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SEGURANÇA NO TRABALHO
SUGESTÕES DE TEMAS
5. SOBREVIVER AO TRABALHO
6. SAÚDE NO TRABALHO
8. DIREITO DO TRABALHO
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13. COMENTÁRIOS À CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
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36. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO.
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ARTIGOS PARA LEITURA, ANÁLISE E UTILIZAÇÃO COMO FONTE
OU REFERENCIA
______________________________________________________
Resumo
Introdução
À medida que nos aproximamos dos momentos de relações dos usuários com os
serviços de saúde e com os seus trabalhadores, para verificarmos o seu
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funcionamento, vamo-nos surpreendendo com a descoberta de que, sempre que
houver um processo relacional de um usuário com um trabalhador, haverá uma
dimensão individual do trabalho em saúde, realizado por qualquer trabalhador, que
comporta um conjunto de ações clínicas. Ações clínicas aí significam o encontro
entre necessidades e processos de intervenção tecnologicamente orientados, os
quais visam operar sobre o campo das necessidades que se fazem presente nesse
encontro, na busca de fins implicados com a manutenção e/ou recuperação de um
certo modo de viver a vida.
Esses encontros, que se dão entre dois indivíduos, são produzidos em um espaço
intercessor (Merhy, 1997a) no qual uma dimensão tecnológica do trabalho em
saúde, clinicamente evidente, sustenta-se: a da tecnologia das relações, território
próprio das tecnologias leves (Merhy, 1997b).
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No entanto, o tema do acolhimento apresenta-nos um outra possibilidade: a de
argüir sobre o processo de produção da relação usuário-serviço sob o olhar
específico da acessibilidade, no momento das ações receptoras dos clientes de um
certo estabelecimento de saúde.
Pelo lugar estratégico ocupado por essa proposta, achamos que o acolhimento
deveria ser estudado, para se verificar a sua eficácia e assim oferecer subsídios à
sua consolidação nas Unidades de Saúde, procurando, ao mesmo tempo, viabilizar
seu aperfeiçoamento, enquanto tecnologia de organização de serviços de saúde.
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Para este estudo, foi eleita a Unidade Básica de Saúde (UBS) Rosa Capuche,
situada no bairro Jardim Petrópolis, com população de 10.256 pessoas na sua área
de abrangência, para o ano de 1996, de acordo com o IBGE.
Antes do acolhimento
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2) Reorganizar o processo de trabalho, a fim de que este desloque seu eixo central
do médico para uma equipe multiprofissional equipe de acolhimento , que se
encarrega da escuta do usuário, comprometendo-se a resolver seu problema de
saúde.
Implantação do acolhimento
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comum mesmo era a sua exclusão. No entanto, os trabalhadores, embora
conscientes dos problemas, sentiam-se impotentes para mudar aquela situação
existente, lamentada por eles próprios. O contexto sugeria, então, aparente
contradição de interesses entre trabalhadores e usuários dos serviços de saúde.
É importante registrar que, além de utilizar todo seu arsenal técnico, a enfermeira,
com a reorganização do processo de trabalho, vê-se dotada de maior autonomia na
função que exerce. Essa autonomia deve ser entendida dialeticamente como a
condição que o profissional tem de decidir sobre seu trabalho, como o exercício
pleno do 'saber-fazer' no momento do procedimento assistencial.
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No caso dos médicos, nota-se que seu processo de trabalho não foi modificado
tanto quanto seria necessário para causar impacto na assistência, a partir da sua
atividade específica. O trabalho destes profissionais foi organizado de tal forma que
eles ficaram, às vezes, na retaguarda (consultas aos usuários encaminhados pela
equipe de acolhimento) e, outras vezes, na equipe de acolhimento. Houve inclusive
redução do agendamento, porém sem grande sucesso na sua inserção no novo
modelo. O trabalho médico permanecia incólume à velha lógica da consulta/agenda,
determinante neste processo. Voltaremos a esse tema mais à frente.
Os números do acolhimento
b) Rendimento profissional.
Concluindo
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se propõem à construção do novo, a fazer no tempo presente aquilo que é o objetivo
no futuro.
Limites do acolhimento
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A organização parcelar do trabalho fixa os trabalhadores em uma determinada etapa
do projeto terapêutico. A superespecialização, o trabalho fracionado, fazem com que
o profissional de saúde se aliene do próprio objeto de trabalho. Desta forma, ficam
os trabalhadores sem interação com o produto final da sua atividade laboral, mesmo
que tenham dele participado, pontualmente. Como não há interação, não haverá
compromisso com resultado do seu trabalho.
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O atendimento em saúde seria feito por meio da adscrição da clientela a
determinada equipe da Unidade de Saúde, formada, no mínimo, pelo médico,
enfermeiro, pediatra, gineco-obstetra e auxiliares de enfermagem. Esta equipe
passaria a se responsabilizar pelas pessoas inscritas, devendo, para isto, mobilizar
todos os recursos dentro e fora da Unidade que pudessem favorecer este objetivo,
tais como exames, consultas especializadas, internação etc.
A equipe deve ter autonomia para agir, mobilizar os recursos necessários para fazer
saúde. É importante a avaliação permanente do seu trabalho, agora facilitado, na
medida em que este resultado é produto do labor de um mesmo grupo
multiprofissional, ou seja, foram as mesmas pessoas que desenvolveram todo o
processo vivido pelo usuário, individual ou coletivo, no seu processo saúde-doença.
O trabalho externo pode ser feito de duas formas. Na primeira, ele deve ser
realizado pelas equipes multiprofissionais da Unidade de Saúde, que, ao
responsabilizarem-se pela sua clientela, podem mobilizar recursos até mesmo de
visitas e internações domiciliares, ou outros recursos, que se encontram juntos à
comunidade.
A segunda forma diz respeito à vigilância à saúde. Esta deve estar combinada com o
planejamento e gestão dos serviços de saúde e em perfeita sintonia com a realidade
social, econômica, epidemiológica local, bem como com as necessidades dos
usuários da região. Este trabalho deve ser executado por uma equipe, auto-intitulada
Equipe de Saúde Pública, formada especificamente com esse objetivo, podendo
atuar vinculada a uma ou a várias unidades de uma mesma região da cidade.
REFERÊNCIAS
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CAMPOS, G. W. S., 1997. Subjetividade e administração de pessoal. In: Agir em
Saúde. Um Desafio para o Público (E. E. Merhy & R. Onocko, org.), pp. 229-266,
São Paulo: Editora Hucitec.
MERHY, E. E., 1997b. A rede básica como uma construção da saúde pública e seus
dilemas. In: Agir em Saúde. Um Desafio para o Público (E. E. Merhy & R. Onocko,
org.), pp. 197-228, São Paulo: Editora Hucitec.
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DA MEDICINA DO TRABALHO À SAÚDE DO TRABALHADOR
RESUMO
Ensaio de revisão sobre a evolução dos conceitos e práticas da medicina do
trabalho à saúde do trabalhador, passando pela saúde ocupacional. Busca-se
responder às seguintes questões: quais as características básicas da medicina do
trabalho (na sua origem e na sua evolução); como e por que evoluiu a medicina do
trabalho para a saúde ocupacional; por que o modelo da saúde ocupacional se
mostrou insuficiente; em que contexto surge a saúde do trabalhador; quais as
principais características da saúde do trabalhador.
Descritores: Saúde ocupacional. Medicina ocupacional, história.
Introdução
O presente artigo constitui um ensaio de revisão sobre a evolução dos conceitos e
práticas da medicina do trabalho à saúde do trabalhador, passando pela saúde
ocupacional. O caráter de ensaio decorre da natureza preliminar deste exercício,
pois que tal caminhada encontra-se em processo, e seu estudo está limitado pela
falta do distanciamento histórico e de metodologias mais adequadas à sua
abordagem.
Como artigo de revisão, tem sua base principal em documentos disponíveis, porém
não se limita à literatura "cientifica", incipiente em estudos e trabalhos que abordem
o tema proposto. Incorpora as discussões recentes deste processo que vêm se
dando, no âmbito da academia e no conjunto da sociedade.
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O presente trabalha busca responder a algumas questões básicas, tais como:
- Quais as principais características da medicina do trabalho (na sua origem e na
sua evolução)?
- Como e por que evoluiu a medicina do trabalho para a saúde ocupacional?
- Por que o modelo da saúde ocupacional se mostrou insuficiente?
- Em que contexto surge a saúde do trabalhador?
- Quais as principais características da saúde do trabalhador?
Muitas outras perguntas não menos importantes, tanto de natureza epistemológica
quanto prospectiva, poderiam ser formuladas. Contudo, no presente trabalho, a
análise se restringirá a estas.
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No Brasil, a adoção e o desenvolvimento da saúde ocupacional deram-se
tardiamente, estendendo-se em várias direções. Reproduzem, aliás, o processo
ocorrido nos países do Primeiro Mundo.
Na vertente acadêmica, destaca-se a Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo, que dentro do Departamento de Saúde Ambiental, cria uma "área de
Saúde Ocupacional", e estende de forma especial sua influência como centro
irradiador do conhecimento, via cursos de especialização e, principalmente, via pós-
graduação (mestrado e doutorado). Com efeito, este modelo foi reproduzido em
outras instituições de ensino e pesquisa, em especial em nível de alguns
departamentos de medicina preventiva e social de escolas médicas.
Nas instituições, a marca mais característica expressa-se na criação da Fundação
Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO),
versão nacional dos modelos de "Institutos" de Saúde Ocupacional desenvolvidos no
exterior, a partir da década de 50, entre eles, os de Helsinque, Estocolmo, Praga,
Budapeste, Zagreb, Madrid, o NIOSH em Cincinnati, Lima e de Santiago do Chile.
Na legislação, expressou-se na regulamentação do Capítulo V da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), reformada na década de 70, principalmente nas normas
relativas à obrigatoriedade de equipes técnicas multidisciplinares nos locais de
trabalho (atual Norma Regulamentadora 4 da Portaria 3214/ 78); na avaliação
quantitativa de riscos ambientais e adoção de "limites de tolerância" (Normas
Regulamentadoras 7 e 15), entre outras. Apesar das mudanças estabelecidas na
legislação trabalhista, foram mantidas na legislação previdenciária/ acidentária as
características básicas de uma prática medicalizada, de cunho individual, e voltada
exclusivamente para os trabalhadores engajados no setor formal de trabalho.
Caberia, ao encerrar esta parte, saber porque o modelo da saúde ocupacional -
desenvolvido para atender a uma necessidade da produção - não conseguiu atingir
os objetivos propostos. Dentre os fatores que poderiam ser listados para explicar
sua insuficiência, estão:
- o modelo mantém o referencial da medicina do trabalho firmado no mecanicismo;
- não concretiza o apelo à interdisciplinaridade: as atividades apenas se justapõem
de maneira desarticulada e são dificultadas pelas lutas corporativas;
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- a capacitação de recursos humanos, a produção de conhecimento e de tecnologia
de intervenção não acompanham o ritmo da transformação dos processos de
trabalho;
- o modelo, apesar de enfocar a questão no coletivo de trabalhadores, continua a
abordá-los como "objeto" das ações de saúde;
- a manutenção da saúde ocupacional no âmbito do trabalho, em detrimento do setor
saúde.
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Como resposta ao movimento social e dos trabalhadores, novas políticas sociais
tomam a roupagem de lei, introduzindo significativas mudanças na legislação do
trabalho e, em especial, nos aspectos de saúde e segurança do trabalhador. Assim,
por exemplo, na Itália, a Lei 300, de 20 de maio de 1970 ("Norme per la libertá e la
dignitá dei lavoratori, della libertá sindicale e dell'attivitá sindicale nei luoghi di
lavoro"), mais conhecida como "Estatuto dos Trabalhadores", incorpora princípios
fundamentais da agenda do movimento de trabalhadores, tais como a não
delegação da vigilância da saúde ao Estado, a não monetização do risco, a
validação do saber dos trabalhadores e a realização de estudos e investigações
independentes, o acompanhamento da fiscalização, e o melhoramento das
condições e dos ambientes de trabalho1,4,36,46,51.
Conquistas básicas de natureza semelhante, com algumas peculiaridades próprias
de contextos político-sociais distintos, foram também sendo alcançados pelos
trabalhadores norte-americanos (a partir da nova lei de 1970), ingleses (a partir de
1974), suecos (a partir de 1974), franceses (a partir de 1976), noruegueses (1977),
canadenses (1978), entre outros36,46,55.
Toda esta nova legislação tem como pilares comuns o reconhecimento do exercício
de direitos fundamentais dos trabalhadores, entre eles, o direito à informação (sobre
a natureza dos riscos, as medidas de controle que estão sendo adotadas pelo
empregador, os resultados de exames médicos e de avaliações ambientais, e
outros; o direito à recusa ao trabalho em condições de risco grave para a saúde ou a
vida; o direito à consulta prévia aos trabalhadores, pelos empregadores, antes de
mudanças de tecnologia, métodos, processos e formas de organização do trabalho:
e o estabelecimento de mecanismos de participação, desde a escolha de
tecnologias, até, em alguns países, a escolha dos profissionais que irão atuar nos
serviços de saúde no trabalho1,3,5,43,46,51,55
A década de 70 testemunha profundas mudanças nos processos de trabalho. Num
sentido mais "macro", observa-se uma forte tendência de "terciarização" da
economia dos países desenvolvidos, isto é, o início de declínio do setor secundário
(indústria), e o crescimento acentuado do setor terciário (serviços), com óbvia
mudança do perfil da força de trabalho empregada10,50.
Ocorre um processo de transferência de indústrias para o Terceiro Mundo, - uma
verdadeira transnacionalização da economia - principalmente daquelas que
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provocam poluição ambiental ou risco para a saúde (ex.: asbesto, chumbo,
agrotóxicos, e outros), e das que requerem muita mão-de-obra, com baixa
tecnologia, como é o caso típico das "maquiladoras", que rapidamente se instalam
nas "zonas livres" ou "francas", mundo afora. Os países do Terceiro Mundo, afligidos
pela elevação dos preços do petróleo e pressionados pela recessão que se instala
universalmente, buscam o desenvolvimento econômico a qualquer custo, aceitando
e estimulando esta transferência, supostamente capaz de amenizar o desemprego e
gerar divisas8,31,37.
Num nível mais "micro", observa-se a rápida implantação de novas tecnologias,
entre as quais podem ser destacadas duas vertentes que se completam: a
automação (máquinas de controle numérico, robots, e outros) e a informatização50,60.
Apesar de a automação e a informatização virem cercadas de uma certa aura mítica
de se constituirem na "última palavra da ciência a serviço do homem", elas
introduziram, na verdade, profundas modificações na organização do trabalho. Por
exemplo, permitiram ao capital diminuir sua dependência dos trabalhadores, ao
mesmo tempo em que aumentaram a possibilidade de controle. Ressurge, com vigor
redobrado, o taylorismo, através de dois de seus princípios básicos: o da primazia
da gerência (via apropriação do conhecimento operário e pela interferência direta
nos métodos e processos), e o da importância do planejamento e controle do
trabalho17, 60.
Contudo, se de um lado o capital busca reeditar as bases da "administração
científica do trabalho", agora mais sofisticada, de outro, abre espaço a formas de
"resistência" desenvolvidas pelos trabalhadores. Como conseqüência, são
desenvolvidas, nos países escandinavos, experiências dos "grupos semi-
autônomos", na Volvo e Saab, numa perspectiva de ampliar a participação dos
trabalhadores, diminuindo os enfrentamentos.
No campo das idéias sobre saúde, predominava, até os anos'70, a concepção
positivista de que a Medicina teria ampla autonomia e estaria no mesmo nível que
outros subsistemas - como o econômico, o político, o educacional - e a suposição de
que seria possível transformar a sociedade a partir de qualquer desses setores 20.
Esta visão de mundo sustenta a teoria da multicausalidade do processo saúde-
doença, onde os fatores de risco do adoecer e morrer são considerados com o
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mesmo valor ou potencial de agressão ao homem, visto este como "hospedeiro". A
prática da saúde ocupacional assenta-se sobre esta concepção.
Entretanto, a partir do final dos anos'60, começam a aparecer críticas a esta
concepção e a denúncia dos efeitos negativos da medicalização e do caráter
ideológico e reprodutor das instituições médicas, com a proposta de
desmedicalização da sociedade18,20,42.
No campo da prática médica, surgem programas alternativos de auto-cuidado de
saúde, de assistência primária, de extensão de cobertura, de revitalização da
medicina tradicional, uso de tecnologia simplificada, e ênfase na participação
comunitária20.
Apesar da "apropriação" pelo Estado de algumas destas alternativas, surgidas da
crítica às instituições médicas, e do fracasso relativo dessas medidas, elas
revitalizam a discussão teórica sobre a articulação da saúde na sociedade 20,42.
Nesse intenso processo social de discussões teóricas e de práticas alternativas,
ganha corpo a teoria da determinação social do processo saúde-doença, cuja
centralidade colocada no trabalho - enquanto organizador da vida social - contribui
para aumentar os questionamentos à medicina do trabalho e à saúde
ocupacional15,30,58.
As críticas tornam-se mais contundentes, à medida que surgem, em nível da rede
pública de serviços de saúde, programas de assistência aos trabalhadores, com
ativa participação destes, e das suas organizações. Os programas contribuem para
desvelar o impacto do trabalho sobre a saúde, questionam as práticas dos serviços
de medicina do trabalho nas empresas e instrumentalizam os trabalhadores nas
suas reivindicações por melhores condições de saúde13,15,19,32,33,41,47,58.
Neste processo de questionamento da prática médica e gestação de uma nova
prática, alguns pensadores tiveram papel de destaque. Entre eles, Polack 48 com
suas idéias radicais, de que "a medicina no modo de produção capitalista é a
medicina do capital"; Berlinguer5, que trabalhou ativamente a questão da saúde do
trabalhador no movimento da Reforma Sanitária italiana; e Foucault 18,20, ao dissecar
questões nevrálgicas da prática médica, desnudando o poder e o controle, tão bem
representados na medicina do trabalho.
Quais as conseqüências deste intenso processo social de mudanças sobre a
aparente hegemonia do "modelo da saúde ocupacional"?
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É possível identificar, entre outras:
- Os trabalhadores explicitam sua desconfiança nos procedimentos técnicos e éticos
dos profissionais dos serviços de saúde ocupacional (segurança, higiene e medicina
do trabalho); estes têm uma enorme dificuldade em lidar com o "novo", mormente
naquilo que significou perda de poder e hegemonia5,16,39,51.
- O exercício da participação do trabalhador em questões de saúde pôs em xeque,
em muitos casos, conceitos e procedimentos amplamente consagrados pela saúde
ocupacional, como por exemplo, o valor e a ética de exames médicos pré-
admissionais e periódicos, utilizados, segundo a denúncia dos trabalhadores, para
práticas altamente discriminatórias28.
- Desmorona o mito dos "limites de tolerância" que fundamentou a lógica da saúde
ocupacional (principalmente higiene e toxicologia) por mais de 50 anos. A
fundamentação científica é questionada (para não dizer desmoralizada); o conceito
de "exposição segura" é abalado; e os estudos de efeitos comportamentais
provocados pela exposição a baixas doses de chumbo e de solventes orgânicos,
põem em xeque os critérios de "proteção de saúde" que vigiram nos países
industrializados ocidentais até há pouco6,9,14,21,29,54.
- À medida em que a organização do trabalho amplia sua importância na relação
trabalho/saúde, requerem-se novas estratégias para a modificação de condições de
trabalho, que "atropelam" a Saúde Ocupacional (até então trabalhando na lógica
"ambiental")23.
- A utilização de novas tecnologias - em especial as que introduzem a automação e
a informatização nos processos de trabalho - embora possa contribuir para o
melhoramento das condições de trabalho. acabam introduzindo novos riscos à
saúde, quase sempre decorrentes da organização do trabalho, e portanto, de difícil
"medicalização"
- As modificações dos processos de trabalho em nível "macro" (terciarização da
economia), e "micro" (automação e informatização), acrescentados à eliminação dos
riscos nas antigas condições de trabalho, provocam um deslocamento do perfil de
morbidade causada pelo trabalho: as doenças profissionais clássicas tendem a
desaparecer, e a preocupação desloca-se para as outras "doenças relacionadas
com o trabalho" (work related diseases). Passam a ser valorizadas as doenças
cardiovasculares (hipertensão arterial e doença coronariana), os distúrbios mentais,
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o estresse e o câncer, entre outras. Desloca-se, assim, a vocação da saúde
ocupacional, passando esta a se ocupar da "promoção de saúde", cuja estratégia
principal é a de, através de um processo de educação, modificar o comportamento
das pessoas e seu "estilo de vida"10,22,34,35.
- Na verdade, esta nova exigência colocada à saúde ocupacional nos países
desenvolvidos e nas grandes corporações no Terceiro Mundo, se superpõe àquelas
existentes na imensa maioria dos estabelecimentos de trabalho (pequenos e
médios) e na economia informal, onde permanecem as condições de risco para a
saúde dos trabalhadores, com os problemas clássicos e graves, até hoje não
solucionados pelos modelos utilizados.
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Também pode ser constatada a contribuição ao desenvolvimento da área de saúde
do trabalhador, trazida pelos técnicos que em nível das instituições públicas - as
Universidades e Institutos de Pesquisa, a rede de Serviços de Saúde e fiscalização
do trabalho - somam esforços na luta por melhores condições de saúde e trabalho,
através da capacitação profissional, da produção do conhecimento, da prestação de
serviços e da fiscalização das exigências legais13,19,47,58.
Como características desta "nova prática" cabe ainda mencionar o esforço que vem
sendo empreendido no campo da saúde do trabalhador para integrar as dimensões
do individual x coletivo, do biológico x social, do técnico x político, do particular x
geral. E um exercício fascinante, ao qual têm se dedicado os profissionais de saúde
e os trabalhadores, que parece apontar uma saída para a grave crise da "ciência
médica" ou das "ciências da saúde", neste final de século. Os cânones clássicos
colocados a partir de formas fragmentadas de ver e estudar o mundo, se
contribuiram para o aprofundamento do conhecimento em níveis inimagináveis,
estão a necessitar de uma nova abordagem que consiga reuní-los, articulá-los,
colocando-os a serviço dos homens.
No Brasil, a emergência da saúde do trabalhador pode ser identificada no início dos
anos'80, no contexto da transição democrática, em sintonia com o que ocorre no
mundo ocidental.
Entre suas características básicas, destacam-se:
- Ganha corpo um novo pensar sobre o processo saúde-doença, e o papel exercido
pelo trabalho na sua determinação2,15,49,58.
- Há o desvelamento circunscrito, porém inquestionável, de um adoecer e morrer
dos trabalhadores, caracterizado por verdadeiras "epidemias", tanto de doenças
profissionais clássicas (intoxicação por chumbo, mercúrio, benzeno, e a silicose),
quanto de "novas" doenças relacionadas ao trabalho, como a LER (lesões por
esforços repetitivos), por exemplo16,47,52.
- São denunciadas as políticas públicas e o sistema de saúde, incapazes de dar
respostas às necessidades de saúde da população, e dos trabalhadores, em
especial12,49.
- Surgem novas práticas sindicais em saúde, traduzidas em reivindicações de
melhores condições de trabalho, através da ampliação do debate, circulação de
informações, inclusão de, pautas específicas nas negociações coletivas, da
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reformulação do trabalho das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes
(CIPAs), no bojo da emergência do novo sindicalismo16,27.
Este processo social se desdobrou em uma série de iniciativas e se expressou nas
discussões da VIII Conferência Nacional de Saúde, na realização da I Conferência
Nacional de Saúde dos Trabalhadores, e foi decisivo para a mudança de enfoque
estabelecida na nova Constituição Federal de 1988. Mais recentemente, a
denominação "saúde do trabalhador" aparece, também, incorporada na nova Lei
Orgânica de Saúde, que estabelece sua conceituação e define as competências do
Sistema Único de Saúde neste campo7,11,12,38.
À guisa de conclusão retoma-se a idéia expressa na Introdução deste ensaio.
A caminhada da medicina do trabalho à saúde do trabalhador encontra-se em
processo. Sua história pode ser contada em diferentes versões, porém com a
certeza de que é construída por homens que buscam viver. Livres.
Referências Bibliográficas
3. BAETJER, A.M. The early days of Industrial Hygiene - their contribution to the
current problems. Amer. industr. Hyg. Ass. J., 41:773-77, 1980.
4. BAGNARA, S. et al. Trends in occupational health and safety in Italy. Int. J. Hlth
Serv., 11: 431-50, 1981.
