocupação do território e da
já não mais existe. As que resistiram foram alterados na arquitetura da casa de fazenda Goiana, “[...] material implantação das cidades, do desenvolvimento urbano e
durante o século XIX. A simplicidade14 construtiva e arquitetônico resultante” que “não se desprende de da arquitetura no Período Colonial na região açucareira”.
volumétrica, como característica da casa de fazenda todos os outros aspectos, que envolvem a sociedade
setecentista, prosseguiu nos Oitocentos. A arquitetura produtora desse objeto, sejam eles físicos ou culturais”. A fabricação do açúcar tinha uma particularidade
continuou despojada, sem ornamentos, sem filigranas. Como “produção coletiva”, a arquitetura [da casa] “[...] é que foi de grande importância para a industrializa-
Por ser resultante construída das condições sociais e fruto de decisões selecionadas por uma sociedade ao ção das colônias: é que a cana deve ser moída tão
físicas que imperaram no movimento de fixação, expres- longo do tempo, visando satisfazer suas necessidades logo seja cortada e seu caldo deve ser beneficiado
são material do viver nos sertões, a arquitetura da casa materiais, espirituais e de estética comunitária, supridas também imediatamente. Não se podia exportar
de fazenda não pode ser medida pela opulência, por mediante os recursos disponíveis, condicionando-os à cana-de-açúcar e nem garapa. Essa possibilidade
arrebatamentos formais, pela variedade de materiais e economia, ao clima e ao sítio”. só existia para os produtos semi-elaborados como o
técnicas construtivas. Nesta busca expressa em matéria construída, inse- melado e os açúcares brutos [...] Essa particularidade
Fernand Braudel, em Civilização Material e Capita- rida no sentido da “longa temporalidade” inaugurada por exigiu o estabelecimento de oficinas, junto às planta-
lismo (1970, p. 216), assevera que uma casa “[...] não deixa Braudel, identificamos na casa de fazenda dos sertões ções [...] A existência de instalações permanentes, de
de testemunhar a lentidão das civilizações, de culturas do Ceará documento material da época da ocupação vulto respeitável, como eram os engenhos, implicava
obstinadas em conservar, em manter, em repetir”. Como territorial da Capitania. A arquitetura deve ser pensada o emprego de técnicas construtivas, de técnicas
testemunho material de um tempo pretérito, a casa é como manifestação material da ação do homem em seu de transporte e armazenamento [...] Portanto, além
da fabricação, o açúcar multiplica a demanda de
14 Em larga perspectiva temporal e espacial, da produção colonial à modernista, Glauco Campelo (2001, p. 28) aponta que o “apanágio da técnicas dos mais variados tipos. (GAMA, 1984, p. 61).
simplicidade” na arquitetura “parece ter sido a força aglutinadora ou [...] o veículo redutor a uma expressão peculiar, tipicamente brasileira”.
O autor acrescenta que esse não é o “único atributo nem mesmo o essencial, na formação de uma cultura arquitetônica brasileira”, mas que
“a sua presença pode ser anotada e, de certo modo, fruída como expressão poética, em todos os períodos de nossa história, em obras de Com a análise de Ruy Gama vislumbramos cami-
estilos e valores diferentes”. nho para entender a simplicidade construtiva da casa
72 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 73

de fazenda como expressão arquitetônica do trabalho técnicas construtivas, prevalecendo muito das carac- A PECUÁRIA SETECENTISTA E Desde os anos trinta do século XVIII, a técnica de
inerente à produção do criatória, próprio do movimento terísticas da arquitetura setecentista. A arquitetura foi A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO salgar a carne na Capitania cearense já havia modifi-
de fixação nos sertões do Ceará durante o século XVIII. “erguida de acordo com técnicas vernáculas. A carência TERRITORIAL CEARENSE cado, em parte, o processo de produção dos derivados
A pecuária, tida como atividade secundária em rela- de mão de obra especializada e de materiais manufa- do criatório. Além de sua comercialização em pé nas fei-
ção ao açúcar, mas responsável pela existência de um turados condicionou” o “uso de dispositivos locais, ras do litoral paraibano e pernambucano, o gado passou
mercado interno na colônia15, não precisou grandes conferindo peculiaridades regionais às edificações”. Por um lado, o criatório manteve no Ceará as carac- a ser negociado no litoral açucareiro, já abatido, tanto
investimentos de técnica e de capital para sua produção. (DINIZ, 2015, p. 298). terísticas da pecuária do litoral açucareiro; ou seja, salgado como em forma de couro, oriundo dos portos
Ao contrário da açucareira - que exigia certa especia- Retornando à produção do açúcar no litoral nor- continuou sendo atividade extensiva, extremamente do Ceará e do Rio Grande do Norte. A salga da carne
lização do trabalho – a atividade produtiva do criatório destino, Geraldo Gomes (1998, p. 12) confirma as várias fluida, baixa produtividade e rentabilidade - se com- incrementou, ainda, o fluxo comercial internamente
não necessitava de mão de obra especializada na criação etapas do fazer açucareiro evidenciando a complexidade parada à produção do açúcar na região do Massapê à própria Capitania com as transações de compra e
das boiadas e produção dos seus derivados. A atividade do processo de manufatura, indicando a necessidade de - e relativa capacidade de acumulação. Por outro, a venda das boiadas, entre as vilas do sertão e as do
criatória era extensiva, o crescimento da boiada era especialização da mão de obra: “plantar, colher e moer comercialização da carne verde e seus derivados - litoral cearense, onde se localizavam as salgadeiras.
vegetativo e o gado era autotransportado até as zonas a cana para extrair-lhe o caldo, que será cozido, decan- interligando as mais remotas zonas sertanejas com o A estrutura fundiária e a conformação social do
de comércio. Com o processo de salga da carne16, a partir tado, purificado e embalado”, para ser transportado17. litoral cearense, com a feira de gado na zona açucareira Ceará tiveram base na atividade da pecuária durante
da década de trinta do século XVIII, parte da gadaria Também a produção do café requeria uma divisão e os portos da Paraíba, Pernambuco e Bahia, de onde o século XVIII. Das 2.472 cartas/datas de sesmarias
era transportada já abatida, salgada, para os portos de do trabalho implicando na especialização da mão de seguiam os couros em cabelo, os atanados e as solas solicitadas, “[...] num período de um século e meio, 91%
Pernambuco e Paraíba. O processo não implicou em obra. Tratando a arquitetura da Casa de fazenda do café para as cidades do Rio de Janeiro, Porto e Lisboa, em tinham como justificativa a necessidade de terra para
mudanças significativas na mão de obra envolvida. A no vale do Paraíba, Marcos José Carrilho (2006, p. 59), Portugal - atribuiu sentido econômico à ocupação ter- o criatório.” (PINHEIRO, 2008, p. 24).
salga consistia basicamente em carnear o gado e por as chama atenção para imponência da residência principal. ritorial (JUCÁ NETO, 2012).
mantas de carne salgadas a secar em varais. O autor indica complexidade no processo produtivo O principal mercado consumidor da pecuária
A correlação proposta entre o saber fazer arqui- do café com a “sucessão contínua de casas formando cearense foi Pernambuco, pela relativa proximidade
tetura e a pouca demanda de técnica especializada na pátios, com instalações de beneficiamento, engenho, geográfica e pelo fato de o Ceará ter sido politicamente
atividade criatória condicionou, dentre outros fatores de moinho, tulha, oficinas do ferreiro e do carapina, sen- dependente à Capitania pernambucana até 1799 (GIRÃO,
ordem social e física, a produção arquitetônica da casa zala, enfermaria, casa do administrador, rancho, venda, 1984, p.82). O excedente de carne verde, comercializado
de fazenda nos sertões do norte. A obra arquitetônica pouso; e gente, muita gente”. Também a imponência da nas principais feiras e portos do litoral durante todo
atrelou-se ao imediatamente vivido na lida com o gado, edificação e certa complexidade da produção podem o século XVIII, desmistifica o sentido único de sub-
ao possível trato com as boiadas. A casa de fazenda de ser observadas na análise arquitetônica - volumetria, sistência da economia. As distâncias eram grandes e
gado setecentista era simples, sem arroubos formais. programa e sistema construtivo - de casas de fazenda os percursos impiedosos. Nas travessias do território
No século XIX, as transformações sociais nos sertões de açúcar e café, em Campinas, realizada por Áurea rumo ao abastecimento da zona do açúcar, perdiam-se
cearenses não implicaram mudanças significativas nas Pereira da Silva (2006). muitas cabeças de gado provenientes dos sertões.

15 Sobre a temática, dentre outros trabalhos, ver Fragoso (1998) e Teixeira da Silva (1996).
16 O processo da salga consistia na carneação, na salga – propriamente dita – e na secagem das mantas de carne em galpões cobertos de
telha. A carne era estendida e desdobrada em varais, salgada e em um tacho de ferro a gordura era extraída em água fervente. O couro era
estaqueado e seco ao sol. (GIRÃO, 2000, p.157). Sobre as oficinas de carne ver Geraldo da Silva Nobre (1977).
17 Ver também Azevedo (1990)
74 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 75

OS CAMINHOS DO GADO E A (Canindé), Piagohy (Piauí) e Parnaíba”. Acentuando a difi- Ambos eram “[...] navegáveis, podendo-se desce-los em “[...] consistia quase unicamente em couros salgados e
OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO culdade da travessia, o cálculo estimado das distâncias canoas e assim faziam todos os que vinham das minas espichados e alguma pellica das que se trabalhavam em
não foi esquecido por Marfrense Sertão. “Da entrada para Bahia, até altura que mais lhe convinha. Para cima todo o sertão cearense” (STUDART FILHO, 1937, p.29) e
do rio São Francisco aos currais de gado do primeiro não se podia navegar devido à corrente”. Os caminhos as boiadas que seriam salgadas nas oficinas de charque
Os boiadeiros percorreram o território cearense seguindo povoado distavam umas 40 léguas e deste último, para por terra eram bons, “[...] conduzindo-se por eles os no litoral e transportadas em embarcações - a maioria,
as antigas trilhas indígenas, que, por sua vez, seguiam as o lado do Maranhão 30 léguas, daqui até a cidade do gados do rio grande de São Francisco para o sustento sumacas - para Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Pelo
margens dos rios do Ceará. Nestes longos percursos, por Maranhão iam umas 70, havendo também um caminho dos fabricadores das minas de ouro, não lhes podendo vir rio Jaguaribe, Icó e Aracati – as duas principais vilas
meio de rotas muitas vezes “desconhecidas”, o solo cea- mandado descobrir por Dom João de Lencastro, mas de outra parte, por não haver mais perto”. Das minas para do Ceará no século XVIII – mantiveram um intenso
rense foi rasgado pela atividade criatória, estabelecendo todo ele despovoado, devido ao gentio bravo que por ali São Paulo e Rio de Janeiro “[...] também havia estradas, comércio, inicialmente com o gado e posteriormente,
conexões com a dinâmica econômica da Metrópole. havia”. Daquele povoado partia uma “[...] estrada para o mas dizia-se serem muitas ásperas por atravessarem no século XIX, com o algodão.
Em pontos estratégicos nos caminhos dos sertões, as Ceará, Rio Grande, Paraíba e Pernambuco” com lugares várias serras”. As minas ficavam “[...] em direitura do A Estrada Nova das Boiadas ligava o vale do rio
primeiras casas de fazenda foram construídas. propícios para o pouso, “[...] onde poderiam ir socorros Espírito Santo, afastadas para o sertão não se sabia Acaraú, no território cearense, e o Piauí à Paraíba, pelo
No alvorecer do século XVIII, uma carta18 de Domin- sempre que fosse preciso, em carros e cavalos, porque bem quanto vindo a estar tão distante da Bahia como a Ceará. Vindo da direção da Paraíba, passava por Pau-
gos Sertão Mafrense ao governador Geral do Brasil, todas aquelas paragens havia muitos currais de gados e de São Paulo e constando ficarem mais perto do Rio de -dos-Ferros, ultrapassava o rio Jaguaribe na altura da
Dom João de Lencastro, datada de 15 de janeiro de 1702, farinhas para o sustento desses comboios, salvo nas 70 Janeiro”. Por fim, Marfrense Sertão assevera ser “[...] tudo atual cidade de Jaguaribe, seguia pelo riacho do Sangue,
descrevendo os caminhos, as povoações e as distâncias léguas já indicadas”. Já “[...] da Bahia até Jacobina que dis- que podia informar, tendo andado por muitos daqueles cruzava o rio das Pedras, chegava ao rio Banabuiú e
da Bahia aos demais povoados até o Maranhão confirma tava umas cem léguas, encontrava-se uma outra estrada sertões e tirado larga notissia dos que não conhecia”. encontrava o rio Quixeramobim para alcançar a vila de
que o Ceará já era cruzado no sentido Piauí Pernambuco. que, passando pelo ponto a que chamam o Morro do As principais estradas dos boiadeiros na Capitania do Quixeramobim. De lá, um ramal seguia para Crateús,
Mafrense Sertão narra, em linhas gerais, a travessia. Chapéu, ia seguir ao Rio de São Francisco, donde seguia Ceará setecentista foram a Estrada Velha, Estrada Geral entrando no Piauí pelo rio Poti. Outro ramal partia para
Da “cidade da Bahia”, “uma estrada coimbrã” buscava até a barra do rio das Velhas numa extensão também de do Jaguaribe, a Estrada Nova das Boiadas, a Estrada Sobral seguindo para o porto de Acaraú, na bacia do
o rio São Francisco passando por Jacobina. A cami- 100 leguas”. E prossegue, “[...] outras 100 iam deste último das Boiadas, a Estrada Camocim-Ibiapaba, a Estrada rio Acaraú e em direção a Granja, rumo ao porto de
nhada somava uma “[...] extensão de aproximadamente rio até as minas de ouro” por caminhos despovoados. Em Crato-Oeiras e a Estrada Crato-Piancó (figura 04). Camocim, na bacia do rio Coreaú. Depois de Pau-dos-
trinta léguas, pela qual vinham a maior parte dos gados contrapartida, “[...] pelo rio de São Francisco abaixo, tudo Desde o inicio do século XVII, a Estrada Velha já ligava -Ferros, no Rio Grande do Norte, encontrava a Estrada
que se criavam naqueles sertões, para o sustento da era povoado de currais de gado, de uma e outra banda”. Recife ao Maranhão pelo litoral (STUDART FILHO, 1937, das Boiadas, na Paraíba, e seguia para a cidade do Recife
cidade e seus arrabaldes”. De Jacobina “[...] se seguia Alcançava-se ainda a região das minas pela Bahia por p.18). A Estrada Geral do Jaguaribe partia de Aracati, prin- (STUDART FILHO, 1937, p.30).
para o Norte, sempre beira-rio, umas 20 leguas”; onde outro caminho também despovoado “[...] que se abria por cipal porto da Capitania, subia o rio Jaguaribe, passava A Estrada das Boiadas vinha do médio Parnaíba em
“[...] começava uma outra estrada, também coimbrã por onde chamavam Perogoassu que era mais perto e ia sair em Russas e Icó e seguindo o rio Salgado ultrapassava direção a Oeiras (antiga vila da Mocha) e a atual Valença,
onde vinham os gados das povoações novas do Callindê ao rio São Francisco perto da Barra do Rio das Velhas”. a chapada do Araripe para alcançar os sertões do Per- ambas no Piauí; seguia o rio Jaguaribe até Icó, quando,
nambuco em direção à Bahia. Foi a mais importante via alcançando a Paraíba, passava por Souza, Pombal, Patos,
de circulação do Ceará no século XVIII, por onde eram Campina Grande, Ingá, Mogeiro e Itabaiana. De Itabaiana
18 O documento se encontra no artigo A formação da zona da pecuária nordestina (1963) de José Alípio Goulart, publicado na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Domingos Affonso Mafrense, também conhecido por Domingos Sertão Mafrense, era natural de S. levadas as mercadorias para o sertão, vindas de Aracati, partia ou em direção a João Pessoa via Pilar e Santa Rita,
Domingos da Tanga da Fé, termo de Torres Vedras, arcebispado de Lisboa. Saindo do rio São Francisco, de sua fazenda Salobro, atravessou a provenientes das demais capitanias. Por ela também ou em direção ao porto do Recife e Olinda, cruzando
serra Dois Irmãos, alcançando o rio Canindé e seus afluentes no Piauí. Na Capitania piauiense, Domingos Sertão Mafrense chegou a possuir 50 eram carregados os produtos das salinas cearenses Pedra do Fogo, Itambé e por fim Goiana e Igarassu,
fazendas de gado, inclusive o sitio Quebrobó, que serviu de sua residência, sendo mais tarde elevada à condição de vila sob a denominação de
Mocha, hoje Oeiras. Após sua morte em 1711, na Bahia, deixou mais de 30 fazendas para os padres jesuítas do Piauí. Por suas inúmeras entradas para as regiões do rio São Francisco. Em direção ao em Pernambuco. De Tauá, podia-se alcançar a Estrada
ao centro do Piauí, cognominou-se Sertão, motivo por que alguns escrevem Domingos Affonso Sertão (MENEZES, 1901). Aracati seguia toda a produção do vale do Jaguaribe que Nova das Boiadas. Pela Estrada das Boiadas eram abas-
76 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 77

