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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto de Artes
Departamento de Arte Dramática

A História de dois Prometeus, ou sobre como


a construção de personagens alterou-se ao longo dos anos
Bruno Busato do Amaral

Porto Alegre
Maio de 2016
Resumo: Nesse artigo, propõe-se a apresentação e análise do mito grego acerca do herói da
humanidade, Prometeu, a partir da comparação de duas obras, uma clássica e outra contemporânea:
Prometeu acorrentado, de Ésquilo, e A Libertação de Prometeu, de Heiner Müller. Tendo como base
o contexto histórico de cada época, pretende-se apresentar características próprias de cada autor em
relação à construção de algumas personagens-chave.
Palavras-chave: Prometeu; Ésquilo; Heiner Müller; Grécia Antiga; Teatro contemporâneo.
Abstract: This paper proposes the presentation and analysis of the Greek myth about the hero
of mankind, Prometheus, based on the comparison of two works, a classical one and a contemporary
one: Prometheus Bound, by Aeschylus, and The Liberation of Prometheus, by Heiner Müller.
Through the historical context of each era, the objective is to present the characteristics of each author
in relation to the construction of some key-characters.
Key-words: Prometheus; Aeschylus; Heiner Müller; Ancient Greece; Contemporary theatre

Prometeu acorrentado, obra atribuída ao dramaturgo grego Ésquilo e escrita


entre os anos de 467 a.C e 458 a.C, é a única sobrevivente de uma trilogia que remete
à mitologia grega, mais precisamente ao mito do herói Prometeu. Precedida por
Prometeu, portador do fogo e sucedida por Prometeu libertado, a peça tem sua
origem simultânea às primeiras manifestações da recém surgida democracia, que
vinha a substituir um longo período de governos tirânicos. Claramente influenciado
pelo contexto histórico do período, Ésquilo utiliza-se do mito como forma de
exaltação do regime democrático ateniense, apresentando, em contrapartida, as
injustiças cometidas pelo poder ilimitado do tirano Zeus (nomeado Júpiter).
O Coro – [...] teu corpo a arder, preso a este penedo, por essas aviltantes
cadeias de ferro. Tudo isso porque novos senhores dominam agora o
Olimpo: Júpiter reina de facto por novas e iníquas leis, e procura destruir
tudo o que era outrora digno de veneração.
Prometeu – [...] Mas aqui, exposto ao ar, eu sofro, miserável, suplícios
que são motivos de júbilo para meus inimigos!
O Coro – Oh! Qual dos deuses terá um coração tão duro, que se possa
alegrar com tal espetáculo? Qual deles, excepto Júpiter, deixaria de se
condoer de teu sofrimento? Irritado sempre, e inflexível, ele não deixará
de saciar sua crueldade sobre a raça celeste, até que um esforço feliz lhe
arranque um poder infelizmente agora sólido demais!
Prometeu – [..] o senhor dos imortais será coagido a recorrer a mim para
saber em tempo qual a nova conspiração que lhe há-de arrebatar o ceptro
e as honrarias.
O Coro – [...] A alma do filho de Saturno [Júpiter] é impenetrável, e seu
coração inflexível.
Prometeu – Júpiter é rígido, bem o sei; sua vontade só, é, para ele, a
justiça. No entanto, na iminência de imprevistos golpes, sua cólera
indomável se há-de aplacar; e, com tanta solicitude como eu próprio teria,
há-de procurar meu socorro e minha amizade. (1950: p. 13, 14)

Assim, Ésquilo constrói a figura de Zeus como a do detentor de um poder


guiado por sua própria vontade, que acaba por cometer injustiças àqueles que não o
respeitam ou veneram. Em Prometeu, portador do fogo, primeira parte da trilogia, ao
qual não se tem acesso, o jovem herói, criador da humanidade, rouba o fogo celeste,

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símbolo da sabedoria e do raciocínio, e entrega-o aos humanos, para que consigam
evoluir de seu estado primitivo e sobreviver à ira dos deuses (descontentes ao
acreditarem terem sido rebaixados ao nível dos meros mortais). Esse é apenas um
dos crimes de Prometeu, porém representa a mais grave afronta à manutenção do
poder e da soberania divinos.
O Poder [dirigindo-se a Vulcano] – Eis-nos chegados aos confins da
terra, à longínqua região da Cítia, solitária e inacessível! Cumpre-te
agora, [...] acorrentar este malfeitor, [...]. Ele roubou o fogo, - teu
atributo, precioso factor das criações do génio, para transmiti-lo aos
mortais!
Vulcano [dirigindo-se a Prometeu] – [...] Eis a consequência de tua
dedicação pelos humanos; como deus, que tu és, fizeste aos mortais uma
dádiva tal, que ultrapassou todas as prerrogativas possíveis. Como castigo
por essa temeridade, ficarás sobre essa rocha terrífica, [...]; o coração de
Júpiter é inexorável... Um novo senhor é sempre severo!... (1950: p. 7, 8)