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Cadernos de Pesquisa
Print version ISSN 0100-1574
Cad. Pesqui. no.115 São Paulo Mar. 2002
doi: 10.1590/S0100-15742002000100005
Rosália Duarte
Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
RESUMO
Este trabalho discute algumas das dificuldades mais freqüentemente enfrentadas
por pesquisadores em trabalhos de campo, no que diz respeito ao uso de
metodologias de base qualitativa. Procura-se apresentar, no decorrer do texto,
problemas que envolvem, por exemplo, a delimitação do universo de pesquisa, a
definição de critérios para a seleção dos sujeitos a serem entrevistados, elaboração
de roteiros de entrevistas e sua realização, organização e análise de dados
qualitativos, entre outros, visando contribuir com as discussões relativas à adoção
desse tipo de metodologia no campo educacional.
PESQUISA QUALITATIVA – TRABALHO DE CAMPO – PESQUISA ETNOGRÁFICA
– METODOLOGIA DE PESQUISA
INTRODUÇÃO
Uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa viagem empreendida
por um sujeito cujo olhar vasculha lugares muitas vezes já visitados. Nada de
absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de olhar e pensar
determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do
conhecimento que são, aí sim, bastante pessoais.
Contudo, ao escrevermos nossos relatórios de pesquisa ou teses de doutorado,
muitas vezes nos esquecemos de relatar o processo que permitiu a realização do
produto. É como se o material no qual nos baseamos para elaborar nossos
argumentos já estivesse lá, em algum ponto da viagem, separado e pronto para ser
coletado e analisado; como se os "dados da realidade" se dessem a conhecer,
objetivamente, bastando apenas dispor dos instrumentos adequados para recolhê-
los.
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Não parece ser assim que as coisas se passam. A definição do objeto de pesquisa
assim como a opção metodológica constituem um processo tão importante para o
pesquisador quanto o texto que ele elabora ao final. De acordo com Brandão (2000),
a tão afirmada, mas nem sempre praticada, "construção do objeto" diz respeito,
entre outras coisas, à capacidade de optar pela alternativa metodológica mais
adequada à análise daquele objeto. Se nossas conclusões somente são possíveis
em razão dos instrumentos que utilizamos e da interpretação dos resultados a que o
uso dos instrumentos permite chegar, relatar procedimentos de pesquisa, mais do
que cumprir uma formalidade, oferece a outros a possibilidade de refazer o caminho
e, desse modo, avaliar com mais segurança as afirmações que fazemos.
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imediatamente enfrentado, já que se trata do solo sobre o qual grande parte do
trabalho de campo será assentado.
A pesquisa que gerou as reflexões trazidas neste trabalho (Duarte, 2000), tinha
como objeto de estudo o processo de formação profissional de cineastas brasileiros
e, nesse caso, a escolha dos entrevistados esteve vinculada à necessidade de
compreender o referencial simbólico, os códigos e as práticas daquele universo
cultural específico, que não apresenta contornos muito bem definidos. Como saber,
por exemplo, quem de fato pertencia, naquele momento, à categoria de cineasta no
Brasil? Se não se trata de uma profissão legalmente regulamentada, com exigências
explícitas do ponto de vista da formação escolar/acadêmica, como saber quem
poderia ser considerado diretor de cinema? A partir de que critérios passa-se a ser
considerado membro de uma categoria profissional desse tipo? Essas questões
precisaram ser respondidas antes do início do trabalho de campo.
Entre 1988 e 1990, uma equipe de pesquisadores da Universidade Paris 8, na
França, realizou uma investigação que tinha como objeto de estudo as formas de
aprendizagem e de organização de uma categoria profissional denominada Les
Réalisateurs1, que, naquele contexto, é composta por diferentes setores cujas
atividades estão relacionadas a produtos audiovisuais – cinema, televisão, vídeo,
publicidade, filmes institucionais, filmes e vídeos educativos, documentários entre
outras.
A primeira parte do relatório dessa pesquisa fala, justamente da enorme dificuldade
encontrada pela equipe de delimitar seu universo de estudo e buscar uma definição,
mesmo que provisória, para um meio profissional resistente a qualquer
categorização genérica. Os pesquisadores assinalam que desde o começo puderam
perceber que, quando se trata de um setor ou grupo social cujas delimitações são
muito fluidas, a definição da base da enquete constitui-se um problema.
Naquele caso, a solução encontrada foi a de trabalhar com três abordagens
diferentes – uma genealógica: origem social do termo "realizador"; uma empírica:
verificar, mediante a pesquisa qualitativa, como os realizadores se percebem e a
partir de que categorias organizam o discurso sobre sua atividade profissional; e
outra, bibliográfica: análise de textos profissionais, da imprensa especializada e de
documentos sindicais.
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Vencida essa etapa, a equipe considerou possível traçar um esboço da categoria
profissional em questão, partindo para a elaboração de um cadastro com dados
biográficos dos sujeitos reconhecidos pelo meio como profissionais da área. Esses
dados foram obtidos por meio de cadastros de instituições ou entidades de classe e
da realização de entrevistas semi-estruturadas com representantes dessas
instituições. Com isso, organizou-se um banco de dados com referências de todos
os realizadores de audiovisual em atividade na França naquele momento. Do banco
de dados foram selecionados os sujeitos que viriam a ser entrevistados por meio de
surveys.
A pesquisa sobre cineastas brasileiros também exigiu um mapeamento da
população em estudo e a adoção de critérios bem definidos para a seleção dos
entrevistados. Nesse caso, optou-se pelo sistema de rede2, no qual se busca um
"ego" focal que disponha de informações a respeito do segmento social em estudo e
que possa "mapear" o campo de investigação, "decodificar" suas regras, indicar
pessoas com as quais se relaciona naquele meio e sugerir formas adequadas de
abordagem. De um modo geral, as pessoas indicadas pelo "ego" sugerem que se
procurem outras ou fazem referência a sujeitos importantes no setor e assim se vai,
sucessivamente, amealhando novos "informantes". Essa é uma alternativa muito
utilizada em pesquisas qualitativas e se tem mostrado produtiva. Alguém do meio, a
partir do próprio ponto de vista, tem, relativamente, melhores condições de fornecer
informações sobre esse meio do que alguém que observa, inicialmente de fora.
No meu caso, uma longa entrevista com um professor de cinema da Universidade
Federal Fluminense ajudou a esboçar um mapa do grupo profissional em estudo e
iniciar uma rede que viria permitir a incorporação progressiva de novos sujeitos à
pesquisa. Vale dizer que esse professor veio a participar ainda de etapas posteriores
da pesquisa, orientando eventualmente a seleção de entrevistados ou mesmo
contribuindo para a análise da adequação de hipóteses ad hoc formuladas ao longo
da investigação.
Contatos posteriores com o sindicato da categoria permitiriam a obtenção de
informações mais precisas acerca de suas formas e instâncias de organização e de
reconhecimento oficial. O sindicato dispunha, na ocasião, de um anuário
relativamente atualizado, no qual constavam nomes e endereços de técnicos da
indústria cinematográfica que exercem suas atividades nas regiões Norte, Nordeste,
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Sudeste e Centro-Oeste, incluídas, aí, algumas centenas de pessoas oficialmente
registradas como diretores de cinema.
Um dicionário de cineastas brasileiros, que também é uma forma de legitimação
(Miranda, 1990) tornou-se, igualmente, fonte de consulta, pois trazia dados
biográficos e filmográficos, incluindo participações em festivais e premiações de
diretores de cinema socialmente reconhecidos, dados esses que viriam a ajudar na
preparação das entrevistas. Desse modo, associando informações advindas de
diferentes fontes, foi possível organizar um pequeno banco de dados, relativamente
detalhado, que passou a funcionar como base para a construção da população da
pesquisa.
SITUAÇÃO DE CONTATO
As situações nas quais se verificam os contatos entre pesquisador e sujeitos da
pesquisa configuram-se como parte integrante do material de análise. Registrar o
modo como são estabelecidos esses contatos, a forma como o entrevistador é
recebido pelo entrevistado, o grau de disponibilidade para a concessão do
depoimento4, o local em que é concedido (casa, escritório, espaço público etc.), a
postura adotada durante a coleta do depoimento, gestos, sinais corporais e/ou
mudanças de tom de voz etc., tudo fornece elementos significativos para a
leitura/interpretação posterior daquele depoimento, bem como para a compreensão
do universo investigado.
Entrevistas realizadas em locais de trabalho, por exemplo, geralmente trazem
problemas difíceis de solucionar: situações externas freqüentemente as interrompem
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(um telefonema "importante", uma decisão "urgente", a secretária, recados etc.),
fazendo com que o entrevistado perca o "fio da meada" e se veja obrigado a retomar
a narrativa de um outro ponto ou, até mesmo, a desistir de vez daquele assunto.
Pessoas conversando e transitando por salas contíguas, telefones tocando, a
agenda aberta sobre a mesa a lembrar outros compromissos, enfim, a presença
marcante dos sinais que caracterizam ambientes designados como "de trabalho"
costumam aguçar a ansiedade com relação ao tempo de duração do depoimento,
interrompendo o livre fluxo de idéias e precipitando a interrupção do depoimento.
Em geral esse tipo de entrevista flui muito mais tranqüilamente quando realizada na
residência da pessoa entrevistada. Em ambiente doméstico, privado, parece haver
mais liberdade para expressão das idéias e menos preocupação com o tempo. Por
essa razão, essas costumam ser entrevistas mais longas e, de modo geral, mais
densas e produtivas. Vale a pena sugerir, quando da solicitação da entrevista, que o
depoimento seja colhido na residência de quem vai concedê-lo.
Outras formas de contato podem também integrar estratégias de investigação
qualitativa como conversas informais em eventos dos quais participam pessoas
ligadas ao universo investigado (desde que registradas de algum modo – de
preferência, no diário de campo) e coleta de informações adicionais, realizadas de
forma mais ou menos regular, por telefone e/ou por correio eletrônico. Nesse caso,
trata-se de um material complementar à pesquisa e, embora não se constitua foco
central da análise, participa significativamente desta.
A REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS
Aprender a realizar entrevistas é algo que depende fundamentalmente da
experiência no campo. Por mais que se saiba, hipoteticamente, aquilo que se está
buscando, adquirir uma postura adequada à realização de entrevistas semi-
estruturadas, encontrar a melhor maneira de formular as perguntas, ser capaz de
avaliar o grau de indução da resposta contido numa dada questão, ter algum
controle das expressões corporais (evitando o máximo possível gestos de
aprovação, rejeição, desconfiança, dúvida, entre outros), são competências que só
se constroem na reflexão suscitada pelas leituras e pelo exercício de trabalhos
dessa natureza.
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Entrevista é trabalho, alerta Zaia Brandão (2000), e como tal "reclama uma atenção
permanente do pesquisador aos seus objetivos, obrigando-o a colocar-se
intensamente à escuta do que é dito, a refletir sobre a forma e conteúdo da fala do
entrevistado" (p. 8) – além, é claro, dos tons, ritmos e expressões gestuais que
acompanham ou mesmo substituem essa fala – e isso exige tempo e esforço.
À medida que perguntas vão sendo feitas diversas vezes, para diferentes pessoas,
em circunstâncias diversas, e passamos a ouvir nossa própria voz nas gravações
realizadas é que se torna possível avaliar criticamente nosso próprio desempenho e
ir corrigindo-o gradativamente. Elaborar roteiros de entrevistas e formular perguntas
podem, inicialmente, parecer tarefas simples, mas, quando disso depende a
realização de uma pesquisa, não o é.
Em situações de coleta de depoimentos orais, posturas mais formais do tipo
"respostas diretas a perguntas idem" não costumam produzir bons resultados e,
quando acontecem, poucas vezes resistem às primeiras interrogações referentes a
experiências de caráter pessoal. Falar de gostos e interesses pessoais, da relação
com os pais, do ambiente familiar, da própria infância e juventude, dos amigos, de
experiências escolares, de um modo geral, deixa as pessoas mais livres para
expressarem idéias, valores, crenças, significações, expectativas de futuro, visões
de mundo e assim por diante. Essas situações de contato exigem atenção
redobrada por parte do pesquisador, pois ele corre o risco de ver a entrevista
escapar-lhe completamente das mãos e perder-se dos objetivos da pesquisa,
restringindo-se a divagações ou, mesmo, resvalando para uma espécie de "troca de
experiências" mútuas, que compromete bastante a qualidade do trabalho.
Livros e artigos relatando vivências com entrevistas dessa modalidade e/ou coleta
de depoimentos orais ou de histórias de vida são de grande valia, especialmente
para pesquisadores iniciantes. Esses trabalhos costumam trazer orientações básicas
sobre formas de solicitar entrevistas, posturas a serem adotadas ou evitadas nessas
circunstâncias, erros mais comuns, elaboração de roteiros etc. Existem muitos
manuais sobre o assunto e, por mais que possam parecer simplificados, são úteis na
qualificação de pesquisadores ainda não experientes no uso dessa metodologia.
O recurso a entrevistas semi-estruturadas como material empírico privilegiado na
pesquisa constitui uma opção teórico-metodológica que está no centro de vários
debates entre pesquisadores das ciências sociais. Em geral, a maior parte das
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discussões trata de problemas ligados à postura adotada pelo pesquisador em
situações de contato, ao seu grau de familiaridade com o referencial teórico-
metodológico adotado e, sobretudo, à leitura, interpretação e análise do material
recolhido (construído) no trabalho de campo.
Para Queiroz (1988), a entrevista semi-estruturada é uma técnica de coleta de
dados que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e
que deve ser dirigida por este de acordo com seus objetivos. Desse modo, da vida
do informante só interessa aquilo que vem se inserir diretamente no domínio da
pesquisa. A autora considera que, por essa razão, existe uma distinção nítida entre
narrador e pesquisador, pois ambos se envolvem na situação de entrevista movidos
por interesses diferentes.
Camargo (1984) concebe esse formato de entrevista menos como técnica de
pesquisa do que como opção metodológica, pois implica uma teoria, e enfatiza as
contribuições oferecidas nesse campo pela Antropologia e pela História. A seu ver,
essas disciplinas, mais consensuais e homogêneas que as demais, oferecem uma
experiência comum ao procedimento, bem como um legado teórico aceito, que
devem ser tomados como referência na perspectiva de acumulação de saber
científico nesse campo.
Durhan (1986) alerta para as muitas armadilhas embutidas no processo de
identificação subjetiva que se estabelece nesse tipo de coleta da dados,
especialmente quando entrevistador e entrevistado compartilham um mesmo
universo cultural. Nesses casos, adverte, corre-se sempre o risco de começar a
explicar a realidade pelas categorias "nativas", ou seja, de passar a olhar a realidade
exclusivamente pela ótica do interlocutor.
De acordo com Velho (1986), o risco existe sempre que um pesquisador lida com
indivíduos próximos, às vezes conhecidos, com os quais compartilha preocupações,
valores, gostos, concepções. No entanto, assinala que, quando se decide tomar sua
própria sociedade como objeto de pesquisa, é preciso sempre ter em mente que sua
subjetividade precisa ser "incorporada ao processo de conhecimento desencadeado"
(p. 16), o que não significa abrir mão do compromisso com a obtenção de um
conhecimento mais ou menos objetivo, mas buscar as formas mais adequadas de
lidar com o objeto de pesquisa.
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Esse autor sublinha que o uso de depoimentos colhidos nesse tipo de investigação
implica a produção de um texto no qual os recortes das falas, os indivíduos
privilegiados, os temas destacados e tantas outras formas de intervenção
expressam menos as dúvidas e opiniões dos informantes que o posicionamento do
pesquisador-autor. A preocupação teórica particular deste, referida à formação e aos
interesses próprios, estabelece o distanciamento necessário para que seu discurso
nunca se confunda com o de seus interlocutores5.
Analisando a forma como foram colhidos os depoimentos que compõem La Misère
du Monde, livro de Pierre Bourdieu sobre pessoas "miseráveis", Nonna Mayer (1995)
critica, exatamente, a ausência desse distanciamento. Segundo a autora, a maior
parte das entrevistas realizadas pela equipe dirigida por Bourdieu contradiz, de
forma sistemática, os princípios defendidos pelo próprio autor, em trabalhos
anteriores, quanto à natureza do papel do sociólogo como aquele que, dotado de um
"habitus científico", é capaz de reinserir o discurso do interlocutor no contexto social
e cultural do qual ele é produto.
Embora reconheça o papel inovador da equipe que desenvolveu esse trabalho, bem
como o valor da obra, a autora contesta a opção feita por Bourdieu de intensificar a
proximidade social e cultural entre entrevistados e entrevistadores (que teriam sido
incentivados, inclusive, a entrevistar amigos e parentes), reduzindo, portanto, o
distanciamento. Essa postura, a seu ver, permitiu uma excessiva interferência no
discurso do interlocutor, assim como inversões no papel do sociólogo que, ao se
colocar atrás da voz do entrevistado, teria ficado reduzido a um écrivain public, a
quem cabe apenas apresentar, sem traí-las, as mensagens que lhe são confiadas.
As formas de colher, transcrever e interpretar relatos orais têm sido objeto de
severas críticas por parte da sociologia, no que diz respeito à chamada "garantia de
confiabilidade". No entanto, alguns estudos vêm mostrando a viabilidade de se
estabelecerem critérios rigorosos para avaliação de confiabilidade de conclusões
que se baseiam nesse procedimento de investigação. Em 1997, a revista Sociology
publicou estudo empírico no qual pesquisadores ingleses sugerem um procedimento
a que denominam inter-rater reliability como um desses critérios.
O que eles propõem é, basicamente, que os relatos gravados e transcritos, assim
como os procedimentos utilizados para colhê-los, sejam acessíveis a diferentes
pesquisadores que não participam da pesquisa em questão, para que cada um
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possa fazer suas própria interpretação do conteúdo dos relatos colhidos e, dessa
forma, auxiliar na validação dos resultados apresentados (Armstrong et al., 1997).
Nos limites impostos a trabalhos dessa natureza, procurar seguir o modelo ora
proposto, entre outros, levando procedimentos, análises, hipóteses etc. ao
conhecimento e crítica de outros pesquisadores, em momentos distintos da
investigação, pode contribuir para a garantia de confiabilidade e legitimidade de
resultados/interpretações apresentados ao final da pesquisa. Anexar transcrições
completas de parte das entrevistas ao corpo do relatório de pesquisa, para que o
leitor possa ter acesso ao chamado "material bruto" e tirar suas conclusões, também
pode funcionar como estratégia a ser empreendida nessa mesma direção.
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No entanto, eram outros os objetivos que levaram à formulação daquela pergunta –
esperava-se não só identificar o sistema de referência-padrão daquele grupo social,
mas, principalmente, obter um material pessoal, mais subjetivo, que permitisse
levantar hipóteses acerca de como são estabelecidas as relações "amorosas"
(afetivas) entre os espectadores e seus filmes preferidos, fora dos parâmetros da
racionalidade crítica de quem domina o assunto. Tencionava-se buscar um
inventário de emoções mobilizadas por imagens fílmicas, descrevendo marcas que
esse tipo de imagem deixa na memória.
A discussão com outros pesquisadores possibilitou a identificação da natureza do
problema: era preciso tentar trazer à tona reminiscências de filmes sobre os quais
não se tinha grandes expectativas antes de vê-los, filmes que não tinham sido objeto
de crítica, de premiações ou coisas do tipo. Desejava-se resgatar lembranças de
cenas ou seqüências vistas (vividas) na sala escura, em um momento da vida em
que não havia, ainda, o crivo do conhecimento "intelectual" do cinema, estética e/ou
politicamente condicionado. E isso não seria conseguido com uma indagação direta.
Nesse ponto, a formulação de uma outra pergunta, além da que já vinha sendo feita,
possibilitou alcançar a meta traçada.
Muitos problemas podem ser identificados no roteiro das entrevistas quando elas
saem do papel (ou do computador) e ganham significado na interação
entrevistador/entrevistado. Por essa razão, este deve ser um instrumento flexível
para orientar a condução da entrevista e precisa ser periodicamente revisto para que
se possa avaliar se ainda atende os objetivos definidos para aquela investigação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo procurou-se fazer uma apresentação sistemática de formas correntes
de uso de certos procedimentos de pesquisa, sinalizando para as dificuldades e
armadilhas mais comuns nessas circunstâncias.
Vale reafirmar que a confiabilidade e legitimidade de uma pesquisa empírica
realizada nesse modelo dependem, fundamentalmente, da capacidade de o
pesquisador articular teoria e empiria em torno de um objeto, questão ou problema
de pesquisa. Isso demanda esforço, leitura e experiência e implica incorporar
referências teórico-metodológicas de tal maneira que se tornem lentes a dirigir o
olhar, ferramentas invisíveis a captar sinais, recolher indícios, descrever práticas,
atribuir sentido a gestos e palavras, entrelaçando fontes teóricas e materiais
empíricos como quem tece uma teia de diferentes matizes. Tal é, a meu ver, a
aventura da pesquisa científica.
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"SÓ DE PENSAR EM VIR TRABALHAR, JÁ FICO DE MAU HUMOR": atividade
de atendimento ao público e prazer-sofrimento no trabalho1
RESUMO
O texto aborda a inter-relação entre atividade de atendimento ao público e vivências
de prazer-sofrimento no trabalho. A perspectiva de investigação é interdisciplinar, a
partir de um diálogo entre a ergonomia francófona e a psicodinâmica. Em
ergonomia, são utilizadas as noções de serviço de atendimento ao público, atividade
e carga de trabalho, enquanto que em psicodinâmica são utilizados conceitos que
fundamentam o prazer-sofrimento no trabalho. A pesquisa realizou-se em uma
instituição pública do Distrito Federal com 64 sujeitos. A metodologia articula
técnicas de coleta e análise de dados qualitativa e quantitativa, utilizando Análise
Ergonômica do Trabalho - AET e a Escala de Prazer-Sofrimento no Trabalho -
EPST. Os resultados mostram que a atividade de trabalho constitui um dos
elementos explicativos para a predominância de vivências de sofrimento dos
atendentes. Trata-se de um estudo exploratório que avança na interface entre as
duas disciplinas, estabelecendo algumas perspectivas para novos estudos.
Palavras-chave: Ergonomia, Psicodinâmica, Atividade, Atendimento ao público,
Prazer-sofrimento.
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Segundo Dejours (1987, 1993, 1994), o trabalho contém vários elementos que
influenciam a formação da auto-imagem do trabalhador que, por sua vez, é razão
para o sofrimento. Tais pesquisas revelam que situações de medo e de tédio são
responsáveis pela emergência do sofrimento, que se reflete em sintomas como a
ansiedade e a insatisfação. Apontam ainda para a relação entre esses sintomas e a
incoerência entre o conteúdo da tarefa e as aspirações dos trabalhadores; a
desestruturação das relações psicoafetivas com os colegas; a despersonalização
com relação ao produto; frustrações e adormecimento intelectual. Ainda em relação
ao sofrimento, pesquisas realizadas por Jayet (1994) resultam em categorias de
signos indicadores do sofrimento associado ao trabalho (Tabela 1).
Para Dejours (1995, 1997, 1998), o sofrimento, além de ter origem na mecanização
e robotização das tarefas, nas pressões e imposições da organização do trabalho,
na adaptação à cultura ou ideologia organizacional, representada nas pressões do
mercado, nas relações com os clientes e com o público, é também causado pela
criação das incompetências, significando que o trabalhador se sente incapaz de
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fazer face às situações convencionais, inabituais ou erradas, quando acontece a
retenção da informação que destrói a cooperação.
Ainda para o autor, as novas formas de sofrimento estão associadas às atuais
formas de organização do trabalho. Os itens mais relevantes nessas mudanças são
a cooperação e a reprovação. O trabalhador tem de fazer o que não fazia antes, e
esta diferença pode implicar reprovação, que não passa pela questão moral ou
social, ou de culpa do superego, mas é uma traição ao próprio eu, um risco de
perder a identidade, a promessa que fez a si mesmo, e que não pode ser resgatada,
gerando uma "ferida" na sua cidadania.
Dessa forma, o sofrimento é capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade,
conduzindo a problemas mentais; mas ao mesmo tempo, é elemento para a
normalidade, quando existe um compromisso entre o sofrimento e a luta individual e
coletiva contra ele, sendo o saudável não uma adaptação, mas o enfrentamento das
imposições e pressões do trabalho que causam a desestabilidade psicológica, tendo
lugar o prazer quando esse sofrimento pode ser transformado.
