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EDIÇÃO Nº 1 - 2018

D E B A T E
IMOBILIÁRIO

MERCADO
IMOBILIÁRIO

Reurb: os desafios Debate Construtivo Notas


da regularização com Marcelo Terra IBRADIM
fundiária no País Em entrevista Confira as principais
Entenda mais sobre esse instru- pingue-pongue, jurista conta notícias do mercado imobiliário
mento juridíco de política urbana sua trajetória
Debate Imobiliário e jurídico

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Debate Imobiliário

2
EDIT
EDITORIAL
O IBRADIM surge fruto de trabalho de seus dedicados fundadores An-
dré Abelha, Bernardo Chezzi, Marcelo Barbaresco, Melhim Chalhub, Ricardo
Campelo, Alexandre Gomide, além de mim. Vem para preencher uma lacuna
existente há décadas no País. O vácuo não diz respeito apenas ao direito
imobiliário, diretamente afetado pela ausência da concentração de vozes de
causídicos, magistrados, desembargadores e demais operadores jurídicos.
Abrange também a atividade, até então ausente, de fomentar o que há de
mais moderno, profundo e latente em nosso mercado imobiliário.
Como costumo comentar em reuniões e aulas, os operadores jurídicos
do mercado imobiliário compõem verdadeiro termômetro da economia na-
cional, acompanhando o que há de mais recente em termos de empreendi-
mentos em fase de aprovação ou execução. Da mesma forma, para aqueles
problemas que afligem o setor, esses operadores também concentram toda
a informação necessária para que novas lides ou equívocos deixem de ser
reiteradamente cometidos.
A comunhão de esforços e informações dos profissionais do ambiente
jurídico imobiliário, por todo o território nacional, enriquecerá sobremaneira
a nossa atividade. Costumes diversos e diferentes aplicações das normas,
mesmo as federais, amplamente debatidos, explorados e compartilhados de
modo a aprimorar a atuação no mundo jurídico, refletindo diretamente no
engrandecimento do setor imobiliário.
O IBRADIM tem essa pretensão, sem dúvida.
Os meios para tanto são diversos.
Congressos jurídicos, eventos esporádicos on-line, palestras e cursos.
Atuação ferrenha por meio de suas diretorias estaduais. Site ativo e constan-
temente atualizado com notícias, doutrina, legislação e jurisprudências do
setor. Fóruns virtuais, comissões temáticas com participantes de todo o País.
Revista acadêmica e, no presente caso, a revista Debate Imobiliário, sobre te-
mas atuais, artigos, entrevistas e matérias jornalísticas de direito imobiliário.
Nesta primeira edição, são trazidos dados quanto à retomada
do mercado imobiliário, matérias sobre o registro eletrônico, infor-
mações referentes à regularização fundiária urbana (Reurb), uma
entrevista reveladora com o advogado Marcelo Terra, artigos de
Sylvio Capanema, Jaques Bushatsky e Andréia Moraes de O. Mou-
rão, além de outros temas relevantes.
Esta é somente a primeira de muitas, inúmeras. Aproveitem.

Olivar Vitale
Presidente do IBRADIM

Debate Imobiliário

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Debate Imobiliário

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índice
09- Os riscos da solidariedade
16- Blockchain traz desafios para o mercado imobiliário
18- O distrato e o equilíbrio nas relações de compra e
venda – isso, de fato, existe?
24- Os desafios da multipropriedade no Brasil
26- Shopping center: crítica ao PL 4.777, de 2012, e afins
32- Pneus para queimar ou para rodar?
35- Notas IBRADIM
37- Um upgrade necessário

06 Retomada da economia
aquece o mercado imobiliário

10 Debate Construtivo: entrevista


com o jurista Marcelo Terra

20 Reurb: os desafios da
regularização fundiária no País

30 Muito prazer,
IBRADIM

D E B A T E
A revista IMOBILIÁRIO é uma publicação periódica do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito
Imobiliário), uma entidade sem fins lucrativos que tem por objeto precípuo a pesquisa, o aperfeiçoamento,
o diálogo e a promoção permanente de debates de temas ligados ao setor imobiliário. Conselho Editorial: Olivar Vitale (presi-
dente), Bernardo Chezzi e André Abelha (vice-presidentes), Luciana Ismael (superintendente), Marcus Vinicius Motter Borges
(superintendente adjunto) Ulisses Penachio (diretor financeiro) - Participaram desta edição: Alexandre Clápis, André Abelha,
Andréia Moraes de Oliveira Brandão, Bernardo Chezzi, Bruno Feigelson, Carlos Del Mar, Celso Petrucci, Eduardo Zylberstajn, Enrico
Madia, Flávio Tartuce, Jaques Bushatsky, José Ricardo Pereira Lira, Júlio Viana, Luciana Ismael, Marcelo Terra, Olivar Vitale, Renato
Góes, Rodrigo de Araújo Mathias, Sérgio Jacomino, Sylvio Capanema e Ulisses Penachio.
Mecacom Comunicação Estratégica – www.mecacom.com.br - Diretora de redação: Denise Freitas Editora: Andréa Orlando
(Mtb.: 0061760SP) Projeto gráfico: Valter Freitas Redação: Juliana Veronese e Vivian Soares Revisão: Vera Zangari Tavares -
Imagens: arquivo pessoal, “Designed by Bedneyimages / Freepik” e Pixabay.com

Debate Imobiliário

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CAPA

Retomada
da economia
aquece o
mercado
imobiliário
Debate Imobiliário

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Após período de retração, especialistas
apontam cenário positivo para o setor.
Mas insegurança jurídica preocupa.

O
ano de 2018 vem de lançamentos e comportamento
trazendo boas notí- dos preços.
cias para o mercado Os valores dos imóveis, que vinham
imobiliário. Com os apresentando queda desde 2014, não
indicadores da eco- evoluíram de forma proporcional ao
nomia revelando tamanho da crise. “Levando em conta
trajetória de melhora, os especialistas o que aconteceu com o desemprego e
da área preveem uma recuperação, as taxas de juros, os preços se manti-
mesmo que lenta e gradual, para o se- veram rígidos. Houve um ajuste mais
tor. Embora ainda enfrentem desafios importante na quantidade de negó-
institucionais e jurídicos, os negócios cios do que nos valores”, constata o
estão entrando em um novo e positi- coordenador de pesquisas, lembran-
vo ciclo. do que os preços já pararam de cair
O ponto de inflexão aconteceu no e mostram fôlego para acompanhar a
final do ano passado, afirma Celso inflação.
Petrucci, economista-chefe do Secovi- O custo do crédito é um dos fatores
-SP. No segundo semestre, o número de maior otimismo para esse merca-
de lançamentos de unidades na ci- do: com as quedas das taxas de ju-
dade de São Paulo dobrou, um forte ros e o alongamento dos prazos, as
sinal de aumento da confiança dos condições de empréstimos estão em
empresários. As vendas também rea-
giram em 2017 – foram 23.700 uni-
dades contra 16.200 no ano anterior,
um crescimento de 46% no merca-
do mais pujante do Brasil. “Isso veio
depois de três anos da pior crise que
enfrentamos nas últimas décadas, em
que todos os fatores que influenciam
o mercado imobiliário trabalharam Celso Petrucci,
contra a nossa lógica de empreender, economista-chefe
lançar e vender”, diz Petrucci. do Secovi-SP.
Hoje, os tempos são outros. “Anali-
sando todos os indicadores importan-
tes para o setor, é possível afirmar que
o pior já passou”, garante Eduardo
Zylberstajn, coordenador de pesqui-
sas da Fundação Instituto de Pesqui-
sas Econômicas (Fipe). Responsável um patamar muito melhor do que o
pelo indicador Fipezap, que analisa observado nos últimos anos. Nesse
preços de imóveis em todo o Brasil, cenário, a confiança do consumidor
Zylberstajn avalia que três fatores cru- também cresceu, influenciada pelos
ciais vêm apresentando melhora: cus- tímidos dados de retomada da ativi-
to do crédito imobiliário, quantidade dade laboral. “A taxa de desemprego,

Debate Imobiliário

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CAPA
do Mundo e elei- zem impacto econômico por
ções presidenciais, não conseguir gerar seguran-
esperamos que as ça”, pondera. Ele ressalta que
vendas aumentem toda a cadeia imobiliária tende
em 10% em rela- a ser impactada negativamen-
ção a 2017”, prevê te por essa situação. “O que a
Eduardo Zylberstajn, Petrucci, do Secovi. Justiça tem feito é não reco-
coordenador de Ele justifica que os nhecer a validade dos contra-
pesquisas da Fipe dados regionais va- tos e definir regras que con-
riam entre si – en- sidera mais adequadas para a
quanto na Região situação. Falta reconhecer as
Sul o cenário de re- consequências mais amplas
tomada é mais oti- sobre o mercado, já que um
mista, na Norte os distrato com reembolso quase
indicadores de lan- integral coloca o empreendi-
que dobrou entre 2014 e 2017, çamentos e vendas mento em risco e afeta outros
parou de subir e vem mostran- registraram queda em 2017. consumidores de forma quase
do estabilidade, apesar de estar Um ponto de preocupação imediata”, acrescenta. Há efei-
em um patamar ainda alto. dos especialistas é a revogação tos também sobre o risco dos
Isso indica que a retomada do de contratos irretratáveis na empreendimentos que acabam
mercado imobiliário pode ser Justiça comum, conhecidos sendo traduzidos em aumento
lenta”, explica Zylberstajn. como distratos. Petrucci ad- de preço.
A demanda, que estava repri- mite que o mercado foi muito Outro exemplo citado pelo
mida durante os anos de crise, afetado por essa jurisprudência coordenador de pesquisas é a
vem mostrando vigor, e não a partir do segundo semestre polêmica sobre a suspensão do
apenas no segmento popular de 2013. “Em agosto de 2016, direito de protocolo pelo Tri-
do Minha Casa, Minha Vida. a cada quatro vendas realiza- bunal de Justiça de São Paulo,
“Mesmo em um ano de Copa das nos últimos anos, uma era que foi finalmente derrubada
revogada”, conta- no dia 16 de maio em decisão
biliza. Ele conta do Órgão Especial. A liminar
que uma das ações havia paralisado a aprovação
do Secovi tem sido de milhares de projetos por
discutir o tema conta da nova Lei de Zonea-
com governo fede- mento e gerou desconfiança
ral, Congresso Na- no setor. “O que falta no Brasil
cional e Superior são decisões mais previsíveis
Tribunal de Justiça da Justiça, para que o mercado
(STJ). seja mais eficiente”, salienta
Zylberstajn lem- Zylberstajn.
bra que um dos Petrucci acredita, porém,
efeitos perniciosos que alguns desses desafios es-
dos distratos para tão sendo superados pelo se-
a economia é que tor. Hoje, a taxa de revogação é
eles geram insta- de um em cada dez contratos,
bilidade e descon- alta, mas bem menor do que
fiança. “Um dos a observada há dois anos. “É
pilares do funcio- importante ressaltar que um
namento de qual- empreendimento é um com-
quer mercado é promisso de compra e venda,
a previsibilidade, mas com a recuperação da eco-
e esse é um dos nomia, já vemos uma melhora
exemplos que tra- clara do problema”, conclui.

Debate Imobiliário

8
opinião

OS RISCOS
DA SOLIDARIEDADE
N os mais de 50 anos atuando como advogado no mercado imobiliário,
principalmente nos segmentos da locação e do condomínio, vivi episó-
dios curiosos.
Um deles ocorreu quando convidei para comparecer ao meu escritório
o fiador de um contrato de locação, cujo locatário abandonou o imóvel devendo
quatro meses de aluguel e encargos, para que pagasse o débito, na qualidade de
garante.
Entendeu ele que se teria primeiro que cobrar do locatário, que era o verdadeiro
devedor, para só depois, não se logrando êxito, exigir o pagamento do fiador.
Expliquei, então, que ele assumiu a obrigação como devedor solidário, o que me
permitia escolher, livremente, e independente de ordem, a quem cobrar a integra-
lidade da dívida.
Perguntei, a seguir, se ele
havia lido o contrato e suas
condições.
A melhor definição Profundamente abalado,
respondeu-me que sim, mas
para o contrato que imaginou que ser solidá-
de fiança é de rio com o locatário significa-
ser ele o primeiro va estar ao seu lado nos bons
e maus momentos, já que era
passo para seu amigo de longa data, a
o rompimento de merecer todo seu apoio.
uma velha amizade. Além do mais, disse-me
ele, a solidariedade devia ser
um dever cristão e de amiza-
de, que imaginou estar cum-
prindo, o que o deixava or-
gulhoso e em paz com sua consciência.
Diante de sua evidente sinceridade, o que pude fazer, para
minorar seu prejuízo, foi celebrar uma transação para parce- sylvio capanema
lar o débito em dez prestações, compatíveis com seu salário.
O único benefício que lhe restou foi a experiência de, certa- Sócio e fundador do escritório
mente, nunca mais aceitar ser fiador, e muito menos solidá- de advocacia Sylvio Capanema de
rio, seja de parente ou amigo. Souza Advogados Associados.
Situações como essa, que não foram raras, que me conven-
ceram que a melhor definição para o contrato de fiança é de
ser ele o primeiro passo para o rompimento de uma velha
amizade.