FIGURA 04 Figura 04 – As estradas tecidos tanto os matadouros e as oficinas de charque


das boiadas. Mapa elaborado com
do litoral, seguindo pela Estrada Geral em direção ao
apoio nas informações contidas
no texto Vias da communicação Aracati, como as feiras de gado em Campina Grande,
do Ceará de Studart Filho (1937). Itabaiana, Pedra do Fogo e Itambé, na Paraíba, e Goiana
Fonte: JUCÁ NETO, 2012. e Igarassu, em Pernambuco. Dela também se serviam
os fazendeiros do sertão para refazer seus gados, nas
pastagens do rio Parnaíba, após as longas estiagens
(STUDART FILHO, 1937, p.31).
A Estrada Camocim-Ibiapaba ligava Viçosa do Ceará,
na serra da Ibiapaba, a Granja e ao porto de Camocim
pela bacia do Coreaú. Quixeramobim interligava-se, ainda,
com os sertões da atual Santa Quitéria pela Estrada da
Caiçara. Do Crato, partia-se tanto para Oeiras – Estrada
Crato-Oeiras - via Campos Sales e Picos pelos vales
férteis do Araripe, como para Piancó – Estrada Crato-
-Piancó - alcançando Patos, na Estrada das Boiadas, já
na Paraíba (STUDART FILHO, 1937, pp.35-39).
No alvorecer do século XIX, os caminhos das boiadas,
conectaram os locais de fixação – encontro de picada
feita de areia e pedra, cruzamento de rios, lugar de pouso,
casa de fazenda de gado, aglomerado e vila. Os caminhos
e a constelação de pontos, enlaçados, superpuseram-se
integrando todo o território.
O lugar de fixação e as rotas dos circuitos internos da
produção adquiriram importância diferenciada, associada
a sua distinta potencialidade econômica e geopolítica na
escala territorial; ou seja, os caminhos e os lugares de
parada distinguiram-se em valor na trama constituída,
constituindo estradas principais e secundárias.
Tal dimensão heterogênea do espaço resultou na
maneira diferenciada de seu uso, promovendo interesses
diversos, condicionando mesmo, no tempo e no espaço
as características da arquitetura. Daí por que, a explo-
ração e aproveitamento dos caminhos, das passagens,
dos rumos da travessia e dos pontos de repouso nos
255

Captania do Ceará
78 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 79
0 Vilas de Brancos 51 -
Pov. do Saco da Orelha
1 - Vila de Aquiraz 52 -
Pov. da Telha
2 - Vila de Fortaleza 53 -
Pov. do Poço do Mato
3 - Vila do Icó 54 -
Pov. de S. Vicente
4 - Vila do Aracati das Lavras
71 72 5 - Vila de Sobral 55 - Pov. de Umari 255
71 6 - Vila de Granja 56 - Pov. de São Mateus
7 - Vila de Campo Maior 57 - Pov. das Flores
73 8 - Vila de São Bernardo das Russas 58 - Pov. de Arneirós
6 9 - Vila de São João do Príncipe 59 - Pov. de Cocossi
Captania do Ceará
10 - Vila do Crato 60 - Pov. da Cruz
11 - Vila do Jardim 61 - Pov. do Brejo Grande
33 0 Vilas de Brancos 62 - Pov. da Barbalha 51 - Pov. do Saco da Orelha
25 63 - Pov. de Missão Velha
27
Vilas de Índios
1 - Vila de Aquiraz 52 - Pov. da Telha Enviar Legenda
26 2 - Vila de Fortaleza 64 -- Pov. dos Milagres 53 - Pov. do Poço do Mato
12 - Vila do Soure 3 - Vila do Icó 65 Brejo de Santa Rosa
54 - Pov. de S. Vicente
30
15 13 - Vila de Messejana 66 - Brejo da Porteiras
5 21 2 14 - Vila de Arrounches 4 - Vila do Aracati 67 - Córrego do Ramalho das Lavras
71
31 72 24 12 15 - Vila Viçosa 5 - Vila de Sobral 68 - Pov. da Catinga 55 - Pov. de Umari
71 14 16 - Vila de Monte 6 - Vila de Granja dos Goes 56 - Pov. de São Mateus
32 13 Mor-o-Novo 7 - Vila de Campo Maior69 - Pov. do Jiqui 57 - Pov. das Flores
29
73 20 1 8 - Vila de São Bernardo
70 -das
Pov.Russas
da Montamba 58 - Pov. de Arneirós
6 - Pov. de Almofala
9 - Vila de São João do71Príncipe 59 - Pov. de Cocossi
10 - Vila do Crato 72 - Pov. da Barra do Acaraú 60 - Pov. da Cruz
34 36 19 Povoados 73 - Pov. do Pará
- Vila do Jardim
11 61 - Pov. do Brejo Grande
17 17 - Pov. Cascavel
35
33 23 18 18 - Pov. de Monte 62 - Pov. da Barbalha
28 25
27 Mor-o-Velho Outras Captanias
63 - Pov. de Missão Velha
16 Vilas de Índios 64 - Pov. dos Milagres
26 19 - Pov. de Guaiúba
20 - Pov. de Maranguape 12 - Vila do Soure 65 - Brejo de Santa Rosa
30
15 21
21 - Pov. de Siuipé 13 - Vila de Messejana 0 Vilas 66 - Brejo da Porteiras
37 5 22 42 22 - Pov. dos Itans 14 - Vila de Arrounches 71 - Vila da Parnaiba 67 - Córrego do Ramalho
31 24 12 23 - Pov. de Canindé 72 - Vila de Marvão
15 - Vila Viçosa 68 - Pov. da Catinga
24 - Pov. de Santa Cruz 73 - Vila de Porto Alegre
14 70 25 - Pov. do Trairí 16 - Vila de Monte dos Goes
72 32 6913 Mor-o-Novo 69 - Pov. do Jiqui
26 - Pov. de São José
29 20 68 27 - Pov. de São Bento Povoados 70 - Pov. da Montamba
8 1 71 - Pov. de Almofala
d’Amontada 74 - Pov. das Piranhas
28 - Pov. de Stª Quitéria 75 - Pov. de Santa Luzia 72 - Pov. da Barra do Acaraú
34 36 41 19 29 - Pov. da Boa Vista Povoados 76 - Pov. do Inxú 73 - Pov. do Pará
7 17 30 - Pov. da Beruoca 17 - Pov. Cascavel 77 - Pov. de S. João
38 42 45 - Pov. de Santo Antônio 78 - Pov. do Pau dos Ferros
35 23 18 31 18 - Pov. de Monte
74 28 44 81 32 - Pov. de São Benedito 79 - Pov. do S. Dos Martin
43 Mor-o-Velho
39 16 33 - Pov. de Ibuassú 80 - Pov. do Apodi Outras Captanias
Capitania do Rio 34 - Pov. Baiapina 19 - Pov. de Guaiúba 81 - Pov. de Santa Luzia
Capitania do Piauí Grande do Norte 35 - Pov. da Vila Nova d’Elrey 20 - Pov. de Maranguape
40 36 - Pov. da Lapa 21 - Pov. de Siuipé 0 Vilas
37 22 4 37 - Pov. de São Gonçalo 22 - Pov. dos Itans 71 - Vila da Parnaiba
38 - Pov. da Boa Viagem 23 - Pov. de Canindé Limite territorial dos termos 72 - Vila de Marvão
75 46 39 - Pov. de Santa Rita 24 - Pov. de Santa Cruz 73 - Vila de Porto Alegre
47 80 40 70
- Pov. de Mombaça 25 - Pov. do Trairí Estradas coloniais
72 69 41 - Pov. de Quixadá
48
42 - Pov. da Barra do Sitiá
26 - Pov. de São José
9 68 27 - Pov. de São Bento Povoados
8 43 - Pov. do Livramento
57
49 44 - Pov. de São João d’Amontada 74 - Pov. das Piranhas
45 - Pov. do Tabuleira d’areia 28 - Pov. de Stª Quitéria 75 - Pov. de Santa Luzia
50 5141 78 46 - Pov. do Frade 29 - Pov. da Boa Vista 76 - Pov. do Inxú
73 79
58 7 47 - Pov. de Santa Rosa 30 - Pov. da Beruoca 77 - Pov. de S. João
42 45 48 - Pov. do Queixossó 78 - Pov. do Pau dos Ferros
74
38 31 - Pov. de Santo Antônio
3 43 44 49 - Pov. de
81 Santo Antônio 32 - Pov. de São Benedito 79 - Pov. do S. Dos Martin
59 39 52 Capitania da Paraíba 50 - Pov. de S. Cosme 33 - Pov. de Ibuassú 80 - Pov. do Apodi
60 56 Capitania doeRio
Damião
34 - Pov. Baiapina 81 - Pov. de Santa Luzia
Capitania do Piauí 53 Grande do Norte 35 - Pov. da Vila Nova d’Elrey
40 36 - Pov. da Lapa
54 55 37 - Pov. de São Gonçalo
77 38 - Pov. da Boa Viagem Limite territorial dos termos
75 46 39 - Pov. de Santa Rita
47 80 40 - Pov. de Mombaça
Estradas coloniais
61 48
41 - Pov. de Quixadá
42 - Pov. da Barra do Sitiá
9 43 - Pov. do Livramento
10 63 49 44 - Pov. de São João
57 76
62
64 45 - Pov. do Tabuleira d’areia
65 50 51 78 46 - Pov. do Frade
73 79
Capitania do Pernambuco 58 Capitania do Pernambuco 47 - Pov. de Santa Rosa
11
66
48 - Pov. do Queixossó
25 100
52 3 49 - Pov. de Santo Antônio
25 100
0 50 150
Km
59 67 Capitania da Paraíba 50 - Pov. de S. Cosme Km
60 56 e Damião
0 50 150

53
Figura 78 - As estradas coloniais do Ceará – 1817.
Fonte: Mapa elaborado pelo autor a partir das informações contidas na
54 Carta55/ Marítima e Geográfica / da / Capitania do Ceará. / Levantada por ordem / do / Govor Manoel
77
Ignácio de Sampayo / por seu ajudante d'ordens / Antonio Joze da Sa Paulet. 1817. Fonte: GEAEM. Desenho Nº 4578. Armário 1A. Prateleira 10 A. Pasta 53.
80 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 81

sertões, implicando o controle e a regulação do seu A FUNÇÃO SOCIAL DA FAZENDA Lembramos que por todo o século XVIII, a Capital “ [...] funciona como verdadeiro centro da vida
funcionamento material e social, ocasionaram lutas NOS SERTÕES DO CEARÁ cearense esteve apartada das rotas das boiadas da doméstica, servindo concomitantemente de zona
sangrentas entre os múltiplos agentes por posse da Capitania. Por outro lado, as mudanças socioeconômicas de estar, galeria de dormida de hóspedes (em redes),
terra, manchando de sangue o solo sertanejo. da Província incrementaram a materialidade construída local de execução de trabalhos manuais, tulha de
Não à toa, a maioria das vilas criada pelos portu- No século XVIII, a fazenda de gado foi a realização de algumas vilas e cidades. armazenamento provisório de cereais, tubérculos
gueses no Ceará, no século XVIII e alvorecer do século mais significativa da organização socioeconômica e Mesmo considerando o relativo declínio da atividade e frutas, setor de guarda do equipamento de mon-
XIX, situava-se em ponto estratégico nos caminhos das espacial da ocupação na Capitania do Ceará. A sede criatória, associado ao incremento da agricultura vol- taria, eventual refúgio de animais e ainda espécie
boiadas. As mais importantes, a Vila de Nossa Senhora da fazenda se constituiu como o primeiro ponto de tada principalmente à cotonicultura e maior integração de mirante abrigado de onde se pode descortinar
da Expectação do Icó (1736) e a Vila de Santa Cruz do fixação no território. Lugar de morada do colonizador, dos núcleos de povoamento no século XIX (BEZERRA, o terreiro à frente ou ter uma vista mais ampla, que
Aracati (1748) localizavam-se, respectivamente, no cru- pouso, passagem. Sede da autoridade e do poder, das 1984), a casa de fazenda oitocentista guardou muito das englobe a casa de farinha, o curral ou talvez o con-
zamento das duas principais estradas da Capitania, a sesmarias, da unidade familiar, da atividade produtiva, características do objeto arquitetônico setecentista, torno distante de um serrote”.
Estrada Geral das Boiadas e a Estrada do Jaguaribe, e da vida política local, de toda autarquia sertaneja e tanto na simplicidade volumétrica e construtiva, quanto
na foz do rio Jaguaribe19. suas famílias com poderes quase absolutos e da rede no programa adotado.
Exatamente nas intersecções dos fluxos territoriais, de mando e desmando que pautou a organização ter- O programa da fazenda de gado prosseguiu cons-
no lugar de bifurcação das estradas, onde os rios se ritorial (JUCÁ NETO, 2012). tituído pela sede, o curral, a roça e raramente uma
encontravam, onde havia água mesmo que não abun- No final dos Setecentos, o sertão foi palco de uma pequena capela e um açude. As mudanças no perfil
dante, uma sombra qualquer ou alguma pastagem, os grande seca – 1790 a 1793 - desestabilizando a pecuária sociocultural dos donos das fazendas não implicaram
primeiros conquistadores escoraram suas trouxas, cearense. A partir daí, por todo o século XIX, a economia alterações substanciais na arquitetura; na volume-
amarraram seus cavalos, descansaram, dormiram ao reproduziu a expansão da agricultura brasileira asso- tria, programa, organização interna ou nos sistemas
relento, cuidaram da boiada no pernoite e se abastece- ciada a pecuária oitocentista. A atividade criatória e a construtivos. (BEZERRA, 1984). Somente a presença
ram para continuar a jornada. Nestes lugares longínquos produção do algodão em plena ascensão, abastecendo de áreas com alpendre21 na casa oitocentista sugere
e distantes, propícios para o pouso, a maioria das casas a indústria têxtil inglesa20, modificaram paulatinamente novas sociabilidades nos sertões. Como aponta José
de fazenda do Ceará foi construída. Em seu entorno, as o panorama econômico no Ceará (JUCÁ NETO, 2012). Liberal de Castro (1980, p. 26), o espaço coberto com
condições sociais tornaram possíveis os primeiros sinais O fortalecimento da atividade terciária associada ao o alpendre é lugar de armazenamento provisório de
de acumulação de renda; dando origem ao pequeno binômio pecuária-agricultura alterou, em parte, rede excedente da produção, de encontro, de estar, onde os
lugarejo, a pequena povoação. À sua sombra, a maioria urbana cearense setecentista. visitantes podiam armar suas redes e pernoitar.
das vilas do Ceará colonial foi fundada. Interligado pelas Na primeira metade dos Oitocentos, os Relatórios
estradas das boiadas, o Ceará alcançou o alvorecer do dos Presidentes de Província já afirmavam a impor-
século XIX com uma rede urbana constituída por dezoito tância de interligar Fortaleza às zonas de produção da
vilas e cerca de setenta povoados (JUCÁ NETO, 2012). agricultura, em especial do algodão (SOARES, 2015).
21 Ver Corona & Lemos (2017, p. 32). Os autores definem o alpendre. “ [...] alpendre é todo o teto suspenso por si só ou suportado por pilastras
ou colunas, sobre portas ou vãos de acesso”[...] Vulgarmente pensa-se que alpendre seja o recinto abrigado anterior a porta. Alpendre é a
cobertura desse recinto [...] hoje em dia alpendre é sinônimo de área abrigada, de telheiro, de terraço coberto, de galilé ou nartex, de copiar,
19 Sobre o processo de Urbanização do Ceará durante o século XVIII ver Os Primórdios da Urbanização do Ceará (JUCÁ NETO, 2012). etc”. O arquiteto José Liberal de Castro (1980, pp. 25 - 26) nos fala que o “alpendre não é exclusivo do Ceará, pois na realidade, não passa de
20 A retirada do algodão produzido pelos Estados Unidos da América do mercado internacional, em decorrência Guerra de Secessão, pro- uma versão transmigrada do pórtico mediterrâneo, comum, senão na casa, mas em vários programas greco-romanos e medievais. A antiga
vocou o aumento no preço do produto. Como consequência, a indústria inglesa buscou novas fontes de abastecimento, possibilitando maior chácara dos arrabaldes cariocas, certos tipos de casas de engenhos baianas, pernambucanas, muitas casas fluminenses, mineiras ou até
participação do algodão produzido no mercado mundial. Ver Girão (2000) e Andrade (1990). paulistas neste ponto participam identicamente da composição arquitetônica das casas de fazenda cearense”.
82 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 83

