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O conteúdo desta obra é de responsabilidade dos autores – Proprietários dos

direitos autorais.

Organizadoras do livro
Robervânia de Lima Sá-Silva
Miranilde Oliveira Neves

Revisão
Robervânia de Lima Sá-Silva
Miranilde Oliveira Neves
Isabelle Coimbra da Silva

Diagramação
Octávio de Oliveira Jorge

Dados para catalogação na fonte


Setor de Processamento Técnico Biblioteca
IFPA - Campus Castanhal

Sendas da Amazônia

D111 Sendas da Amazônia/ Robervânia de Lima


Sá-Silva e Miranilde Oliveira (orgs.) /
Manipulação de Ilustrações Brenda Angélica Santos Gomes, 1.
ed. — São Paulo: Scortecci, 2019.
112 p.: il; 21 cm.

ISBN:

1. Literatura Brasileira. 2. Literatura Regional. I. SÁ-


SILVA, Robervânia de Lima. Neves, Miranilde Oliveira. II.
Título.
CDD: 869.938.115
Sendas da Amazonia

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Sendas da Amazonia

Conteúdo
Prefácio.................................................................................................. 7
Louis Althusser em “Os aparelhos ideológicos do Estado”............ 7
Apresentação......................................................................................... 8
O monstro doguinho............................................................................ 10
Um amigo inesperado ......................................................................... 14
A morte da estrela................................................................................ 24
Anhangá................................................................................................ 28
O assobio do Vaqueiro ....................................................................... 30
Rasga Mortalha e a Matinta................................................................. 32
O arranho na janela ............................................................................. 34
A despedida.......................................................................................... 37
O Milagre .............................................................................................. 40
Uma casa no escuro............................................................................. 43
O velho do cruzeiro............................................................................. 46
Cobra braba ......................................................................................... 50
Férias praianas..................................................................................... 52
O casal que virava bicho em São João da Ponta.............................. 77
Palmito da bacabeira ........................................................................... 79
O diabo da Capanema.......................................................................... 81
O ritual................................................................................................... 83
Procuram -se gatos ............................................................................. 99
Barões do Queijo................................................................................. 101
A hora do Desespero.......................................................................... 107
A bela moça..........................................................................................111
A loira do táxi........................................................................................113
A luta até a perda .................................................................................116
A moça do lenço...................................................................................118
Os ttrês pretinhos da pororoca.......................................................... 120
A mulher do Sapé................................................................................ 121
O espeáculo de horror........................................................................ 132
Guerreiras da Amazônia..................................................................... 133
O padeiro e o cliente fiel..................................................................... 135

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Sendas da Amazonia

Mangueiras do Grão-Pará .................................................................. 137


Velocidade máxima.................................................... 140
Conto da Ilha da Paçoca..................................................................... 143

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Sendas da Amazonia

Prefácio

A Amazônia é mesmo um lugar cheio de histórias, estórias e encantos.


Não se pode afirmar se elas são apenas frutos da imaginação de jovens aspiran-
tes a escritores ou se de fatos são eventos verídicos. Aliás, para a literatura, isto
nem é relevante. O que importa mesmo é proporcionar liberdade para a criação
artística, é dar asas a uma espécie de dom capaz de transformar aquilo que é
corriqueiro em algo muito especial. Às vezes, transformar algo horrível e fenece-
dor como a discriminação racial, o feminicídio, a avareza, a falta de caráter em
uma obra de arte que instrui, distrai, denuncia e desenvolve a intelectualidade e
o senso crítico. Saberes tão necessários a uma sociedade que por repetidas ve-
zes age como se “o véu da ignorância1” fosse verdadeiramente instransponível.

Contrariando esta ótica da instransponibilidade, a obra que tenho em


mãos e na qual tenho me debruçado nos últimos dias, oferece uma gama de
possibilidades de interpretação do contexto amazonense. Alguns contos são tra-
dicionais, outros, mitológicos e lendários, enquanto que aqui e ali, encontramos
uns com um toque de contemporaneidade. Todos apresentam como pano de
fundo a região nordeste do Estado do Pará, sobretudo, as cidades, vilarejos e
pequenas propriedades agrícolas que deixam a educação formal de seus jovens
a cargo do Campus Castanhal do Instituto Federal do Pará, um campus de ori-
gem agrícola. Devido a este cenário, foi possível ouvir as muitas falas advindas
de tais lugares. Vozes que, muitas vezes foram silenciadas, mas que agora, po-
dem ser ouvidas nos pequenos caminhos amazonenses, isto é, no livro Sendas
da Amazônia.

As organizadoras

Louis Althusser em “Os aparelhos ideológicos do Estado”.


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Sendas da Amazonia

Apresentação

Ler e escrever representam mais que um prazer. É uma sensação de au-


toridade. Autoridade que chega com a posse de um novo conhecimento, de uma
bagagem de criatividade e uma dose de estilo próprio e gosto pelas descobertas
que a leitura pode promover.

No Campus Castanhal do IFPA, desde o início das aulas do ano de 2018,


sentimos a necessidade de trabalhar, valorizando a realidade local de cada es-
tudante e foi assim que surgiu a ideia de escrevermos um livro – um material
que fosse baseado em pesquisas da comunidade na qual os estudantes estão
inseridos. Eles não se intimidaram! Entraram com toda a força no projeto e hoje
temos a satisfação de apresentar à sociedade os resultados de toda a dedicação
de estudantes do Curso de Agropecuária e Informática Integrados ao Ensino
Médio.

A partir do projeto O campo fala: narrativas orais da Amazônia submetido


e aprovado no edital 001/2018 do Campus Castanhal do IFPA como projeto de
iniciação científica e inovação, organizou-se todas as etapas que culminaram
com a obra aqui disponibilizada e um website.

É uma honra poder apresentar os textos construídos por nossos


estudantes a partir de pesquisa, leitura, escrita e reescrita, sim, pois é a partir de
uma reflexão, análise e prática de escrita que se chega ao alvo: bons textos e
desejo de caminhar por uma escrita de qualidade.

Sendas da Amazônia é resultado de muito trabalho e desafios surgidos


nas aulas de Língua Portuguesa e Redação ministradas por nós. Ainda temos
outros desafios a enfrentar, mas será outro momento de realização, afinal, é isso
que torna a nossa profissão especial: os desafios e as realizações.

As organizadoras

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Sendas da Amazonia

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Sendas da Amazonia

O monstro doguinho

Noite de sexta feira em Curuçá, 13 de julho, cães latem aos sete ventos.
A inquietação toma conta de mim, antigos já haviam dito: “A feiticeira quando se
transforma vaga pelos quintais, causando alvoroço e morte de animais”. Pen-
sando nisso, lembrei-me de que não tinha visto meu cachorro o dia todo, Dogui-
nho era seu nome. Preocupado, saí à procura dele com uma lanterna na mão e
uma coragem no bolso. Desço a calçada e ando no meio da rua, na escuridão
da noite, não vejo mais ninguém naquele horário. De longe, escuto latidos que
vinham de uma pequena arena de futebol abandonada. Abro o portão enferru-
jado e encosto na parede com cuidado para não fazer barulho. Aproximo-me
do campo, ou melhor, do resto dele. Assusto-me com o barulho que os animais
fazem quando me veem.

Vejo muitas pegadas pelo chão de terra, como se tivesse ocorrido uma
briga de cão. Meu cachorro era pequeno, mas se fazia de valente. Tinha espe-
rança de encontrá-lo ali, mas não o achei. Continuei a procurar, porém nenhum
tufo de pelo semelhante ao dele. Voltei para a casa da minha avó Cecília, com
quem passava aquelas férias, perguntei a ela o que poderia acontecer com o
Doguinho naquela hora da noite. Ela entrou na cozinha procurando sua cesta
de crochê que sempre guardava em cima do armário porque tinha medo de eu
pegar as linhas e amarrar nas minhas pipas.

- Ei vó, não vejo o Doguinho desde ontem. Fui atrás dele, mas não o en-
contrei. A senhora sabe de alguma coisa para fazer ele voltar?

- Ah meu filho... Seu cachorro deve ter sido possuído pela feiticeira!

- Feiticeira? O que é isso, vó?

- Senta ali que vou te contar.

- Eita! Olha vó, conta as melhores partes porque tô cansado de perguntar


para senhora as coisas e a senhora responder do tempo de quando era criança,
tá?

Minha avó me olha com um olhar de deboche. Então fala:

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Sendas da Amazonia

-Quer ouvir ou não?

-Tá, quero sim. – Falo rápido porque seria capaz de ela não querer me
falar.

- Quando eu era criança...

-Vó? - interrompo.

-Que foi?

-Sem detalhes.

-Sem o teu celular depois.

-Continue, por favor! - Suplico

-Voltando à história, me contavam que a feiticeira é uma velha que, uma


vez no mês, transforma pessoas em cachorro, mas pra isso, ela precisa de um.
Então, é por isso que volta e meia, aparece alguns cachorros latindo por aí. Ela
sai atiçando os cães quando passa, e também só eles podem ver.

- E se eu quiser matar essa feiticeira? – Falo brincando.

- Rapaz... isso pode te amaldiçoar, tome cuidado com o que diz.

-Porque? Vó, isso é lenda.

- Tá bem, se é você quem diz, senhor sabichão.

-E a senhora sabe como a matar?

-Me disseram... – disse ela lentamente fazendo suspense.

-Quem disse?

-O irmão da Raimunda me contou quando ele era pequeno.

-Aquela mulher fofoqueira e mentirosa oficial da rua?

-Moleque! – Ela já fala levantando o chinelo do pé na intenção de me


bater!
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Sendas da Amazonia

-Desculpa! Desculpa! Desculpa! Desculpa! - ela abaixa a arma e devol-


ve para o chão.

-Se me irritar mais uma vez...

-Tá! Não faço mais! Juro!

-Olha lá!

- Tudo bem vó! Vai, conta.

- Para que você veja a feiticeira, é preciso passar a lágrima de um ca-


chorro em seus olhos, por que tem que ter a visão de um para enxergá-la. E se
quiser pegá-la, é preciso usar a mão esquerda, mas isso traz consequências!

- Tchau, vó – Saio devagar da cozinha e corro em direção à porta, não


prestando atenção no que ela disse no final. Para mim, tanto faz.

Fiquei pensando em como vou arranjar essa lágrima. Lembrei que tenho
um amigo que me disse que quando ele passa muito tempo fora de casa, o ca-
chorro dele fica triste. Até então, é comum, mas quando ele chega, o cachorro
chora de felicidade. Foi minha desculpa para ir à casa dele. Apesar da cara de
estranheza do meu amigo, tentava passar um lenço nos olhos do cachorro que
quase não parava quieto. Consegui a lágrima, porém perdi um amigo, porque
creio que ele nunca mais vai me aceitar na casa dele.

Quando cheguei em casa, passei em um dos olhos. Minha visão foi


escurecendo, parecia que a luz faltava no ambiente. Estava enxergando com
apenas um dos lados. Entrei em um pequeno desespero, mas a visão foi vol-
tando. A visão ficou turva e cheia de vultos. Fecho novamente os olhos, abro e
olho para frente. Não me lembro de quando aquela parede foi pintada de cinza.
A ficha cai. Tudo está em preto e branco! Se eu não me lembrasse que a visão
de um cão fosse assim, entraria em pânico na mesma hora. Lembro que deve
ser a tal consequência que a vovó falou. Até que não é tão ruim. O efeito durou
três horas.

Depois de um mês, me acordo com os mesmos latidos. Fui à cozinha,


peguei minha lanterna, o lenço e a faca de prata da minha avó. Antes de ir, fui
ao quarto da vovó para conferir se ela estava mesmo dormindo. Confirmei e saí
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Sendas da Amazonia

em direção à porta dos fundos, a mais fácil de abrir.

Saio correndo indo para o campinho e lá estava ele, o meu cachorro,


Doguinho. Passei o lenço nos olhos. Doguinho agora torna-se branco, devido ao
efeito. Ele estava no centro do campo, rodeado de outros cães. Ao me aproxi-
mar, os cachorros saem de perto do Doguinho e consigo chegar até a ele, mas
percebo que está diferente. Estendo minha mão para Doguinho e quase a perco.
Por um fio, Doguinho me mordia! Dou dois passos para traz e percebo que ele
vem em minha direção. Doguinho quer me atacar! Saio correndo pela arena e
subo na grade de proteção da arquibancada. Doguinho tenta subir possesso
de raiva, então, chuto na tentativa de afastá-lo, porém, bato em sua testa sem
querer. Ele corre da arena chorando e vai para a mata logo ali perto. Não o vi
mais. Retornei para casa com uma angústia no peito: “Será que eu machuquei
muito o Doguinho?”

No dia seguinte, soube da morte de um senhor conhecido da vovó. O


IML confirmou que a morte foi devido a uma hemorragia interna na cabeça. Por
ser vizinha de um dos parentes do falecido, vovó foi convidada para o velório.
Eu não gosto muito dessas coisas, mas tinha que fazer as vontades dela, então,
fui junto.

Chegando lá, cumprimento os vizinhos e conhecidos da vovó ali presen-


tes. Muitos estavam chocados com a morte, outros supondo como aquilo acon-
teceu. Canso de ficar sentado no canto da parede e fico curioso com o rosto do
falecido. Vou em direção ao caixão no meio da sala e vejo o rosto dele. Ele está
conservado para um corpo sem vida. Viro-me para voltar ao meu lugar. Percebo
algo familiar pelo canto de minha visão e novamente vejo o corpo. Estremeço.
O cordão que eu fiz especialmente para Doguinho estava no pescoço daquele
senhor.

Robert Renan

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Sendas da Amazonia

Um amigo inesperado

O padre Anselmo era de São Raimundo e já se encontrava com os nervos


à flor da pele:

- Até quando serei importunado com essas crianças? - colocando as


mãos na cabeça, se perguntou logo depois de ouvir o relato de uma menina
que saía do confessionário. Ela alegava, com desespero, que viu um corpo de
homem estranhamente grande e forte, coberto de sangue, enquanto estava a
caminho da escola em Inhangapi.

Era a terceira, somente esta semana, mas o velho incrédulo nem se im-
portou com a primeira denúncia, pois pensava que a brincadeira de pregar pe-
ças nos adultos era uma especialidade de crianças. Porém, essa brincadeira já
não tinha mais graça nenhuma.

Assim como fez com a primeira, iria fazer com a segunda e terceira de-
núncias. Após isto, a semana passou tranquilamente e as crianças perceberam
a ignorância do idoso.

O padre estava a fechar as portas da igreja após o fim da missa da noite,


quando vozes desesperadas o fizeram parar de supetão.

- Padre! Padre Anselmo! Espere, por favor! – gritavam quatro freiras en-
quanto corriam até a ele. Manteve-se parado à porta, espantado com tal deses-
pero das irmãs.

- O que aconteceu? – perguntou quando as senhoras subiram as esca-


das. Elas estavam agitadas e nervosas para responder alguma coisa. O padre
as convidou para entrarem na igreja a fim de se acalmarem. Ele pergunta nova-
mente o que houve. Uma das freiras dá um pequeno grito ao ouvir a pergunta e
começa uma oração.

- Estávamos vindo para a missa – iniciou a irmã mais velha enquanto as


outras rezavam e tentavam acordar uma das irmãs que desmaiou, logo após
entrarem na igreja.

– Quando chegamos pela metade do caminho – Ela parou para fazer o


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Sendas da Amazonia

sinal da cruz – um homem pa-parece, um homem gran-grande, forte, está com


sangue da cabeça aos pés! – Fala com nervosismo.
O padre ouvia tudo assustado, dessa vez, realmente havia acreditado
na história. Depois deste ocorrido, o padre resolveu investigar o porquê dessa
situação. Foi até às redondezas a fim de descobrir algo. Procurou no local em
que as freiras e as crianças o viram. Nada. Passaram-se dias de investigação
até que encontrou alguém que tinha grande conhecimento das aparições.

- Já vou trazê-la – disse uma jovem muito bonita, que morava com sua
avó Francisca. Retornou pouco tempo depois com a anciã apoiando-se no braço
da jovem. – Vovó, esse é o padre de quem lhe falei.

- Bom dia, senhora! Sou o padre Anselmo, gostaria de fazer umas pergun-
tas, se não se importar é claro.

- Tudo bem. O senhor quer café?

-Não obrigado.

Ele começa a interrogação:

- Acho que a senhora já ouviu falar das aparições? – a idosa confirmou


– Soube que a senhora sabe quem é a pessoa, ou pelo menos o que é isso,
poderia me explicar.

A velha confirmou novamente com a cabeça, balançando para frente e


para trás na cadeira de balanço.

- Eu era uma jitita, morava em uma fazenda com a minha avó – iniciou –
ele apareceu de repente ...

- A aparição? – perguntou interrompendo a idosa, ela negou calmamente.

- O homem que agora segue sua sina.

Então, começa a história...

Comunidade próxima a São Raimundo – 1984 – parei aqui


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Sendas da Amazonia

Roberto Borges, um grande fazendeiro de uma comunidade próxima a


São Raimundo, dono de um bom bocado de terras e um coração maior que sua
fama. Vivia na fazenda com seus funcionários. Era um homem rico e adorado.
Uma pessoa boa, sempre procurando fazer feliz quem estava ao seu redor,
cuidando de seus amigos, familiares e empregados como se fossem todos ir-
mãos, fazendo sua riqueza parecer miserável comparada ao quão belo era o
seu coração.

Inhangapi - 1984

Enquanto isso, em Inhangapí, sentado na cadeira de um bar, um bêbado


implorava ao dono do local mais uma dose de cachaça.

- Eiii!!!!! Você, eiiii!!! Estou falando contigo, me dê mais uma dose, pro-
meto pagar!

O dono do bar revirou os olhos ao ouvir o mesmo papo furado de sempre.

- Cale a boca e saia daqui vagabundo! Já estou a repetir pela terceira


vez: sem dinheiro, sem bebida.

- Você é um leso! Sorte sua eu não conseguir me manter em pé agora,


se não, eu derrubava agora mesmo essa espelunca.

Disse o homem bêbado com a voz embargada. Queria bravejar mais,


mas por hora resolveu apenas puxar a garrafa e sair cambaleando bar a fora.

José Francisco, um homem de caráter nem tão impecável, não era uma
pessoa ruim, mas possuía a ambição maior que o próprio coração. Cantarolando
alguma música de bar, pegou caminho para a Vila de Inhangapí, na esperança
de arranjar o que fazer para ganhar um dinheiro e voltar pro bar e reclamar da
vida desgraçada que ele dizia ter.

Roberto saia para São Raimundo para cumprir seus afazeres, mas ao
atravessar o portão notou algo estranho, algo não, alguém. Desceu da cami-
nhonete e aproximou-se do homem que jazia desacordado, escorado no portão.
Olhou ao seu redor até encontrar alguns de seus funcionários, mandando leva-

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Sendas da Amazonia

rem o desconhecido para o interior de sua casa.

***

José, a única pessoa no quarto, abria cuidadosamente os olhos pela


claridade que vinha da janela e iluminava o quarto. O homem olhava admirado
para tudo ao seu redor, não era um lugar luxuoso, mas era perceptível que pos-
suía elegância misturada a simplicidade daquele lugar.

- Estou no céu?

Perguntou incrédulo, mas logo começou a rir.

– Onde já se viu um pecador no paraíso ... então, onde estou?

No mesmo instante, a porta foi aberta revelando dois homens e uma se-
nhora de idade. Ambos pareciam surpresos por vê-lo. José, desconfiado, acom-
panhou com o olhar os três desconhecidos se aproximarem.

- Como se sente?

Um homem vestido com um jaleco perguntou ao lado da cama com as


feições mais serenas.

- Me sinto um pouco tonto. Quem são vocês, onde estou e o que acon-
teceu?

Disse de imediato, enquanto a senhora lhe entregava um copo d’água


que bebeu sem nem pensar antes, parecia que não ingeria nada a dias.

- Você está na minha casa.

Disse um homem que até a pouco havia se mantido calado.

– Eu sou Roberto, este é o Dr. Carlos e está é a Dona Neide. Você foi
encontrado inconsciente e o trouxeram para cá. Mas, agora eu lhe pergunto...
quem é você?

Esta pergunta fez com que José saísse de seu pequeno transe enquan-
to assimilava tudo o que lhe foi dito.

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Sendas da Amazonia

- Meu nome é Jo-José, e-eu não t-tenho como pagar, eu não tenho di-
nhero-ro nenhum! – disse nervoso tropeçando nas próprias palavras.

Aquelas palavras tocaram de alguma forma o dono da fazenda, ele fez


José se acalmar lhe explicou que não possui interesse nenhum em retribuição,
José chorou e disse como sua vida era difícil. Não conseguia largar o vício e
estragava tudo na sua vida. Aquilo assustou a idosa, entediou o médico e emo-
cionou o fazendeiro, o seu coração grande havia se emocionado, o homem ter-
minou de falar, chorar e por fim, se entregou ao sono originado da medicação
dada pelo médico.

Dias se passaram e José já estava com a saúde impressionantemente


impecável novamente. O fazendeiro lhe deu teto e comida, e como retribuição,
José jurou ser seu empregado mais dedicado e fiel que o patrão já tivesse.

O fazendeiro estava contente de ajudar mais uma pessoa, um trabalho


digno para o porte forte de José foi entregue. Ele o desenvolvia da melhor ma-
neira possível, aperfeiçoando-se em suas funções a cada dia. José fez amigos,
conquistou o coração de todos na fazenda e perdeu sua fama de cachaceiro
para um homem honrado.

Longos anos se passaram, José casou com uma das empregadas e


tornou-se pai de uma menina de quatro anos. O fazendeiro orgulhava-se do
homem, o tempo o tornou seu amigo como ninguém e sua única preocupação
com ele era a ambição que parecia não largar.

- Estou lhe dizendo meu amigo, exija aquelas terras! São todas suas,
aquelas pessoas não pagaram para estar morando lá. Se você tomar de volta,
poderá investir em plantações, animais ou até mesmo indústrias como fazem
hoje em dia.

- Já disse que não preciso delas! Já tenho o suficiente e aquelas pes-


soas precisam de um lugar pra viver.

O fazendeiro realmente não via necessidade em tirar as terras.

- Vejo que não você não fará o que digo – olhou para o fazendeiro que
apenas concordou.

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Sendas da Amazonia

– Pois bem, tenho que sair, preciso comprar uma boneca que Dudinha
não para de me pedir.

Despediu-se do amigo e seguiu para Inhangapí.

Ao chegar em seu destino, o homem fez tudo o que precisa, incluindo


a boneca da filha. Ele não estava bravo com o amigo por não lhe ouvir, aliás foi
ele que mudou sua vida para melhor, mas o amigo era caridoso demais, sempre
dando, ajudando sem querer nada em troca.

Estava indo para o carro quando encontrou um dos homens que lhe
induziram a comentar sobre a posse das terras de Roberto, era um dono de
uma fábrica queria o terreno para construção de uma nova indústria, mas não
convencerá o dono das terras porque o mesmo não quis expulsar as pessoas
que moravam lá.

- Olá amigo!

Saudou José.

– O que faz por essas bandas?

- Oi, vim tentar convencer algumas daquelas pessoas a deixar as terras


em troca de um emprego fixo.

- Ahhh, entendi. Infelizmente não consegui convencer Roberto justa-


mente por causa dos moradores.

- É! Ele é um homem muito bom, mas ele tem que aprender que não
podemos ser bom o tempo todo.

José refletiu sobre essas palavras, mas teve seus pensamentos inter-
rompidos.

– Quer tomar uma?

- Eu não bebo a muito tempo, obrigado.

- Mais o que é isso? Vamos! Apenas uma, você me parece um pouco


estressado, venha, não vou roubar muito do seu tempo.

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Sendas da Amazonia

- Apenas uma?

Perguntou e o outro assentiu.

– Bem, não acontecerá nada de ruim.

Seguiram para o bar, sentaram e pediram suas doses, mas o que era
para ser apenas uma dose, tornou-se uma garrafa inteira ingerida praticamente
por José. O homem rico que enchia o seu copo a cada virada aproveitava para
encher sua cabeça de ideias, maneiras de convencer o fazendeiro, insistindo
que era a melhor escolha que ele poderia fazer e descobrindo sua ambição
imensurável.

- Vá lá! Diga a ele o quanto ele poderá ganhar, pense no quanto você
pode ganhar

Disse segurando o ombro de José:

– Se todas aquelas pessoas saírem de lá meu amigo, eu lhe dou a


minha palavra de que você receberá tanto que não saberá nem como gastar.

- Eu quero a minha própria fazenda.

José disse com as palavras tão enroladas quanto sua mente.

- Isso, você com certeza pode ter uma, só precisa convence-lo, ele
lhe deve muito, já pensou o quanto você já trabalhou para ele, o quanto essas
pessoas estão perdendo oportunidades porque ele as convence com suas boas
ações que aqui é o melhor lugar para ficar e que o seu trabalho familiar é o
suficiente?

- Será que ele está fazendo isso? Esse traste está enganando a nós
todos?

- É duro de ouvir, mas eu não duvido. Mas você pode mudar isso, nem
precisa convencer ele e sim os moradores. Eles terão a mim como porto seguro
e você poderá lucrar com isso, pense nisso. – disse por último e partiu para qual-
quer direção que José nem se importou em saber qual era, “lucrar”, “ganhar”,
“ser bom demais” vagavam pela cabeça conturbada do homem.

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Sendas da Amazonia

Este saiu cambaleante até seu carro, dirigiu de volta para a fazenda,
enquanto olhava a estrada notou que se aproximava das terras ocupadas que
poderiam lhes proporcionar grandes lucros.

Só precisa fazer com que as pessoas saiam de lá, a ambição consumia


seu corpo, já com um galão de gasolina que sempre ficava na carroça do carro
em mãos, ele caminhou para perto das casas. Fez o que achou melhor, enfim,
tomou seu verdadeiro caminho.

No outro dia o caos se espalhava pela fazenda, Roberto mandou que


seus empregados acolhessem, os agora sem teto, mas aquelas pessoas não
poderiam ficar lá para sempre, assim, aos poucos elas iam atrás dos empresá-
rios que cobiçavam as terras que moravam. A causa do incêndio até agora era
desconhecida, preocupando a todos que desconfiavam de que o fogo não havia
começado por acidente, mas José se preocupava com outra coisa, ainda não
tinha recebido o dinheiro conforme lhe fora dito anteriormente.

As semanas se passaram e José já se arrependia de ter feito o que


fez. Os homens ricos que não tinham lhe pagado pelo crime cometido, agora
o ameaçavam se não parasse de cobrar. Ele precisava optar entre cobrar e
ser preso. Os empresários estavam mais ambiciosos que antes, mesmo com o
incêndio e a quantidade de moradores que se dispuseram a trabalhar, o fazen-
deiro continuou a não ceder as terras, deixando-os furiosos.

Dias depois, enquanto José voltava para a fazendo, vindo de uma co-
munidade vizinha, assustou-se ao chegar a frente da entrada, uma multidão en-
furecida tentava entrar, visto que por ali não passaria, José pegou um caminho
conhecido por poucos para o interior da fazenda.

- O que está acontecendo?

Perguntou entrado na cozinha da casa á sua esposa junto às cozinhei-


ras nervosas.

- O patrão foi acusado de atear fogo na casa daquelas pessoas

Disse nervosa – estão tentando entrar para pegá-lo.

José, desesperado, correu a procura do amigo, tudo o que aconteceu nos


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Sendas da Amazonia

últimos tempos passou por sua cabeça, enquanto vasculhava cada cômodo da
casa, pensou no quanto havia sido estúpido, mau, um péssimo amigo e pessoa,
e ambicioso. O arrependimento o afogava e o castigava por tudo, mas o senti-
mento que sentiu jamais pode ser explícito em palavras quando entrou no último
cômodo.

O corpo de seu grande amigo estava estirado no chão, a arma ainda em


sua mão denunciava o motivo do sangue no chão. As lágrimas no corpo de José
não trariam o homem de coração puro de volta, e não mudariam suas ações. Foi
até a cozinha, deu um beijo em sua mulher, abraçou sua filha que segurava a
pequena boneca de pano e por último disse o quanto as amava.

José caminhou até a frente da casa, as pessoas ainda tentavam invadir o


local e alguns empregados não aguentavam mais segurar o portão.

- ME PERDOEM POR FAVOR

Gritou ele.

HOJE EU PERDI UM AMIGO, ESSE É O CASTIGO QUE EU RECEBI


PELOS PECADOS QUE COMETI. SINTO MUITO PELO QUE CAUSEI, FUI EU
QUEM INCENDIOU SUAS CASAS, FUI CONSUMIDO PELA AMBIÇÃO

As pessoas ouviam a declaração boquiabertas, mas ele continuava a di-


zer:

– E AGORA É A HORA DE PAGAR PELOS MEUS PECADOS, SINTO


MUITO AMIGO, ENQUANTO VOCÊ CUIDAVA DE MIM E DE TODOS, ESQUE-
CI DE CUIDAR DE VOCÊ.

Sussurrou a última parte somente para si.

A multidão finalmente derrubou o portão, invadiu a propriedade e fez com


que o corpo grande de José ficasse coberto pelo próprio sangue, seu corpo foi
largado no mesmo lugar que ele havia incendiado, tornou-se esquecido e des-
conhecido como anos atrás. Até hoje sua trágica história é conhecida por todos
da região.

22
Sendas da Amazonia

Dias atuais, comunidade próxima a São Raimundo.

- Acredito.