Debate Imobiliário

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debate construtivo

Pingue-pongue - Olivar Vitale,


presidente do IBRADIM,
entrevista o renomado jurista
Marcelo Terra

Marcelo Terra é reconhecidamente um dos advogados mais


notáveis do País, atuando há décadas na área imobiliária.
No bate-papo com o presidente do IBRADIM, Olivar Vitale, ele
conta um pouco de sua experiência, vida e como visualiza o
futuro do direito imobiliário no Brasil. Leia a seguir.

Olivar: Marcelo, reza a lenda que cer o local do escritório, na rua conheceu Nívio, nascendo aí
você começou a trabalhar com di- Conselheiro Crispiniano, 29, uma profunda amizade e um
reito imobiliário antes mesmo do esquina da rua Sete de Abril. forte relacionamento empre-
seu primeiro dia como aluno na Ao fim da tarde, atravessei o sarial.
Faculdade de Direito do Largo São Viaduto do Chá, em direção ao Nívio fundou seu escritório
Francisco (USP). Como foi isso? Largo de São Francisco. Enfim, com o objetivo de assessoria
MT: A lenda é verdadeira. iniciei o estágio e depois os es- jurídica empresarial. Em 1974,
Nasci e morei em Santos até tudos acadêmicos. a GAF era uma grande cliente,
os 18 anos. Quando publicado Olivar: Durante anos o escritório mas não a única, compondo
o resultado do vestibular (então em que você trabalhou (fundado uma carteira de várias outras
CESCEA), meu tio Nívio (Nívio pelo seu tio Nívio Terra) atuava empresas nos mais variados seg-
Terra, renomado advogado de exclusivamente para uma empresa mentos da indústria, do comér-
direito imobiliário, hoje não só. Foi por sugestão sua que isso cio e da prestação de serviços.
mais em atividade) foi a Santos, mudou? Explique essa história, No começo dos anos 1980,
em meados de janeiro de 1974, contextualizando. várias empresas se formaram
para me convidar para o está- MT: Fundado em 1964 por da experiência acumulada por
gio, que se iniciaria em 4 de Nívio Terra, em 1974 eram seus engenheiros, que inicia-
março, primeiro dia letivo. dois os sócios, Nívio e Flávio ram sua própria atividade em-
Condição para o estágio: ser Abrahão Nacle e duas advoga- presarial e que naturalmente
um excelente datilógrafo até lá. das, Sônia Maria Gróba e Célia procuraram Nívio para ser seu
Ganhei de presente pelo ingres- Maria Fontão Caixeta, meus pri- assessor jurídico.
so no Largo de São Francisco o meiros mentores. Ao tempo do estágio, minha
livro Direito Financeiro, de Alio- Célia já estava de saída para atuação era um misto de conten-
mar Baleeiro. Inscrevi-me no ingressar no jurídico interno cioso e de contratual, com mais
curso de datilografia (durante da Gomes de Almeida Fernan- intensidade no contencioso
um mês, duas ou três horas diá- des, (GAF), então uma das maio- imobiliário.
rias, mais o treino na máquina res incorporadoras e construto- O grande incremento de
Olivetti de minha mãe Eunice). ras do Brasil, com sede no Rio de atuação no segmento da in-
No domingo 3 de março, mu- Janeiro, e com escritório em São dústria do empreendimento
dei-me para São Paulo. Na ma- Paulo desde 1964. imobiliário se deu a partir de
nhã seguinte, fui da ACM (onde Nesse ano, Raul Leite Luna 1982 e 1983, com a retoma-
morei os cinco anos do curso) na foi o encarregado de instalar o da da indústria, após uma crise
rua Nestor Pestana, 147, conhe- escritório paulistano da GAF e extremamente profunda.

Debate Imobiliário

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Olivar: Você nunca foi estagiário Sempre fui feliz em todas mi- mento entre advogado e clien-
ou advogado em qualquer outro es- nhas fases profissionais. Se não te. Antes, uma grande cum-
critório senão o do seu primeiro es- fosse advogado, como me tor- plicidade. Hoje, uma relação
tágio ou o seu próprio. Como você nei, sonharia pela carreira da mais fria, mais distante, via de
deixou de ser advogado contrata- magistratura e da academia. regra, principalmente nas mé-
do do seu primeiro escritório e se Olivar: O mercado imobiliário dias e grandes empresas. An-
tornou sócio? Você nunca cogitou brasileiro foi, durante anos, inci- tes, empresas de “dono”. Hoje,
ser o sócio de direito imobiliário de piente. A partir do ano 2000 até grandes corporações. Antes, um
um escritório grande, full service, o começo da última crise, isso grande amor do empresário pelo
com atuação em todo o País? Por mudou substancialmente. A que negócio por ele fundado. Hoje,
quê? fatores você imputa essa mudança? uma grande profissionalização
MT: Realmente, em 44 anos Como isso mudou a atuação do ad- e um grande amor pela gestão e
de trabalho tive um único em- vogado especializado no mercado não pelo negócio em si. Antes,
prego, o atual. Em dezembro imobiliário? tomada de decisão de risco pelo
de 1978, ao fim do curso de ba- próprio dono. Hoje, por um
MT: Na verdade, são ciclos de
charelado, Nívio me convidou executivo.
crescimento. De 1969 a 1975,
para permanecer no escritório Obviamente, em todas as dife-
uma grande fase.
como sócio e, a partir de ja- rentes épocas, havia empresário
De 1982 a 1985, uma reto-
neiro de 1979, me tornei sócio de um e de outro tipo.
mada. Em 1986 (de 28 de feve-
com a participação de 1% do Olivar: Outra lenda a seu res-
reiro, data do Plano Cruzado 1,
resultado líquido do mês, sem peito diz que você jamais para de
a 30 de novembro, data do Pla-
qualquer remuneração garanti- pensar em mercado imobiliário. Se
no Cruzado 2), uma grande ex-
da, à semelhança do que se pra- não está advogando, está lendo a
plosão. Nesse período, tenho
ticava, em outros percentuais, respeito ou viajando com pessoas
na memória que assessoramos
com Nívio, Flávio, Sônia e Es- do mercado para eventos de em-
tela Malagossi, que ingressara preendedorismo imobiliário. Isso
já como advogada em abril ou procede? Não tem hobbies?
maio de 1974. Advogado é advogado MT: É verdade. Mais uma den-
Considerando a intensidade 24 horas por dia, tre tantas lições legadas por tio
do estágio, eu praticamente já incluindo sábados, Nívio: advogado é advogado 24
advogava desde o começo do domingos e feriados horas por dia, incluindo sába-
quarto ano do curso (1977), dos, domingos e feriados. O có-
digo é livro de cabeceira. Maçan-
quando “ganhei” meu primei-
te e cansativo? Não para quem
ro estagiário, Lúcio Maia.
gosta e ama o que faz. Trabalhar
Nunca cogitei sair do escri- várias empresas na aquisição de
com o direito não cansa. Tenho,
tório e de lá migrar para outro 41 terrenos para futuras incor-
sim, dois grandes hobbies: famí-
de grande porte, ou full service, porações. Uma máquina de fa-
lia e trabalho. Caminhamos, Léa
como nominado na pergunta. zer minutas e fechar contratos,
(esposa de Marcelo) e eu, mui-
Na ocasião, o grande escritório sem auxílio da informática,
to pela cidade, pela praia, ven-
era, como é ainda hoje, o Pi- mas com as insubstituíveis fer-
do os detalhes da cidade em
nheiro Neto. ramentas da tesoura, da cola,
que moramos e que visitamos.
Nunca procurei e jamais fui do durex e da xerox.
Hoje, há um terceiro e querido
contatado. Outra retomada com o Plano hobby: curtir os três netinhos,
A bem da verdade, o hoje Real no primeiro semestre de Vítor (4 anos) e Helena (2 anos),
chamado “direito empresa- 1994. filhos de Guilherme (filho mais
rial imobiliário” era praticado E, finalmente, os primeiros velho de Marcelo) e Priscila, e
por escritórios boutiques (Nel- oito anos da década de 2000, Júlia (1 ano), filha de Eduardo
son Koyranski, Biasi Ruggiero, com a abertura de capital de vá- (filho mais novo de Marcelo) e
Walter Ceneviva, Luiz Arthur rias empresas. Vanessa.
Caselli Guimarães, dentre ou- Qual a grande mudança? Em De 2007 para cá, iniciamos
tros). meu sentir, a forma de relaciona- uma nova fase de viagens de la-

Debate Imobiliário

11
debate construtivo

Não estudar significa parar no tempo,


representa não exercer a profissão do advogado com
o vigor e a qualidade que dele se espera e se exige.

zer, que é a Missão Empresarial ros. Talvez ainda vivamos, sem Não acredito na estatização,
Fiabci (Federação Internacional uma percepção muito clara, um que somente agravará os defei-
Imobiliária), aproveitando o momento de transição pendu- tos atuais e eliminará as quali-
congresso mundial (em maio) lar. O Ministério Público mui- dades presentes.
com algumas esticadas e visitas to se engrandeceria se abrisse Olivar: Terceiro: o mercado imo-
técnicas a vários empreendi- suas portas para a sociedade, biliário está cada vez mais espe-
mentos, aprendendo um pouco no sentido de uma interlocu- cializado e complexo. Com ele, o
da cultura e dos hábitos locais. ção necessária e indispensável, mundo jurídico e tudo que o cerca.
Quase a totalidade dos parti- até mesmo para bem compreen- Na sua opinião, o Poder Judiciário
cipantes é vinculada, de alguma der os fatos em sua inteireza e está preparado tecnicamente para
forma, ao mercado imobiliário. completude. Para bem conhecer apreciar e julgar os tão complexos
Mas o que verdadeiramente as dificuldades do dia a dia, das casos em que é instado a decidir?
cultivamos nessas viagens é a consequências práticas das teses A esse respeito, seria a arbitragem
amizade. Aliás, o Secovi-SP e a nascidas em gabinete. uma solução, haja vista o conteú-
Fiabci, capítulo brasileiro, são Embora não reconheça pu- do técnico envolvido (para assun-
fontes inesgotáveis de amiza- blicamente, o promotor é tão tos sem relação de consumo)?
de. parcial quanto um advogado, MT: Penso que sim. O Judi-
Olivar: Como é a sua relação pois defende a tese de seu clien- ciário está aparelhado tecnica-
com clientes estrangeiros, novos te, individual ou coletivo, difu- mente a julgar questões com-
operadores do mercado imobiliá- so ou homogêneo. Há, porém, plexas, tanto quanto antes. Vejo
rio nacional, cada vez mais pre- uma grande diferença. Tem o a arbitragem como alternativa
sentes no País? poder de causar estragos e de importante, mas, pessoalmen-
MT: Muito interessante esse gerar um temor reverencial ne- te, com muitas ressalvas. Gosta-
aprendizado com os clientes fasto. ria de que a decisão arbitral fosse
estrangeiros vindos com outros A sociedade brasileira ainda passível de uma revisão por um
hábitos e culturas e modo de precisa encontrar um sistema de segundo painel arbitral, talvez
fazer negócios. O estrangeiro, pesos e contrapesos adequado. influenciado por uma frase do
habitualmente, faz a pergunta O diálogo institucional é o ca- professor Gofredo, no salão
“e se?”, uma resposta gerando minho para isso. nobre de nossas Arcadas e den-
novas indagações. O enorme Olivar: Segundo: Registro de Imó- tro de um outro contexto: jus-
desafio de transmitir ao não na- veis. Para muitos, reserva de merca- tiça de instância única somen-
cional nossas peculiaridades e do. Para outros, ente regulador, te a divina.
nossas dificuldades é um gran- centralizador e fundamental ao Mais ainda: ser árbitro não
de e complexo obstáculo a ser mercado imobiliário. Você está de pode ser uma profissão. Deve
vencido diariamente. que lado? o árbitro manter sua ativida-
Olivar: Temas relevantes e delica- MT: Defendo com veemência de primitiva como primordial,
dos. Primeiro: o Ministério Público o sistema atual. Trabalhando, trazendo para dentro da arbi-
e sua atuação no País, com foco como disse antes, há 44 anos tragem suas contribuições e suas
no mercado imobiliário. Qual a na advocacia imobiliária, fre- experiências de vida, não fican-
sua opinião a respeito? quento os Registros desde en- do somente na redoma do ga-
MT: Digo sempre que a fun- tão e sou testemunha viva da binete arbitral.
ção institucional do Ministério profunda transformação ocor- Olivar: Como advogado sócio
Público é fundamental para to- rida nesse período, seja na qua- de um escritório de sucesso, coor-
dos nós. Mas como em todas as lidade da prestação de serviços, denando e liderando advogados e
outras áreas, há desvios e exage- ou nas instalações prediais. estagiários, o que você tem a dizer