Cruelmente punido por Zeus, Prometeu é condenado a definhar nas


montanhas rochosas da Cítia, até que decida revelar ao deus do Olimpo qual seria e
como se daria sua queda (Prometeu significa, literalmente, “o que prevê). Em
Prometeu acorrentado, obra do qual se tem registro completo, o herói é visitado por
diversas entidades – as Ninfas do Oceano (que, na obra, representam o Coro), o
Oceano (Poseidon, na mitologia grega), Io (mortal amada por Zeus, condenada a
fugir eternamente de um ser monstruoso) – dispostas a defendê-lo e ajudá-lo a
escapar de seu destino; entretanto, aconselha que as mesmas não percam seu tempo,
pois o sofrimento é inevitável.
Prometeu [dirigindo-se a Oceano] – Reconheço tua boa vontade, e ser-te-
ei por isso eternamente grato: sei que tua amizade não se cansa. Mas não
te esforces por me valer, pois tudo que tentasses seria baldado. Trata de
procurar repouso e abrigo. Se eu sou desgraçado, não quero arrastar
comigo a quem quer que seja, ao abismo da desgraça. (1950: p. 18)

Aqui, Ésquilo retrata o posicionamento do protagonista perante a situação em


que se encontra: o herói está ciente de sua falha trágica – o roubo do fogo – que
quebrou a tão cobiçada hibris grega, e reconhece, segundo Moacyr Flores, que “tem
que sofrer o castigo para se purificar do erro de entregar o conhecimento aos seres
humanos” (2005: p. 23). O que se sucede, ao longo da peça, são as aparições de
outras divindades ou não-divindades que ajudam o leitor a compreender se o castigo
imposto a Prometeu é justo ou não. Mario da Gama Cury esclarece, em sua análise
da obra, que “o andamento da tragédia se concentra no personagem-título; a função

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dos demais personagens limita-se a acentuar a grandeza de Prometeu e seu destino
cruel” (2009: p. 11).
Já no final de Prometeu Acorrentado, o prisioneiro é visitado por Mercúrio
(Hermes, mensageiro de Zeus), que novamente exige que Prometeu revele-lhe as
causas da ruína do deus do Olimpo. Inabalado pelo novo discurso, o herói é então
ameaçado com novas torturas, dentre as quais a visita de uma águia (ou abutre) que
lhe comeria diariamente o fígado (órgão que regenerar-se-ia ao fim de cada dia,
sendo Prometeu imortal).
Da última parte da trilogia, Prometeu Libertado, restam apenas fragmentos.
Sabe-se, entretanto, que Héracles (ou Hércules), descendente de Io, dá fim à águia
que atormentava os dias de Prometeu e persuade Quíron (centauro famoso da
mitologia grega) a morrer no lugar do herói. Ao fim, Prometeu reconcilia-se com
Zeus e consegue sua liberdade por meio da revelação do segredo que por tanto tempo
e por tanta dor ele havia mantido.
Heiner Müller, famoso escritor e dramaturgo alemão, propõe, em seu texto A
Libertação de Prometeu, um final alternativo à incessante batalha do prisioneiro, em
forma de poema. Segundo Ana Paula Quintela, em textos organizados por Marta
Várzeas e Belmiro Fernandes Pereira,
[N]a grotesca peça [...], o autor [Müller] desconstrói o mito. Faz da águia
a única companhia do Titã [Prometeu], que mais não é para ela do que
uma pedra comestível, que cobre de fezes, que, por sua vez, servem de
alimento a Prometeu. Héracles, por causa do odor fétido exalado pelo
Agrilhoado demora milénios a vir matar a águia e só o faz depois de um
dilúvio de 500 anos ter lavado o Cáucaso. Uma vez libertado, Prometeu
lastima-se da morte de seu animal de companhia, que com os
excrementos o tinha alimentado. (2009: p. 199)

Assim, em sua narrativa grotesca, Müller rebaixa o prisioneiro antes


engrandecido na obra de Ésquilo. Enquanto o autor grego constrói Prometeu como
uma divindade de extrema força, caráter, e no qual os espectadores da tragédia
deveriam se espelhar, o autor alemão retrata, inicialmente, um homem extremamente
fraco, “alucinado” e que encontra como única companhia o animal que por milhares
de anos o fez sofrer e o alimentou com seus excrementos.
A águia, que o tomou por um pedaço
de rocha
parcialmente comestível,
capaz de pequenos movimentos

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e de cantigas dissonantes
especialmente quando se comia dela,
defecou também em cima dele.
As fezes eram seu alimento.
Ele passava-as adiante
transformadas em suas próprias fezes,
para a pedra debaixo de si
[...]
Também sabia muito bem,
que a águia fora sua última ligação com os deuses,
e que suas bicadas diárias
eram a memória deles nele. (1993: p. 199, 200, 201)