A CASA DE FAZENDA CEARENSE. de espécie alguma, e lá em cima, junto ás telhas e as o adobe é o “reboco atirado por cima” das paredes “às feito de alvenaria. O espaço é lugar de recebimento do
grossas carnahúbas que sustentam a coberta, os bofetadas”. Sabiás e carnaúbas eram as madeiras usuais. viajante e de eventual área de armazenamento da pro-
morcegos penduram-se aos pares. Os quartos são A vida na casa organiza-se em torno da sala ou do copiar, dução. A casa de fazenda Juá (figura 06), nos sertões do
No inicio do século XX, Gustavo Barroso escreveu que nus, somente as rêdes pendem flacidamente dos ao lado de um eventual pequeno altar e da cozinha. Canindé foi construída sobre embasamento. O alpendre é
todas as “[...] casas sertanejas eram humildes, quer sejam armadores e os bahús perlongam as parêdes. Só o do Raimundo Girão descreve a casa de fazenda do Ceará extensão de uma das duas águas da coberta. Restringe-se
de palha, só ou de palha ou adobe como a dos pobres, paiol é atupido e cheio. Num cavallête escancham-se oitocentista como “[...] uma casa grande diferente, mas à frontalidade do edifício, apoiado em pilares redondos
quer sejam de taipa e telha como a dos abastados”. séllas e cangalhas; grandes surrões de um couro como a dos engenhos ricos, índice dum tipo de civilização, de alvenaria, encimado por singelo capitel de reminis-
inteiro de boi, curtido e liso, costurados de modo a a civilização cabocla dos currais do Nordeste”. Trata-se cência toscana. Os pilares descansam sobre pedestal
São baixas, rebocadas rudemente, rodeadas de manter a fórma animal, cheios de farinha [...] A cosinha de “[...] um espécime arquitetural peculiar ao meio físico, de secção quadrada.
alpendres, paredes caiadas e núas. Ao lado arri- accumula as funcções de queijaria. Junto ás trempes construído com os materiais, as conveniências e as pos- Ainda hoje, ao cruzarmos o Ceará, eventualmente
ma-se-lhes o amplo telheiro da casa de farinha, toscas ou os grandes fogões de alvenaria, rente ás sibilidades do meio físico”; e que reflete “[...] a maneira identificamos à beira das estradas ou ao longe, alvenarias
atravancado de aviamentos; rompem mais adiante prateleiras pejadas de louça grossa, encostada á imperativa da ambientação antropogeográfica do homem brancas, de oitões ensolarados, coroadas pelo vermelho
as cercas fortes dos curráes. São edificadas numa parede de tacaniça, a gasta prensa de fazer queijo do Nordeste do juazeiro, do Nordeste da terra dura de acinzentado das telhas de barro castigadas pelo tempo.
elevação de terreno, batidas do vento e do sol, com repousa numa aluvião de moscas que a cobrem, que fala Gilberto Freire, o outro Nordeste pastoril22, incon- De longe, um ponto refletindo a luz solar do sertão diante
um amplo e limpo terreiro na frente, atraz um quin- sussurrando. O lume do fogão crepita avermelhado fundível com o Nordeste da terra gorda do massapê”. da imensidão que os olhos não abarcam. De perto, casas
talêjo cercado, um retalho de terra, onde se erguem e alegre [...] A caliça das paredes lasca-se enegrecida, (GIRÃO, 2000, p. 347). A descrição permite associação de fazenda marcadas por uma extrema simplicidade volu-
canteiros rudes. A sua construcção é segura e forte. suja de fuligem, com pingentes de pucumã”. (BAR- a Capistrano de Abreu (1998); uma construção própria métrica e construtiva, por vezes alpendradas, com seus
Não se usam casas de tijolo, nem se fazem casarões. ROSO, 1913, p.191 - 193). da “época do couro”. currais, algumas de cabeça de boi, galinha no terreiro,
São de tamanho regular com quatro abas de telhado, A casa de fazenda Castelo (figura 05), no Aracati23, a próximas a um olho d’água. No meio do sertão, uma
portas pesadas de umburana, rijos sabiás madeirando Em suas observações, Gustavo Barroso registra a quinze quilometro do litoral cearense encontra-se assen- casa de fazenda na região de Sobral (figura 07) marca
as paredes, unidos por finas ripas de mororó seguras prerrogativa de segurança e defesa da casa sertaneja tada sobre alto embasamento de pedra e tijolo diante a paisagem com suas telhas manchadas pelo tempo. A
de liós arrochados, e o adóbe é o rebôco atirado alli associada ao lugar de implantação; uma “construção de um grande terreiro. O alpendre de telha vã - tanto o construção repousa sobre embasamento. A extensão
por cima às bofetadas, tôscamente. As parêdes e as segura e forte” no alto de uma elevação. Não deixa escapar frontal, prolongamento de uma das águas do telhado, frontal do telhado conforma o alpendre apoiado em pila-
forquilhas dos alpendres são cobertas de prégos e a relação entre a arquitetura e a atividade do criatório, como o acréscimo lateral - é estruturado com pilar de res redondos de alvenaria descansando em guarda-corpo
de ganchos onde o matuto arma a rêdes para dormir identificando nas áreas alpendradas os lugares onde tam- tijolo na forma circular apoiado sobre guarda-corpo cheio
e descansar, pendura arreios e todos os apetrêchos bém se guardavam os “apetrechos” da lida com o gado
necessários aos cavallos e ao gado. As portas são e os cavalos, afirmando que as portas eram “cobertas
22 Sobre o “outro Nordeste”, ver Menezes (1995) e Arcanjo (1996).
cobertas de marcas de gado feitas a fogo e a carvão de marcas de gado feitas a fogo e a carvão” e a cozinha 23 Aqui vale ressaltar que o Porto do Aracati, assim como Porto de Canindé no litoral cearense, era tipo na documentação portuguesa setecentista
[...] O lugar mais importante é a sala ou o copiar. Das poderia acumular a função de “queijaria”. Também o parco como um “porto do sertão”. Ver Jucá Neto (2012, p. 111). Para o autor, a fronteira com o litoral, embora fluida, difícil de ser determinada, era o
paredes pendem objetos de toda a sorte, cabrestos, mobiliário faz referência à época do couro; “[...] grandes limite de tudo o que era civilizado com tudo o que era adverso aos padrões de justiça, da moral, da religião, da administração e da organização
espacial portuguesa (RUSSEL-WOOD, 1999, p.9), o limite entre o mundo do açúcar e a região além do Massapê [...] Fosse na zona litorânea, fosse
cordas, arreios, sacos de sementes, chapéus de palha surrões de um couro inteiro de boi, curtido e liso, costura- no interior, todo o território que não produzisse açúcar [...] era tido como sertão nos documentos setecentistas, eis porque os portos do Ceará
e couro, armas brancas e de fogo [...] pelo meio, no dos de modo a manter a fórma animal, cheios de farinha”. e do Rio Grande do Norte eram chamados de “portos do sertão”. Ver ofício de 21 de Maio de 1757, do Governador de Pernambuco, Luís Diogo
barro socado do chão, erram bancos e mochos de Quanto às técnicas construtivas, desconhece ou não faz da Silva Lobo, ao Secretário de Estado do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, sobre o requerimento dos homens de negócios de Recife,
em que pedem a criação de uma Companhia para resgatar as carnes secas e ouro do sertão. Projeto Resgate – Documentos manuscritos
sola cheios de prego de metal [...] Às vezes no fundo menção às construções erguidas em alvenaria de tijolo avulsos de Pernambuco (1590 – 1826). 1757, maio 21, Recife. AHU_ACL_CU_015, Cx. 84, D. 6965. Anexo 5. Neste documento dos portos do
da quadra ergue-se o altar da família [...] Não há fôrro do século XIX. Refere-se unicamente ao uso da taipa; e Ceará e do Rio Grande do Norte são chamados de “portos do Sertão”
84 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 85

FIGURA 05 Figura 05 – Casa cheio também de alvenaria. Aqui, o guarda corpo guarnece no lugar chamado Curral Grande - Distrito de Adrianópolis,
de Fazenda Castelo - Aracati. a edificação de possível entrada de animais. Município de Granja - o curral é prolongamento da casa,
Edificação assentada sobre
embasamento. Século XIX.
A casa de fazenda Loreto, no Icó, repousa sobre indissociável à apreensão formal da arquitetura, tal sua
Foto: Clovis Jucá. embasamento e possui alpendre frontal, prolongamento força na composição da construção (figura 11). O mesmo
da coberta, apoiado em pilares de alvenaria de forma ocorre em uma casa de fazenda na região de Sobral (figura
quadrada. A capela foi construída posteriormente a data 12). As casas dos vaqueiros e demais moradores “[...] espa-
de construção da casa (figura 08). Na casa de fazenda lhavam-se pelas terras das fazendas, apesar de guardarem
Gambá, também no Icó, inexiste o alpendre. O edifício, proximidade” com a casa principal (BEZERRA, 2012, p. 53).
com corpo central assobradado, comunica-se com o
exterior por amplas envasaduras (figura 09). Na região de Implantação
Granja, no noroeste do estado, próximo às fronteiras do
Piauí, um grande telhado espraiado sombreia uma casa Algumas casas de fazenda setecentista e oitocentista
de fazenda construída em taipa de sopapo. O alpendre cearense, foram implantadas no alto de um pequeno ele-
apoia-se em delgados, mas resistentes, pilares de aroeira vado e, invariavelmente, o terreiro à sua frente acentuava a
que por sua vez descansam sobre guarda-corpo vazado posição de destaque da construção na paisagem. O lugar
de madeira roliça (figura 10). de implantação da arquitetura possibilitava ao usuário
FIGURA 06 Figura 06
– Casa de Fazenda Juá - Em sua maioria, as edificações construídas no século da casa ver quem chegava, quem passava, pastorar o
Canindé. Assentada sobre XIX, modificadas ao longo do século XX, trazem no espaço gado. Em direção contrária, a certa distancia, indicava ao
embasamento de pedra e construído marcas da arquitetura setecentista. Algumas visitante que ali morava gente. No município de Granja, a
tijolo. Varanda frontal. Século
casas de fazenda resistiram ao tempo e alcançaram os casa de fazenda Sambaiba fora implantada no alto de uma
XIX. Foto: Clovis Jucá.
dias atuais, mesmo que em parte alterada em sua expres- elevação, marcando a paisagem com sua imensa coberta.
são formal, como testemunho da ocupação territorial. Do recinto coberto pelo alpendre pode-se vislumbrar o
viajante que chega, o gado solto ou mesmo outra casa de
Programa da fazenda de gado fazenda bem ao longe (figura 13 e 14). A casa de fazenda
Malhada Grande implantada diante de uma amplo terreito,
O programa era comum à maioria das fazendas do Ceará. fora construída sem artifício do embasamento, com seu
Nos Oitocentos era composto pela casa da fazenda, curral, alpendre apoiado em pilares de aroeira. (figura 15).
cercado para o plantio de subsistência, raramente uma Em alguns casos, a casa de fazenda foi erguida sobre
capela, em algumas um açude, por vezes uma casa de um embasamento construído com alicerce de pedra
farinha e picadas que interligam sua sede – a casa de ou tijolo solicitado para o nivelamento do terreno em
fazenda - aos povoados e vilas mais próximas. A despeito decorrência das condições topográficas. Em Pereiro,
do incremento da agricultura nos sertões cearenses, a a casa de fazenda Trigueiro com sua coberta de duas
presença do curral na fazenda oitocentista é evidência águas, sequência de portas na fachada frontal e oitão
funcional e material que a pecuária persistia como uma quase cego, fora implantada no alto de um embasamento
atividade econômica no século XIX. Em casa de fazenda, robusto de pedras toscas (figura 16).
86 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á FIGURA 07 Figura 07 – Casa
de Fazenda – Sobral (Não
Identificada). Século XIX.
Foto: Clovis Jucá.
88 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 89

FIGURA 08 Figura 08 – Casa de


Fazenda Loreto com capela anexa –
Icó. Século XIX. Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 11Figura 11 – Curral


FIGURA 09 Figura 09 – Casa de FIGURA 10Figura 10 – Casa de na extensão da casa. Casa de
Fazenda Gambá – Icó. Século Fazenda – Granja (Não identificada). Fazenda – Granja. Século XIX.
XIX. Foto: Clovis Jucá. Século XIX. Foto: Clovis Jucá. Foto: Clovis Jucá.
90 AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 91

FIGURA 14 Figura 15 – Terreiro


defronte a casa. Casa de
Fazenda Malhada Grande
- Granja. Século XIX. Foto:
Clovis Jucá.

FIGURA 12 Figura 13 – Casa de


fazenda implantada no alto de
um elevado. Casa de Fazenda
Sambaiba - Granja. Século XIX.
Foto: Clewton do Nascimento.

FIGURA 13 Figura 14 – Casa de


fazenda Sambaiba – Granja.
Século XIX. Foto: Clovis Jucá
92 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 93

Organização da planta baixa CARNAUBA DE CIMA CASA DE FAZENDA ESTREITO FAZENDA BELMONTE

A distribuição do espaço interno da casa de fazenda


em nada excedia ao imprescindível, às necessidades
imediatas. Ampliamos para todo o Ceará as conside-
rações de Bezerra (2012, p. 59) sobre organização da
planta da casa de fazenda dos Inhamuns. Segundo a
autora, a “organização da planta varia bastante, sendo
possível, entretanto enquadrá-las em dois tipos quanto
à organização interna dos compartimentos”. No pri-
meiro grupo, “lateralmente os quartos de dormir e na
parte central duas salas; uma localizada na frente e a
outra nos fundos”. O segundo possui os “quartos num
núcleo central rodeado de salas que se comunicam
com áreas que conformam o perímetro da habitação”.
Na organização do espaço interno das casas de fazenda
oitocentistas Carnaúba de Cima e Estreito vislumbra-se
a simplicidade da composição; composto por quartos
e salas com poucas aberturas para o mundo exterior
exceto na fachada principal (figura 17 e 18). Já na planta
retangular, quase quadrada da também oitocentista
casa de fazenda Monte Carmo, alcovas sem qualquer
envasadura encontravam-se no centro da edificação,
“rodeados de salas” (figura 19).
José Liberal de Castro (1980, p.38) afirma que a casa
de fazenda do Ceará não “requer grande cozinha e pede FIGURA 15 Figura 17 – Planta FIGURA 16 Figura 18 – Planta FIGURA 17Figura 19 – Planta
baixa Casa de fazenda baixa Casa de fazenda baixa Casa de fazenda Monte
apenas um compartimento para guarda dos gêneros à
Carnaúba de Cima. Saboeiro. Estreito. Saboeiro. Século XIX. Carmo. Saboeiro. Século XIX.
guisa de despensa”. Acrescenta que as cozinhas “quase Século XIX. Fonte: Bezerra Fonte: Bezerra (1984). Fonte: Bezerra (1984).
sempre são peças de pequenas dimensões, onde se (1984).
vê o fogão de tijolos ou trempe, localizadas na parte
posterior da casa”. Como na casa de fazenda Bela Vista,
são inúmeras as casas de fazenda nos sertões do Ceará
que ainda hoje fazem uso cotidiano do fogão a lenha. A
marca da fuligem tinge de preto com machas cinzas as
paredes de alvenaria ou taipa (figura 20).
94 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 95

A presença da área coberta pelo alpendre, como


necessidade programática na arquitetura da casa de
fazenda oitocentista, foi ditada pela atividade da agricul-
tura, em especial o “novo ciclo econômico do algodão”,
assevera Bezerra (2012, p. 58). Para a autora, as “[...]
paredes passam a ser de um único tijolo e aparecem as
varandas. Ao contrário do que se afirma, as alterações
não resultam da procura de melhor acondicionamento
térmico. Já eram excelentemente climatizadas”. Na
perspectiva do conquistador, lembramos que, pelo
imperativo de segurança, a casa de fazenda do século
XVIII não possuía alpendre.
FIGURA 19 Figura 21 – Recinto coberto
Estas zonas alpendradas, “[...] transição entre a
pelo alpendre com rede, piso em tijoleira.
claridade intensa de fora e a penumbra abafada das Madeiramento roliço de aroeira e linhas
camarinhas”, eram verdadeiras salas de visitas, “[...] de carnaúba na coberta. Casa de fazenda
havendo ganchos fixados para armar rede”, lugar onde Cachoeiro dos Gregórios – Granja.
Século XIX. Foto: Clovis Jucá.
ao viajante era permitido passar a noite; além de fun-
cionarem como “[...] depósitos dos arreios e dos ferros
de lavrar, dos caixões enormes de cumaru para guardar
farinha ou rapaduras” (GIRÃO, 2000, p. 348). Ainda hoje,
como se pode averiguar de seu uso na casa de fazenda
em lugar chamado Cachoeiro dos Gregórios – Distrito
de Adrianópolis, Município de Granja – o recinto coberto
pelo alpendre, com piso de tijoleira, guarda-corpo vazado
FIGURA 18 Figura 20 – Cozinha, e madeiramento da coberta de madeira roliça, é lugar da
Fogão a lenha. Casa de fazenda
prosa, de convívio familiar, recebimento de visitante, de
Bela Vista – Inhamuns. Século
XIX. Foto: Clovis Jucá. armazenamento provisório da subsistência e de casual
abrigo de animais (figura 21 e 22).
Na região do Município de Granja, observa-se no
programa de algumas casas de fazenda a existência
de alpendre sombreando área destinada para visitante
e os animais de montaria. À frente da casa de fazenda
FIGURA 20 Figura 22. Casa
Sambaiba, a coberta prolonga-se para além do espaço
de fazenda Cachoeiro dos
destinado à visita, apoiada em pilares de madeira roliça, Gregórios – Granja. Século XIX.
criando sombra para os cavalos e burros (figura 23 e 24). Foto: Clovis Jucá.
96 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 97