Debate Imobiliário

12
sobre a sua experiência ao longo tecnológico. E sim as mudan- exemplo de dedicação ao estu-
dos anos para advogados mais jo- ças legislativas e a velocidade das do e amor à advocacia serviram
vens que o veem como referência? comunicações. Tenho sempre pre- de inspiração a vários colegas
MT: A advocacia está em cons- sente o mandamento número que compartilharam ou ainda
tante mutação. Mas na essên- 1 do jurista uruguaio Eduardo compartilham momentos des-
cia a situação é a mesma, inde- Couture: estudar. sa dedicação à advocacia e ao
pendentemente da tecnologia Não estudar significa pa- direito empresarial imobiliá-
à disposição. Isto é, amor à rar no tempo, representa não rio.
profissão, ser advogado 24/7, exercer a profissão do advogado Olivar: Voltando ao tema “for-
respeitar o cliente, colocar o com o vigor e a qualidade que mar advogados do mercado”, há
interesse do cliente à frente de dele se espera e se exige. 12 anos o Secovi-SP tem um cur-
seus interesses profissionais. O Olivar: Você é membro hono- so de especialização em direito
resto é fácil. rário do IBRADIM. O que espera imobiliário empresarial idealiza-
Olivar: Você completou 40 anos do Instituto? Qual a importância do por você. Conte a história do
como advogado. No decorrer desse de ter um instituto dedicado ao curso e se entende que o seu obje-
tempo, quais mudanças presenciou estudo, ao debate e ao aprofun- tivo foi atingido.
na profissão? O que você faz para damento de questões do mercado MT: Na realidade, a ideia do
se manter sempre atento às mu- imobiliário, na sua visão? curso é mais antiga, data de
danças e às evoluções do mercado MT: Para quem começou a 1988, quando Arthur Parkinson
jurídico, inclusive em relação à trabalhar nos primeiros mo- formatou, no âmbito do Secovi-SP,
tecnologia? mentos do direito empresarial o curso de Negócios Imobiliários
MT: Na realidade, em 2018 imobiliário, ter a felicidade de e me convidou para coordenar o
completarei 40 anos da conclu- acompanhar o nascimento do módulo jurídico da grade cur-
são do bacharelado em 1978. IBRADIM é ver a concretização ricular ao lado de outras cinco
Mas, com o tempo do estágio, de um sonho acalentado em si- matérias.
intenso como já referido, lá se lêncio. Poderá o IBRADIM sina- O aluno-alvo não era o advo-
vão mais de 44 anos de exercício lizar uma nova etapa de geração gado, embora muitos estudan-
diário da profissão. O impacto de conhecimentos, de ideias, tes tivessem o bacharelado em
da tecnologia é profundo, mas de ideais e de amizade. direito.
sempre assim se deu. Imagi- Olivar: Por muitos anos, havia Ao longo desses anos, muitos
nem um advogado antes do ad- poucos advogados especializados colegas me pediam dicas de cur-
vento da máquina de escrever. em direito imobiliário. Hoje exis- sos de direito empresarial imo-
Um advogado, como eu, que tem diversos, e boa parte deles foi biliário.
começou a trabalhar em má- você quem formou. Tem orgulho Assim, surgiu o curso de especia-
quina Remington manual, que disso? lização dentro da UniSecovi, com
migrou para uma elétrica, para MT: Sim, sem dúvida. Tenho sua grade curricular, seu horá-
um computador dos mais sim- imenso orgulho de continuar rio de aulas e o mix de alunos.
ples até os dias de hoje, que viu uma obra iniciada por Nívio A motivação central desse curso:
o advento do fax, etc. Não sou Terra, que, com sua imensa von- formar inteligência jurídica da
dos mais tecnológicos, mas sem- tade de transmitir conhecimen- ótica do negócio imobiliário.
pre aberto a incentivar o uso das to, sempre se interessou em O objetivo inicial foi atingi-
novas ferramentas por todos do ensinar e formar profissionais do, sim. Mas estou constante-
escritório, ainda que com um na área da advocacia. Fui seu mente insatisfeito e em busca de
íntimo medo das novidades. estagiário e discípulo (e sou até aprimoramento. Penso que mui-
O principal desafio não é o hoje). Creio, também, que meu to poderia se aperfeiçoar.

Debate Imobiliário

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debate construtivo

“O direito imobiliário é uma expressão ampla demais”


Olivar: Após 21 anos, você cin- em São Paulo, ia até a Conselhei-
diu a sociedade de advogados que empresarial. Em terceiro lugar, ro Crispiniano. Com a chegada
mantinha e recentemente abriu jamais almejei ser concorrente de Guilherme e Eduardo, mu-
as portas em outro local com boa de meus clientes, pois sou de- dei o hábito para levar trabalho
parte dos sócios que já tinha. O positário de informações con- para casa, o que faço até hoje,
que espera dessa nova fase? fidenciais. com enorme auxílio da tecno-
MT: Após 20 anos de um logia. Há muitos anos, minha
Olivar: Em quais áreas, além
profícuo trabalho conjunto, biblioteca, da qual muito me
do direito imobiliário, você gosta-
todos nós chegamos à conclu- orgulho, fica em casa, pois o
ria de atuar?
são de que seria necessária uma tempo para leitura e estudo ou
MT: Acredito que o direito é à noite ou durante os fins de
separação de atividades, o que não seja dividido em departa-
se fez dentro da maior paz e do semana e feriados.
mentos estanques. O advogado
respeito mútuo que nos une, Hoje, quando estou trabalhan-
precisa ter uma visão interdisci-
buscando de forma incessante do em casa, meus netos Vítor
plinar, sem perder de vista sua
a preservação da ética e consi- e Helena pedem para assistir
especialidade. Uma cidade como a desenhos em meu compu-
deração aos clientes, razão de São Paulo não somente permite
ser do escritório. tador. Nada mais gostoso, um
um alto grau de especialização, neto em cada perna. Logo, logo,
A divisão da equipe se fez de mas a exige dos profissionais arrumarei espaço para Júlia.
forma natural, sem traumas, de todas as áreas, inclusive do
sem concorrência desleal. Certa- A emoção de ter netos é real-
direito. O direito imobiliário é
mente distinta. Quando se é
mente, um case para as faculda- uma expressão ampla demais, pai, a juventude da ocasião nos
des de administração. abrangendo o direito civil puro, faz crer sermos imortais. O mo-
O que espero dessa nova o direito processual civil, o mento perdido de hoje poderá
fase? Que seja tão feliz quanto imobiliário registral, o nota- ser recuperado no futuro. Quan-
todas as demais. Aliás, passados rial, o ambiental, o urbanístico do se é avô, a sensação é total-
cinco meses, essa convicção já se e tantos outros. mente diversa. Devemos apro-
faz presente. Olivar: Há quem diga que você veitar cada momento com essas
Olivar: Conhecendo o mercado amoleceu bastante e positivamente criaturas meigas, inocentes,
imobiliário como conhece, por com a chegada de seus netos. Isso com seu sorriso, porque talvez
que não enveredou ao empreende- é verdade? O que mudou na sua não haja tanto futuro assim.
dorismo, incorporando ou loteando vida? E na profissão? Carinhosamente chamo meus
tal qual os seus clientes? MT: Sim, é verdade. Sempre netinhos de “perda de tempo 1,
MT: Primeiramente, como tive o hábito de trabalhar um 2 e 3”. Na realidade, um amor
advogado 24/7, não sobra tem- pouco aos sábados e às vezes que se traduz em cada gesto,
po para outra atividade nego- aos domingos. Antes do nasci- em cada palavra, em cada mo-
cial. Depois, não tenho tino mento de Guilherme, estando mento, em cada sorriso.

Debate Imobiliário

14
Debate Imobiliário

15
tecnologia

Blockchain traz desafios


para o mercado imobiliário
Uma das tecnologias mais inovadoras dos últimos anos, a
blockchain revolucionou a área financeira e promete causar
impacto também em outros setores da economia.

O
sistema porpor exemplo, pode não mais Sérgio Jacomino, presidente
trás do bitcoin,
ser verificada pelos bancos en- do Instituto de Registro Imo-
a criptomoeda volvidos, mas por toda uma biliário do Brasil (Irib), é mais
que causa um rede que valida e confirma os cético quanto à extensão dos
misto de fas- dados da operação. O sistema efeitos da tecnologia nesse
cinação e des- traz mais segurança porque a mercado. “Não vislumbro um
confiança no mercado, vem própria cadeia garante a vera- impacto ‘disruptivo’ no mer-
inspirando novos empreendi- cidade da informação, que não cado imobiliário com o adven-
mentos no segmento imobiliá- fica “refém” de apenas um ser-
rio no Brasil e no mundo. vidor ou instituição.
A blockchain, mecanismo Para Bruno Feigelson, presi-
novo e complexo para quem dente da Associação Brasilei-
não domina o tema, explica ra de Lawtechs e Legaltechs Países como a Suíça
parte do receio com a tecno- (AB2L), no mercado imobiliá- e a Estônia já
logia. Os especialistas, porém,
garantem que ele é seguro – ao
rio, o maior impacto da tecno- estão usando a
logia incidiria especialmente
invés de ter uma instituição sobre os cartórios, que centra-
blockchain no
ou entidade que concentra os lizam informações relativas a mercado imobiliário.
dados de um determinado sis- contratos e transações. “Países Bruno Feigelson, presidente
tema, as informações são des- como a Suíça e a Estônia já es-
centralizadas em uma cadeia tão usando a blockchain no
de participantes. Isso significamercado imobiliário. Há uma
que uma transação financeira, tendência global de descentra-
lização e formação to da blockchain. Salvo uma
de redes”, afirma isolada iniciativa de oferta de
Feigelson. Ele já vê imóveis com pagamento em
o surgimento de criptomoeda, nada se realizou
cartórios expedindo concretamente que pudesse
atos cartoriais em abalar o mercado jurídico rela-
redes próprias de cionado com a compra e ven-
Bruno Feigelson, blockchain e acre- da de imóveis”, diz. Ele lembra
dita que a tecnolo- que os cartórios no Brasil já
presidente
gia tende a evoluir são sistemas descentralizados e
da (AB2L) nesse mercado. “Do que essa é uma das vantagens
ponto de vista tec- do atual formato, principal-
nológico, é mais mente em relação à segurança
seguro e transparen- dos dados. “Seria quase uma
te”, acrescenta. blockchain analógica. Os car-

Debate Imobiliário

16
“A blockchain é hoje o que
a internet era em 1995”,
lembra Viana.