A partir destas pesquisas, Mendes (1999) elaborou um conceito a partir de dados
empíricos para as vivências de prazer-sofrimento, o qual fundamenta a abordagem
da psicodinâmica neste estudo. Esse conceito é uma operacionalização do
constructo que deu origem à elaboração de uma escala submetida à análise fatorial,
resultando em três indicadores de cada uma das vivências.
Nesse estudo, o prazer é definido a partir de dois fatores: valorização e
reconhecimento no trabalho. A valorização é o sentimento de que o trabalho tem
sentido e valor em si mesmo, é importante e significativo para a organização e a
sociedade. O sentimento de reconhecimento significa ser aceito e admirado no
trabalho e ter liberdade para expressar sua individualidade. O sofrimento é definido a
partir do fator desgaste, que é a sensação de cansaço, desânimo e
descontentamento com relação ao trabalho.
Verifica-se, então, que a discrepância entre tarefa prescrita e atividade real,
enquanto desencadeadora de um custo psíquico para o trabalhador, traz
consequências para a organização do trabalho em termos da natureza da tarefa em
si e das relações socioprofissionais, fazendo com que o sujeito se coloque em
estado de esforço permanente para dar conta da realidade, muitas vezes,
incompatível com seus investimentos psicológicos e seus limites pessoais, gerando
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sofrimento. Quando existe uma predominância da compatibilidade entre tarefa
prescrita e atividade real, ou uma flexibilidade na organização do trabalho que
permita a negociação ou ajustamento do sujeito às condições adversas da situação,
têm lugar vivências de prazer.
Nesse sentido, a ergonomia e a psicodinâmica do trabalho contribuem para uma
análise do contexto de trabalho à medida que envolvem aspectos concretos das
situações e aspectos simbólicos representativos dessa realidade para os indivíduos;
isso revela a importância que a atividade assume para o sujeito, desencadeando
vivências de prazer e de sofrimento no trabalho.
Abordagem Metodológica
Contexto sociotécnico do trabalho de atendimento ao público
A instituição pesquisada vincula-se à Secretaria de Segurança Pública. Ela é de uma
entidade autárquica de administração superior, integrante do Sistema Nacional de
Trânsito, cujas finalidades principais são registro e licenciamento de veículos;
formação, habilitação e reciclagem de condutores; policiamento e fiscalização de
trânsito; aplicação de penalidades. Trata-se de uma instituição, no rol das públicas,
com maior flexibilidade para gerir sua estrutura administrativa e de pessoal em
função da autonomia que lhe é garantida juridicamente.
Para operacionalizar suas finalidades, a instituição tem como uma de suas fontes de
recursos financeiros o recolhimentos de taxas pelos serviços prestados aos
usuários. Isto constitui um fator importante para a compreensão da relação
instituição-público, pois agrega um componente - usuário mais exigente - que
influencia as interações sociais estabelecidas no contexto do serviço de
atendimento.
A instituição dispõe de uma estrutura administrativa ascendente vertical, cuja
"ossatura" está baseada na existência de diretorias, divisões, seções e núcleos. Os
dados foram coletados nas seções de Cadastro e Habilitação de Condutores,
Registro e Licenciamento de Veículos, Serviço de Controle de Infrações, Serviço de
Processamento de Dados e no guichê de Recepção e Informações, unidades
organizacionais escolhidas em função do papel estratégico no contato direto com o
público.
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Apesar do funcionamento ainda precário do Núcleo de Pesquisa e Processamentos
de Dados, alguns elementos servem como indicadores do volume de serviços
prestados pela instituição, relacionados direta ou indiretamente com o público: a
frota de veículos em 1999 foi estimada em 800 mil unidades; o fluxo mensal de
público na sede é de aproximadamente 16 mil usuários; a seção de licenciamento de
veículos tem a maior demanda, com cerca de 550 usuários/dia.
Participantes
A pesquisa realizou-se com uma amostra de 64 participantes de um total de 82
funcionários lotados no serviço de atendimento da instituição. A amostra caracteriza-
se, predominantemente, por funcionários exercendo os cargos de técnico em
informática, pesquisador de veículos e assistente de trânsito, lotados na Seção de
Licenciamento de Veículos e na Seção de Habilitação, com escolaridade de 2 o grau
completo, sexo feminino, casados e com tempo de serviço entre um e cinco anos.
Instrumentos
Para investigar a atividade, realizaram-se as observações livre e sistemática e
entrevistas individuais. Para medir as vivências de prazer-sofrimento, utilizou-se a
"Escala de Prazer-sofrimento no Trabalho ¾ EPST", validada por Mendes (1996).
Procedimentos
A EPST foi aplicada individualmente em todos os funcionários do serviço de
atendimento, no total de 82, dos quais apenas 64 instrumentos foram devolvidos.
Sua utilização objetivou traçar um quadro epidemiológico da situação atual dos
funcionários em relação ao seu bem-estar psíquico. Vale ressaltar que a proposta da
escala é oferecer indicadores a partir da investigação dos fatores que compõem as
vivências de prazer-sofrimento no trabalho.
As observações livres realizaram-se em dez postos de trabalho com o objetivo de
manter os primeiros contatos com os funcionários e estabelecer uma visão
panorâmica do trabalho e das condições em que é realizado. Elas tiveram a duração
de 16 horas e foram registradas a partir de anotações escritas e uso de gravações
em fitas cassetes.
As observações sistemáticas ocorreram em seis postos de trabalho com os objetivos
de: (a) identificar e colocar em contexto os modos operatórios dos sujeitos em
função das exigências e da evolução das situações; (b) registrar e quantificar
categorias de análise em intervalos de tempo pré-definidos no curso da atividade
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dos sujeitos. O tempo destinado à etapa foi de seis horas e para registrá-la contou-
se com o suporte de câmera VHS e máquina fotográfica.
As entrevistas individuais semi-estruturadas foram realizadas com 31 funcionários da
amostra pesquisada e tiveram por objetivo: (a) identificar estratégias cognitivas de
trabalho dos sujeitos; (b) validar os dados coletados, sobretudo, os oriundos da
observação sistemática. Elas tiveram uma duração média de 40 minutos e seu
registro se deu por meio de anotações manuais.
Quanto à análise dos dados, as observações e as entrevistas foram descritas
qualitativamente com base na análise de conteúdo categorial (Bardin, 1974)
referentes à atividade de atendimento e às condições de trabalho. Analisou-se a
EPST em termos de técnicas de estatística descritiva, média, desvio-padrão e teste
"t" de diferença das médias. Os dados obtidos foram sistematizados sob a forma de
quadros, tabelas e figuras.
Os resultados de cada um dos instrumentos são integrados na discussão do
trabalho e formam um conjunto de dados que, apesar de abordados
metodologicamente de maneira distinta, fornecem subsídios para o estabelecimento
de relações, tanto do ponto de vista empírico quanto teórico, no sentido de atender
aos objetivos do estudo.
Resultados e discussão
A análise da atividade de atendimento nos setores observados possibilitou construir
um cenário explicativo da inter-relação dos sujeitos com o trabalho, identificando e
avaliando diferentes fatores que caracterizam as exigências externas e fornecem
elementos para a compreensão dos resultados obtidos nas vivências de prazer e
sofrimento no trabalho.
A atividade de atendimento ao público: um ritual quotidiano de tratamento de
informações
Globalmente, o quotidiano dos atendentes é marcado por três momentos distintos:
(a) organização e preparação do posto de trabalho para o início da jornada; (b) o
atendimento das múltiplas demandas dos usuários, durante o expediente ao público;
e (c) encaminhamento e arquivamento de documentos resultantes dessas
demandas. Logo, o atendimento ao público constitui o centro das atividades dos
funcionários e sua variabilidade é determinada pelo universo de tarefas prescritas. O
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serviço transferência de veículos (Figura 1), realizado com alta freqüência no Setor
de Licenciamento de Veículos, é representativo das modalidades de procedimentos
típicos no trabalho dos atendentes.
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desinformação sobre sua utilidade; as mensagens de erro em inglês geram
dificuldades de interpretação pelos funcionários que não conhecem o idioma.
Os resultados evidenciam a vocação tecnocêntrica no uso da informática, ou seja,
vários aspectos de seu funcionamento mostram uma concepção que não atende de
modo satisfatório à lógica de trabalho dos atendentes, gerando um conflito de
interação entre os funcionários e o sistema informatizado que impacta
negativamente na qualidade da interação com o usuário. Os conflitos de interação
na interface aumentam, sobretudo, o custo cognitivo do trabalho (exemplo,
quantidade de etapas para navegar no software), levando os atendentes a construir
estratégias para amenizar as suas conseqüências.
As múltiplas exigências da atividade de atendimento ao público: indicadores da
complexidade do trabalho
O tratamento de informações que caracteriza a natureza da atividade dos
atendentes assume uma feição singular no contexto sociotécnico estudado em
função de múltiplas exigências externas, oriundas das condições e das relações
sociais de trabalho existentes. Tais exigências são reveladoras da carga cognitiva de
trabalho singular dos atendentes, e dão visibilidade aos indicadores da
complexidade do trabalho dos funcionários no setting organizacional do atendimento
(Tabela 2).
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Do ponto de vista psicológico, tais indicadores de complexidade impõem aos
atendentes exigências cognitivas (perceptivas, mnemônicas, elaboração mental) em
um contexto de trabalho singular, cuja interação de diferentes variáveis aumenta o
esforço de tratamento das informações. Assim, a construção de habilidades
cognitivas é centrada na abstração (decodificar os sentidos das situações e planejar
as ações) com base na experiência e nas informações disponíveis no campo
perceptual.
Nesse sentido, os atendentes desenvolvem estratégias de regulação que visam
atenuar o custo humano do trabalho que se caracterizam pelas habilidades de:
diagnóstico das demandas; resoluções de problemas; gestão do tempo em função
das prioridades, da comunicação e da cooperação intra e inter-equipes.
Custo psíquico da atividade de atendimento ao público: indicadores de vivências de
prazer-sofrimento
Os resultados obtidos na Escala de Prazer-Sofrimento no Trabalho são
apresentados na Tabela 3, e indicam a média total da amostra nos três fatores do
instrumento. A diferença entre as médias nos três fatores é significativa, conforme
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resultados do teste "t" de comparação de médias entre grupos de diferentes
variáveis, tendo apresentado níveis de significância de p £ 0,05. Considerando que a
EPST é uma escala de cinco pontos, apresentando um ponto médio em três, os
resultados diferenciam-se para os fatores do prazer (ambos abaixo da média, 2,3
para valorização e 2,6 para reconhecimento) e para o fator desgaste do sofrimento
que se encontra acima do ponto médio (com média de 4,5).
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Não sentir valorização no trabalho significa que o sujeito não considera seu trabalho
importante por si mesmo, para a empresa e para a sociedade, indicando assim, um
reforço negativo na auto-imagem, que está relacionada ao orgulho pela atividade
desempenhada, à realização profissional, ao sentir-se útil e produtivo, tendo espaço
mais vivências de sofrimento do que de prazer.
O fato do reconhecimento aparecer um pouco abaixo da média pode significar que
as relações socioprofissionais precisam ser melhoradas. Parecem existir problemas
em relação à boa convivência com as chefias e os colegas, bem como relacionados
ao espaço para construir um coletivo de trabalho no qual estão presentes as
margens de liberdade para ajustar suas necessidades à tarefa.
Os resultados demonstram que o sofrimento se articula às imposições das
condições externas às situações de trabalho impostas aos funcionários, expressas
nos modos de organização do trabalho em termos das características da atividade.
Isso significa que, para esse grupo, que vivencia pouco prazer, o trabalho não é
lugar de realização, de identidade, valorização e reconhecimento, sendo necessário
o desenvolvimento de determinadas condições que favoreçam a busca do prazer na
direção de manter o seu equilíbrio psíquico.
A partir desses resultados, pode-se inferir que as situações de trabalho do grupo
pesquisado são críticas e geradoras de vivências de sofrimento. Por essa razão,
deve haver uma preocupação com os aspectos medidos pelo fator desgate
(exemplos, sobrecarga, cansaço, repetitividade das tarefas, tédio e injustiças na
gestão de pessoal), para que o prazer possa ser maximizado com a implantação de
transformações que visem oportunizar a valorização e o reconhecimento no
trabalho.
De um ponto de vista dinâmico, pode-se hipotetizar que o sofrimento vivenciado está
sendo enfrentado com estratégias defensivas e criativas. As estratégias defensivas
pressupõem a negação do sofrimento e a ausência de prazer. Como existe uma
vivência moderada de prazer e o sofrimento está sendo revelado, é possível que
esses trabalhadores estejam utilizando mais estratégias criativas, as quais visam
transformar a realidade que gera o sofrimento, o que se reflete na não negação de
algum tipo de sofrimento.
Essas hipóteses sugerem que esse grupo está submetido a modos de organização
do trabalho que favorecem mais o sofrimento do que o prazer, ou ainda, a modos
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que não permitem a negociação entre sujeito e realidade de trabalho, o que oferece
espaço para o sofrimento, mesmo que possa ser enfrentado, considerando-se a
vivência moderada de prazer, que pode estar indicando o uso de estratégias
criativas.
Em relação à análise da atividade levanta-se a hipótese de que o predomínio do
sofrimento está relacionado com: a) as condições físicas, materiais e instrumentais
de trabalho (setting de atendimento) como fatores dificultadores do processo; b) a
carga de trabalho, que predominantemente é cognitiva, implicando um custo maior
tendo em vista os elementos de complexidade que levam os atendentes a construir
estratégias para garantir a eficiência e a eficácia do trabalho e assegurar o bem-
estar.
A construção dessa estratégia articula-se ao uso da criatividade para enfrentar o
sofrimento, significando assim, que apesar da predominância do sofrimento na
função de atendimento ao público, os sujeitos buscam a redução do custo psíquico
no trabalho, não convivendo com o sofrimento e, possivelmente, buscando
estratégias para desenvolver o prazer, tendo em vista ser este um dos elementos
para a sua estruturação psíquica. Isso não desconsidera as transformações que
devem ser realizadas no contexto de trabalho para minimizar ou eliminar o sofrer,
ajudando o trabalhador a restabelecer sua economia psíquica e alcançar maiores
oportunidades para o seu bem-estar e saúde.
Conclusão
Os resultados do estudo evidenciam que a inter-relação entre a atividade de
atendimento ao público e o bem-estar psíquico dos sujeitos são faces de uma
mesma moeda. Os dados empíricos, provenientes das abordagens em ergonomia e
em psicodinâmica, apontam um cenário inquietante na instituição estudada.
O enfoque da ergonomia mostra que a atividade de atendimento ao público se
caracteriza por três aspectos interdependentes: (a) a execução dos serviços é
centrada em um ritual quotidiano de tratamento rotineiro de informações, exigindo
dos atendentes um trabalho mental intenso (identificação da demanda do usuário,
busca, registro e transmissão de informações); (b) as condições ambientais,
materiais e instrumentais de trabalho, disponibilizadas pela instituição no setting de
atendimento, constituem variáveis limitadoras que dificultam as atividades dos
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sujeitos e reduzem a sua margem de manobra para que possam gerir as exigências
do serviço; (c) a multiplicidade e a interação dos fatores de complexidade,
constatados no trabalho, aumentam, sobretudo, as exigências cognitivas e psíquicas
da atividade de atendimento, agregando dificuldades aos atendentes para a
construção de suas estratégias de regulação.
O enfoque da psicodinâmica do trabalho mostra que a predominância das vivências
de sofrimento estão associadas tanto às condições nas quais as atividades são
realizadas, quanto às relações socioprofissionais. Esse resultado indica um alerta no
sentido de serem desenvolvidas mudanças organizacionais para redução ou
minimização dos fatores que causam cansaço, desânimo e descontentamento com o
trabalho. Vale ressaltar, ainda, que a vivência moderada de prazer pode indicar um
ponto positivo para a neutralização do sofrimento, sendo necessário para isso
identificar os fatores geradores de prazer.
A escala de prazer-sofrimento teve papel epidemiológico. Permitiu uma descrição da
situação geral do setor sob o ponto de vista da maioria dos seus membros. São
importantes no sentido de mostrar a direção em que o fenômeno acontece no setor
estudado, naquele momento e contexto organizacional, tendo sido de grande valia
seus resultados para subsidiar e corroborar os dados provenientes das entrevistas e
das observações.
O uso da escala justifica-se no nosso interesse de ter uma descrição da situação
dos trabalhadores em dado momento. É saudável para o campo de investigação
científica nas organizações e trabalho o uso de técnicas mistas de coleta de dados.
Consideramos que do ponto de vista epistemológico, o fato de se usarem escalas de
atitude para medir conceitos ditos subjetivos - até porque qualquer fenômeno
estudado a partir da percepção é por si só subjetivo - não significa necessariamente
uma visão positivista do conhecimento. O que define o aspecto epistemológico é a
construção do conhecimento a partir do dado empírico e não o dado em si. Nesse
sentido, o uso de escalas para medir o prazer-sofrimento fornece indicadores para
se ter acesso a uma situação que extrapola o dado, que se configura num conjunto
de relações, na maioria das vezes dialética, que permite a interpretação e o avanço
do conhecimento ao confrontar dados quantitativos e qualitativos, não sendo
negligenciados para isso, os pressupostos da psicodinâmica do trabalho, e
possibilitando o diálogo com outras disciplinas, no caso a ergonomia.
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O exame da inter-relação da ergonomia e da psicodinâmica nesse estudo
possibilitou estabelecer um diálogo enriquecedor entre as duas disciplinas,
permitindo identificar, ao mesmo tempo, as contribuições e os limites da abordagem
interdisciplinar no estudo da temática.
Os dados da análise ergonômica mostram o contexto sociotécnico e a interação das
principais variáveis que marcam as atividades dos sujeitos no serviço de
atendimento ao público, em particular, os elementos críticos das situações que
aumentam a carga de trabalho dos atendentes e dificultam a estruturação de suas
estratégias de regulação. Nesse sentido, os dados constróem um cenário
característico para o setor pesquisado no qual se inscrevem os resultados das
vivências de prazer-sofrimento, obtidos pela abordagem da psicodinâmica. Tal
cenário apresenta, sobretudo, elementos empíricos das situações de atendimento
para se compreender a predominância das vivências de sofrimento entre os sujeitos,
conforme constatado com a aplicação da EPST.
Todavia, essa investigação interdisciplinar exploratória não autoriza construir um
quadro explicativo mais conclusivo, em termos de se estabelecer uma correlação
inequívoca entre o trabalho real e as vivências de sofrimento constatadas.
Globalmente, os dados da ergonomia agregam sentido aos resultados da
psicodinâmica, tornam mais compreensíveis os achados da EPST, mas não
permitem afirmações categóricas sobre a inter-relação atividade de atendimento e
sofrimento no trabalho. Pontualmente, um dos limites do estudo é a carência de
dados específicos e mais aprofundados relativos à interação social com os usuários,
que possibilitariam mapear melhor essa importante dimensão da carga psíquica de
trabalho.
Os resultados abrem novas perspectivas para intensificar o diálogo interdisciplinar,
esboçado no presente estudo. Ele possibilitou, principalmente, propor novas
questões: (a) Qual é a importância das situações críticas de trabalho, que conduzem
às "falências" de estratégias de regulação, na gênese das vivências de sofrimento
psíquico dos sujeitos? (b) Como construir um design metodológico que incorpore de
forma interativa os pressupostos teóricos das duas disciplinas no processo de
investigação? Fica, portanto, o desafio de futuras investigações empíricas sob as
diferentes perspectivas teóricas, de forma a avançar no entendimento tanto dos
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processos de adoecimento, quanto do desenvolvimento da saúde no contexto de
trabalho.
REFERÊNCIAS
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Freire, O. N., & Ferreira, M. C. (2000). "A empresa não perde nada, só a gente":
Carga de trabalho do frentista e a prática da rotatividade sistemática. Trabalho
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apresentado no II Seminário Nacional de Psicologia e Direitos Humanos, Conselho
Federal de Psicologia, Brasília, DF. [ Links ]
Laville, A., Teiger, C., & Daniellou, F. (1989). Ficção e realidade do trabalho
operário. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 17(56), 7-13. [ Links ]
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situations. In J. Leplat (Org.), L'analyse du travail en psychologie ergnomique
(Recueil de Textes) (Tome 1, pp. 47-59). Toulouse: Octarès. [ Links ]
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Santos, V., Chaves, J. M. M. F., Pavão, J. C. M., & Bijos, P. (1994). Projeto
ergonômico de centrais de atendimento. Rio de Janeiro: Ergon Projetos.
[ Links ]
Weill-Fassina, A., Dubois, D., & Rabardel, P. (1993). Représentations pour l'action.
Toulouse: Octares. [ Links ]
Nota
1
Este artigo tem origem em um projeto de intervenção intitulado "Bem-estar dos
funcionários e satisfação dos usuários no serviço de atendimento ao público:
diagnóstico e recomendações", desenvolvido pelo Laboratório de Ergonomia da
Universidade de Brasília - UnB.
Mário César Ferreira, doutor em Ergonomia pela Ecole Pratique des Hautes Etudes
(EPHE), Paris, França, bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, é Professor
do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília.
Ana Magnólia Mendes, doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília, DF,
bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, é Professora do Departamento de
Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília.
Endereço para correspondência: Universidade de Brasília (UnB), Dep. de Psicologia
Social e do Trabalho, Instituto de Psicologia, Asa Norte, Campus Darci Ribeiro,
70.910 ¾ 900, Brasília, DF. Tel.: (61) 307.26 25, ramal 224; Fax: (61) 347.77 46. E-
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A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE OS ACIDENTES DE TRABALHO
COM MATERIAL PERFUROCORTANTE ENTRE TRABALHADORES
DE ENFERMAGEM
1
Maria Helena Palucci Marziale
2
Christiane Mariani Rodrigues
INTRODUÇÃO
Os trabalhadores de enfermagem, durante a assistência ao paciente, estão expostos
a inúmeros riscos ocupacionais causados por fatores químicos, físicos, mecânicos,
biológicos, ergonômicos e psicossociais, que podem ocasionar doenças
ocupacionais e acidentes de trabalho.
O contingente de trabalhadores de enfermagem, particularmente o que está inserido
no contexto hospitalar, permanece 24 horas junto ao paciente, em sua grande
maioria executa o "cuidar" dentro da perspectiva do "fazer" e, conseqüente, expõe-
se a vários riscos, podendo adquirir doenças ocupacionais e do trabalho, além de
lesões em decorrência dos acidentes de trabalho(1).
Os riscos químicos referem-se ao manuseio de gases e vapores anestésicos,
antissépticos e esterelizantes, drogas citostáticas, entre outros. A exposição aos
riscos químicos está relacionada com a área de atuação do trabalhador, com o tipo
de produto químico e tempo de contato, além da concentração do produto. Isso pode
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ocasionar sensibilização alérgica, aumento da atividade mutagênica e até
esterilidade(2).
Os riscos do ambiente de trabalho são classificados em real (de responsabilidade do
empregador), suposto (quando se supõe que o trabalhador conhece as causas que
o favorecem) e residual (de responsabilidade do trabalhador).
Os riscos físicos referem-se à temperatura ambiental (elevada nas áreas de
esterelização e baixa em centro cirúrgico), radiação ionizante, ruídos e iluminação
em níveis inadequados e exposição do trabalhador a incêndios e choques
elétricos(3).
Dentre os riscos psicossociais, está a sobrecarga advinda do contato com o
sofrimento de pacientes, com a dor e a morte, o trabalho noturno, rodízios de turno,
ritmo de trabalho, realização de tarefas múltiplas, fragmentadas e repetitivas, o que
pode levar à depressão, insônia, suicídio, tabagismo, consumo de álcool e drogas e
fadiga mental(4).
Dentre os riscos mecânicos, estão as lesões causadas pela manipulação de objetos
cortantes e penetrantes e as quedas(5).
O freqüente levantamento de peso para movimentação e transporte de pacientes e
equipamentos, a postura inadequada e flexões de coluna vertebral em atividades de
organização e assistência podem causar problemas à saúde do trabalhador, tais
como fraturas, lombalgias e varizes. Tais fatores causais estão relacionados a
agentes ergonômicos(3,5). Os fatores ergonômicos são aqueles que incidem na
adaptação entre o trabalho-trabalhador. São eles o desenho dos equipamentos, do
posto de trabalho, a maneira como a atividade laboral é executada, a comunicação e
o meio ambiente.
Quanto aos riscos biológicos, eles se referem ao contato do trabalhador com
microorganismos (principalmente vírus e bactérias) ou material infectocontagiante,
os quais podem causar doenças como: tuberculose, hepatite, rubéola, herpes,
escabiose e AIDS(2).