Heiner Müller consegue, também, transformar a imagem da águia que


atormenta Prometeu: na obra original, a ave não passa de uma punição imposta por
Zeus, e existe como personagem apenas para cumprir tal função. No poema
contemporâneo, entretanto, é ela que o mantém vivo, “alimentado” (apesar de
retratado grotescamente) e representa, como o próprio autor narra, a “última ligação
[de Prometeu] com os deuses”. Além disso, o Prometeu contemporâneo mostra-se
submisso a essa ave monstruosa que, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que lhe
come o fígado e lhe atormenta, é sua única fonte de energia. Müller, inclusive,
aponta, em seu poema, que o prisioneiro seria, de fato, capaz de se libertar sem a
ajuda de Héracles, mas não o fez por receio da reação da águia.
Prometeu teria podido libertar-se, ele mesmo,
caso não tivesse medo da águia,
sem armas e exausto dos séculos
como estava.
Que ele tinha mais medo da liberdade
do que da ave,
mostra seu comportamento durante a libertação. (1993: p. 202)

Outra subversão proposta pelo autor alemão é em relação à figura de


Héracles: por Ésquilo, ele é supostamente descrito como a figura do salvador, que
não apenas libertou Prometeu, mas também promoveu a reconciliação dele com
Zeus. Heiner Müller, por sua vez, desconstrói essa grandiosidade, uma vez que
descreve a chegada de Héracles como fortemente repudiada por Prometeu.
Mais ágil do que nunca em suas correntes
ele xingou seu libertador de assassino,
e tentou cuspir em sua cara.
Héracles,
curvando-se de nojo,
procurava enquanto isso as algemas
com as quais o furioso estava ligado a sua prisão.
[...]

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Gritando e espumando de raiva,
com dentes e unhas
defendeu suas correntes
contra a investida do libertador. (1993: p. 201, 202)

Ao final de sua obra, Müller oferece um final merecedor às angústias do


protagonista. Após ser carregado montanha abaixo, por Héracles, por mais de 3000
anos – tamanha demora se deve ao fato de os deuses estarem insatisfeitos com o
regresso do prisioneiro –, Prometeu vai ao encontro da multidão alegre que ovaciona
a chegada de seu herói. Em paralelo, soma-se a isso a descrição que Heiner Müller
faz do que seria o suicídio dos deuses do Olimpo perante a libertação do prisioneiro:
Seguiu-se o suicídio dos deuses.
Um a um, jogavam-se do seu céu,
Sobre as costas de Héracles,
e esmagavam-se nas pedras.
Prometeu esforçou-se
para voltar a seu lugar no ombro do libertador,
e assumiu a postura do vencedor,
que sobre o cavalo encharcado de suor
cavalga de encontro ao júbilo da população. (1993: p. 203)

Assim, temos acesso a duas obras que contam a história do mesmo mito,
porém com variações no quesito construção de personagens. Enquanto Ésquilo
apresenta um Prometeu grandioso, Heiner Müller mostra-nos uma versão
desmistificada do herói, que aguenta milhares de anos de tortura, e, por fim, acaba
acostumando-se com essa realidade. Entretanto, encontra-se um ponto convergente
entre os dois textos: assim como na obra clássica, na contemporânea Prometeu
também recebe seu final merecedor; apesar de não conquistar o perdão dos deuses,
regressa fortemente aclamado pela humanidade.

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Referenciais Teóricos

VÁRZEAS, Marta (Org.); PEREIRA, Belmiro Fernandes (Org). As Artes de


Prometeu: Estudos em Homenagem a Ana Paula Quintela. Porto: Universidade do
Porto, Faculdade de Letras, 2009. Consultado em 27/05/2016. Disponível em
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5902.pdf>

FLORES, Moacyr (Org.). Mundo Greco-Romano: arte, mitologia e sociedade. Porto


Alegre: Edipucrs, 2005. Consultado em 27/05/2016. Disponível em
<https://books.google.com.br/books?id=IS9m6OSasm4C&printsec=frontcover&hl=
pt-BR#v=onepage&q&f=false>

CURY, Mário da Gama (tradução do grego, introdução e notas). Prometeu


acorrentado/Ésquilo. Ájax/Sófocles. Alceste/Eurípedes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2009. Consultado em 28/05/2016. Disponível em
<https://books.google.com.br/books?id=xvf0QsvDrmEC&printsec=frontcover&hl=p
t-BR#v=onepage&q&f=false>

SOUZA, J.B Mello de (Trad.). Prometeu Acorrentado. Teatro Grego. Clássicos


Jackson, vol. XXII. São Paulo: Ed. Brasileira, 1950

MÜLLER, Heiner. SCHORLIES, Walter (Trad.). MEIRELLES, Márcio (Colab.).


Medeamaterial e outros textos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993

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