tórios de Registro de Imóveis, Há algumas barreiras insti- e providenciando informações


por não concentrarem os da- tucionais e legislativas que po- fáceis e baratas sobre a situa-
dos acerca das titularidades dem atrasar a evolução dessa ção jurídica dos bens. “Seria
dos brasileiros numa central tecnologia no mercado, toda- necessário colocar em prática
nacional, protegeram muito via os especialistas creem que o o Sistema de Registro de Imó-
bem, até aqui, os cidadãos da futuro certamente será afetado veis Eletrônicos, reformando o
bisbilhotice digital quando o pelos sistemas de blockchain. modelo que representa mode-
assunto é o inventário patri- Isso porque, muito além de ser los arcaicos de registro de imó-
monial e de direitos imobiliá- uma nova tecnologia, trata-se veis”, justifica.
rios”, completa. de uma maneira diferente de A blockchain pode não ser
Longe de ser uma ameaça, as pensar os sistemas e as relações uma solução definitiva para os
iniciativas de registro das redes entre pessoas e instituições. problemas do mercado, entre-
“A blockchain é hoje o que a tanto, o interesse sobre o as-
blockchain podem ser compa-
internet era em 1995”, lembra sunto e as iniciativas no setor
tibilizadas com o registro de
Viana. mostram que os negócios têm
imóveis. “A blockchain é uma
ferramenta tecnológica inova- Os desafios, nesse momen- se movimentado para usar a
to, estão mais relacionados a tecnologia a seu favor. “Não há
dora e útil que pode agregar
temas regulatórios, institucio- como negar que se trata de um
confiabilidade a determinadas
nais e legais. Bruno Feigelson, tema importante e que é es-
coleções de dados digitais. Mas
da AB2L, considera que o con- sencial compreendê-lo para se
ela não é o Registro de Imóveis,
trole cartorário e imobiliário proteger como negócio. Apesar
apenas traz mais confiança e
será transferido eventualmen- de experimental, o movimento
previsibilidade num ambiente
te para as redes, que, em teoria, existe e cresce cada vez mais.
crescentemente complexo e Quem se mantiver relutante,
podem tornar-se 100% livres
inseguro”, adverte Jacomino. de cartório. “Mas isso exige vai ficar para trás”, alerta Júlio
As iniciativas concretas de um marco regulatório. Acredi- Viana.
blockchain no Brasil, todavia, to que antes haverá uma fase
ainda são tímidas. Júlio Viana, em que os cartórios serão mais
CEO da Infoprop e organiza- eficientes e baratos
dor de eventos sobre block- criando redes pró-
chain para o mercado jurídico, prias e integradas”,
ressalta que a discussão sobre conclui.
o tema está em caráter em- Jacomino, do Irib,
brionário. “Quando se pensa afirma que alguns
em possibilidades para o mer- dos desafios hoje são Sérgio Jacomino,
cado imobiliário, percebemos o de abreviar e racio- presidente do
que os projetos ainda são ex- nalizar o percurso
perimentais. O único setor em legal e burocráti-
(Irib)
que a blockchain realmente co na aquisição de
prosperou foi no mercado fi- imóveis, universali-
nanceiro e em criptomoedas”, zando o acesso aos
pondera. registros de imóveis

Debate Imobiliário

17
opinião

O DISTRATO E O EQUILÍBRIO
NAS RELAÇÕES DE
COMPRA E VENDA –
ISSO, DE FATO, EXISTE?
O mercado imobiliário vem
enfrentando ao longo dos
últimos cinco anos grave turbulência
e significativos prejuízos em face das
consumeristas visa a tutelar a todos
os participantes daquela relação que
só poderá se aperfeiçoar, de forma le-
gítima, com o cumprimento de todas
relações obrigacionais inerentes à in- as obrigações existentes por todos
corporação imobiliária (lançamento aqueles abarcados pela contratação.
e venda de unidades imobiliárias em Fato evidente dessas indicadas
construção para entrega futura). prerrogativas negociais advém da
Tais percalços são comumente vei- lei de incorporação imobiliária, que
culados nos meios de informação assevera ao incorporador receber o
e notícia de todo o País, e um dos integral preço por aquilo que contra-
maiores exemplos do desequilíbrio tou bem como indica mecanismos à
entre a obrigação de construir e o manutenção da coletividade de ad-
respectivo pagamento do preço da- quirentes, tudo para que o fim maior
quilo que o adquirente livremente pretendido, por toda e qualquer in-
contratou é a quantidade de pedi- corporação imobiliária, reste alcan-
dos de desfazimento dos negócios de çado, qual seja: entregar as unidades
promessa de compra e venda, bem imobiliárias dentro das condições e
como as denominadas ações de res- forma expressamente ajustadas entre
andréia moraes cisão contratual apresentadas pelos as partes. Nesse mesmo diapasão,
adquirentes dessas unidades. o Código Civil estabelece, de forma
de oliveira brandão Ocorre que tão necessário quanto inequívoca, que somente a parte lesa-
Assessora Jurídica da Associação buscar a salvaguarda das pretensões da pelo inadimplemento pode pedir
das Empresas do Mercado daquele que adquire um bem e, pos- a resolução do contrato, se não pre-
Imobiliário do Distrito Federal teriormente, quebra a negociação ferir exigir o cumprimento, cabendo,
(Ademi-DF) e sócia-fundadora do livremente assumida com o incor- em favor daquele que sofreu com o
escritório Mourão e Moraes porador, tem-se o inarredável direito desfazimento ou a inobservância da
Advogados Associados. da coletividade de adquirentes com avença, a necessária indenização por
o respectivo empreendimento imo- perdas e danos.
biliário e, por óbvio, a proteção ao No entanto, a grande maioria dos
cumprimento e à conclusão do cro- tribunais, adotando uma interpreta-
nograma de obras e entrega do bem. ção prejudicial àqueles adquirentes
Até porque a proteção às relações adimplentes com suas obrigações de

Debate Imobiliário

18
pagamento e ao empreendimento, se segmento que é res-
que necessita de tais recursos à sua ponsável por significa-
consecução, simplesmente e sem tiva parcela de geração
qualquer comprovação efetiva de cul- de emprego e renda,
pa ou descumprimento pelo incor- tanto de forma direta
porador, decreta o exaurimento da quanto indireta.
contratação como se o único intuito E foi exatamente em
da celebração daquele negócio fosse razão da desacelera-
dar ao adquirente a possibilidade de ção e das perdas reais
auferir ganho ou vantagem ilegítima do poder das incorporadoras desen-
e indevida, em flagrante detrimento volverem de forma regular e com
do incorporador, que fica à mercê da equilíbrio a equação econômico-fi-
boa vontade ao cumprimento das nanceira que resta delineada a cada
disposições expressamente contrata- empreendimento imobiliário que o
das. Em não poucas vezes (para não governo federal e o Legislativo bus-
se dizer na quase totalidade dos ca- cam alternativas à minimização dos
sos!), o incorporador fica submetido impactos descritos. Alguns projetos
à inacreditável supressão dos seus di- de lei estão na Câmara e no Senado
reitos à efetiva reparação das perdas e Federal, onde, em razão das aperta-
dos danos oriunda da quebra contra- das linhas, é de se destacar projeto de
tual, para acorrentar-se na obrigação lei, em tramitação no Senado, que, se
de restituição de, em regra, 90% dos o adquirente de unidade imobiliária
pretender a desconstituição do negó-
cio, seja por ausência de condições
de pagamento ou, então, por conve-
O equilíbrio nas relações de
niência unilateral, poderá responder
compra e venda, principalmente,
pela incidência de multa no percen-
quando do desfazimento negocial
tual de 25% sobre os valores efetiva-
deve, de fato e de direito, existir
mente pagos ao incorporador, caben-
para ambas as partes.
do, ainda, a retenção do percentual
de 5% como indenização pelas des-
pesas de comissão de corretagem pa-
valores pagos, independentemente gas. O projeto prevê a possibilidade,
se tal devolução se verificar para um, dentro daquilo que o Código Civil já
20, ou, então, para a quase integrali- autoriza, de, em estando contratado,
dade de adquirentes ante um mesmo admitir-se indenização suplementar,
empreendimento imobiliário. Refle- dentre outras questões trazidas com
xo direto disso, tem-se que, nos dois o objetivo, único e exclusivo, de se
primeiros meses do ano de 2017, o promover a necessária segurança ju-
distrato de imóveis residenciais de rídica às contratações e obrigatório
médio e alto padrão chegou ao per- equilíbrio entre direito e obrigações
centual de 53% das contratações ha- das partes abarcadas pela relação ne-
vidas no referido período. gocial, não podendo se admitir que
Assim, não se pode olvidar que a um contrato tão complexo e com
admissibilidade à prática de, simples- tantas variáveis como o de incor-
mente, rescindir por rescindir, em poração imobiliária seja aniquilado
direta lesão e negativa de vigência e subjugado a “contrato de investi-
aos mecanismos de proteção legal- mento”. O equilíbrio nas relações
mente dispostos à atividade da in- de compra e venda, principalmente,
corporação imobiliária, fez com que quando do desfazimento negocial
o mercado imobiliário de todo Brasil deve, de fato e de direito, existir para
mergulhasse na mais grave crise des- ambas as partes.

Debate Imobiliário

19
política pública

Reurb: os desafios
da regularização
fundiária no País
Nova lei promove mudanças para facilitar
o processo, mas obstáculos ainda são grandes.

E
stima-se que mais de 50% dedicar seus primeiros dois capítulos ao
das 60 milhões de moradias Programa Minha Casa Minha Vida e ao re-
urbanas no Brasil tenham gistro eletrônico de imóveis para, apenas
algum tipo de irregulari- no terceiro, dispor sobre a regulamentação
dade registral ou fundiária. fundiária. “Precisávamos de uma legisla-
São cerca de 90 milhões de ção que desvinculasse a questão da regu-
pessoas morando em áreas públicas ou pri- lamentação da política habitacional para a
vadas construídas irregularmente. A reso- população mais humilde e, nesse sentido,
lução do problema é complexa, mas a Lei a nova medida traz um ganho ao debate”,
Federal 13.465, promulgada em julho de afirma Góes, que foi presidente do Comitê
2017, promete simplificar o processo. Estadual de Regularização Fundiária do Es-
A medida promove mudanças impor- tado de São Paulo até 2016 e participou do
tantes na regularização desses imóveis e Grupo de Trabalho do Ministério das Cida-
abrange aspectos jurídicos, ambientais, ur- des responsável pela elaboração do projeto
banísticos e sociais. Tal como a Lei 11.977, convertido na Lei 13.465.
de 2009, ela estipula dois tipos de imóveis
que poderão ser regularizados: aqueles de
interesse social, para famílias de baixa ren-
da (Reurb-S), e os de interesse específico
(Reurb-E), para quem não se enquadra na
categoria anterior. Se por um lado a nova
lei trouxe avanços, na prática ela enfrenta
grandes desafios.
O principal deles, segundo Renato Góes,
advogado e consultor em regularização
fundiária, está na conscientização de ges-
tores públicos. “É preciso que se entenda
que não estamos falando de política ha-
bitacional, mas política pública de desen-
volvimento socioeconômico de um país”,
alerta.
A “confusão”, diz ele, acontece espe-
cialmente pelo fato de a Lei 11.977/2009

Debate Imobiliário

20
O processo de convencimento passa tam-
bém pelos moradores de áreas irregulares. É
o que ressalta Enrico Madia, criador do Pro-
grama Minha Casa Legal, uma startup que
tem o objetivo de conectar pessoas interes-
sadas na elaboração do projeto de regula-
rização a profissionais como advogados,
arquitetos e engenheiros, dentre outros.
“Precisamos mostrar para essas pessoas que
faz sentido buscar a regularização fundi-
ária, já que ela traz inúmeros benefícios,
como a garantia real do imóvel”, explica.
Renato Góes,
Direito de Laje advogado e consultor
Madia aponta como um dos maiores em regularização
ganhos da nova lei o chamado Direito de fundiária
Laje, que permite a regularização desse tipo
de construção tão comum nas grandes ci-
dades brasileiras. Ao contrário da Medida
Provisória 759, de 2016, que tratava o di-
reito real de laje como uma “possibilidade naturalmente levando-se em conta a re-
de coexistência”, a nova lei o garante como alidade de cada um”, salienta Góes. “Sou
uma verdadeira propriedade, permitindo a favor de que essas pessoas paguem pelo
que seus donos negociem a superfície de projeto e que a prefeitura execute eventu-
sua construção. Outra importante mudan- ais obras de readequação urbanística. Mas
ça em relação à MP de 2016 é a exclusão nada impede que haja uma negociação
da obrigatoriedade de acesso independente com o poder público, como eventual isen-
para as diferentes moradias – o que leva em ção de IPTU para moradores que tenham
conta a realidade desses locais, onde o aces- investido nessas obras”, completa Madia.
so normalmente é compartilhado. Outro ponto que suscita críticas é a au-
Tanto Madia quanto Góes, no entanto, sência de um prazo legal que obrigue pre-
ressaltam que a legislação tem alguns pon-
tos falhos. O principal deles refere-se ao
fato de a classificação
como Reurb-S isentar
o morador de gastos
com a elaboração do
projeto de urbaniza-
ção e eventuais melho-
rias de infraestruturas,
deixando o encargo
integralmente para os
municípios. “Como
você implementa uma
política pública para
metade do Brasil e dá Enrico Madia,
a conta para o muni- criador do Programa
cípio pagar? Viver em
Minha Casa Legal
sociedade tem um cus-
to, e isso precisa ser
rateado entre todos,

Debate Imobiliário

21
política pública

feitos a executar a regularização dos casos poucos) haverá a necessidade de judi-


de Reurb-S após a aprovação do pedido cialização desses processos, postergando
de regularização. “Os casos enquadrados uma solução.  
como Reurb-E são ativos, ou seja, o mora- A discussão é extensa e aborda temas
dor pode implementar a regularização. Já tão profundos quanto dignidade, cida-
os casos considerados sociais dependem dania e prevenção de formação de novas
integralmente da boa vontade do poder áreas irregulares. Mas, ainda que alvo de
público”, critica Madia. críticas e com desafios complexos pela
Góes aponta outra falha que pode atrasar frente, a nova lei dá um passo importan-
os processos de regularização: o fato de a te rumo à regularização rural e urbana no
lei prever várias hipóteses para se buscar a Brasil. Afinal, por mais árdua que seja sua
conciliação entre o poder público munici- implantação, não fazê-la traz prejuízos
pal e o eventual impugnante do processo muito maiores para o País. “Todo mun-
de Reurb, mas não trazer uma solução caso do pergunta quanto custa fazer regulari-
esse entendimento não ocorra. Na prática, zação fundiária. Mas a pergunta certa é:
isso significa que nesses casos (que não são quanto custa não fazer?”, finaliza Góes.