FIGURA 21 Figura 23. Alpendre


para visitantes e animais de O pilar do alpendre, estruturando o telhado, apresen- Fachada
montaria. Observar a presença tava forma distinta de acordo com o material empregado
do carro de boi. Pilares de (CASTRO, 1980, p. 25). Podia ser de alvenaria de tijolo A casa de fazenda setecentista do Umbuzeiro era
aroeira. Coberta Piramidal.
quadrado ou redondo ou de madeira; os “esteios de desprovida de alpendre. As fachadas, sem ornatos,
Casa de fazenda Sambaiba.
Século XIX.Granja. Foto: Clovis aroeira” de que nos fala Girão (2000, p. 348). Na casa apresentavam poucas envasaduras com verga reta. No
Jucá. de fazenda Françês, no Aracati, pilares de alvenaria qua- século XIX, as fachadas das casas de fazenda conti-
drados apoiam o alpendre na extensão da cobertura nuaram extremamente simples. A fachada principal era
piramidal de telha canal (figura 25). Já na casa de fazenda marcada por sucessão de portas e janelas ou somente
Malhada Grande, o alpendre é apoiado por toscos e de portas com vergas de arco abatido, eventualmente
resistentes pilares de aroeira roliça (figura 26 e 27). arrematada por cunhal e coroada por cimalha, como
Existiram, contudo, muitas casas de fazenda oitocen- visto nas ruínas da casa de fazenda Belmonte (figura 29)
tista sem alpendres. Nestes casos, arquitetura apresenta ou pelo sistema de beira-sobeira apoiando o beiral, como
grande número de envasaduras, principalmente nas na casa Carnaúba de Cima. Raro é o uso das platiban-
fachadas principais; como se observa nas casas de das apresentado na casa de fazenda Arraial (figura 30).
fazenda Monte Carmo (Saboeiro), Trigueiro (Pereiro), Quando a arquitetura apresentava cobertura com duas
Gambá (Icó), entre outras. águas, a fachada lateral, com poucas aberturas, possuía
forma triangular. Na variante de quatro águas, as facha-
FIGURA 22 Figura 24. Planta Volumetria das possuíam sequência de envasadura tanto na fachada
baixa. Alpendre sombreando principal como nas laterais.
área dos visitantes e dos
animais de montaria. Casa de
A volumetria da casa de fazenda setecentista do Umbu- A casa de fazenda oitocentista, com o maior número
fazenda Sambaiba. Século XIX. zeiro24 (figura 28) consistia numa sólida base retangular de aberturas, principalmente em sua fachada principal,
Granja. Acervo: Clovis Jucá. coberta por um telhado piramidal, sem alpendre, com possibilita maior socialização de seus usuários com o
poucas envasaduras, predominando os cheios sobre mundo externo; em contrapartida “à reclusão familiar”
os vazios, garantindo-lhe o aspecto fechado e pro- do espaço da casa setecentista do Umbuzeiro. As enva-
tetor da morada. No século XIX, em decorrência da saduras da vista frontal, por vezes emolduradas com
presença de maior número de envasaduras e de possí- ressalto em alvenaria, conferia ritmo regular à fachada
veis alpendres, a volumetria da casa de fazenda já não principal. No caso da casa de fazenda Carnaúba de Cima,
apresentava o aspecto fechado da arquitetura sete- as envasaduras não apresentam o artifício do ressalto
centista do Umbuzeiro. em alvenaria emoldurando as aberturas. Em Carnaúba de
Cima, o arremate do beiral da fachada frontal é feito com
duas fiadas superpostas de telhas em balanço sucessivo
de 10 cm aproximadamente. (Figura 31).

24 A literatura local identifica a casa do Umbuzeiro, no município de Aiuaba, como único exemplar setecentista da arquitetura da casa de
Fazenda do Ceará.
98 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 99

FIGURAS 26 E 27Alpendre com


pilares de Aroeira. Terreiro
defronte a casa. Casa de
fazenda Malhada Grande
– Granja. Século XIX. Foto:
Clovis Jucá.

FIGURA 23 Figura 25 – Alpendre com


pilar de alvenaria de tijolo.Terreiro
defronte a casa. Telhado piramidal.
Casa de fazenda do Francês - Aracati.
Século XIX. Foto: Clovis Jucá.
100 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 101

FIGURA 28 Figura 28. Base FIGURA 29 Figura 30. Casa de FIGURA 30 Figura 31 – Casa sobre
quadrada originalmente em fazenda com platibanda, quatro alvenaria de tijolo, embasamento
taipa de sopapo. Telhado portas na fachada principal. de tijolo e pedra, quatro portas na
piramidal. Casa de fazenda Casa de fazenda Arraial - Taúa. fachada principal e telhado de duas
do Umbuzeiro. Aiuába. Século Século XIX. Foto: Clovis Jucá. águas com beiral de beira-sobreira.
XVIII. Foto: Clovis Jucá. Casa de fazenda Carnaúba de
Cima. Saboeiro. Século XIX. Foto:
Ramiro Teles.

FIGURA 24 Figura 29. Ruinas da casa de


fazenda Belmonte. Fachada principal com
sequência de portas. As envasaduras
possuem ressaltos em alvenaria. Fachada
coroada com cimalha. Saboeiro. Século
XIX. Foto: Clovis Jucá.
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Coberta naúba era a casa toda: paredes, vigamentos, a coberta, as


portas, o curral, o cercado”, afirma Girão (2000, p. 348). Baixíssima resolução.
Tanto no século XVIII como no XIX, a estrutura do No Município de Granja, algumas cobertas espar-
telhado descarrega os esforços “diretamente sobre as ramam-se em direção ao solo, formando um grande Consegue enviar uma em
paredes”. Nos edifícios de duas águas, quando ganha “[...] sombreiro, como na casa de fazenda Sambaiba (figura melhor qualidade?
comprimento considerável em relação à profundidade” 34), à semelhança dos telhados das casas de fazenda do
faz-se “uso de cumeeira e terças apoiadas sobre as Piauí assinaladas por Olavo Pereira da Silva Filho (2007)
paredes transversais internas.” (BEZERRA, 2012, p. 61). e Paulo Thedin Barreto (1975). “O telhado do Piauí é um
Quanto à expressão plástica da coberta oitocentista pre- telhado deitado. É como rede: acomoda-se a todos os
domina nos sertões do Ceará, a solução de duas águas, corpos.” (BARRETO, 1975, p. 206).
frente e fundo, como nas casas de fazenda Carnaúba
de baixo (figura 32) e Carnaúba de Cima, na região dos Materiais e sistemas construtivos
Inhamuns. Exceção foi a casa de fazenda Monte Carmo,
nos Inhamuns, com cobertura em quatro águas (figura As casas possuem baldrame de pedra. Algumas cons- Figura 33 – Casa de fazenda sobre embasamento de
FIGURA 31 Figura 32 – Casa sobre FIGURA 32
33). Também a casa de fazenda Francês no Aracati apre- truídas de tijolo cozido, raramente de adobe, outras de embasamento, telhado de duas pedra em alvenaria de tijolo, Fachada principal arrematada com
senta telhado piramidal. No século XVIII, a coberta da taipa de sopapo. Na casa de fazenda Umbuzeiro ainda é águas, fachada principal com quatro cunhais, com portas, janelas na fachada lateral e com ressalto
casa de fazenda do Umbuzeiro, em quatro águas, apoia- possível se ver a técnica setecentista da taipa de sopapo, portas e cimalha. Casa de fazenda de alvenaria emoldurando as envasaduras. Casa de fazenda Casa
Carnaúba de baixo. Saboeiro. Século de fazenda Monte Carmo. Aiuaba. Século XIX. Foto: João José
-se em esteios de madeiras das paredes de taipa internas a tora de aroeira amarrada com fina haste horizontal e Rescala/ Fotografia ca de 1940.Acervo IPHAN – CE
XIX. Foto: Clovis Jucá.
e na alvenaria que circunda, fechando, a construção. barro socado na trama de madeira das paredes internas
José Liberal de Castro assevera que o “madeira- (figura 35). De acordo com José Liberal de Castro (1980,
mento do telhado segue a solução tradicional do sistema p. 31) o que se observa com “[...] maior incidência é uma
de linhas, pernas, caibros e ripas, requerido pelo emprego variante local, que indica interpenetração das técnicas
de telhas canal”. O autor acrescenta que as “peças são da taipa propriamente dita com a da palha comum”,
geralmente de aroeira e pau d’arco, seja para os vão ou seja, o uso da entrança de faxina como estudada
amplos ou para as casas de maior importância, visto que em Pompeu (2011) no sistema de cerca. Ainda segundo
se usam também outras madeiras, tais como o sabiá, Liberal de Castro (1980, p. 31), a técnica da taipa de
o pau branco, principalmente para os caibros e ripas, pilão era desconhecida no sertão do Ceará. “De pedras
apresentados quase sempre na forma natural, simples nenhuma havia, salvo uma ou outra perdida nas serras.”
varas roliças” (CASTRO, 1980, p. 29). Uma variante é o uso (GIRÃO, 2000, p. 348).
da carnaúba, provavelmente a partir do final do século O piso da casa de fazenda era de tijoleira. O tijolo
XVIII, “[...] do que decorre surgir como característica cozido empregado no piso, retangular ou quadrado,
cearense o “caibro junto” ou “caibro corrido””; ou seja, o raramente apresenta a forma de outro polígono. No
FIGURA 33 Figura 34 – Casa de fazenda sobre elevado,
“assentamento de telhas diretamente sobre os caibros.” arremate do embasamento utilizava-se espécie de guia com grande coberta, pilares de aroeira e curral
(CASTRO, 1980, p. 25). “Na região das carnaúbas, a car- de tijolo de cutelo, justapostos (CASTRO, 1980, p. 30). A contiguo à edificação. Casa de fazenda Sambaiba -
Granja. Século XIX. Foto: autor.
104 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 105

casa não possuía forro, a telha era vã e a janela de ficha durante os Oitocentos. Por outro lado, o herdeiro da
de madeira (Figura 36). “época do couro” leva para o sertão o que apreendeu
De acordo com Liberal de Castro (1980, p. 27), no com a implantação da casa no estreito lote urbano e,
século XIX, quando os núcleos urbanos do Ceará adqui- eventualmente, algum elemento formal com citação
riram expressão no território, a variante de duas águas erudita, possivelmente oriunda da arquitetura religiosa.
da casa rural apresentou características espaciais de Diante do exposto, denotamos a circularidade de
“provável influência urbana”. A volumetria, e a organização homens, ideias e técnicas entre o mundo rural e urbano
do espaço interno da casa de fazenda Gambá, no Icó, oitocentista. O trânsito do proprietário rural - comer-
apresentam referência da arquitetura encontrada na ciantes e donos de estabelecimentos comerciais - entre
cidade oitocentista (figura 37). O arquiteto esclarece que o sertão e a vilas e cidade mais próximas, pode justifi-
“[...] o telhado de duas águas era praticamente a única car o fluxo e refluxo do elemento formal e de técnica
solução possível nos estreitos lotes das cidades medie- construtiva, alimentando a hipótese de José Liberal
FIGURA 34 Figura 35. Sistema
de taipa de sopapo com toras vais europeias, reproduzido em nossas vilas coloniais de Castro. O movimento de circulação, manifesto na
de aroeira e finas madeiras por força de sistemas de parcelamento” do solo urbano. arquitetura da casa de fazenda do sertão do Ceará,
horizontais. Casa de fazenda O estreito lote urbano, próprio da vila fundada pelos estreita influências mútuas no intermitente circuito de
Umbuzeiro. Século XIX. Foto:
portugueses no Ceará do século XVIII, implicava a cons- mão dupla entre o sertão e os núcleos urbanos oito-
Clovis Jucá.
trução de casa estreita, onde era possível na estrutura centista25. A resultante do movimento, contudo, não
de coberta o uso de linha curta vencendo o pequeno transgride a sobriedade, a simplicidade da arquitetura.
vão da largura do lote. Acrescenta que “ [...] à parte as A própria tradição, o saber-fazer a casa com o que o
tradições, é compreensível que a própria simplicidade sertão oferta, o nível de investimento dos donos das
construtiva conduzisse à adoção do mesmo processo fazendas, o potencial paisagístico de cada ribeira, as
de cobertura nas vastas glebas da fazenda”, cujas “casas possibilidades das técnicas construtivas e da mão de
FIGURA 35 Figura 36. Estrutura
de telhado aparente com tinham cômodos poucos largos, facilmente vencíveis obra e as geografias diversificadas e transformadas
madeira roliça. Sem forro. por linhas curtas, apoiadas em paredes ou pontaletes”. pelo homem condicionam e legitimam a singeleza da
Casa de fazenda Cococá. Tauá. (CASTRO, 1980, p. 27). arquitetônica da casa de fazenda dos sertões do Ceará,
Século XIX. Foto: Clovis Jucá.
Neste sentido, o herdeiro do dono das boiadas faz abrandando a adaptação de qualquer referência erudita
persistir no núcleo urbano oitocentista as técnicas cons- da edificação urbana na arquitetura rural.
trutivas rurais. Considerando que a maioria das vilas do
Ceará organizou-se à sombra da arquitetura da casa de ¤¤¤
fazenda, percebe-se referencia rural no sistema constru-
tivo da arquitetura civil dos núcleos do sertão cearense

25 Sobre a sobreposição de influências entre o meio urbano e o rural na arquitetura portuguesa, Orlando Ribeiro (2013, pp. 27 e 28) sublinha
que tais influências são “ [...] transmitidas por meio das comunicações através de cadeias de cidades ou de centros de vida administrativa ou
espiritual, acabam por triunfar e divulgar-se até as mais remotas aldeias”.
106 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A DA CASA DE FAZ E NDA DO C E AR Á 107

Versando sobre arquitetura antiga e rural do Ceará,


o arquiteto Roberto Castelo (2009), professor do curso
FIGURA 36 Figura 37 – Casa
de fazenda com feição de de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal
casa urbana, implantada do Ceará, afirma que arquitetura da casa de fazenda
em lotes estreitos, em cearense “não denota qualquer esforço adicional”,
embasamento de pedra
mas também não evidencia “submissão à natureza”.
e tijolo e telhado de duas
águas. Casa de Fazenda Não pode ser “medida pela opulência ou variedade
Gambá – Icó. Século XIX. dos materiais”, e impõe-se pela “economia de meios
Foto: Clovis Jucá. e pela sobriedade”. Essa “arquitetura antiga está
intrinsecamente ligada aos homens de seu tempo; é
parte do variado e sisudo contexto que a cerca como
extensão do próprio ser”.
108 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 109

A CASA DE FAZENDA
O LUGAR DOS INHAMUNS NO CEARÁ.

DOS INHAMUNS A microrregião do sertão dos Inhamuns (figura 01) se


localiza na região centro-sudoeste do Estado do Ceará.

SÉCULO XVIII E XIX


Compreende as nascentes do rio Jaguaribe, desen-
volve-se ao longo do alto Jaguaribe e seus tributários
(BEZERRA, 2012, p. 40).
Nos primórdios da ocupação do Ceará alcançava-se
o sertão dos Inhamuns pela Estrada Nova das Boiadas,
através do ramal que saia de Quixeramobim alcançando
a região de Crateús e Tauá. Também seguindo a Estrada
das Boiadas chegava-se aos Inhamuns passando pela
atual cidade de Tauá, tanto vindo do Piauí como de Icó.