Disse a idosa depois de contar o que sabia interrompendo o padre que


assimilava as informações.

- Que ele esteja lá porque não quer que ninguém aproximou-se das terras
do amigo, cuidando delas. Porque como eu vi naquele dia, meu pai nunca este-
ve tão arrependido de tudo de ruim que fez na sua vida.

O padre chocou-se com essa nova informação, olhou ao redor e encon-


trou ao lado da senhora uma mesa com um retrato de um homem grande e forte
com uma menininha no colo, ao lado da foto, uma boneca pequena, velha e
surrada de pano.

O padre agradeceu, se despediu da anciã e da jovem, e seguiu seu ca-


minho de volta para a igreja, pela última vez passou pelo caminho que viram
o homem aparecer, diferente do que os outros viram, o padre viu uma cena
diferente o encarando.

Não um homem forte e grande com sangue da cabeça aos pés, viu dois
homens serenamente olhando para ele. Um era grande e forte e o outro era um
homem muito mais maduro que o outro, acenaram para o padre que fez o mes-
mo, virou novamente em sua direção e segui seu caminho.

Maria Helena

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Sendas da Amazonia

A morte da estrela

No bairro do Estrela, no município de Castanhal, aconteceu algo inusita-


do.

Sempre passeava no final de tarde, via o sol se pondo e as pessoas


fazendo a sua caminhada rotineira, tentando levar uma vida saudável. Quando
chegava à noite, normalmente ia para a praça do Estrela encontrar meus ami-
gos, e íamos tomar um sorvete, conversar acerca das coisas que aconteciam na
escola, comentávamos sobre as palhaçadas que já havíamos feitos na infância,
ficávamos até tarde.

Já era por volta das 22 horas quando decidi voltar para casa, não morava
muito longe, a praça ficava a duas quadras da minha casa, mas meus amigos
me convenceram a tomar um último sorvete para encerramos.

- Você quer que eu te acompanhe, Luiza?

Perguntou Sandro.

- Pensei um pouco, olhei para minha amiga Rita, ela com um pequeno
gesto com o rosto, fez me lembrar de nossa conversa de hoje na escola, ela
havia me contado que gostava de Sandro e queria sair com ele hoje a noite, iria
pedir para que ele a acompanha-se até sua casa.

- Obrigada Sandro, mas não moro muito longe daqui. Talvez você deves-
se acompanhar a Rita, já está tarde e ela mora um pouco longe daqui.

Respondi com um enorme sorriso no rosto, dei uma olhadinha na Rita e


pude ver sua cara de vergonha e felicidade.

Ele olhou para Rita e sorriu.

- Tá bom então! Vai com cuidado.

Assim, vi meus amigos seguirem viagem, então comecei a minha.


Até o caminho da minha casa, haviam várias pizzarias, o que é inusitado em
Castanhal, além de me fazer ficar com fome novamente.

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Sendas da Amazonia

Quando entro na rua de minha residência, me deparei com uma mulher


no final da esquina, seus cabelos eram longos e negros feito a escuridão da
noite, seu rosto estava meio ensanguentado, sua mão parecia está segurando
uma faca suja de sangue. Fiquei com medo, resolvi apresar os passos, olhava
para todos os lados, a procura de ajuda.

- A senhora está bem? Perguntei, mas não houve resposta.

– Senhora, você está bem? Posso te ajudar?

Ela continua em silêncio, as luzes se apagam e vejo escrito ao que pare-


cia ser sangue no muro de minha casa: Eu vou pegar você.

Larguei a mulher que tentava ajudar e corri em direção a minha casa.

- Paaaaaai, pai socorro! – Gritava desesperada.

- O que houve? o que aconteceu?

Perguntava ele me segurando nos braços e abrindo a porta.

- Uma mulher, na rua, foi horrível! – Mal conseguia falar.

Minha mãe trouxe um copo de água, tomei. Meu pai esperou eu me acal-
mar um pouco e perguntou:

- Filha, o que aconteceu?

- Tinha uma mulher ensanguentada aí na frente, perguntei se precisava


de ajuda, mas ela não falava nada, de repente ficou escuro, quando olhei nova-
mente, ela tinha sumido, e estava escrito no muro da nossa casa a frase “Eu vou
te pegar”, foi horrível!

Meu pai saiu, foi até a frente da rua, olhou o muro de casa e voltou para
dentro.

- Filha, não tem nada escrito lá! Você tem certeza? Deve ter se engando
com alguma coisa, vá dormir um pouco.

Pensei no ocorrido durante dias, todas as vezes que saia de casa, ficava
à espreita, com cisma de encontrar a misteriosa mulher de novo. Decido pes-
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Sendas da Amazonia

quisar algum caso ou relato, com esperança de encontrar alguém que também
tinha visto aquela mulher.

Depois de pesquisar muito, decido sair de casa para ir à biblioteca de


Castanhal afim de encontrar alguma coisa. Chegando lá, sou atendida por uma
senhora chamada Benedita, assim escrito em seu crachá.

- Boa tarde.

- Boa tarde. Seja bem-vinda! Alguma procura específica?

- Sim, vocês têm jornais antigos?

- Antigo quanto?

- Todos que tiver, ou a partir de 1980.(???????)

- Que sorte a sua! A biblioteca começou a receber jornais locais a partir


desse ano.

- Nossa, que coincidência.

- Dizem que foi um ano terrível em Castanhal.

Sigo a senhora até os fundos da biblioteca, quando ela me manda esperar


em alguma mesa enquanto ela procurar a caixa. Não demora muito e ela traz
uma caixa já transbordando de jornais e poeira. Deixa a caixa ao meu lado e
retorna ao seu posto.

- Boa sorte! – Olho para ela sorrindo dizendo em minha mente “Vou pre-
cisar dela!”.

Começo a revirar a caixa. Depois de uns trinta jornais revirados encontro


um caso de homicídio na capa do jornal, estava estampada uma fotografia da
mesma mulher que eu havia encontrado naquela noite, as mesmas roupas e
cabelo indicavam isso. Fico abismada quando leio a data do jornal, “19 de mar-
ço de 1980”. Ocorreu há tanto tempo, como era possível eu tê-la encontrado.
Folheio as páginas atrás da notícia, finalmente encontro. Leio o título da matéria,
que dizia:

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Sendas da Amazonia

“Mulher é assassinada brutalmente por seu marido, depois de ter flagra-


do a traição do mesmo. Testemunhas dizem ter visto um homem carregando
e enterrando o corpo na rua Estrela Nova, em um terreno baldio. O caso ficou
conhecido como a ‘morte da estrela’”.

Por isso, havia boatos que ela assombrava a rua onde morava.

Enquanto revirava a caixa de jornal, encontrei dentro de outro jornal que


também noticiava a morte uma foto da suposta amante, ela se parecia muito
comigo.

O outro jornal dizia: “Jovem é encontrada enforcada em casa na rua Es-


trela Nova. Familiares não sabem o que pode ter levado a causa do suicídio,
mas amigos dizem que a moça falava que tinha encontrado uma mulher de
branco ensanguentada em frente de sua casa, dias antes de sua morte”. Quanto
mais revirava os jornais encontrava casos semelhantes onde a misteriosa mu-
lher de branco aparecia, o mais impressionante era a data que as vítimas diziam
ter visto a mulher, “19 de março”, era exatamente esta data.

Volta para casa com aquilo na cabeça. Deita na sua cama par tentar as-
similar as informações, porém sentiu que tinha outra pessoa no seu quarto. Le-
vanta a cabeça, mas não vê ninguém, se levanta e olha pela janela. Já estava
tarde da noite, não tinha notado que o tempo havia passado, voltou para a cama
para tentar dormir, mas olhou para seu armário e viu a porta aberta, não tinha
lembrado de deixa-la aberta. Se levantou e ia fechando a porta quando algo a
agarrou pelo pescoço e começou a enforca-la, com muita força, tenta ver quem
estava fazendo aquilo, viu que era a mesma mulher do jornal, tenta gritar, no
entanto não conseguia porque ela tampava sua boca. Viu uma corda pendura-
da, não sabia de onde aquilo surgiu. Em meio a mão que abafa suas palavras
perguntou a tal mulher: Por que eu?

De manhã, ela foi encontrada por seus pais no quarto. Nem seus pais,
nem a polícia tiveram alguma explicação lógica para isso. Pelas características
encontradas, a polícia concluiu o caso como sendo suicídio. Assim mais uma
vítima foi feita na rua da Estrela Nova.

Rita de Cássia
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Sendas da Amazonia

Anhangá

A localidade de Araraquara, no interior de Irituia, era um lugar simples


que possuía um pequeno povoado. Também era cercado por mata e havia um
igarapé próximo à vila. Muitos diziam já ter visto visagem que rodavam perto
dali. Os mais velhos alertavam que a partir das 07h da noite, ninguém poderia
passar perto do igarapé, por conta da Anhangá, que era uma espécie de demô-
nio, visagem, que batia nas pessoas. Já houve relatos de aparições de caixões
cheios de velas acesas flutuando pelo rio. Sabendo disso, ninguém se atrevia a
estar naquele lugar, naquela hora.

No entanto, em uma noite normal de um final de semana, um homem


chamado Chalá se atreveu a passar por lá. Estava indignado com algo que
aconteceu na festa onde esteve e para não demorar muito resolveu seguir ca-
minho pelo atalho da mata e, pegou justamente aquele caminho. Ele já tinha
ido lá para se banhar nas águas do rio, mas nunca tinha ido à noite por aquelas
bandas. O igarapé tinha nome de Igarapé da tia Madá.

Chegando à mata, escutou um assovio tremido e frio. Olhou para traz e


não viu ninguém. Andou mais um pouco e ouviu o estalar dos galhos secos no
chão e percebeu que o barulho não vinha dos galhos que ele estava pisando.
Logo, percebe que está sendo seguido e começa a sentir calafrios por todo o
corpo.

Suspeitando da lenda que vários amigos haviam lhe contado, entra em


modo de alerta para conseguir ver ou ouvir algo. Sentindo medo, ele gritou para
cima:

- Pode assoviar quantas vezes quiser!

O Anhangá se irrita com ele e assovia cada vez mais alto. Chalá, por
mais que não conseguisse ver muita coisa, começou a procurar um pedaço de
pau para se proteger. Não adiantou. O Anhangá agiu rápido e lhe tomou o peda-
ço de pau da sua mão e começou a bater no homem. Não aguentando a força
da batida, ele começou a gritar por socorro desesperadamente.

Ali nas proximidades, morava um homem chamado Virgílio, que escutou

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Sendas da Amazonia

os gritos. Chovia no momento, mas Virgílio tenta descobrir de que lado vinha os
pedidos de socorro. Pega o terçado e vai em direção à mata que ficava perto do
igarapé. Somente trovões e relâmpagos iluminavam o céu naquela chuva forte
e grossa.

Ao chegar no local, se deparou com um homem no chão gritando de dor,


cheio de arranhões. Virgílio perguntou já levantando o pobre homem:

-O que aconteceu?

Chalá respondeu:

-Me bateram muito!

Ele continua falando assustado:

- Não sei o que era, mas tenho certeza de que não era gente! Eu escuta-
va assovios e me arrepiava todo! Não consegui nem ver quem foi, pois me batia
muito! Estou dolorido e com medo dessa coisa!

Virgílio acompanha o homem até a sua própria casa e lhes dá alguns


remédios naturais que tinha em casa. Depois disso, Chalá mudou para a cidade
vizinha e nunca mais foi visto pela vizinhança. Até hoje, ele serve de exemplo
para todos aqueles que almejam passar por aquele lugar.

Paulo Henrique

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Sendas da Amazonia

O assobio do Vaqueiro

Dona Ana sempre ia e vinha da cidade de Altamira do Pará para sua chá-
cara no interior da cidade, mas naquele seria diferente. Todos os dias, acordava
cedo e viajava na sua motocicleta, enfrentando também o medo de ladrões. Na
quinta-feira, ela deixou seu filho com sua irmã e saiu cedo para sua chácara
para trabalhar com agricultura. Logo ao chegar foi cuidar de seus animais e
plantas, como de costume. De tanto cuidar da chácara, às vezes perde até a
noção da hora e, foi justamente o que aconteceu. Quando se deu por conta
percebeu que já eram 19h e rapidamente organiza suas coisas e vai embora
de moto. Até então, seu maior medo era dos assaltantes que atuavam naquele
horário, no entanto, não sabia do tal “vaqueiro” que rodava pela aquela estrada,
principalmente, na ladeira.

Ela já tinha ouvido relatos de assombrações, mas nunca tinha presencia-


do nenhuma. Estava a 70km de casa no momento em que ela subia a ladeira,
repentinamente sente a moto pesar como ser tivesse alguém na parte traseira
dela. A moto desliga sem motivo algum e para no meio da estrada. Dona Ana
estranha o ocorrido e confere se ainda há gasolina no veículo. O tanque está na
metade, logo, não é por falta de gasolina, pensa ela. Dá partida na ignição e a
moto funciona novamente, assim, prossegue seu percurso.

No dia seguinte, repetiu o que sempre fazia: deixava aos cuidados da


irmã o filho que tinha e seguia para a chácara em que trabalhava. Novamente
perde a hora. Com o acontecido da noite passada, ela acreditava que a moto
tinha problemas. No momento em que Dona Ana passa pela ladeira, em meio
à tamanha escuridão, uma forte luz aparece no seu retrovisor. Não liga, pois
pode ser um caminhão, porém, a luz tem um tom avermelhado. Resolve olhar
para trás. A luz misteriosamente some, voltando a escuridão e Dona Ana volta a
olhar para frente e avista uma enorme fogueira que aparece na estrada. Ao se
assustar, freia a moto e a luz é tão forte que ela não consegue olhar diretamente.
Então, coloca a mão no rosto para se proteger, mas a fogueira desaparece.
Ao chegar ao topo da ladeira, ela ouvi um forte assobio e se depara com um
vaqueiro montado em um cavalo, cavalgando do lado de uma enorme cerca, no
entanto, ela não consegue enxergar o rosto do homem ou do cavalo, somente
escuta um assobio que penetra profundo nos seus sentidos. Desde então, Dona

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Sendas da Amazonia

Ana evita passar a noite por aquele local. Não só ela, mas todas as pessoas que
ficaram sabendo do ocorrido.

Paulo Sergio Chagas

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Sendas da Amazonia

Rasga Mortalha e a Matinta

Estava passando um tempo na casa da minha avó Adália, que mora no


interior de Irituia, era uma casa simples, mas muito ajeitadinha se comparada às
outras casas da rua. Dois dias depois de eu chegar, me veio uma febre terrível,
eu não tinha vontade de fazer qualquer coisa, exceto jogar futebol, que é minha
paixão. Mesmo minha avó me proibindo de sair, eu ia a noite jogar na rua que fi-
cava umas quadras da casa, passando por caminhos cobertos de mato ao redor.
Apenas da minha dor de cabeça e corpo, consegui me levantar e andei de modo
escondido até chegar nessa rua para jogar bola com os garotos.

Cheguei para jogar com eles, não sabia o nome de ninguém e nem eles
o meu, mas só foi eu falar que queria jogar, eles deixavam na boa. Jogamos por
um bom tempo, no entanto eu não estava jogando bem por que meu corpo já
sentia o cansaço aparente além da febre aumentar. Parei de brincar e voltei para
casa da vovó, já estava de noite e muito escuro, deveria ser umas 22h.

Eu estava quase chegando em casa, já andava pela mata que dava aces-
so à rua quando escutei um som de pássaro, olhei para cima e vi uma rasga
mortalha. Na hora tremi de medo, pois já sabia das histórias dela, então, andei o
mais depressa possível, mas ainda estava no começo da trilha.

Se já não bastasse a rasga mortalha sobrevoando sobre mim, escutei


assobios da matinta! Pronto! Aí bateu o desespero! Comecei a correr para fu-
gir, mas ela começa a me seguir, assobiando e destruindo os galhos por onde
passa. A rasga mortalha canta gradativamente mais alto, o clima estava muito
tenso. Corro e me escondo no primeiro tronco que encontro, choro. Tudo estava
perdido. Minha cabeça não raciocinava direto para eu entender melhor o que
estava acontecendo. Em um momento de lucidez, lembro-me do que minha avó
havia me falado sobre as matintas. Tomo um pouco de coragem, levanto-me e
grito para o matagal:

-MATINTA! PROTEGE-ME DESSA MALDIÇÃO RASGA MOTALHA ATÉ


EU CHEGAR À CASA DA MINHA VÓ, E VENHA BUSCAR CAFÉ AMANHÃ
PELO AMANHECER!

Saio correndo em disparado sem olhar para trás. Finalmente chego à


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Sendas da Amazonia

rua de casa. Enfim, me acalmo caminhando pela entrada, respirando fundo e


limpando o suor presente em meu rosto.

Entro na cozinha para tomar um chá ou água com açúcar. Minha avó
percebe a febre e briga por não tê-la avisado. Vou repousar do atormentado dia.
Nenhuma gota de sono em meus olhos, somente o tsunami de cansaço em meu
corpo, mas ao passar algumas horas consigo me acalmar e, apago literalmente.

Acordo um pouco atordoado no quarto, percebo o silêncio do início da


manhã. Lembro-me que a vovó acorda bem cedinho e vai fazer café. Relembro
do dia anterior, porém, meus pensamentos são interrompidos pela campainha
tocando. Levanto-me já melhor da febre e vou ver quem é, enquanto vovó está
no banho. Abro a porta e me deparo com uma senhora de idade, pela sua apa-
rência, era muito pobre. Ela pedia algo de comer ou alguma doação. Peço-a
para aguardar um momento. Vou à cozinha e só encontro o café pronto. Coloco
em uma xícara e dou a ela que me agradece e vai embora. Minha avó pergunta
quem era, respondi que era engano. O mais absurdo foi que minha vó percebeu
a falta de uma das suas xícaras e me dá uma bronca por dizer que a quebrei. Fui
para o quintal e vi uma folha bem grande cobrindo algo, ao levantá-la pude ver
uma rasga mortalha morta e a xícara da minha avó ao lado. Era um sinal que o
trato realizado com ela havia sido cumprido.

Paulo Henrique da Cunha

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Sendas da Amazonia

O arranho na janela

A maioria das pessoas não acredita em coisas sobrenaturais ou pensam


que os acontecimentos são criações da imaginação. Contudo, esta história rela-
ta um fato ocorrido com minha vizinha que diz ter visto um Lobisomem.

Minha vizinha se chama Roniele e certa vez, foi visitar sua avó na agrovila
do São Raimundo, em Castanhal. Ao chegar a casa por volta de meio-dia, todos
os seus parentes ficaram contentes com sua chegada e foram comemorar em
um igarapé próximo. Fazia muito tempo que não a viam.

Às 16h eles voltam. Roniele e seus primos Carlos, Thiago, Marcos e


Thielly vão brincar no quintal, um roçado que tinha muitos animais, pois era um
terreno grande, típico de interior de cidade. Brincavam de esconde - esconde,
pega-pega, dentre outras brincadeiras.

Às 18h, depois de muita diversão, a avó das crianças resolve mandá-las


entrarem para tomar banho e jantar. Roniele toma seu banho e se senta para as-
sistir televisão, enquanto Dona Raimunda, a avó das crianças, prepara o jantar.

Às 18h30min, a janta está na mesa. O banquete servido tinha carne de


porco, salada, milho assado, batata doce, sucos, bolos e tortas. Enquanto janta-
va, Roniele resolve olhar para trás, justamente onde ficava a janela da cozinha.
Ao olhar, vê um bicho escuro passar. Contudo, ela não sabia o que poderia ser.

Às 19h30min o jantar termina e todos se dirigem para a sala. Os adultos


conversavam e as crianças, em reunião, falavam sobre suas aventuras nas es-
colas em que estudavam, mas são chamados para dormir. Uma vizinha próxima
da família chama os adultos para irem a um forró que estava acontecendo ali
pelos arredores. Os adultos, com medo de deixar as crianças sozinhas, falam
para ela que é melhor deixar para outro dia, porque as crianças não tinham com
quem ficar. Carlos, o mais velho da turma, escutou a conversa e falou:

- Pode deixar! Vamos ficar bem. Já vamos para cama.

Os adultos se convencem e vão para noite de arrasta chinela.

Às 00h:30min todas as crianças estão no quarto, as ficam luzes apagadas


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Sendas da Amazonia

e o silêncio é interrompido pela cantiga dos grilos que convida as crianças para
uma boa noite de sono, porém as crianças são elétricas! Thiago é o primeiro
a sair da cama, logo é acompanhado por seus primos que se sentam no chão
perto da janela. Resolvem sentar em um círculo no quarto e conversarem mais
um pouco. As baixas risadinhas são interrompidas por uns grunidos, no entanto,
não ligam, pois a dona da casa tinha cachorros, gatos, galinhas, uma criação
de porcos no final do terreno, além de um cercado de tartarugas. Poderia ser
qualquer um deles

Já era 1h da madrugada e a conversa continuava, mas novamente es-


cutam o grunido de fora da casa que parecia vir da varanda. Gradativamente o
barulho aumentava. Roniele, diante da situação, resolve contar a seus primos
sobre o que havia visto na cozinha durante o jantar.

-Deixa eu contar pra vocês. Ainda agora vi algo estranho na janela da


cozinha. Não sei o que era, mas parecia ser um bicho estranho com feição de
cachorro - Thiago resolve falar:

-Galera... Já ouvi sobre isso antes! Meu pai me falou que quando morava
aqui, ele via tipo isso e, falou que tinha um bicho que sempre rodeava essa casa.
Falou ainda, que pode ser um Lobisomem! Mas não liguem, porque pode ser
porco do mato ou algo do tipo. Todos se olham com expressões de ironia e dão
gargalhadas depois de se encararem por alguns segundos, depois, continuam
o que estavam fazendo.

Era 01h30min e o barulho perturba a roda de conversa por ficar cada vez
mais alto. Thiago, que estava com menos medo, resolve olhar entre as brechas
da janela e diz:

-E não é que a Roniele tá certa! Parece direitinho um cachorro!

Todos olham para Thiago espiando a brecha. De repente, Thiago cai no


chão e volta correndo para a cama. Carlos pergunta o que aconteceu e ele diz:

- Mano! Acho que o bicho me viu! O olho dele apareceu bem pertinho da
brecha! Eram tão vermelhos... Que doideira!

A janela recebe uma pancada, como de arrombamento. Todos gritam de


susto. Marcos diz:
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Sendas da Amazonia

- É o Lobisomem tentando entrar!

Devido a isso, todos ficaram sabendo que realmente havia um bicho es-
tranho pelo lugar. Ficam aterrorizados com tal situação. O Lobisomem começa a
arranhar as janelas de madeira e todos ficam apavorados! Roniele diz:

- O lobisomem vai entrar e devorar todos nós!

O barulho que o bicho estava fazendo, some. Porém, eles escutam outro
barulho da porta da casa. Saem do quarto e se trancam no banheiro. Alguns mi-
nutos se passaram e todos continuam em absoluto silêncio. Percebem que tem
alguém na frente da porta. A maçaneta se mexe e eles agem de modo frenético,
aumentando o nervosismo. Vovó abre a porta e todos correm para abraçá-la.
Sem entender o que estava acontecendo, a senhora pergunta o que houve, mas
ninguém soube explicar o que aconteceu de fato. Dona Raimunda briga com
todos, pois não eram para estarem acordados naquela hora da noite.

Quando amanheceu, eles saem para procurar vestígios do Lobisomem.


Encontraram apenas terra remexida e muitas ranhuras na janela do quarto em
que estavam.

Thiago Roniere do Rosário

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Sendas da Amazonia

A despedida

Antigamente, em certo bairro da cidade de Irituia, localizada onde hoje é


um hospital público, chegou um casal chamado Firmino e Lindalva que já eram
casados há 20 anos. O maior desejo do casal era ter sua casa própria na cidade,
pois já estavam cansados da vida no campo. Assim, depois de tanto procurarem
imóveis, encontraram um terreno com uma pequenina casa. O preço estava
uma pechincha, então resolveram comprar, sem antes saber a história do local.

Mesmo com pouco tempo em que viviam na pequena casa, notaram que
algo estranho estava presente nela. Sentiam energias negativas, cômodos frios
e observavam constantemente móveis fora do lugar. No início, achavam que al-
guém poderia está invadindo a casa, mas nunca encontraram ninguém. Mesmo
assim, Firmino e Lindalva não tinham escolha, porque usaram todas as suas
economias para comprarem a tão almejada casa própria. Deixaram para trás
todas as dificuldades do campo para terem uma velhice descansada.

Os filhos do casal já não moravam com eles, os três filhos eram casados.
Eram apenas os dois cuidando um do outro. Novos na cidade, eles não conhe-
ciam sobre a história do local. Tempos atrás, antes de ser urbanizado, lá era o
cemitério da cidade.

Conforme passava o tempo em que viviam lá, iam acontecendo coisas


incomuns. Exemplo disso é quando a senhora fazia as tarefas domésticas. Ela
sempre ouvia seu nome ser chamado, e quando perguntava ao marido, ele afir-
mava que não havia era ele. Além disso, portas batiam sem explicação no meio
da noite. Isso assustava bastante o casal.

Certo dia, bateu uma mulher de meia idade em sua casa, trajando roupa
branca, bastante elegante. A senhora estranhou, pois não tinha o hábito de rece-
ber visitas em sua casa, raramente seus filhos iam até lá. A senhora a convidou
para entrar e levou-lhe até a cozinha para conversar enquanto fazia um café. A
mulher começou dizendo:

- Ando muito incomodada, não consigo mais descansar. O meu lugar vi-
rou a morada de outros e eu não gosto disso, eu tenho que tirá-los daqui.

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Sendas da Amazonia

A senhora confusa com o assunto, disse:

- Sério? Exclamou Lindalva. Mas, quem invadiu sua casa?

-Você e seu esposo, ora! Lindalva arregalou os olhos e afirmou:

- Moça... Compramos esta casa. Como ela pode ser sua?

- Eu já estava aqui antes de ter essa casa. Depois dela, meu descanso
acabou.

- Como assim? Temos o contrato de compra do ...

- VÃO EMBORA DAQUI! Gritou a mulher de meia idade.

O grito dela ecoou de uma forma fantasmagórica pela casa toda, com um
vento que batia em todas as portas e janelas, tão alto que acordou o seu mari-
do que tirava um cochilo no quarto. A misteriosa mulher de branco sumiu num
piscar de olhos ao perceber que seu Firmino tinha chegado à cozinha. De tanto
medo, Lindalva não conseguiu se apoiar em nenhum local e caiu nos braços do
marido.

No mesmo dia do fato, os dois procuraram um padre para benzer a casa.


Passaram-se semanas e nada mais tinha acontecido, parecia que estava tudo
normal, mas não sabiam o que estava por vir.

Durante a madrugada, o senhor levantou e foi em direção ao banheiro


que ficava na parte externa da casa. De repente, foi surpreendido com chamas
pela casa toda, pois era de madeira. Não teve tempo nem para questionar como
tinha começado ou por que não tinha sentido o cheiro da madeira da casa sendo
queimada.

Correu imediatamente para o quarto e gritou para sua esposa acordar,


mas a mesma não acordava de jeito nenhum. Balançava e gritava seu nome, en-
tretanto, sem resposta. Ele não conseguia despertá-la. Por incrível que pareça,
a senhora só estava dormindo, respirando normalmente. O senhor passou tanto
tempo chamando-a, que quando percebeu o fogo já estava na porta do quarto
do casal. Firmino viu que não tinha como saírem mais de lá, então, ficou ao lado
da esposa gritando incansavelmente, pois era a única coisa que lhe restava. As-

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Sendas da Amazonia

sim, foi perdendo lentamente a consciência por conta da fumaça, observando o


corpo de sua mulher em seus braços adormecida. Em seu último suspiro, disse:

– Eu te amo – Fala entre lágrimas e soluços.

Infelizmente, o casal não sobreviveu. Seus corpos foram reduzidos a pó.


Um longo tempo depois, os filhos venderam o terreno para a prefeitura e lá foi
construído um hospital no mesmo lugar. Pacientes internados relatam que todos
os dias, às quatro da manhã, sentem um cheiro que lembra madeira sendo quei-
mada e escutam gritos de uma voz grossa chamando: Lindaaalva, Lindaaaaalva.

Pâmela Sabrina Borges

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Sendas da Amazonia

O Milagre

Apesar de ser inverno, o dia estava animado. Meus pais estavam felizes
e eu também. A visita que veio passar alguns dias em casa era o Sr. João. Ele
era bem legal e fez o dia ficar bem melhor. A casa era simples, bem simples.
Na verdade, ela não possuía portas fixas, apenas uma prancha de madeira bem
grande e pesada.

A noite caiu, mas as conversas não diminuíram. O seu João gosta mes-
mo de conversar. Eles estão sentados à mesa e eu estou sentada no sofá que
fica de frente para a “porta”. Eu estou com sono, mas a conversa está boa, não
quero sair do local. Os meus olhos estão quase se fechando, enfim, eu dormi.

Acordei com muita dor. Meu Deus! O que está acontecendo? Onde eu es-
tou? Minha visão está embaçada e alguém está falando comigo. É a minha mãe.

- O que você está sentido? Perguntou ela.

- Muita dor no meu rosto... Onde eu estou?

- Shiu! Fique quietinha! Estamos quase chegando.

Alguns minutos se passaram e dormi novamente. Acordei ainda com mui-


ta dor, estou numa sala deitada na cama. Sei lá... de raio x? Acho que sim.
Quando eu saí da sala meus pais estavam me esperando.