A evolução da Reurb
Promulgada em 11 de julho de 2017, a Lei Federal 13.465 dispõe sobre o
processo de regularização fundiária rural e urbana (Reurb), estabelecendo
diretrizes tanto para o poder público quanto para os particulares. O assun-
to não é exatamente novo: a Constituição de 1988 já previa, nos artigos 182
e 183, a função social da propriedade e o plano diretor municipal. Em 2001,
o Estatuto da Cidade volta a tratar da regularização fundiária como instru-
mento jurídico de política urbana. No mesmo ano, a criação do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU) representou mais um passo
importante ao garantir ao ocupante o direito à concessão de uso especial
para fins de moradia. A valorização da posse de imóveis pela população
carente voltou a ser reforçada na Lei 11.481, de 2007, assim como na Lei
11.977, de 2009, que, além de instituir o Programa Minha, Casa Minha Vida,
tratava da regularização fundiária por meio do Programa Nacional de Habi-
tação Urbana (PNHU).

Debate Imobiliário

22
Debate Imobiliário

23
opinião

os desafios da
multipropriedade
no brasil
Uma opção para o mercado imobiliário
e a indústria do turismo.

O instituto da multiproprieda-
de, importante para fomen-
tar a indústria do turismo,
sempre trouxe certa inquietude. Pri-
meiro, por não ser muito utilizado
utilização do imóvel por turno, o
empreendimento acaba tendo ocu-
pação constante, girando, assim, a
economia local.
Na prática, os consumidores que
no Brasil, mesmo sendo um país que compram uma multipropriedade ad-
possui uma das maiores vocações tu- quirem uma fração de um imóvel,
rísticas do mundo; e, segundo, por com direito de utilização por perío-
ser um instituto que permite com- dos, tornando-se proprietários. Os
partilhar espaços de tempo entre sócios, como assim são definidos,
proprietários distintos. dividem as despesas e os custos do
Ultimamente, o mercado imobi- imóvel, conforme sua utilização,
liário nacional tem-se agitado mui- e podem ainda estipular uma taxa
to com relação à multipropriedade mensal para cobrir os custos fixos.
como possibilidade de uma segunda Diferentemente do sistema de time
residência para períodos de férias. sharing, em que os adquirentes são
Essa demanda, que nasce devido ao proprietários de unidades de tem-
aumento do turismo e à insuficien- po em empreendimentos hoteleiros
rodrigo de te oferta de empreendimentos nesse e possuem direito de uso por uma
araújo mathias segmento, surge como uma medida quantidade de tempo prefixado, o
ótima para o mercado imobiliário e adquirente da multipropriedade, no
Advogado com 12 (doze) anos de bastante atrativa para o consumidor. Brasil, é detentor da propriedade,
experiência, atuou como advogado ou seja, possui todos os direitos
Outro fator importante que deve
Sênior do departamento jurídico da
ser considerado é o social. Quem tem inerentes a ela, podendo inclusive
multinacional mexicana, do ramo
a oportunidade de comprar uma pro- dispor do bem a qualquer tempo.
hoteleiro e de time sharing, Royal
priedade de descanso em localidades Um dos grandes desafios enfrenta-
Holiday Brasil Negócios Turísticos.
Atualmente é responsável pelo
turísticas acaba por não aproveitá-la dos para difundir o instituto da mul-
departamento jurídico da RCI Brasil, continuamente, deixando-a a maior tipropriedade no Brasil, entretanto, é
empresa multinacional americana, parte do tempo fechada, o que atra- a falta de regulamentação específica.
especializada em intercâmbio de palha o desenvolvimento da região e O time sharing teve a sua regulamen-
hospedagem, exercendo a função de não gera empregos. Com o instituto tação em 1997 com a edição da Ins-
supervisor jurídico. da multipropriedade, esse problema trução Normativa 378, pela qual o
é sanado quase que por completo, Ministério do Turismo implementou
pois, por meio de mecanismos de o sistema do tempo compartilhado

Debate Imobiliário

24
em meios de hospedagem de turis- de tempo: “Na hipótese de multipro-
mo, que, posteriormente, foi regula- priedade (time sharing) serão abertas
mentado pela Lei 11.771/2008. as matrículas de cada uma das uni-
Assim, desde então, o time sharing dades autônomas e nelas lançados os
ganhou muita força e vem conquis- nomes dos seus respectivos titulares
tando o mercado hoteleiro no Bra- de domínio, com a discriminação da
sil. Por sua vez, a multipropriedade respectiva parte ideal em função do
imobiliária com viés turístico ainda tempo”.
é pouco explorada, principalmente Assim, pensando na regularização
pela falta de regulamentação especí- e pacificação do mercado, juristas,
fica, pois não existe legislação sobre comercializadoras, empreendedores,
ela ou aproveitamento por turnos no empresas intercambiadoras, associa-
Brasil, ao contrário do que ocorre em ções civis e entidades sin-
outros países com forte vocação tu- dicais se uniram e apresen-
rística. taram projeto de lei (PL)
Levando-se em conta que a figura para regulamentar a mul-
do direito real para se obter o apro- tipropriedade imobiliária
veitamento de imóveis por turnos ou e também móvel no Brasil.
Trata-se do PL 54/2017,
que, atualmente, se encon-
tra na Comissão de Consti-
Na prática, os consumidores tuição e Justiça do Senado
que compram uma Federal, para apreciação fi-
multipropriedade adquirem nal antes ser enviado para
uma fração de um imóvel, votação no Plenário.
com direito de utilização A aprovação desse PL, de funda-
por períodos, tornando-se mental importância, trará segurança
jurídica para todas as partes envol-
proprietários
vidas e desenvolverá ainda mais a
indústria do turismo no Brasil. Fora
isso, é importante que se diga, o ins-
frações de tempo não existe no di- tituto da multipropriedade por apro-
reito brasileiro, cujo rol dos direitos veitamento por turno consiste em
reais é taxativo, restam poucos ins- um contrato que merece e necessita
trumentos ou ferramentas para ser da publicidade registrada, visto que
utilizados na adoção desse sistema. os direitos envolvidos são sérios e
Todavia, a velocidade da evolução merecem total transparência e con-
dos negócios jurídicos é superior ao trole do Registro de Imóveis. Uma
próprio direito, e, não existindo nor- vez que esses contratos acessem o
ma que proíba a adoção da multipro- Registro de Imóveis, receberão publi-
priedade no Brasil, os empreendedo- cidade explícita e geral, o que faci-
res são forçados a usar, por analogia, litará a consulta e eventual permuta
a Lei de Incorporação Imobiliária por períodos.
4591/64 para implementar os proje- A legislação brasileira vem evoluin-
tos de multipropriedade. do em relação a esse tema, e a atu-
Em São Paulo, a Corregedoria Ge- ação de diversas empresas no ramo
ral da Justiça entendeu recentemen- é crescente no mercado brasileiro.
te, na edição das Normas de Serviço Isso torna inevitável o surgimento
(item 229.1, Cap. XX), a possibili- e a aprovação de leis que regulem e
dade da utilização do condomínio tornem ainda mais consolidada a in-
ordinário dividido em fração ideal dústria turística no Brasil.

Debate Imobiliário

25
opinião

shopping center
centrar a atenção na liberdade con-
ferida a lojistas e empreendedores,
no âmbito contratual, para a estipu-
lação de regras que podem ser dividi-

crítica ao pl 4.777
das em duas categorias: econômica e
operacional.
Entre as normas de natureza eco-
nômica destacam-se a forma de fixa-

de 2012, e afins. ção do aluguel e o critério de rateio


de despesas entre os lojistas do em-
preendimento.
Com relação ao aluguel, a liberda-
de de contratar faculta a conjugação
do aluguel percentual, que corres-
ponde a uma fração do faturamento

O
da loja, com a garantia de uma renda
artigo 54 da Lei de Loca- mínima pelo lojista, designada alu-
ções 8.254, de 1991, esta- guel mínimo.
belece que, “nas relações No tocante ao rateio de despesas,
entre lojistas e empreen- a liberdade contratual propiciou a
dedores de shopping criação de um método peculiar aos
center, prevalecerão as condições li- shoppings, aptos a lidarem com a
vremente pactuadas nos contratos de constante modificação do número
locação respectivos e as disposições de lojas que contribuem para o cus-
procedimentais estabelecidas nesta teio do empreendimento.
lei”. O sistema prevê contribuições di-
Observa-se daí que o regime jurídi- ferenciadas, aplicáveis a “lojas-ân-
co da cessão remunerada de espaço coras”, quiosques e outras operações
em shopping center obedece a duas especiais, coexistindo com contri-
diretrizes fundamentais: (a) há liber- buições baseadas no Coeficiente de
dade de contratar relativamente a Rateio de Despesas (CRD), atribuídas
regras de direito material; e (b) são a “lojas-satélites”.
aplicáveis as normas procedimentais Ainda no campo das estipulações
estabelecidas na lei de locações. de natureza econômica, a liberdade
Quanto às disposições procedi- de contratar permite pactos comuns
mentais, a lei assegura aos lojistas a à estruturação dos shoppings, tais
renovação compulsória das locações, como:
estabelece que a retomada de lojas só (a) de res sperata, que para alguns
se dá por despejo e franqueia às par- constitui uma espécie de “joia” paga
tes o acesso à ação revisional. pelo direito de ingressar no “time”
Trata-se de opção legislativa, com de lojas de determinado empreendi-
josé ricardo todos os prós e contras. O projeto de mento;
pereira lira Código Comercial cogita rever esse (b) de taxa de transferência, que
modelo, com previsão de um con- prefixa o valor da cessão da locação,
Sócio de Lobo & Lira Advogados e trato de shopping center sem sujei- quando autorizada, após verificação
diretor estadual - RJ do Instituto ção das partes ao regime processual da compatibilidade do cessionário
Brasileiro de Direito Imobiliário das locações e com preservação da com o conjunto de lojas do em-
(Ibradim). liberdade contratual na matéria, dis- preendimento; ou ainda
cussão ainda em curso no Congresso (c) de multas inibitórias da rescisão
Nacional. antecipada da locação pelo lojista,
No momento, porém, cabe con- sob a premissa de que o abandono

