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O ciclo de poemas Die schöne Müllerin surgiu de uma brincadeira entre amigos em
que cada um representava um personagem na história e criava poemas para as
cenas. Durante os próximos 3 anos Müller estava intrigado com as possibilidades da
história e em 1821 publicou o ciclo: o 1º poema é um prólogo feito pelo poeta, as 23
canções seguintes são a história sobre um jovem moleiro que se apaixona
perdidamente por uma jovem moleira, mas esta não retribui. Em certo momento
aparece um caçador que encanta moça, e então o moleiro se mata num riacho. No
25º poema temos mais uma vez o poeta falando.
É no 21º poema, “Trockne Blumen”, que o moleiro decide se matar, culminando seus
pensamentos nefastos que vinham dominando os poemas anteriores. Nas 3
primeiras estrofes, o moleiro fala para uma coleção de flores murchas e moribundas,
que estão muito molhadas. Nas 3 seguintes, ele contempla a inutilidade de suas
lágrimas (o motivo de as flores estarem molhadas) e a insignificância da sua vida
frente ao amor que morreu. Este grupo termina ecoando a primeira estrofe,
sugerindo uma organização circular para as 6 primeiras estrofes. O poema termina
falando de um futuro em que a moleira reconhece o verdadeiro amor do moleiro e
mais uma vez as flores desabrocham, e assim, em acentuado contraste entre as
flores que morrem e as flores que nascem, o inverno e a primavera, o amor morto e
o verdadeiro amor.
O poema é recheado de misturas conceituais. No começo, o moleiro não trata as
flores como plantas, mas como seres antropoformizados (“por que todas vocês / me
olham tão tristes, / como se soubessem / o que me aconteceu?”): elas não só o
veem, mas o veem com patos. Em outro lugar ele combina conceitos relacionados
com as estações e o amor romântico. Depois, conceitos das estações são
combinados com conceitos de vida e morte.
O poema é uma rica estrutura discursiva em si mesmo, com intrigantes
possibilidades de pareamento com a estrutura discursiva da música.
O poema “Trockne Blumen” é o único de Die schöne Müllerin que aparece entre os 5 Lieder
und Gesänge mit Begleitung des Piano Forte, de 1822, todos de Müller. Na canção o poema
dividido em 4 estrofes, e a música separa cada uma com materiais recorrentes.
Há uma detalhada análise da música no livro, entretanto Zbikowski ressalta que o mais
importante para a mistura conceitual de uma canção é a estrutura discursiva tanto da
música quanto do texto em larga escala. A música é dividida em duas partes distintas,
marcadas pela mudança de modo, de Lá menor para Lá maior. O texto enfoca em cada
uma das duas partes um estado de espírito geral diferente, o que se evidencia pelo
contraste entre flores murchas e desesperança e flores desabrochadas e esperança pelo
futuro. Isto é colocado da seguinte RIC, onde o espaço genérico contrasta estados
ontológicos. Esses espaços são frequentemente marcados por uma diferença temporal
(como passado e presente, ou presente e futuro), mas podem mais abstratamente serem
representados por tema e variações, ou protótipo e cópia. Esse quadro dá conta da causa
de mudança de estado ou dá uma explicação para o por que de um estado ser preferido
sobre outro. No texto essa diferença é marcada pela ênfase das 4 primeiras estrofes no
presente e das 4 últimas estrofes no futuro. Dentro de cada grupo de estrofes há exceções
a esta linearidade, com referências a outros tempos, mas isto não prejudica a relação. Já a
música é marcada menos pela diferença de momentos (tempos), mas mais pela sua
estrutura conceitual, isto é, como se a parte em Lá menor providenciasse o tema e a parte e
Lá maior providenciasse a variação. Entretanto, a parte em Lá maior reescreve o caráter e
sintaxe da parte em Lá menor.
Lembremos que o estabelecimento de uma Rede Conceitual Integrada envolve invariâncias
estruturais entre os domínios dos espaços de entradas que são esclarecidas pelo espaço
genérico. Mas Zbikowski escreve: “apesar de que deveria já estar claro a este ponto, deixe-
me enfatizar que nem todas as canções formam misturas conceituais. Dentre as que
formam tais misturas, algumas serão mais bem-sucedidas (isto é, levarão a elaborações
mais extensas)” (pág. 91, em nota 17). [Esta é uma maneira nova que Zbikowski expõe a
efetividade das misturas conceituais.]