O contato com microorganismos patológicos oriundo de acidentes ocasionados pela
manipulação de material perfurocortante, ocorre, com grande freqüência, na
execução do trabalho de enfermagem. A exposição ocupacional por material
biológico é entendida(6) como a possibilidade de contato com sangue e fluidos
orgânicos no ambiente de trabalho, e as formas de exposição incluem inoculação
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percutânea, por intermédio de agulhas ou objetos cortantes, e o contato direto com
pele e/ou mucosas.
O maior risco para os trabalhadores da área da saúde é o acidente com material
perfurocortante, que expõe os profissionais a microorganismos patogênicos, sendo a
hepatite B a doença de maior incidência entre esses trabalhadores(7).
Com o surgimento da AIDS, maior ênfase passou a ser dada à exposição desses
trabalhadores ao sangue. A prevenção ocupacional do HIV tornou-se um grande
desafio aos profissionais de Controle de Infecção Hospitalar e Saúde Ocupacional,
depois de uma enfermeira ter desenvolvido AIDS, em conseqüência de picada
acidental com uma agulha que continha sangue de um paciente infectado pelo HIV,
internado em um hospital da Inglaterra(8). O Centers for Disease Control ¾ CDC,
preocupado com a questão da transmissão de HIV e outros patógenos veiculados
pelo sangue, organiza um sistema informatizado de coleta de informações (EPINet),
a partir do qual propõe estratégias para minimizar o problema dos profissionais
expostos ao risco ocupacional de contaminação(9).
Segundo dados do CDC, a estimativa anual de acidentes percutâneos com
trabalhadores da saúde nos hospitais é de 384.325 casos, e o risco de
contaminação com o vírus HIV (AIDS) é de 0,3%, vírus HBV (Hepatite B) é de 6% a
30%, e o risco de contaminação é de 0,5% a 2% para o HCV (Hepatite C) (9).
Segundo a referida instituição, as conseqüências da exposição ocupacional aos
patógenos veiculados pelo sangue não são só os referentes às infecções, mas
também os relativos ao trauma psicológico ocasionado pela espera do resultado de
uma possível soroconversão e mudanças nas práticas sexuais, no relacionamento
social e familiar, efeito das drogas profiláticas, entre outros.
Em estudo realizado no Brasil, com trabalhadores da saúde, visando à identificação
do risco ocupacional de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (10), foi
constatado que 88,8% dos acidentes de trabalho notificados acometeram o pessoal
da enfermagem.
Dentre os fatores predisponentes a ocorrência de acidentes de trabalho dessa
natureza, está a freqüente manipulação de agulhas pelos trabalhadores de
enfermagem(11).
A Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, por meio do programa de
DST/AIDS(12) recomenda que os acidentes que envolvam exposição à material
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biológico sejam analisados quanto ao material biológico envolvido, ao tipo de
acidente e à situação sorológica do paciente fonte em relação ao HIV. Se for
indicado quimioprofilaxia, ela deverá ser iniciada nas primeiras 2 horas após o
acidente, tendo duração de 4 semanas ou até que se tenha o resultado da sorologia
do paciente fonte.
Embora considerável progresso tenha sido observado sobre o entendimento do risco
ocupacional e HIV(13), os trabalhadores da saúde e, principalmente, os da
enfermagem têm se mostrado resistentes à utilização de equipamentos de proteção
individual, à subestimação do risco de se infectar e à notificação do acidente de
trabalho.
O acidente de trabalho em nosso país deve ser comunicado imediatamente após
sua ocorrência, por meio da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho
(CAT), que deve ser encaminhada à Previdência Social, ao acidentado, ao sindicato
da categoria correspondente, ao hospital, ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao
Ministério do Trabalho(14).
Apesar de, legalmente, ser obrigatória a emissão da CAT, observa-se, na prática, a
subnotificação dos acidentes de trabalho. O sistema de informação utilizado
apresenta falhas devido à concepção fragmentada das relações de saúde e
trabalho, marcada por uma divisão e alienação das tarefas dos profissionais
responsáveis pelo registro da CAT, os quais privilegiam o cumprimento de normas
burocráticas, mas não o envolvimento profissional com a questão acidentária(15).
As causas da subnotificação de acidentes de trabalho (16), na visão de trabalhadores
de enfermagem de uma cidade do interior paulista, foram atribuídas à falta de
importância dada às pequenas lesões, tal como picada de agulha, e o
desconhecimento sobre a importância da emissão da CAT.
Diante da freqüente ocorrência de acidentes do trabalho ocasionados por material
perfurocortante, observada em nossa atuação profissional, e por acreditarmos que o
trabalhador de enfermagem deva se preocupar com a implementação de práticas
que lhe ofereçam condições seguras para o desempenho de suas atividades
laborais, propusemos-nos realizar a pesquisa ora apresentada cujos resultados
contribuirão para divulgação do conhecimento produzido sobre a referida temática.
OBJETIVOS
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- Identificar as abordagens metodológicas dos estudos que se relacionam com a
questão dos acidentes do trabalho com material perfurocortante;
- Levantar os fatores predisponentes aos acidentes do trabalho, ocasionados por
material perfurocortante, na equipe de enfermagem, descritos na literatura.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado um levantamento bibliográfico retrospectivo, dos últimos 16 anos
(2000-1985), por meio dos bancos de dados Lilacs (Literatura Latino Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde), Medline (National Library of Medicine), utilizando os
unitermos "accidents occupational", "needlestick injuries", "nursing staff", "sharps",
"percutaneous injuries", acidentes do trabalho, perfurocortante, trabalho de
enfermagem, risco ocupacional, metodologia de pesquisa.
Os artigos foram catalogados e analisados buscando-se uma síntese dos fatores
predisponentes aos acidentes do trabalho com material perfurocortante e as
abordagens metodológicas utilizadas.
Foi utilizado, para coleta de dados, um protocolo contendo informações sobre o
periódico, tipo de metodologia usada (descritiva de campo, descritiva bibliográfica,
pesquisa ação, exploratória, experimental, reflexão teórica e relato de experiência) e
os fatores predisponentes à ocorrência dos acidentes. O referido instrumento foi
submetido à apreciação de três enfermeiros pesquisadores, quanto à clareza,
objetividade e conteúdo, sendo considerado adequado para o objeto estudado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram analisados 55 artigos, sendo 39 internacionais e 16 nacionais. As pesquisas
analisadas foram publicadas nos seguintes periódicos internacionais: "Pediatric
Nursing", "Infection Control", "AAOHN Journal", "Arch Surgery", "American Journal of
Preventive Medicine", "Rev. Investigação Clinica", "AJIC", "American Journal of
Public Health", "AORN Journal", "AIDS Care" e "The New England Journal of
Medicine" e periódicos nacionais: Rev. Escola Enfermagem USP, Rev. Brasileira
Enfermagem, Rev. Enfermagem UERJ, Rev. Brasileira de Saúde Ocupacional, Rev.
Saúde Pública.
Através da Tabela 1, pode-se observar o número de publicações nacionais e
internacionais, segundo o ano de publicação.
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O aumento no número de publicações, no início da década de 90, pode estar
relacionado às descobertas da transmissão dos vírus HIV e HBV, no contato com
sangue, via acidente perfurocortante.
Em três dos artigos (5,50%), foi utilizada a análise qualitativa dos dados, cujo
objetivo era compreender as causas dos acidentes perfurocortantes. Nos outros 52
(94,50%), foi utilizada a análise quantitativa para tratamento dos dados.
Os dados relativos às abordagens metodológicas utilizadas nas pesquisas
analisadas são apresentados na Tabela 2.
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Os fatores predisponentes à ocorrência de acidentes com material perfurocortante
identificados por meio das pesquisas estão apresentados na Tabela 3.
Por meio dos dados descritos na Tabela 3 pode-se perceber que uma série de
fatores podem estar associados à ocorrência de acidentes de trabalho, dentre os
quais existe relação com a peculiaridade das atividades laborais da enfermagem, da
manipulação de materiais de design que não oferecem segurança, da forma de
organização do trabalho, do comportamento dos próprios profissionais e das
condições de trabalho oferecidas.
Os dados da literatura analisada indicam que a falta de sensibilização e
conscientização, a inadequada supervisão contínua e sistemática da prática, a não
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percepção individual sobre o risco e a falta de educação continuada são fatores
associados à ocorrência de acidentes de trabalho com material perfurocortante.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos através desta pesquisa permitem as seguintes conclusões:
Durante o período de 1985 a 2000, foram encontrados 55 artigos indexados cuja
temática abordava a questão dos acidentes de trabalho com material
perfurocortante. Na grande maioria das pesquisas, foi utilizada a análise quantitativa
dos dados, e as abordagens metodológicas para estudar o objeto foram variadas,
havendo predominância do tipo de pesquisa descritiva (54,50%). Alguns autores
(16,40%) utilizaram a pesquisa-ação, (14,50%) a pesquisa exploratória, (9,10%)
pesquisa experimental, (1,80%) o relato de experiência e (1,80%) a reflexão teórica.
Em relação aos fatores predisponentes, pode-se concluir que o reencape de
agulhas, a inadequação dos dispositivos utilizados para descarte e o manuseio de
agulhas foram os principais fatores identificados nas pesquisas analisadas. Uma
série de outros fatores, no entanto, são atribuídos pelos autores como
predisponentes à ocorrência de acidentes de trabalho dessa natureza tais como:
situações de urgência, a falta de capacitação dos profissionais, sobrecarga de
trabalho, fadiga, transporte de material perfurocortante, má qualidade dos materiais,
desconhecimento dos profissionais sobre os riscos de infecção e desconsideração
das precauções padrão recomendadas, desatenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se que o interesse em relação aos acidentes do trabalho com material
perfurocortante vem aumentando, principalmente após a década de 90, devido aos
danos causados à saúde dos trabalhadores e às instituições e o aumento no número
de casos de AIDS.
Sabe-se que os maiores riscos dos acidentes perfurocortantes não são as lesões,
mas os agentes biológicos veiculados pelo sangue e secreções corporais,
principalmente o HIV e HBV, que estão presentes nos objetos causadores.
No Brasil, a escassez de dados sistematizados sobre esses acidentes não nos
permite conhecer a magnitude global do problema, dificultando, assim, a avaliação
das medidas preventivas utilizadas atualmente.
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A análise dos resultados sugere que todas as categorias de profissionais de
enfermagem estão sujeitas a acidentes com material perfurocortante, o que faz
necessária a realização de estudos aprofundados que detectem as causas mais
comuns e as conseqüências para os profissionais, para possibilitar a elaboração de
programas de educação, treinamento dos profissionais, supervisão contínua e
sistemática e modificações nas rotinas de trabalho, tornando um hábito a prática das
precauções de segurança.
Além da utilização das precauções padrão como medida preventiva, encontram-se
disponíveis, no mercado, dispositivos considerados seguros, como os sistemas sem
agulhas, os de agulhas retráteis e os sistemas protetores de agulhas.
Apesar de a literatura americana demonstrar o impacto positivo desses dispositivos
na redução do número de acidentes perfurocortantes, a maioria das instituições de
saúde no Brasil não tem perspectivas de implantá-los a curto prazo, devido a seu
elevado custo.
É importante que se elabore e implemente um programa de educação continuada
que aborde a questão dos acidentes e exposição a material biológico, esclarecendo
os trabalhadores de enfermagem sobre a importância da notificação, busca de
atendimento médico nas 2 horas que seguem o acidente, sensibilizá-los sobre a
eficácia da vacina para prevenção da hepatite B, esclarecer sobre a utilização de
EPI e precauções padrão.
O sucesso de qualquer programa educativo está diretamente ligado à participação e
reconhecimento por parte dos trabalhadores e apoio da instituição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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profissionais da saúde. Rev Saúde Pública 1992; 26(1):54-6. [ Links ]
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TRABALHO: a categoria-chave da sociologia?
Claus Offe
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A proletarização da força de trabalho e a degradação moral da ganância, induzidas
pela utilização industrial desta força de trabalho, conduzem à dominação da
racionalidade intencional, e seus dois componentes são mais claramente
distinguíveis em Marx que em Weber. Estes componentes incluem a racionalidade
técnica da busca de objetivos na interação entre humanidade e natureza, e a busca
calculada e economicamente racional de objetivos, realizada pela interação de
atores econômicos (analisada por Weber através do exemplo da contabilidade
racional).
Em Marx há uma óbvia razão teórico-estratégica para contrastar estes elementos
por meio da distinção conceitual entre os processos de "produção" e de
"valorização". Esta distinção permite a construção de um cenário evolutivo, no qual
cada processo é incompatível com o outro; a racionalidade econômica das unidades
concorrentes de capital transforma-se em uma "peia" para as forças produtivas
"técnicas". Este antagonismo dissolve-se na luta por uma formação social na qual
prevalece a racionalidade técnica (mas não mais a racionalidade econômica) do
capital.
Para o marxismo clássico, sistemas e relações sociais, políticas e culturais são
produtos (não obstante a disposição teórica para levar em consideração os "efeitos
recíprocos") e, em última instância, apêndices dependentes da produção material e
suas duas faces - os processos de "produção" e de "valorização".
Marx e Weber concordam que a racionalidade estratégica da contabilidade do
capital e a separação do trabalho em relação às unidades domésticas imediatas, aos
critérios de valor de uso, ao ritmo da fome e da satisfação, constituem a principal
força-motriz subjacente à racionalização formal das sociedades capitalistas. Os
processos imediatos de trabalho e produção são organizados e regulados de acordo
com os ditames desta racionalidade, cujos funcionários são o staff burocrático do
capital.
Separado das famílias e das formas tradicionais de associação, e privado de
proteção política, o trabalho assalariado foi vinculado à organização e à divisão
capitalista do trabalho, assim como aos processos de pauperização, alienação,
racionalização e a formas organizadas e desorganizadas de resistência (econômica,
política, e cultural) intrínseca a estes processos.
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Todas essas questões transformaram-se, conseqüentemente, no pivô em torno do
qual giram a pesquisa e a formação teórica das ciências sociais, e do qual
emanaram todas as subseqüentes preocupações teóricas com política social,
sistemas familiares e morais, urbanização e religião. E é precisamente este
abrangente poder de determinação do fato social do trabalho (assalariado), e suas
contradições, que hoje se tornou sociologicamente questionável.
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A capacidade de persuasão destas objeções parece-me limitada. Pois as inúmeras
fraturas no trabalho assalariado supostamente unificado e "formalizado" (assim
como seu impacto sobre indivíduos, organizações e ação política) são tão evidentes
que não podem ser teoricamente banalizadas.
Durante os anos 70, quatro dentre estas fraturas ocuparam o centro das atenções
da sociologia da indústria, do trabalho, da estratificação e da teoria de classes. A
primeira é a distinção entre mercado de trabalho primário e secundário, assim como
entre mercado de trabalho interno e externo. Segundo, ficou claro que, numa larga e
crescente medida, a produção de bens e serviços ocorre fora do modelo institucional
do trabalho assalariado formal e contratual, isto é, em áreas onde os trabalhadores
não são "empregados", mas membros de famílias e unidades domésticas, de
instituições compulsórias como exércitos e prisões, ou de uma economia
subterrânea, semilegal ou criminosa.
Terceiro, sociólogos marxistas, especialmente, concentram-se na cisão vertical no
interior das fileiras dos trabalhadores assalariados e no crescimento de posições de
classe intermediárias ou "heterogêneas" (E. O. Wright), em que a dependência em
relação ao salário coincide com a participação na autoridade formal. Finalmente,
sociólogos do trabalho enfatizaram as diferenças entre formas de trabalho
"produtivas" e "de serviços".
Este último ponto, sobre o qual me concentrarei, tornou-se a base das explicações
macrossociológicas da emergente "sociedade de serviços pós-industrial" (Bell).
Enquanto se pode subordinar a maior parte do trabalho exercido no setor
"secundário" (isto é, a produção de bens industrializados) a um denominador comum
abstrato - o da produtividade técnico-organizacional e da lucratividade econômica -,
estes critérios perdem sua clareza (relativa) quando o trabalho se torna "reflexivo",
como acontece na maior parte do setor "terciário" (de serviços).
Nas sociedades capitalistas industriais, o contínuo e rápido aumento na proporção
de trabalho social empregado na produção de serviços indica que problemas de
escassez e de eficiência, que determinam a racionalidade na produção dos bens
industrializados, são suplementados com problemas de ordem e normalização, que
não podem ser adequadamente tratados através da supremacia técnica e
econômica da escassez, mas que requerem uma racionalidade específica do
trabalho em serviços.
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Um aspecto essencial de todo o trabalho "reflexivo" em serviços é que ele processa
e mantém o próprio trabalho; (5) no âmbito do setor de serviços a produção é
conceitual e organizacionalmente fundamentada. Tanto em empresas privadas como
em públicas, atividades como ensino, saúde, planejamento, organização, controle,
administração e aconselhamento -isto é, atividades de prevenção, absorção e
processamento dos riscos e desvios da normalidade - são majoritariamente
dependentes de salário, exatamente como ocorre com a produção industrial de
mercadorias.
Entretanto, estas atividades de serviços são diferentes em dois aspectos. Primeiro,
em razão da heterogeneidade dos "casos" que são processados no trabalho de
serviços, e devido aos altos graus de incerteza a respeito de onde e quando eles
ocorrem, uma função de produção técnica que correlacione inputs a outputs,
freqüentemente não pode ser fixada e utilizada como critério de controle do
desempenho adequado do trabalho.
Segundo, o trabalho em serviços difere do trabalho produtivo pela falta de um
"critério de eficiência econômica", claro e incontroverso, do qual possam ser
estrategicamente derivados o tipo e a quantidade, o lugar e o ritmo de trabalho
"aconselháveis". Este critério está ausente porque o resultado de inúmeros serviços
públicos, assim como aqueles desempenhados por "empregados" em firmas do
setor privado, não é "lucro" monetário, mas são "utilidades" concretas; os serviços
freqüentemente contribuem para evitar perdas, cujo volume quantitativo não pode
ser facilmente determinado, precisamente porque as perdas são evitadas.
No que diz respeito à nacionalidade técnica do trabalho em serviços, sua não-
padronização deve ser aceita e substituída por qualidades como competência
interativa, consciência da responsabilidade, empatia e experiência prática adquirida.
No lugar dos inseguros critérios econômico-estratégicos de racionalidade,
encontram-se cálculos baseados em convenção, vontade política ou consenso
profissional.
Os critérios de racionalidade desenvolvidos para a utilização e o controle da força de
trabalho na produção capitalista de mercadorias podem ser transferidos para a
"produção" de ordem e normalidade, pelo trabalho em serviços, apenas dentro de
limites estreitos e, mesmo assim, apenas através de uma redução no grau de
racionalidade "formal". Isto significa, "inversamente", que embora a esfera do
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trabalho em serviços (públicos e privados) não esteja absolutamente "liberada" do
regime de racionalidade formal econômica, baseada no salário, ela se tornou um
"corpo estranho" separado, mas funcionalmente necessário, que é limitado
externamente (mas não estruturado internamente) por aquela racionalidade
econômica. É esta diferenciação no interior do conceito de trabalho que me parece
constituir o ponto mais crucial de sustentação ao argumento de que não se pode
mais falar de um tipo basicamente unificado de racionalidade, que organizaria e
governaria o conjunto da esfera do trabalho.
O crescimento de um trabalho em serviços mediador, regulador, ordenador e
normalizador não pode, portanto, ser interpretado através do modelo de uma
"totalização" da racionalidade do trabalho, baseada na produção técnico-
organizacional e economicamente eficiente de mercadorias por trabalhadores
assalariados.
Ao contrário, pode ser interpretado através do modelo do "retorno do reprimido", no
sentido de um aumento de "problemas de segunda ordem" e "custos de
complexidade", que se acumularam como resultado da mobilização do trabalho
assalariado; deste ponto de vista, estes problemas e custos requerem agora um
controle, através de vários tipos de trabalho em serviços (por exemplo, educação,
saúde, seguros, comunicações), para que seja preservada a "ordem" numa
sociedade baseada na ganância formal-racional.
A racionalidade "substantiva" de base normativa, que tinha sido vitoriosamente
reprimida no trabalho produtivo e na transformação da força de trabalho numa
mercadoria comercializável, está, por assim dizer, reemergindo. Denunciando a
repressão da racionalidade "substantiva" na esfera do trabalho assalariado, ela toma
a forma de números crescentes de trabalhadores e profissionais em serviços, cuja
tarefa especial é a de garantir institucionalmente uma existência social através de
um tipo especial de trabalho.
A ambivalência e a independência deste tipo de trabalho social derivam do fato de
que se trata de um "indispensável corpo estranho", que garante e padroniza as
precondições e as fronteiras de um tipo de trabalho ao qual ele próprio não pertence.
Ao mesmo tempo que funciona como um "vigia e regulador" (Marx) do trabalho e do
processo de valorização, ele está também parcialmente livre da disciplina imediata
de uma racionalidade social ambiciosa, e de suas correspondentes restrições de
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realização e produtividade. Como um agente da sintetização consciente de sistemas
e processos sociais, o trabalho em serviços da "nova classe" desafia e questiona a
sociedade do trabalho e seus critérios de racionalidade (realização, produtividade,
crescimento) em favor de medidas de valor substantivas, qualitativas e "humanas"
(Bruce-Briggs, 1979; Schelsky, 1975).
Nas sociedades "pós-industriais", a subdivisão do "conjunto dos trabalhadores" em
"produtores" e "produtores de produção" não apenas enfraquece a unidade
estrutural do trabalho social e a racionalidade que o governa, mas também desafia
os padrões de racionalidade que conduzem (e possivelmente limitam) a troca
socialmente mediada com a natureza.
Hoje, esta linha de conflito fica evidente em inúmeras tensões culturais e políticas
entre os trabalhadores do setor público (assim como parte das equipes de serviços
do setor privado) e os protagonistas do modelo da sociedade do trabalho dentro da
velha classe média e da classe operária industrial.
Do ponto de vista sociológico, parece-me altamente inconsistente denunciar
simplesmente a "nova classe" e seu "novo hedonismo" como um corpo estranho,
sem refletir ao mesmo tempo sobre sua indispensabilidade funcional. Atualmente,
esta atitude polêmica obscurece e equipara questões concernentes à gênese e ao
crescimento da influência estrutural e cultural da "nova classe média" produtora de
serviços, no meio de uma sociedade do trabalho ambiciosa, que gera hiatos
funcionais e sofre de falta de ordem, segurança e normalidade.
A vigilância, a regulação, a garantia e a programação dos processos sociais
proporcionados pela nova classe média constituem requisitos gerados por esses
hiatos funcionais. Estes serviços (que certamente não estão limitados ao setor
público) só poderão se tornar completamente funcionais quando forem relativamente
autônomos e mobilizados contra os imperativos e as restrições do trabalho
assalariado. É, então, absurdo denunciar, em nome da racionalidade e do ethos de
uma "sociedade do trabalho intacta", aqueles grupos funcionais que só podem
prestar serviços a esta sociedade do trabalho, assumindo uma postura "reflexiva",
que está estrutural e culturalmennte em tensão com a sociedade.
Visto desta forma, confrontamo-nos hoje com uma ambigüidade sociologicamente
explicável no conceito de trabalho. Esta ambigüidade tem grandes conseqüências
para as bases conceituais da Sociologia, assim como para a consideração dos
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ambíguos e contraditórios critérios de racionalidade, cristalizadas na relação entre a
"produção eficiente" e a "manutenção efetiva da ordem".
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unicamente em virtude do crescimento de um hedonismo centrado no consumo, cuja
propagação mina a infraestrutura moral das sociedades capitalistas industriais (7).
O poder coercitivo da ética do trabalho pode ter sido adicionalmente enfraquecido
pelo fato de que ela geralmente só pode funcionar sob condições que (pelo menos
até certo ponto) permitam aos trabalhadores participar em seu trabalho como
pessoas reconhecidas e moralmente atuantes. É bastante incerto se, e em que
áreas do trabalho social, esta precondição está sendo hoje satisfeita (8).
Na medida em que são moldados no padrão de "taylorização", processos de
racionalização organizacional e técnica parecem resultar, ao contrário, na eliminação
do "fator humano", e de suas qualidades morais, do processo de produção industrial
(Kumar, 1979, p. 15).
Do ponto de vista da estratégia empresarial, é inteiramente racional tornar o
processo de produção tão independente quanto possível deste "fator humano",
especialmente quando ele pode produzir incerteza e perturbação. Entretanto, na
medida em que as precondições estruturais e o espaço autônomo para as
orientações "morais" ao trabalho são "racionalizadas", não se pode esperar nem
reivindicar estas orientações. Junto com a degradação e a desqualificação do
trabalho (Crusius & Wilke, 1982), freqüentemente observadas, a dimensão subjetiva
do trabalho - o feixe de obrigações e demandas associadas ao "orgulho do produtor"
e seu reconhecimento social - também se enfraquece.