Debate Imobiliário

26
do mix de lojas é prejudicial ao complexo de de 12 (doze) aluguéis mensais, vedada qualquer
empresas que operam no centro comercial. modalidade de cobrança progressiva ou de per-
Passando ao plano operacional, também aqui centual sobre o faturamento do locatário”.
há regras extremamente essenciais à modela- Note-se que o projeto simplesmente proíbe o
gem dos shoppings. São elas, por exemplo, as aluguel percentual, que vem a ser justo aquele
que obrigam o conjunto de lojas a respeitar um que confere ao shopping center a condição de
mesmo horário de funcionamento, ou as que modalidade diferenciada de negócio varejista.
instituem a adesão obrigatória de lojistas a cam- Como se sabe, o que distingue a locação de
panhas promocionais coletivas em datas festi- loja de rua da locação de loja em shopping cen-
vas, como Dia das Mães, ter é, precisamente, o
Natal, dentre outras. interesse do locador em
Enfim, a liberdade de relação à performance
contratar está na raiz da Proibir o aluguel do locatário.
concepção jurídica dos percentual na locação Na locação de loja de
shoppings, inclusive para rua, é indiferente ao lo-
viabilizar novas estruturas em shopping center cador o ramo de comér-
negociais que se sucedem,
com frequência, como
é o mesmo que cio do locatário, ou o
horário em que exerce
ilustram: extinguir essa modalidade sua atividade comer-
cial. Basta que aluguéis
(a) a atual busca por sis-
temas contratuais que har-
de negócio. e encargos estejam em
monizem os shoppings ao dia para que se tenha o
comércio on-line (ainda adimplemento contra-
em construção); ou tual.
(b) as demandas geradas em momentos de cri- Na locação em shopping center, a premissa se
se, como se deu com a profusão de allowances inverte. É decisivo para o locador que o locatário
nas locações desses empreendimentos (isto é: exerça a atividade estabelecida no contrato e que
cláusulas pelas quais empreendedores conferem observe o horário de funcionamento das lojas.
benesses financeiras a lojistas, para que estes in- Afinal, a renda do locador é determinada pelo
gressem nos malls). resultado das vendas dos lojistas, que precisam
Partindo de aparente incompreensão do mo- ser organizados em condições ótimas de atendi-
delo de negócio, vez por outra surge no Congres- mento ao consumidor.
so Nacional iniciativa legislativa para restringir a Em outras palavras, proibir o aluguel percen-
liberdade de contratar entre lojistas e empreen- tual na locação em shopping center, como suge-
dedores. re o Projeto de Lei 4.777/2012, é o mesmo que
Exemplo desse tipo extinguir essa moda-
de ação parlamentar é lidade de negócio, re-
o Projeto de Lei 4.777, tirando do empreen-
de 2012, em trâmite dedor todo interesse
na Câmara dos De- na adequação do con-
putados, que prevê a junto de lojas aos de-
inclusão de um § 2º sejos do consumidor,
no artigo 17 da lei de o que destrói a lógica
locações, com a se- do empreendimento.
guinte redação: “Na É fato que, no trâ-
locação de espaço mite legislativo, foi
comercial imobiliário aprovado um substi-
em centros comerciais tutivo ao projeto de
(“shopping centers”), lei, expurgando do
somente será permi- texto a vedação ao
tida a cobrança anual aluguel percentual.

Debate Imobiliário

27
opinião

Na maioria das lojas,


como é notório, o mês de dezembro
apresenta movimento enorme
se comparado com os demais
meses do ano.

Ainda assim, porém, o fundamento Como o volume de vendas do co-


adotado no substitutivo demonstra mércio varejista é sujeito a variações
que a liberdade de contratar, nessa sazonais durante o ano, a produtivi-
relação entre empresários, continua dade mínima é concebida em termos
incompreendida por alguns. anuais, embora refletida nos contra-
A justificação do substitutivo, com tos em termos mensais.
efeito, defende que a alteração legis- Assim, o faturamento do lojista
lativa seria de “substancial impor- não se distribui em quantias iguais
tância, vez que veda prática abusiva nos 12 meses do ano; por isso os pi-
de cobrança de 13 ou mais aluguéis/ sos dos aluguéis mensais não preci-
ano”. sam corresponder a 1/12 da produti-
Dita premissa parte de equívoco vidade mínima projetada para o ano.
conceitual manifesto. Afinal, o que Na maioria das lojas, como é no-
caracteriza o negócio shopping cen- tório, o mês de dezembro apresenta
ter é a participação do empreende- movimento enorme se comparado
dor nas vendas do lojista, observado com os demais meses do ano. Então,
um valor mínimo, ou piso. os contratos costumam prever piso
O piso corresponde à produtivi- dobrado em dezembro, o que equi-
dade mínima prometida pelo lojista vale a dividir a produtividade anual
com a exploração comercial da loja, por 13 e atribuir 1/13 em cada mês,
que não deve ser inferior àquela que exceto dezembro, quando o piso cor-
propiciará ao empreendedor a remu- responderá aos restantes 2/13.
neração esperada pelo investimento Dependendo do ramo do lojista, o
feito no shopping. maior volume de vendas pode ocor-
Essa produtividade mínima é es- rer não somente no mês de dezem-
tabelecida por consenso das partes, bro, mas também em outros meses
quando contratam a locação. O em- ou estações do ano e os contratos po-
preendedor concorda em firmar o dem refletir esse fenômeno, fazendo
contrato na expectativa de que a pro- incidir maior parcela da produtivida-
dutividade mínima será atingida e o de mínima convencionada nos me-
locatário assina o contrato ciente de ses mais movimentados, aliviando
que está assegurando a produtivida- a carga sobre os meses menos aqui-
de mínima. A praxe do setor, como nhoados.
já mencionado, designa o piso men- Assim, por exemplo, uma loja de
sal de aluguel mínimo (termo que, chocolates pode ter seu piso remune-
aliás, não parece ideal, em face da ratório dobrado no mês da Páscoa, e
natureza da obrigação, consistente não no do Natal. Já uma loja de ma-
em piso remuneratório). terial escolar pode ter o dobro do piso

Debate Imobiliário

28
fixado no mês antecedente
ao do início das aulas. Há
também operações que não
se sujeitam a sazonalidades,
como ocorre com caixas 24
horas, caso em que o piso
remuneratório fica mesmo
dividido pelos 12 meses do
ano. daquelas em que há uma parte hi-
Evidentemente, em todos os ca- possuficiente. Ao contrário, trata-se
sos, só uma prestação vence mensal- de relação entre experientes empre-
mente em contraprestação pelo uso sários, ambos peritos no exercício da
de loja locada em shopping center: livre iniciativa.
o aluguel mensal é um só, determi- Os locatários, como regra, são em-
nado mediante a aplicação de uma presas de porte, como lojas de depar-
percentagem sobre o faturamento tamentos, bancos, concessionárias
do locatário, observado o piso con- de telecomunicações, redes exibido-
tratualmente previsto para o mês em ras de filmes, gigantes do fast food ou
questão. mesmo poderosas grifes estrangeiras.
Oportuno registrar que o sistema Mesmo as lojas de menor porte são,
de aluguel em shopping center, in- em grande maioria, operadas em re-
clusive no tocante à cláusula do alu- gime de franquia, que constituem
guel dobrado em dezembro, teve sua organizações sofisticadas e aparelha-
legalidade e legitimidade reafirma- das por consultores experientes, ha-
da pelo Superior Tribunal de Justiça vendo ainda no setor os fundos de
(STJ), há não muito tempo, em acór- investimentos titulares de inúmeras
dão unânime relatado pelo ministro marcas de “lojas-satélites”.
Paulo de Tarso Sanseverino (REsp Com essas considerações, pode-
1.409.849-PR). -se concluir com a segura afirmação
O acórdão é datado de 26/4/2016 de que a liberdade de contratar, no
e repeliu alegação de abusividade na universo dos shopping centers, apre-
estipulação. No julgado, foi explici- senta-se como o regime ideal para
tada e reiterada a legitimidade desse atender a interesses, não só de em-
tipo de estipulação, que é fruto de preendedores e lojistas, mas, tam-
acordo de vontades entre empresá- bém, dos consumidores, que são os
rios. principais beneficiários da pluralida-
Aliás, cabe salientar que a relação de de formas de exercício da ativida-
entre empreendedor e lojista não é de comercial.

Debate Imobiliário

29
ibradim

Muito prazer,
IBRADIM
Criado para fomentar o intercâmbio de conhecimento
e o debate em torno de temas do setor, o Instituto
Brasileiro de Direito Imobiliário é oficialmente lançado
com mais de 250 associados.

O
Brasil passa por um missas do IBRADIM: promover maior carga horária serão al-
momento emblemáti- o intercâmbio de conhecimen- ternados com os on-line ou
co no campo do direi- to e de diferentes visões de telepresenciais, no modo EAD,
to imobiliário. Proces- forma imparcial. “A multidisci- para propiciar um alcance de
sos de regularização plinaridade vem não apenas da resultados mais abrangente.
fundiária, implemen- composição do instituto, mas Também já estamos trabalhan-
tação do registro eletrônico de também do que ela estimula, do para apresentar, em 2019,
imóveis e a chegada de novas como a realização de eventos cursos de duração ampliada
tecnologias, como a block- em parceria com outras enti- em nichos em que se identifica
chain, estão na pauta do setor. dades”, explica André Abelha,
carência no setor”, completa
Para fomentar o debate em tor- advogado especialista em direi-
Chezzi.
no desses temas e concentrar to imobiliário e um dos funda-
a discussão em uma entidade dores do IBRADIM. De fato, a troca de ideias
que congregue diferentes seto- Por isso, o Instituto foca e experiências é vista como
res, nasce o Instituto Brasileiro também o campo acadêmico. grande ponto positivo pelos
de Direito Imobiliário. Fóruns virtuais, observatórios e associados. “Estamos o tempo
Da ideia inicial ao lançamen- cursos serão algumas das fer- todo em busca de aprimora-
to oficial, em abril deste ano, ramentas de democratização mento, por isso iniciativas que
foram cerca de 12 meses. E do conhecimento e de incenti-
o IBRADIM chega com força: vo ao debate. “Um dos desta-
mais de 250 associados (pesso- ques é o ciclo de palestras no Já estamos trabalhando
as físicas) e outros 60 escritó- formato webinar, em que os para apresentar, em
rios, número que deve crescer associados poderão conversar 2019, cursos de duração
continuamente. Profissionais mensalmente sobre questões ampliada em nichos
de diferentes áreas de atuação palpitantes com ícones do direi-
em que se identifica
– advogados, magistrados, no- to brasileiro“, conta Bernardo
tários e procuradores, dentre Chezzi, sócio do Chezzi Advo- carência no setor.
outros – garantem a pluralida- gados e também fundador do Bernardo Chezzi, fundador do IBRADIM
de de pontos de vista. IBRADIM.
Essa, aliás, é uma das pre- “Os cursos presenciais de

Debate Imobiliário

30
estimulem o debate são muito gularização fundiária”, afirma
bem-vindas”, destaca Lucia- Abelha. “Queremos ajudar a
na Ismael, superintendente do aumentar a segurança jurídica,
IBRADIM e sócia no Gustavo bem como a homogeneida-
Padilha Advogados. A opinião de de entendimentos sobre as
é compartilhada por Ulisses Pe- inúmeras questões do direito
nachio, sócio no PMMF Advo- imobiliário”, acrescenta. No dia
gados e também associado do a dia, essas comissões seguirão
IBRADIM. “Um país das dimen- um regulamento que estabele-
sões do Brasil tem realidades ce planos anuais e a entrega de
muito distintas de Norte a Sul, relatórios semestrais.
com linguagens e práticas dife- Outra iniciativa importante uma mesa-redonda com duas
rentes. É claro que o Instituto que deve consolidar o lança- horas de duração será aberta à
não tem a pretensão de unifi- mento do IBRADIM é o 1º Con- participação do público – tanto
car todas, mas quanto mais co- gresso de Direito Imobiliário, presencial quanto o que estiver
nhecimento for compartilhado, realizado no dia 7 de junho, acompanhando o congresso
mais perto ficaremos de uma em São Paulo. Temas polêmi- pela internet.
linha central”. cos – como o momento em O uso da tecnologia para
Comissões e Congresso que nasce o condomínio edi- transmissões virtuais, aliás,
de Direito Imobiliário lício – e atuais – como as no- é outra marca registrada do
Parte desse debate acontece- vas modalidades de locação e IBRADIM. E não por acaso. “Já
rá por meio das comissões – 18 compartilhamento de espaço nascemos com uma sede virtual
até o momento, com perspecti- – serão debatidos por juristas e não está nos planos ter uma
vas de expansão. Temas como e especialistas da área imobi- física. Vamos privilegiar educa-
direito urbanístico e moradia liária no evento. Nomes como ção a distância para viabilizar a
popular já estão na pauta. “Es- Marcelo Terra, Melhim Namen participação de associados de
peramos alcançar relevância so- Chalhub, Olivar Vitale, Sylvio todo o País”, diz Abelha. Não
cial oferecendo, por exemplo, Capanema e o desembargador queremos um instituto em um
auxílio às prefeituras no desen- Francisco Loureiro estão dentre lugar determinado, mas no
volvimento de políticas de re- os conferencistas. Além disso, Brasil todo”, conclui.