-Me explica o que aconteceu? Por que estou aqui?

-Filha, aquela porta caiu em cima de você quando estava dormindo no


sofá.

Como que uma porta foi cair em cima de mim? Parece até mentira que
isso aconteceu.

-Quero ir pra casa. – Falo em tom firme.

-Eu sei filha, mas vamos aguardar o resultado do raio x.

Esperamos mais um pouco, mas finalmente o doutor nos chamou para

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Sendas da Amazonia

entrar em sua sala.

-Então doutor, está tudo bem? - Perguntou minha mãe.

O doutor me olhou e eu senti como se estivesse me pedindo para ter


calma. Então ele falou:

- No segundo raio x, o osso abaixo do olho direito está fraturado.

Mamãe e papai ficaram sem reação. Continua:

- Vou pedir mais alguns exames para confirmar. Vou encaminhá-la para
a sala de cirurgias.

Saímos da sala do doutor em silêncio. A dor havia aumentado, eu não


estava mais suportando... Espera aí, cirurgia?

- Mãe? Por que eu vou fazer uma cirurgia?

- Querida, eles vão apenas colocar uma placa no seu rosto para corrigir
a fratura

- Mãe eu tenho medo. Eu não vou conseguir.

- Filha, não se preocupe você não vai sentir dor. Falou meu pai, tentando
me acalmar, no entanto, em vão.

- Mas eu não quero ir.

- Nós vamos apenas à semana que vem. Não precisa temer.

Essa semana foi horrível, além da dor, não consegui parar de pensar na
cirurgia que me aguarda amanhã.

- Maria, coma tudo amanhã é o dia da sua cirurgia e você precisa estar
bem.

- Eu não vou!

- Maria, você não tem querer! Você precisa ir. Ande coma logo e vá dor-
mir. – Fala a mãe com autoridade.

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Sendas da Amazonia

Antes de ir dormir, sempre faço minhas orações, mas dessa vez foi dife-
rente. Eu pedi a Deus com muita fé e acredito firmemente que ele vai me ajudar.

Já estou cerca de uma hora aguardando para ser atendida. Tem uma
equipe de médicos residentes aqui e muitas pessoas na minha frente. Estou
nervosa. Chega a minha vez.

- Então Maria, você está sentindo muita dor? - Perguntou o doutor, falan-
do enquanto apertava o meu rosto. Não doía muito. Tinha percebido que a dor
passou.

- Na verdade, eu não estou sentido mais nada.

Depois de mais alguns exames, o doutor falou:

- Não entendo. Você veio porque estava com uma fratura, mas agora não
tem alguma.

- Como assim?

- Maria, pode ir para casa, você está muito bem.

Saio do consultório em choque, mesmo sabendo que pedi para Deus.


Ouvir o doutor dizer que eu estou bem me deixou perplexa. Olhei para mamãe,
ela estava mais ainda. Abracei e contei a ela que eu havia orado e que Deus
havia me atendido. Agora só resta agradecer a Deus, e contar a todos que eu
não precisei fazer cirurgia nenhuma.

Raquel Torres

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Sendas da Amazonia

Uma casa no escuro

Era início da noite, ouvia-se o grasnar das corujas vindo de fora da casa,
Arthur e Samuel aceitaram o trabalho como caseiros na casa dos falecidos Sr.
Manoel e Sr.ª Lina, no município de Irituia. Escutaram vários boatos que a casa
era assombrada pelo espírito do casal, os quais tiveram uma morte cruel e inex-
plicável na casa. Escutaram de moradores da cidade que durante a noite, acon-
tecia fenômenos estranhos vindo da casa, porém eles não sabiam sua causa.
Mesmo assim, resolveram aceitar o serviço.

Chegaram a casa por volta das 18h, todos os moveis estavam cobertos
por lençóis brancos, ficaram impressionados com a organização do local, até
parecia que a casa não estava abandonada há dois anos. Eles entram para
guardar suas malas no quarto e preparar o jantar. Organizaram tudo por volta
das 23hs, e estavam se preparando para irem a cozinha, quando escutaram um
barulho de cadeira sendo arrastada na sala. Poderia ser o vento derrubando
alguma coisa, logo, eles foram ver o que tinha acontecido, mas todas as portas
e janelas estavam fechadas. Então, talvez fosse um rato, já que a casa estava
abandonada fazia tempo. O ruído sumiu.

Passava-se da meia noite, Samuel já estava fechando os olhos quando


escuta batidas vindas do porão. Curioso, vai atrás do misterioso barulho. Ele
estava descendendo a pequena escada no momento que escuta outro um ruído
vindo de um velho armário largado e empoeirado no canto. Todos os sons desa-
parecem e o silêncio impera, Samuel olha para o lado rapidamente e pensa ter
visto uma pessoa sentada em uma velha cadeira, o escuro não lhe deixava ter
clareza de sua visão. Andou lentamente em direção a aquele armário, no entan-
to, apenas vê um lençol branco, mas ao olhar novamente para a frente via uma
pessoa em pé, olhando-o fixamente como se pudesse ver o fundo da sua mente.

- Socorro Arthur! Grita Samuel correndo em direção a saída.

- O que aconteceu? Pergunta Arthur desesperado.

- Tinha alguém no porão! Dizia ofegante.

Os dois voltam ao porão para investigar o lugar, ligam a lanterna miran-

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Sendas da Amazonia

do em todos os cantos, não havia ninguém lá. Samuel pede para Arthur ir até o
velho armário, ele vai e abri o móvel, mas só encontra teias de aranha, poeira e
uma caixa de fotografias. A caixa ainda se encontrava aberta. Os dois se olham
e Arthur decide levar a caixa para cima. Apanham-na, trancam a porta do porão
e voltam ao quarto.

Voltam a dormir novamente, mas Arthur desperta ao escutar um som de


passos na cozinha e vai supondo que Samuel estava acordado. Ninguém lá. Ao
voltar para o quarto, ouve um sussurro dizendo:

- Você que está aí, saia da minha casa!

Assustado, sai correndo em direção ao quarto onde Samuel estava, o


acorda aos gritos e conta o que aconteceu.

No dia seguinte, comentaram o acontecimento com os moradores pró-


ximos. Um dos vizinhos contou que naquela casa morava um casal idoso que
foram encontrados mortos sem causa conhecida, e supostamente seus espíritos
assombravam todos que ousam entrar naquele local.

Eles voltam para a casa com aquela mensagem na cabeça. Escurece


em Irituia, passava da hora de deitar, mas nenhum pegava no sono. De repente,
tomam um susto quando batem na porta. Com receio, Arthur pergunta:

- Quem é?

- Eu sou o dono dessa casa! Dizia uma voz horrenda e assustadora.

- O que o senhor quer? Pergunta Samuel.

- Quero que vocês saiam da minha casa!

- Mas o senhor já está morto!

- Saiam da minha casa ou matarei vocês!

Assustados, saem correndo de dentro da casa e gritam:

- Vá embora daqui! Essa casa não lhe pertence mais! Pois o senhor está
morto! – Dizia autoritário.

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Sendas da Amazonia

O senhor fica furioso e começa a derrubar as panelas da cozinha, o


chão de madeira estremece, as coisas da sala começam a cair. Depois de al-
guns momentos, as coisas se normalizam. Arthur e Samuel pedem ajuda ao
vizinho e acabam dormindo por lá. Amanhece, eles vão a igreja mais próxima
da localidade chamar o padre para benzer a casa. O padre os acompanha e ao
chegar à casa, sente a presença de um espírito e começa a rezar para que ele
saía de lá. Na mesma noite, eles ficam ansiosos para saber se a reza funcionou.
Assim, deu Meia noite, uma hora, duas da manhã e nada. No dia seguinte, o
proprietário da casa chega. Nós lhe entregamos a casa e nunca mais voltarmos
ao lugar.

Paulo Henrique Costa

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Sendas da Amazonia

O velho do cruzeiro

Onde se encontra erguido “o cruzeiro”, existe um tesouro enterrado, que


ninguém até hoje encontrou.

Eugênio, residente do Amazonas, havia tido um sonho considerado reve-


lador por ele. Neste sonho, ele se encontra com um senhor de branco, alto que
usava chapéu. Enquanto estava de pé junto ao rio falou a Eugênio:

-Ao Norte, encontrarás um tesouro que o deixará muito rico! O lugar tem
nome de pássaro.

Em seguida, continuou a falar:

-Ali! Logo abaixo do cruzeiro, ali está o seu tesouro! Mas cuidado, há
perigos inexplicáveis por lá…

E desta forma o sonho repetitivo de Eugênio terminou, conforme todas as


outras vezes, no prazo de um mês. Certo dia, um velho amigo ofereceu-lhe um
trabalho no Norte. Eugenio, precisava de dinheiro já que estava desempregado
e enlouquecendo com os sonhos, disse: - Graças a Deus. E aceitou a proposta
de seu amigo.

Ao chegar ao Pará, acabou tendo que trabalhar no Maguari, um bairro


de Ananindeua que tinha nome de um pássaro. Sem perder tempo, procurou
alguém que lhe informasse onde tinha algum cruzeiro pelo bairro e acabou co-
nhecendo Marcelino, que lhe disse:

- Há um cruzeiro ali perto, mas tome cuidado! Aqui não é um local seguro
e você deve prestar atenção porque muitas pessoas já morreram aqui pelas
mãos de forças inexplicáveis!

Desta forma, Eugênio saiu pensativo, porém não deu muita importância
ao aviso. Ao dormir, o sonho que o atormentava voltou, mas de forma diferente,
agora o velho homem de branco falou para Eugênio enquanto apontava para o
fundo do rio:

- Aqui você encontrará uma pedra que possui guardada forças de tempos

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Sendas da Amazonia

muito antigos. Ela pode fazer coisas inimagináveis, porém devido a um antigo
feitiço colocado nela não se pode tirá-la do fundo do rio sem certas condições…

Apavorado, Eugênio procurou Marcelino e perguntou sobre a pedra en-


cantada e ele disse:

-Eugênio, você não pode mexer com esse tipo de coisa.

E logo Eugênio retrucou:

-Venho tendo sonhos com essas coisas a um mês, um senhor de branco


que me mostra e me fala para procurar essa maldita pedra.

Com olhar pasmo, Marcelino concorda em lhe explicar:

-Quando uma antiga tribo indígena vivia aqui, foi descoberta uma pedra
com alguma linguagem irreconhecível e com ela era possível curar qualquer
doença, fazer plantas crescerem mais rápido. Alguns dizem que ela era capaz
de trazer mortos a vida novamente. Porém, certa vez a pedra começou a ser
usada para o mal por um padre franciscano que a colocou em uma cruz e tentou
tirá-la da tribo, mas quando estava tentando tirar a pedra…

Com um olhar de medo e um suspiro, Marcelino olhou para Eugênio e


completou:

-O padre foi possuído por algum tipo de força que o levou a se jogar no
fundo do rio junto com a sua expedição e a pedra. Dizem que até hoje eles ficam
em procissão.

Eugênio perguntou abismado a Marcelino:

-E o que isso tem a ver com o tesouro?

Marcelino respondeu:

-Você precisará de alguns itens para acabar com a maldição de todos,


inclusive a sua…

Eugênio, com olhar de surpreso perguntou a que maldição ele estava se


referindo e Marcelino responde:

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Sendas da Amazonia

-Você enlouquecerá e terá sua alma presa junto a pedra por toda a eter-
nidade.

Sem ação, Eugênio ficou com os olhos vidrados enquanto Marcelino con-
tinuava:

-O padre colocou uma maldição na pedra, que prende a alma daqueles


escolhidos pelo detentor da pedra, e o último detentor foi o velho barão de cru-
zeiro, que anda aparecendo em seus sonhos. As únicas pessoas que têm suas
almas presas na pedra são uma jovem índia, o barão e o padre junto com sua
expedição. Para acabar com essa maldição, você deve pegar um item de cada
um deles e juntá-los a pedra, porém você terá problemas se falhar.

Eugênio despediu-se de Marcelino e foi atrás do tesouro. Chegou ao local


e se deparou com o símbolo do cruzeiro visto em seus sonhos, logo, começou a
cavar e encontrou um tipo de caixa com símbolos estranhos. De repente, um ser
brilhante se materializou em sua frente e começou a falar:

-Você deve tomar cuidado com estes artefatos... Eu dei minha vida por
eles, meu bisneto.

Eugênio percebeu que o homem que falava com ele era o velho senhor
de branco, e o senhor continuou:

-Você deve continuar a sua busca, o último item está junto a pedra a anos
e com ela a alma da índia, você deve tomar cuidado com o padre, ele fará de
tudo para tomar o seu lug…

Estranhamente, o velho de branco sumiu da frente de Eugênio de forma


quase instantânea, Eugênio começou a ouvir um barulho semelhante a corren-
tes se arrastando junto a um cântico religioso. Era o padre que começa a falar
com uma voz grave e rouca:

-Você não deve mexer com os desejos de Deus, insignificante formiga!

Com astúcia, Eugênio pega a caixa e corre rumo ao rio e vê a jovem índia
que fala para ele:

-O padre tem poder sobre nós, pegue esta pena e junte com os utensílios

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Sendas da Amazonia

que você já tem e leve até a pedra que fica no igarapé.

Eugênio, em disparada chegou ao igarapé e se deparou com o padre


sozinho. Ele começou a falar:

-Você não deve mexer com a vontade de Deus, criatura horrenda.

Eugênio olhou para o padre e saltou no igarapé, nadando em direção a


pedra, o velho homem de branco aparece novamente e fala:

-Coloque os itens junto a pedra para acabar com a maldição e com o


sofrimento de todos nós.

Quando Eugênio finalmente consegue colocar os itens sobre a pedra,


ele recebeu as memórias de todos os que tiveram a sua alma aprisionada. Mas
duas, em especial chamaram sua atenção. A lembrança do padre fazendo um
sacrifício brutal com a índia sobre a pedra, o que pode ter iniciado a maldição
que durou por anos, e a de que o cruzeiro dos seus sonhos era posicionado
próximo ao rio, porém ao chegar lá, as vozes daqueles que tiveram suas almas
presas começaram a falar na mente de Eugênio, fazendo ele pular no rio co-
metendo suicídio. Até hoje, dizem que é possível ouvir os gritos de loucura de
Eugênio.

Matheus Pereira

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Sendas da Amazonia

Cobra braba

Na terra desconhecida por pessoas da cidade grande, estão as mulhe-


res mais belas: Nadi, protetora de todas, Jaci, bela e com um sorriso brilhante,
e Potira, com a mais pura delicadeza, com um único homem, Kaluanã, um forte
guerreiro que é filho de Nadi. Antigos escravos, foram abandonados nessa terra
pelo seu dono, por possuírem deficiência em seus rostos, Kaluanã tem a boca
grande.

Passaram-se anos, e a terra foi cultivada e cuidada pelos escravos até


aparentar um lugar bonito e produtivo. Em um dia belo e ensolarado, Jaci acorda
na biboca e vai até ao rio grande e profundo – Rio Guamá que rodeia cada traço
de sua terra. Ao adentrar nas escuras águas do rio, mergulha e a cada instante,
vai molhando cada traço do seu belo corpo, e levando ao rio seus cabelos pretos
e longos, quando emerge, observa que algo se aproxima e ao fixar com seus
olhos grande e preto, vem o espanto, Jaci corre até Nadi, com medo e desespe-
ro, grita fortemente:

– Nadi, Nadi, Nadi!!! Cari, Cari, Cari - apontando para o pigmento preto
se aproximando-.

Nadi se aproxima do rio, com medo e relembrando tudo o que passou


quando foi escravizada e torturada pelo seu senhor, passando a mão em suas
costas com marcas profundas e lembranças apavorantes, e chama Kalunã, com
voz amedrontada e apavorada:

– Kaluanã, Kalunã, cadê Kaluanã, chame! Chame! - correndo para a


mata-.

Kaluanã chegando a margem do rio, observa a situação e corre em


direção a mãe:

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Sendas da Amazonia

– Nadi, Kaluanã chegou, o que Nadi tem, conte Nadi!

Nadi enfraquecida, aponta para o pigmento, com mãos trêmulas, que


cada vez se aproxima mais. Kaluanã ver Cari, e corre para pegar suas lanças,
grandes e pontiagudas, e também seu arco e flecha peçonhenta, e com habili-
dade e corpo grande e forte, marcado pelos enormes chicotes, diz:

– Kaluanã protege terra, protege Nadi, protege família!-Apontando para


escravos de Cari, acertando no coração.

Uma voz grita com firmeza atrás de Kaluanã, era Potira:

– Kaluanãaaa!!! Flecha!!!!-Kaluanã é acertado por Cari em seu peito e cai


com brevidade nas águas escuras do rio-.

Nadi, choramingando com a morte do filho, suplica aos seus deuses,


que tanto glorifica e acredita:

– Entrego Kaluanã a ti, senhor!

Cari já enfurecido, ordena:

– Mate-os!

Mas, algo entre as águas se move com rapidez, e quando de repente,


capangas de Cari são engolidos por uma enorme cobra da boca grande que
surgiu ali. Cari se aproxima do rio com curiosidade e tentando entender o que
aconteceu, mas em meados de segundos, sua cabeça é engolida pela enorme
cobra, que logo afunda. Nadi glorifica seus deuses e diz:

– Kaluanã salvou, Kaluanã guerreiro, Kaluanã Bujaru!

E hoje, no grande rio largo e fundo, acredita-se que existe uma cobra
enorme da boca grande, os traços que rodeia a bela terra faz semelhança ao
formato desse grande bicho. Nadi, Jaci, e Potira? Nadi se tornou a maior árvore
da frente de sua terra, Jaci brilha e ilumina sua terra, Potira se tornou a mais bela
flor no centro de Bujaru.

Samilly Beatriz

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Sendas da Amazonia

Férias praianas

O dia estava quente, QUENTE MESMO! Mas, levando em consideração


o clima instável da região, eu nem me surpreendia. Do lado de fora, o som era
ensurdecedor, carros e motos brigavam entre si para disputar qual som era o
mais infernal. Ao meu lado, Paula – minha prima – parecia nem se importar com
o caos que nos cercava, pelo contrário, a criatura parecia estar habituada com
todo aquele caos, já eu... Vindo de onde vim, achava tudo, no mínimo, muito
irritante. Levamos mais meia hora para finalmente chegar à casa; não me leve a
mal! Eu realmente adorava ficar na casa de titia, mas em todo aquele contexto,
a viagem para o interior praiano não fora lá muito oportuna.

Após a típica chuva de abraços e beijos, finalmente, fui deixado a sós no


quarto no qual me instalaram. Arrumei tudo o que devia ser arrumado e soquei
minha velha mochila no canto enegrecido da parede mofada; com um suspiro,
me levantei da cama e fui dar uma olhada no local. Nada parecia ter mudado
muito, o velho pé de acerola, que aparentemente era imortal, ainda estava lá de
pé, após tantos anos; segui rumo ao interior do quintal, onde as galinhas cisca-
vam e o velho labrador estava estirado, em toda sua glória, debaixo da pia da
lavanderia.

– E aí, rapaz? Como vão as coisas? Você não parece tão empolgado,
e acredite: entendo bem como é – falei em um sussurro. O cachorro nada me
dizia, nem sequer latiu, como costumava fazer na minha infância, apenas me
olhava com aqueles olhos esbugalhados; por fim, resolvi visitar a casa ao lado.
De longe, sentia-se o aroma de bolo recém assado no ar, logo me animei, segui
apressado e bati a porta lateral da casa.

– Tia! Sou eu! – Ouvi o típico rangido da porta.

– Querido! Nem vi quando você chegou, você está bem? Vamos! Entre
logo, acabei de tirar o bolo do forno – tia Rosa me puxou pelo braço para dentro
da casa.

– E ai? Como foi a viagem? Vocês demoraram muito para pegar o Ôni-
bus?

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Sendas da Amazonia

– Não tia, que nada, até que foi rápido – menti – foi uma viagem tranqui-
la, tudo está como eu me lembro.

– Está mesmo, não está? Nossa velha cidade – brincou ela – mas enfim,
não vamos tagarelar se não o bolo vai esfriar – ela rumou para a cozinha, pegou
um pires e uma xícara e me serviu de bolo e café.

– Carla estava a sua espera, mandei ela ir comprar umas coisas no mer-
cado, mas já, já volta. Mas então, como estão as coisas lá na sua casa?

***

Conversamos por mais algum tempo até que Carla adentrou na casa.

– Ah! Olha você ai! Nossa, você precisa vir mais vezes, só assim pra
mamãe fazer tanta coisa gostosa em um único dia – brincou minha prima toda
risonha como sempre – mas então? Já acabou aí? Temos que dar uma volta, ou
você prefere ficar enfurnado na casa das tias o dia todo? Eu adorava esse jeito
espontâneo de Carla, a forma como ela sempre estava sorrindo não importava
a situação.

Após agradecer pela comida e lavar a louça, saí com Carla para a tal
volta; caminhamos um pouco até que ela começou com sua típica tagarelice.

– Hei! Quando você vai à praia? Temos que ir logo, é muito sem graça
ir sozinha, e você sabe, agora que os primos inventaram de namorar, eu acabei
ficando de canto, é muito entediante! Como é possível que você só venha uma
vez ao ano? É tão injusto! Sabe, Lili disse que leva a gente na praia hoje de
tarde, que tal? Uma carona! Não vamos ter que dar aquela pernada toda! – eu
apenas concordava com tudo o que ela dizia, mas honestamente, eu só queria
deitar e dormir um pouco pra variar.

***

Depois da caminhada, retornamos à casa de tia Rosa. Carla entrou e


disse que logo voltaria para unir-se a mim novamente, concordei, e disse que a
esperaria na casa de tia Simone. Assim que entrei, quase dei de frente com Lili,
que soltou um palavrão com o susto.

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Sendas da Amazonia

– Ah menino, é tu? fala! Como tu tá? A Carla já te sequestrou foi? –


disse ele com aquela cara marota que ele tinha – Tu topou ir com ela a praia? –
concordei com um maneio de cabeça – há! Sabia, João! Ele aceitou! Cadê meus
cinco reais? – João, meu primo de consideração, saiu de dentro do quarto com
uma expressão resignada.

– Égua menino! Eu jurava que você ia recusar dessa vez, poxa, você me
fez perder uma grana viu? – disse ele bagunçando meu cabelo – mas que tal?
Quer um passeio de macho pra variar? Ou você vai brincar de boneca de novo
com a Carla? Expliquei que eu havia prometido passar a tarde com minha prima,
o que rendeu umas boas gargalhadas por parte dos meninos, mas que não levei
muito a sério, o que se podia fazer? Estava na natureza deles. Marcamos de
ficar juntos pela parte da noite, assim que eu terminasse de “brincar de boneca”.

Chegada a noite, eu ainda estava com Carla no pé e, como minha che-


gada era, aparentemente, o evento da semana, toda a família se reuniu na casa
de tia Simone. Tia Rosa levou mais alguns quitutes, que comi com gosto, e por
fim, após a janta, nos reunimos no pátio em roda, eu e meus primos: Dani, João,
Carla e Lili. João foi quem iniciou a conversa após ficar uns bons dois minutos
me cutucando.

– Então priminho! Vai dizer pra Carla que ela me fez perder uma grana
hoje? – eu apenas o encarei.

– Que grana João? – Carla indagou curiosa.

– Ah, eu apostei com o João que você ia acabar convencendo nosso


visitante a ir à praia com você, João discordou, ele disse que nosso primo já
deveria estar crescidinho o bastante pra fazer coisas de homem pra variar – pro-
vocou Lili – aparentemente ele estava enganado.

– Não enche Lili! Eu apenas já tinha prometido ficar com Carla hoje,
e não tem nada a ver eu ser crescido ou não! – completei um pouco exaltado.

– Calma aí estressadinho, a gente tá só brincando, meu Deus, você


ainda é um touro heim! – Falou Dani, finalmente adentrando na conversa após
passar quase vinte minutos com aquela cara de paisagem – não vamos discutir
a masculinidade do nosso primo, hoje –acrescentou ela, sarcasticamente – em

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Sendas da Amazonia

vez disso, vamos contar histórias, como fazíamos antes, lembram? Carla ainda
caga de medo, então vai ser divertido.

– EU NÃO CAGO DE MEDO NADA – protestou Carla – vocês que ficam


cabreiros e eu é que sou taxada de medrosa? Dani, você que é a cagona aqui!
– bufou Carla.

– Ah, nossa querida Carlinha não fica uma gracinha gente? – João es-
tava apertando as bochechas de Carla – certo, certo, sem brigas pessoal, hoje
ainda é o primeiro dia de férias, vamos aproveitar! Temos um longo tempo para
nos matarmos ainda – falou por fim.

- Tá, que seja, vamos começar logo o lance das histórias, porque se
formos discutir quem é o mais cagão aqui, tá todo mundo ferrado – riu-se Lili –
então, como é? Quem começa? João?.

– Quê? Eu? Eu não, não sou bom nisso, vai que as tias do terreiro ou-
vem? Deus me livre ficar macumbado.

– Tias do terreiro? – perguntei.

– Sim, sim, você já se esqueceu? Aqui está cheio delas, as tias do


terreiro, ou macumbeiras se assim você preferir chamá-las – acrescentou Dani
eufórica.

Dani sempre fora a mais atraída por histórias de terror, e morar onde
morava acabou atiçando ainda mais esse gosto nela.

– Estamos cercados delas! Mamãe de vez enquanto me fala de umas


coisas esquisitas – disse Lili.

– Que tipo de coisas esquisitas? – perguntei.

– Ah, você sabe! MA-CUM-BA, ficam batendo tambor as três da manhã,


ou ficam entrando escondido nas casas de noite pra jogar praga, sei lá, esse
tipo de coisa.

– Eu heim! Credo, você está mentindo! – exclamei, Lili sempre adorou


me assustar.

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Sendas da Amazonia

– Não estou não! É sério! Aqui na rua mesmo tem uma, a Carla até já viu
umas coisas estranhas uma vez lá, não foi Carla?

– Foi sim, eu tinha acabado de voltar do igarapé e fui procurar a tia Si-
mone, já que a mamãe tava precisando dela, e ai acabei vendo... – Carla deixou
o mistério suspenso no ar – sabem o quê? – todos agora estavam com os olhos
atentos nela – Um ritual!.

Eu quase engasguei – U-um o quê? Um ritual? Como assim?

– Você sabe, aquelas coisas sinistras, tinha um monte de gente vestida


de branco usando máscaras, acho que tinha alguém no meio, já que eles esta-
vam em círculo.

– Tá Carla, vai com calma, como você exatamente viu isso? – perguntei
curioso.

– Ora bolas, vi com os olhos! Ué!

E com essa resposta acabei soltando: – Eu sei que foi com os olhos ô
anta! Tô perguntando o como você pode ter visto um ritual assim, do nada? Se
eles iam fazer uma coisa dessas eles não iam fazer assim a céu aberto! Como
você acabou vendo isso?

– Ah tá! Não grita comigo seu grosso! Foi o seguinte, a rua tava meio
deserta, e na época, a casa do ritual tava em reforma, então tava tudo jogado e
o muro da frente não estava totalmente pronto, então dava de ver.

– Credo, deve ter sido esquisito – falou João – esse povo aqui é meio
estranho mesmo.

***

Conversamos por um pouco mais de uma hora, Lili falara sobre os gritos
que ouvia antigamente da casa da tal vizinha macumbeira, Dani falou que certa
vez vira um grupo de mulheres fazendo oferendas na praia no dia de ano novo, e
falou também das coisas esquisitas que sentia de vez em quando, coisas essas
que ela jurava serem fruto de mal olhado.

Já eram quase meia noite, então resolvemos ir dormir; acompanhei Lili


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Sendas da Amazonia

até o quarto; assim que entrei, vi que lá no fundo, em um colchonete surrado, El-
ton – irmão de João – já dormia, então tentei fazer o mínimo de barulho possível;
Lili me jogou um lençol velho e me desejou seu “boa noite”.

– Dorme bem, e ah! Vê se não pensa demais nos fantasmas tá? Eles
sentem quando você está com medo – gracejou meu primo.

– Vai dormir, eu heim, e quem é que está com medo aqui? – bravejei;
no canto do quarto, ouvi um resmungo, algo como um “calem a boca” silencioso,
mas não tenho certeza.

– Tá certo, acredito, mas enfim, vamos dormir.

Queria poder dizer que tudo o que eu disse era verdade e que eu, de
fato, não estava com nenhum pingo de medo, mas a realidade foi: eu mal con-
segui pregar os olhos direito a noite. Ficava em alerta a todo som, pensando em
possíveis passos de uma macumbeira invadindo o terreno, ou ficava esperando
ouvir alguma batucada de um suposto tambor das tias do terreiro. Após muito
tempo, creio que acabei adormecendo, mas a perturbação perdurou até nos
sonhos, coisas horríveis que prefiro nem comentar.

Acordei todo dolorido, o quarto já estava vazio, então supus que já de-
viam ser umas dez horas, me levantei com tudo. Na cozinha, tia Simone já cor-
tava os temperos para o almoço.

– Tia! Ah, me desculpa! Acabei dormindo demais, e os meninos não me


chamaram nem nada – desculpei-me aflito.