Max Weber considerava a vocação para o trabalho uma precondição do trabalho
assalariado e do "espírito do capitalismo". Atualmente, este prognóstico de que "uma
conduta de vida racional baseada na idéia de vocação” irá definir nossas vidas "até
que a última tonelada de carvão fossilizado seja queimada", pode ser considerado
discutível (9).
Uma razão adicional para a depreciação moral e o declínio da significação subjetiva
da esfera do trabalho é a desintegração dos millieux de vida que estão organizados
de acordo com as categorias do trabalho e da ocupação e complementados por
tradição familiar, filiação organizacional, consumo de lazer e instituições
educacionais.
Atualmente, como observa Michael Schumann, a "localização (sócio-cultural) do
contexto da vida proletária está radicalmente em declínio" (10). A tentativa de
interpretar o contexto da vida como um todo, em termos de centralidade da esfera
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do trabalho, é também cada vez mais implausível, por causa da estrutura temporal
do trabalho e sua alocação na biografia das pessoas. Uma continuidade biográfica
entre aquilo em que alguém é treinado e aquilo em que esta pessoa está realmente
empregada, assim como uma continuidade ocupacional ao longo de uma vida
profissional, pode já ser hoje bastante excepcional.
Mais ainda, a proporção de tempo dedicado ao trabalho vem declinando
consideravelmente na vida das pessoas; o tempo livre também aumentou e parece
que vai continuar aumentando. Isto significa que experiências, orientações e
necessidades paralelas estão se tornando mais proeminentes que aquelas
baseadas no trabalho (11). Descontinuidade na biografia profissional e uma parcela
crescente de tempo dedicado ao trabalho na vida de uma pessoa podem reforçar a
visão do trabalho como uma preocupação "entre outras", e relativizar sua função
como pedra-de-toque da identidade pessoal e social (12).
Na medida em que aumenta a experiência (ou a antecipação) do desemprego (13),
ou a aposentadoria involuntária (14), mais se enfraquece o efeito do estigma e da
auto-estigmatização gerados pelo desemprego porque, além de um certo ponto (e
especialmente se o desemprego estiver concentrado em certas regiões ou
indústrias), uma pessoa não pode mais ser responsabilizada em termos de fracasso
ou culpa individual.
À luz dos dados e prognósticos econômicos atuais, não parece de todo irrealista
esperar um drástico declínio no potencial de absorção do mercado de trabalho num
futuro próximo; provavelmente, estas condições reduzirão ainda mais os períodos
médios de trabalho como proporção do tempo de vida ou, ao contrário, fomentarão o
crescimento de um amplo setor "marginalizado" da população, fora da esfera do
emprego "vantajoso" (15).
Tomadas em conjunto, estas circunstâncias fazem parecer improvável que o
trabalho, a realização e a ambição continuem a desempenhar um papel central,
como norma que integra e conduz a existência pessoal. Tampouco parece provável
que esta norma de referência possa ser politicamente reativada ou reabilitada.
Recentes tentativas de "remoralizar" o trabalho e tratá-lo como a categoria central da
existência humana devem, por conseguinte, ser consideradas um sintoma da crise,
mais do que uma cura.
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Significação maior pode, portanto, ser atribuída ao segundo dos mecanismos
destacados acima para condicionar as atitudes das pessoas em relação ao trabalho
- regulação através de incentivos positivos das recompensas obtidas por meio do
trabalho e/ou incentivo negativo da penúria, que deve ser evitada pelo trabalho.
Estes mecanismos correspondem à relação "instrumental" com o trabalho,
moralmente neutralizada, descrita por Goldthorpe. Entretanto, tal como acima,
gostaria de especificar alguns dos obstáculos que também parecem bloquear a
eficácia deste mecanismo.
Em primeiro lugar, estudos recentes em psicologia econômica indicam que o efeito
motivador do salário opera assimetricamente (Scitovsky, 1976; Hirsch, 1977). O
crescimento individual e (mais ainda) o coletivo da renda não aumentam (ou
aumentam muito pouco) o sentido do bem-estar ou da satisfação coletiva, e podem
muito bem conduzir até mesmo à sua diminuição. "A utilidade marginal do dinheiro é
diferente para a redução da insatisfação e a produção da satisfação" (Lane, 1978; p.
803). Em outras palavras, o efeito motivador das alterações na renda, pelo menos
em um nível relativamente alto de renda, aparece apenas negativamente, como um
efeito punitivo. "Bens de consumo, e a renda, para comprá-los, têm uma relação
bastante fraca com as coisas que fazem a felicidade das pessoas: autonomia, auto-
estima, felicidade familiar, lazer livre de tensões, amizades" (Lane, 1978, p. 815),
enquanto "a satisfação com atividades não relacionadas com o trabalho contribui
mais do que qualquer outro fator para a satisfação existencial" (Lane, 1978, p. ,817).
Portanto, especulações sobre os efeitos motivadores positivos do crescimento da
renda podem perder muito de sua plausibilidade, pelo menos nos níveis de salário e
de saturação com bens de consumo atingidos na Europa Ocidental.
Se as mudanças positivas e negativas na renda incentivam apenas limitadamente na
quantidade e na qualidade dos esforços no trabalho, isto se aplica ainda mais
quando se compara a renda com a "não-utilidade", subjetivamente experimentada,
ligada ao trabalho.
Na Sociologia Industrial uma série de conclusões sugere a noção de um hiato
crescente entre os aumentos percebidos da não-utilidade do trabalho, de um lado, e
o declínio da satisfação intrínseca, de outro.
Durante a década de 70, a força de trabalho tornou-se mais sensível (e crítica ) às
fadigas físicas e psicológicas do trabalho e seus conseqüentes riscos de saúde e de
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desqualificação. Isto resultou no aumento da reivindicação sindical sobre condições
de trabalho e estimulou, mesmo ocasionalmente fora dos sindicatos, debates sobre
o abandono da luta por melhores condições de trabalho, como inviável, e sua
substituição por uma luta contra o trabalho e sua forma industrial. Acima de tudo,
esta sensibilidade ganhou "reconhecimento diplomático", na forma de programas
estatais para a "humanização" do trabalho.
Tudo isto foi reforçado por uma sensibilidade crescente para os custos sociais e
ecológicos da produção, inclusive aqueles não necessariamente concentrados no
local de trabalho e em empresas específicas. Permanece questão aberta se esta
evolução pode ser melhor explicada pela crescente violação das demandas
permanentes relativas à qualidade do trabalho ou pelo aumento destas demandas
(isto é, com referência à "defesa das necessidades" ou a "demandas emergentes").
Não obstante, fica claro que a maioria destas demandas ainda não foi satisfeita. Se
a crescente sensibilidade de largas parcelas da força de trabalho para a utilidade
negativa do trabalho assalariado coincidir com a percepção de um declínio no valor
de uso de seus produtos, pode-se esperar uma perda crescente na relevância
subjetiva do trabalho assalariado ou uma aceitação decrescente de suas condições
físicas, psicológicas e institucionais. É sintomático desta possibilidade o fato de que
a tradicinal reivindicação sindical por um efetivo "direito ao trabalho" - uma demanda
que atualmente já possui um pronunciado tom utópico - seja criticada como
insuficiente, e, portanto, refraseada numa demanda pelo "direito ao trabalho útil e
significativo" (Mueckenberger, s/d).
Evidências adicionais desta possibilidade são fornecidas pela discussão travada
pelos sindicatos, durante a segunda metade da década de 70, sobre a necessidade
de uma forma "qualitativa" de crescimento, que problematize explicitamente o "valor
de uso" concreto, tanto dos inputs quanto dos outputs do processo de trabalho (16).
A redução da renda pode; evidentemente, ter um efeito disciplinador nas disposições
dos trabalhadores. Argumentos persuasivos contra a probabilidade deste resultado
têm sido, entretanto, levantados até pelos economistas neo-liberais. Ressalta-se que
o princípio básico (esposado pelo apóstolo Paulo e por Josef Stálin) de que "quem
não trabalha não deve comer" não está fortemente institucionalizado nos welfare
state liberais. Na medida em que o feed back imediato entre trabalho individual e
renda individual está dissolvido em relações coletivizadas e sancionadas pelas
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instituições e pelas exigências legais do welfare state, assim como por grandes
empresas e pela negociação salarial coletiva, desenvolve-se inevitavelmente um
problema clássico de bens coletivos – o de desvincular ações e suas conseqüências
para os atores individuais.
Utilizando este argumento para uma crítica ao welfare state, pode-se dizer que a
fuga individual da compulsão para o trabalho, imposta (idealmente) pelo mercado,
não é mais punida automaticamente e que, inversamente, os esforços individuais
não são mais julgados "vantajosos", porque serão engolidos por encargos fiscais e
para-fiscais. Ao contrário, torna-se até racional para o empregado, que contribui
individualmente para sistemas coletivos de seguro, reclamar mais benefícios que
aqueles pelos quais pagou, agindo portanto como um "carona" do welfare state;
torna-se também racional para o investidor "aguardar" até que a dose antecipada de
auxílios e subsídios econômicos e políticos reduza o grau de risco a praticamente
zero (17).
Os críticos conservadores do welfare state esperam que emerjam evoluções
decisivas a partir destes arranjos, porque eles subvertem os fundamentos da
racionalidade dos processos de troca, e de sua regra de equivalência.
A lógica destas evoluções consiste em que as condições objetivas para a
estabilidade do sistema econômico não podem mais ser suficiente, efetiva, confiável
e rapidamente transformadas em orientações subjetivas de atores individuais. Na
estrutura irreversível do welfare state e da democracia pluralista, só se pode esperar
um nível adequado de responsabilidade individual diante das sistemáticas
tendências à crise, se existir uma efetiva infraestrutura moral de regras de
solidariedade e de obrigações para com o trabalho. Estas são consideradas
indispensáveis para evitar efetivamente o “caronismo”, estimulado pela política
social e o adiamento estratégico dos investimentos, possibilitado pelas políticas
econômicas intervencionistas.
É altamente duvidoso que as atitudes em relação ao trabalho possam ser
"remoralizadas", pelas razões acima mencionadas. Além disso, um compromisso
sócio-ético, recíproco e obrigatório, por parte dos investidores, não pode ser
realisticamente concebido na estrutura da ordem econômica existente.
Igualmente irrealista (e freqüentemente admitida até por seus protagonistas) é a
proposta da crítica neo-liberal ao welfare state, de "individualizar" as relações de
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troca dos mercados de trabalho e de capital, através da redução das
responsabilidades do Estado com relação ao bem-estar social e econômico da
sociedade. Uma cura tão radical, através do retorno ao "individualismo" e à
"regulação pelo mercado", colocaria em sério perigo a relativa harmonia social da
sociedade do trabalho, que historicamente só foi conquistada através de um sistema
de distribuição e seguro coletivos, garantido pelo Estado.
Neste sistema, pode haver pouca confiança no individualismo e no direto efeito
disciplinador e legitimador da penúria econômica como um dos meios integrativos da
sociedade. Aliás, este ponto é especialmente confirmado por recentes análises
marxistas, que enfatizam que o mecanismo do exército de reserva perdeu sua
eficácia geral devido, entre outros fatores, ao caráter crescentemente "heterogêneo"
do trabalho social (discutido acima) (Bowles & Gintis, 1982; Berger, 1981).
Um fortalecimento da ganância universal, ou uma diminuição das demandas
salariais e das expectativas sobre a qualidade do trabalho, também são difíceis de
esperar, como resultado da longa experiência de desemprego e subemprego em
massa, especialmente quando estiverem concentrados em certos bairros, cidades,
regiões, setores econômicos, grupos etários ou étnicos. Ao invés de estimular a
ambição dos indivíduos, estas situações conduzem os atingidos pela adversidade a
retraimentos fatalistas ou a autointerpretações coletivas que responsabilizam as
políticas econômicas, de mercado e sociais do Estado pela situação destes grupos
marginalizados e desprivilegiados.
A significação nitidamente crescente das barreiras "adscritas" que bloqueiam a
entrada no mercado de trabalho em geral, ou em suas partes preferenciais, torna
impossível, por definição, superá-las através da adaptação individual. Mesmo onde a
possibilidade de adaptação não está logicamente excluída, a disposição para
adaptar está empiricamente distribuída de maneira paradoxal: os esforços de
reciclagem e mobilidade regional são desproporcionalmente realizados por aqueles
grupos de empregados, cuja posição no mercado de trabalho menos obriga à
reciclagem e à mudança, enquanto são precisamente os menos móveis, em termos
de residência e de capacitação, os mais severamente ameaçados pela possibilidade
de desemprego.
Estes aspectos paradoxais do mercado de trabalho são evidentes na Grã-Bretanha,
na Itália e nos Estados Unidos e estimulam o prognóstico de que, onde quer que se
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concentre o desemprego estrutural, subculturas baseadas numa "economia
informal", ou "subterrânea", empobrecida poderiam se desenvolver. Provavelmente,
os membros destas subculturas são, no mínimo, passivamente hostis aos valores e
normas legais da "sociedade do trabalho", e poderiam facilmente juntar-se em uma
"cultura do desemprego" subproletária, uma "não-classe de não-trabalhadores"
(Gorz).
Na Alemanha Ocidental também há indicações da emergência de uma "sociedade
dividida", marcada por um núcleo produtivo e uma periferia crescente de pobres
sustentados (Esser, 1979). Gerhardt Brandt, por exemplo, distingue entre uma
"simples" polarização da população assalariada, que poderia ser descrita por meio
de categorias sociológicas tradicionais, como qualificação e autonomia, e uma
polarização "ampliada"; que ocorre entre setores cruciais da sociedade do trabalho e
"pessoal não-qualificado e permanentemente desempregado ou irregularmente
empregado" (18).
Acima de tudo, este breve resumo das descobertas e reflexões das ciências sociais
a respeito da relevância subjetiva e do potencial de organização da esfera do
trabalho aponta para uma "crise da sociedade do trabalho".
Uma sociedade capitalista industrial, altamente desenvolvida e conduzida por um
welfare state igualmente desenvolvido, tende evidentemente a excluir crescentes
porções da força de trabalho social da participação na esfera do trabalho
assalariado. Tampouco esta sociedade tem à sua disposição os recursos culturais
ou as sanções econômicas necessárias para estabilizar a centralidade subjetiva da
orientação para o trabalho, a realização e os salários, através de regras culturais ou
da coerção silenciosa dos processos do mercado. O trabalho foi não só
objetivamente deslocado de seu status de fato da vida, central e auto-evidente;
como conseqüência desta evolução objetiva, mas inteiramente contrária aos valores
oficiais e aos padrões de legitimação desta sociedade, o trabalho está sendo privado
também de seu papel subjetivo como a força motivadora central na atividade dos
trabalhadores.
NOTAS:
1 - "A Revolução Industrial solapou metodicamente o antigo sistema no qual o
trabalho, a família e o lazer constituíam partes de um mesmo conjunto, representado
como um todo indiferenciado." (Kumar, 1979, p. 14).
2 - "Através da divisão de trabalho, o indivíduo se torna consciente de sua
dependência em relação à sociedade. (...) A divisão de trabalho se torna a fonte
principal de solidariedade social." (Durkheim, 1960, pp. 62 e 400).
3 - Esta mudança de perspectiva, assim como a tese de uma "determinação
especificamente política" dos processos industriais, que necessitam de uma "vitória
da separação científica e prática entre indústria e políticas", são ambas ilustradas
por G. Dörr e F. Naschold (1982) e por U. Jürgens e F. Naschold (1982).
4 - Segundo U. Beck (1981), "todo o paradigma da estratificação e das teorias de
classe deve ser discutido, a partir da força de seu realismo". (p 52) Beck menciona
uma "pluralização de formas de vida (...) que rompe os limites do esquema,
firmemente estabelecido de estratificação e diferenciação de classe", (p. 52) e de
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"um „estrato de renda‟ que não corresponde a nenhum tipo adotado de forma de
vida". (p. 53) S. Hradil (1982) adota uma abordagem similar:
"A abordagem sociológica da estratificação não revela todo o extraordinário domínio
da desigualdade social (...) O modelo de desigualdade utilizado pela sociologia da
estratificação evidentemente "funcionou" melhor no passado que hoje em dia. (...)
Em geral, são precisamente as formas de desigualdade social, especialmente
evidentes nos últimos tempos, que não sustentam os dogmas básicos da sociologia
da estratificação. Assumiu-se (falsamente) que fatores estruturais específicos (isto é,
renda e status) são, em larga medida, igualmente relevantes para a vida de todos os
membros da sociedade".
Também consistentes com esta orientação são a elaboração e a aplicação do
conceito de uma "welfare class" por R. M. Lepsius (1979).
5 - O significado quantitativo da divisão dos "trabalhadores em geral" em formas de
trabalho produtivas e produtoras de serviços só fica claro se não as desagregarmos
por "setores" (como em geral é feito), mas por postos. O mini-censo de 1980
realizado na Alemanha Ocidental indicou que aproximadamente 27% dos
assalariados estão engajados em atividades que lidam principalmente com a
manufatura e a produção de bens materiais, enquanto a maioria esmagadora (73%)
produz serviços. Ver J. Gerger e C. Offe (1980), U. Berger e C. Offe (1981) e C. Offe
(1985).
6 - Uma vez que se concentram apenas no "vínculo" motivacional dos trabalhadores
a seu trabalho, estes dois casos (e suas variantes empíricas) não contemplam a
possibilidade de que o trabalho "puro" (isto é, em sua forma moderna, de uma esfera
especial e agudamente diferenciada de ação social) possa ser relativizado e
enriquecido com elementos extraídos da esfera da família e do consumo, de um
lado, e das esferas público-políticas, de outro. Esta possibilidade de tentar reunir o
trabalho a outras esferas da vida (através de programas de humanização do
trabalho ou da expansão de atividades autônomas e pessoais no âmbito doméstico)
domina a maior parte da discussão sobre o "futuro do trabalho" na Sociologia e na
Ciência Política contemporâneas. Ver a contribuição de F. Benseler et alii (1981) e
de C. Offe (1985).
7 - Este hedonismo é bastante evidente na indústria do turismo e do lazer, cujos
prospectos parecem, às vezes, um manifesto contra o trabalho. Observem, por
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exemplo, este anúncio publicado no Neue Westfälische Zeitung em 17 de março de
1982: "Leve o seu lazer a sério. Ele é a parte mais importante de sua vida!"
8 - Ver H. Braverman (1974). Inúmeros estudos em Sociologia Industrial confirmam a
tendência para a "exploração da qualificação, da experiência e do conhecimento"'
(E. Hildebrandt, 1980, p. 75):
"Auto-iniciativa, pensamento criativo, capacidade para tomar decisões e
responsabilidade social tornaram-se não apenas supérfluos enquanto atributos
humanos fundamentais, mas foram suprimidos como disfuncionais. Pouco a pouco,
o processo de produção força os assalariados a renunciar à sua competência
ocupacional e social, à formulação do próprio trabalho, assim como às próprias
idéias sobre o trabalho concreto.
9 - Atualmente, os conhecidos sentimentos e observações sobre "pular fora"
(dropping out) contrastam com a “idéia de uma vocação": "Muitas pessoas, inclusive
aquelas que estão trabalhando duro, separaram sua conduta e sua auto-imagem (...)
de sua experiência profissional (...) sem desenvolver uma nova forma de identidade
além do trabalho". (F. R. Volz, 1982, p. 46).
10 - Em um relatório de pesquisa do SOFI, um dos trabalhadores entrevistados
reduziu este ponto a uma fórmula concisa: "Hoje em dia ninguém mais é
adequadamente formado para ser um trabalhador".
11 - "O tempo liberado pela contração do trabalho é livre no sentido de perda de
estrutura." (R. Dahrendorf, 1980, p. 753) Evidentemente, esta tese é relativizada
pelas descobertas empíricas sobre as atitudes em relação ao lazer, que identificam
o efeito restritivo do emprego nessa esfera. Os limites externos estabelecidos pelo
trabalho consistem, subjetivamente, na exaustão física, nervosa e social ou na
desativação da força de trabalho, produzida por esta exaustão, e objetivamente no
fato de que a maioria das formas institucionalizadas de lazer (como, por exemplo, o
turismo) depende em larga medida de uma renda disponível. Apesar disto, não se
pode falar de uma "estruturação" do lazer pelo trabalho, mas antes de uma
"limitação" ou de um "condicionamento".
12 - D. Anthony (1980, p. 419) explica a santidade do trabalho na cultura ocidental, a
"ideologia do trabalho", pelo mecanismo de dissonância-redução, como uma
exaltação normativa da realidade: (International Social Science Journal, n °32, 3
(1980)
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"Como o trabalho tem sido sua sina desde tempos imemoriais, o homem o investiu
com um pouco da significação que ele acredita existir na vida."
O substrato destas normas culturais está, entretanto, em processo de dissolução.
A visão tradicional exige agora sérias modificações (...) Estas mudanças têm várias
conseqüências, que ameaçam a continuação da "ideologia do trabalho", pois tornam
desnecessário ou inútil para a sociedade salientar a importância dominante do
trabalho e a zelosa adesão à sua disciplina. Elas também significam que a unidade
coincidente entre vida e trabalho não existe mais a vida do homem parece tornar-se,
de várias formas, cada vez mais independente do trabalho.
Ver ainda D. Anthony (1977) C. Jenkins e B. Sherman (1979).
13 - Todas as indicações sugerem que as conclusões de Kumar para a Inglaterra
podem ser estendidas ao restante da Europa Ocidental: "Estamos diante de um
futuro em que o desemprego será uma experiência normal, e nada aberrante, de
toda a população". (Kumar, 1979, p. 25)
14 - Na Alemanha Ocidental, por exemplo, um em cada dois trabalhadores e um em
cada três empregados em serviços são aposentados antes de atingir a idade-limite.
De outro lado, um em cada seis trabalhadores e um em cada dez empregados em
serviços tornam-se cronicamente incapazes, antes dos 50 anos, de exercer qualquer
atividade remunerada. Estas transformações da estrutura temporal e social da
existência "Pós-industrial" são freqüentemente reforçadas por diferentes
expectativas: "Quanto mais tempo as pessoas passam fora da força de trabalho
assalariado, antes e durante uma carreira profissional, mais elas descobrem que o
trabalho não representa mais um foco suficiente de organização de suas vidas". (F.
Block e L. Hirschorn, 1979, p. 374)
15 - Certamente este ponto não deveria ser simplificado demais, porque a
descentralização moral do trabalho resulta numa perda de significado em si. Esta
perda, que acompanha a experiência do desemprego, pode ser produzida pela
desorganização do life-world. A veemente reação contra esta experiência
(antecipada) e em favor do trabalho "significativo", que contribua para a auto-
realização, pode ser encontrada particularmente entre os jovens, como indica o
exemplo dos Estados Unidos, descrito por B. Berger. Esta reação se observa
principalmente em favor de serviços organizados pelo Estado e é, a este respeito,
irrealista e "estruturalmente inadequada". A autora ressalta o problema de uma
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"contradição entre as aspirações ocupacionais e o mercado de trabalho existente".
(B. Berger, 1974, p.61)
16 - Com relação a este ponto, ver minha discussão altamente especulativa,
"Alternative Strategies in Consumer Policy” (C. Offe, 1984, pp. 220-38).
17 - Sobre esta questão, ver W. A. Jöhr (1976), assim como a crítica empírica a esta
tese, tentada por P. Windolf (1982). Para uma crítica detalhada do welfare state, ver
C. Offe (1984).
18 - Ver G. Brandt (1980, p. 19). Mais aguda é a observação de C. Deutschman
(1981): "Não são os conflitos trabalhistas gerados pela „subordinação real‟, mas
antes um falta generalizada de trabalho, a impossibilidade de basear nele a
segurança social, que parece estar se desenvolvendo como o problema social
predominante do futuro".