Figura 01 – Sertão dos


FIGURA 01
Inhamuns - Ceará.
110 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 111

AS FAZENDAS DE GADO DOS INHAMUNS. Descanso, Estreito, Monte Carmo, Pedra D´água, São A CASA DE FAZENDA DO UMBUZEIRO. restauração, aliadas a uma total indiferença ou mesmo
Miguel; dentre outras. A única construção setecentista SÉCULO XVIII. irrefutável ímpeto predatório das populações locais”
encontrada foi a casa do Umbuzeiro, em Aiuaba. condicionaram a “entidade federal a se dedicar a um
Segundo a “Idéa da População da Capitania de Per- Maria do Carmo Bezerra (2012, p. 58), entende número limitado de obras, às de maior valor artístico
nambuco e das suas anexas [...]” de 177426, a Freguesia as casas de fazenda como “fruto de sua adequação A casa de fazenda do Umbuzeiro (figura 02) é tida como em termos nacionais, principalmente quando reunidas
de Nossa Senhora do Carmo dos Inhamuns27 e a ao meio”, e enquanto a sociedade não alterou os o único exemplar setecentista que resistiu ao tempo nos em conjunto”. O edifício nunca foi tombado.
povoação de Arneiroz, na região dos Inhamuns, pos- recursos “materiais e intelectuais” de intervenção sertões do Ceará; uma genuína construção representa- Com o sol a pino do meio dia chegamos pela primeira
suíam respectivamente, 138 e 103 casas de fazenda. De nos sertões, os objetos arquitetônicos guardaram a tiva dos primórdios da ocupação do espaço territorial vez em agosto de 2012 na casa de fazenda do Umbuzeiro.
acordo com o Ensaio Estatístico da Província do Ceará mesma tipologia. Dai por que, muitas das edificações cearense diretamente associada à atividade da pecuária. O terreno árido, a vegetação seca, uma pequena estrada
de 1863 elaborado por Thomaz Pompeu de Souza Brasil oitocentistas apresentam características arquitetô- A casa está localizada no município de Aiuaba, sertão dos vicinal de areia e pedra solta compunham a paisagem
(1997, p. 91, 140 e 141), a freguesia de Tauá possuía 164 nicas do século XVIII. Inhamuns, a três quilômetros de sua sede, a cidade de da chegada. Cruzamos uma pequena ponte de madeira
fazendas, Arneiroz, 181 e Saboeiro, 128. Já no Censo A casa de fazenda setecentista dos Inhamuns já Aiuaba, nas margens do riacho do Umbuzeiro. sobre o fio de água do riacho Umbuzeiro, abrimos uma
de 1920, Tauá apresentava 259 fazendas, Arneiroz, 125 desapareceu. Hoje, a maioria remonta ao século XIX Em 30 de abril de 1974, o arquiteto José Liberal de porteira de madeira amarrada com couro, subimos uma
e Saboeiro, 131 (BEZERRA, 2012, p. 49). com alterações em seus espaços, em sua volumetria. Castro, na “condição de representante do Instituto do pequena elevação, levantamos a vista ofuscada pela
Seguindo os passos do trabalho pioneiro de Maria Algumwas resistem como ruinas. Restos de paredes Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Ceará” claridade e logo vislumbramos no alto a sólida casa,
do Carmo Bezerra (2012), Notas sobre as casas de de tijolo cozido, resquícios de cimalha de uma fachada, escreve ao Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico com sua volumetria severa, fechada, caiada de branco
fazenda dos Inhamuns, levantamos e fotografamos fragmentos de ressaltos de alvenaria emoldurando Nacional, o arquiteto Renato Soeiro (Acervo IPHAN/ e telhado de quatro águas. A luz do sol fazia brilhar a
casas de fazenda oitocentistas dos Inhamuns, a saber: envasaduras, pedras soltas de baldrame que tes- CE). Na missiva argumenta não haver “qualquer duvida fachada branca em contraste com o cinza do sertão e
Cococá, Arraial, Bela Vista, Belmonte, Boa Vista, temunham a materialidade do passado e expõem a quanto ao valor daquela edificação quer nos nossos o aberto azul do céu (figura 03, 04 e 05).
Canaã, Carnaúba de baixo, Carnaúba de cima, Cococi, simplicidade das técnicas construtivas. quadros históricos (pelo menos dentro daquela forma A primeira descrição e o primeiro levantamento da
de História que preocupava Capistrano)”, quer “nos casa foram realizados em 1923 por Leonardo Feitosa28
quadros arquitetônicos, pois na velha casa se documen- em cuja descrição encontramos informações acerca dos
tam materialmente as primeiras tentativas de oferecer ambientes e dos arranjos nos espaços internos.
respostas aos compromissos ecológicos dos sertões,
traduzidos por soluções construtivas que datam dos As janelas fecham-se por fortes trancas de ferro.
dias incertos e difíceis do povoamento do interior do Tudo foi feito com admirável segurança e simetria [...]
Ceará nos anos iniciais do setecentos”. Tratava-se de A sala quadrada do centro é bastante escura e tem
uma das “primitivas casas dos Inhamuns, ainda rema- grossas vigas cravadas para manter o equilíbrio das
nescentes” que “deveriam merecer preservação por paredes. Há uma janela da sala central (a escura) para
parte do poder público”. Na perspectiva do arquiteto, a sala de traz [...] Há quatro quartos ladeando as salas
“as poucas disponibilidades financeiras do Instituto do interiores [...] A pia para os batismos ficava a um canto
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a carência da sala da frente. A cozinha é um apêndice puxado do
de pessoal especializado em tarefas de conservação e lado de traz e tem uma só porta que dá para a última
26 “IDÉA da População da Capitania de Pernambuco, e das suas anexas [...] ”. IN: ANNAES da BIBLIOTHECA NACIONAL do Rio de Janeiro,
Officinas Graficas da Bibliotheca Nacional. Rio de Janeiro. 1923.
27 A sede da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo do Inhamuns ficava na atual cidade de Jucás, antiga São Mateus. 28 Informações e material gráfico gentilmente cedido pelo arquiteto Marcilio Bizarria.
112 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 113

sala e somente uma janela abre para o exterior. Tem


a cozinha um estreito alpendre que sombreja a porta

Deveria haver 4 fotos da sala para fora (FEITOSA apud FEITOSA, 2002).
seguidas da Casa do
Umbuzeiro, mas eu tomei Nertan Macedo (1965, p. 110), em o Clã dos Inhamuns,
a liberdade de retirar uma afirma que conheceu a casa numa ensolarada manhã.
delas, por ser muito parecida Observa que a construção situa-se “na boca de Aiuaba,
com a anterior. Pode ficar solitária e escura no meio da caatinga, enlaçada pelo
assim? rio Umbuzeiro, tendo à frente os azuis da serra dos Bois
e atrás os do Rusílio, com uma porteirinha de entrada
feita de aroeira”. Ser escura significava a pouca luz no
espaço interno e possivelmente de paredes não caiadas.
Segundo Macedo (1965, p. 110), Leonardo Feitosa a
descreveu como “um quadrado perfeito, e de qualquer
FIGURA 03 Figura 03 – Casa
do Umbuzeiro. Aiuaba. Século lado que se coloque o observador o telhado tem a confi-
XVIII. Foto: Clovis Jucá. guração de um triangulo equilátero”. Para ele tratava-se
de uma casa “quadrada, com cerca e porteira na frente.
Uma porta partida à direita de quem entra e três janelas
partidas à esquerda, com dobradiças em forma de sino.
Portas, janelas, caibros, ripas, linhas de cedro”.
A edificação era toda feita de “tijolo e barro arga-
massado, apoiada em toras de aroeira”, com alicerces
de pedra e “janelas laterais abertas por dentro”. A sala
da casa era “atijolada”. A casa do Umbuzeiro possuía
uma “cantareira de aroeira para os potes de barro
d´água”, “portais das janelas” em madeira e no centro
da planta – o compartimento central – “onde nunca
desce a luz”, estava o “altarzinho de tijolo”. No telhado,
o xique-xique crescia (MACEDO, 1965, p. 111); por certo
acusando já algum abandono.
A casa do Umbuzeiro é simples, tanto do ponto de vista
da solução funcional e plástica como de sua construção.
Sua principal função o abrigo e a defesa. A casa possui
FIGURA 02 Figura 02 – Casa FIGURA 04 Figura 04 – Casa
do Umbuzeiro. Século XVIII. do Umbuzeiro. Aiuaba. Século uma “área coberta de 147.62 m2”, sendo “formada por
Aiuaba. Foto: Clovis Jucá. XVIII. Foto: Clovis Jucá. um retângulo de 12.20 X 12.10 m” (BEZERRA, 1984, p. 76).
114 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 115

FAZENDA UMBUZEIRO Nas fachadas predominam os cheios das paredes A coberta de quatro águas estrutura-se em seu localizada no canto direito de quem entra na edificação
sobre os vazios das janelas e a ausência de ornatos. ponto mais elevado em tesouras que descansam nas e três janelas basculantes à sua esquerda. A obser-
A simplicidade funcional do edifício é evidenciada na paredes norte e sul do vão central. Do ponto alto das vação nos possibilita afirmar que a fachada principal
divisão do seu espaço interno. A planta baixa (figura tesouras saem linhas que correm na diagonal do retân- foi refeita após a década de quarenta do século XX. A
06) foi organizada a partir de um retângulo - com uma gulo, alcançando os vértices das paredes externas do descrição de Nertan Macedo se aproxima do registro
diferença de dez centímetros entre os lados maiores e os edifício. Para evitar o empuxo - o chamado “coice” - na fotográfico por Rescala.
menores - dividido em outros quadrados ou retângulos, extremidade de cada linha, tanto no vão central como A imagem revela o uso de cachorro de madeira no
sem a presença de alpendre. O vão central sem janelas e, nas extremidades que se apoiam nas paredes externas, beiral, janelas cegas com fichas de madeira e vergas
portanto, sem iluminação direta, é iluminado por filetes há uma tesoura de canto (figura 08). retas, não se podendo ver se possuíam juntas secas
de luz do sol que rompem as frestas do telhado, dançam João José Rescala (Rio de Janeiro RJ 1910 - Salva- ou o encaixe macho e fêmea de hoje. Percebe-se ainda
como lanças iluminadas no vazio escuro ou deslizam dor BA 1986) pintor, ilustrador, desenhista, restaurador, que a edificação não repousa sobre o embasamento
sobre as paredes internas de taipa. No Umbuzeiro, os professor da Escola de Belas da Bahia e funcionário do ou plataforma, que atualmente abraça a face frontal
quartos voltam-se para o exterior, mas ainda assim per- IPHAN; viajando pelo Ceará em 1940 e 1941 fotografou da edificação. Diante do acesso principal – na metade
siste a escuridão pela pouca quantidade de envasaduras. a casa. A análise da fotografia ratifica aspectos das direita da fachada - há um prolongamento do piso
No espaço interno, um pequeno altar de alvenaria indica a descrições, confirma características dos sistemas interno, preparando a entrada no edifício. Analisando
necessidade da reza no auxilio a conquista, confirmando construtivos e possibilita reconhecer alterações no a fotografia, identifica-se o alicerce do recebimento
a presença da Igreja nos confins dos sertões. edifício ocorridas nos últimos 60 anos (figuras 09, feito de pedra e o acabamento de tijolo de cutelo. O
As paredes externas foram construídas com toras de 10, 11, 12, 13 e 14). piso do recebimento possivelmente era de tijolo.
aroeira interligadas horizontalmente por finas e toscas Na fotografia de 1940, a alvenaria de tijolo interca- Nas paredes internas, ainda é possível o reco-
peças de madeira e preenchimento de tijolo cozido ou lada com esteios verticais de aroeira faz-se manifesta nhecimento da técnica da taipa, provavelmente da
barro. A técnica usada no erguimento da alvenaria é de na fachada principal. Atualmente a parede frontal do construção primitiva (figura 15). Assim como em 1940,
taipa de sopapo, sugerindo características remanes- edifício não mais apresenta as estacas de madeira, a edificação conserva o piso de tijoleira e a telha vã
centes do “frontal à galega”29, comuns à arquitetura possivelmente do tempo de sua execução. Além disto, com o madeiramento da coberta aparente (figuras 16
portuguesa. Hoje é possível se ver nas fachadas da diferentemente da presença de uma porta centralizada e 17). Também o pequeno altar de alvenaria e o fogão a
FIGURA 05 Figura 06 – Casa do
Umbuzeiro. Aiuaba. Século XVIII. casa tanto a taipa de sopapo como a alvenaria de tijolo, ladeada por duas pequenas janelas, desenho atual; na lenha, ainda manchado de fuligem, se fazem presentes
Fonte: Levantamento Arquiteto Marcílio expressando a temporalidade da construção (figura 07). fotografia, a fachada frontal consta da porta de entrada como testemunhos de outros tempos (figuras 18 e 19).
Bizarria (s/data). Levantamento Arquiteta
Maria do Carmo Bezerra (2012).

29 Segundo Corona e Lemos (2017, p. 228) o termo Frontal designa, antes de tudo, “qualquer parede interna que, além de separar os compartimentos
de uma construção, suporta e transmite cargas do telhado ou de outros pavimentos. Neste particular é que o frontal diferencia-se do TABIQUE,
que somente separa ou divide ambientes. O termo, porém, é mais aplicado para designar as paredes internas que possuam estrutura de madeira,
cujos vãos são preenchidos com alvenaria ou entulho. Tipo comum de frontal foi o chamado, em Portugal, de frontal à galega ou parede francesa.
Nesta parede os esteios ou pés direitos eram interligados por ripas horizontais equidistantes, que se alternavam, uma de um lado, outras de outro
da estrutura. Os vãos entre as ripas eram enchidos com alvenaria miúda, cacos de telha, entulho, etc. Êste enchimento era inicialmente amparado
lateralmente por tábuas que depois eram retiradas. No Brasil, o termo “parede francesa” passou a dar nome as paredes de taipa de mão”.
116 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 117

FIGURA 06 Figura 07. Fachada


posterior. Detalhe do sistema
construtivo. Paredes externas
acusando dois momentos da
construção: alvenaria de tijolo e
taipa de sopapo com emprego
de toras de aroeira. Casa do
Umbuzeiro – Aiuaba – Século
XVIII. Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 07 Figura 08 – Detalhe


madeiramento da coberta.
Tesoura de canto para evitar
o empuxo. Casa de Fazenda
Umbuzeiro. Aiuaba. Século
XVIII. Foto: Clovis Jucá

FIGURA 08 Figura 09 – Casa


do Umbuzeiro . Aiuaba. Século
XVIII. Foto: João José Rescala.
Acervo IPHAN/CE.
118 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 119

FIGURA 10 Figura 11 – Casa do FIGURA 11 Figura 12 – Casa do


Umbuzeiro. Fogão a lenha. Aiuaba. Umbuzeiro. Utensílios e mobiliário de
Século XVIII. Foto: João José cozinha. Aiuaba. Século XVIII. Foto:
Rescala. Acervo IPHAN/CE. João José Rescala. Acervo IPHAN/CE.

FIGURA 09 Figura 10 – Casa


do Umbuzeiro . Aiuaba. Século
XVIII. Foto: João José Rescala.
Acervo IPHAN/CE.

FIGURA 12 Figura 13 – Casa do Umbuzeiro. FIGURA 13 Figura 14 – Casa do

Parede interna de taipa. Piso de tijoleira. Umbuzeiro. Altar de alvenaria.


Aiuaba. Século XVIII. Foto: João José Aiuaba. Século XVIII. Foto: João
Rescala. Acervo IPHAN/CE. José Rescala. Acervo IPHAN/CE.
120 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 121

FIGURA 15 Figura 16 – Piso de


Tijoleira. Casa do Umbuzeiro.
Aiuaba. Século XVIII. Foto:
Clovis Jucá.

FIGURA 14 Figura 15 – Detalhe FIGURA 16 Figura 17 – FIGURA 18 Figura 19 – Fogão FIGURA 17 Figura 18 – Altar de
Taipa com toras de Aroeira Madeiramento de coberta. Telha a lenha século XIX. Casa do alvenaria. Casa do Umbuzeiro.
- Paredes internas. Casa do vã. Casa do Umbuzeiro. Aiuaba. Umbuzeiro. Aiuaba. Século XVIII. Aiuaba Século XVIII. Foto
Umbuzeiro. Aiuaba. Século Século XVIII. Foto: Clovis Jucá. Foto Clovis Jucá. Clovis Jucá.
XVIII. Foto: Clovis Jucá.
122 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 123

CASA DE FAZENDA CARNAÚBA DE CIMA –


SÉCULO XIX

A casa de fazenda Carnaúba de Cima, no município de


Saboeiro, localiza-se à margem esquerda do rio Jaguaribe,
“à meio caminho entre o rio e a estrada que liga Saboeiro
a Aiuaba” (Bezerra, 2012, p.85). A arquitetura manifesta a
simplicidade na volumetria, nas técnicas construtivas e
na organização espacial interna (figura 20).
A planta é retangular (15,40 x 11,90). As paredes exter-
nas em alvenaria de tijolo possuem quarenta centímetros
de espessura. Três grandes vãos organizam o espaço
FIGURA 19Figura 20 – Casa de
interno. O vão central é dividido em dois. Cada um dos fazenda Carnaúba de Cima.
vãos laterais é dividido em três. Apenas os comparti- Foto: Ramiro Telles.
mentos voltados para a fachada frontal possuem janelas.
Os demais não possuem abertura, exceto as portas de
entrada. A edificação repousa sobre um embasamento
construído de tijolo. Sua fachada principal é composta
de uma sequencia de quatro portas. O telhado é de duas
aguas. Coroando a fachada principal, a linha de cimalha
apoia pequeno beiral. A telha é vã, as paredes internas,
paralelas às fachadas, não alcançam a coberta. O madeira-
mento da coberta estrutura-se nas paredes longitudinais
e em um sistema de linhas e pontaletes, que por sua vez
encontram-se apoiados nas paredes transversais (figura
21). A alvenaria é de tijolo cozido e o piso atijolado.
De uma maneira geral as características espaciais da
casa de fazenda Carnaúba de Cima foram encontradas
nas demais casas de fazenda dos Inhamuns. Somente
Monte Carmo e Arraial (figura 22) apresentam exceções
FIGURA 20 Figura 21. FIGURA 21 Figura 22 – Casa de
formais à regra. A fachada principal da casa de fazenda Fazenda Carnaúba de Cima. fazenda Arraial. Tauá. Século
Arraial é coroada por platibanda e arrematada late- Madeiramento de Coberta. XIX. Foto: Clovis Jucá.
ralmente por cunhais. Século XIX. Foto Clovis Jucá
124 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 125