Debate Imobiliário

31
opinião

Pneus para queimar


ou para rodar?
N o agitado abril de 2018,
repetiram-se os discursos
incentivando a invasão e a apro-
priação de imóveis, tema que é im-
ser lembrado o pensar de Engels que,
em 1873, achava que o combate à
falta de moradias “só poderá ser feito
mediante a expropriação dos atuais
portantíssimo para cada brasileiro e possuidores, ou então mediante a
especialmente caro aos estudiosos da acomodação, nessas casas, de traba-
Constituição, do direito civil e, óbvia lhadores sem teto ou trabalhadores
e particularmente, da legislação imo- aglomerados nas moradias atuais”1.
biliária. Nada diferente das invasões dispa-
Não interessa, ao menos neste rá- radas por “Movimentos”2 no centro
pido comentário, o debate sobre as de São Paulo, repelidas por meio de
motivações eleitoreiras, a demago- ações de reintegração então movi-
gia, os efetivos objetivos desses arau- das pelos proprietários e que mais
tos; a estultice é sinalizada quando o recentemente motivaram ações pos-
tema já vem conjugado com a ordem sessórias contra os invasores rema-
de queimar pneus. nescentes, intentadas pelos próprios
Esses discursos ainda seguem ideá- Movimentos3!
rios totalitários que morreram – ou Aliás, o autor alemão dizia que:
deveriam ter morrido – no século “Está claro como a luz do sol que o Es-
passado, exatamente por terem como tado atual não pode nem quer reme-
denominadores comuns as mentiras, diar o flagelo da falta de moradias. O
a tirania, os crimes inumanos, não Estado nada mais é que a totalidade
funcionarem em benefício do povo do poder organizado das classes pos-
de qualquer prisma. Somente mere- suidoras, dos proprietários de terras
ceriam depósito em museus: que se- e dos capitalistas em confronto com
jam recordados para que os malfeitos as classes espoliadas, os agricultores e
não se repitam. os trabalhadores. O que não querem
Jaques Bushatsky Especificamente quanto à habi-
os capitalistas individuais (e são só
eles que estão em questão aqui, dado
tação nas cidades, a incitação às
Membro da comissão de Direito que, nesse assunto, o proprietário de
invasões – grita clássica desses po-
Urbanístico, da Comissão Especial de terras também aparece, em primeira
Honorários Advocatícios e da Comis-
tentados – não resultou em algo
são de Controle Social dos Gastos
positivo. Ora, qual o meio melhor 1 ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia (“Zur
wohnungsfrage”). trad. Nép. 3LS, ob. it.elio Schneider, 1ª
Públicos, da OAB-SP. No SECOVI – SP
– factível, pacífico, coerente com os ed., São Paulo: Boitempo, p.56, 2015.

(Sindicato da Habitação) é diretor anseios sociais – de incrementar o 2 Um depoimento: foram várias as invasões em São
Paulo seguidas do aluguel, pelos “Movimentos”, das uni-
da área de locação, coordenador acesso à moradia? Penso que encon- dades que eram entregues precariamente e em condições
do PQE – programa de qualificação tramos, no Brasil, a resposta eficaz e insalubres (os prédios estavam às vésperas de serem re-
formados). Os aluguéis não foram baratos (afinal, eram
essencial, pro reitor da Universidade inteligente. imóveis bem localizados) e poucos inquilinos sabiam que
Corporativa e membro do Conselho Pesquisemos: essas ideias violentas os contratos verbais seriam rompidos abruptamente, no
dia da reintegração de posse judicialmente ordenada...
Jurídico da Presidência. já tinham sido expostas (não, esses 3 A desocupação do Cambridge. O Estado de S. Paulo,
discursos não são novos!) podendo São Paulo, 29 mar. 2018, p. A3.

Debate Imobiliário

32
linha, em sua qualidade de 4.591/64: “A nova lei regu-
capitalista) tampouco quer o ladora do Condomínio e In-
seu Estado”4. Ao longo da história corporações veio preencher
A prática brasileira mos- mudaram as necessidades lacuna sempre lamentada e
trou quão torta era essa vi- imprimir sistema e ordem
são: Estado, capitalistas, mo-
das pessoas, os métodos à matéria. Todos sentiam a
radores, sociedade, tiveram construtivos, os hábitos, as falta, todos reclamavam. E a
sim, interesse em solucionar economias, as características todos veio a nova lei aten-
a questão. Melhor que isso, der”.
por aqui se seguiu caminho dos negócios. Foi, realmente, perfeita
frutuoso, conseguindo-se ilustração do êxito que al-
nortear as atividades imobi- cança lei que atenda ade-
liárias com bom arcabouço quadamente ao querer das
de que cada ato ou contrato
legal. pessoas, sem foguetório. Pro-
se espraia socialmente, por
É fácil provar essa afirmação va-se: essa legislação já com-
isso merecendo os adequados
lembrando a nossa tradição pletou 50 anos e resiste incó-
cuidados. Nessa lógica, o hoje
legislativa, visível na sequên- lume e em funcionamento,
ministro Edson Fachin expôs,
cia de constituições e no Có- como a sociedade deseja.
tratando do Código Civil de
digo Civil de 1916, prevendo 2002: “Sabe-se que quem con- Não somente nessa esfera
a aquisição da propriedade trata não apenas contrata com do progresso das relações imo-
por ato entre vivos primor- quem contrata, e que quem biliárias tivemos a adequada
dialmente, mas também por pactua não avença tão-so- atenção legal. Tínhamos um
usucapião, privilegiada a posse mente o que contrata; há uma problema: “Após um saudá-
que, além de longa, fosse tran- transformação subjetiva e ob- vel período de equilíbrio, em
quila, possível naquele código jetiva relevante nos negócios que predominou o sistema de
– como no atual – a soma do jurídicos. O novo Código traz livre mercado, preconizado
período do possuidor atual ao a função social do contrato e pelo Código Civil, seguiu-se
do antecessor: é a consolidação os princípios de probidade e uma fase de forte dirigismo,
da propriedade imóvel de ma- boa-fé”5. em que o Estado, através da
neira pacífica. Lei nº 1.300/50, praticamente
Ao longo da história muda-
O Código Civil de 2002 não paralisou o setor, graças às res-
ram as necessidades das pesso-
descurou do apego à paz re- trições que impôs aos locado-
as, os métodos construtivos,
alizada pela legalidade, mas res. Bastou, entretanto, que o
os hábitos, as economias, as
choque do petróleo, na década
evoluiu, exigindo o exercício características dos negócios, e
de 1970, voltasse a alimentar a
do direito de propriedade con- “com o agravamento do pro-
inflação, e adiar os nossos so-
soante as finalidades sociais e blema habitacional, a superpo-
nhos de ingresso no Primeiro
econômicas, com respeito ao sição de unidades residenciais,
Mundo, para que o Estado vol-
meio ambiente e ao patrimô- profissionais e comerciais e a
tasse a intervir no mercado, já
nio histórico e artístico, sem proliferação crescente de edi-
agora com a Lei nº 6.649/79,
permitir abusos e sempre aten- fícios em regime condomi-
que procurava compensar a
tando às necessidades e aos an- nial nas capitais e no interior,
fraqueza econômica do locatá-
seios sociais. Foi acrescido – re- todos estavam conscientes
rio, tornando-o juridicamente
alce neste voo sobre as opções da necessidade de um provi-
forte”, escreveu Sylvio Capa-
nacionais – pela Lei 11.481/07, mento urgente...”, constatou
nema de Souza7.
no que diz com a concessão de Caio Mario da Silva Pereira6,
uso especial para moradia e do concluindo, acerca da Lei O desequilíbrio consequen-
te foi danoso (recordam-se os
direito real de uso. 5 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direi- imóveis trancados, os dramas
Este o sucesso conduzido no to Civil à luz do novo Código Civil Brasileiro.
2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, p. da locação) e a situação teve
País: a liberdade e o incenti- 331, 2003.
vo, conjugados com a certeza 6 SILVA PEREIRA, Caio Mario. Condomínio e 7 SOUZA, Sylvio Capanema. A lei do inquili-
incorporações. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, nato comentada. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
4 ENGELS, op. cit., p.100. p. 9 – prefácio à segunda edição, 1999. p. 3, 2012.

Debate Imobiliário

33
opinião

solução uma década depois, portantíssimos instrumentos de apartamentos subiu 43%;


quando, superando a interven- de regularização fundiária e as moradias classificadas como
ção cujos efeitos claudicavam, instituindo o direito de laje, o “de favor” caíram de 10% para
a Lei 8.245/91 corporificou condomínio urbano simples, o 8% – mais pessoas deixaram de
alentado desenvolvimento ju- condomínio de lotes, o lotea- depender de terceiros; os domi-
risprudencial e a boa doutri- mento de acesso controlado, cílios alugados somaram 10,5
na, a resultar no diploma que novamente entregando à so- milhões – retratando o cum-
melhor funcionou ou, mais ciedade o que ela buscava. primento ao preceito constitu-
exatamente, que melhor per- A linha de pensamento e de cional do direito à moradia.
mitiu a operação das locações desenvolvimento expressos na Na verdade, seguimos hoje
(alcançado, por conseguinte, o boa legislação nacional trou- – ainda bem, e a estatítica
seu objetivo social), a ponto de xe resultados palpáveis, como documentou o êxito – nosso
nessas décadas ter exigido, tão mostram os números ainda próprio e efetivo querer – em
somente, acréscimos pontuais, anteriores aos últimos e fortes vez de copiar os alheios, sendo
modernizadores. programas de desenvolvimen- curioso anotar que, em 1869,
Note-se que essa lei que orga- to habitacional. É o que se mesma época dos estrangei-
nizou e incentivou as locações conclui do Censo Demográfico ros antes mencionados, José
se contrapôs diametralmente do Instituto Brasileiro de Geo- de Alencar disse: “Um código
ao que era imaginado século grafia e Estatística (IBGE)9. Civil não é obra da ciência e
e meio atrás naquela borbu- De fato, o censo constatou do talento unicamente; é, so-
lhante Europa, desta vez por que em 2010 existiam 57,3 bretudo, a obra dos costumes,
Mulberger: “Sendo assim, a milhões de domicílios parti- das tradições, em uma palavra,
abolição da moradia de aluguel culares, contra 44,7 milhões a civilização, brilhante ou mo-
é uma das aspirações mais fe- em 2000. Ou seja, a quantida- desta, de um povo”10.
cundas e grandiosas que brota de de domicílios cresceu 28%, É natural concluir que o
do seio da ideia revolucionária crescimento de enorme rele- pensar e o agir mais caute-
e deve se tornar uma exigência vância quando visto que cor- losos e orientados em mol-
de primeira grandeza por parte respondeu a mais que o dobro des realmente mais favorá-
da democracia social”8. do crescimento da população: veis à sociedade trouxeram
Mais recentemente, se vê 12,3% na década. Isso signifi- muito mais benefícios que os
nesse passeio sobre as solu- ca que mais gente pôde morar discursos estridentes: usar os
ções alcançadas pela nossa le- adequadamente. pneus para rodar, e não para
gislação imobiliária, tivemos Decorrência – também – da fazer fumaça, se mostrou mui-
boa legislação mencionada, to bom.
a Lei 13.465/17, trazendo im-
naquela década a quantidade 10 ALENCAR, 1869 apud BEVILÁQUA, Clóvis. Código
Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Edição
.
8 MULBERGER, apud ENGELS, op. cit. p. 3 9 www.ibge.gov.br/estatísticas. histórica, Rio de Janeiro:Ed. Rio, 1976.