Uma abordagem mais completa da maneira com a qual os conceitos se combinam nessa
RIC requereria uma série de retratos do tipo que representam espaços mentais [ou seja,
outros elementos comparados]. Por exemplo, a maneira como a sintaxe é reescrita em Lá
maior inclui mudança nos graus das escalas, na escolha de notas específicas (mais
agudas), e evita harmonias mais tensas. Essa mudanças e similares implicam não apenas
um futuro, mas um novo presente, saindo de um estado de uma alma torturada para uma
alma esperançosa e extasiada. Desta forma, temos:
Composição: combina as 4 primeiras estrofes com Lá menor para criar um estado
ontológico no espaço de mistura: uma imagem forte do presente como dominado por
pensamentos obsessivos, escassas oportunidades de descanso e um jogo imprevisível de
sentimentos. Já as últimas 4 estrofes combinadas com Lá maior implicam que o que era
sombrio se torna claro, que há um processo ordenado a fins e que as cercanias são calmas
e suavizantes. Na música há uma estranha inversão conceitual que faz parecer que as
flores que estão sobre o túmulo não são mais as flores murchas, mas as desabrochadas.
Conclusão: na primeira parte da canção, podemos imaginar o tormento do moleiro, com
linguagem corporal depressiva, acompanhadas de expressões de angústia e agonia.
Podemos imaginar também que quanto mais distante dos tormentos anteriores, mas feliz
ele está no geral.
Elaboração: sugere que o moleiro agirá para que o futuro que ele imagina seja realidade,
com clamor. A música aqui fornece um guia útil, pois sugere que o presente pode ser
transformado no futuro se for interpretado, da mesma maneira como o material da seção em
Lá menor é reinterpretada na seção em Lá maior. Assim, o amor morto será o amor eterno,
donde as flores desabrochadas no túmulo ficam mais compreensíveis, já que as flores
murchas que ele segura podem ser transformadas em símbolos de amor eterno.
Schubert compôs seu ciclo sobre os poemas de Müller na primeira metade de 1823, em 20
peças. Trockne Blumen é a 18ª canção. Schubert divide as estrofes em 3+3+2, em que os
dois últimos são repetidos da forma 7+8, 7+8 e 8. Segue uma análise da música. Ela
também é dividida em duas partes que contrastam as tonalidades de Mi menor e Mi maior.
Zbikowski propõe a RIC a seguir.
Klein e Schubert salientam dois moleiros diferentes. O moleiro de Klein está com o coração
partido e se desespera tanto mais quanto percebe que sua situação não tem solução. De
repente, entretanto, tudo se torna mais leve e promissor, tendo encontrado uma maneira de
dar vida às flores e ao seu amor ao acolher a morte. O moleiro de Schubert está
primeiramente paralisado de desespero por ser incapaz de escapar, imóvel em face da
morte. Depois ele se torna expansivo e a recebe com alegria e fervor.
Os dois moleiros estão presentes no poema? Sim e não. Sim, no sentido de que o poema
suporta essas duas interpretações, demarcadas pelas RIC’s correspondentes. E sim,
porque no contexto do ciclo o moleiro é um personagem complexo, destinado à destruição.
Mas não, no que é preciso que a música atue para trazer esses moleiros específicos.
Para investigar melhor essa comparação, é efetivo comparar as músicas. Entre suas
similaridades, estão a mudança de menor para maior, a evitação da uma cadência definitiva
na tônica na 1ª parte, bem como a utilização de uma textura relativamente delicada,
especialmente na primeira metade. A diferença está principalmente no tratamento da
relação tônica-dominante na primeira parte: Klein faz prolongações estendidas da
dominante para gerar tensão, enquanto Schubert usa a dominante apenas para tirar
temporariamente a música de seu modo estático e normativamente como meia-cadências,
quase correndo o risco de imobilidade.
Portanto, a canção não é simplesmente o uso das palavras e da música simultaneamente.
Para que a mistura ocorra, é necessário que haja um compartilhamento das topografias,
aspectos comuns nas estruturas sintáticas, ainda que a noção de multimídia continue
presente, no que diz respeito a que tanto a música quanto o texto sejam envolventes
(compelling) por si mesmos.
“Im Rhein” é a 16ª canção no ciclo. Os poemas foram retirados de Lyriches Intermezzo,
uma coleção de 64 poemas de Heinrich Heine, publicados em 1823. Apesar de dizermos
ciclo, a unidade de Dichterliebe não é tanto por uma narrativa única, mas por uma temática
comum: o amor romântico, que é transformado, disperso ou distorcido por reminiscências
ou emoções exageradas (overheated).
As três estrofes podem ser divididas em 3 partes: a 1ª parte aborda uma visão geral sobre
Colônia, centrada em sua catedral e refletida pelas águas do rio Reno. Há uma noção de
amplitude (sugerida pelas repetições de groß) e sacralidade (heilige Köln, heiligen Strome -
verso alterado por Schumann). A 2ª parte, as últimas duas estrofes, adentra a catedral e
enfoca num retrato (pintura). A presença de um narrador é explicitada, e o poema adquire
uma pessoa e uma razão: estamos na catedral para olhar uma pintura importante para o
narrador, uma Madonna, que se parece muito com a sua amada. O poema termina com
uma mudança repentina do espiritual para o carnal, e somos deixados suspensos dentro da
visão do narrador.