A CASA DE FAZENDA MONTE CARMO – construído com alicerce de pedra - em decorrência das
SÉCULO XIX condições topográficas, acentuando mais ainda seu lugar
de destaque na paisagem.
A construção possuía uma área coberta de 351.84
A casa de fazenda Monte Carmo situa-se no alto de um m2, organizada em uma planta retangular de 21.99 X
platô, à margem direita do rio Jaguaribe, aproximada- 16.00 m. Os quartos “centrais – verdadeiras alcovas sem
mente cinco léguas da cidade de Saboeiro. A construção janelas - e rodeados de salas”. “Apenas dois tinham porta
se encontra hoje em ruínas (figura 23). para a área social da casa, destinados aos homens ou a
Quando João José Rescala visitou Monte Carmo em visitantes”. Os demais davam acesso à área de cozinha e
1940 (figura 24), a fazenda era de propriedade de San- serviço e aos “espaços destinados à vida íntima da casa”.
tino Claro dos Santos. Para Rescala, a “casa de grandes A cozinha era “interna a casa”. (BEZERRA, 1984, p. 104).
proporções”, era a “mais bem acabada do Sertão dos As paredes externas, maciças, em alvenaria de tijolo
Inhamuns”. Fora construída em 1802 e pertenceu a filha com oitenta centímetros de espessura. Em toda exten-
do Visconde de Icó, D. Vitória Fernandes Vieira. são da alvenaria externa o baldrame de pedra. As janelas
Rescala descreve as paredes “revestidas de cal com cegas de madeira. O rasgo das janelas de chanfro ou
clara de ovos” e ainda conservavam o “brilho peculiar” ensutado; ou seja, não era normal ao alinhamento das
da técnica. Com seis armários embutidos nas paredes paredes e sim em diagonal, aumentando a entrada da
de três salas sendo dois em compartimento, sem forro luz no espaço interno. (Figura 27).
e o chão coberto de “tijolos idênticos” aos encontrados A planta de Monte Carmo, com seus quartos cen-
no sitio do Umbuzeiro, de “grande resistência e tendo trais, sem janelas e varandas nos remete à reclusão
um ligeiro brilho”. Todo o madeiramento de cedro e o familiar da arquitetura rural do Ceará no século XVIII.
telhado de quatro águas. O edifício se assemelha a Já as envasaduras das paredes externas - a fachada
casa do “Castelo”, residência do Visconde do Icó em norte possui quatro portas; a sul duas portas, a leste um
Saboeiro (figura 25 e 26). conjunto de seis janelas e a oeste, quatro janelas e uma
Sua implantação reafirma o cuidado na escolha porta - evidencia a sociabilidade oitocentista.
do local das casas de fazenda30; um ponto situado à A casa de fazenda Monte Carmo apresenta certa
meia altura da paisagem, de onde, no caso, é possível erudição no traço de suas fachadas. Mas a referên-
FIGURA 22 Figura 23 – Casa de fazenda
vislumbrar-se os “vastos campos da região, inclusive cia erudita não retira o caráter eminentemente rural Monte Carmo. Fachada lateral. Ver
a fazenda Santo Antonio, do outro lado do rio, e, ao da construção. Tanto na técnica construtiva como no embasamento de pedra, parede
longe a Fazenda Belmonte” (BEZERRA, 1984, p. 103). O programa, implantação e organização espacial, a simpli- de alvenaria de tijolo, ressaltos em
alvenaria das envasaduras. Aiuaba.
edifício repousa sobre uma plataforma ou embasamento cidade setecentista associada à atividade da pecuária
Século XIX. Foto: Clovis Jucá.
solicitada para o nivelamento da casa - possivelmente no sertão, persiste no edifício oitocentista.

30 O mesmo é observado nas casas de fazendas de todo o Brasil setecentista e oitocentista. Ver Luis Saia (1975), Olavo Pereira da Silva Filho
(2007), Esterzilda Berenstein de Azevedo (1990) e Geraldo Gomes (1998), Marcos José Carrilho (2006), Vladimir Benincasa (2006).
126 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 127

FIGURA 23 [EM CIMA] Figura 24 –


Casa de Fazenda Monte Carmo.
Aiuaba. Século XIX. Foto: João
José Rescala. Acervo IPHAN/
CE.
FIGURA 24 [EMBAIXO] Figura 25 –
Residência do Visconde de Icó
em Saboeiro. Século XIX Foto:
João José Rescala. Acervo
IPHAN/CE.

FIGURA 25 [PÁG. OPOSTA]Figura


26 - Residência do Visconde
de Icó em Saboeiro. Século
XIX Foto: João José Rescala.
Acervo IPHAN/CE.
128 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 129

FIGURA 27 Figura 28. Cornija


As fachadas são arrematadas lateralmente por com acabamento em peito
cunhais, concebidos sob a forma de pilastra sobre de pomba. Fazenda Monte
pedestal, cujo desenho transparece uma reminiscência Carmo. Aiuaba. Século XIX.
Foto: Clovis Jucá.
erudita serliana de origem toscana, comum à arqui-
tetura maneirista brasileira e provavelmente obtida a
partir de soluções aplicadas na arquitetura religiosa.
Os cunhais encimados com pequenos coruchéus - as
colunatas de que nos fala Rescala - despontam na
coberta. Na fachada principal e nas duas laterais o
beiral repousa sobre uma cornija feita de tijolo e massa
com acabamento em peito de pomba, definindo o limite
superior das paredes externas. Somente na fachada
dos fundos, diferenciando sua importância, o balanço
do beiral em beira sobeira (figura 28 e 29).
A solução plástica evidencia um equilíbrio de formas.
Uma maciça volumetria quase quadrada - decorrente
da organização da planta baixa, um retângulo com
uma pequena variação de medida entre os lados –
serve de base a coberta piramidal que repousa sobre
a alvenaria. O desenho das quatro fachadas, invulgar
na casa de fazenda do Ceará, apresenta um jogo har-
mônico entre os cheios e os vãos de portas e janelas,
FIGURA 26 Figura 27. Janela
com rasgo de chanfro. Fazenda com vergas levemente arqueadas, emoldurados com
Monte Carmo. Aiuaba. Século ressalto em alvenaria.
FIGURA 28 Figura 29. Detalhe
XIX. Foto: Clovis Jucá Nas demais casas de fazenda analisadas somente fachada posterior. Beiral em
a fachada principal apresenta o ritmo das portas e beira sobeira. Fazenda Monte
janelas intercaladas por alvenaria. Nas fachadas late- Carmo. Aiuaba. Século XIX.
Foto: Clovis Jucá.
rais observa-se invariavelmente uma empena cega,
raramente com uma pequena janela.
As ruinas das demais casas de fazenda dos
Inhamuns não evidenciam qualquer referência erudita
no aspecto plástico da construção. No caso de Monte
Carmo, a referência não compromete a simplicidade
da arquitetura do homem do sertão.
130 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 131

TÉCNICAS CONSTRUTIVAS – SÉCULO XVIII de cedro, formavam um “painel cego composto por tabuado TABEL A 14 Sistema Construtivo – Século XVIII. TÉCNICAS CONSTRUTIVAS – SÉCULO XIX
ao comprido” (BEZERRA, 2012, p. 63) e se abriam “por meio
Sistema Construtivo
de dobradiças ditas de cachimbo, com lemes de desenho Caracterização
Século XVIII
As técnicas construtivas setecentistas são muito uniforme ou sem leme, todas chumbadas à madeira por Baldrame de pedra
Durante o século XIX, as técnicas construtivas prosse-
Alicerce
simples. A arquitetura fora executada à mão e enxó, cravos de ferro fundido”. Da fotografia observa-se o sis- de rio. guiram com a marca da simplicidade. O trabalho da mão,
trabalhando a matéria prima do sertão sem qualquer tema de basculante nas janelas. Segundo José Liberal de Arremate do Baldrame Tijolo de cutelo ainda com o eventual uso do enxó, moldando a matéria
outra intermediação da técnica. Castro (1980) as esquadrias das casas setecentistas eram prima do sertão – o barro, a madeira da caatinga e em
Taipa de Sopapo –
Tomando como referência a casa do Umbuzeiro, em de “folhas maciças em tábuas de palmo a palmo e meio Reminiscência da alguns casos o uso pedra – persistiram sem grandes
Paredes
Aiuaba, sistematizaremos alguns aspectos construtivos. de largura, enrelhadas em grupos de duas a três peças, técnica do Frontal a intermediações, atribuindo forma à construção.
galega portuguesa.
O seu baldrame em alvenaria de pedra retirada do leito geralmente de cedro”. As atuais esquadrias do Umbuzeiro As casas de fazenda oitocentistas, também pos-
do riacho mais próximo, apresentava no arremate uma apresentam engaste embutido tipo macho e fêmea, pos- Ladrilho de barro cozido suíam baldrame de pedra, “regularizando o terreno
Piso
e terra batida.
guia de tijolo de cutelo. As paredes externas e internas sivelmente do final do século XIX ou já do século XX. para o assentamento da casa [...] Sob o baldrame colo-
de sopapo feitas com toras de aroeira ficadas ao solo A coberta da casa do Umbuzeiro apresenta a solução Rasgos normais às cava-se uma camada de tijolo, para depois ter início
Vãos paredes e vergas. Sem
entrelaçadas com finas madeiras horizontais e preenchi- do telhado piramidal em quatro águas. A telha de barro ornatos. a alvenaria das paredes” (BEZERRA, 2012, p. 64). No
das com barro e tijolo; uma reminiscência da técnica do não dispunha de ressalto que a fixasse na coberta. O arremate do baldrame geralmente persistia o uso da
Painel cego composto
Frontal à galega portuguesa. O piso era revestido com madeiramento do telhado aparente evidencia o sistema Esquadrias por tabuado ao guia de tijolos de cutelo justapostos. Liberal de Castro
ladrilho de barro cozido. tradicional de linhas, caibros e ripas. “A estrutura de sus- comprido. (1980, p. 30) assevera que “esse arremate” permanece
Os vãos possuem rasgos normais às paredes e as ver- tentação era composta por caibros, ripas, com pernas Dobradiças ditas de “usado nas calçadas das edificações urbanas, substi-
gas31 são retas. Na fotografia de Reis Carvalho, da casa de amarração entre o quadrado formado pelas paredes”. cachimbo, com lemes tuindo a pedra (meio-fio), material que praticamente
de desenho uniforme
do Umbuzeiro, o quadro das envasaduras – tanto a verga, As paredes que “recebiam o esforço da cobertura fun- Ferragens ou sem leme, todas não se observa, aparelhada, na arquitetura tradicional
como a ombreira e o peitoril – é de madeira, com secção cionavam como parte de um mesmo sistema” (BEZERRA, chumbadas à madeira do Ceará” (figura 30).
por cravos de ferro
quadrada e aparente. As folhas das esquadrias de madeira 2012, p. 64). Tabela 01 fundido. As paredes das casas eram bastante largas, de
alvenaria de tijolo. “Todas as paredes são revestidas
Telhado Forma piramidal.
de emboço de barro, completado com reboco de cal
Telhas de Barro sem e areia, em prumo perfeito”. (BEZERRA, 2012, p. 64).
Telhas
encaixe de fixação.
As paredes internas de meia altura, não alcançavam a
Sem cimalha ou sistema
Beirais
de beira e bica.
coberta. O curral da fazenda Belmonte fora executado
com alvenaria de tijolo e pedra. De acordo com João
Forro Inexistência de forro.
José Rescala, a fazenda Belmonte pertenceu ao “Dr.
Fonte: Pesquisa “In loco” e BEZERRA (2012). Fernandes Vieira Gomes Leal, que herdou do Visconde
31 José Liberal de Castro (1980) afirma que as “vergas das esquadrias” da arquitetura rural setecentista “são horizontais nas casas mais simples de Icó” (figura 31, 32 e 33). Fora “construída de tijolo e
ou nas mais antigas, tornando-se ligeiramente arqueadas a partir da segunda metade do século XVIII em muitos exemplos (como de resto em cal, madeiramento de arueira, paredes com um metro
todo o Brasil)”. Acrescenta que esta solução evidencia em território cearense o “uso do tijolo, porque permite tecnicamente a construção do de espessura, não tem forro no teto, chão de tijolo”.
arco batido que dá forma à verga, às vezes com carga aliviada por arcos de descarga”. Ainda segundo Castro, no Ceará observa-se também
“uma solução mista do uso de vergas retas em que se consegue um desenho em arco, de madeira, na própria peça superior do requadro da Ao lado direito fica o “antigo curral com os portões
janela ou da porta”, e que “são raros os casos em que a própria verga, de madeira, é recurvada”. em arco sendo em número de quatro construídos de
132 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 133

FIGURA 30 [ESQ.]Figura 31 –
pedra e tijolo. É a única fazenda desta região que ofe- Ruínas da casa de fazenda
rece esta particularidade”. (MANUSCRITO João José Belmonte. Saboeiro. Séc. XIX.
Rescala. Acervo IPHAN/CE) Foto: Clovis Jucá.
O piso é revestido de ladrilho de barro cozido
Figura 32 –
FIGURA 31 [DIR.]
de forma retangular. Somente na casa de fazenda Curral com alvenaria de tijolo
Cococá (figura 34), cuja fachada encontra-se total- e pedra. Fazenda Belmonte.
mente alterada, foi encontrado o piso de forma Saboeiro. Século XIX. Foto:
Clovis Jucá.
hexagonal (figura 35).
A casa de fazenda dos Inhamuns não possuía
forro. O telhado e madeiramento da coberta, tal como
nas casas setecentistas, são internamente aparen-
tes (figura 36 e 37).
As portas internas possuem vergas retas. As enva-
FIGURA 29 Figura 30 – saduras das fachadas principais apresentam vergas
Acabamento do baldrame FIGURA 32 Figura 33 – Porta
levemente arqueadas. Já nas portas e janelas das curral. Fazenda Belmonte.
com tijolo de cutelo. Casa de
fazenda Boa Vista. Século XIX. fachadas triangulares laterais as vergas voltam a ser Saboeiro. Século XIX. Foto:
Foto: Clovis Jucá retas. Os rasgos das envasaduras são em sua maioria Clovis Jucá.
normais às paredes. Em Monte Carmo, os rasgos são
de chanfro. As esquadrias, com folhas cegas, hoje pos-
suem um engaste tipo macho e fêmea. Não se pode
precisar o momento de execução e uso das esquadrias
com engaste tipo macho fêmea das casas de fazenda
do Inhamuns. Afora a fazenda Arraial que apresenta
bandeira de ferro nas portas da fachada principal, em
nenhuma outra fazenda foi encontrada bandeiras ou
rótulas. Em algumas casas de fazenda as envasadu-
ras da fachada principal eram emolduradas com um
ressalto em alvenaria. O quadro das esquadrias não é
aparente nas construções oitocentistas. Sobre as ver-
gas retas ou nas levemente arqueadas das esquadrias
externas observou-se a incidência do arco de descarga
feito de tijolo (figura 38).
Excetuando Monte Carmo – cuja coberta era
piramidal - as demais cobertas oitocentistas são
de duas águas, “frente e fundo, formando empenas
134 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 135

triangulares nas fachadas laterais” (BEZERRA, 2012,


p. 67). Na maioria dos casos os beirais são aparentes.
FIGURA 33 Figura 34 – Casa de
fazenda Cococá. Tauá. Século Os beirais da casa de fazenda Monte Carmo repou-
XIX. Foto: Clovis Jucá. sam sobre cimalhas nas fachadas principal e laterais
e apresentam o sistema beira sobeira na fachada
posterior. As telhas de grandes dimensões “não
possuem ressaltos ou encaixes” (BEZERRA, 2012).
Nas fazendas Arraial e Cococá os beirais não são
aparentes, observando-se o uso de platibandas. Em
Arraial a platibanda apresenta ornatos ressaltados
em alvenaria. Tabela 02 e 03.
Durante o século XIX, os painéis cegos das esqua-
drias compostos por tabuado ao comprido com
encaixe macho-fêmea, o episódico uso de clara de
FIGURA 34 Figura 35. Piso
Hexagonal. Casa de fazenda ovo na argamassa do reboco das paredes externas,
Cococá. Tauá. Século XIX. Foto: os beirais apoiados em cimalhas em peito de pomba,
Clovis Jucá. eventuais platibandas, cunhais de alvenaria sobre
pedestais e ou frisos em ressalto das janelas não são
capazes de alterar a simplicidade da construção das
casas de fazenda do Ceará, a forma de implantação,
atribuíam singularidade as obras. A Arquitetura per-
sistiu, contudo, matizada por simplicidade, pouco
alterando o mundo natural, plenamente adaptada
a temporalidade do homem sertão a despeito das
transformações socioeconômicas da Província.
136 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 137

FIGURA 37 Figura 38 – Arco de


descarga feito de tijolo. Casa
de fazenda Belmonte. Saboeiro.
Século XIX. Foto Clovis Jucá.

