Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Instituto de Artes
Departamento de Arte Dramática
Porto Alegre
Maio de 2016
Resumo: Nesse artigo, propõe-se a apresentação e análise do mito grego acerca do herói da
humanidade, Prometeu, a partir da comparação de duas obras, uma clássica e outra contemporânea:
Prometeu acorrentado, de Ésquilo, e A Libertação de Prometeu, de Heiner Müller. Tendo como base
o contexto histórico de cada época, pretende-se apresentar características próprias de cada autor em
relação à construção de algumas personagens-chave.
Palavras-chave: Prometeu; Ésquilo; Heiner Müller; Grécia Antiga; Teatro contemporâneo.
Abstract: This paper proposes the presentation and analysis of the Greek myth about the hero
of mankind, Prometheus, based on the comparison of two works, a classical one and a contemporary
one: Prometheus Bound, by Aeschylus, and The Liberation of Prometheus, by Heiner Müller.
Through the historical context of each era, the objective is to present the characteristics of each author
in relation to the construction of some key-characters.
Key-words: Prometheus; Aeschylus; Heiner Müller; Ancient Greece; Contemporary theatre
2
símbolo da sabedoria e do raciocínio, e entrega-o aos humanos, para que consigam
evoluir de seu estado primitivo e sobreviver à ira dos deuses (descontentes ao
acreditarem terem sido rebaixados ao nível dos meros mortais). Esse é apenas um
dos crimes de Prometeu, porém representa a mais grave afronta à manutenção do
poder e da soberania divinos.
O Poder [dirigindo-se a Vulcano] – Eis-nos chegados aos confins da
terra, à longínqua região da Cítia, solitária e inacessível! Cumpre-te
agora, [...] acorrentar este malfeitor, [...]. Ele roubou o fogo, - teu
atributo, precioso factor das criações do génio, para transmiti-lo aos
mortais!
Vulcano [dirigindo-se a Prometeu] – [...] Eis a consequência de tua
dedicação pelos humanos; como deus, que tu és, fizeste aos mortais uma
dádiva tal, que ultrapassou todas as prerrogativas possíveis. Como castigo
por essa temeridade, ficarás sobre essa rocha terrífica, [...]; o coração de
Júpiter é inexorável... Um novo senhor é sempre severo!... (1950: p. 7, 8)
3
dos demais personagens limita-se a acentuar a grandeza de Prometeu e seu destino
cruel” (2009: p. 11).
Já no final de Prometeu Acorrentado, o prisioneiro é visitado por Mercúrio
(Hermes, mensageiro de Zeus), que novamente exige que Prometeu revele-lhe as
causas da ruína do deus do Olimpo. Inabalado pelo novo discurso, o herói é então
ameaçado com novas torturas, dentre as quais a visita de uma águia (ou abutre) que
lhe comeria diariamente o fígado (órgão que regenerar-se-ia ao fim de cada dia,
sendo Prometeu imortal).
Da última parte da trilogia, Prometeu Libertado, restam apenas fragmentos.
Sabe-se, entretanto, que Héracles (ou Hércules), descendente de Io, dá fim à águia
que atormentava os dias de Prometeu e persuade Quíron (centauro famoso da
mitologia grega) a morrer no lugar do herói. Ao fim, Prometeu reconcilia-se com
Zeus e consegue sua liberdade por meio da revelação do segredo que por tanto tempo
e por tanta dor ele havia mantido.
Heiner Müller, famoso escritor e dramaturgo alemão, propõe, em seu texto A
Libertação de Prometeu, um final alternativo à incessante batalha do prisioneiro, em
forma de poema. Segundo Ana Paula Quintela, em textos organizados por Marta
Várzeas e Belmiro Fernandes Pereira,
[N]a grotesca peça [...], o autor [Müller] desconstrói o mito. Faz da águia
a única companhia do Titã [Prometeu], que mais não é para ela do que
uma pedra comestível, que cobre de fezes, que, por sua vez, servem de
alimento a Prometeu. Héracles, por causa do odor fétido exalado pelo
Agrilhoado demora milénios a vir matar a águia e só o faz depois de um
dilúvio de 500 anos ter lavado o Cáucaso. Uma vez libertado, Prometeu
lastima-se da morte de seu animal de companhia, que com os
excrementos o tinha alimentado. (2009: p. 199)
4
e de cantigas dissonantes
especialmente quando se comia dela,
defecou também em cima dele.
As fezes eram seu alimento.
Ele passava-as adiante
transformadas em suas próprias fezes,
para a pedra debaixo de si
[...]
Também sabia muito bem,
que a águia fora sua última ligação com os deuses,
e que suas bicadas diárias
eram a memória deles nele. (1993: p. 199, 200, 201)
5
Gritando e espumando de raiva,
com dentes e unhas
defendeu suas correntes
contra a investida do libertador. (1993: p. 201, 202)
Assim, temos acesso a duas obras que contam a história do mesmo mito,
porém com variações no quesito construção de personagens. Enquanto Ésquilo
apresenta um Prometeu grandioso, Heiner Müller mostra-nos uma versão
desmistificada do herói, que aguenta milhares de anos de tortura, e, por fim, acaba
acostumando-se com essa realidade. Entretanto, encontra-se um ponto convergente
entre os dois textos: assim como na obra clássica, na contemporânea Prometeu
também recebe seu final merecedor; apesar de não conquistar o perdão dos deuses,
regressa fortemente aclamado pela humanidade.
6
Referenciais Teóricos