A elegância e força do inquietante poema de Heine reside em dois processos paralelos. O
primeiro é de perspectiva: da larga escala (Colônia e a Catedral) diminui para o interior da
catedral, então para a pintura, e finalmente para traços específicos da pintura. O segundo
processo é conceitual e afetivo: começamos com ideias de vastidão e do sagrado; continua
para o ativo consolo provido pela contemplação de uma obra de arte sacra; e de repente há
uma repentina confrontação com uma paixão intensa e carnal por uma amante.
A música que Schumann compôs para o poema é dividida em 3 partes, na forma ABA’. A
seção A (c. 1 - 16) é austera e muito centrada em Mi menor, apesar de não haver cadência
perfeita na tonalidade. A seção B (c. 17 - 43) contém cadências perfeitas, mas em Sol maior
e em Lá menor, gerando uma instabilidade de larga-escala, o acompanhamento é mais
fluido, a dinâmica mais leve e há deslocamentos rítmicos no baixo. A seção A’ é austera
como o início, mas contém os deslocamentos, que estão relacionados ao trecho do texto
que fala da amada.
Com base nisso, Schumann cria a relação de exterior-interior, já que a seção A é exterior a
B (que está no meio). Isto se relaciona com a relação interior-exterior do poema. Portanto
esta relação é a base da RIC, sendo o conteúdo do espaço genérico.
Composição: combina a visão exterior do rio, da cidade e da catedral com o austero Mi
menor da seção A e sugere vastidão e também maus pressentimentos e uma contemplação
severa. Em contraste, o interior da catedral e a pintura são combinados com a seção B para
criar uma noção de refúgio, o fim de duras realidades lá fora.
Conclusão: podemos imaginar outros detalhes de cada domínio: o mundo exterior é
cinzento, frio e aterrorizante; o interior é íntimo e seguro, um tanto frágil. Podemos imaginar
algo da vida física e emocional do narrador. Fora da catedral, é muito absorto em si mesmo,
uma figura desalinhada que corre para escapar dos demônios que o atormentam; dentro
dela, ele se mantém raptada, absorto (rapt), ainda que os tumultos em sua mente estejam
se tornando insuportáveis.
Elaboração: podemos pensar no motivo para o narrador adentrar a catedral: alguém ou uma
perspectiva que faz a vida lá fora intolerável; ou uma obsessão pela amada, objeto de
adoração para ser possuída e controlada. Entretanto, seguindo a música de Schumann,
podemos imaginar o narrador retornando para o mundo exterior mais abalado ainda que
antes, confrontado com sua obsessão pela amada, que é lembrada pelo deslocamentos nos
baixos. Seu tormento psíquico justifica os maus presságios, assim como a irrealidade do
domínio interior. Ele caminha sem descanso. O Reno representada mais que um espelho
para o grande e santo lugar: também oferece um meio de extinguir os fogos que o
consomem.
Tanto o texto de Müller quanto de Heine tratam de mazelas do amor, mas enquanto Müller
faz isso no contexto de 23 poemas, Heine faz em apenas 1. Isto sugere uma maestria nos
detalhes psicológicos, tanto do sujeito quanto das perguntas do leitor. Schumann capta
esses detalhes e cria uma música que suporta, expande e oferece uma conclusão para o
poema. Ao dar uma interpretação, enfatizando certos aspectos da topografia em favor de
outros, ele tira algumas ambiguidades do poema, mas com ganhos consideráveis. Os
desafios e recompensas de criar estes mundos certamente impulsionou Schumann a
compor tantas canções em 1840 e produziu uma transformação na maneira como
compositores pensavam sobre como organizar seus materiais musicais.
“In der Fremde” primeiro apareceu como uma canção sem título numa novela de
Eichendorff, chamada Viel Lärmen um nichts, de 1833. A cena se passava numa grande
sala de um castelo com uma tempestade lá fora, e sobre a janela, uma jovem cantava se
acompanhando pelo violão. A canção é muito triste, e fala sobre a solidão e a morte solitária
longe de casa. Quando acaba, entretanto, ela levanta, cheia de vida, para encontrar seu
amado e seus amigos, atraídos por sua cantoria. Portanto, ela oferece esse grande
contraste.
O poema oferece imagens e impressões ao invés de uma estrutura narrativa específica.