– Ah meu filho, não se preocupe não, você está de férias, relaxe um


pouco, olha, deixei seu café pronto – disse ela exibindo uma vasilha onde um
pão com queijo e umas fatias de bolo me aguardavam para serem digeridas – O
bolo foi sua tia Rosa que trouxe, aparentemente ela acabou fazendo um estoque
só pra você – brincou ela – E o café está ali no canto do armário, vá, pegue um
pouco. Ela me estendeu uma caneca verde que tinha uns desenhos meio apa-
gados de uns ursos coloridos.

– tá certo tia! Obrigado.


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Sendas da Amazonia

Comi tudo e fui tomar banho, em seguida, fui atrás de algo para fazer.
Eu mal passara pela porta da frente e uma voz me chamou ao longe:

– hei! Psssiiiiuuu, vem cá! – olhei para os lados à procura do lugar de


onde o som viera.

Ao longe, atrás do pé de acerola, vi Lili e Carla agachados, eles acena-


vam para que eu me aproximasse. Assim que eu cheguei perto, Carla me deu
um puxão.

–Cuidado! Ele pode te ver – Carla disse aos cochichos.

– Ele quem? – perguntei

– O cara de preto! O Lili disse que viu ele passando agora a pouco, deus
do céu, tô toda arrepiada!.

– Mas do que ela tá falando Lili?

– Cala a boca cão! Xiuuuu! – Censurou-me Lili – É o seguinte: tem um


cara cercando a casa, tia Rosa disse que ouviu coisas ontem, e hoje de manhã
ela encontrou isso – Lili exibia uma velha garrafa de 51 – Titia disse que é “tra-
balho” das tias do terreiro lá, ela disse que elas invocaram alguma coisa, não sei,
só sei que o cara preto tá rondando a casa... – Antes de terminar sua frase, Lili
arregalou os olhos – Alí, olha, alí! – ele apontava freneticamente para um ponto
no fim da rua.

– Meu Deus! Ele tá alí mesmo! – Carla se espremia atrás de mim – ah


meu deus Lili, o que é isso? – Ao longe, uma figura negra se aproximava, não
tinha rosto, era puramente negra, tão sombria que só a sua presença me causou
arrepios.

– Silêncio Carla! Tua mãe me mandou fazer isso.

– Fazer o que?... – Eu mal acabara de falar, quando vi um vulto passar


diante dos meus olhos. Fez-se um estrondo, Lili havia jogado a garrafa no ho-
mem, que, como num passe de mágica, desapareceu, tão rápido quanto havia
surgido.

– Meu senhor, o que foi isso? – Carla estava em estado de choque.


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Sendas da Amazonia

– Lili, o que era aquilo? – me dirigi ao meu primo, assustado.

– Tia Rosa veio me chamar hoje – Começou Lili – vocês sabem como
ela é em relação a essas coisas espirituais, bom, ela me disse que ouviu sons
de madrugada, mas que não tinha certeza, então, pela manhã, ela resolveu con-
ferir, e esse foi o resultado: a terra atrás do pé de algodão tava toda remexida e
essa garrafa tava enterrada lá, titia soube na hora que era macumba, então veio
me chamar.

– Cruzes! Mas então aquilo era... – eu não acreditava no que estava


dizendo.

– Um demônio? Exu? Visagem? Sim, era, aquelas mulheres lá devem


ter invocado algo, não sei, só sei que mamãe disse que essa não é a primeira
vez que fazem algo assim, ela até já fez uma vigília com as mulheres da igreja
pra orar pelo terreno, porque esse negócio de macumba tá demais por aqui.

***

Depois do ocorrido pela manhã, eu ainda estava catatônico, eu não con-


seguia assimilar o que tinha acontecido, aquela figura era mesmo real? Ou era
isso ou eu havia pirado de vez. O dia se seguiu tenso, e eu e os primos mal
tocávamos uma palavra, Carla permaneceu incrivelmente calada, o que para
ela era um feito e tanto, se limitou apenas a falar coisas simples como “com
licença” e “desculpa”. A noite foi se aproximando, e junto com ela, a ansiedade.
Havíamos combinado de relatar tudo somente a noite, quando os outros primos
chegassem de seus trabalhos.

O primeiro a chegar foi João, ele empurrava sua Caloi verde barulhenta
pelo quintal, ouvi ele cumprimentar tia Simone até finalmente chegar ao lugar
onde Carla, Lili e eu estávamos.

– Que silêncio é esse? – indagou João, desconfiado.

– Você não vai acreditar! – Lili soltou de supetão.

– Em que? Desembucha menino! – falou João apressado.

– Você vai ter que esperar os outros, vamos contar assim que todos

59
Sendas da Amazonia

estiverem aqui – declarei.

–Todos uma vírgula, só falta a Dani – disse Carla.

– Falta quem? – Dani surgiu detrás da porta que ligava o pátio a sala.

– Ninguém especial – gracejou Lili.

– Ah tá, como se você vivesse sem mim – Dani exibiu seu dedo do meio
juntamente com sua língua para Lili – Então? Vocês não vão dizer o que está
acontecendo?

– Bom, acho que todos já estão aqui – Lili fez uma pausa dramática –
então foi o seguinte...

***

Depois de contar o que havia acontecido, todos estavam com os olhos


arregalados, mas também, como não ficar? Aquilo havia sido surreal, nem mes-
mo eu acreditaria se não tivesse visto com meus próprios olhos.

– Vocês só podem estar de brincadeira comigo – falou, por fim, Dani,


incrédula.

– Não brincaríamos com uma coisa dessas! Vocês me conhecem! –


exclamou Carla – E ele também estava lá, pelo amor de deus, vocês sabem
que essa criatura não teria capacidade de inventar uma coisa dessas – Carla
apontava agora para mim.

– Obrigado pela parte que me toca – bufei – mas enfim, é verdade gen-
te, o cara surgiu do nada e também sumiu, foi assustador.

– Tá bom, suponhamos que seja verdade – disse João, entrando na


conversa – como vocês podem explicar uma coisa dessas?

– E você ainda quer explicações? Isso é coisa do capiroto, ou seja, das


macumbeiras lá... – Lili ia falando, quando um som o cortou no ato. Ouvimos um
farfalhar de folhas, todos ficamos calados, foi aí que vimos: dois pares de olhos
brilhantes no escuro, ninguém ousou dizer nada, a figura ainda estava lá, eu não
podia acreditar. Tudo não levou mais que dois segundos, parecia que o tempo
60
Sendas da Amazonia

tinha parado, todos permaneceram exatamente como estavam segundo antes


de a figura aparecer, parecia que nada tinha acontecido, mas não poderia ser,
não é? Todos tínhamos visto afinal de contas, mas aparentemente havia sido só
eu, havia sido tudo apenas uma ilusão?

– Hei, heiiiiiiiiiiiiiiiiii – alguém estava me cutucando, tirando-me de meus


devaneios – você tá bem? parece que viu um fantasma – era Dani me encaran-
do – menino, você tá pálido, o que houve?

– N-Nada não, eu... – Por alguma razão, eu não conseguia dizer nada
direito – Eu só... eu preciso – Tentei falar mais uma vez – só... me deem licença.
Levantei e fui em direção a casa, ou melhor, fui conduzido, não sei bem des-
crever o que foi aquilo, em um momento eu estava no pátio com os outros, em
outro, eu estava sendo meio que puxado para um determinado ponto da casa,
uma lugar atrás da parede que separava a cozinha do quarto de limpeza; cami-
nhei até ficar diante de um quadro pequeno, não deveria ter mais de trinta centí-
metros, eu nunca havia reparado naquele quadro antes, estivera sempre ai? Eu
não saberia dizer. Nele, uma criança me encarava apática, não havia brilho nos
seus olhos, parecia meramente estar lá, um corpo vazio, sem expressão, suas
mãos pálidas estavam apoiadas no cavalinho de madeira igualmente apático e
sem vida, ela usava um vestido azul com um avental branco, a imagem estava
um pouco gasta, fruto do tempo creio eu, mas pude notar que algo estava escrito
sobre o avental, um nome talvez? Não consegui definir, cheguei a conclusão de
que se tratava de uma letra “R” acompanhada de mais alguns caracteres que
não consegui decifrar; o que mais me atraía naquela criatura era seu rosto, era
ao mesmo tempo angelical e grotesco, ao seu modo.

Eu não sabia como havia acabado ali, só sei que a sensação que me
sucedeu me fez sair de lá na mesma hora, uma sensação de desespero e ao
mesmo tempo, sufocamento, aquilo foi desesperador. Criei forças nas pernas e
me virei em direção aos quartos, virei-me tão rápido, que, seu eu não tivesse
desviado no último segundo, teria dado de cara com tia Rosa.

– Ah, opa! Cuidado aí – ela me deu um sorriso – o que foi?

Eu não saberia explicar o que acabara de acontecer comigo, então, em vez


disso, disse simplesmente:

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Sendas da Amazonia

– Nada não tia, eu só estava vendo se tomava banho ou não – forcei um


sorriso.

– Certeza? – questionou-me ela.

– Certeza – disse eu, por fim. Quando eu ia me virando para sair, senti
o peso de suas mãos no meu ombro, não sei porque, mas aquele toque me deu
arrepios.

– Mas querido, as toalhas estão ali – disse ela, apontando para o mes-
mo quarto de onde eu acabara de sair.

– Ah sim, claro, onde será que estou com a cabeça? – tentei disfarçar
meu súbito incômodo; ao chegar na saleta detrás da cozinha, tamanho foi a
surpresa que tive, ali, no canto da parede, apenas o vazio jazia lá, não havia
garotinha triste, não havia quadro mórbido algum, apenas o vazio da parede fria.
Como eu havia dito que iria tomar banho, acabei fazendo isso, mas aquela sen-
sação esquisita ainda me rondava, como um peso invisível que sugavam cada
gota de minha existência. Enxuguei-me, mas o frio persistia em meu corpo, eu
estava me vestindo, quando ouvi uma batida na porta do quarto, era tia Simone.

– Querido? Está tudo bem? João me disse que você não estava se
sentindo bem, o que houve?.

– Nada não tia, é só cansaço mesmo, nada que um banho não resolves-
se – menti, eu não estava a fim de conversar com ninguém.

– Tem certeza? – titia parecia aflita, não era minha intenção chateá-la
– Você virá para o jantar? Temos pizza, seu tio trouxe agora a pouco, venha
comer com a gente, você sabe como esse povo é guloso – encorajou-me ela

– Sim tia, claro que vou – ela não tinha culpa desses sentimentos esqui-
sitos que eu estava sentindo, e convenhamos, uma pizza sempre é uma pizza.

Terminei de me vestir e segui em direção a cozinha, lá, apetitosas fatias


brilhavam em contrate a luz do local, e assim, todo e qualquer vestígio de medo
se esvaíram de mim, tomando lugar uma súbita e deliciosa sensação de prazer
enquanto eu saboreava aquele manjar dos deuses.

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Sendas da Amazonia

Depois de comer, caminhei em direção à sala de estar, nela, João e


Elton estava vendo televisão, me aproximei para conferir do que se tratava.

– Ei menino! O que houve com você mais cedo? Deixou a gente as-
sustado viu? Seu doido. – João estava estirado no velho sofá, podia-se ver a
espuma que o preenchia saltando pelos buracos da lateral; Elton, que olhava
João atentamente, brincava com um pedacinho de espuma que havia se soltado
do braço do sofá.

– Oi primo, o que houve com você? Os outros disseram que você pas-
sou mal, foi isso?

– Ah, não foi nada não, eu só… – eu olhava para minhas mãos – só
estava cansado.

– Cansado? Caramba! Se isso é estar cansado, Jesus! Você tem pro-


blemas amigo – João falou, mais como uma piada, do que uma crítica realmente
– Mas tudo bem, vem cá, senta com a gente.

– Senta aqui, eu já tava indo dormir mesmo – Elton se levantou depres-


sa, me colocando onde antes estivera sentado – Relaxa priminho, se não você
vai acabar enlouquecendo – e com um sorriso de canto, Elton foi deitar.

– Mas então, você não vai me dizer o que houve não? – Insistiu João.

– Não foi nada, eu já disse, só estava cansado, precisava de um banho,


só isso.

– Um banho, sei… Ok! Vamos ver alguma coisa.

***

João ficou trocando os canais, até que finalmente parou em um onde


estava passando uma maratona de filmes de terror clássico; vimos O massacre
da serra elétrica, e, logo em seguida, esperamos os comerciais para podermos
ver Halloween. O filme mal estava na metade, quando João adormeceu ao meu
lado, e eu fiquei lá, absorto com as cenas que se seguiam, foi ai que ouvi: um
choro de criança, um som agudo, quase imperceptível, mas para mim, era fato –
alguma criança estava chorando –, esperei um pouco mais para tentar descobrir

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Sendas da Amazonia

de onde o choro vinha, nada. Ouvi aquela lamúria por pouco mais de 12 minutos,
até que finalmente o som cessou, o filme estava no seu clímax, mas eu já havia
perdido totalmente o foco do que estava acontecendo, desliguei a TV, e chamei
João para irmos deitar.

Eu não demorei muito a adormecer, afinal, eu estava mentalmente


exaurido; no morfeu dos sonhos, tudo o que me atormentava eram gritos e cho-
ros de uma criança, algo persistente que não abandonava minha cabeça de jeito
nenhum, no sonho, uma garotinha aparecia correndo, e eu a seguia, mas não
importava onde eu ia, ela sempre estava um pouco mais a frente de mim, de
repente, o sonho mudou, eu estava em uma casa agora, alguém batia na porta
dessa casa, e eu ia atender, mas, quando eu abria a porta, não havia ninguém,
então eu ouvia passos, e lá estava novamente a garotinha, ela zombava de mim
com toda aquela sua neutralidade assustadora, eu a seguia até uma porta, mas
quando eu a abria, não era mais a garotinha que estava lá, e sim um homem,
um rapaz na verdade, eu não sabia quem era aquele homem, mas ele estava
lá, aparentemente dormindo, mas quando levantei o olhar para o teto, vi uma
corda pendida na viga de madeira, o rapaz estava morto. Tentei gritar, mas som
algum se ouvia naquele lugar, era como se os sons não existissem ali, o único
som perceptível era novamente aquele choro lamuriante da garota, eu tentava
correr, mas a porta sempre estava longe demais, tudo estava longe demais, e
eu ficava lá, preso naquele pesadelo, foi então que acordei.

Eu estava ofegante, gotas de suor acumulavam-se na minha testa e


eu tentava raciocinar que raios de sonho fora aquele, fiquei sentado por um
momento, olhei para o teto e me deixai levar pela imaginação, as sombras não
eram mais sombras e sim criaturas assustadoras que queriam me pegar, sacudi
a cabeça e lá estavam elas de novo, no seu devido lugar, eram meramente so-
bras novamente, fechei os olhos e esperei o sono me alcançar.

***

A manhã passou muito depressa, eu mal havia percebido o tempo pas-


sar; não comentei com mais ninguém sobre os eventos da noite anterior, mas
a curiosidade estava estampada na cara dos primos, tão descaradamente, que
começava a me incomodar, por fim, acabei contando tudo. Eles ficaram eufóri-
cos e intrigados ao mesmo tempo, coisa que eu já esperava, a única coisa da

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Sendas da Amazonia

qual eu não contava, era da enorme curiosidade e superticionismo de Dani.

Já eram quase três da tarde, quando me vi cercado pela Dani e por Car-
la, as duas com olhos esbugalhados, com uma ênfase notória em Carla, cujos
olhos praticamente saltavam das órbitas.

– Você PRECISA ver isso – exclamou exageradamente Dani.

– Preciso ver o que? – indaguei curioso.

– Isso! – Dani praticamente esfregou o seu celular na minha cara.

– Ai! Cuidado – exclamei – pera, o que é isso?... – Não pude disfarçar


o meu espanto – QUE MERDA É ESSA?. – Na tela do aparelho, estava minha
cama, e sobre ela, havia um rosto, e mais, não era qualquer rosto, era o rosto de
tia Rosa – Dani, o que raios é isso?.

– Era o que eu queria saber também, desde que você nos contou sobre
o pesadelo, fiquei incomodada com uma coisa, então resolvi tirar umas fotos do
quarto, sei lá porquê, simplesmente comecei a tirar as fotos, foi aí que vi isso.

– Mas o que a tia Rosa tá fazendo aí? – perguntei por fim

– Eu é que vou saber? Quem está mais assustada aqui é a Carla, a


coitadinha não disse nada desde que viu a foto – direcionamos nosso olhar para
a garota amuada no canto.

– Carla, você tá bem? – perguntei.

– E-eu... eu tô, só... – Ela parecia tentar encontrar as palavras certas –


Eu não sei onde a mãe está.

– Pera, tia Rosa não está aí? – Dani a olhava espantada, ao passo que
Carla negava com a cabeça.

– Não a vejo desde ontem, digo, desde que fui dormir, e quando acordei,
ela não estava em casa.

– Não se preocupe – tentei confortá-la – Ela deve ter saído rápido, você
vai ver.

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Sendas da Amazonia

– Pois é Carla, fica tranquila, a única coisa estranha é essa foto, mas
relaxa, titia vai saber explicar o que é isso.

– Cadê a tia Simone Dani? – Perguntei.

– Ela foi no Banco com o Nazareno.

– Ah tá, viu só Carla? Talvez a sua mãe esteja com eles – Acrescentei.

– É Carla, não esquenta, mas olha, que tal a gente comer alguma bes-
teira? A gente pode ir na praia, eu tô livre agora, e sei que o primo vai topar ir
– Dani falava com Carla.

– Você quer ir mesmo? – Carla olhava fixamente para mim.

– Mais é claro! Vamos sim – Sorri para minha prima.

– Mas oshi! Quem sugeriu isso foi eu, porque ele leva todo o crédito? –
Dani fingia ciúmes.

– Não tem nada Dani, é só que vai ser... legal – Carla sorriu por fim.

Vinte minutos depois, estávamos com nossas bolsas prontas, Dani pa-
recia que estava de muda, Carla já tinha entupido minha cara de filtro solar, e
eu? Tentava tirar o filtro solar de cima do olho enquanto tentava equilibrar minha
bolsa mais as bóias de Carla.

– Pra quê você precisa de tanta bóia Carla? VOCÊ SABE NADAR! –
fingi raiva.

– Porquê assim é mais legal! – Carla mostrava a língua para mim, diver-
tindo-se – Sorte sua que eu não trouxe os baldinhos.

– BALDINHOS? Meu Deus, você não é uma criança! – falei.

– Não a subestime, Carla sempre será uma criança – Dani gargalhava


atrás de nós.

– Você fala isso por que está segurando essa penca de bóia aqui! –
olhei para trás – Quer dividir o peso?

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Sendas da Amazonia

– Nã, eu passo, já tenho o meu próprio peso – Dani exibia sua mochila,
que mais parecia uma mochila de escoteiro.

– Não sei pra quê você traz tanto treco, mal vai usar o filtro solar!

– Nunca se sabe ué – Dani falou por fim.

Passamos pelas ruas barrentas, o pó subia a cada passo que dávamos; o asfal-
to da rua principal se misturava com a areia das alamedas, ora ou outra víamos
outra rua asfaltada; vans e moto-táxis passavam por entre nós, e, em um dado
momento, quase parei uma van para irmos, mas quando vi o tanto de gente que
tinha dentro, desisti. Caminhamos mais um pouco, as construções eram as mais
variadas, desde construções antigas belíssimas a casebres de madeira caindo
aos pedaços, eu podia ver o efeito que as marés tinham em algumas casa que
sofriam com as enchentes; depois de mais uns cinco minutos, passamos pela
cabana de madeira, uma construção que sempre chamava minha atenção: era
uma casa altos e baixos, toda trabalhada em madeira, era óbvio que mais nin-
guém morava ali havia décadas, e eu tinha minha dúvidas sobre a edificação da
casa, era bem possível que ela desmoronasse se eu pusesse apenas uma pé
lá dentro, mas o meu fascínio pela construção ainda era forte, era ao mesmo
tempo rústicas e misteriosa, o tipo de casa que você encontraria em livros de
suspense, esse tipo de coisa sempre me fascinou. Quando me deparei, as duas
já estavam a uma boa pernada a minha frente, corri para alcançá-las.

Antes de nos aproximarmos da orla, eu já podia ouvir o som das ondas


quebrando na areia, o cheio agridoce da praia me atingiu com força, ela não era
a coisa mais linda do mundo, pois sempre careceu muito do cuidado dos pró-
prios banhistas, mas não deixava de ter seu encanto; na beira, crianças corriam
atrás de pipas, mulheres estavam deitadas pegando um bronzeado, os vende-
dores ambulantes entupiam toda a extensão do local, e na água, barcos e mais
barcos zanzavam pra lá e pra cá, trazendo desde peixes a abacaxis fresquinhos.

– Aaaaah! Finalmente chegamos – A alegria de Carla era contagiante, o


que me acalmou um pouco, a sua aflição mais cedo partira-me o coração, então
tudo o que eu mais queria era que ela ficasse tranquila.

– Vamos lá, piabinha, vamos mais pra beira – Dani falou – só me espere
um pouco, vou comprar um negócio ali, você dois me esperem aqui.
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Sendas da Amazonia

– Claro mamãe – brinquei.

Enquanto Dani ia em direção aos camelôs, Carla e eu no dirigimos mais


para a beira da calçada, lá, podíamos ver a divisão entre pista e areia, o clima
estava bom; a areia fofinha da praia se misturava aos entulhos deixados pelas
pessoas; quando eu era menor, lembro-me de sempre sair coletando garrafi-
nhas plásticas pela beira da praia para brincar dentro d’água. Dani não demo-
rou muito, enquanto Carla me entupia de mais filtro solar, Dani ostentava um
novíssimo par de óculos pirateado, mas que não deixava de ter o seu charme,
também havia outra coisa em sua mão.

– Toma – Disse ela, estendendo para cada um de nós um apetitoso


picolé, o meu, chocolate – meu favorito –, o de Carla, morango.

Passeamos pela praia, até encontrarmos um bom local – onde não es-
tivesse entupido de pessoas – para colocarmos nossas coisas. Depois de entu-
lharmos tudo em cima de uma toalha, cuja qual, Dani retirara dramaticamente de
dentro de sua mochila.

– Tcharam! – Exibiu-se ela – Não falei que tudo aqui era necessário?

– Tá boooom criatura, ainda tá nisso? – perguntei.

– Mas é claro! Tenho que mostrar o quanto tudo o que eu faço é neces-
sário, oras!

Enquanto Dani tagarelava, Carla cantarolava, em profundo divertimento da si-


tuação.

– O NECESSÁRIOOO, somente o necessário, o extraordinário é DE-


MAISSSSSS…

– Carla, quer parar? – Dani fingiu aborrecimento.

– Mas é CLARO… que não – Carla estava gargalhando agora.

– Eu heim, o que deu nessa menina? – Dani a olhava de soslaio.

– Tá bom Carla, bora fazer alguma coisa – sugeri, ao passo que ela
retirava algumas lágrimas do canto dos olhos.
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Sendas da Amazonia

– Alguma coisa, tipo oque?

– Sei lá, a gente tá numa praia, bora catar concha?

– Há há há, engraçadinho, boa tentativa, mas você sabe que aqui não
tem concha! – Ela me olhava sério agora, e na verdade, não, eu não sabia que
lá não tinha concha, aliás, que diabos de praia não tem concha?

– Mas ué, como assim não tem concha?

– Porque aqui é praia de água doce? – agora era Dani quem demos-
trava indignação – Tudo bem que você não vem aqui sempre, mas pô! Isso é o
básico né, a água daqui é doce.

– Oxi, não precisa me agredir não, eu só não lembrava, faz tempo que
não venho aqui.

– Verdade, por isso não podemos brigar com ele! – Carla demostrava
uma incomum mudança de humor – enfim! Vamos tomar banho – e com isso,
Carla saiu arrastando-me fervorosamente por todo trajeto até a margem.

– Pera ai! Vocês esqueceram disso! – Dani correu em nossa direção,


carregando consigo, uma pilha de bóias coloridas.

– É verdade! Valeu Dani – Carla agarrou toda aquela parafernalha –


Toma, aqui tá a sua – disse ela, enquanto enfiava em mim uma bóia das prince-
sas da Disney no meu pescoço.

– Eu não vou usar isso! – Protestei – Eu sei nadar, e isso é de menina!

– Nada ver, você vai usar sim!

– Não vou Nad… – Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ela
já havia enfiado aquilo sobre mim, estava claro: eu havia perdido a batalha.

Passamos cerca de umas duas horas na praia, e o sol já descia pregui-


çosamente pelo horizonte, anunciando a chegada da noite; arrumamos tudo e
seguimos de volta pra casa, mas uma coisa me chamou a atenção, um homem
na verdade, este que se esgueirava pela multidão, seu rosto me era familiar,
não podia ser, era o homem do sonho, aquele que estava morto, como poderia
69
Sendas da Amazonia

ser deus? Foi só um sonho afinal, mas lá estava, eu sabia que era ele. Devo ter
ficado parado por algum tempo, pois senti um leve puxão no braço que acabou
me tirando daquela súbita hipnose, Carla protestou algo, mas não ouvi muito
bem, eu ainda estava fascinado com o rosto do homem, e o mais engraçado,
junto com ele, tive a sensação de ter visto alguém mais, mas não tenho certeza,
eu havia me focado demais em sua face para perceber qualquer outra coisa.

Chegando em casa, fomos tomar banho, cada uma esperou a sua vez,
é claro, mas assim que saí, deparei-me novamente com aquele quadro, a crian-
ça me encarava novamente, aquilo me tirou ar, a figura me dava arrepios, saí
rápido dali. Após me vestir, fui para a sala, foi ai que ouvi o chamado de Carla:
VEM AQUI AGORA!

Segui em direção à casa ao lado, quando cheguei, Carla estava séria.

– O que foi Carla?

– Desculpa ter te chamado desse jeito, é que estou ficando preocupa-


da– disse ela meio sem jeito.

– Preocupada com o quê?

– Mamãe, ela ainda não apareceu – foi aí que entendi o motivo de sua
exaltação.

– Mas… ela não deixou nenhum bilhetinho, nem nada? Titia não sumiria
assim.

– Você acha que eu não sei? Por isso estou preocupada!

– Calma Carla, vai ficar tudo bem – confortei-a.

– Espero que você tenha razão – abraçou-me ela, aflita.

– Eu também espero – sussurrei – mas olha, não fica assim não, você
sabe que adoro quando você sorri.

– eu sei disso – disse ela com um olhar tristonho – eu sei como você se
importa comigo – ela encurtou a distância entre nós – eu também me importo
muito com você... – Não sei explicar como tudo aconteceu, em um minuto eu
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Sendas da Amazonia

estava abraçando-a e em outro, estávamos nos beijando, um beijo suplicante


por parte de Carla pude notar, no qual eu correspondi um pouco hesitante.Ela
me abraçou, ao passo que enganchei minhas mãos em sua nuca, eu esperara
por este beijo a vida inteira, e finalmente ele havia chegado, entre lábios, ouvi-a
sussurrando algo como um “eu te amo”. Sei o que deve estar pensando, mas
não éramos tão criança como quanto parecíamos ser, Carla tinha 15 anos e eu,
17, então é claro que isso havia de acontecer um dia, eu amava Carla, isso é
fato, talvez tenha sido por isso que fiquei tanto tempo longe daquele lugar, eu
sabia que isto não estava certo, mas afinal, quem pode mandar no coração?
Beijei-a mais uma vez, suavemente, até que ela finalmente sorriu.

– Pensei que você nunca fosse fazer isso – sussurrou ela para mim – eu
queria muito que fizesse, obrigada – ela deu aquele sorriso que me derretia o
coração, ah deus, como eu amava aquilo.

– Como eu poderia não fazer? Com você assim, eu não conseguiria


nunca me controlar – fitei-a nos olhos – não suporto ver você chorar.

***

Dormi com Carla naquela noite, não, sua mente poluída, não assim,
passei a noite em sua casa, para que ela não ficasse sozinha. Comentei com tia
Simone sobre o desaparecimento de tia Rosa, o que a deixou em alerta, de fato,
aquilo não era do feitio de tia Rosa o que deixou todos preocupados. Durante a
noite, fiquei um pouco com Carla, conversamos banalidades acerca de várias
coisas, comentamos também sobre o passeio que fizemos a tarde, e por fim,
falamos sobre o nosso beijo. Carla corou ao falar disso, mas não demonstrou
arrependimento nenhum, pelo contrário, aparentemente, ela sentia o mesmo em
relação a mim fazia tempos; nos beijamos novamente, sem hesitações dessa
vez, ela parecia feliz, eu estava feliz, então nos permitimos esquecer as coisas
por um momento, é óbvio que eu a toquei, mas não passamos disso, não seria
certo, a situação toda não estava certa, mas me deixei, ao menos, ser conduzido
um pouco pela luxúria.

Em dado momento, Carla adormeceu, ao passo que eu fui me preparar


para dormir também. Verifiquei as fechaduras, tranquei as janelas e apaguei as
luzes; enquanto eu ia ao banheiro, um ruído se vez audível, um som sereno,
mas ainda assim, presente, era como a melodia de uma sereia, calmo, suave,
71
Sendas da Amazonia

tranquilizador, que raios de som era aquele? Foi ficando cada vez mais alto,
mais forte, até se tornar em uma lamúria insuportável, não podia ser, eu já havia
escutado esse som antes, na casa de tia Simone, era aquele choro de novo. Ca-
minhei pela casa a procura do som, passei primeiro pela cozinha, em seguida,
fui conferir se estava tudo bem com Carla, ela dormia serenamente, então pros-
segui. Rumei em direção aos outros quartos, nada, foi ai que entrei na sala, e
tamanha foi a minha surpresa: lá, ao lado do sofá surrado, estava aquele quadro
novamente, aquele maldito quadro estava me perseguindo. Aproximei-me para
dar uma olhada melhor, eu não acreditei no que vi, o choro, meu deus, vinha
da criança, o quadro estava chorando! Olhei fixamente para a figura bizarra, as
lágrimas escorriam pela face da garota, que pude, finalmente, ver quem era. A
priore, pensei ser Carla, mas após uma análise mais detalhada, concluí que se
tratava de tia Rosa, Senhor, o que era aquilo? Ouvi um outro som, em seguida,
passos, conferi as horas no relógio atrás da parede da sala, passavam das duas
e quarenta da manhã, quem estaria acordado a uma hora dessas?