19 - As reorientações políticas e estratégicas impostas à esquerda pela
descentralização objetiva e subjetiva do trabalho tornaram-se bastante evidentes
desde meados da década de 70. Considerem as seguintes citações: "Formas
obreiristas de ideologia socialista são incapazes de articular várias questões
significativas para a população e, em parte por esta razão, têm uma ocorrência e um
efeito apenas setoriais". (B. Hindess, 1981, p. 42) "O movimento e as reações
antinucleares marcam uma mudança considerável no campo político. É a primeira
vez que os problemas do trabalho e da produção deixaram de ocupar a posição
central na vida política". (A. Touraine, 1981) "Certamente os impulsos anticapitalistas
não desapareceram, porém eles provêm cada vez mais de outras variáveis (idade,
papéis sexuais, arranjos territoriais, posição no mercado de trabalho) do que da
condição dos trabalhadores assalariados em si". (A. Melucci, 1981, p. 124). Ver
ainda S. Lipset (1981)
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OCORRÊNCIA DE ACIDENTE DO TRABALHO EM UMA UNIDADE DE
TERAPIA INTENSIVA1
I
Vera Médice Nishide ;
II
Maria Cecília Cardoso Benatti ;
II
Neusa Maria Costa Alexandre
RESUMO
Este estudo, de caráter descritivo, identificou os acidentes do trabalho ocorridos com
trabalhadores de enfermagem de uma unidade de terapia intensiva,
correlacionando-os com o procedimento que estava sendo executado pelo
trabalhador no momento do acidente. Os dados foram coletados por meio de
entrevista individual, realizado com 68 trabalhadores, no ano de 2001. Constatou-se
que os acidentes ocorreram, predominantemente, devido ao contato da pele e da
mucosa com sangue e secreções, ferimento por material perfurocortante, queda e
lesões na coluna vertebral. Os acidentes acontecidos estavam relacionados aos
procedimentos de aspiração de tubo orotraqueal, manuseio de excretas/secreções,
preparo de medicação, coleta de sangue arterial, piso molhado e transporte de
paciente. Concluiu-se que são necessárias mudanças no ambiente de trabalho e
programas de prevenção, para minimizar os acidentes em procedimentos de
assistência aos pacientes.
Descritores: hospitais; saúde ocupacional; acidentes do trabalho; unidades de
terapia intensiva; enfermagem
INTRODUÇÃO
O ambiente de trabalho hospitalar tem sido considerado insalubre, por agrupar
pacientes portadores de diversas enfermidades infectocontagiosas e viabilizar
muitos procedimentos que oferecem riscos de acidentes e doenças para os
trabalhadores da saúde. Poucos locais de trabalho são tão complexos como um
hospital. Além de prover cuidado básico de saúde a um grande número de pessoas,
muitos são freqüentemente centros de ensino e pesquisa. Como resultado, existem
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riscos potenciais aos quais os trabalhadores hospitalares podem estar expostos,
dependendo da atividade que desenvolvem e o seu local de trabalho.
Considera-se acidente de trabalho quando existe uma colisão repentina e
involuntária entre pessoa e objeto, a qual ocasiona danos corporais (lesões, morte)
e/ou danos materiais. Por ser repentino, o acidente se diferencia da doença
ocupacional adquirida em longo prazo(1). Na prevenção de acidentes, os esforços
devem ser concentrados inicialmente na eliminação dos perigos e/ou eliminação dos
riscos, não permitindo interação direta entre pessoas e perigos e, posteriormente,
orientações e fornecimento de equipamentos de proteção individual. Com a
combinação dessas medidas, é possível obter melhores resultados na prevenção de
acidentes do trabalho e de doenças ocupacionais.
As instituições hospitalares brasileiras começaram a se preocupar com a saúde dos
trabalhadores no início da década de 70, quando pesquisadores da Universidade de
São Paulo (USP) enfocaram a saúde ocupacional de trabalhadores hospitalares.
Na análise de 1506 acidentes de trabalho no Hospital das Clínicas da USP, foram
encontradas lacerações e ferimentos, contusões e torções como as mais freqüentes
causas de afastamento do trabalho(2). As dores nas costas representam um
expressivo problema para os trabalhadores de enfermagem hospitalar. Em estudo
realizado em Campinas, Estado de São Paulo, foi atribuído como fator de risco para
as lombalgias o transporte e a movimentação de pacientes, a postura inadequada e
estática, e a inadequação do mobiliário e dos equipamentos (3). Ao analisar as
condições ergonômicas da situação de trabalho do pessoal de enfermagem em uma
unidade de internação hospitalar, constatou-se que a execução da atividade de
movimentação de pacientes acamados pelos trabalhadores de enfermagem foi a
mais desgastante fisicamente. Associou-se a esse desgaste a inadequação dos
mobiliários e as posturas corporais adotadas pelos trabalhadores de enfermagem (4).
Em uma população de 1218 trabalhadores de enfermagem de um hospital
universitário, foi constatada incidência acumulada de 8,2% de acidentes de trabalho.
Neste estudo caso-controle, a autora(5) concluiu que os indivíduos ficam propensos
aos acidentes nas situações em que existe falta de tempo para descanso e adotam
posturas cansativas e forçadas durante o trabalho. Estudando os acidentes
ocupacionais e situações de risco em hospitais das redes pública e privada do
município de São Paulo(6), foi observado que as agulhas foram responsáveis por
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77,5% dos casos de acidentes, sendo que a falta de material apropriado, a
sobrecarga de atividades, a falta de conscientização sobre os riscos e a falta de
observação das medidas de segurança foram os principais fatores de risco que
interferiram nesses acidentes.
Historicamente, os trabalhadores da área da saúde não eram considerados como
categoria profissional de alto risco para acidentes do trabalho. A preocupação com
os riscos biológicos surgiu, somente, a partir da epidemia da HIV/AIDS nos anos 80,
onde foram estabelecidas normas para as questões de segurança no ambiente do
trabalho.
A equipe de enfermagem é uma das principais categorias ocupacionais sujeita à
exposição por material biológico. Esse número elevado de exposições relaciona-se
ao fato dos trabalhadores da saúde terem contato direto na assistência aos
pacientes e também ao tipo e à freqüência de procedimentos realizados (7). A grande
maioria das exposições percutâneas está associada à retirada de sangue ou à
punção venosa periférica (30 a 35% dos casos), entretanto, existem as exposições
envolvendo procedimentos com escalpes, flebotomia, lancetas para punção digital e
coleta de hemocultura(7). A transmissão ocupacional do HIV de pacientes a
trabalhadores da saúde poderá ocorrer mais freqüentemente por via percutânea ou
através de mucosas, por contato com sangue ou fluidos corpóreos. Segundo
estudos prospectivos com trabalhadores da saúde, estima-se que o risco médio para
transmissão do HIV, após exposição percutânea a sangue HIV positivo é
aproximadamente de 0,3%(8-9), e após exposição de mucosas, de 0,09%(9-10). A
soroprevalência de infecção para hepatite B entre trabalhadores da saúde é de três
a cinco vezes maior que na população em geral, sendo os mais acometidos aqueles
que mais realizam procedimentos invasivos. Já, em relação à hepatite C, a
inoculação percutânea é uma das formas documentadas de transmissão do vírus,
entretanto, os dados sobre a transmissão ocupacional são limitados (11).
No Brasil, os trabalhadores de enfermagem, através de uma concepção idealizada
da profissão, submetem-se aos riscos ocupacionais, sofrem acidentes do trabalho e
adoecem, não atribuindo esses problemas às condições insalubres e aos riscos
oriundos do trabalho(12). Em estudo realizado(13) para verificar o conhecimento dos
trabalhadores de saúde hospitalar no desenvolvimento de suas atividades,
constatou-se que eles conhecem os riscos de forma genérica e que esse
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conhecimento não se transforma numa ação segura de prevenção de acidentes e
doenças ocupacionais, apontando para a necessidade de uma ação que venha
modificar essa situação.
A razão significativa para a escolha deste tema foi prosseguir os estudos iniciados
no trabalho "Elaboração e implantação do mapa de riscos ambientais para
prevenção de acidentes do trabalho em uma unidade de terapia intensiva de um
hospital universitário"(14). Também significativa é a participação das autoras no grupo
de Pesquisa em Saúde do Trabalhador e Ergonomia do Diretório dos Grupos de
Pesquisa no Brasil, do CNPq.
Portanto, a análise de ocorrência de acidente do trabalho em uma Unidade de
Terapia Intensiva (UTI), tema do estudo proposto, justifica-se pela atualidade e pela
contribuição ao atendimento do processo saúde-doença dos trabalhadores em
unidade de atendimento hospitalar.
OBJETIVOS
Identificar os acidentes do trabalho ocorridos com os trabalhadores de enfermagem
de uma Unidade de Terapia Intensiva.
Verificar a relação dos acidentes do trabalho com o procedimento que estava sendo
executado pelo trabalhador no momento do acidente.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico. A população deste estudo constituiu-se de
todos os trabalhadores lotados no quadro contratual de pessoal de enfermagem de
uma Unidade de Terapia Intensiva de um hospital universitário. Para inclusão na
amostra, considerou-se o pessoal que realizava assistência direta aos pacientes e
que aceitou participar do estudo. Foram excluídos aqueles que estavam em licença-
gestante no período da coleta de dados. Para coleta de dados, utilizou-se um
questionário desenvolvido especificamente para este estudo. Esse instrumento foi
desenvolvido tendo como suporte teórico bibliografia sobre o tema, contendo dados
de identificação e questões referentes ao acidente de trabalho tais como: as causas,
os agentes causadores, o local de ocorrência, o procedimento executado no
momento do acidente, a utilização de equipamentos de proteção individual, os
motivos, segundo a opinião dos trabalhadores, o horário e a notificação do acidente.
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Para avaliar a validade do conteúdo, o questionário foi submetido à apreciação de
três docentes da área de Saúde Ocupacional e três profissionais da assistência da
mesma área. Após a validação do conteúdo e realizadas as reformulações
sugeridas, foi realizado um teste piloto com trabalhadores da UTI-Pediátrica da
mesma instituição. A coleta de dados foi realizada através de entrevista no próprio
local de trabalho, durante o período de 12 de fevereiro a 22 de março de 2001, por
um enfermeiro independente que foi devidamente treinado. Os dados foram
organizados no programa Excel 97 e a análise estatística foi executada com o
programa Statical Analysis System (SAS). Foi realizada análise descritiva dos dados
e, para analisar a relação entre variáveis categóricas, utilizou-se o teste Qui-
Quadrado e o teste Exato de Fisher. Utilizaram-se também os testes não-
paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.
O projeto obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e os
participantes assinaram um termo de consentimento livre e informado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram do presente estudo 68 trabalhadores, sendo 30 enfermeiros, 13
técnicos de enfermagem e 25 auxiliares de enfermagem.
Em relação às características gerais dos sujeitos, observou-se que
predominantemente pertenciam a categoria profissional de enfermeiro (44%), ao
sexo feminino (88%), eram casados (50%), com idade mais incidente entre 30 e 40
anos (50%), com tempo de trabalho na unidade e na atual função entre três meses e
15 anos. A maioria dos trabalhadores era do plantão noturno (53%), tinham outro
emprego (31%), sendo o maior índice de outro emprego o plantão da tarde (43%).
Dos participantes, 28% freqüentava escola regularmente, sendo constatado uma
diferença significativa (p=0,016 - teste Qui-Quadrado) entre as diferentes categorias
de enfermagem, com predomínio para a categoria auxiliar de enfermagem (63%).
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Na população estudada, 30 trabalhadores de enfermagem foram acometidos por
acidentes de trabalho no período de fevereiro de 2000 a janeiro de 2001, o que
representa um índice de 44%. Entre as categorias profissionais, foi o auxiliar de
enfermagem quem mais sofreu acidentes (48%), seguido pelo enfermeiro (43%) e
técnico de enfermagem (39%).
Aparentemente, analisando-se os acidentes (Figura 2), a ocorrência através de
ferimento por material perfurocortante foi a de maior incidência (40%). Entretanto,
quando agrupado o contato da pele e mucosas com o sangue e excretas,
evidenciou-se que esses foram os acidentes de maior incidência (50%).
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Avaliando as atividades que os trabalhadores de enfermagem estavam
desenvolvendo quando se acidentaram, foram encontrados os objetos e/ou agentes
causadores desses acidentes (Figura 3).
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contato com agentes biológicos através de secreção traqueal dos pacientes
entubados ou traqueostomizados.
Os acidentes, que envolveram desprezar excreta/secreção, (10%) atingem
normalmente o trabalhador por espirro em pele e mucosas da face, da boca e dos
olhos. Essa é uma atividade realizada essencialmente pelo técnico e auxiliar de
enfermagem e ocorre quando as secreções de frasco de aspiração, a urina, as
fezes, o líquido hemodialítico drenado são desprezados.
A coleta de sangue para exame de gasometria envolveu 7% dos acidentes do
trabalho, técnica realizada pelo enfermeiro de UTI e muito freqüente, expondo o
trabalhador a acidente perfurante com presença de sangue do paciente. Segundo o
Conselho Federal de Medicina, os acidentes com agulhas ocas (para coleta de
sangue) constituem maior risco de contaminação para o vírus da hepatite B e HIV do
que os acidentes em que a agulha é compacta (agulha de sutura), pois, nesse caso,
o volume de sangue é menor(15). O risco para infecção por HIV aumenta após
exposição percutânea, quando um procedimento envolve agulha colocada
diretamente em veia ou artéria e a profundidade do ferimento (8).
Muitas atividades desenvolvidas pelos trabalhadores de enfermagem envolvem o
fato de percorrerem corredores externos e internos à unidade, incluindo o transporte
de paciente para exames e para o centro cirúrgico de urgência, a transferência de
paciente para as unidades de internação, o encaminhamento de óbito para o serviço
de anatomia patológica, a devolução e retirada de material e instrumental na central
de material esterilizado, e outros. Entre os acidentes ocorridos, encontraram-se 7%
de quedas em corredor por piso molhado/úmido.
Em relação ao tempo decorrido, em horas, após o início da jornada de trabalho para
a ocorrência de acidente do trabalho, foi achada diferença significativa entre as
categorias profissionais (p=0,0290 - teste de Kruskal-Wallis), sendo, para os
enfermeiros, a mediana igual a duas horas (mínimo de uma e máximo de seis horas)
e para os técnicos e auxiliares de enfermagem seis horas (mínimo de uma e máximo
de 11 horas). Esses dados incluíram os acidentes com trabalhadores que realizavam
jornada de seis e de 12 horas.
Os dados demonstram que os acidentes com os enfermeiros ocorreram nas
primeiras horas de trabalho, o que pode ser explicado pelo tipo de atividade
desempenhada pelo profissional no início do plantão. Entre as atividades, podemos
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destacar o procedimento de coleta de sangue para exames laboratoriais,
principalmente, a punção arterial, de responsabilidade privativa desse profissional e
o preparo e administração de algumas drogas que exigem conhecimento
farmacológico.
Para os técnicos e auxiliares de enfermagem, os acidentes ocorreram durante toda a
jornada de trabalho, estando relacionados às atividades de higiene e conforto do
paciente, à organização da unidade, à retirada e encaminhamento de materiais e,
principalmente, à atividade de mensurar e desprezar urina, drenagens e secreções
dos frascos coletores e que são realizadas, na maioria das vezes, ao final do
plantão.
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Os 28% que consideraram o acidente sem risco, julgaram estar isentos de risco, por
terem perfurado o dedo durante o preparo de medicação com agulha estéril. Esse é
um acidente que, mesmo sem risco de contaminação, é preocupante, pois está
relacionado ao método de trabalho e atenção, podendo ocorrer em outra atividade
onde a agulha esteja contaminada. Essa situação também pode ocorrer em relação
ao contato de sangue, ao fluido corpóreo ou às excretas em pele íntegra, relatada
por 24% dos trabalhadores.
CONCLUSÕES
Este estudo possibilitou identificar os acidentes do trabalho ocorridos com os
trabalhadores de enfermagem de uma UTI, correlacionando-os com o procedimento
que estava sendo executado pelo trabalhador no momento do acidente.
Em relação ao acidente do trabalho, foi constatado, no período de fevereiro 2000 a
janeiro de 2001, índice de 44% de acidentes entre os trabalhadores de enfermagem
da UTI. A categoria profissional mais atingida foi a de auxiliar de enfermagem (48%),
seguida do enfermeiro (43%) e do técnico de enfermagem (39%).
Quanto ao tipo de acidente, foi encontrado índice acumulado de 50% para contato
de pele e mucosa com sangue e secreções, seguindo-se de 40% de ferimento por
material perfurocortante, 7% de queda por piso molhado e 3% por esforço físico.
A principal causa ou agentes causadores dos acidentes do trabalho foram as
agulhas, os frascos de secreção, a ruptura de membrana dializadora, os tubos,
cateteres e sondas, o piso molhado, a agitação de paciente e o transporte do
paciente obeso.
A respeito dos procedimentos que os trabalhadores estavam executando no
momento do acidente, foram muito variáveis: durante o preparo de medicação
(23%), aspiração de tubo orotraqueal (10%), desprezo de excreta/secreção (10%),
manuseio de cateter (10%), coleta de sangue arterial (7%), retirada de material pós-
procedimento (7%) e percurso em corredor (7%). Entre os procedimentos em que
ocorreram os acidentes, 47% estavam relacionados ao contato direto com o
paciente e 53% ao contato indireto e ao ambiente laboral.
Quanto à notificação dos acidentes, houve apenas 17% de notificação e 83% de
não-notificação. Os trabalhadores consideraram como o motivo principal da não-
notificação do acidente a ausência de risco, por se tratar de agulha estéril (28%) e o
contato de sangue e fluido corpóreo em pele íntegra (24%).
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Em relação à opinião dos acidentados sobre o motivo que ocasionou o acidente
ocorrido, os trabalhadores indicaram vários fatores, assumindo a culpa pelo ocorrido,
culpando o ambiente, os materiais e até o paciente.
No presente estudo, chega-se à conclusão que os acidentes podem ser evitados ou
minimizados com a utilização de equipamentos de proteção individual e com os
cuidados no manuseio de materiais perfurocortantes, sangue, fluido corpóreo e
excretas.
Também, na opinião das autoras, deve haver concentração de esforços e recursos
para mudanças no ambiente de trabalho, implementação de programas de
prevenção e conscientização de práticas seguras e o fornecimento, de forma
contínua e uniforme, dos dispositivos de segurança para todos os trabalhadores.
Espera-se que este estudo tenha contribuído para o conhecimento dos
procedimentos que expõem os trabalhadores de enfermagem a acidentes do
trabalho em unidade de terapia intensiva, reduzindo, dessa forma, sua ocorrência e
proporcionando maior segurança ao trabalhador no ambiente laboral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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7. Riscobiológico.[online]. Procedimentos clínicos [acessado em 21 abril 2001].
Disponível em:URL:http://www.riscobiológico.org/procedimentos clínicos.htm
[ Links ]
8. Cardo DM, Culver DH, Ciesielski CA, Srivastava PU, Marcus R, Abiteboul D, et al.
A case-control study of HIV seroconversion in health care workers after
percutaneous exposure. N Engl J Med 1997 Nov; 337(21):1485-90. [ Links ]
9. Centers for Disease Control and Prevention Update: U.S. Public Health Service
Guidelines for the Management of Occupational Exposure to HBV, HCV, and HIV.
Recommendations for Postexposure Prophylaxis. MMWR 2001 June; 50(RR-11):1-
42. [ Links ]
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saúde e medidas de proteção. In: Colibrini MRC, Figueiredo RM, Paiva MC,
organizadoras. Leito-dia em AIDS: uma experiência multiprofissional. São Paulo
(SP): Atheneu; 2001. p.139-57. [ Links ]
13. Oliveira BRG, Murofuse NT. Acidentes de trabalho e doença ocupacional: estudo
sobre o conhecimento do trabalhador hospitalar dos riscos à saúde de seu trabalho.
Rev Latino-am Enfermagem 2001 jan; 9(1):109-15. [ Links ]
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AFASTAMENTOS DO TRABALHO NA ENFERMAGEM: ocorrências
com trabalhadores de um hospital de ensino1
I II
Denise Beretta Barboza ; Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler
I
Enfermeira do Trabalho, Mestranda em Enfermagem, Docente do Curso de Graduação em
Enfermagem, e-mail: deniseberetta@bol.com.br
II
Enfermeira do Trabalho, Doutor em Enfermagem, Docente e Coordenador Geral do Curso de
Graduação em Enfermagem, Membro do Corpo Docente e de Orientadores da Pós-Graduação.
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
RESUMO
As condições laborais da equipe de enfermagem freqüentemente são marcadas por
riscos, os quais repercutem em elevado absenteísmo e licenças-saúde. O objetivo
deste estudo foi caracterizar os afastamentos entre trabalhadores de enfermagem
de um hospital geral de ensino da cidade de São José do Rio Preto-SP, registrados
durante o ano de 1999. Trata-se de uma investigação epidemiológica censitária, cuja
coleta de dados foi efetuada por meio de consulta aos registros do Centro de
Atendimento ao Trabalhador do hospital estudado. Os resultados indicaram que, no
período, 333 trabalhadores envolveram-se em 662 episódios de afastamento. As
licenças-saúde ocorreram, principalmente, por problemas geniturinário e doenças
mal definidas entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem; e doenças
dos órgãos dos sentidos, doenças infecta-parasitárias e doenças respiratórias entre
os atendentes de enfermagem. Os dados obtidos subsidiam melhor análise dessa
situação neste hospital e intervenções para melhoria das condições de trabalho
vigentes.
Descritores: absenteísmo, equipe de enfermagem, licença por motivo de saúde
INTRODUÇÃO
No contexto hospitalar, a enfermagem constitui-se na maior força de trabalho, e suas
atividades são freqüentemente marcadas por divisão fragmentada de tarefas, rígida
estrutura hierárquica para o cumprimento de rotinas, normas e regulamentos,
dimensionamento qualitativo e quantitativo insuficiente de pessoal, situação de
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exercício profissional que tem repercutido em elevado absenteísmo e afastamentos
por doenças.
Usualmente, a ausência ao trabalho é denominada absenteísmo, apesar de, por
definição, absentismo significar "o hábito de não comparecer, de estar ausente".
Então, neste estudo, os dois termos serão usados com significado similar(1).
Vários autores destacam que as condições de trabalho vivenciadas por muitos
trabalhadores da equipe de enfermagem, particularmente em ambiente hospitalar,
têm lhes ocasionado problemas de saúde, freqüentemente relacionados à situação e
setor de trabalho, provocando prejuízos pessoais, sociais e econômicos (2-6).
Na análise dos aspectos que podem influenciar as atividades no trabalho, abordam-
se os fatores intra, peri e extralaborais como: ambiente físico; riscos ocupacionais;
higiene, estruturação e segurança do setor de trabalho; situação social de vida e do
processo de trabalho do funcionário; organização e divisão das atividades; os meios
disponíveis para o exercício profissional; jornada, turno, alimentação e transporte;
situação social de moradia e deslocamento; interação pessoal e as relações entre
produção e salário(7-8).
Tratando-se especificamente do ambiente hospitalar, muito se tem falado e
publicado a respeito das condições inadequadas de trabalho vigentes em grande
parte dessas instituições, expondo seus trabalhadores a riscos de ordem biológica,
física, química, ergonômica, mecânica, psicológica e social. Os hospitais constituem-
se em locais de aglutinação de pacientes/clientes acometidos por diferentes
problemas de saúde, assistidos por trabalhadores diversos, da área da saúde ou
técnico-administrativas, e vários estudos têm apontado que os serviços de saúde,
em particular os hospitais, geralmente proporcionam aos seus trabalhadores,
principalmente da enfermagem, piores condições de trabalho em relação a outros
serviços(9-14).
Como conseqüência das condições inseguras de trabalho em instituições
hospitalares, no caso da equipe de enfermagem, têm sido freqüentes os acidentes
de trabalho, o absenteísmo e os afastamentos por doenças, o que tem dificultado a
organização do trabalho em diversos setores e, conseqüentemente, a qualidade da
assistência de enfermagem prestada.
O estudo das relações entre saúde-doença-trabalho tem merecido a atenção de
muitos pesquisadores na área de saúde ocupacional, destacando-se como prejuízos
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à saúde física e mental dos trabalhadores: prolongadas jornadas de trabalho; ritmo
acelerado de produção, por excesso de tarefas; automação por realização de ações
repetitivas com parcelamento de tarefas e remuneração baixa, em relação à
responsabilidade e complexidade das tarefas executadas. Em tais situações, muitas
vezes o trabalho deixa de significar satisfação, ganhos materiais e serviços sociais
úteis, para tornar-se sofrimento, exploração, doença e morte.