Dominam imagens da natureza (os raios vermelhos, nuvens e a solidão da floresta), assim
como uma profunda sensação de abandono do narrador (seus pais estão mortos, ela é
desconhecida em sua terra natal e no lugar onde morrerá). Contudo, há contrastes
importantes dentro do poema: a justaposição de imagens reconfortantes da terra natal, pais
e floresta, e do ambíguo “aqui” do poema, a solidão da floresta e a opressiva anonimidade
nas redondezas.
As conexões com a história da novela e as ambiguidades ficaram obscurecidas quando
Adolf Schöll, amigo de Eichendorff, publicou em 1837 o poema na seção “Totenopfer” de
uma coleção de poesias, onde adquiriu o atual título.
Schumann pôs em música o que estava na coleção editada por Schöll, começando em 4 de
maio de 1840. Há algumas poucas alterações na letra.
Apesar de não haver evidência de que Schumann tenha tido contato com a novela de
Eichendorff, o acompanhamento se encaixa na imagem de uma cantora se acompanhando
ao violão, tanto pelos acordes quanto pelo registro similar e a simplicidade popular da
melodia (folk-like). Segue uma análise. A música começa com uma seção bastante estável
em Fá# menor (c. 1 - 9), seguida de uma seção (c. 10) que muda para Lá maior e depois Si
menor que é mais brilhante e menos envolvido com cromatismos (excetuando a inclinação
para si menor, com lá# e o acorde de sétima diminuta no c. 17). No final, a música chega
em Fá# menor e segue estável com a nota pedal Fá# no baixo e Fá# maior, contendo as
duas notas de aproximação cromática, Mi# e Sol.
O espaço genérico contrasta dois estados ontológicos, mas falta um conexão clara entre os
dois: apesar de parecer terem uma relação numa relação em larga escala, são tratados
como incomensuráveis (sem relação comum). No poema, os estados ontológicos são sutis,
havendo uma metáfora conceitual entre os tempos: o passado é lá, o presente é aqui; o
futuro é quieto e solitário (forest-solitude). Esses mapeamentos são combinados ainda com
emoções mais difusas. Os mapeamentos espaciais do passado e presente são conectados
com a memória dolorosa dos pais e da sensação de abandono, e os sentimentos
desconfortáveis dos raios vermelhos e das nuvens que se aproximam. Os mapeamentos
afetivos são conectados com a sensação de descanso e presença de beleza.
A combinação de elementos no espaço de mistura é retrata dois mundos, mas
diferentemente de “Im Rhein”, são construídos em termos emocionais ao invés de
arquitetônicos.
“In der Fremde” foi composta por Brahms em novembro de 1852, com 19 anos, publicada
como a 5ª canção de seu Sechs Gesänge, Op. 3. Ela apresenta algumas similaridades com
a versão de Schumann, mas há notáveis diferenças na mistura conceitual que ela sugere.
Segue a análise. Os aspectos gerais usados aqui não são tanto relacionados à forma como
nas outras, mas em recorrências gerais, padrões melódicos. A melodia tem uma extensão
pequena, e gira em torno da nota Lá, constantemente voltando a ela, cada frase começa em
Lá e a segunda e terceira frases são terminam nela.
O espaço genérico é construído sobre o sentimento de desconforto por estar em ambiente
estranho, desconhecido. Este espaço é diferente dos que já vimos, pois não sugere tão
imediatamente uma narrativa, mas cria ao menor uma oportunidade para uma história
mínima.
No poema, o desconforto vem com as ameaçadoras nuvens e relâmpagos vermelhos,
assim como do isolamento e anonimidade, reunido no pensamento de que o descanso será
encontrado em qualquer outro lugar. Na música, o desconforto dos ambientes estranhos
(alien surroundings) é sugerido pelas repetidas tentativas, do c. 4 ao 21, de escapar da nota
Lá e da tonalidade de Fá# menor. Cada tentativa falha, marcada por cadências inseguras e
atrações para o Lá. O final da música dá uma sensação de que a opressão foi suspendida,
mas não inteiramente vencida.
Há dois importantes fatores sobre a produção de “In der Fremde” de Brahms, em sua busca
para homenagear o mestre e ao mesmo tempo afirmar sua independência como
compositor: o 1º é a sua idade, com 19 anos não era estranho para ele sentimentos de
exclusão, alienação, e uma energia inquieta; 2º é a importância do Liederjahr de Schumann,
em 1840, não apenas por sua incrível produção, mas poder dado origem a um novo
pensamento de como a sintaxe musical pode ser construída para responder às
possibilidades da poesia. E enquanto para Schumann em 1840 as cadências ainda eram o
articulador primário de argumento musical, para Brahms em 1852 elas já eram mais
maleáveis: cadências claras raras e são usadas por Brahms na canção apenas em lugares
específicos. Brahms saberá explorar muito bem as cadências nos anos que se seguirão,
mas aqui ele mostra que ele pode criar uma nova maneira de articular as possibilidades
sintáticas do discurso musical.