Os passos se seguiram frenéticos, como se pessoas estivessem corren-


do ao redor da casa, eu estava muito assustado, conferi novamente como Carla
estava, então decidi: eu ia acabar com essa palhaçada toda, e seria agora.

Armado com um facão de cozinha, abri a porta lateral da casa, não


havia ninguém. Olhei de soslaio para a casa ao lado, tudo estava escuro, e,
aparentemente, normal, então decidi não chamar ninguém, eu podia resolver
isso. Mais um som, um farfalhar de folhas que vinha por trás da casa de tia Rosa,
caminhei cautelosamente ao redor da casa, os arbustos sacudiam-se, eviden-
ciando a passagem de alguém, tomei coragem e segui na mesma direção. Eu
mal acabara de pôr o primeiro pé na trilha quando senti um baque na cabeça, de
repente, minha visão ficou turva, tudo ao meu redor ficou mais leve e o mundo
escureceu-se.

Tudo estava pouco nítido quando abri os olhos, minha visão ainda esta-
va confusa, que lugar era aquele afinal? Pelo cenário medonho, aquilo só podia
ser um sonho, TINHA que ser um sonho, o que havia acontecido afinal? Como
que eu tinha parado ali? Eu não me lembrava de nada, eu tentava lembrar, mas
nada me vinha a cabeça, meramente sinapses tão rápidas que eu mal tinha
tempo para processá-las.

72
Sendas da Amazonia

Levantei e decidi descobrir de uma vez por todas que lugar era aquele;
primeiramente, se tratava de um ramal, quase que uma trilha, de tão estreito
que era, todo o caminho era fechado pela vegetação, eu podia sentir o cheiro
agridoce e poluído do mar, então segui direto pelo caminho. Após muito andar,
o lugar pareceu clarear um pouco, a frente, havia um galpão velho que parecia
abandonado, então resolvi entrar, era tudo um sonho afinal. Por dentro, ferra-
mentas que pareciam não serem utilizadas a milênios entulhavam as paredes,
ao longe, uma poça do que parecia ser um líquido pegajoso se misturava em
meio a terra batida, o cheiro era fétido, após me aproximar, concluí, com espan-
to, de que se tratava de sangue, sangue! Me afastei dali imediatamente pela
porta dos fundos, e quase dei um grito, lá, vasilhas e jarros das mais variadas
cores estavam espalhadas pelo chão, todas continham desde bebidas alcóo-
licas a animais mortos, aquilo era macumba pura, quando eu virei para tentar
voltar pelo caminho de onde vim, a porta estava fechada, que droga era aquela?
A visão do lugar me dava arrepios, e o pior, parecia que havia mais alguém ali.
No final da trilha, pude perceber sombras, e então um grito familiar, era tia Rosa!
Nesse instante perdi totalmente a razão, fui correndo em direção ao som, eu não
podia acreditar: uma dezena de pessoas, todas usando máscaras de animais
e vestidas de branco, circundavam minha tia, esta que estava jogada no chão,
quase desfalecendo, seu rosto era uma bagunça de horror e incredulidade, ela
não falava nada, seu corpo estava todo inchado e arranhado, e em seus pulsos,
umas espécie de pulseira espinhosa a feria profundamente, ela estava despida
e parecia não ter mais forças.

As pessoas pareciam não terem sequer notado a minha presença, mas


foi ai que senti alguém atrás de mim, essa pessoa passou apressadamente por
mim e se dirigiu ao centro, ao lugar onde minha tia, indefesa, se encontrava.
meu corpo estava paralisado, era aquele maldito homem de novo, o do sonho,
o da praia, o maldito que agarrava minha tia naquele exato momento; tentei
avançar sobre ele, mas fui impedida pelos seus seguidores, eles não faziam
nada comigo, meramente me impediam de prosseguir. O homem, vendo a si-
tuação, levantou-se e começou a entoar um cântico, cujo qual não consegui
compreender nada, mas minha tia aparentemente sim, pois nesse exato mo-
mento ela levantou a cabeça, sua expressão demostrava um horror incabido,
ela parecia compreender cada palavra proferida, e o pior, ela estava falando
naquela mesma língua, uma espécie de súplica. O homem proferiu mais algu-
mas palavras naquele seu idioma estranho, eu prosseguia tentando atravessar
73
Sendas da Amazonia

a barreira sobre-humana que me continha; minha tia agora berrava e chorava


naquelalíngua, foi ai que tudo aconteceu: um dos homens que estava no círculo
entregou ao seu líder umteçado, com isso, o homem que encarava minha tia deu
seu primeiro e último golpe, não consegui conter o grito de horror, meu deus,
aquilo estava sendo real demais, que merda de sonho era aquele? Minha tia
estava jogada lá, morta, eu não pude fazer nada; meu impulso era atacar aquele
homem com todas as minhas forças, ao passo que eu queria tirar minha tia dali,
ela não estava morta, não podia estar morta, eu não sabia o que fazer, toda
aquela situação era desesperadora, eu queria acordar de uma vez. Foi ai que
o mais estranho aconteceu, o homem fez sinal para que me deixassem passar,
não sem antes retirar sua máscara, ele era jovem demais, deveria ter, no máxi-
mo, seus vinte e cinco anos. Assim que me encontrei diante dele, ele fez algo
inesperado: pôs sua máscara sobre mim e me entregou seu facão, em seguida,
fechou os olhos e proferiu mais algumas palavras naquele seu idioma, que mais
parecia a língua do demônio, após abrir os olhos, ele sorriu para mim, essa foi
a gota d’água, não sei como aconteceu, mas em algum momento eu devo tê-lo
furado com o teçado, pois uma mancha vermelha se espalhava pela sua camisa
branca, eu estava fervendo de raiva, o homem, por outro lado, parecia tranquilo
e até feliz com aquilo, Deus, ele estava com uma faca do estômago e estava
sorrindo! Nada mais fazia sentido ali, foi então que ouvi, ou melhor, compreendi
o que ele estava dizendo, eu pude entender aquele seu cântico melodioso, ele
estava me agradecendo.

– Pobre criança, sua alma já estava condenada muito antes de nascer,


minha função foi meramente devolvê-la ao seu lugar – ele dizia enquanto olhava
para minha tia. –agora sou eu, eu devo limpar esta geração, a minha geração,
muito obrigado por facilitar as coisas.

– Como assim facilitar? – assustei-me quando me vi falando na mesma


língua que ele.

– Você não pode compreender agora, mais saiba disso: todos nasce-
mos para morrer – ele cuspia jatos de sangue enquanto proferia suas ultimas
palavras – sei o que está pensando, mas entenda isso, estamos meramente
cumprindo nossas funções, e agora é a sua vez, você deve se livrar dessa ge-
ração maldita.

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Sendas da Amazonia

– Que geração você está falando? O que eu tenho a ver com tudo isso?

– A princípio nada meu querido, mas você se misturou com elas – ele
apontava para o corpo de minha tia – as almas dessas crianças já foram perdi-
das a muito tempo, você as viu nos quadros.

– Como assim? Como você sabe dos quadros? Me diga agora o que
está acontecendo!

– Tudo a seu tempo criança, os quadros são as cadeias, são as repre-


sentações das almas já perdidas, minha função é meramente devolver seus
corpos as suas almas perdidas.

– Eu não entendo, que almas? O que elas fizeram? ME RESPONDA


AGORA SEU CRETINO! – Eu já estava desesperado e irritado com toda aquela
enrolação.

– Minha hora chegou, agora você deve cuidar da sua geração

– Eu não vou cuidar de nada, eu não tenho nada a ver com vocês!

– Como não criança? Você está segurando a ponta da espada, você


está me compreendendo, esta é a maior prova de que agora você é um de nós...

– Não, você está errado, tudo isso está errado, eu não fiz nada, eu...
– antes que eu pudesse terminar de dizer o que eu havia começado, o homem
caiu, morto, aos meus pés. Todas aquelas pessoas agora me encaravam, elas
não pareciam surpresas, pelo contrário, pareciam estar esperando por aquilo, foi
aí então que tudo se apagou novamente.

***

Acordei com uma baita dor de cabeça, onde eu estava? Abri os olhos
vagarosamente e examinei o local: branco, tudo branco, paredes brancas, teto
branco, roupas brancas. Supus que eu estava em uma espécie de hospital, mas
como eu havia parado ali ainda me era um mistério; tentei me lembrar dos even-
tos anteriores, fui a praia, tia Rosa sumiu, Carla estava triste e acabamos nos
beijando, eu dormi com ela e... e oque? O que havia acontecido depois? Eu não
conseguia me lembrar.

75
Sendas da Amazonia

Passei um bom tempo tentando recordar o que havia acontecido, por-


que eu estava em um hospital mesmo? Será que Carla estava bem? Eu só
queria vê-la novamente, ouvir sua gargalhada, senti seus lábios de novo, queria
sentir aquela sua alegria de sempre, esta era Carla: nunca chorava, nunca de-
sistia, gostava da minha companhia. Era de Carla que eu precisava, será que
tia Rosa já havia voltado?... tia Rosa... tia Rosa! Foi ai que lembrei de tudo: eu
ouvi uns sons estranhos de noite e fui conferir o que era, eu devo ter tropeçado
pois bati a cabeça e devo ter desmaiado, enquanto inconsciente, eu tive um pe-
sadelo, do qual não me lembrava muita coisa, apenas pontos principais como tia
Rosa morta por exemplo, deus me livre, que sonho terrível foi aquele, de repen-
te, desejei muito que tia Rosa estivesse bem, eu nunca contaria aquele sonho
para ela, muito menos para Carla, esse seria meu segredo, bom, depois de ter
desmaiado, alguém deve ter me encontrado e me trago para esse hospital, pro-
vavelmente Carla, medrosa como era, com certeza deve ter sentido minha falta
e acabou me encontrando e por isso eu estava naquele hospital. Agora era tudo
questão de tempo, eu só devia deitar e esperar, esperar para que alguém viesse
me ver, esperar para comer novamente os quitutes de tia Rosa, e finalmente,
esperar para esquecer aquele sonho terrível.

Eu encarava o teto quando ela chegou, eu mal pude esconder a alegria


que tive ao vê-la, eu quis pular de imediato em seus braços, mas foi ai que per-
cebi, Carla estava séria, abaixei um pouco mais o olhar, então visualizei suas
roupas: tão negras quanto sua expressão, aquilo era a morbidez pura. Eu a
encarei sem compreender nada, ela me fitava, não dizia nada, foi então que vi:
de sua face, lágrimas desciam torrencialmente, Carla estava chorando.

Brenda Angélica

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Sendas da Amazonia

O casal que virava bicho em São João da Ponta

Em são João da ponta vivia um casal de senhores. Durante o dia ambos


levavam suas vidas normalmente, cuidavam do roçado e pescavam como qual-
quer outro ser humano. Acontece que, durante certas noites o casal saía para
cumprir uma tarefa nada comum. O senhor virava um veado e a senhora um
macaco guariba.

Numa dessas noites, o compadre saiu para caçar, e para sua satisfação
encontrou um veado grande e gordo tomando água tranquilamente, na beira de
um igarapé, e como se fosse uma maravilhosa benção de Deus, o compadre
avistou uma guariba bem próxima do veado, ambos estavam distraídos.

Não é que o compadre estivesse achando aquela cena toda das mais
perfeitas, mas ele não podia correr o risco de perder aquelas caças tão fáceis.
Foi quando ele pensou:

- Vou disparar minha espingarda.

Ele atingiu os quartos do bicho que deu um grito tão forte e assustador
que foi impossível não sentir medo. Embora o medo do compadre fosse grande,
ele ainda apertou o gatilho contra a guariba, que estranhamente não se afastou
do veado ao som do disparo. Depois do segundo disparo, os bichos abatidos
começaram a chorar como pessoas. A noite ficou mais escura e o compadre
falou que era como se todos os olhos da mata estivessem lhe olhando com
reprovação. Então ele correu dali o mais depressa possível. Já me vú!

Na manhã seguinte estavam falando que o casal de idosos estava muito


doente. Então o compadre e sua esposa foram visitar o casal. O homem e a
mulher estavam deitados e gemendo de dor, seus corpos estavam cheios de
pequenos buracos, feitos por um disparo de arma de chumbo.

Ele ficou observando os ferimentos e se lembrando dos tiros que havia


dado no veado e na guariba. Era coincidência de mais! O homem disse baixinho
a sua esposa:

-Égua! Eu atirei em dois bichos ontem a noite, nos mesmos locais dos
ferimentos deles. Que estranho! Sua esposa lhe encara assustada e diz:
77
Sendas da Amazonia

- Acaso ocê num sabe a diferença de gente pra bicho? Rum!

O homem ficou com a pulga atrás da orelha e retrucou baixinho:

Eles poderiam estar enfeitiçados e transformados nos bichos, ora!

-Mas quando! Besteira!

-Mas tu não vês os buracos, mulher?

-o doutor acabou de tirar 2 tiros de chumbo de dentro das feridas do


homem aí. E exatamente do mesmo lugar de onde eu atirei no veado ontem. O
que isso te parece?

A mulher responde:

- Complicado…

Ele diz:

-Pois é ...

Raimundo Patrik

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Sendas da Amazonia

Palmito da bacabeira

Morava em nossa cidade de Soure, um casal que veio de Angola, logo


se radicaram as margens do igarapé da bacabeira. O marido da angolana era
serviçal em fazendas na Ilha de Marajó, como sua fazenda ficava muito longe,
o angolano chegava a ficar mais de um ano sem ver a sua esposa em Soure. A
angolana era linda com pele de ébano como chocolate, como sentia muita falta
do marido, a mulher começou a namorar com um fazendeiro português, branco
de olhos claros.

E o inesperado aconteceu, a angolana engravidou do português. Quando


a mulher deu à luz a uma criança do sexo masculino, a parteira percebeu que o
bebê não era negro, mas branco, olhos, quase azuis escuro. Como o bebê era
branco, obviamente, ele iria perceber que o filho não podia ser dele, por isso,
a parteira jogou-a no igarapé da bacabeira. A criança não morreu, como se es-
perava. Ela mergulhou no mundo místico das profundezas das águas. Assim, a
criança foi se desenvolvendo, até que pensou em fazer um palácio para si, no
fundo do igarapé TAUCU, mais conhecido por Gruta ou Igarapé da Bacabeira,
localizado em frente à praça NHEENGAÍBA.

Neste igarapé, até a pouco tempo existia uma bacabeira, em seu tronco
tinha um oco que falavam ser a morada da criança, e como o menino era branco,
ficou conhecido como PALMITO DA BACABEIRA.

O igarapé Taucu ia até ao meio da Praça do Abacaxi, era aterrado, mas


caía tudo, os moradores diziam que era um pretinho que se escondia por lá que
derrubava o aterro.

Todos os anos, prefeitos que aqui passaram tinham que aterrar o igarapé,
para não chegar perto das casas da vila da Cohab, na terceira rua, próximo da
praça do abacaxi, não passavam veículos motorizados devido a rua ser cortada
pelo igarapé.

Acontece que o palmito não era de muita conversa, todas as pessoas que
passavam por aquele local não poderiam falar nada contra ele, pois se fizessem
receberiam bofetões que chegavam a derrubá-las.

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Sendas da Amazonia

Certo dia, um homem que tinha chegado da pesca altas horas da noite,
estava fumando um cigarro despreocupado, quando foi convidado pelo palmito
para ajudá-lo a puxar uma canoa, o pescador de nada desconfiava, ficou bravo
com o garoto por estar de madrugada na rua, foi quando sentiu um tapa no rosto,
outro, mais outro.

Com muita dificuldade, conseguiu se levantar, mas logo pegava outro


tapa, o palmito era muito ligeiro, já cansado e machucado, o pescador foi para
casa ferido.

O igarapé Taucu foi aterrado, na gestão de um prefeito que, levou um


pajé até o lugar e pediu licença ao pretinho para aterrar o local. A bacabeira
desapareceu, mas o Palmito ainda existe e faz sua morada por perto do aterro.

As pessoas que acreditam no Palmito jogam garrafas cheias de cachaça,


e no outro dia encontram a garrafa lacrada e vazia.

Octávio Jorge

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Sendas da Amazonia

O diabo da Capanema

Diz a lenda que, certa feita, um carroceiro gritava com seus bois que
estavam puxando uma carga excessiva com várias toras de madeira. Seu filho
estava ajudando naquele momento, chicoteando brutalmente os dois animais
que estavam em um lamaçal. Os bois estavam espumando pela boca e agoni-
zando pela força que estavam fazendo, enquanto o homem gritava de ódio.

Os dois animais se contorciam de um lado para o outro, mas a carroça


não movia um centímetro se quer daquele lugar, então o homem pediu aos seus
santos que lhe ajudassem naquele momento, mas nada aconteceu, então ele
falou:

- Nem pro diabo aparecer e me ajudar nessa desgraça de lugar! E o


santo, naquela hora, passou a ser o demônio, já que suplicava seu nome.

Em seguida, o diabo ficou em cima das toras de madeira, com fogo


carmesim saindo de sua boca. O filho do carroceiro saiu correndo. O carroceiro
ficou lá de frente com o diabo que ficou o encarando, o homem rezou para seus
santos, mas o que saiu de sua boca era palavras sem sentido, o homem olhou
novamente e os animais estavam saindo daquele lamaçal, o que parecia ser
impossível anteriormente. Era como se uma força invisível estivesse puxando
os animais, depois disso, o diabo sumiu e o homem voltou a sua casa e contou
o que acontecera, mas não demorou muita e ele ficou louco.

Depois do ocorrido, não demorou muito para a história se espalhar,


logo, toda Capanema já sabia disso. Mas naquele lugar, tinha um homem que
não acreditava nessa tal “história”. Esse tal homem se chamava Cesário, ele era
um homem bom, gentil e trabalhador, mas quando bebia, ficava agressivo. Sua
esposa era quem sofria com os maus tratos, eles tinham dois filhos, uma menina
e um menino. Todo final de semana o homem saía para beber e quando voltava
aquela mesma situação se repetia como um Lup, ele dizia que não era culpa
dele e que não se lembrava dos atos que cometia.

Certo dia, ele chegou do seu trabalho furioso, disse que tinha sido demi-
tido. Sua mulher tentou consolá-lo, mas o homem a empurrou contra a parede.
A sua fúria estava desenfreada naquele momento, o menino que era mais velho
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Sendas da Amazonia

percebeu que seu pai estava diferente então, correu para esconder sua irmã, ao
chegar no quarto o seu pai estava espancando sua mãe, toda vez que o meni-
no via aquela cena pedia aos santos e a Deus para salvar sua mãe e mudar o
coração de seu pai, mas naquele momento ele suplicou ao diabo ou a qualquer
coisa que o ajuda-se, já que seus santos não estavam lá para lhe dar apoio. Em
instantes a casa começou a tremer, os vizinhos sentiram o fenômeno e logo,
todos correrem para ser abrigar, as luzes da casa começaram a piscar numa
velocidade incrível quando de repente o diabo aparece atrás de seu pai, naquele
momento, sua mãe estava desacordada, seu pai, ao ver aquela coisa, caiu para
trás. O menino não conseguiu mover um músculo sequer. Na sua frente, o diabo
dava passos na direção de seu pai, a pele do diabo era vermelho escuro e tinha
um líquido grosso saindo de sua boca como se fosse sangue, o diabo ficou de
frente a seu pai, as luzes continuavam a piscar numa frequência ainda maior,
seu pai soltou um grito:

- Deus me salve! Naquele milésimo de segundo, o diabo olhou para o meni-


no como se estivesse dizendo “está feito”, no dia seguinte, muitas pessoas se
aglomeraram na casa que estava com imensas rachaduras. O menino e a sua
irmã estavam bem. A mãe estava já lúcida, mas quando o pai acordou estava a
delirar dizendo coisas sem sentido, naquele momento seu pai tinha ficado louco.

Os moradores dizem que quem vê a face do Diabo fica louco para toda
vida, mas, se é assim mesmo, eu pergunto:

Porque o menino não ficou? Isso até hoje, ninguém sabe.

Máximo Sussumu

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Sendas da Amazonia

O ritual

Histórias de terror, muitas pessoas gostam, mas há algumas que além


de serem terríveis, são horripilantes. É o caso, por exemplo, da história de Nina.
Uma moça muito conhecida na comunidade de Pacujá, era uma pessoa simpá-
tica e educada.

Nina era casada com um pastor da igreja Rei Sabáh, ele era conhecido
como pastor Anori. Todas as tardes saíam a caminhar para convidar pessoas
para frequentar à igreja, sempre encontravam várias crianças brincando na rua,
paravam, conversavam com os seus pais e os convenciam a participar do culto
à noite, como era de costume, a igreja lotava de crianças, jovens e adultos.
Durante as celebrações sempre haviam aqueles jovens que fugiam para trás
da igreja, seja para namorar ou para bisbilhotar a casa de Nina e Anori que as
vezes costumavam ser muito rígidos nessa questão.

Certa vez, dois jovens de 14 anos, resolveram se aventurar e aproveitar


a celebração de domingo à noite. Assim, enquanto o casal estava conduzindo o
culto, eles disseram:

- Carlos, vamos sair e ver a casa do pastor Anori!

- Não Lucas, tu sabes bem que eles não gostam de ninguém bisbilho-
tando a casa deles durante as celebrações!

- Tu tá é com medo é!? - Lucas zombou

- Claro que eu não tô com medo besta, só não quero perturbar ninguém!

- Mas não tem ninguém na casa deles agora, e eles ainda vão demorar
um pouco na celebração, tu sabes que eles só saem de lá quando todo mundo
vai embora.

- Mas, e se nossos pais nos procurarem?

- Eles vão demorar um pouco até sentir nossa falta!

- Tá certo, mas a gente não vai demorar!

83
Sendas da Amazonia

Assim, Carlos e Lucas saíram da igreja e seguiram em direção à casa de


Anori e Nina, quando chegaram se depararam com o portão da frente fechado e
a casa toda trancada, então, eles resolveram pular o muro, assim que desceram
no outro lado do muro avistaram uma casa assustadora, o lugar estava um breu
total, não dava para ver nada.

- Espia mano, tá um breu só, vamos vazar daqui!

- Tu é lezo é pequeno!? Agora que a gente já tá aqui bora entrar!

- Mano, se o pastor pegar nós aqui, a gente tá frito!

- Besta, eles ainda vão demorar lá!

- Mas zé ruela, o culto tá pra acabar!

- Vamos fazer assim, eu vou entrar e tu fica de olho, se eles chegarem


tu assovias e eu saio correndo ok??

- Tá bom, mas não demora!

Na igreja, o culto já estava na benção final, todos já estavam se pre-


parando para sair quando o pastor Anori abriu o espaço para os avisos, logo o
Senhor Paulo, se levantou e o seguiu até o palco da igreja.

- Caros irmãos e irmãs, gostaria de comunicar a todos sobre o nosso


louvor que acontecerá neste sábado à noite para arrecadação de fundos para a
criação de um novo salão para igreja, conto com todos vocês neste evento, seja
com doações ou com comidas para as vendas.

Na casa de Anori, um dos jovens estava vasculhando a cozinha em bus-


ca de algo para comer com seu amigo que o esperava do lado de fora, mas de
repente Carlos escuta um barulho vindo do portão da frente, Lucas desesperado
corre e se esconde debaixo da pia.

- O Lucas tá demorando demais, acho melhor eu ir atrás dele. Lucas,


Lucas, cadê tu? O pastor tá pra chegar!! – O garoto espera um pouco e diz: -
Será que aconteceu algo?

Carlos escuta o portão da frente se abrindo, corre, sobe e se esconde


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Sendas da Amazonia

em um pé de mangueira, era o pastor Anori e Nina que acabaram de chegar,


Carlos fica desesperado sem saber o que fazer. Nina e Anori chegam, abrem
a porta e percebem que há algo de estranho, pois haviam algumas cascas de
frutas no chão e estava faltando um litro de açaí na geladeira.

- Anori, foi tu que comeu todo aquele açaí?

- Tá ficando leza Nina, tu achas que eu sou doido de tomar um litro de


açaí sozinho!

- Se não foi tu, alguém entrou aqui em casa homem!

- Se alguém tiver entrado aqui, eu tenho quase certeza de que ainda


não saiu!

-Nina! Acenda todas as luzes da casa e vamos procurar esse invasor!

Assim, Nina e Anori procuraram em vários lugares da casa e não en-


contraram ninguém, então, encerraram as buscas e começaram a se preparar
para dormir. Enquanto isso, Lucas percebeu que o casal já estava no quarto,
ele começou a ouvir uma música diferente de tudo o que ele já tinha ouvido, a
música era cantada em outra língua, com algumas frases ritualísticas.

- Acho melhor eu sair daqui enquanto eles tão no quarto!

Quando já estava saindo, Lucas ouviu um grito horripilante vindo do


andar de cima da casa, ele nem pensou em verificar o que estava acontecendo,
apenas saiu da casa e correu para a direção do muro de onde tinha entrado.

- Lucas o que aconteceu? Tu demorou muito!

- Eu tava escondido de baixo da pia, por que tu, seu zé ruela não me
avisou que eles já tavam vido!

- Mano, eu nem vi de onde eles apareceram, quando eu percebi eles já


tavam no portão, só deu tempo de subir na mangueira! Mano cadê o açaí então?
Não acredito que tu tava comendo e nem trouxe pra mim!

- Foi mal, não deu tempo, eu tava muito nervoso e resolvi tomar o açaí
pra ver se eu me acalmava!
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Sendas da Amazonia

- Sei, mas o que aconteceu lá?

- Foi terrível!! Tinha uma música muito assustadora tocando lá no andar


de cima da casa e depois eu escutei um grito arrepiante e depois corri, não que
eu tava com medo, mas achei melhor sair de lá antes que o pastor voltasse, ele
podia ficar bravo.

- Sei?! Não tava com medo. - Carlos riu.

- Vamo embora antes que nossos pais venham atrás de nós com o cipó!

- Ta certo, bora embora! – Exclamou Lucas.

Assim, Lucas e Carlos seguiram em direção de suas casas.

No dia seguinte, véspera do louvor, o pastor Anori e Nina resolveram


sair e visitar cada casa da comunidade afim de convidar as pessoas para o
evento que ocorreria no outro dia, em cada casa que passavam encontravam
crianças com cerca de 10 anos e as abençoavam, cumprimentavam, as presen-
teavam com doces e guloseimas e as convidavam para o culto das crianças que
ocorreria na sexta à noite, também viam muitos idosos com cerca de 60 anos,
eles eram os anciões da vila, os mais sábios e mais experientes. Na última casa
que faltava para ser visitada já estava por volta de 19h30, quando se aproxima-
vam, escutaram um barulho vindo da mata ao redor, Anori e Nina ficaram com
um olhar desconfiado em busca da razão daquele barulho.

- Nina tu ouviste de onde veio esse barulho? - Perguntou Anori.

- Não Anori, tenho quase certeza que são dos meninos brincando na
mata!

- Deve ser então. Só tá faltando ir na casa do seu Antônio, bora logo


que tá tarde!

- Ta certo! Vamos!

Assim Anori e Nina seguiram viajem até chegar na casa de Antônio, o


ancião mais sábio da comunidade.

- Boa noite seu Antônio. - Disse Anori.


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Sendas da Amazonia

- O que vocês querem aqui suas pragas? - Disse Antônio com ignorân-
cia.

- Calma seu Antônio! Só viemos fazer uma breve visita! Gostaria de te


convidar pra nossa festa amanhã! - Disse Nani, simpaticamente.

- Não quero saber de nada que tenha nessa comunidade! Vocês são
uma praga pra essa comunidade! Eu não quero saber de vocês dois aqui em
minha casa! Já pra fora os dois!

- Mas seu Antônio temos que fin... – Foi interrompida por seu Antônio
gritando.

- Já disse e não vou repetir, não quero vocês na minha casa desapare-
cem já daqui. –Gritava.

- Tá bom, mas se tu resolveres atrapalhar a festividade essa vai ser a


última coisa que tu vai fazer. – Falou Anori com um tom ameaçador.

Assim, Nani e Anori retornaram à comunidade.

- Nani, já tá tudo certo pra amanhã?

- Ta sim, espero que dê tudo certo!

- Certo, vou avisar os outros!

No dia seguinte Carlos e Lucas combinaram de sair na mata para balar


passarinhos, já que no dia anterior mau conseguiram sair de casa, pois seus
pais os castigaram por chegar tarde.

- Lucas, tu tá atrasado seu merda! - Disse Carlos irritado.

- Lezo, tu que chegou cedo demais! – Falou irônico.

- Chega de conversa e vamos logo, mais tarde tenho que ir no rio com
minha mãe, ela disse que quer me preparar pra festividade, mas não entendi
direito o motivo de ir ao rio, alguma coisa sobre me purificar!