FIGURA 35 Figura 36 – Telha Vã. FIGURA 36 Figura 37 – Parede


Madeiramento aparente. Casa não alcançando a coberta.
de fazenda Arraial. Tauá. Século Caibros e ripas de madeira
XIX. Foto Clovis Jucá roliça. Telha vã. Casa de
fazenda Cococá. Tauá -. Século
XIX. Foto: Clovis Jucá
138 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 139

Sistema construtivo –
TABEL A 15 Caracterização das alvenarias – Casa de Fazenda –
TABEL A 16 PERMANÊNCIAS E RUPTURAS NOS
Século XIX. Século XIX ASPECTOS FORMAIS, CONTRUTIVOS E DE
Sistema Caracterização Fazenda Lugar Dimensão Dimensão Dimensão Observação
ORGANIZAÇÂO ESPACIAL DA CASA DE
construtivo – Parede – Parede – Tijolo FAZENDA DO INHAMUNS - SÉCULO XVIII–XIX
Século XIX Externa Interna

Alicerce Baldrame de pedra de rio. Monte Aiuaba 80 cm. 2 tijolos 44 x 22 x Uso de clara
Carmo 4 tijolos 6,5 de ovo na
Arremate do Tijolo de cutelo A simplicidade formal, dos materiais e dos sistemas de
argamassa
Baldrame do reboco construção é constante nas casas de fazenda estudadas
das paredes nos Inhamuns. Simplicidade que sugere plena articulação
Paredes Taipa de Sopapo. externas das
Alvenaria de tijolo elevações norte entre as práticas sociais - inerentes à atividade da pecuá-
Alvenaria de pedra e oeste ria setecentista e do criatório associado à agricultura
Piso Ladrilho de barro cozido e terra Belmonte Saboeiro 80 cm 44 x 20 x nos oitocentos – e a arquitetura.
batida. 3 tijolos 6,5 Em algumas casas de fazenda oitocentista as paredes
Vãos Rasgos normais às paredes e Carnaúba Saboeiro 40 cm 1 tijolo 32 x 20 x 8 externas eram espessas, grossas e sólidas. Resistentes
vergas. de Cima 2 tijolos como deveriam ser casas do sertão no século XVIII.
Rasgos de chanfro ou ensutado. No século XIX, a permanência da espessura da parede
Carnaúba Saboeiro 40 cm 1 tijolo Uso de clara
Ressalto de alvenaria emoldurando de Baixo 2 tijolos de ovo na configura uma herança tanto de técnicas construtivas
as envasaduras. argamassa
quanto dos imperativos da ocupação do território.
Esquadrias Painel cego composto por tabuado do reboco
ao comprido. da parede O eventual e epidérmico ornamento não compro-
fronteiriça mete a singeleza da edificação; como se vê no uso do
Junta seca ou encaixe macho
fêmea. Fonte: Pesquisa “In loco” e BEZERRA (2012). arco levemente abatido das envazaduras, nas molduras
FIGURA 38 Figura 40 – Detalhe
Ferragens Dobradiças ditas de cachimbo, com dos vãos, na presença de beirais com acabamento em cimalha da casa de fazenda
lemes de desenho uniforme ou sem cimalha com perfil em peito de pomba dispensando Belmonte. Saboeiro. Século XIX.
leme, todas chumbadas à madeira Foto: Clovis Jucá.
por cravos de ferro fundido. cachorros (figura 39 e 40) e nos cunhais, concebidos em
forma de pilastra sobre pedestal (figura 41 e 42). Os orna-
Telhado Forma piramidal.
tos em nada afetam a singeleza da arquitetura sertaneja.
Coberta de duas águas – Frente e
Fundo Outra constante é seu lugar de implantação. Algumas
Telhas Telhas de Barro
se encontram no alto de uma pequena colina, outras em
lugares mais baixos; mas todas defronte a um terreno
Beirais Cornija.
aberto, de onde se podia ver, à distância, quem chegava,
Sistema de beira e bica.
quem passava e pastorar o gado. Avistada de longe, a
Platibanda.
arquitetura marcava a paisagem. A maioria das edifica-
Forro Inexistência de forro.
ções foi assentada sobre plataformas para regularização
Telha vã.
do terreno, a despeito das condições topográficas
Fonte: Pesquisa “In loco” e BEZERRA (2012). serem ou não favoráveis.
140 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 141

FIGURA 39 [ACIMA] Figura 39


– Detalhe cimalha da casa de
fazenda Monte Carmo. Aiuaba.
Século XIX. Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 40 [PÁG. AO LADO]Figura 41


– Cunhais de alvenaria sobre de
pedestal. Casa de fazenda Monte
Carmo. Aiuaba. Século XIX. Foto:
Clovis Jucá.
142 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 143

FIGURA 41 Figura 42 – Cunhais – Se por um lado, a economia - atividade criatória asso- Em nenhuma casa de fazenda dos Inhamuns obser-
Ressalto em alvenaria. Casa de
ciada à agricultura - impunha outra semelhança entre vou-se a presença de alpendre, usual no programa da
fazenda Arraial. Tauá. Século XIX.
Foto: Clovis Jucá. as construções rurais setecentistas e oitocentistas. O maioria, no restante da Província. “O motivo rítmico
programa da fazenda é basicamente o mesmo: a casa porta/janela” salta aos olhos na “marcação das fachadas,
principal, a presença do curral, a área para o plantio de as janelas se agrupam com regularidade de um lado
subsistência e eventual casa de farinha. Por outro, as e do outro da porta e, por vezes, o motivo constitui a
novas formas de sociabilidade decorrentes das transfor- própria alternância porta/janela”. (BEZERRA, 2012, p. 60).
mações econômicas e políticas da Província implicaram A ausência do alpendre, mesmo com grande número de
em alterações no desenho da planta baixa e na relação envasaduras na arquitetura, evidencia que a prerrogativa
do espaço interno da edificação com os sertões. de defesa da casa setecentista não deixou de persistir
No século XVIII, a casa de fazenda do Umbuzeiro como tradição na volumetria da edificação oitocentista.
voltava-se para o imediato, para a sobrevivência no mais O jogo formal das fachadas remete ao traço das
profundo isolamento, com pouca abertura, prevalecendo fachadas do casario urbano oitocentista na região,
nas fachadas o cheio sobre o vazio. Uma construção apontando movimento refluxo do desenho de uma casa
despojada, pura alvenaria de sopapo, sem ornato, sem urbana na arquitetura rural e vice-versa. Não podemos
filigranas, exata em seu sentido funcional. A edificação esquecer que o povoado surgiu no entorno da casa de
oitocentista dos Inhamuns apresenta número maior de fazenda. É notória a semelhança do desenho do casario
envasaduras, expondo o interior da casa para os sertões. urbano de Saboeiro na década de 1940 (figura 43) e as
Da janela de uma fazenda do século XIX era possível fachadas principais das casas de fazenda Carnaúba de
avistar-se, ao longe, outra casa de fazenda. cima (figura 44) e Carnaúba de baixo (figura 45).
144 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO A CASA DE FAZ E NDA DO S I NHAM U NS SÉC U LO XV I I I E XI X 145

FIGURA 43 Figura 44 – Casa de


fazenda Carnaúba de Cima.
Saboeiro. Século XIX. Foto:
Ramiro Teles.

FIGURA 44 Figura 45 – Casa de


fazenda Carnaúba de baixo.
Saboeiro. Século XIX. Foto:
Clovis Jucá

FIGURA 42 Figura 43 – Casario


urbano Saboeiro. Século XX.
Foto: João José Rescala.
Acervo IPHAN/CE.
146 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A C O M O E XT E NSÃO DO S SE RTÕ ES 147

ARQUITETURA
COMO EXTENSÃO
A
A casa de fazenda dos sertões do Ceará – programa,
implantação, volumetria, organização do espaço
interno e sistema construtivo - é expressão construída
dos condicionantes sociais e físicos que imperaram no
movimento de ocupação e fixação no território. Deve
sobre o solo ou camada de regularização do terreno, o
embasamento; na existência de algum ou outro orna-
mento epidérmico; se construída de taipa, de tijolo
queimado em olaria ou adobe; na forma da coberta,
se de duas, quatro águas; na presença do alpendre

DOS SERTÕES
ser pensada no tempo do fixar-se e viver nos sertões indicando uma sociabilidade oitocentista, na rítmica
cearenses, onde o objeto encontra sentido histórico. das envasaduras das fachadas.
No século XVIII, a arquitetura é símbolo da conquista Em meio à diversidade dos sertões do Ceará, lite-
e poder do colonizador. No século XIX não deixou de ralmente situados a meio caminho dos Estados do
simbolizar autoridade. Maranhão e Grão Pará e do Brasil, as manifestações
Sua simplicidade volumétrica e construtiva equivale construtivas e formais podem, por razões sociais e
a especialização do trabalho requerida na atividade técnicas, se aproximar das soluções do mundo do
da pecuária setecentista e da agricultura associada açúcar – transportadas pelos colonizadores e adap-
ao criatório no oitocentos. A correspondência tanto tadas aos condicionantes locais – ou sugerir certa
confere sentido a sua singeleza na exequibilidade da aproximação com os objetos construídos na Capitania
construção, garantindo a instalação, como atribui sin- do Piauí; os seus amplos telhados, de que nos fala
gularidade à obra. Contudo, a simplicidade não implica Paulo Thedin Barreto (1975). O fio condutor que as une
em homogeneidade formal. é exatamente a simplicidade da arquitetura, decorrente
A variação de soluções arquitetônicas encontra da pouca especialização da mão de obra. A arquitetura
expressão se pensadas em consonância com as poten- não pode ser medida pela opulência e arroubos formais.
cialidades dos vários sertões, a produtividade de cada A arquitetura setecentista do Ceará é desprovida de
ribeira; o poder econômico do proprietário da casa de ornamentação. No século XIX, eventuais ornatos não
fazenda e os materiais – pedra de rio, barro, carnaúba alteram a singeleza da obra.
- encontrados no lugar de instalação e trabalhados Afirmamos que o fazer arquitetônico está em
quase in natura na construção. Variação manifesta, conformidade com o trabalho do homem moldando,
no tempo e no espaço, em volumetria, organização sem grandes transformações, a matéria retirada da
do espaço interno, no material usado ou no sistema natureza, na lida cotidiana com o gado ou empunhando
construtivo adotado. Variação resultante da implanta- a enxada que ara o solo. Como resultante do trabalho
ção, diante de topografias diferenciadas, no alto de um nos sertões, a arquitetura é manifestação material
elevado ou terreno plano, se assentada diretamente da ação humana ante o inesperado e desconhecido,
148 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A C O M O E XT E NSÃO DO S SE RTÕ ES 149

atendendo às suas necessidades imediatas. Como


manifestação social, produto cultural, a construção
testemunha e expressa de maneira obstinada o tempo
de estabelecimento no território. A arquitetura da casa
de fazenda é extensão construída dos condicionantes
que imperaram durante a fixação nos sertões do Ceará.
A arquitetura da casa de fazenda do Ceará que
expressa o tempo da conquista, ocupação, apropria-
ção e fixação no território durante o século XVIII e
cujas características resistem, em vários aspectos
formais e construtivos no século XIX, vem infelizmente
desaparecendo. A grande maioria das construções
levantadas nesta pesquisa se encontra em ruína ou
completamente alterada, como se pode perceber nas
imagens seguintes. Urge o levantamento, o registro,
o estudo sistemático de suas expressões; caso con-
trário em pouco tempo nada mais restará. Tudo se
perderá. (Figura 01 a 06).

FIGURA 01Figura 01 – Casa de FIGURA 02 Figura 02 – Casa FIGURA 03 Figura 03 - Coberta


fazenda Sambaiba. Granja. de fazenda Sambaiba. Granja. Casa de fazenda Sambaiba.
Século XIX. Foto Clovis Jucá Século XIX. Foto Clovis Jucá Século XIX. Granja. Foto Clovis
Jucá
150 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO AR QU I T E T U R A C O M O E XT E NSÃO DO S SE RTÕ ES 151

FIGURA 05 Figura 05. Fachada

FIGURA 04 Figura 04. Fachada Posterior. Casa de fazenda


principal. Casa de fazenda Carnaúba de Cima. Século XIX.
Carnaúba de Cima. Século XIX. Foto. Clovis Jucá
Foto: Clovis Jucá

FIGURA 06 Figura 06. Casa de


Fazenda Belmonte. Século XIX.
Saboeiro. Foto: Clovis Jucá
2. O DESENHO
E A IMAGEM
DA CASA DE
FAZENDA
CLÓVIS RAMIRO JUCÁ NETO
154 O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 155

Vamos colocar uma legenda


CASA DE FAZENDA aqui para seguir o mesmo
padrão das outras casas?
UMBUZEIRO
DATA Século XVIII

LOCALIZAÇÃO Município de Aiuaba

ÁREA COBERTA 147.62 m2

LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO Arquiteto Marcílio Bizarria e


Arquiteta Maria do Carmo de Lima Bezerra

A casa do Umbuzeiro é tida como o único exemplar setecentista que resistiu


ao tempo no sertão do Ceará. Tanto do ponto de vista da solução funcio-
nal e plástica como da construção, o edifício é pautado por uma extrema
simplicidade. Sua principal função era o abrigo e a defesa. A planta baixa é
organizada a partir de um retângulo, quase um quadrado de 12,20 X 12,10
m2, dividido em outros quadrados ou retângulos. No vão central há uma sala
quadrada, rodeado por quartos sem grandes envasaduras para o exterior. A
edificação possuía poucas janelas e portas, evidenciando o seu caráter de
uma “casa fortaleza”. Nas fachadas predominam os cheios sobre os vazios.
O edifício é totalmente desprovido de ornatos. Não existia forro e o piso é
de tijolo. Volumetricamente, o edifício é um bloco sólido e simples coroado
por um telhado de quatro águas. A edificação fora construída em taipa.
156 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 157

FIGURA 08 Casa de Fazenda do


Umbuzeiro - Foto João José
Rescala – Arquivo IPHAN/CE
FIGURA 07Planta Baixa.
Fazenda do Umbuzeiro.
Acervo. Clovis Jucá.
Fonte: BEZERRA, 2012
158 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 159

Sitio Umbuzeiro

Bebedouro Ceará

Esta situado a uma légua a cavalo da cidade


de Bebedouro e esta a 6 léguas de Saboeiro.
Proximo a serra do Umbuzeiro é uma das
primeiras casas ou a primeira construída no
sertão dos Inhamuns. Não consegui saber a
data de sua construção, na opinião das pessoas
que se julgam autorizadas afirmam a mesma
possuir 300 anos.
Soube também que deste sitio saíram os
bisavós do D.r Arthur da Silva Bernardes ex
presidente da República. Foi construída por um
FIGURA 10 Casa de Fazenda padre de nome Beserra passando depois por
do Umbuzeiro. Desenho
fechadura. João José vários donos.
Rescala. Acervo IPHAN/CE Construção de Taipa sendo que na fachada
acha-se tijolos de mistura com o barro. Não
sofreu nenhuma reforma, todo material empre-
gado data da época se sua construção, telhas e
tijolos colocados no chão de grande resistência.
Ferrolhos e dobradiças antigos, possue uma
grande sala no centro que julgo destinada a ser-
vir de capela, em uma das paredes da mesma
tem uma base de alvenaria destinada ao altar.
Proprietário atual S.r Antonio Cristiano de
Andrade residente no Sitio Bela Vista, Bebe-
douro, município de Saboeiro.

FIGURA 11Casa de fazenda do


(Transcrição apontamentos João José Rescala Umbuzeiro. Telhado piramidal.
Acervo - IPHAN/CE) Foto: Clovis Jucá

FIGURA 09Manuscrito de João


José Rescala sobre a Casa
de Fazenda do Umbuzeiro –
Acervo IPHAN/CE
160 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 161

FIGURA 13 Armador de rede


em madeira engastado no
madeiramento da taipa de
sopapo. Casa de fazenda do
Umbuzeiro. Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 15 Argola de ferro


engastado na tora de aroeira
da taipa de sopapo para
dependurar utensílios. Casa de
fazenda do Umbuzeiro. Foto:
Clovis Jucá

FIGURA 12 Taipa de sopapo FIGURA 14Porta interna em fichas de madeira


com toras de aroeira. Casa com detalhe de armador de rede feito de
de fazenda do Umbuzeiro. madeira engastado na taipa de sopapo. Casa de
Fotos: Clovis Jucá fazenda do Umbuzeiro. Foto: Clovis Jucá.
162 O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 163

CASA DE FAZENDA
ARRAIAL
DATA Século XIX.