Freqüentemente, os trabalhadores de enfermagem estão sujeitos a condições
inadequadas de trabalho, provocando agravos à saúde, que podem ser de natureza
física ou psicológica, gerando transtornos alimentares, de sono, de eliminação,
fadiga, agravos nos sistemas corporais, diminuição do estado de alerta, estresse,
desorganização no meio familiar e neuroses, fatos que, muitas vezes, levam a
acidentes de trabalho e licenças para tratamento de saúde. Alguns autores
destacam os fatores ergonômicos relacionados a problemas ósteo-músculo-
articulares entre trabalhadores de enfermagem(15-17). Os agentes psicossociais
causadores de danos à saúde dos trabalhadores de enfermagem associam-se ao
contato freqüente com o sofrimento e a morte(9); a monotonia de atividades
repetitivas e parceladas e turnos rotativos de trabalho (18); fadiga que leva ao
estresse(2).
Ante o exposto, como enfermeiras do trabalho e diante de nossa experiência
profissional em hospitais, em especial no hospital-campo deste estudo, a questão
norteadora deste trabalho é a preocupação com a situação de trabalho e o processo
do adoecer entre trabalhadores de enfermagem desse hospital. Nesse contexto, foi
objetivo desta pesquisa:
- descrever os afastamentos do trabalho entre trabalhadores de enfermagem de um
hospital geral de ensino da cidade de São José do Rio Preto, registrados no Centro
de Atendimento ao Trabalhador (CEAT), no ano de 1999.
MÉTODO
Trata-se de uma investigação epidemiológica censitária, por meio de análise
retrospectiva do ano de 1999, sobre a situação de afastamentos entre trabalhadores
de enfermagem de um hospital de ensino. Ressalta-se que o estudo epidemiológico
é explicativo e também tem finalidade descritiva, mostrando questionamentos do
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fenômeno pesquisado quanto ao tempo, espaço, características, qual o ponto focal
da questão e se existem fatos circunstanciais(19).
Este estudo foi realizado em um hospital geral, de grande porte, da cidade de São
José do Rio Preto, região noroeste do estado de São Paulo, que tem finalidades de
prestação de assistência complexa e especializada, de ensino e de pesquisa. Em
1999, esse hospital contava com 700 trabalhadores de enfermagem, sendo 103
enfermeiros, 31 técnicos de enfermagem, 410 auxiliares de enfermagem e 156
atendentes de enfermagem, a maioria com turnos de trabalho de 36 horas
semanais, nos seguintes horários: manhã (7:00 às 13:00 horas); tarde (13:00 às
19:00 horas) e noite (19:00 às 07:00 horas - dias alternados - 12/36 horas).
Foram analisados os afastamentos do trabalho de profissionais de enfermagem
registrados no Centro de Atendimento ao Trabalhador (CEAT) desse hospital,
revelando-se que 333 trabalhadores foram acometidos, sendo 33 enfermeiros, 4
técnicos de enfermagem, 274 auxiliares de enfermagem, 22 atendentes de
enfermagem. É importante esclarecer que esses 333 funcionários envolveram-se,
nesse ano, em 662 episódios de afastamentos, o que deixa claro que alguns tiveram
mais de um afastamento.
Preservando-se os aspectos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos, este
projeto foi inicialmente encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), para
apreciação e aprovação, com prévia anuência da chefia do hospital. De posse da
autorização do CEP, procedeu-se à coleta dos dados junto ao CEAT da referida
instituição, tendo por base um formulário elaborado segundo dados da ficha de
atendimento individual do funcionário do ambulatório de saúde ocupacional. Os
dados obtidos foram organizados e analisados no programa Excel/98, sendo
configurados em forma de Tabelas e Figuras.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos foram agrupados segundo a caracterização da população e
quanto aos diferentes afastamentos do trabalho ocorridos em 1999, entre os
trabalhadores de enfermagem.
Caracterização da população: As Figuras 1 e 2 e a Tabela 1 mostram as
características dos sujeitos deste estudo. Nota-se a predominância de trabalhadores
de enfermagem do sexo feminino, pois, dos 333 funcionários da enfermagem
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afastados do trabalho, 271 (81,4%) foram mulheres. Desde os primórdios, a
enfermagem é exercida majoritariamente por mulheres, considerando-se que
cuidados aos enfermos mostram-se cultural e socialmente apropriados para o
trabalho feminino(20).
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Existem diferenças para o exercício profissional entre homens e mulheres, além de
ser comum a sobrecarga de trabalho das mulheres, visto que, muitas vezes,
conciliam atividades domésticas, às vezes em mais de um local de exercício
profissional, o que representa desgaste físico e mental que, cedo ou tarde, pode
repercutir em agravos à saúde(4,10,13-14,21-22).
Dos 333 funcionários envolvidos em 662 episódios de afastamentos, o auxiliar de
enfermagem foi a principal categoria de enfermagem acometida (82,3%) em 1999,
resultado que se aproxima dos encontrados em outros estudos, nessa
categoria(6,8,23).
Quanto à faixa etária, Tabela 1, predominaram os afastamentos entre trabalhadores
com 21 a 40 anos: 261 (78,3%), corroborando com os resultados encontrados em
outras pesquisas(6,10,13). Esse mesmo resultado difere do obtido em estudo sobre
doenças do trabalho e o exercício da enfermagem, onde ficou constatada maior
freqüência de afastamentos do trabalho na faixa etária de 50 a 55 anos (86,4%) (3).
Como mencionado anteriormente, os 333 funcionários deste estudo envolveram-se
em 662 episódios de afastamentos, sendo 66 entre os 33 enfermeiros, 7 entre os 4
técnicos de enfermagem, 550 entre os 274 auxiliares de enfermagem e 39 entre os
22 atendentes de enfermagem, como se verifica na Tabela 2. Pode-se constatar
que, dos 333 funcionários, 197 (59,1%) afastaram-se apenas 1 vez, sendo que, dos
outros funcionários que se afastaram mais de uma vez neste ano, a maioria teve de
2 a 4 afastamentos. Destaca-se um enfermeiro que se afastou 17 vezes e um
auxiliar de enfermagem que teve 22 episódios de afastamentos do trabalho.
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Para melhor caracterizar os afastamentos, os resultados serão daqui por diante
apresentados segundo os 662 episódios ocorridos no ano de 1999. Na Tabela 3,
onde se aborda o setor de trabalho, verifica-se que 36 (54,5%) dos enfermeiros e 4
(57,1%) dos técnicos de enfermagem afastados, atuavam em setor de internação.
Chamam a atenção, nessa Tabela, os seguintes fatos: 163 (29,6%) dos auxiliares e
8 (20,5%) dos atendentes de enfermagem atuavam em UTI; que 339 (61,6%) dos
auxiliares de enfermagem e 15 (38,5%) dos atendentes de enfermagem afastados
atuavam em setores especializados e UTI e que, entre os atendentes de
enfermagem, 13 (33,3%) atuavam em unidade de Centro-Cirúrgico (CC),
evidenciando desrespeito à legislação profissional da enfermagem (24), pois tais
trabalhadores de enfermagem não estão habilitados para atuarem em tais setores.
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Características dos afastamentos: Os 662 afastamentos deste estudo são
apresentados nas Tabelas 4 e 5 e Figuras 3 e 4 quanto a tipos, período e
agrupamento dos problemas de saúde, conforme a distribuição da Classificação
Internacional de Doença-CID-10(25) e enfoque dos afastamentos entre trabalhadores,
segundo o sexo.
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Pela Tabela 4, nota-se que, dos 662 episódios de afastamentos do trabalho, 88,4%
foram ocasionados por agravos à saúde (licença por motivo de saúde), nas quatro
categorias de trabalhadores de enfermagem, 57 (86,4%) dos enfermeiros, 7 (100%)
dos técnicos de enfermagem, 490 (89,1%) dos auxiliares de enfermagem e 31
(79,5%) dos atendentes de enfermagem. Analisando-se esses dados em
consonância com a Tabela 3, verifica-se que os afastamentos acometeram,
principalmente, funcionários que atuam em áreas mais complexas, como Unidades
Especializadas (30,2%), UTI (27,2%) e Centro-Cirúrgico (14,7%), onde são alvos
para um grande número de transtornos de ordem física, química e psicológica,
aumentando os riscos de agravos à saúde e afastamentos(3,6,10).
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Quanto à duração dos afastamentos do trabalho, verifica-se, na Tabela 5, que, em
560 (84,6%) dos episódios, o período foi de 1 a 10 dias, resultado que se aproxima
do encontrado em outras pesquisas, embora se refiram a um período de 1 a 14 dias
(64,4%)(6,8) e de até 15 dias (74,2%)(3). Quanto à preponderância dos afastamentos
no período de 1 a 4 dias, que ocorreram em 427 (64,5%) dos episódios neste
estudo, encontrou-se, em outra pesquisa(26), que 80% dos afastamentos tiveram
duração de até três dias.
Verifica-se, na Tabela 6, que 585 afastamentos foram por agravos à saúde (licença-
saúde), sendo que os principais problemas estavam relacionados a problemas
geniturinários: 110 (18,8%), e doenças mal definidas: 108 (18,6%), que incluíram 29
(50,9%) dos enfermeiros, 5 (71,4%) dos técnicos de enfermagem, 180 (36,7%) dos
auxiliares de enfermagem. Já entre os atendentes de enfermagem, os problemas de
saúde foram ocasionados, principalmente, por doenças dos órgãos dos sentidos: 6
(19,3%), infecciosas e parasitárias: 5 (16,1%) e do sistema respiratório: 5 (16,1%).
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trabalhadores. Observa-se que 499 (75,4%) dos trabalhadores, independente do
sexo, afastaram-se só por agravos à saúde, correspondendo a 408 (75,1%) entre as
mulheres e 91 (76,5%) entre os homens. Ressalta-se a ocorrência de 29 (5,3%)
licenças por gestação, e 34 (6,3%) acidentes de trabalho. Dados da literatura
revelam que a mulher não é mais suscetível a agravos da saúde nas ações
profissionais, mas, sim, possui alterações fisiológicas e morfológicas que,
geralmente, não são consideradas no planejamento do seu trabalho(27).
CONCLUSÃO
Segundo o objetivo definido para este estudo, verificou-se que ocorreram 662
episódios de afastamentos do trabalho em 1999, envolvendo 333 trabalhadores de
enfermagem, principalmente mulheres, na categoria de auxiliar de enfermagem, com
idade entre 21 a 40 anos.
Considerando-se o local de trabalho, houve predominância de afastamentos entre os
enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuavam em unidade de internação,
enquanto que, entre os auxiliares e atendentes de enfermagem, afastaram-se mais
aqueles que trabalhavam em setores especializados e UTI.
A maioria dos episódios de afastamentos foram por agravos à saúde, 75,1% entre
as mulheres e 76,5% entre os homens. As licenças-saúde ocorreram,
principalmente, por problemas geniturinários e doenças mal definidas, entre os
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, enquanto, entre os atendentes de
enfermagem, os afastamentos relacionaram-se, principalmente, a problemas dos
órgãos dos sentidos, doenças infecciosas e parasitárias e do sistema respiratório.
Os dados obtidos neste estudo permitem uma análise mais acurada da situação dos
afastamentos do trabalho entre a equipe de enfermagem do hospital estudado, em
1999. Evidenciou-se que os funcionários afastados nas categorias de auxiliares e
atendentes de enfermagem atuavam em locais para os quais não tinham preparo e
qualificação legal, o que exige uma melhor análise da Chefia de Enfermagem quanto
à situação de trabalho da equipe de enfermagem. Ainda, os resultados dão
subsídios à Chefia de Enfermagem e à Administração Geral do Hospital para intervir
e melhorar as condições de trabalho existentes para a equipe de enfermagem e,
assim, diminuir os custos econômicos e sociais nesse contexto.
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QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO E SAÚDE/DOENÇA
Resumo
Introdução
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acidentes que também ocorrem na população geral, mas que em determinadas
categorias de trabalhadores adquirem um perfil patológico diferenciado (Quadro 1).
Do que foi até aqui exposto, observa-se que se trata de um discurso que
remete, num extremo, a mudanças na organização do processo de trabalho como
conseqüência do movimento de qualidade do trabalho e/ou da democracia industrial
adotada nos países escandinavos no início da década de 1970 (Ortsman, 1984). No
extremo oposto, lida com práticas que se preocupam muito pouco com as condições
e organização do trabalho, na medida que sua vertente individualista apenas
incentiva a prática de hábitos de vida saudáveis (Sato, 1999). Se, em princípio, não
se pode banir tais iniciativas, é mister apontar que elas não atingem as relações e a
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organização do processo de trabalho, categoria esta central para explicar os
principais problemas atuais de saúde dos trabalhadores.
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expressa, mas sim a melhoria das condições de trabalho e defesa da saúde como
direito de cidadania (Ribeiro & Lacaz, 1984). Não seria por isso mesmo que foi
usada para contrapor-se ao discurso sobre a saúde defendido por parcela
importante do movimento sindical de trabalhadores que, entre nós, sedimentou-se
sobre uma plataforma claramente política para explicar a determinação do processo
saúde/doença? (Rebouças et al., 1989).
Para Ciborra & Lanzara (1985), são várias as definições da expressão QVT,
ora associando-a às características intrínsecas das tecnologias introduzidas e ao
seu impacto; ora a elementos econômicos, como salário, incentivos, abonos, ou
ainda a fatores ligados à saúde física, mental e à segurança e, em geral, ao bem-
estar daqueles que trabalham. Em outros casos, segundo estes autores, considera-
se que a QVT é determinada por fatores psicológicos, como grau de criatividade, de
autonomia, de flexibilidade de que os trabalhadores podem desfrutar ou, (...) fatores
organizativos e políticos, como a quantidade de controle pessoal sobre o posto de
trabalho ou a quantidade de poder que os trabalhadores podem exercitar sobre o
ambiente circundante a partir de seu posto de trabalho.
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Coletiva, da Medicina Social Latino-americana (Laurell, 1991) e da Saúde Pública,
campo este denominado Saúde do Trabalhador (Lacaz, 1996).
Na falta dos elementos acima apontados, pode-se afirmar que esta nova
empresa incorpora exigências com relações contraditórias no que se refere à saúde,
tais como: maior intensidade do ritmo, maior controle e conhecimento do trabalho;
polivalência e criatividade; maior liberdade de ação, reconhecimento maior do
trabalho e critérios rígidos de avaliação.
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hierárquica, o enxugamento do efetivo (downsizing), o desemprego etc. (Antunes,
1995).
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Geografia e Estatísticas (IBGE) sobre o aumento da produtividade industrial em
meio à redução do emprego. O texto assinalava que junto ao impressionante
aumento da produtividade no complexo metal-mecânico e eletrônico de cerca de
40%, nos primeiros sete meses de 1993 e de 23% no período entre 1991 e1993 o
que seria mais um recorde mundial, houve redução de 10% no nível de emprego,
considerando-se o mesmo período. Esse exército de desempregados, que demanda
serviços de saúde, assistência social em função de seu baixo consumo, de
insegurança social, constitui a outra face da propalada qualidade e competitividade
modernizadora.
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Assim, no bojo desse quadro, a morbi-mortalidade tendencial da população
trabalhadora aponta para uma prevalência cada vez mais freqüente de agravos
caracterizados por um mal estar difuso (Seligmann-Silva, 1997) e por doenças que
ocorrem na população geral, mas que entre os trabalhadores passam a ocorrer em
faixa etária mais precoce, quando comparada com a população geral. O quadro 2
demonstra como tal tendência se configura de maneira bastante clara.
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Conclusão
Pode-se afirmar que a temática da QVT assume maior relevância nos anos
70, quando se dá um esgotamento da organização do trabalho de corte
taylorista/fordista, ao qual associa-se um aumento do absenteísmo, da insatisfação
no trabalho e da não aderência dos trabalhadores às metas definidas pela gerência.
O modelo japonês é o novo paradigma de organização do trabalho, visando superar
essa realidade, apesar de tal modelo, conforme apontam alguns estudiosos, reduzir
a autonomia nas relações de trabalho, além de envolver um controle importante da
vida extraprofissional pela estrita utilização do tempo a serviço da empresa
(Antunes, 1995; Hirata e Zarifian, 1991).
Mesmo diante dos vários enfoques que vai assumindo a QVT, interessou
aqui ressaltar que para a OIT, a temática é expressada no PIACT, lançado em 1976,
procurando articular duas vertentes: uma relacionada à melhoria da qualidade geral
de vida como aspiração humana e que não poderia ser barrada no portão das
fábricas; e outra relativa à maior participação dos trabalhadores nas decisões que
dizem respeito à sua vida e atividade de trabalho. Nesse sentido, a saúde e a
qualidade do trabalho não podem ser negociadas como mais um mero elemento da
produção. Tal abordagem visava superar a prevenção dos acidentes e doenças
considerados diretamente ligados ao trabalho, priorizando a busca de outros nexos
saúde-trabalho, para além da causalidade direta. Os agravos à saúde, que também
ocorrem na população geral, quando relacionados ao trabalho assumem um perfil
diferenciado.
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sobre o processo de trabalho (Laurell e Noriega, 1989). Disso decorre que se
defenda a conquista de um (re)planejamento do trabalho em que a gestão
participativa seja real, com verdadeiros canais coletivos de negociação - capital-
trabalho, visando à resolução dos conflitos/contradições de interesses e a superação
de uma certa gestão participativa de caráter patronal, episódica e reversível, porque
acompanhada da intensificação, da precariedade do trabalho e dos contratos e
direitos trabalhistas (Antunes, 1995).
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AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO:
novos desafios pra a gestão*
Introdução
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Estabelecem-se novas relações entre trabalho, ciência e cultura, a partir das quais
constituise historicamente um novo principio educativo, ou, seja um novo projeto
pedagógico por meio do qual a sociedade pretende formar os
intelectuais/trabalhadores, os cidadãos/produtores para atender às novas demandas
postas pela globalização da economia e pela reestruturação produtiva. O velho
principio educativo decorrente da base técnica da produção taylorista/fordista vai
sendo substituído por um outro projeto pedagógico, determinado pelas mudanças
ocorridas no trabalho, o qual, embora ainda hegemônico, começa a apresentar-se
como dominante.
A pedagogia orgânica ao taylorismo/fordismo tem por finalidade atender a uma
divisão social e técnica do trabalho marcada pela clara definição de fronteiras entre
as ações intelectuais e instrumentais, em decorrência de relações de classe bem
definidas que determinam as funções a serem exercidas por dirigentes e
trabalhadores no mundo da produção. Este, por sua vez, tem como paradigma a
organização em unidades fabris que concentram grande numero de trabalhadores
distribuídos em uma estrutura verticalizada que se desdobra em vários níveis
operacionais, intermediários (de supervisão) e de planejamento e gestão, cuja
finalidade é a produção em massa de produtos homogêneos para atender a
demandas pouco diversificadas. A organização da produção em linha expressa o
principio taylorista da divisão do processo produtivo em pequenas partes, onde os
tempos e movimentos são padronizados e rigorosamente controlados por inspetores
de qualidade e as ações de planejamento são separadas da produção. A mediação
entre execução e planejamento é feita por supervisores, profissionais da
administração de recursos humanos, que gerenciam pessoas por meio da utilização
de metodologias que combinam os princípios da administração cientifica (Taylor e
Fayol) e ao da administração comportamentalista que se utiliza de categorias
psicossociais, tais como liderança, motivação, satisfação no trabalho, para conseguir
a adesão dos trabalhadores ao projeto empresarial.
O principio educativo que determinou o projeto pedagógico da educação escolar
para atender a essas demandas da organização do trabalho de base
taylorista/fordista, ainda dominantes em nossas escolas, deu origem às tendências
pedagógicas conservadoras em todas as suas modalidades, as quais, embora
privilegiassem ora a racionalidade formal, ora a racionalidade técnica, sempre se
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fundaram na divisão entre pensamento e ação. Esta pedagogia do trabalho
taylorista/fordista foi dando origem, historicamente, a uma pedagogia escolar
centrada ora nos conteúdos, ora nas atividades, mas nunca comprometida com o
estabelecimento de uma relação entre o aluno e o conhecimento que
verdadeiramente integrasse conteúdo e método, de modo a propiciar o domínio
intelectual das praticas sociais e produtivas. Assim é que a seleção e a organização
dos conteúdos sempre foi regida por uma concepção positiva da ciência,
fundamentada n alógica formal, onde cada objeto do conhecimento origina uma
especialidade que desenvolve sua própria epistemologia e se automatiza, quer das
demais especialidades, quer das relações sociais e produtivas concretas.
Concebidos desta forma, os diferentes ramos da ciência deram origem a propostas
curriculares que organizam rigidamente as áreas de conteúdo, tanto no que diz
respeito à seleção dos assuntos quanto ao seu sequenciamento, intra e
extradisciplinas. Os conteúdos, assim organizados, são repetidos ano após ano de
forma linear e fragmentada, predominantemente por meio do método expositivo
combinado com a realização de atividades que vão da copia de parcelas de texto à
resposta de questões, onde mais importa cumprir a tarefa, tanto para o professor
quanto para o aluno, do que estabelecer uma profícua relação com o mundo do
conhecimento.
A habilidade cognitiva fundamental para o trabalho pedagógico é a memorização. O
livro didático é o verdadeiro responsável pela “qualidade” do trabalho escolar.
Esta proposta pedagógica foi, ao longo dos anos, reconhecidamente orgânica às
demandas de uma sociedade cujo modo dominante de produção, a partir de uma
rigorosa divisão entre as tarefas intelectuais (dirigentes) e as operacionais,
caracterizava-se por tecnologia de base rígida, relativamente estável. A ciência e a
tecnologia incorporadas que trazem em sua configuração um numero restrito de
possibilidades de operações diferenciadas, exigindo apenas a troca de uns poucos
componentes, demandam comportamentos operacionais predeterminados e com
pouca variação. Compreender os movimentos necessários a cada operação,
memorizá-los e repeti-los ao longo do tempo não exige outra formação escolar e
profissional a não ser o desenvolvimento da capacidade de memorizar
conhecimentos de repetir procedimentos em uma determinada seqüência.
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A pedagogia, em decorrência, propõe conteúdos que, fragmentados, organizam-se
em seqüências rígidas. Tendo por meta a uniformidade de respostas para
procedimentos padronizados, separa os tempos de aprender teoricamente e de
repetir procedimentos práticas e exerce com rigor o controle externo sobre o aluno.
Esta pedagogia responde adequadamente às demandas do mundo do trabalho e da
vida social, que se regem pelos mesmos parâmetros das certezas e dos
comportamentos que foram definidos ao longo do tempo como aceitáveis.
Nada mais adequado do que uma escola que, para realizar o trabalho pedagógico
assim definido, se organizasse de forma rigidamente hierarquizada e centralizada
para assegurar o prédisciplinamento necessário à vida social e produtiva. E mais,
que se organizasse em duas versões, uma para a formação dos dirigentes, para o
qual o caminho é a versão acadêmica e progressivamente seletiva que conduz
poços à Universidade, e outra para a formação de trabalhadores, para o que se
constituíram historicamente alternativas com objetos e durações diversificadas, na
maioria das vezes (honrosa exceção a alguns cursos técnicos) aligeiradas.
A globalização da economia e a reestruturação produtiva enquanto macroestrategias
responsáveis pelo novo padrão de acumulação capitalista, transformam
radicalmente esta situação, imprimindo vertiginosa dinamicidade às mudanças que
ocorrem no processo produtivo, a partir da crescente incorporação de ciência e
tecnologia, em busca de competitividade. A descoberta de novos princípios
científicos permite a criação de novos materiais e equipamentos; os processos de
trabalho de base rígida vão sendo substituídos pelos de base flexível; a
eletromecânica, com suas alternativas de solução bem definidas, vai cedendo lugar
à microeletrônica, que assegura amplo espectro de soluções possíveis desde que a
ciência e a tecnologia, antes incorporadas aos equipamentos, passem a ser domínio
dos trabalhadores; os sistemas de comunicação interligam o mundo da produção.
Em decorrência, as velhas formas de organização taylorista/fordistas não têm mais
lugar. A linha vai sendo substituída pelas células de produção, o supervisor
desaparece, o engenheiro desce ao chão de fabrica, o antigo processo de qualidade
dá lugar ao controle internalizado, feito pelo próprio trabalhador. Na nova
organização, o universo passa a ser invadido pelos novos procedimentos de
gerenciamento e passa-se a falar de Kan Ban, Just in Time, Kizen, CCQ, Controle
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Estatístico de Processo e do Produto. As palavras de ordem são qualidade e
competitividade.