- Deve ser, meu pai falou a mesma coisa, mas só que a gente vai caçar
hoje à noite!
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Sendas da Amazonia

Assim, os dois iniciaram a caminhada em direção da mata fechada. Du-


rante o caminho, Lucas e Carlos comentavam sobre a noite esquisita que tive-
ram na casa de Anori simultaneamente procurando pássaros para balar até que
encontraram uma Rolinha.

- Carlos tu ta mirando errado!

- Cala boca Lucas, tu vais espantar a Rolinha!

- Mano, tu errou! Tu é muito lezo mesmo!! – Falou rindo.

- A culpa é tua! Tu não fica calado! - Disse irritado.

- Carlos! Olha o seu Antônio ali!

- Cadê?

- Ali ó!

- O que ele tá fazendo aqui?

- Não sei! vamo atrás dele?

- Acho melhor não, se ele vê a gente vai ficar brabo, dizem que ele mata e
come crianças por isso que mora longe da vila! – Exclamou Carlos.

- Deixa de ser medroso, isso e só conversa, tu acha que se fosse verdade ele
não taria preso? – Afirmou Lucas.

- Será? ainda tenho as minhas dúvidas!

- Então tá bom, fica aí sozinho enquanto eu vou atrás dele. – Disse Lucas
caminhando em direção a seu Antônio.

- Me espera Lucas, não me deixa aqui sozinho! – Berrou Carlos correndo em


direção a ele.

Os garotos começaram a seguir seu Antônio, até que enfim os dois meninos
o avistaram entrando em uma cabana abandonada no meio da mata.

- Carlos tu já tinhas visto essa cabana aqui? - Perguntou Lucas.

88
Sendas da Amazonia

- Não, isso aqui tá ficando bizarro! – Vamo embora Lucas.

- Eu bem que desconfiava que seu Antônio virava bicho!

- Por que tu nunca me falou isso, doido? bora embora, vai que ele se trans-
forma e come a gente! – Berrou Carlos.

- Agora não tem volta, a gente já ta aqui!

- Olha, ele entrou!

- Parece que tem alguém com ele!

- Mano, será que é o demônio? Vamo embora!

- Cala boca! Escuta só!

* * * * * * *

(Na Cabana)

- Você tem certeza que quer fazer isso?

- Claro que sim! Vocês têm que parar com isso! – Disse Antônio.

- Isso e necessário! Sempre fizemos isso!

- Mas já está na hora de acabar com esse massacre, são apenas crianças!

- Se você não vai ajudar então não atrapalhe!

- Só pra deixar bem claro, eu não vou mais participar dessa monstruosidade!
– Afirmou Antônio.

- Agora que tu resolveu pensar nas consequências? Isso é necessário para


que a vila sobreviva!

- Há outras formas da vila sobreviver, não precisamos sacrificar a vida de


inocentes!

89
Sendas da Amazonia

- Não há, essa e a única forma! Só assim viveremos em paz.

- Tu chama isso de paz? Vocês são um bando de monstros, vocês irão quei-
mar no fogo do inferno!

- Lembre-se de que você também irá ou já se esqueceu dos últimos 50 anos?


Tu é a pessoa mais velha dessa vila, me ensinou tudo o que sei, então, será o
primeiro a queimar! – Disse rindo.

- Eu sempre vou lembrar do que eu fiz, esse vai ser meu castigo na terra e
no fogo do inferno.

- Tem certeza que não vai querer participar? Essa é a última chance de se
juntar a nós novamente!

- Nunca mais irei cometer essa atrocidade, eu irei recusar até o dia de minha
morte. – Diz Antônio.

- Certo, mas se você atrapalhar, vai se juntar a todos eles!

- Mas...

- Calado, já chega dessa sua baboseira e não... - Foi interrompido com um


barulho vindo de fora da caba.

- O que foi isso? – Perguntou.

- Não faço a mínima ideia! – disse Antônio.

* * * * * * *

(Antes, no lado de fora da cabana)

- Carlos fica quieto!

- Não dá! Eu to com medo! – Respondeu trêmulo.

- Fica quieto seu medroso, eles vão acabar escutando a gente!

90
Sendas da Amazonia

- Bora embora, vai que eles vejam alguma coisa e mate a gente!

- Se tu não ficar quieto eles vão descobrir que a gente tá aqui, e vão acabar
pegando a gente! – Exclamou Lucas.

- Tá bom, mas qualqu... – Foi interrompido por Lucas gritando.

- Carlos olha uma cobra. Cuidado! – Gritava Lucas.

- Onde? Cadê? Mata ela!

- Pega aquele pau rápido!

- Não deixa ela fugir! – Dizia Carlos.

- Matei! – Exclamava Lucas!

- Olha, o seu Antônio ta saindo da cabana, corre!

* * * * * * *

(Na cabana)

- Quem era Antônio? – Perguntava o homem desconhecido.

- Era um bando de macacos, não era nada de mais. – Respondeu Antônio.

- Tem certeza? Tu não tá mentido?

- Por que eu mentiria?

- Tem razão!

- Acho que tá na hora de sairmos daqui, não aguento mais ver sua cara! –
Afirma Antônio.

- Certo, mas um último aviso, se tu não for ajudar não atrapalhe, pense nisso!
– Disse com tom ameaçador.
91
Sendas da Amazonia

Assim, sem cerimônia, os dois seguem seus caminhos em direções opostas,


deixando apenas a pequena cabana em meio a mata.

* * * * * * *

Quando os dois garotos, finalmente chegam de volta a comunidade, estavam


completamente sujos e com alguns ferimentos de tanto caírem e passarem por
espinhais, quando enfim, se deram conta de que estavam seguros, resolveram
ir para suas casas e contar tudo o que viram a seus pais, e assim o fizeram.
Quando Lucas chegou a sua casa, seu pai estava se arrumando para mais tarde
sair para caçar.

- Pai, pai, pai. – Gritava Lucas.

- O que foi menino? – Perguntou assustado.

- Eu tava balando passarinho na mat... – Foi interrompido com um tapa de


seu pai.

- Eu já te avisei que não é pra tu ir na mata menino. – Falou irritado.

- Desculpa pai, mas eu vi o seu Antônio em uma cabana conversando com


outra pessoa, eles falavam em alguma coisa que eles tinham que fazer para o
bem da vila. – Falava com tom de choro.

- Tu não vai sair de casa até o dia da festividade, vai logo pro teu quarto! –
Gritava.

- Mas porqu...

- Sem mas, e vai logo pro teu quarto antes que eu te meta a surra moleque!

No quarto, Lucas pensava sobre o que havia ocorrido mais cedo, imaginava
se a reação dos pais de Carlos seria a mesma, ele sabia que havia algo de erra-
do, talvez seu pai soubesse o que estava acontecendo e só quisesse protegê-lo.
Antes de anoitecer, Lucas estava em sua rede quando de repente escutou uma

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Sendas da Amazonia

conversa vindo da cozinha, era seu pai e sua mãe discutindo algo.

- Temos que desistir – Disse uma voz sofrida.

- Não podemos, já é quase hora do ritual, se desistirmos agora eles irão


saber.

- Eu não quero perde meu filho. – Disse chorando.

- Ele não é nosso filho, nunca foi.

- Ele é sim, ele é meu filho e seu também desde quando chegou nessa casa.

- Mas tu sabe a consequência se não realizarmos o ritual.

- Não podemos deixar, temos que impedir. – Disse chorando.

- Não há nada que possamos fazer.

- Mas, mas a gente... – Escutam um barulho vindo do quarto.

- O Lucas, será que ele escutou? Vai lá ver, eu não consigo olhar pra ele.

- O Lucas não ta no quarto dele, pra onde esse menino foi? Temos que en-
contrá-lo antes que anoiteça!

Lucas havia escutado toda a conversa de seus pais, não sabia o que fazer,
seu primeiro impulso era ir para a casa de Carlos, mas sabia que seria o primeiro
lugar que seus supostos pais iriam procurá-lo, resolveu então voltar para matar
e passar a noite na pequena cabana que haviam encontrado com seu amigo,
sabia que seus pais não iriam procurá-lo por lá, tudo o que ele mais queria no
momento era ficar sozinho.

Quando Lucas percebeu, já estava mata adentro, não teve tempo de


raciocinar o que estava fazendo, sabia que não podia mais voltar, a única forma
era ir em frente, seu caminho se iluminava com a luz do luar. Sempre que escu-
tava um agouro de uma coruja, Lucas se assustava. Até que finalmente chegou
a pequena cabana, se aconchegou em um canto e se questionava, será que é
verdade? Será que eu não sou mesmo filho deles? O que eles quiseram dizer
com ritual? Até que finalmente adormeceu.

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Sendas da Amazonia

* * * * * * *

Na casa de Lucas, seus pais discutem o que fazer, se não encontrassem


seu filho até o dia seguinte, coisas muito ruins iriam acontecer. Resolveram ir à
casa de Carlos com esperança de que Lucas tivesse ido para lá, mas quando
chegaram, ficaram chocados com a resposta, Lucas nem se quer havia passado
por lá, perguntaram a Carlos se ele sabia de algum lugar que Lucas tivesse ido,
mas a resposta não foi muito animadora, ele não sabia para onde seu amigo
tinha ido.

- Temos que encontrá-lo. – Exclamava o pai de Lucas.

- Mas não sabemos pra onde ele foi. – Falou a mãe de Lucas.

- Hoje mais cedo, ele falou de uma cabana que encontrou com Carlos no
meio da mata, acho que sei onde fica, tomara que ele esteja lá. – Disse o pai
de Lucas.

- Tomara, se a gente não o econtr... – foi interrompida.

- Pare de falar besteira, você sabe as consequências se não o encontrarmos.

- Então vá logo. – Pedia a mãe de Lucas.

- Certo, já vou.

Saindo às pressas, apenas pegou uma lanterna e seguiu em direção a mata,


pedia proteção antes de entrar na floresta, pois sabia o que acontecia aos curio-
sos que se aventuravam a bisbilhotarem a floresta a noite, pedia que Lucas esti-
vesse na pequena cabana são e salvo. No caminho, lembrou-se das cerimônias
passadas, o real motivo de tudo isso acontecer uma vez a cada 14 anos e o que
aconteceria à vila se alguém descumprisse o acordo. Em seu caminho, acabou
encontrando rastro de sangue mancando algumas árvores, sabia para que ser-
via, ele mesmo, muitas vezes já foi designado para essa função, toda véspera
de ritual era necessário espalhar sangue ao redor de todo vila, isso funcionava
como um meio de círculo de proteção, assim ninguém atrapalharia os sacrifícios.
94
Sendas da Amazonia

Quando estava se aproximando da cabana, escutou um barulho, procurou


tentando descobrir a fonte, imaginou que seria Lucas, mas ao verificar melhor
observou que era Anori; tentou se esconder, mas não adiantou, Anori já o tinha
visto.

- O que tu tá fazendo aqui? – Perguntou Anori.

- Só estou casando! – Respondeu.

- Tem certeza? Parece que tá procurando alguma coisa! – Questionou Anori.

- É só impressão tua, só tava vendo se encontrava alguma caça por aqui! E


tu tá fazendo o que aqui? – Questionou.

- Não se lembra? Tínhamos combinado que seria eu que espalharia o san-


gue para o ritual de amanhã! – Responde firmemente.

- Verdade, tinha me esquecido, e como vai os preparativos para o ritual?

- Vai tudo na mais perfeita ordem, espero que vocês não faltem, caso contrá-
rio já sabem o que acontece! – Responde com tom ameaçador.

- Não, claro que não iremos faltar, iremos cumprir com o compromisso!

- Assim eu espero. Mais uma coisa! Lembre-se de que a cerimônia começa


amanhã, antes de amanhecer!

- Pode deixar!

Assim, Anori segue seu caminho enquanto carregava um balde de sangue


fresco. Tomara que o Lucas não tenho escutado nada disso, pensava o pai
de Lucas, assim ele ia se aproximado cada vez mais da cabana, andava com
cuido para não revelar sua localização, assim conseguiu chegar até a entrada
da cabana, ao entrar, avistou Lucas dormindo em um canto da cabana, foi se
aproximando devagar para não o acordar, agarrou-o no colo e o levou de volta
para casa. Chegando em sua casa o colocou na rede e trancou a janela e a porta
do quarto de maneira que ele não pudesse fugir.

- Quem bom que tu conseguiu encontrá-lo. – Dizia a mãe d menino.

95
Sendas da Amazonia

- Essa foi a parte mais fácil! – Dizia.

- O que houve?

- Encontrei Anori quando tava a caminho da cabana.

- Ele descobriu que Lucas sabe do ritual? – Questiona.

- Não, mas fiquei com medo dele descobrir que Lucas tentou fugir!

- Ainda bem que deu tudo certo!

Antes de amanhecer, o pai e a mãe de Lucas já estavam prontos para irem


para cerimônia, entraram no quarto de Lucas e o carregaram até a igreja, che-
gando, perceberam que local estava lotado, no palco havia um altar com ofe-
rendas e uma mesa de sacrifício. Então, houve um barulho que anunciava que
a cerimônia já iria começar.

- Meus irmãos, esta cerimônia irá começar, agora chamo a todos a trazerem
suas oferendas ao altar. – Dizia Anori.

Todos se levantaram e começaram a deixar em cima do altar várias crianças,


todas desacordadas, outros levavam bebidas, comidas, frutas, carnes e animais.

- Irmãos, muitos se questionam se isso é mesmo necessário, eu os respon-


do, sim! Isso é necessário, pois sem sacrifícios não conseguiremos a paz, não
conseguiremos alimentos, ficaremos correndo perigo todos os dias. Nossa vila
deixaria de existir e por fim, todos nós morreríamos. – Dizia Anori.

De repente se escuta uma música tocando com palavras que não pareciam
ser de um humano, mas sim do próprio demônio. Logo em seguida, foi acessa
uma fogueira no centro da igreja e foram lançadas comidas e bebidas e todo o
tipo de oferenda para que o espírito da grande mãe fosse invocado.

- Meus irmãos, chegou à hora! Vamos iniciar os sacrifícios, chamo ao altar


nossa irmã Nani, para que possa realizar as oferendas.

Nani se dirigiu ao altar com uma faca cerimonial, pegou um dos animais que
estava no altar, levantou-lhe em sinal de oferenda, cortou sua garganta e deixou
seu sangue escorrer na enorme chama que saia da fogueira, dizendo:
96
Sendas da Amazonia

- Lomora mroter dregte hirdura turgre hirnder samareru dranter lys histre mro-
ter! – que quer dizer:

- Oh, grande mãe! aceite essas oferendas em sinal de nossa devoção, não
deixe que a fome e a miséria cheguem a nós, nos proteja e nos guie para sem-
pre, oh! Mãe.

- Hendre mroter. – que significa: Invocamos a grande mãe!

Todos os presentes repetiram a frase.

Assim, a cada animal que era sacrificado as palavras eram repetidas em


coro por todos os presentes na igreja. Quando chegou a vez do último animal,
sua garganta foi cortada e seu coração jogado na fogueira e foram proferidas as
seguintes palavras.

- Hurgar guerte hunsd zarsd mroter. – Dizia Nani, que quer dizer “Não nós
deixe faltar nada, aceite o grande mãe”.

- Aceite nossas oferendas, que tenhamos paz, riquezas e não nos falte nada.

- Agora meus irmãos, para finalizar nossas oferendas, iremos separar a car-
ne em sinal de gratidão e preparar um delicioso banquete para nossa festividade
de hoje à noite, lembre-se de que se alguém resolver não cooperar com a loca-
lidade, sofrerá as consequências da grande mãe. – Dizia Anori.

Assim foi feito, cada pessoa presente na cerimônia levou para sua casa um
pouco de carne para preparar uma deliciosa refeição, para ser servida a todos
os visitantes durante a festividade da igreja Rei Sabáh. Quando estava prestes
a iniciar a festividade não paravam de chegar convidados. A festividade era fa-
mosa por ter a melhor comida de toda região, muitos se perguntavam o segredo
da deliciosa comida, mas todos recebiam a mesma resposta era um ingrediente
secreto, que nunca ninguém nunca iria saber.

- Olá sejam bem-vindos a nossa comunidade, espero que gostem da festivi-


dade e voltem muitas e muitas vezes mais. – Dizia Lucas.

Sua festividade era repetida a cada 14 anos com a “receita secreta”, no de-
correr desse tempo as pessoas que visitam e provam dessa comida ficam pre-

97
Sendas da Amazonia

sas em uma espécie de feitiço, levando-as a frequentarem todos os anos a fes-


tividade, em buscar de se deliciar com mais um prato de sua comida. Todas as
crianças nascidas nesse período são ofertadas como sacrifícios, dando assim a
seus pais mais tempo de vida. Muitos dos pais que se recusam a dar seus filhos,
tem todo seu tempo tirado no exato instante perdendo sua vida imediatamente,
e aqueles que buscam ajuda a outras pessoas de fora da vila, são mortas antes
que possam falar qualquer coisa.

Welton Correia

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Sendas da Amazonia

Procuram -se gatos

Em uma escola para crianças, que ficava no bairro Milagre em Castanhal,


existia uma curiosa história que as pessoas diziam que era invenção da mente
fértil das crianças. Essa escola ficava na propriedade de uma Igreja Batista e era
administrada por ela. A igreja era enorme, tinha janelas de vidro por toda parte,
bancos de madeiras para os frequentadores do culto e existiam também muitas
escadas, as quais as crianças não tinham acesso. A escola contava com quatro
salas de aula que eram cheias de cartazes feitos pelos alunos, e tinha também
uma pequena secretaria. O pastor era muito gentil com as crianças, mas Laura
não gostava dele. Ninguém sabia sobre a vida dele, mas as especulações sobre
a sua rotina fora da igreja eram muitas, principalmente entre as crianças da
escola. O que circulava entre as crianças era que todas as madrugadas esse
pastor se transformava em uma criatura horrível e perseguia gatos de rua para
se alimentar. Qualquer pessoa que conseguisse ver a tal criatura assumiria o
lugar desse “monstro” e passaria o resto da vida procurando por pessoas que
pudessem trocar de lugar com ele e por esse motivo todas as crianças eram
colocadas para dormir bem cedo.

Laura tinha se mudado há pouco tempo para uma a cidade de Castanhal,


gostava de todos os funcionários da pequena escola e nunca foi de fazer estripu-
lias, seus colegas de escola a acusavam de ser quietinha demais. Como todos
da escola, ela também ficou sabendo da história do pastor e viu nesse boato,
uma oportunidade para mostrar que não era tão santinha assim.

Em uma quarta-feira, ela esperou os pais irem dormir para poder ir atrás
de sua aventura. Quando ela saiu de casa, se arrependeu de não ter pegado um
casaco, pois a noite estava muito fria. Ela andou até uma rua que ficava próxima
a estrada que levava até a cidade de Inhangapi. Separando as duas vias dessa
mesma rua, tinha canteiros cheios de pequenas flores vermelhas e seguiu até
chegar em frente à igreja e esperou para ver se alguma criatura apareceria.
Aquela rua nunca fora muito movimentada depois que era encerrada as ativida-
des da pequena escola, tinha alguns pequenos comércios e duas padarias que
ficavam uma de frente para outra.

Laura ficou olhando para igreja enquanto esperava e naquele momento

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Sendas da Amazonia

ela se arrepiou. A enorme igreja que era cheia de janelas e bem iluminada du-
rante o dia e boa parte da noite, agora estava em uma escuridão total e sem o
mínimo sinal de movimento. Ela só conseguia pensar que não deveria ter feito
aquela loucura de sair durante a madrugada para mostrar que não era covarde,
caso não tivesse feito isso, ela poderia estar dormindo confortavelmente em sua
cama. Mas já que estava ali, iria até o fim pra desvendar esse mistério e, com
esse pensamento ela ficou esperando por mais de duas horas. O sol começava
a surgir quando ela viu uma coisa que a deixou perplexa: o pastor que pregava
que homens não deveriam se vestir de mulher, estava trajando um vestido e
usando maquiagem. Ele andava mesmo pelas ruas atrás de gatos, mas não
eram os animais que lhe interessavam.

A única reação que a menina teve foi sair correndo de volta para casa,
nem se preocupou se ia ser vista. Até dar a hora de ir para aula ela não conse-
guiu pensar em outra coisa, sua maior dúvida era como ia contar aquela história
absurda aos seus colegas de turma. Quando terminara de arrumar sua mochila
sua mãe entrou no quarto e disse que ela não iria para a escola naquele dia.
Laura ficou surpresa com a notícia, perguntou o motivo e sua mãe apenas res-
pondeu que aquela escola não era apropriada para crianças. Alguém teve a
mesma ideia de investigar a vida do pastor, mas diferente da menina, essa pes-
soa não pensou duas vezes antes de espalhar a verdade. (verificar a questão
do preconceito)

Maria Eduarda

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Sendas da Amazonia

Barões do Queijo

Na cidade de Soure, em uma vila na Ilha do Marajó, onde residiam os ba-


rões do leite, com diversos produtores de artigos feitos a partir do animal típico
da região, o Búfalo. Havia uma família em específico, que era o maior produtor
de laticínios da região marajoara, com a especialidade em queijos, tudo á partir
do leite de búfala. A família Almada-Peri, uma família índio-portuguesa que pos-
suía as maiores e melhores terras de toda a ilha.

Na família, era tradição todos se tornarem ótimos queijeiros, Araripe, ou


Ari como preferia ser chamado, com seus 15 anos foi iniciado pela família a
fazer seus próprios produtos para serem vendidos nas tabernas da família. Ari
era franzino, pele âmbar, cara redonda, cabelos negros, olhos cor de mel, voz
grave e tremula para um corpo tão frágil. Ele permaneceu com as mesmas ca-
racterísticas físicas até seus 18 anos. Porém, o rapaz não levava jeito para a
coisa, seus queijos nunca chegavam ao ponto, ou apodreciam , eram salgados
demais ou insosso demais, ou seja, ele era o “elo fraco” da família, e todos o
julgavam por isso.

-olha o mão podre!

-olha o queijo azedo!

Sua família era sempre bem humorada apesar de todo desapontamento


e bullyng interno que praticavam contra o menino, o que o fez recorrer aos inimi-
gos dos pais, a família Paraguaçu, que era vizinha da família e o segundo maior
produtor de laticínios, atrás apenas, dos Almadas-Peri.

Amante e melhor amigo de Jacir, umas das filhas do Barão Paraguaçu,


ela vendo o amante sofrendo disse:

-Ari, meu amado, não desejas aprender a fazer queijos fabulosos na fazenda de
meu pai durante a noite, após todos já terem se recolhido para dormir? Posso
ensinar-lhe.

Tentando sempre apaziguar o sentimento de tristeza presente no menino.

-Você faria isso por mim, Jacir? Arriscaria a rixa e o tratado de paz de nossas
famílias?
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Sendas da Amazonia

-Claro que sim, pois antes de tudo, somos amigos, e um amigo nunca abandona
o outro!

Uma lágrima caiu do olho esquerdo de Ari, abraçando-a forte e repetindo diver-
sas vezes e baixinho no pé do ouvido de sua amante:

-Obrigado! obrigado! obrigado por me dar essa chance!

-Recomponha-se! Lhe aguardo no curral as 21h, logo após o berrante do xamã


ser tocado.

Ari, estava ansioso, mal conseguiu jantar, pensando e idealizando como seus
pais iriam ficar orgulhosos de seus queijos e como todo esse pesadelo que vivia
seria apenas uma fase ruim de sua adolescência.

Durante 1 mês, todas as noites, logo após o xamã tocar o berrante, ele ia à
fazenda dos Paraguaçus e fazia queijos com sua amada até os primeiros raios
do sol surgirem.

Em uma das suas escapadas noturnas, a amante de seu tio Urabitã, o viu saindo
e o seguiu e viu ele entrando nos currais da família rival, não se surpreendeu ao
ver isso, pois todos sabiam do relacionamento das crianças, porém ela se sentiu
incomodada demais e foi ver mais de perto o que faziam.

Uma mulher matriarcal e sempre edificadora de lar, se horrorizou com a cena, ao


ver seu sobrinho fazendo queijos, um negócio de família, na casa de uma família
rival a dele, saiu correndo dali chamando os pais do menino para verem com
seus próprios olhos o que estava acontecendo e punirem o garoto.

Foi tudo um vendaval. Os pais do menino o arrancaram da fazenda


alheia e o trouxeram para sua residência, sem dar chance ao menino para se
explicar, prenderam-no em um quarto da fazenda que ficava afastado de todos.
Levavam apenas refeições básicas para o menino não morrer de fome, tudo isso
por três meses. O menino apenas aceitou seu destino sem hesitar.

Durante esses três meses afastados de tudo e de todos, sua tia Iara,
mulher de Urabitã, ou a “Cagueta”, como ele a chamava mentalmente, teve um
filho, o Abapouru. Quando o Abapouru completou seis meses, finalmente Ari
saiu de seu cárcere, e reconquistou sua família.
102
Sendas da Amazonia

-Pai, mãe, tenho um comunicado para fazer a vocês.

-E qual seria ele Ari?

E então ele mostrou uma peça de queijo para seus pais, a especialidade
da família, o queijo com vitelo marajoara. Seus pais olharam surpresos e cada
um retirou uma fatia, se olharam e falaram juntos:

-Seja o que o sol quiser!

Eles ficaram encantados com as novas habilidades do filho, e toda a


família aprovou, e ele praticamente se tornou muito famoso na região, com os
queijos únicos que apenas ele aprendeu a produzir.

No meio da aprovação de sua família e todo seu sucesso, seu primo,


Abapouru foi “sequestrado” e estava desaparecido por um bom tempo. O ar-
quipélago da ilha do Marajó é famoso no mundo inteiro pelo seu grande fluxo
de tráfego de crianças, para diversos fins como prostituição, doação de órgãos
e rituais religiosos. Então, quando uma criança desaparecia, já era comum na
região não esperar sua volta, e foi isso que a família Almada-Peri fez.

Os pais de Ari, com tanto orgulho dele, chegaram á renomear uma de


suas maiores tabernas para “Araripe” na qual ele era o encarregado e onde
possuía sua própria fábrica para a produção de queijo, porém, tudo que é bom
dura pouco. Cerca de dois meses após seu sucesso, aparentemente seu vitelo
curado havia acabado, e então ele começou a utilizar outra peça de carne, o que
não agradou nenhum cliente nem os pais dele.

-Poxa meu filho! O que aconteceu? Por que deixastes seus queijos perderem a
qualidade?

-Pois bem meu pai, meus queijos continuam excelentes, nada perdeu de qua-
lidade, o que me aconteceu foi que a peça de vitelo que eu utilizava acabou e
estou utilizando outra, e nenhuma carne é idêntica a outra.

-É verdade meu filho! Mas comprastes do mesmo vendedor? Curastes da mes-


ma forma?

-Não comprei do mesmo vendedor, pois ele não vende mais carnes, porém uti-

103
Sendas da Amazonia

lizei os mesmos métodos.

-E se eu der um emprego para este açougueiro? Será que ele ainda te consegue
vitelos com qualidade?

Ari começou a soar frio, porém manteve a plenitude.

-Sem problemas pai, mas creio que ele já foi embora da ilha.

A verdade era que a carne que ele utilizou nos queijos era de Abapouru,
cria da cagueta, foi a forma de vingança encontrada por ele. Porém, os negócios
iam de mal a pior após a troca da carne. Seus pais chegaram á adoecer por
conta da rápida perda do dinheiro dos Almada-Peri para os rivais, então o pai de
Ari lhe deu um ultimato:

- Acho bom você fazer queijos tão bom quanto aqueles, você tem três dias para
isso!

Ari ficou pensativo, afinal, ele não era um assassino, fez apenas uma
vez, ele ainda possuía sentimentos, sabia que uma criança inocente não tinha
nada haver com ele, porém se tratava de sua família e o lema que ela carregava.

Na noite daquele mesmo dia, ele foi a caça, porém qual criança doce,
jovem e inocente ele iria matar dessa vez? Ele pensou, e pensou e pensou,
andava pelas ruas de Soure ao léo, sem rumo. Até que lembrou que a criança
deveria ser gorda, para que seu estoque durasse bastante e para que as caças
não ficassem frequentes, mas quem? Todos eram criados a base do pirão com
peixe e trabalho em hortas, pomares ou manejo de búfalos, não haviam crianças
gordas ali.

Então, quando já estava bem próximo do sol nascer e todos começarem


a sair nas ruas para trabalhar, ele lembrou da filha do prefeito vinda de Belém do
Pará. Ela tinha seis anos e era muito gorda por conta das regalias que a cidade
lhe dava, além de ser diferente de todas as crianças da cidade, estava ali de
férias, e assim, ele praticou o ato.

O reinado dos queijos voltou, o maior da região. Araripe voltou aos seus
tempos de glória com sua família.

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Sendas da Amazonia

Em sem décimo oitavo aniversário, seu pai lhe deu todas as posses da
família, aliás estava velho, pretendia ir para Belém e deixar o filho mais promis-
sor tomar conta de tudo, mas não, sem antes fazer uma festa gigante na fazenda
da família, aonde era tudo a base do frito do Marajó, churrasco de búfalo com
queijo e muita aguardente, Araripe ficou muito bêbado, mais que todos ali pre-
sentes, talvez até mais que o velho papudinho, um morador da vila que passava
o dia e a noite bebendo, e cortou-se em um copo onde estava bebendo, fazendo
um corte no meio de sua mão esquerda. O que o levou para dentro da casa,
onde seus pais lhe socorreram.