LOCALIZAÇÃO Município de Tauá

ÁREA COBERTA 394.08 m2

LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO Arquiteto Clovis Jucá e


bolsistas de arquitetura Úrsula Priscila e Rafaela Costa

A casa de fazenda Arraial é a de melhor estado de conservação entre as


edificações visitadas. Apresenta planta baixa regular organizada a partir de
um retângulo de 16,42 X 24,00 m2. Os quartos voltam-se para as fachadas
triangulares laterais. A fachada principal é composta por quatro portas com
vergas retas, emolduradas com ressalto em alvenaria e simetricamente
disposta. É arrematada em ambos os lados por cunhais de alvenaria sobre
pedestal. Possui platibanda decorada com motivos em ressalto de alvenaria.
As fachadas triangulares laterais possuem poucas envasaduras com vergas FIGURA 16 Casa de Fazenda Arraial

retas, que correspondem às janelas dos quartos. O telhado é de duas – Vista geral. Fachada principal
arrematada com cunhais em
águas. A casa não possui forro. A edificação fora construída em alvenaria
alvenaria. Conjunto de portas com
de tijolo. A construção foi ampliada em sua porção posterior, aumentando moldura de ressalto em alvenaria.
a extensão do telhado. Platibanda. Foto: Clovis Jucá
164 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 165

FIGURA 19Fachada lateral.


Casa de fazenda Arraial.
Acervo: Clovis Jucá.

FIGURA 17Planta Baixa. Casa


de fazenda Arraial. Acervo:
Clovis Jucá

FIGURA 18Fachada Principal.


Casa de fazenda Arraial.
Acervo: Clovis Jucá.
166 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 167

FIGURA 20 Fachada Principal FIGURA 21 Vista interna da


Casa de Fazenda Arraial. coberta. Sem forro. Telha
Foto: Clovis Jucá vã. Casa de Fazenda Arraial.
Foto: Clovis Jucá
168 O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 169

CASA DE FAZENDA
BELMONTE
DATA Século XIX.

LOCALIZAÇÃO Município de Saboeiro

ÁREA COBERTA 250.20 m2

LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO Arquiteta Maria do Carmo de Lima Bezerra

A casa de fazenda Belmonte encontra-se em ruínas. A planta baixa era


organizada a partir de um retângulo de 17,22 X 14,53 m2, dividido em outros
quadrados e retângulos. Os quartos, verdadeiras alcovas sem janelas,
localizavam-se no centro da edificação, circundados por outros compar-
timentos. A cozinha era interna à casa. A telha vã, não havia forro e o piso
era de tijoleira. A edificação não possuía varanda. O telhado era de duas
águas. A fachada principal composta por portas e janelas emolduradas
com ressalto de alvenaria. As vergas das envasaduras da fachada principal
eram levemente arqueadas. O beiral da fachada principal repousava sobre
cimalha. As fachadas laterais possuíam poucas aberturas com vergas retas.
A edificação foi construída em alvenaria de tijolo. Ao lado da construção FIGURA 22 Ruína fachada
estende-se um curral, também em ruinas, construído em alvenaria de tijolo principal da Casa de fazenda
e pedra. Pertenceu a Francisco Fernandes Vieira, Visconde do Icó. Belmonte. Foto: Clovis Jucá.
170 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 171

FIGURA 24 Fachada principal.


Casa de fazenda Belmonte.
Acervo: Clovis Jucá

FIGURA 23Planta baixa.


Casa de fazenda Belmonte.
Acervo: Clovis Jucá.
Fonte: BEZERRA, 2012
FIGURA 25 Fachada lateral
casa de fazenda Belmonte.
Acervo: Clovis Jucá
172 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 173

Casa de
FIGURAS 26, 27 E 28
Fazenda Belmonte. Foto: João
José Rescala. Acervo IPHAN/Ce
1 74 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 175

FIGURA 26 Ruina fachada FIGURA 28 Detalhe Cimalha.


principal casa de fazenda Ruina fachada principal casa
Belmonte. Foto: Clovis Jucá de Fazenda Belmonte. Foto:
Clovis Jucá

FIGURA 27 Detalhe Cimalha. Ruina FIGURA 29 Detalhe janela. Rasgo em


fachada principal casa de Fazenda chanfro e arco de descarga para
Belmonte. Foto: Clovis Jucá estruturar a abertura. Casa de fazenda
Belmonte. Foto: Clovis Jucá
176 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 177

FIGURA 30 Curral de Pedra. Casa FIGURA 32 Porta curral.


de fazenda Belmonte. Foto: Alvenaria de pedra e de tijolo.
Clovis Jucá Casa de fazenda Belmonte.
Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 31 Porta curral com arco


pleno de tijolo. Casa de fazenda
Belmonte. Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 33 Detalhe muro do


curral. Alvenaria de pedra
sem rejunte. Casa de fazenda
Belmonte. Foto: Clovis Jucá
178 O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA FIGURA 34 Fachada Principal 179
composta por quatro portas
emolduradas com ressalto em
alvenaria e verga levemente
abatida. Casa de fazenda Carnaúba
Há outra foto com melhor
de Baixo. Foto: Clovis Jucá.
qualidade?

CASA DE FAZENDA
CARNAÚBA DE BAIXO
DATA Século XIX

LOCALIZAÇÃO Município de Saboeiro

ÁREA COBERTA 272.78 m2

LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO Arquiteta Maria do Carmo de Lima Bezerra

A casa de fazenda Carnaúba de Baixo possui planta baixa, similar à casa de


fazenda Carnaúba de Cima, organizada a partir de um retângulo de 14,28 X
12,10 m2, dividido em três outros retângulos com subdivisões. Os ambientes
internos eram, predominantemente, fechados, com poucas aberturas para
o exterior. A edificação não possui varanda. A fachada principal é composta
por quatro portas emoldurada com ressaltos em alvenaria, vergas levemente
arqueadas, friso na parte superior e cunhais sobre pedestal. O telhado é de
duas águas. A construção repousava sobre um entablamento. A edificação
fora construída em alvenaria de tijolo.
180 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 181

FIGURA 35 Fachada Principal. FIGURA 36 Fachada posterior


Casa de fazenda Carnaúba de com única abertura. Casa de
Baixo. Foto: Clovis Jucá. fazenda Carnaúba de Baixo.
Foto Clovis Jucá
182 O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 183

Querido, este corte é


suficiente para o que você
quer mostar na foto? Se eu
crescer a foto para entrar na

CASA DE FAZENDA página esquerda, a espinha


do livro emcobrirá a escada.

CARNAÚBA DE CIMA
DATA Século XIX

LOCALIZAÇÃO Município de Saboeiro

ÁREA COBERTA 183.26 m2

LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO Arquiteta Maria do Carmo de Lima Bezerra

A casa de fazenda Carnaúba de Cima possui planta baixa, simples e regu-


lar, organizada a partir de um retângulo de 15,40 X 11,90 m2, dividido em
três outros retângulos com subdivisões. Os ambientes internos eram,
predominantemente, fechados, com poucas aberturas para o exterior.
A edificação não possui varanda. A fachada principal era composta por
quatro portas com vergas levemente arqueadas. O telhado é de duas águas.
O beiral da fachada principal repousa sobre beira sobeira. A construção
FIGURA 37 Casa de Fazenda
repousava sobre um entablamento.. A edificação fora construída em carnaúba de Cima.
alvenaria mista de pedra e tijolo. Foto Ramiro Telles
184 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO FIGURA 38 Casa de Fazenda 185
carnaúba de Cima.
Foto Ramiro Telles

FIGURA 39 Alvenaria de tijolo


empena lateral. Casa de
fazenda Carnaúba de Cima.
Foto Clovis Jucá.
186 FIGURA 40 Arremate do O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 187
entablamento com tijolo de cutelo.
Casa de fazenda Carnaúba de
Cima. Foto Clovis Jucá.

FIGURA 42 Arremate em tijolo de FIGURA 41Detalhe Beira sobeira.


cutelo do entablamento de tijolo e Casa da fazenda Carnaúba de
pedra. Casa de fazenda Carnaúba Cima. Foto Clovis Jucá.
de Cima. Foto Clovis Jucá.
188 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 189

CASA DE FAZENDA
ESTREITO
DATA Século XIX

LOCALIZAÇÃO Município de Arneiroz

ÁREA COBERTA 283.95 m2

LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO Arquiteto Clovis Jucá e


bolsistas de arquitetura Úrsula Priscila e Rafaela Costa

A casa de fazenda Estreito está em ruína. A sua planta baixa, extremamente


simples e regular, era organizada a partir de um retângulo de 20,21 X 14,05
m2, dividido em quatro outros retângulos iguais. Os quartos, subdividindo
dois dos retângulos da planta baixa, estavam dispostos na parte posterior da
edificação. Eram verdadeiras alcovas, sem aberturas para o exterior. As salas
voltavam-se para a fachada principal. A edificação não possuía varanda. A
fachada principal era composta por portas e janelas com vergas levemente
arqueadas, friso, platibanda e era arrematada por cunhais. As envasaduras
da fachada principal eram emolduras por ressaltos em alvenaria. Toda cons- FIGURA 43 Vista frontal
trução repousava sobre um entablamento. O telhado era de duas águas. A – Ruina Casa de Fazenda
edificação fora construída em alvenaria mista de pedra e tijolo. Estreito. Foto: Clovis Jucá
190 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 191

FIGURA 45 [ACIMA] Vista frontal –


Ruina Casa de Fazenda Estreito.
Foto: Clovis Jucá

FIGURA 46 [À ESQ.]Detalhe arremate


superior do cunhal em ressalto de
alvenaria com cimalha. Casa de
Fazenda Estreito. Foto: Clovis Jucá

FIGURA 44 Planta baixa.


Casa de fazenda Estreito.
Acervo: Clovis Jucá
192 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA FIGURA 49 Alvenaria mista de1tijolo
93
e pedra. Janela com quadro e verga
reta de madeira. Casa de Fazenda
Estreito. Foto Clovis Jucá.

FIGURA 47 Detalhe janela FIGURA 48 Detalhe de


emoldurada com ressaltos em porta interna com alvenaria
alvenaria e verga levemente chanfrada, arco de descarga de
abatida. Casa de Fazenda tijolo e verga reta de madeira.
Estreito. Foto: Clovis Jucá Casa de Fazenda Estreito. Foto
Clovis Jucá.
194 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 195

FIGURA 53 Parede em
alvenaria de pedra.
Casa de Fazenda Estreito.
Foto: Clovis Jucá

FIGURA 51 Arco de descarga


e madeiramento do quadro
de janela. Casa de Fazenda
Estreito. Foto: Clovis Jucá.

FIGURA 50 Janela com vista para FIGURA 52 Detalhe acabamento FIGURA 54 Parede em alvenaria
o exterior. Quadro de madeira. com tijolo de cutelo na camada de de pedra. Casa de Fazenda
Alvenaria de pedra. Casa de regularização do terreno. Casa de Estreito. Foto: Clovis Jucá
Fazenda Estreito. Clovis Jucá. Fazenda Estreito. Foto Clovis Jucá.
196 O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA FIGURA 55 Ruina fachada lateral
197
Casa de Fazenda Monte Carmo.
Foto: Clovis Jucá

CASA DE FAZENDA
MONTE CARMO
DATA Século XIX

LOCALIZAÇÃO Município de Aiuaba

ÁREA COBERTA 351.84 m2

LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO Arquiteta Maria do Carmo de Lima Bezerra

A casa de fazenda Monte Carmo encontra-se em ruínas. A sua planta baixa,


simples e regular, era organizada a partir de um retângulo de 20,21 X 14,05
m2. Os quartos, sem aberturas para o exterior, estavam localizados na
parte central da edificação circundados por outros compartimentos. A
cozinha era interna à casa. A edificação não possuía varanda. A fachada
principal e das fachadas laterais apresentam por portas e janelas com ver-
gas levemente arqueadas, emolduras por ressaltos em alvenaria. As vergas
da fachada posterior eram retas. Todas as fachadas foram arrematadas por
cunhais sobre pedestal. A edificação repousava sobre um entablamento.
O telhado era de quatro águas. O beiral da fachada principal e das duas
laterais repousava sobre cimalha. O acabamento do beiral da fachada
posterior era de beira sobeira. A edificação fora construída em alvenaria
de tijolo. O baldrame é pedra. As janelas possuem rasgo em chanfro.
198 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 199

Casa de
FIGURAS 56 E 57
Fazenda Monte Carmo.
Foto João José Recala.
Acervo IPHAN/CE

FIGURA 56 Planta Baixa.


Casa de Fazenda Monte
Carmo. Acervo: Clovis Jucá.
Fonte: BEZERRA, 2012
200 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 201

Fazenda Monte Carmo

5 leguas de Saboeiro. Ceará.

Propriedade do S.r . Santino Claro dos Santos.

Residente na mesma.

Casa de grandes proporções, a mais bem acabada do Sertão


dos Inhamuns. Construída em 1802 e pertenceu a filha do
Visconde de Icó D. Vitoria Fernandes Vieira.
Todas as paredes são revestidas de cal com clara de ovos e
ainda conserva o brilho peculiar a este processo, tem 6 armá-
rios , embutidos nas paredes de 3 salas sendo 2 em cada, teto
sem forro, chão coberto de tijolos indenticos aos encontrados
no Sitio Umbuzeiro de grande resistência e tendo um ligeiro
brilho. Madeiramento de cedro, telhado de quatro aguas com
4 colunatas em cima uma em cada canto, iguais as que possue
o “Castelo do Visconde” de Icó em Saboeiro.
O atual proprietário não tem nenhum cuidado com a casa,
apesar deste abandono a conservação é boa/ devido ao bom
material empregado e a grande resistência dos mesmos.
O atual dono informou-me que em uma noite em que dor-
mia foi roubado um pote cheio de moedas de ouro que se
achava oculto pelos antigos proprietários na escada de tijolos
que fica em frente a casa, disse-me ainda que por ocasião da
independência os portugueses temendo o assalto a seus bens
enterravam os valores que possuíam, dahi a possibilidade de
FIGURA 57Desenho esquemático serem encontrados estes potes nas grandes fazendas.
da Casa de Fazenda Monte Carmo
elaborado por João José Recala.
(Transcrição apontamentos João José Rescala
Acervo IPHAN/CE.
Acervo - IPHAN/CE)

FIGURA 58Manuscrito de João


José Rescala sobre a Casa de
Fazenda Monte Carmo. Acervo
IPHAN/CE.
202 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO 203

FIGURA 59 Detalhe fachada lateral


e posterior com acabamento em
cunhal. Casa de Fazenda Monte
Carmo. Foto: Clovis Jucá

FIGURA 60 Detalhe fachada lateral.


Alicerce de pedra. Alvenaria de tijolo.
Cunhal com pedestal. Casa de Fazenda
Monte Carmo. Foto: Clovis Jucá
204 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 205

FIGURA 64 Detalhe fachada


posterior. Acabamento de beira
sobeira. Casa de Fazenda Monte
Carmo. Foto: Clovis Jucá

FIGURA 61 [ACIMA] Detalhe


fachada lateral. Alicerce de
pedra. Alvenaria de tijolo. Cunhal
com pedestal. Casa de Fazenda
Monte Carmo. Foto: Clovis Jucá

FIGURA 62 [AO LADO] Detalhe


fachada lateral. Alicerce de
pedra. Alvenaria de tijolo. Cunhal
com pedestal. Cimalha. Casa de
Fazenda Monte Carmo.
Foto: Clovis Jucá

FIGURA 63 Detalhe fachada lateral.


Alicerce de pedra. Alvenaria de tijolo.
Cunhal com pedestal. Casa de Fazenda
Monte Carmo. Foto: Clovis Jucá
206 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO O DESE NHO E A I M AG E M DA CASA DE FAZ E NDA 207
208 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO R E F E R Ê NC I AS BI BL IO G R ÁF ICAS 209

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210 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO R E F E R Ê NC I AS BI BL IO G R ÁF ICAS 211

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212 ARQUI TETUR A COMO EXTENSÃO D O S E RTÃO 213

OS AUTORES Clóvis Ramiro Jucá Neto

Possui graduação em Arquitetura


Adelaide Maria Gonçalves Pereira

Doutorado em História pela


e Urbanismo pela Universidade Universidade Federal de Santa Catarina
Federal do Ceará (1986), mestrado (2000). Pós-Doutorado no Instituto
em Arquitetura e Urbanismo pela de História e Teoria das Ideias, da
Universidade Federal da Bahia (1992), Universidade de Coimbra. Professora
doutorado em Arquitetura e Urbanismo Titular do Departamento de História
pela Universidade Federal da Bahia da Universidade Federal do Ceará.
(2007) com sanduíche na Universidade Professora da Escola Nacional Florestan
do Porto (2004 - 2005). Atualmente é Fernandes do MST-Brasil.
professor associado da Universidade
Federal do Ceará. Tem experiência na
área de Arquitetura e Urbanismo, com
ênfase em História da Arquitetura e
Urbanismo, atuando principalmente
nos seguintes temas: história da
urbanização e do urbanismo do Ceará
no século XVIII e XIX, arquitetura urbana
e rural do Ceará século XVIII e XIX e
arquitetura moderna de Fortaleza.
FICHA TÉCNICA
O S AU TO R ES 217

Este livro foi composto na fonte Intro,


desenvolvida por Svet Simov e distribuída por Fontfabric.

Impresso em março de 2019 pela Expressão Gráfica.

Fortaleza, Ceará, Brasil.


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