Debate Imobiliário

34
por andré abelha

Prorrogação CAR devolução deverá integral em Usucapião


caso de culpa do incorporador;
(iv) o direito à resilição unilate- extrajudicial
ral a qualquer tempo, inclusive
se o adquirente já estiver mo-
rando no imóvel, caso em que
a incorporadora poderá reter
eventuais prejuízos existentes
durante o período da posse; e
O governo federal, por meio (v) que se o imóvel for financia-
do Decreto 9.395, de 30 de do por instituições financeiras,
maio de 2018, prorrogou até 31 o comprador poderá requerer Arthur Del Guércio Neto,
de dezembro de 2018 o prazo a devolução proporcional da Antonio Herance Filho, Ralpho
para a inscrição no Cadastro quantia paga ao incorporador e Waldo de Barros Monteiro Fi-
Ambiental Rural (CAR), confor- à instituição financeira. O texto lho e o desembargador Ricardo
me previsto no § 3º do art. 29 ainda está em discussão, e já Henry Dip estarão no curso de
da Lei 12.651/12. existem algumas proposições usucapião extrajudicial, a ocor-
apensadas (PL-2616/2015, PL- rer dia 18 de agosto, em São
Urgência em PL 3098/2015, PL-8667/2017, PL- Paulo.

sobre “distratos” 10114/2018 e PL-10278/2018).

Shopping Center Elevado valor do


imóvel não desca-
racteriza bem de
família

O Plenário da Câmara dos


Deputados aprovou o regime
de urgência para o Projeto de A imposição, pelo Município,
Lei 1.220/15, do deputado Cel- de cobrança fracionada e pro-
so Russomanno (PRB-SP), que porcional ao uso, em estaciona-
regulamenta o desfazimento do mentos de shopping centers, é
contrato de aquisição de imóvel inconstitucional. Foi o que deci- TST desconstituiu penhora
na planta. O PL, em seu texto diu o Órgão Especial do Tribu- sobre imóvel em Curitiba (PR),
atual, prevê: (i) a retenção, por nal de Justiça de São Paulo, por com mais de 5 mil m², avaliado
parte da incorporadora, de até unanimidade, ao julgar a Adin em R$ 15 milhões, por entender
10% do valor pago, mais par- 2213451-84.2017.8.26.0000, que a proteção legal não pode
celas vencidas; (ii) 30 dias para ajuizada pela Associação Bra- ser afastada em razão do valor
devolução, com correção e ju- sileira de Shopping Centers – do bem (Processo: RR-1772900-
ros, do saldo restante; (iii) que (Abrasce). 86.2005.5.09.0028).

Debate Imobiliário

35
notas ibradim

Novos enunciados e incomunicáveis em relação center, Michel Cutait Neto indi-


ao seu patrimônio geral, aos ca o documentário “Secrets of
demais patrimônios de afeta- Selfridges”, no Netflix, que conta
ção por ela constituídos e ao a história do fundador da loja
plano de recuperação até que britânica Selfridges & Co, Harry
extintos, nos termos da legisla- Gordon Selfridge, em funciona-
ção respectiva, quando seu re- mento até hoje.
sultado patrimonial, positivo ou
negativo, será incorporado ao
Na VIII Jornada de Direito Ci- patrimônio geral da sociedade Cursos e eventos
vil foram aprovados seis novos instituidora (art. 1.711).
enunciados sobre Direito das
Coisas: ENUNCIADO 623: ainda
que sejam muitos os condômi-
STJ: regularização
nos, não há direito de preferên- registral de imóvel é
cia na venda da fração de um requisito para parti-
bem entre dois coproprietários, lha causa mortis
pois a regra prevista no art. 504,
parágrafo único, do Código Civil, O Superior Tribunal de Justi-
visa somente a resolver even- ça (STJ) decidiu que, em certos
tual concorrência entre condô- 21 e 22 de junho
casos, o juiz pode condicionar - Comparative Urban Law
minos na alienação da fração o prosseguimento da partilha
a estranhos ao condomínio. Conference, realizado pela For-
à prévia regularização registral dham University em parceria
ENUNCIADO 624: a anulação do do imóvel que compõe o acer-
registro, prevista no art. 1.247 com o Instituto Mackenzie, em
vo hereditário. De acordo com São Paulo, SP.
do Código Civil, não autoriza a
a relatora do processo, ministra
exclusão dos dados invalidados
Nancy Andrighi, “A imposição 14 a 16 de agosto
do teor da matrícula. ENUNCIA-
judicial para que sejam regu-
DO 625: a incorporação imo- Exposhopping 2018 e Prê-
larizados os bens imóveis que
biliária que tenha por objeto mio Abrasce 2018, 15º Congres-
pertenciam ao falecido, para
o condomínio de lotes poderá so Internacional de Shopping
que apenas a partir deste ato
ser submetida ao regime do Centers,  realizados simultane-
seja dado adequado desfecho
patrimônio de afetação, na for- amente pela Abrasce, em São
à ação de inventário, é, como
ma da lei especial (art. 1.358). Paulo, SP.
diz a doutrina, uma ‘condicio-
ENUNCIADO 626: não afronta  
nante razoável’, especialmente
o art. 1.428 do Código Civil, em 22 e 23 de outubro
por razões de ordem prática – a
relações paritárias, o pacto mar- - COMPLAN 2018: Cidades
partilha de bens imóveis em si-
ciano, cláusula contratual que – Inovação – Sustentabilidade,
tuação irregular, com acessões
autoriza que o credor se torne realizado pela ADITBrasil, em
não averbadas, dificultaria so-
proprietário da coisa objeto da Fortaleza, CE.
bremaneira, senão inviabilizaria,
garantia mediante aferição de
a avaliação, a precificação, a di-
seu justo valor e restituição do
supérfluo (valor do bem em ga-
visão ou, até mesmo, a eventu- Neom City
al alienação dos referidos bens
rantia que excede o da dívida).
imóveis”. Fonte: site STJ. Arábia Saudita planeja cons-
ENUNCIADO 627: o direito real
de laje é passível de usucapião truir cidade de US$ 500 bilhões,
(art. 1.510). ENUNCIADO 628: Documentário com 33 vezes o tamanho de
os patrimônios de afetação não Nova York, 100% abasteci-
se submetem aos efeitos de re- Netflix da com energia renovável. De
cuperação judicial da socieda- acordo com o projeto, a primei-
de instituidora e prosseguirão Para quem quiser saber ra parte deverá ser erguida até
sua atividade com autonomia mais sobre varejo e shopping 2025.

Debate Imobiliário

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registro eletrônico

Um upgrade viabilizar a recepção e o envio


de títulos e a expedição de cer-
tidões em formato eletrônico.

necessário
Passados dois anos do prazo
estabelecido, o registro eletrô-
nico tornou-se realidade?
Quem responde é o presi-
dente do Instituto de Registro
Por que o registro eletrônico é tão Imobiliário do Brasil (Irib), Sér-
gio Jacomino. “Infelizmente
importante para o País – e o que falta não. O Provimento 47/2015
ficou muito aquém do que po-
para que ele seja definitivamente deria ter sido, tendo em vista,
principalmente, o farto ma-
implementado? terial técnico produzido pelo
próprio Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), que dava um
rumo certo para o desenvolvi-
mento do SREI. Hoje não há
um único registro de imóveis
eletrônico feito com base na
Recomendação CNJ 14/2014,
apesar das boas intenções”, ar-
gumenta.
A recomendação à qual Jaco-
mino se refere disponibilizava,
já em 2014 (ano inicialmente
previsto para a implantação
do registro eletrônico), parâ-
metros a serem seguidos pelos
cartórios. Mesmo após quatro
anos, no entanto, pouco se

Q
avançou. “O processo de re-
uem já precisou curso percorrido por todos os gistro ainda é feito como na
registrar ou trans- envolvidos, uma lei de 2009 década de 1970, apesar das
ferir um imóvel fixou um prazo de cinco anos mudanças profundas que a so-
no Brasil certa- para a implantação do registro ciedade sofreu no período”, diz
mente passou pela eletrônico em todos os Estados ele, que também é registrador
via-crúcis de portais de serviços e no Distrito Federal. Em 2015, de imóveis em São Paulo (SP).
on-line e balcões de cartórios o Provimento 47 estipulou um Descentralização dos
em busca de um documento. novo prazo para junho de 2016 dados
Informações descentralizadas, e estabeleceu diretrizes gerais. E o que falta para o processo
burocracia e muita perda de Dentre elas, instituía-se o Sis- se modernizar? Em primeiro
tempo fazem com que vende- tema de Registro Eletrônico de lugar, vencer o que Jacomino
dores e compradores de bens Imóveis (SREI), uma ferramen- chama de um fenômeno de
imóveis no País experimen- ta para facilitar “o intercâmbio atomização das unidades de re-
tem uma espécie de viagem no de informações e documentos gistro de imóveis do País. “Ain-
tempo – nesse caso, de volta ao entre os registros de imóveis, da que o Provimento 47/2015
século 19. o Poder Judiciário, a adminis- tenha dado um passo impor-
Na tentativa de racionalizar tração pública e o público em tante, caímos na tentação de
esse processo e abreviar o per- geral”. Também deveriam se manter estadualizada a gestão

Debate Imobiliário

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registro eletrônico
plo. Dados da Asso- as Centrais de Registros de
ciação Brasileira das Imóveis. “Elas permitem que
Entidades de Crédito a sociedade passe a conhecer
Imobiliário e Pou- a titularidade de um imóvel
pança (Abecip) apon- onde quer que ele esteja (den-
tam que o tempo mé- tro de determinado Estado), o
Alexandre Clápis, dio para liberação do que é muito interessante, por
sócio do Stocche financiamento nos exemplo, para a efetividade de
Forbes Padis bancos é de 40 dias, um processo judicial. Se antes
dos quais 30 são atri- um credor não teria condições
Filizolla Clápis buídos ao prazo para de percorrer cartório por cartó-
registro do título. A rio para procurar bens de um
morosidade gera cus- devedor, agora basta consultar
tos adicionais tanto a Central”, esclarece.
para compradores
dos portais de acesso de regis- quanto para vendedores. Obstáculos
tro de imóveis, impedindo a “E não se trata apenas de ob- Para que se atinja um siste-
criação de uma Central Nacio- tenção de financiamento da ma totalmente eletrônico, al-
nal de Registro de Imóveis”, casa própria, mas de diversos guns desafios precisam ser en-
explica. “Uma central nacio- projetos em que um imóvel é frentados. Os principais deles,
nal, como existe para os no- dado como garantia”, lembra afirma Jacomino, “são vencer
tários ou para o Registro Civil, Clápis. “Imagine em escala a ignorância, o preconceito e
por exemplo, é fundamental”, nacional o quanto isso pode o reacionarismo”. Ele destaca
acrescenta. atrapalhar o financiamento de que o desnível entre os cartó-
Quem está do outro lado do infraestruturas de energia, tele- rios Brasil afora e as assimetrias
balcão também sente os efeitos fonia, rodovias, etc. O custo da nos processos de informati-
da descentralização dos dados. zação são outros obstáculos a
Que o diga o advogado Alexan- serem superados. “Se por um
dre Clápis, sócio do Stocche lado temos cartórios que são
Forbes Padis Filizolla Clápis e O custo da burocracia verdadeiras ilhas de excelên-
associado do IBRADIM. No dia cia, bem aparelhados e econo-
a dia do escritório, a falta de no Brasil impacta micamente sustentáveis, por
um local único de consulta de demais nosso outro temos unidades que mal
informações comumente acar- suportam os custos básicos
reta perda de tempo e aumento
desenvolvimento. para se manterem em funcio-
de custos. “As informações são Alexandre Clápis, sócio do Stocche Forbes namento”, aponta.
centralizadas nos Estados, mas Padis Filizolla Clápis. Apesar dos conflitos naturais
descentralizadas em nível na- suscitados por toda mudan-
cional. Por isso, quando o caso ça de paradigmas, Jacomino
envolve buscas em tribunais se mostra otimista. “Acredito
de fora de São Paulo, é uma burocracia no Brasil impacta que a tecnologia pode criar
luta. Muitas vezes precisamos demais nosso desenvolvimen- um meio ambiente favorável
contratar pessoas nesses locais to”, completa. à redução de custos e que im-
para obter as informações ne- Outro benefício, ressalta o pulsione a articulação dos car-
cessárias”, conta. presidente do Colégio Registral tórios”, considera. Esse “círcu-
Os ganhos dessa integração do Rio Grande do Sul e registra- lo registral” interconectando
e da concretização do registro dor da Primeira Zona de Porto cada unidade de registro de
eletrônico no País facilitariam Alegre, João Pedro Lamana, re- imóveis, conclui ele, permitirá
não apenas a vida de advoga- fere-se ao alcance das informa- a universalização do acesso, o
dos e registradores, mas de ci- ções e à eficácia de processos barateamento de custos e a tão
dadãos e empresas em busca de judiciais. Segundo ele, muito sonhada modernização do sis-
um financiamento, por exem- disso já se consegue hoje com tema.

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