-Filho, que orgulho, estou indo porém, deixando todo meu legado para você,
faça jus ao nome Almada-Peri.

E Araripe, completamente bêbado e sem noção do que estava falando disse:

-Pode deixar pai, carne de criança jamais vai me faltar!

Seus pais confusos lhe perguntaram sobre e ele respondeu:

-Vocês acham mesmo que eu uso vitelo? Sabem como é difícil e caro achar um
vitelo bom, isso é carne de crianças que são doces, puras e inocentes. Lembram
de Abapouru? Ele foi minha primeira safra, foi ele quem me deu lugar nesta
família, que o sol o tenha!

Horrorizados, os pais de Ari, ainda em estado de choque, entenderam


que aquilo que ele estava fazendo foi a pedido do pai. Quando ele adoeceu,
manteve o legado da família e seus pais não iriam deixá-lo na mão, saíram do
quarto por um instante e discutiram, mas bem brevemente voltaram e falaram
para Ari:

- Após a festa, arrume as malas, vamos viajar.

Ari não se recordou de nada da festa, nem da conversa que teve com os pais,
porém, após ele ficar sóbrio, seu pai lhe falou novamente da viagem. Ele hesi-
tou, porém, obedeceu ao pai. Os pais o levaram para Belém, e depois a Europa,
Portugal, onde a família tinha posses também. Mas, depois de pouco mais de
três meses, retornaram. Os pais ficaram em Belém, mas Ari ou, melhor, Pereira,
voltou para o Marajó com um novo nome, uma nova identidade, um rosto novo
e uma nova vida, aonde ele não comprometia o nome Almada-Peri, continuava
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Sendas da Amazonia

a fazer os queijos que rendia muito dinheiro para a família.

Octávio Jorge

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Sendas da Amazonia

A hora do Desespero

Há anos atrás, no interior da cidade de Tomé-Açu, eu e meus primos, pensa-


mos em tirar um dia para nos divertirmos. Gisele, uma prima de cabelos cachea-
dos e pretos, alta e de pele branca disse:

- Vamos todos para a casa da Larissa. E lá fomos nós todos, alegres.

Chegando lá:

- Vamos brincar de pira garrafão, disse Edilson.

Brincamos, corremos, gritamos, e de repente, minha prima Paula avistou


algo estranho no meio do mato.

-Vocês estão vendo aquilo? Disse Paula.

- O que Paula? Perguntou Gilmar.

- Eu estou vendo, falou Giselle.

A coisa que não conseguíamos identificar era preta e grande. Todos come-
çaram a entrar em desespero até que Aline disse:

- Vamos todos entrar na casa da tia Laura. Laura é minha mãe!

Todos entramos em casa, trancamos as portas com a chave e empurramos


a mesa em direção a porta. Todos nós pegamos algo para nos defendermos
da coisa, caso fosse necessário. Edilson pegou uma faca, Augusto um facão,
Gilmar uma baladeira, Aline a frigideira e Erika a panela de pressão. Todos es-
távamos apavorados sem saber o que fazer.

- Vamos todos para a casa da vizinha, disse Aline.

- Mas e a Larissa? As pernas dela são pequenas e ela não vai consegue
correr, disse Erika.

- Eu a levarei. Disse Augusto.

Mas quem é Larissa?


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Sendas da Amazonia

Gente! Larissa sou eu! Nesse momento me senti inútil, parece que eu estava
atrapalhando a fuga, então eu disse:

- Gente eu consigo correr, disse eu.

- Não, não vamos correr o risco, disse Aline.

Todos estavam discutindo bem baixinho, para decidimos o que fazer a meu
respeito, de repente escutamos um barulho.

-Aí meu Deus, disse Erika.

- Será que é a coisa? Falou Gilmar

- Xiiiiiiii! Sussurrou Giselle.

- Então ouvimos: toc toc na porta.

Todos ficaram ainda mais amedrontados. Alguém bateu na porta, mas não
sabíamos quem era. Todos estavam desesperados, eu, estava quase chorando.

- Será que é a coisa? Disse Edilson.

E fomos nos aproximando da porta bem devagar.

- Aline vamos abrir, e bater nessa coisa?

Até que então, Abrimos.

Levamos um “baita” susto, era a minha mãe Laura que estava batendo.

Perguntamos a ela o porquê dela estar nos assustando.

Ela disse:

Quando eu saí para comprar comida, todos vocês estavam se divertindo,


mas quando eu voltei, notei um silêncio, então percebi que tinha alguma coisa
errada, na primeira vez que eu bati à porta ninguém respondeu, foi aí que per-
cebi que vocês estavam assustados, então continuei a bater sem falar nada só
pra dar um susto.

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Sendas da Amazonia

E todos começamos a rir

- Então foi a senhora que se escondeu no mato? perguntou Giselle.

- Mato, que mato? Disse Laura sem entender nada.

- A coisa que estava dentro do mato não era a senhora? Falou Edilson

- Não, disse Laura.

- Oxi! Então quem era? Questionou Aline.

Então voltamos à estaca a zero, e ficamos desesperados de novo.

- Quem era aquela coisa? O que ela queria? Estas eram as perguntas que
surgiam na cabeça de todos que estavam lá.

Mas como já estava tarde da noite, deixamos para resolver na manhã se-
guinte.

Todos nós fomos dormir, mas a Giselle estava tão assustada que não con-
seguiu dormir, então ela ligou as luzes e viu que todos estavam acordados tam-
bém.

- Gente não consigo dormi, disse Giselle.

- Então vamos todos ficar acordados, falou Augusto.

- Vamos contar histórias assustadoras? Propôs Edilson.

Então todos concordaram.

- Vou contar uma história baseada em fatos reais que ocorreu algum tempo.
Disse Paula.

- Minha mãe e meu pai estavam em casa à noite, e onde nós morávamos era
somente mata. Os vizinhos mais próximos ficavam a quilômetros de distância.
Certo dia, eles estavam indo para casa da vovó e do vovô. Minha mãe sentia que
algo estava os perseguindo, mas não se importou e continuou andando. Meu pai
estava vindo atrás com um terçado enorme. Num dado momento, minha mãe
parou e disse que precisava fazer xixi, mas o papai continuou andando, então de
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Sendas da Amazonia

repente, algo se mexeu no mato e ela já ficou assustada, passou algo muito rá-
pido perto dela, mas deus para ver que era grande e preto como um lobisomem.
Mamãe gritou muito alto e papai foi correndo rapidamente para ver o que estava
acontecendo, ele também se assustou com o que viu, então, pegou o terçado e
tentou corta-lo, mas o bicho acabou indo embora.

- Nossa! Exclamou Erika.

- Vamos dormir, disse Aline. Assim, aos poucos nos acalmamos e dormimos.

Amanheceu e todos acordamos ansiosos para ver o que estava no mato.


Fomos na direção onde avistamos a coisa na noite anterior e tomamos um “belo”
susto ao vermos que se tratava apenas de um tronco queimado no meio do
mato. Começaram a sorrir muito do ocorrido.

Mas que dia foi esse? Perguntou Erika. Todos respondemos: coisas que só
acontecem no interior de Tomé-Açu.

Antonia Larissa Rocha Sousa

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Sendas da Amazonia

A bela moça

Xavier de Raveillére, um francês que adora viajar pelo Mundo, acabou


colocando seus pés em uma pequena cidade que se chamava Santa Izabel. O
nome lhe foi dado assim, pois a cidade homenageia a princesa de Portugal. O
local é bem pequeno, porém, é bem movimentado, em relação ao número de
habitantes.
O viajante tinha olhos azul escuros, com cabelos castanhos, um pouco
encaracolado nas pontas, típico de um europeu. Sempre vestindo um terno
azul bem escuro que parece mais preto, junto com um caderno que sempre
lhe acompanha em suas viagens. Seu caderno contém várias informações de
diversas partes do mundo, o sonho dele era publicar um livro com todas as
informações que ele obteve em tantos anos de viagens.
Em um belo dia, andando e observando os lugares, pessoas e suas
vestimentas, Xavier se deparou com um grupo de moradores de Santa Izabel
em uma roda, quando se aproximou, observou as pessoas dançando um tipo de
dança que lhe deixou com os olhos brilhantes. O viajante se aproximou do grupo
e concentrou os olhares em uma moça que acabara de roubar seu coração, na
verdade não foi a dança que lhe atraiu a atenção, mas sim, a mulher que dançava
e que lhe deixava maravilhado, até que, em um certo momento, seus olhares se
cruzaram, deixando-o mais apaixonado ainda. Os olhos de Xavier formavam até
“corações”, depois, o homem deixou escapar um “Que maravilha!”.
Maravilhado com o que tinha visto, o viajante tentou se aproximar da
bela moça que tinha causado tamanha confusão em seus sentimentos. Deu um
beijo na mão da mulher, ela o olhava com um olhar de quem estava confusa e
tirou rapidamente sua mão do alcance de Xavier que a olhava com brilho nos
olhos. A moça, por sua vez, tentava entender o que estava acontecendo.
Infelizmente o viajante não sabia muito da língua local, porém, arriscou
dizer um “É muito linda”, entretanto o sotaque europeu não o deixou falar com
perfeição, mas a mulher havia entendido o que ele tentou dizer e ficou com suas
bochechas rosadas de tanta vergonha, saindo correndo em seguida. Xavier
tentava entender o por que da moça ter corrido, e decidiu que iria procurá-la e
que a acharia de qualquer modo.
Muito tempo se passou e o rapaz não encontrou a moça, então, criou
a hipótese de que ela se mudara logo depois que os dois tinham se visto. Xavier

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Sendas da Amazonia

ficou muito triste, não sabia o nome da moça, nem aonde ela morava, só lembrava
do seu lindo rosto. Depois de muito pensar, resolveu voltar para a Europa, mas
antes desenhou o rosto da bela moça, que nunca mais iria esquecer.
No dia de sua morte, pediria para enterrar o retrato junto com seu
corpo. E assim aconteceu, Xavier morreu sozinho, sem ninguém, não tinha filhos
nem filhas, só o retrato de sua amada.
Lucas Mateus

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Sendas da Amazonia

A loira do táxi

Era mais uma noite em que o taxista Jefferson rodava pela


cidade de Belém, apenas concentrado em dar carona a quem
precisava chegar em tal lugar a tempo. Já passava das 23h da
noite quando Jefferson avista uma moça jovem de cabelos loiros
pedindo carona, e quando para o carro perto dela, a mesma entra
no carro com um sorriso deslumbrante no rosto delicado.

-Boa noite, para onde? Disse o taxista

-Boa noite, eu queria te pedir um favor. Disse a moça

-Pois não…

-Eu queria dar uma volta pela cidade de Belém, pelos lugares mais
próximos e mais lindos.

-Claro, seu desejo é uma ordem.

O motorista começou a dirigir pelas ruas de Belém passando


pelos pontos turísticos mais famosos, passou pela Praça da
República e pelo Teatro da Paz deixando a moça estava feliz e
realizada. Passou pela Praça Brasil e depois foi direto para as
Estações das Docas passando antes, pelo Ver-o-Peso. A moça
demonstrava estar cada vez mais emocionada. Quando beirava
1h43 da madrugada, a moça pediu para o motorista a deixar em
casa para depois o pagar.

Assim que chegaram na casa, ela desceu e pediu-lhe


para esperar enquanto pegava o dinheiro para pagar pelo tour que
acabara de realizar. O motorista, cansado e com sono, avistava
a moça entrando na casa pelo retrovisor e se pondo a esperá-la
voltar deu um suspiro cansado, pensando se iria demorar.

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Sendas da Amazonia

Passados 15 minutos esperando a moça retornar com o


pagamento, Jefferson decidiu descer do carro para bater palmas
diante da casa moça para que lhe pagasse e finalmente pudesse
ir embora descansar. O motorista começou a bater palmas em
frente o portão de grades brancas onde a moça entrou e sumiu, e
nenhum sinal dela ou de outra pessoa. Pensando em estar sendo
inconveniente decidiu voltar ao amanhecer para conversar com a
moça, talvez ela estivesse tão cansada que ao pegar o dinheiro
acabou adormecendo. Pensou ele, um tanto aflito.

Ao amanhecer, exatamente às 9h daquela manhã, o taxista


volta a casa da moça da noite anterior e bate palmas novamente
até que é atendido por uma senhora com um olhar triste em sua
face. Ao ver a senhora, grita do portão tentando explicar o mal-
entendido que ocorreu com a moça na noite anterior e a senhora
sem entender pede para que o rapaz entre na casa para lhe explicar.

Ao entrar encontra o esposo da senhora que logo pergunta


o que estava acontecendo, o taxista começa a explicar novamente:

-Estou aqui para ser pago por uma corrida feita pela cidade por
uma moça que diz morar aqui, eu a trouxe ontem a noite aqui e ela
me pediu para esperar lá fora enquanto buscava o dinheiro para
acertar a corrida, mas ela não voltou e eu fui embora. Olhando ao
redor percebeu uma foto enorme na parede da moça que atendera.

-Era aquela moça ali! Apontou para a foto.

O casal se olhou e entendeu o que de fato tinha ocorrido.


O senhor pediu para que o taxista sentasse no sofá e para que
ficasse calmo para que o mesmo começasse a falar.

-Aquela moça que está na foto é minha filha e foi seu aniversário
ontem, ela gostava de dar uma volta por toda a cidade de carro
nesse dia –explicou o senhor.

114
Sendas da Amazonia

-Porém ela faleceu em um acidente de carro há dois anos atrás


fazendo um passeio no dia de seu aniversário. Concluiu a senhora.

O taxista ficou branco de medo. Tinha feito uma corrida para


uma visagem? Pensava o homem. O taxista então se perguntou
como era possível isso ter acontecido. O mesmo já estava suando e
tonto de tanto medo. Quando a senhora voltou com o pagamento o
taxista recusou e estava indo em direção a saída quando parou em
frente a foto da moça, e jurou ter vista os olhos dela se mexerem.
Ele gritou e saiu correndo da casa dos pais da visagem que tinha
atendido na noite anterior.

Passados alguns dias, o ex taxista (estava com medo


demais para continuar a se arriscar, e se uma visagem o matasse?)
juntamente com seus amigos, estava em uma mesa de um bar
chamado “UFC – Última Fonte de Cachaça”, bebendo e contando
histórias de velhos, já passava das 23h daquela noite e o vento
frio batia em seus corpos que insistiam em continuar ingerindo
álcool sem parar. Papo vai e papo vem, citaram sobre visagens e
Jefferson num instante ficou sóbrio e começou a lembrar daquela
noite que passara em perigo.

Maria Clara Jorge

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Sendas da Amazonia

A luta até a perda

É tarde em Pimental, Raimundo não entendia a movimentação na


comunidade, viu que as pessoas estavam indo para o centro, então foi junto
com elas. De longe escutava:
-Vamos fazer uma grande obra aqui neste rio. Vamos trazer o
desenvolvimento para a região. Isto é pelo progresso do nosso país!
Falava em alta voz um jovem senhor.
-Mas do que é que tão falando, meu Deus do céu? Que obra é essa?
Pensava Raimundo.
-Será que vão fazer um porto para nossos barcos? A gente pediu tanto
pra quele pessoal do Estado botar um lugar pra nós escorar nossas canoas.
E quanto mais Mundinho chegava perto, mais alto era o som da multidão
falando. Chegando mais perto, viu Toinho de cabeça baixa, mais ainda que o de
costume, já que tinha problemas na coluna! e perguntou:
-Ei home, do que esse pessoal da cidade grande tá falando? É daquele
negócio que nós pediu?
-Quem dera, Mundo, esse povo veio dizer que vão fazer uma grande
obra no rio, e nós que mora aqui, vai ter que ir embora. Disse Antônio.
-E tem mais, os nossos amigo lá do Muybu (Terra Indígena), vão ter que
sair também, parece que a construção desse troço vai ser muito medonha, aí
todo mundo vai ter que achar de sair daqui.
Continuou falando.
Indignado com o que acabou de ouvir, Raimundo sai irado em direção
ao aglomerado de pessoas e fala aos homens de terno e gravata, que não sairia
de Pimental, nem sua família, e ninguém, pois sua casa está lá e nenhuma
pessoa pode retirá-lo daquele lugar. E apoiado pela população, expulsaram os
funcionários da EnergInter para fora do povoado. Carregaram eles até o rio e
lá jogaram todos, dando palavras de ordem de que não sairiam dalí por nada.
Meses depois deste ocorrido, chega as mãos do líder da comunidade,
uma carta, dizendo que o progresso não pode ser detido, querendo ou não
querendo, a muralha será levantada, e único que poderia impedir seria o
representante nacional. Quando todas as pessoas souberam desse comunicado,
muitos disseram que não havia mais o que fazer, enquanto uma minoria defendia
que deviam lutar armados contra esses empresários.
Contudo, dentre as pessoas tristes e nervosas sai um homem negro,

116
Sendas da Amazonia

de cabelos brancos, olhos castanhos, bem idoso que se destaca vindo a frente,
era Raimundo, apregoando a resistência a esta obra, mas não com força, e
nem ficando triste ou pensando que está tudo perdido. O homem disse que a
oposição deveria ser realizada com a inteligência, a paciência e a esperança.
Quando pediram para se retirarem da terra, não saíram, se mantiveram
firmes, sem a necessidade de lutar ou ferir alguém. Então Marcos Santos,
representante da empresa de eletricidade, EnergInter, chegou até ao senhor
Pedro e perguntou-lhe qual o motivo de estarem fazendo esta manifestação,
esta resistência.
-Estamos fazendo isso, por que temos certeza que essa construção vai
destruir tudo aqui. Vocês não se importam com as pessoas? Disse o senhor
Pedro.
-As árvores, os animais, vão sofrer com isso, não terão mais peixes no
nosso rio, e as pessoas nem terão mais como viver, pois nem possuirão comida.
Finalizou o líder do Pimental.

Marcos ficou pensativo, após estas afirmações e questionamentos.


Entretanto, voltou ao estado de seriedade e afirmou que todos irão mudar para
outro lugar, a criação da grande geradora de energia não pode ser cancelada e
o governo apoia esta realização, então ninguém pode impedir.
E assim ocorreu, o projeto não parou, os moradores da pequena Pimental
e de Muybu foram enviados para outros lugares. Mesmo não conseguindo o que
queriam, jamais desistiram de seus ideais, e de lutar pelo que é seu e pelo
melhor para a natureza e conservação da história e da cultura amazônica que é,
amar e cuidar da mata.

Melquizedeque

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Sendas da Amazonia

A moça do lenço

Em um vilarejo chamado Inhangapi na cidade de Castanhal no Pará,


existia uma moça tímida que tinha pavor de mostrar seu rosto. Seu pai,
reconhecendo sua dificuldade de conviver com as demais pessoas, deu um
lenço para cobrir sua face quando quisesse.
Deste modo, a moça passava o tempo todo com o rosto coberto por um
lenço branco. Ela estudou em casa com professores particulares até seus 16
anos, depois disso, seu pai não conseguiu manter os seus estudos em casa.
Devido a isso, ela começou a estudar em uma escola perto de sua casa onde
completaria o ensino médio. A jovem ficou muito nervosa com a ideia de estudar
em um local com vários adolescentes lhe olhando.
O seu primeiro dia de aula representou um espanto para os jovens da
escola, pois não era comum uma moça com um lenço no rosto. Um rapaz curioso
logo quis conhecê-la, chegou perto para conversar, contudo, ela ficou sem
reação com a chegada do moço que tinha olhos escuros, cabelos castanhos, e
pele negra. Ao chegar ao seu lado disse:
– Oi, me chamo Luiz. E você?
Ela fez um gesto rápido de tchau e virou-se rapidamente deixando o
rapaz conversando só. Luiz, que por sua vez, era bastante curioso, ficou com
ainda mais vontade de conhecer aquela moça diferente e de ver como seu rosto
era.
Existia um lugar em que ela retirava o lenço, um igarapé que ficava
próximo de uma casa abandonada no qual ninguém ia. Ela colocou uma placa
pequena em uma árvore com o nome “Luz das Alamandas”. Alamanda era sua
flor preferida, amava a cor que ela ficava ao receber a luz do sol, por isso,
batizou o local com este nome, mesmo não havendo alamandas por lá.
Era tanta a curiosidade de conhecer aquela jovem que Luiz decidiu
segui-la diariamente após as últimas aulas da tarde, e após alguns dias,
descobriu esse lugar que era o refúgio da moça. Sempre que chegava à Luz
das Alamandas, ficava em um balanço admirando a corrente de água do igarapé
e conversando consigo mesma, nesse dia, falou sobre o que mais gostava na
vida:
– Me sinto bem aqui, sinto uma vontade enorme de plantar várias e várias flores
de alamandas fazer jus ao nome que coloquei nesse lugar maravilhoso.
Luiz, que estava escondido e observando-a, ficou extremamente

118
Sendas da Amazonia

admirado pela moça que queria algo tão simples. Foi para sua casa e no dia
seguinte não apareceu na escola, a moça estranhou por não ter sido recebida
com o bom dia do rapaz, já que ele era a única pessoa que falava com ela. No
final da tarde caminhou até o igarapé e ao chegar teve uma bela surpresa, Luiz
havia colocado várias plantas ao redor do balanço que ela costumava ir e várias
alamandas na entrada.
Ela ficou admirada de tanta beleza e feliz ao vê-lo no final daquela estradinha de
flores. Ele disse em um tom de voz nervoso:
-Nem a luz que bate nessas flores é mais linda que você!
Ela respondeu.
-Como diz uma coisa dessas se nem sequer olhou meu rosto?
-A aparência física é um detalhe, me apaixonei pelo seu modo de enxergar a
vida, a ternura e a beleza de como trata a natureza é encantadora.
Ela ficou nervosa, mas dessa vez não fugiu para longe dele.
-Meu nome é Chiara. Disse a moça.
Ao notar que Chiara estava levantando o lenço lentamente do rosto,
Luiz fica sem reação. Logo ele começa a ver uma pele clara repleta de pintinhas.
Olhos castanhos escuro e cabelos ondulados e dourados. Encantado, o rapaz
a chamou de cachinhos dourados, Chiara falou que a partir daquele dia, aquele
lugar não seria mais só seu, mas sim, deles.

Maria Fernanda

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Sendas da Amazonia

Os ttrês pretinhos da pororoca

São Domingos do Capim, é uma cidade no interior de Belém que


também é conhecida como a capital da Pororoca. É uma cidade pequena, bonita
e com uma riqueza natural que dá um toque especial ao lugar, que é o seu rio.
Uma maravilha que é impossível não admirar sua imagem, se refrescar em suas
águas e relaxar na maresia. Porém esse rio tem muitas lendas, no qual todos os
habitantes da cidade sabem detalhe por detalhe dessas histórias, entre eles, a
mais conhecidas é a dos três pretinhos da pororoca. Na cidade é comemorado o
festival da pororoca, que só acontece em abril, portanto somente neste mês que
acontece esse fenômeno. O festival atrai muitos visitantes na cidade, de todos
os cantos, alguns vem para observar a “pororoca” e outros para “pegar” essas
ondas.
Antigamente, quando existiam longas praias pela beirada do rio, e onde
a cidade era habitada por índios. Existia uma tribo indígena. Nessa tribo, havia
um bravo cacique, o Pirajuara, que quer dizer onça-pintada. Ele amava tanto
estar no rio que as águas para ele eram como sua segunda casa. Depois de
algum tempo, o cacique teve uma filha, que tinha os mesmos gostos do pai
quando criança, e também era apaixonada pelas águas. Numa noite de lua cheia,
quando a indiazinha admirava o reflexo da lua no rio, ela estava tão encantada
e hipnotizada que nem percebeu um homem todo arrumado surgindo de dentro
d’água e quando ela sentiu que não estava mais sozinha, ao se virar para ver
quem havia chegado, ela ficou paralisada ao ver um belo homem vestido com
roupas brancas e um chapéu na cabeça, então, ele lhe seduziu, o “boto”.
A índia e o homem de branco se apaixonaram, e começaram a
namorar. Até que a índia ficou grávida, quando ela pariu, ficou muito surpresa
em descobrir que seus filhos não eram crianças e sim três botinhos (os “três
pretinhos”). Muito triste por não ter como criar os filhos botos, a índia os entregou
para o rio, onde cresceram e se criaram. Com o passar do tempo, quando eles já
estavam grandes, resolveram voltar para visitar sua mãe. Com tamanha alegria,
eles nadavam, levando tudo o que estava pela frente com a força que exerciam
na água, formando ondas gigantes, por onde passavam causavam enchentes,
que até as praias enormes da beirada sumiam. Desde então, os botos, isto é, os
três pretinhos filhos da índia, visitam o local em que estava a tribo causando o
fenômeno que ficou conhecido como pororoca.
Aysha Fernanda Costa Batista
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Sendas da Amazonia

A mulher do Sapé

Em uma certa escola do município de Castanhal, havia uma estória so-


bre uma misteriosa casa que se localizava na parte de trás dela e que envolvia
uma turma, todos anos. João Bento, era um menino levado e curioso, o que lhe
fazia uma criança como qualquer outra. Nessa escola, havia o chamado tempo
integral, as atividades de lazer e cultura em um turno e aulas normais no outro.
No caso de Bento, suas aulas ocorriam no período da manhã, o que deixava
todas as suas tardes repletas de diversão.

João também tinha muitos amiguinhos, porém, Alice, Pedrinho e Ro-


berta, com certeza eram mais próximos. A Alice era a mais sapeca da turma,
sempre jogando seu rosto fofo quando queria alguma coisa, além de ser bonita.
O Pedrinho era mais quieto, muito dedicado aos estudos e adorava livros de
história. E por fim, Roberta, a garota mais carismática para sua idade que todos
conheciam. Todos entraram na escola no mesmo ano.

A história começa quando eles voltam das férias escolares no início do


ano de 2011, quando eles atingem o quinto ano do Ensino Fundamental, a últi-
ma série da escola. Nos anos anteriores, eles já tinham ouvido acerca da casa
que ficava atrás da escola. Os alunos mais velhos diziam que havia uma bruxa
por lá, mas os novos não davam atenção, pois a fantasia imperava na cabeça
delas.

Em meados de janeiro, as aulas começaram. A turma toda animada, e


não seria diferente do grupo de amigos. Logo na entrada, João Bento encontra
Alice no meio de tantas crianças.

João Bento grita para Alice:

-Alice!

Alice logo ouve seu nome, mas não sabe quem está chamando. Revira
a cabeça para os cantos e vê João Bento. Então, acena para ele e os dois vão
ao encontro um do outro.

-Oi João! Quanto tempo! Como foram as férias?

121
Sendas da Amazonia

Os dois se abraçam e a conversa segue:

-Oi Alice! Tudo bem? Foram ótimas! Ei! Agora tamo no quinto ano, né? Podemos
agora ver se aquela casa é mesmo mal assombrada.

-Ai não, Pedro! Você mal falou comigo e já tá nisso? Essa história de bruxa é
mentira, cara.

Como Bento era curioso, não deixou isso como único argumento:

-Mais é claro que nós vamo lá! Se eu chamar o Pedro e a Roberta é claro que
eles vão comigo.

Alice deu uma rizada de hiena engasgada para Bento.

-Hahahaha, até parece. Pedro não gosta disso...e a Roberta talvez nem tenha
tempo. E por falar neles, cadê os dois? Não vi até agora.

Assim que Alice falou, os dois brotam atrás dela.

-Oi gente! Que saudade! – diz Roberta abraçando Alice.

-Oi Bento e Alice! - diz Pedro abraçando seu amigo.

Logo todos se abraçam e falam de como foram as férias.

-E ai? Vamo esse ano entrar naquela casa lá de trás?

Pedro respondeu:

-Mano, o que tu quer lá? Tá doido? Esse negócio é besteira.

-É Bento...pra que vamo lá? - afirmando Alice.

-Tá tá...então vamos até o campo lá perto?

Todos engoliram o “NÃO” e pensaram. Olharam um pro outro e Roberta


completou:

–Depois conversamos sobre isso.

Os 4 saíram para a aula que já ia começar.


122
Sendas da Amazonia

Sentaram em suas carteiras e tentavam não pensar na ideia tida pelo


amigo. Por mais que tentassem, não conseguiam se concentrar na aula, pois a
troca de olhares entre eles era intensa, fazendo assim escapar até risos altos e
descontrolados.

-Para Pedro...- sussurrando Alice. Todos se olharam. A rizada estava quase


saindo.

Entre olhares e risadinhas, Roberta pediu licença à professora, dizendo


ir beber água. Quando saiu, caminhou no corredor silencioso, levando sua sin-
gela garrafa ao filtro perto da sala. Chegando lá, a luz que estava acesa come-
çou a falhar. Ela para de beber e presta atenção. De repente a lâmpada apaga.
Estava escuro, e ela sente um vento frio percorrendo o corredor. O vento abre a
última porta do corredor, aquela que ninguém sabia da chave.

-O quê que tá acontecendo? - dizendo em voz baixa.

Bastante intrigada, começa a caminhar lentamente. Um passo de cada


vez. O alarme toca, era hora do recreio. Tal sirene a faz tomar um grande susto.

-AI MEU DEUS! - nervosa, lembra-se de voltar a sala. Sai em direção a ela. A
porta fecha com um rangido baixo, até bater na fechadura. Quando bate, ela
volta para a sala.

Chegando, depara-se com seus amigos arrumando o material.

-Você demorou Roberta. Diz Pedro.

-Foi mesmo – respondeu. Roberta não queria contar o ocorrido, pois ninguém
iria acreditar e ainda iriam dizer que é invenção.