O novo discurso refere-se a um trabalhador de novo tipo, para todos os setores da
economia, com capacidades intelectuais que lhe permita adaptar-se à produção
flexível. Dentre elas, algumas merecem destaque: a capacidade de comunicar-se
adequadamente, por intermédio do domínio dos códigos e linguagens, incorporando,
além da língua portuguesa, a língua estrangeira e as novas formas trazidas pela
semiótica; a autonomia intelectual, para resolver problemas práticos utilizando os
conhecimentos científicos, buscando aperfeiçoar-se continuamente; a autonomia
moral, por meio da capacidade de enfrentar novas situações que exigem
posicionamento ético; finalmente, a capacidade de comprometer-se com o trabalho,
entendido em sua forma mais ampla de construção do homem e da sociedade, por
meio da responsabilidade, da crítica, da criatividade.
Evidentemente, esses novas determinações mudariam radicalmente o eixo da
formação de trabalhadores, caso ela fosse assegurada para todos, o que na
realidade não ocorre. Ao contrário, as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas
nessa área reforçam cada vez mais a tese da polarização das competências, por
meio da oferta de oportunidades de sólida educação científicotecnológia para um
número cada vez menor de trabalhadores incluídos, criando estratificação, inclusive
entre estes. Na verdade, cria-se uma nova casta de profissionais qualificados, a par
de um grande contingente de trabalhadores precariamente educados, embora ainda
incluídos, porquanto responsáveis por trabalhos também crescentemente
precarizados. Completamente fora das possibilidades de produção e consumo e, em
decorrência, do direito à educação e à formação profissional de qualidade, há uma
grande massa de excluídos, que cresce a cada dia, como decorrência do próprio
caráter concentrador do capitalismo, acentuado por esse novo padrão de
acumulação.
No limite, a efetiva democratização da educação só será possível com a efetiva
democratização da sociedade em outro modo de produção, onde os bens materiais
e culturais estejam disponíveis a todos os cidadãos. Esta utopia, no entanto, parece
ficar mais distante na medida em que não só os esforços neoliberais, mas a própria
diversificação que ocorre entre os trabalhadores dificulta a organização coletiva
indispensável para que se operem as transformações necessárias.
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Nas atuais condições, em face, inclusive, das determinações internacionais que
definem as demandas do capitalismo nesta etapa, a democratização possível, e a
educação básica, de qualidade, para todos.
Do ponto de vista da concepção de qualificação para o trabalho, há avanços,
embora já se tenha registrado que não é para todos. Solidamente fundamentada
sobre a educação básica , ela não repousa mais sobre a inquisição de modos faze,
deixando de ser concebida, como o faz o taylorismo/fordismo, como conjunto de
atributos individuais, psicofísicos, comportamentais e teóricos. Ao contrário, passa a
ser concebida como resultante da articulação de diferentes elemento, por meio da
mediação das relações que ocorrem no trabalho coletivo resultando de vários
determinantes subjetivos e objetivos, como a natureza das relações sociais vividas e
suas articulações, escolaridade, acesso a informações, domínio do método cientifico,
riqueza, duração e profundidade das experiências vivenciadas, tanto laborais quanto
sociais, acesso a espaços, saberes, manifestações cientificas e culturais, e assim
por diante.
Em decorrência, a qualificação profissional passa a repousar sobre conhecimentos e
habilidades cognitivas e comportamentais que permitam ao cidadão cientifico, de
forma a ser capaz de se utilizar de conhecimentos científicos e tecnológicos de
modo articulado para resolver problemas de prática social e produtiva. Para tanto, é
preciso outro tipo de pedagogia, determinada pelas transformações ocorridas no
mundo do trabalho nesta etapa de desenvolvimento, das forças produtivas, de modo
a atender ás demandas da revolução na base técnica de produção, com seus
profundos impactos sobre a vida social. O objetivo a ser atingidos é a capacidade
para lidar com a incerteza, substituindo a rigidez pela flexibilidade e rapidez, de
forma a atender a demandas dinâmicas que se diversificam em qualidade e
quantidade.
Em tese, a nova pedagogia exige ampliação e democratização da educação básica,
com pelo menos onze anos de ensino, abrangendo os níveis fundamental e médio,
como fazem os países desenvolvimentos; embora isto não esteja posto
historicamente pela dura realidade da exclusão nos pais ditos emergentes; como o
Brasil, está presente no discurso do capital. Neste sentido, a clareza sobre para
onde aponta a nova pedagogia do trabalho pode ser estratégica para aqueles que
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ainda acreditam ser possível a construção de um outro projeto de sociedade, sob a
hegemonia dos trabalhadores.
Os Conteúdos
A hipótese de trabalho adotada no inicio da investigação realizada foi a de que as
inovações em equipamentos, materiais, processos, de organização e gestão do
trabalho e de recursos humanos, bem como as novas formas de controle,
determinavam novos enfoques com relação aos conteúdos a serem trabalhados por
meio do processo pedagógico. Trabalhou-se com a hipótese de que esta nova forma
de tratar os conteúdos não significaria necessariamente novos recortes, mas a
democratização do acesso ao saber socialmente produzido, transformado em saber
escolar para todos os trabalhadores.
Neste plano, o debate teria outro foco que não os novos conteúdos, mas a
constatação de que os conteúdos tradicionalmente ensinados para uma camada
restrita da população, que consegue ultrapassar a barreira da seletividade, deveriam
ser objeto de ampla democratização, uma vez que são requisitos mínimos para a
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participação competente em um setor produtivo que cada vez mais incorpora ciência
e tecnologia. Em decorrência, este passa a exigir competências intelectualmente
mais complexas, derivadas do domínio teórico, voltadas para o enfrentamento de
situações novas que exigem reflexão, crítica, flexibilidade, autonomia moral e
intelectual, além da capacidade de educar-se permanentemente. A primeira
constatação que as observações e entrevistas com trabalhadores e dirigentes nos
vários níveis permitiu foi reafirmação da tese da polarização. As demandas de maior
apropriação de conhecimentos científicos e tecnológicos se da para os níveis que
ocupam os lugares mais elevados na hierarquia do trabalhador coletivo, cujas
funções, entre outras, envolvem criação ou adequação de novas tecnologias,
manutenção de equipamentos, gestão de processos e produtos, gestão de
qualidade e funções administrativas de distintas naturezas.
Para os trabalhadores das unidades produtivas verificou-se que nas áreas onde a
organização taylorista/fordista predomina, a permanência da antiga concepção de
qualificação, definida pela natureza da tarefa, determina a exigência de
conhecimentos científico-tecnológicos específicos, bem como de habilidades
psicofísicas e modos operacionais.
Para as áreas automatizadas configura-se outro tipo de demanda: conhecimentos
mais abrangentes dos campos da ciência presentes no processo produtivo, inclusive
de línguas estrangeiras, informática e formas de comunicação, com ênfase na
competência potencial para usar conhecimentos teóricos para resolver problemas
práticos, além do domínio dos cuidados operacionais necessários para lidar com
equipamentos sofisticados e de alto custo.
Parece haver contradição quando se verifica que os trabalhadores dos setores
menos automatizados têm que se utilizar de conhecimentos e destrezas especificas,
tendo o primeiro grau completo como requisito, enquanto os que trabalham nos
setores mais automatizados e apenas alimentam/vigiam as máquinas, controlando a
existência de problemas por meio de mensagens emitidas na tela do computador,
para o que se exige apenas a memorização das teclas a serem acionadas sempre
que tal situação ocorre, exige-se como requisito, segundo grau completo.
A pesquisa mostrou que, de fato, esta contradição é aparente. Em primeiro lugar
porque a certificação ISSO, requisito necessário para participar do comercio
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globalizado de forma competitiva, exige que se comprove que o trabalhador tenha a
qualificação necessária ao exercício da tarefa.
Como a qualificação oferecida pela empresa e seu registro na ficha de cada
trabalhador, tendo em vista as autorias de qualidade, têm custo, é mais fácil e barato
comprovar competência por meio do certificado escolar, cabendo ao trabalhador o
ônus da prova. Não há, neste caso, correspondência entre a exigência da
escolaridade e a exigência de domínio de conteúdos, a não ser de maneira indireta,
posto que o elevado custo dos processos intensivos em tecnologia exige
trabalhadores responsáveis, atentos, flexíveis com relação à necessidade de
constantes mudanças e capazes para enfrentar situações-problema com agilidade.
Neste sentido, o trabalho escolar, além de supostamente selecionar os “mais
capazes”, desenvolve habilidades cognitivas, hábitos e condutas que facilitam o
enfrentamento de situações dinâmicas com a necessária flexibilidade. É
desnecessário lembrar que a escola apenas referenda a inclusão dos incluídos, uma
vez que é a origem de classe que determina em boa parte mas diferenças que são
atribuídas ao trabalho escolar. Na verdade, os incluídos vivenciam um conjunto de
experiências sociais e culturais que lhes assegura larga vantagem na relação com o
conhecimento sistematizado; isto sem falar nas condições materiais favoráveis ao
estabelecimento dessa relação. Assim é que, não por coincidência, os que
permanecem na escola são também os que melhor se comunicam, têm melhor
aparência, dominam mais conhecimentos e apresentam condutas mais adequadas
ao disciplinamento necessário ao processo produtivo. Com um oferta de empregos
formais cada vez mais restrita, a escola continua a desempenhar uma função de
préseleção, articulando-se, assim, à seletividade presente no mundo do trabalho.
Basta lembrar que, em média, menos de 30% dos matriculados na primeira série
concluem o ensino fundamental e que apenas 16% dos jovens de quinze a
dezenove anos se matriculam no ensino médio, que conta com uma taxa
desperdício por volta de 50%, sendo até maior em muitos estados.
Há, contundo, uma dimensão que só se revelou ao aprofundar-se a análise: a partir
de determinado patamar de investimento em tecnologia intensiva em capital, os
ganhos de produtividade só são possíveis por meio do trabalho, principalmente por
intermédio da redução do desperdício, dos tempos mortos e da criação de novos
procedimentos, o que depende do saber tácito do trabalhador e do acesso que ele
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tem ao conhecimento científico-tecnológico. Nesta perspectiva justifica-se o discurso
do capital quando defende patamares mais elevados de educação para os
trabalhadores, porque mesmo a concepção de qualificação profissional presente
nesta etapa privilegia a capacidade potencial para resolver situações-problema
decorrentes de processos de trabalho flexíveis em substituição às competências e
habilidades especificas exigidas para o exercício das tarefas nas organizações
tayloristas/fordistas, e isto exige o domínio dos conhecimentos científicos e
tecnológicos das diferentes áreas para a viabilização dos programas de qualidade,
um dos pilares da nova estratégia de acumulação.
A pesquisa mostrou exatamente isto: embora com nível de escolaridade fundamental
ou média, dada a qualidade precária do trabalho escolar, o desenvolvimento dos
programas de qualidade esbarram nas dificuldades relativas à comunicação oral e
escrita, à compreensão e ao uso do método cientifico, decorrentes em grande parte
de uma relação inadequada com o conhecimento n escola, tanto do ponto de vista
dos conteúdos quanto do método. Evidentemente, a mesma questão se põe para os
que, excluídos do emprego formal, precisam construir estratégias de sobrevivência
por meio das novas formas de relação de trabalho criadas nesta etapa, quer
informais, quer de algum modo formalizadas. Estes, mais do que nunca, precisam
ter a posse do conhecimento, as experiências e o domínio do método como
condições determinantes de sobrevivência. Reforça-se, portanto, a tese já defendida
em Pedagogia da Fábrica (Kuenzer, 1985), de que a posse dos conhecimentos que
permitem a compreensão e a inserção no mundo do trabalho é direito dos
trabalhadores, por ser estratégica para a sua sobrevivência, mas principalmente
para a construção de seu projeto político enquanto classe comprometida com a
transformação das relações de dominação entre capital e trabalho. Em decorrência,
com relação aos conteúdos, conclui-se que as transformações no mundo do trabalho
exigem, mais do que conhecimentos e habilidades demandadas por ocupações
especificas, conhecimentos básicos, tanto no plano dos instrumentos necessários
para o domínio da ciência, da cultura e das formas de comunicação, como no plano
dos conhecimentos científicos e tecnológicos presentes no mundo do trabalho e das
relações sociais contemporâneas.
Isto implica, em primeiro lugar, a extensão do ensino fundamental e médio para toda
a população, de forma gratuita e com qualidade.
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Em segundo lugar, uma profunda revisão do trabalho pedagógico presente em
nossas escolas, de modo a construir uma nova proposta pedagógica que supere as
limitações identificadas.
Esta proposta fundamentar-se nos seguintes pressupostos;
_ Articulação entre conhecimento básico e conhecimento especifico a partir do
mundo do trabalho, concebido enquanto lócus de definição dos conteúdos que
devem compor o programa, contemplando os conteúdos das ciências exatas, das
diferentes linguagens, da tecnologia e outros;
_ Articulação entre saber para o mundo do trabalho e sabe para o mundo das
relações sociais, privilegiando-se conteúdos demandas pelo exercício da cidadania,
que se situam nos terrenos da economia, da política, da historia, da filosofia, da ética
e assim por diante;
_ Articulação entre conhecimento do trabalho e conhecimento das formas de gestão
e organização do trabalho;
_ Articulação dos diferentes atores para a construção da proposta: setores
organizados de sociedade civil, professores e pedagogos, responsáveis pela gestão
estatal de educação e responsáveis pela formação de profissionais de educação.
A partir destes pressupostos, algumas considerações se fazem necessárias em
virtude dos resultados da pesquisa:
_ A integração entre conhecimento básico e aplicado só é possível no processo
produtivo, posto que não se resolver por meio da juntada de conteúdos ou mesmo
de instituições com diferentes especificidades; ela exige outro tratamento a ser dado
ao projeto pedagógico, que tome o mundo do trabalho e das relações sociais como
eixo definidor dos conteúdos, e não as áreas de conhecimento, que têm sua própria
lógica, e que por determinação da necessidade de sistematização teórica terá que
ser formal. São outros os conteúdos, outra forma de originar-los
(transdisciplinarmente), privilegiando as situações concretas do processo produtivo e
outro tratamento metodológico, que privilegie a relação teoria/prática; são outras as
habilidades, para além da simples memorização de passos e procedimentos, que
incluem as habilidades de comunicação, a capacidades de buscar informações em
fontes e por meios diferenciados e a possibilidade de trabalhar cientificamente com
estas informações para resolver situações problemáticas, criando novas soluções; e
principalmente, é outro processo de conhecer, que ultrapassa a relação apenas
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individual do homem com o conhecimento, para incorporar as múltipals mediações
do trabalho coletivo.
A globalização da economia e a reestruturação produtiva se deram a partir da
derrubada das fronteiras também no campo da ciência, constituindo-se áreas
transdisciplinares em face da problemática do mundo contemporâneo; este mesmo
tratamento precisara ser dado aos conteúdos, derrubando-se as clássicas divisões
entre as disciplinas, para compor novos arranjos de conteúdos das várias áreas do
conhecimento, articulados por eixos temáticos definidos pela práxis social e pelas
peculiaridades de cada processo produtivo na formação profissional. Assim é que,
na área eletromecânica, a formação devera privilegiar conteúdos que articulem a
mecânica, a eletrônica, a informática, a gestão e as formas de comunicação;
_ Os conteúdos são os mesmos; a forma de selecioná-los, organizá-los e trabalhá-
los é que é diferenciada, uma vez que os tratamentos fragmentados por área do
conhecimento e que tomam a memorização como habilidade fundamental, típicos do
taylorismo/fordismo, estão superados. A pesquisa demonstrou principalmente a
ênfase no domínio de matemática básica, do desenho geométrico, da língua
portuguesa, da estatística, de uma língua estrangeira moderna e de informática
básica enquanto ferramentas que permitem a apropriação dos conhecimentos
científicos, tecnológicos, sócio-históricos e de gestão;
_ Os conteúdos e as habilidades da área de comunicação, consideradas todas as
suas formas e modalidades, passam a ser estratégicos, para a avaliação crítica,
para a participação produtiva, para as relações interpessoais no trabalho e na
sociedade, para a participação social e política. Incluem-se neste item a língua
portuguesa, as línguas estrangeiras e os meios informatizados de comunicação;
_ Da mesma forma, os conteúdos sobre as determinações sociais, políticas que
levaram à globalização da economia, à reestruturação produtiva e às novas relações
entre Estado e sociedade, circunscritos ao campo teórico ideológico do
neoliberalismo, precisam ser apropriados pelos alunos, para que desenvolvam sua
capacidade de análise das relações sociais e produtivas e das transformações que
ocorrem no mundo do trabalho;
_ Nesta dimensão, merecem destaque os conteúdos relativos às novas formas de
organização e gestão dos processos produtivos e das novas relações sociais por
estes determinadas, incluindo-se ai os novos processos de qualidade, não
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exclusivamente inscritos no âmbito da produtividade, mas principalmente no âmbito
da qualidade de vida de toda as dimensões, compreendendo a preservação do
ambiente; os conteúdos relativos aos novos instrumentos de gestão e controle do
trabalho; as transformações que estão sendo propostas para a legislação trabalhista
e previdenciária; as novas formas da organização da economia e dos trabalhadores
como alternativas às antigas formas de enfrentamento das condições entre capital e
trabalho; as novas demandas de educação geral e profissional para os
trabalhadores; os impactos das novas tecnologia sobre a saúde a segurança em
geral e no trabalho e assim por diante.
Formas Metodológicas
A pesquisa realiza permitiu identificar significativas transformações com relação à
dimensão metodológica.
Constatou-se que as formas metodológicas historicamente construídas pelo
taylorismo/fordismo, que privilegiam a multiplicação de cursos de treinamento
fragmentado, dirigidos para a ocupações bem definidas, oferecidos de forma
desordenada, de tal modo que o trabalhador vai colecionando certificados que não
chegam a construir uma qualificação orgânica e consistente, e que tomam a
memorização de regras básicas e procedimentos técnicos específicos, estão
completamente superados.
E, no entanto, persistem tanto nas escolas quanto nas instituições especificas de
educação profissional e nos treinamentos das empresas. Do ponto de vista do
método, a pesquisa apontou para às seguintes dimensões:
_ A necessidade de definição de procedimentos metodológicos que permitem
superar a memorização, tornando-se como habilidade cognitiva fundamental a
capacidade de localizar informações e trabalhar produtiva e criativamente com elas
na construção de soluções para os problemas postos pela dinâmica da pratica social
e produtiva;
_ A necessidade de substituir o eixo de organização dos conteúdos, que
tradicionalmente repousava na estrutura lógico-formal das áreas de conhecimento,
passando-se a privilegiar a práxis social e produtiva como ponto de partida para a
seleção e organização de conteúdos.
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Assim, em vez de desenvolver conteúdos teóricos que só posteriormente se
articulando na pratica, os conteúdos são selecionados a partir da analise de
processos sociais e de trabalho.
Contudo, esta forma metodologia contudo, não deve revestir as ciências de caráter
meramente instrumental, mas buscar, considerados seus estatutos epistemológicos
e lógicos específicos, construir novas formas de articulação entre teoria e pratica que
suprem o formalismo.
_ Em decorrência da afirmação anterior, dada a característica da organicidade que
os diferentes campos do conhecimento revelam na pratica produtiva, os enfoques
tradicionais que lhes conferiam autonomia serão substituídas por enfoques
transdisciplinares, articuladores das dimensões do pensar e do fazer, o que só é
possível tomando-se como referencia o trabalho compreendido como práxis humana
(relação teórica-prática);
_ As praticas pedagógicas fundamentais da absorção passiva deverão ser
substituídas pela relação ativa e intensa entre o educando e o conhecimento por
meio da ação mediadora do professore, que organizará significativas experiências
de aprendizagem;
_ Finalmente, tomando a concepção de qualificação não como um atributo social,
mas como um processo histórico resultante da articulação de múltiplos fatores, há
que se tomar como ponto de partida para o desenvolvimento do processo
pedagógico, o conhecimento e as concepções que o aluno/trabalhador acumulou no
transcurso de sua experiência de vida, de educação e de trabalho (saber tácito).
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Em consonância com a progressiva redução do emprego formal e com a crescente
exclusão, o investimento em educação passa a ser definido a partir da compreensão
de que o Estado só pode arcar com as despesas que resultem em retorno
econômico. Desta forma, o compromisso do Estado com a educação pública
obrigatória e gratuita mentem-se no limite do ensino fundamental. A partir deste
nível, o Estado mantém financeiramente restrito apenas para atender as demandas
de formação de quadros e de produção de ciência e tecnologia nos limites do papel
que o país ocupa na divisão internacional do trabalho. Ou seja, no atual quadro da
progressiva redução do emprego formal, não é racional investir em ensino
profissional técnico médio e em ensino superior de forma generalizada. Assim, com
o progressivo afastamento do Estado de sua responsabilidade com a educação,
estes níveis vão sendo progressivamente assumidos, pela iniciativa privada.
Em absoluta concordância com as transformações ocorridas no mundo do trabalho,
as política públicas de educação objetivam a contenção do acesso aos níveis mais
elevados de ensino para os poucos incluídos respondendo à lógica da polarização.
Para estes, são de fato asseguradas boas oportunidades educacionais, de modo a
viabilizar a formação dos profissionais de novo tipo: dirigentes especialistas, críticos,
criativos e bem-sucedida. Para a grande maioria, propostas rápidas de formação
profissional que independem de educação básica anterior, como forma de viabilizar
o acesso a alguma ocupação precarizada, que permita alguma condição de
sobrevivência (Decreto nº. 2.208/97).
Assim, desmistifica-se a primeira falácia; ao falso discurso da necessidade da
extensão da oferta de educação básica e profissional de qualidade para todos, o
Estado responde adequadamente com uma política educacional restritiva para os
níveis posteriores ao ensino fundamental. Estas políticas são orgânicas a um
mercado de trabalho cada vez mais restrito, obedecendo-se portanto, à lógica
capitalista da racionalidade financeira.
Da mesma forma, ao discurso de ampliação da participação, da necessidade de
criatividade e da capacidade de crítica correspondem processos produtivos cada vez
mais padronizados, gerados na maioria das vezes pelas equipes de pesquisa e
desenvolvimento dos países centrais, que determinam cada vez mais o
esvaziamento do conteúdo do trabalho, acirrando-se certas dimensões do
taylorismo/fordismo para os trabalhadores dos níveis hierárquicos mais baixos e
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para as empresas menos complexas. Evidentemente, essas dimensões objetivam-se
sob novas formas, exigidas pelas novas bases materiais de produção, mas sem
descorporificar-se de sua velha lógica.
A nova pedagogia do trabalho, como se buscou analisar, é perpassada pelas
profundas contradições que marcam a relação entre capital e trabalho. As políticas
educacionais vigentes, ao optar pelo atendimento às demandas do capital, viabilizam
as positividades decorrentes dessa nova etapa para um grupo restrito de
trabalhadores, que vão desempenhar as atribuições de dirigentes/especialistas,
responsáveis pelas funções de gestão, manutenção e criação.
Resta saber qual papel que a escola vai assumir, a partir das novas e contraditórias
dimensões, posto que se configura, também, como espaço contraditório, onde a
prática conservadora concretizada na seletividade convive com a prática
transformadora concretizada no acesso ao conhecimento e ao método cientifico.
O nosso desejo, reconhecidamente ingênuo, tem como objeto uma escola que,
comprometida com os trabalhadores e os excluídos, para além das políticas
educacionais restritivas, pudesse tomar como referencia as positividades presentes
nas mudanças que ocorrem no mundo do trabalho para construir um novo projeto
pedagógico, o qual, rompendo com a lógica da racionalidade financeira, formasse os
cidadãos de novo tipo, intelectual, técnica e eticamente desenvolvidos e
politicamente comprometidos com a construção da nova sociedade.
Administração Escolar Prof. Dorival Rosa Brito 13
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“ou”, “de”, “a”, pois ele procurará por estas palavras também). Clicar em pesquisar.
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Lembre-se de que as palavras-chave dirigirão a pesquisa, portanto, escolha-
as com atenção. Várias podem ser testadas. Quanto mais próximas ao tema
escolhido, mais refinada será sua busca. Por exemplo, se o tema escolhido for
relacionado à degradação ambiental na cidade de Ipatinga, as palavras-chave
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poderiam ser: degradação; ambiental; Ipatinga. Ou algo mais detalhado. Se nada
aparecer, tente outras palavras.
Isso feito, uma nova página aparecerá, com os resultados da pesquisa para
aquelas palavras que você forneceu. Observe o número de referências às palavras
fornecidas e o número de páginas em que elas se encontram (indicado abaixo).
A seguir, estará a lista com os títulos dos artigos encontrados, onde constam:
nome dos autores (Sobrenome, nome), título, nome do periódico, ano de publicação,
volume, número, páginas e número de indexação. Logo abaixo, têm-se as opções
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português. Avalie os títulos e leia o resumo primeiro, para ver se vale à pena ler todo
o artigo.
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