Foram lanchar. Entraram na fila e notavam o jeito quieto de Roberta.

-Aconteceu alguma coisa? Pergunta Bento.

-Nada não. Só tô sentindo saudade das férias. Em um tom sarcástico. Todos


caem na risada e voltam a discussão sobre, se o Bob Esponja podia apagar um
incêndio no Siri Cascudo.

A campa toca. Hora de voltar para sala. O resto da manhã ocorreu tran-
123
Sendas da Amazonia

quilamente.

Meio dia. A sirene grita. Todos em fila para ir tomar banho. Quarenta e
cinco minutos depois, finalmente almoço. Sentaram e começaram a comer. Em
uma das colheradas, Bento fala:

-Vamos hoje lá? Temos que aproveitar que vai ter educação física.

Ele se referia ao campo de futebol que ficava próximo ao muro, fronteira


da escola.

-Tu não vai parar enquanto não for lá, né? - Alice argumenta.

-Bento, deixa quieto isso. Não quero invocar nenhuma entidade desconhecida.
Disse Pedro.

-Vamo gente! Todo mundo vai junto! Quero só ver o que tem lá.

-Eu vou com ele. Se formos todos juntos podemos bater muito nele quando en-
contrarmos uma casa vazia. – Roberta surpreendeu. Alice e Pedro a encararam.

-Eu quero! Alice e Pedro dizem em coro, surpreendendo até mesmo o próprio
Bento.

-Então vamo!

E continuavam a comer a carne de panela, arroz, feijão e farofa de seus


pratos. Ao acabarem, foram para a sala de descanso. Pedro e Bento nas dos
meninos e Alice e Roberta nas das meninas. Tiraram uma soneca. Acordaram e
seguiram para a fila da turma. A próxima aula era de música e depois de educa-
ção física. Uma e meia da tarde. A maldita campa bate novamente.

Entram todos na sala, tomam seus lugares e flautas. Começam as ten-


tativas sem nexo ou sentido. As músicas são guiadas apenas pelo fato de tro-
carem os dedos nos buracos da flauta, fazendo um som aterrorizante para um
maestro. E assim passaram-se mais de 2h até o abençoado recreio.

Pedro tinha mania de emprestar livros, sempre no recreio da tarde. A


bibliotecária até o conhecia e teve que fazer uma nova folha de empréstimo
porque a primeira estava lotada.
124
Sendas da Amazonia

Ao entrar na biblioteca, só tinha ela ali, organizando alguns papeis. Ele


nem precisava falar, só apontava a prateleira e ela confirmava com um leve
aceno de cabeça. Tinha preferência por algo haver com dinossauro. Não estava
encontrando o que procurava, então resolveu procurar na última estante.

Na terceira fileira da segunda coluna encontrou o tal livro. Pedro estava


folheando o livro quando percebeu no canto de sua visão algo em movimento. O
último livro da última coluna se movia lentamente, como se fosse movido por um
sopro forte. Pedro só percebeu depois de olhar fixamente e percebeu que a cada
momento, o livro se aproximava da beira. A capa foi aos poucos sendo revelada.
Era um livro infantil. Mas enquanto isso, Pedro estava paralisado. “A mágica de
Luci” era o nome do livro. Caiu no chão e o livro abriu em uma página qualquer.
“Vamos, vamos Pedro! Vem comigo, meu querido!” dizia o trecho aberto.

Pedro sem reação, por um passo involuntário para trás, se movimentou,


lembrando de sua existência. Saiu correndo deixando cair o livro de dinossauro
e sem se despedir de sua amiga bibliotecária. Sentou no primeiro banco deso-
cupado que encontrou. Estava em devaneios por causa do que acabara de ter
acontecido. A campa bate. Ele volta incrédulo acerca do que houve ali. Depois
do intervalo, era aula de educação física. Sua cabeça estava fora do lugar e
Bento percebeu isso.

-O que aconteceu Pedro?

-Nada não.

-Mas você tá muito esquisito. Sei que tu é esquisito, mas não tanto assim.

-Já disse. Não tenho nada.

-Hã...Bento?

-Que foi?

-Hoje vamo na casa atrás do campo da escola?

-Sim, todo mundo combinou. Porque? Você não vai mais?

-Não, não. Agora eu só quero ir lá.

125
Sendas da Amazonia

Pedro olhou com uma cara estranha, mas não ligou muito.

-Tá. Tudo bem. Você quem sabe.

A turma já estava em direção ao campo para a prática da atividade. O


grupo estava bolando uma estratégia de despistar o professor. Após algumas
ideias mirabolantes, o plano finalmente tinha algum sentido.

-Combinado? Vocês entenderam?

-Sim Alice. Já atendemos. Bento confirmando depois de ter escutado mais de


3 vezes.

-Ok então.

O plano começa a entrar em ação. Era o seguinte: depois de entrarem


no campo, eles iriam pedir ao professor para irem beber água. Chegando lá,
fingiriam terem se molhado, encharcando a roupa que estavam. E então, mos-
trariam como ficaram ao professor, que, por sua vez, deveria exigir que eles
fossem se trocar. Enfim, era essa a hora de fugirem. E foi o que aconteceu.

Arrodearam o campo abaixados, pois a mata não os cobria por comple-


to. A que mais reclamou foi a Alice.

-Não tinha outro lugar para entrar, não? Lá vai eu ter que lavar meu sapato de
novo.

-Shiu!

Todos seguiram abaixados até encontrar o muro que fazia fronteira com
a casa.

-É aqui. - Afirmou Bento

-Tá...mas como vamos passar pra lá? - perguntou Alice.

-Não tinha pensado nisso antes…Todos de olhos arregalados para Bento.

-Pera...você disse isso mesmo que eu ouvi? - Alice já estava irada. Além dela,
Pedro e Roberta também.

126
Sendas da Amazonia

-Você tá louco?! Insistiu em tudo aquilo, planejou, convenceu, enganou pra mor-
rer aqui? Ai que raiva de você, Bento!

-Porque eu fui na sua, hem? - dizia Pedro.

-Aff! Bento... Roberta resmungava.

-Gente... desculpa, mas eu não tinha pensado nisso antes…

Alice olha irada para ele.

-Não tinha pensado nisso antes, não tinha pensado nisso antes… Alice fala em
um tom de deboche misturado com sarcasmo.

-Vou te mostrar no que pensei!

Alice empurra Bento na altura do ombro. Bento cai no mato e os outros


seguram Alice.

-Para Alice, deixa ele.

-Me solta! Tudo bem, tudo bem...tô calma…

Bento ainda sobre a mata, olha para cima num sinal de fracasso, mas vê
uma brecha no muro, logo vai chegando mais perto, afastando o mato ali exis-
tente que cobria. Não era mais uma pequena brecha, e sim, um buraco maior.

-Ei! Ei! Olha aqui.

Bento mostra a abertura na parede. Todos olham atentos.

-Acho que é por aqui que continuamos nossa missão, certo? Bento olha atento
para os outros que continuam abismados.

Bento bate no mato para abaixá-lo, assim facilitando a passagem. Todos se


abaixam e encolhem-se, atravessam com facilidade. Com medo, chegam no
quintal da casa velha. Olhares fascinados e aterrorizados pela beleza e aban-
dono do lar.

-Então é aqui a tal casa? Pedro falando pausadamente.

127
Sendas da Amazonia

-Meu Deus! Roberta incrédula e quase sussurrando.

A moradia tinha o estilo casa de sapé, porém, devido as ações do tempo, as


plantas e o limo sucumbiram o prédio, dando um ar de melancolia e abandono.
Além do térreo, possuía mais um andar, com uma varanda em que os galhos e
a estrutura de contensão se confundiam como um todo.

- Vamos entrar logo.

-E se tiver alguém ali?

-É melhor ainda. A gente pode acabar com isso.

-Vamos logo.

Entram em fila pela porta que perecia ser dos fundos. A porta praticamente
comida por cupins, facilitou a entrada, rangendo quando aberta por Bento. En-
traram no que era uma cozinha, cheia de folhas secas e paredes com a tinta
descascando.

Foram entrando bem devagar para não fazer muito barulho.

-Nenhum barulho. Roberta bem baixinho olhando pros seus amigos e eles con-
cordando com a cabeça.

Neste passo, estavam na divisa da cozinha com a sala. Foi quando ouviram
rangidos do teto. Todos se olham e respiram fundo. O rangido para.

Alice diz em mímica e com expressão de desespero:

-Vamo embora

Pedro no mesmo gesto:

-Não vamos morrer na praia.

O rangido volta, Bento toma partida apressando a caminhada. Todos sussurram.

-Não Bento! Não vai! É perigoso! Mas Bento não ouve pois apenas os lábios de
seus amigos se movem. Ele sobe a escada traiçoeira com determinação e um
pedaço de pau que pegou da sustentação no início dela. Alcança o segundo
128
Sendas da Amazonia

andar. Vê um corredor estreito, mas longo. Começa a caminhar friamente, sem


ouvir o som de seus sapatos. Ouve algo. Sente a presença de alguém. Vira
bruscamente e levanta o pedaço de madeira em sinal de ataque.

-NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO! - Pedro levanta as mãos em rendição

-Droga Pedro! Bento abaixa a arma e dá um belisco no braço dele.

-Shiu vocês! As meninas pedem a eles

-Tu é leso de subir aqui sozinho? Tu tem amor à vida, não é? -A preocupação
de Alice e Roberta é interrompida pelo rangido novamente. Todos em silêncio.
Ele para. Bento retoma os passos e continua pelo corredor. É seguido agora por
Alice, Pedro e Roberta. O corredor tem apenas 4 portas. O ruído parecia vir da
última porta da direita. Estavam todos posicionados em frente dela. Alice abre
lentamente.

-Oi crianças. Como vão vocês? -Havia uma mulher sentada em frente ao espe-
lho. Ela era branca, de cabelos muito escuros e olhos pretos. Vestia um vestido
preto rendado, que lhe caia bem e combinava com seu tom de pele e usava um
batom vermelho.

-Quem é você?

-Vocês não sabem? Sou a mãe de vocês agora. As crianças não são surpreen-
didas pelo fato de ter uma mulher sozinha em uma casa abandonada, mas sim,
pela afirmação feita pela bela mulher.

-Eu estava esperando por vocês, meus filhos. Me sinto tão sozinha aqui. Em um
tom leve e sutil

-Desculpe senhora, mas está nos confundindo. Bento diz a bela moça.

Neste momento, Alice olha em volta do quarto sujo, procurando entender o que
ela fazia ali. E é ali que descobre uma forca no teto disfarçada pelas teias de
aranha e uma cadeira no canto do quarto.

-Acreditem, vocês serão muito felizes aqui. Alice interrompe o diálogo dizendo:

-Aquilo no teto é uma forca? Todos viram a cabeça em direção ao teto esquerdo.
129
Sendas da Amazonia

-Oh sim, é minha. Desde o tempo que usei isso nunca mais limpei.

Todos ficam paralisados. O ser com que eles conversavam não era vivo. O
vento bate com força no quarto, fazendo com que as folhas secas no chão se
movimentassem, revelando a mancha de sangue embaixo da corda assassina.

-CORRAM! -Roberta grita. A mulher se levanta exibindo seu vestido longo, indo
atrás deles. Eles descem pela escada rapidamente.

-SOCORRO! SOCORRO! SOCORRO! Gritavam em direção a porta em que en-


traram.

Para surpresa e desespero, estava fechada. Batiam, gritavam, choravam. Que-


riam mais que tudo sair dali. Roberta olha para traz e vê a mulher descendo as
escadas lentamente. Ela percebe que no final do vestido, não havia sequer mo-
vimentos de pés, tirando a conclusão de que aquela mulher flutuava em direção
a eles.

-NINGUEM VAI ME ABANDONAR DE NOVO! Agora com voz demoníaca.

-VOCES SERÃO MEUS FILHOS! -A luta com a porta se torna impossível.

A mulher se aproxima sorrindo com correntes de ferro que se assemelham a


tornozeleiras em suas mãos. Eles tentam resistir, mas ela os hipnotiza com seus
olhos escuros como se olha uma presa.

A mulher da casa é uma viúva de um agressor. Morreu em 1971 de suicídio. Os


mais antigos dizem que ela tinha depressão, pois descobriu o caso de traição
de seu marido. Enquanto viva, sofria frequentemente abusos, violência física e
psicológica.

Consequentemente, abortou várias e várias vezes, sendo que seu maior sonho
era ser mãe. Sua pele era branca porque tinha dois anos que não saía daquela
maldita casa, pois era acorrentada. No dia em que seu marido saiu de casa, ele
deixou-a no quarto acorrentada, mas ela conseguiu se soltar e foi atrás dele. Ele
morreu afogado em uma banheira de motel. Enquanto ela foi encontrada duas
semanas depois de sua suposta morte, dependurada na forca.

As quatro crianças foram encontradas três meses depois de desapare-

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Sendas da Amazonia

cidas, já em estado de decomposição em um córrego próximo. Todas estavam


com sinais de tortura e mutilação em seus tornozelos. Até hoje, no dia 21 de
janeiro, às cinco e quarenta da tarde dá pra ouvi gritos de socorro e som de
correntes sendo arrastadas. Sons vindos daquela casa.

Isabelle Coimbra

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Sendas da Amazonia

O espeáculo de horror

No ano de 1944 foi inaugurado o “Cine Argus”, na cidade de Castanhal,


com finalidade exclusiva, para espetáculos teatrais e projeções cinematográficas,
depois de um tempo seu nome foi reformulado para; “Cine Argus Teatro”, porém
o espaço não servia apenas para esses espetáculos, haviam também; shows
musicais, reuniões, palestras, colações de grau, cerimonias religiosas, e várias
outras coisas.
No Cine Argus, não haviam poltronas ou cadeiras confortáveis. Seus
acentos eram apenas ripas firmes que se posicionavam em forma de escadas.
Com o passar do tempo o Cine Argus foi envelhecendo, por sua
estrutura não ser feita com bons materiais, ele tinha uma parte de madeira, e
outra de tijolos. Depois de uma época os moradores de rua começaram a se
abrigar alí, e a população que presava o cinema, se revoltou, e certo dia se
reuniram para poderem expulsar esses moradores de rua, e eles conseguiram,
mas após sair, começaram contar coisas que viam lá dentro, diziam que depois
das 03:00 horas da manhã, espécies de marionetes aterrorizantes faziam seus
espetáculos, retratando alguns acidentes, assassinatos e mortes que iriam
acontecer na cidade, mas os moradores não acreditavam, até que um dia
ficaram para observar se isso era verdade, várias famílias ficaram para ver, e as
exatas 03:10 da manhã os shows começaram a acontecer, e todos com medo
saíram de lá, porém uma criança de 9 anos de idade não saiu, e por volta de
07:00 da manhã iniciou-se algumas buscas, mas não encontraram nada. Assim
mesmo, continuaram os espetáculos diários.
Após esse acontecimento, alguns expectadores ouviam gritos e gemidos
de criança ao ocorrer das apresentações, mas quando se procurava nada era
encontrado, apenas os materiais para apresentações, os moradores foram
ficando aterrorizados com aquilo. Após alguns anos, o proprietário do cinema,
Manoel Carneiro Pinto Filho, mais conhecido como “Duca do cinema”, faleceu,
depois de um trágico acidente de carro, quando voltava da cidade de Belém,
para uma apresentação teatral. Em outubro de 1995, após algumas reformas,
o Cine Argus foi fechado, pois seu público estava um pouco aterrorizado com o
que estava acontecendo, e aos poucos foram deixando de ir aos espetáculos.

Rafael Alexandre

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Sendas da Amazonia

Guerreiras da Amazônia

Podia se ver apenas o seu vulto de tão veloz que era, feroz como um
tigre, forte como um touro, uma bela e brava guerreira chamada Talia. Morava
em uma aldeia localizada no meio da Amazônia, saia para caçar animais que
serviriam de alimento para o seu povo. A guerreira era chefe da tribo Guaraná,
era um pequeno povoado, mas com bravos guerreiros e principalmente guerrei-
ras que eram incentivadas a lutar por sua líder.

Próximo à Guaraná existiam várias outras tribos, tribos onde os homens


predominavam, nelas existiam poucas mulheres. As guerreiras de Talia eram
bonitas e fortes, alvo para os outros povoados. Certo dia, o líder de uma tribo
rival decidiu reunir as outras três tribos que ficavam perto dali, depois que reuniu
todas o guerreiro falou:

—Nós somos homens! Nossas tribos não têm mulheres suficientes para todos
os homens! Vamos atacar as belas guerreiras e serão todas nossas!

—Sim! Elas serão nossas! — Disseram os demais povos

Depois de convencer todos os guerreiros logo se reuniram para atacar.


No outro dia em Guaraná a brava guerreira Talia estava caçando silenciosamen-
te quando ouviu vozes dizendo:

—Vamos, é logo à frente.

—Pssiii… Silêncio, vão nos escutar.

—Vamos esperar um pouco e atacamos…

Talia não pensou duas vezes e foi correndo com sua grande velocidade
avisar sua tribo que ela seria atacada em breve. Chegando lá ela gritou:

—Levantem bravas guerreiras e bravos guerreiros! Vamos ser atacados e preci-


so que todos vocês se levantem para lutar!

—O que aconteceu? —Gritaram todos.

—Nossa aldeia vai ser atacada! — Disse Talia. — Todos se juntem, peguem
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Sendas da Amazonia

suas lanças, seus arcos e flechas! Lutem bravamente por suas vidas!

Quando todos estavam preparados, as outras quatro tribos chegaram,


eram mais de quatrocentos guerreiros contra as cem guerreiras de Guaraná, os
guerreiros da tribo protegiam as crianças e idosos. A batalha parecia já estar
acabada antes de começar, sobre muita tensão, começou a batalha.

—Lutem por suas vidas bravas guerreiras!

—Vamos ganhar essa batalha homens! As mulheres serão nossas!

Os homens eram terríveis, feios e nojentos, mas as guerreias se manti-


veram firmes e lutaram. As bravas mulheres começaram perdendo, parecia que
não tinham chance alguma contra os monstros. Talia vendo que estava perden-
do, gritou:

—Força bravas guerreiras! Fomos criadas para batalha, não podemos fraquejar
agora!

As bravas mulheres ouviram e lembraram de todo o esforço que fizeram


para ficarem fortes e de todos os dias que sobreviveram da caça e pesca e
começaram a lutar com mais força, mais garra. Elas derrotaram todos aqueles
homens de um por um e mostraram a verdadeira força das guerreiras da Amazô-
nia, não importando quantos inimigos são, elas serão sempre bravas e defende-
rão o que tem. As tribos que atacaram saíram correndo deixando vários feridos
para trás, nunca mais se atreveram a querer tocar nas guerreiras Amazonenses.

Luís FG Mourão

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Sendas da Amazonia

O padeiro e o cliente fiel

Em uma cidade no nordeste do Pará, com o nome Castanhal havia uma


padaria que se chamava “Belos Sonhos”, onde muitos clientes passavam por ali,
um em especial, era o seu José que ia todas as manhãs comprar pão. Ele era
um cliente fiel ao padeiro, o seu Antonio e por terem essa relação de confiança
entre eles o seu Antônio concedeu ao seu cliente fiel uma nota de compras em
que o seu José podia comprar o que quiser e pagar somente no final do mês.
Certo dia, como todas as manhãs, seu José saiu para comprar pão naquela
padaria de esquina situada na rua em que ele residia, ele foi caminhando alegre
como sempre, mas nesse dia ele estava alegre por um motivo especial, pois na
tarde daquele dia ele iria viajar para visitar parentes que ele não via a anos, ele
chegou no seu Antônio e disse:

- Seu Tonio, posso pegar uns pães e uns salgados pra eu levar pros meus pa-
rêntes lá no interior.

E ele respondeu:

- É claro!

E seu José explicou:

- E que eu tô sem ver meus parênte a mais de 4 anos e quero ir daqui e levar
algo pra eles pra não ir de mão vazia. A viagem daqui pra lá não demora então
não vai estragar.

E o padeiro atendeu ao pedido dele, depois de verificar o valor da compra, ele


afirmou:

- Sua conta tá alta, mas eu sei que posso confiar em ti.

- Pode confiar em mim, quando eu voltar vou te pagar, daqui umas três semana.

José então foi visitar seus parentes e durante sua ida ao interior, enquanto ele
estava tomando banho de rio sua carteira caíu da ponte onde ela estava, direto
na água e a nota que seu Antônio lhe tinha concebido foi perdida junto com a
carteira e o dinheiro que ele havia guardado para voltar a cidade modelo, sendo

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Sendas da Amazonia

assim, ele teve que contar com bicos e empréstimos de seus familiares para vol-
tar o que demorou mais duas semanas na sua viagem. Enquanto isso, seu An-
tônio já estava perdendo a credibilidade nquele que acreditava ser o seu melhor
cliente, pois já se passara cinco semanas para ele voltar, derrepente ali estava o
“cliente fiel’ a sua frente, mas, com o olhar enfurecido seu Antônio disse:

- Voltaste um pouco tarde!

José responde:

- Foi porque eu tive alguns emprevistos durante a viagem.

- Vamos ao que interessa, CADÊ MEU DINHEIRO!

- Minha carteira caiu na água e perdi todo o meu dinheiro, só consegui dinheiro
pra voltar, tô sem um tustão no bolso.

-Se não tem dinheiro pra me pagar então dá o fora daqui e não volte mais, pois
caloteiro que nem você não presta, só dá prejuiso. Engana os outros dizendo ser
bom pagador e depois dá o golpe.

- Mas foi um imprevis... antes de terminar a palavra seu Antonio disse:

- Não quero saber, vai embora daqui!

E assim José foi para sua casa triste, depois da humilhação que ele havia pas-
sado, pois se tornou sem querer, de um fiel pagador a um caloteiro.

Oslain Gabriel

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Sendas da Amazonia

Mangueiras do Grão-Pará

Andando por Belém Nalanda ficava deslumbrada com tantas manguei-


ras que ali haviam, caminhava olhando fixamente para o alto, onde os galhos das
árvores encontravam-se de um lado ao outro da calçada, em sua rotina, o trajeto
das mangueiras sempre estava na sua rota, não importava onde ela deveria ir,
ou com quem, ela sempre teria que passar ali e observar as mangueiras, muitos
a chamavam de louca, esquisita, e sim, parecia algo muito louco afinal, mas para
Nalanda era algo incrível, pois ela era fã de história e ela já tinha estudado tudo
sobre a vinda das mangueiras para Belém, e havia um motivo especial que fazia
Nalanda admirar essas árvores. É que ela já tinha ouvido muitas queixas sobre
as mesmas, como por exemplo, motorista reclamando de danos causados pela
queda das mangas, ou pedestres que caiam ou escorregavam nos frutos. Isso
era engraçado e Nalanda não escondia a risada quando acontecia, e logo os
caídos ficavam intrigados ainda mais com ela. Certo dia, quando Nalanda fez
seu trajeto até a faculdade, um homem a avistou de longe, seu modo de andar,
seu jeito de olhar as coisas, seu cabelo preto que brilhava com os raios solares,
e acima de tudo, seus olhos pretos que de longe era possível perceber, pren-
diam o olhar do rapaz, cada segundo que passava ela chegava mais perto dele.
Logo, ela o avistou! Ele encontrava-se bem-vestido, cabelo curto e barba feita,
ela passou ao seu lado e ele a chamou, sem ao menos se apresentar.

— Percebi o jeito que você olha pro Céu, e sim, eu sei sobre o que as pessoas
falam de você…

Ela logo o interrompeu.

Nalanda não gostava do que as pessoas falavam, ela tentava evitar


pensar nas palavras ruins distribuídas pela população que ali transitava, então,
logo respondeu ao rapaz de forma direta:

— Desculpa, mas tô atrasada e eu não me importo com o que eles falam, eu


apenas vejo tudo de uma forma diferente

Assim, seguiu caminhando. No dia seguinte o homem estava no mesmo lugar,


dessa vez ele estava xingando algo, irritado pois o fruto da mangueira tinha
trincado seu retrovisor, e nesse momento Nalanda passa ao seu lado e ele fala:
137
Sendas da Amazonia

— Talvez você poderia explicar seu modo de ver as coisas, há muitos que tor-
cem para retirarem essas coisas daqui.

Ela parou e olhou fixamente para ele, observou sua barba bem feita, seu
olhar que fixava em seu rosto e disse:

— Não posso explicar algo que ninguém não quer entender ou que não gosta-
riam de ouvir, nosso modo de pensar é subjetivo, então seria loucura, não pra
mim, mas pra você, pois além de mal educado é um bacaca.

— Mal educado?

— Eu esperava pelo menos um bom dia, não uma pergunta logo pela manhã.

— Desculpa. Bom dia. Meu nome é Taki Tainã.

Ela pensou em abandonar o rapaz e seguir seu trajeto, porém Nalanda sentiu
que deveria ficar, então diz:

— Bom dia. Meu nome é Nalanda. Amém!

— Amém?

— Se eu tivesse um nome como o seu todos iam concluir que sou louca, sendo
que a maioria acha isso.

Ele riu e levou aquilo como uma vingança pelo modo que ele a abortou
no dia anterior, ele ficou rindo discretamente e falou:

— Certamente, mas isso ainda não se aplica a mim, digamos que eu te acho
meio louca, não completamente, afinal todo mundo é um pouco louco.

— Tudo mundo me acha completamente louca, exceto você, eu acho.

— A gente tá na frente de um café, quer entrar? Talvez você possa me explica


seu modo de ver as coisas.

Ela entrou no café e sentou-se no banco que ficava perto do balcão, ele foi atrás
e sentou ao seu lado.

— Então, anos atrás eu estava caminhando por aqui. Eu vou contar, mas se
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Sendas da Amazonia

você rir eu dou um soco na sua cara – disse ela toda envergonhada,

A garota queria apenas terminar aquele assunto e seguir seu trajeto,


Nalanda podia evitar esse diálogo, mas ela acredita que isso já não precisa ficar
restrito apenas a ela.

— Okay – Falou ele encantado com seu modo de criar pequenos momentos de
humor até em situações sérias.

— Como eu disse, eu estava andando por aqui quando uma manga caiu, seria
algo normal, mas não foi, pois a manga caiu na minha cabeça, e logo após eu
desmaiei, meses depois eu acordei no hospital após uma cirurgia, com o aciden-
te, os médicos perceberam um tumor – um câncer – na minha cabeça, e então
eu consegui combater antes que ele me matasse, e foi graças a mangueira, en-
tão, devido a isso, eu as vejo como algo bom, e não algo ruim, elas me salvaram
e todos que me julgam não sabem disso.

Nalanda se sentiu mal após falar sobre seu passado, ela resolve se
despedir e seguir seu trajeto até a faculdade

— Tudo bem, obrigado por contar-me isso, até outro dia.

Taki não disse muito após a fala de Nalanda, ele ficou realmente
impactado com o que ela disse, porém ele quis ajudá-la, ele contou a muitas
pessoas o que realmente tinha acontecido com a garota, e depois de dias, a
informação ia repassando a muitas pessoas, e logo pararam de chamá-la de
louca, contudo, eles nunca mais se viram, Taki foi enviado ao Haiti em missão
de paz, pois ele fazia parte da corporação do exército, Nalanda formou-se em
arquitetura, e conseguiu um bom emprego em Belém, e todos a conheciam, não
como louca, mas sim, como a garota que venceu um câncer por causa de uma
mangueira do Grão-Pará.

Mateus Santana

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Sendas da Amazonia

Velocidade máxima

James, é um engenheiro mecânico dedicado e por onde passa é reco-


nhecido por todos. Durante 10 anos, nunca pensou em abandonar a profissão. A
empresa Carros Evolution também reconhece o trabalho feito pelo mesmo. So-
fia, o admira por ser um ótimo marido e por estar sempre presente ao seu lado.
Helena, o considera um filho esforçado, sincero e preocupado com a família.
James, nasceu em Castanhal, nordeste do Pará, foi criado apenas com a mãe
cujo pai morreu em um grave acidente de trabalho.

Sofia, sempre optou por viajar com James, pois os dois possuem a mes-
ma opção de destino. Quando estão em um restaurante por exemplo, já sabem o
que vão escolher. Ela exerce a função de secretária em uma fábrica de sapatos,
portanto, precisa pegar ônibus todos os dias. Certo dia, viu o marido sair sem
ao menos dizer para onde iria. Ligou para ele, porém o celular estava em casa,
ficou desesperada, isto é, pensou no que deveria estar fazendo tão cedo, pois
era sábado e, neste dia, os dois ficavam em casa dormindo um pouco mais tar-
de. Portanto, avisou a sogra acerca do que havia acontecido.

Em seguida, James aparece dirigindo uma Amarok preta. O carro re-


fletia tudo o que passava por perto até mesmo os cabelos longos e ruivos da
sua esposa. Os vidros estavam levantados, portanto, ela não sabia quem era,
porém, as portas se abriram e quando ela o via, não acreditou. Se abraçaram
fortemente, e foi nesse momento que ele justificou a compra do automóvel.
Olhos nos olhos, ele disse que a levaria para o trabalho com muito mais con-
forto e velocidade. Sofia, ficou sem palavras, pois conheceriam novas trilhas e
ficariam mais próximos à natureza. Helena, ficou sabendo da maior, portanto, foi
até a casa do casal e os parabenizou por serem unidos e por se ajudarem. Os
vizinhos da rua Dom Pedro I e os demais familiares foram convidados para uma
grande festa, em comemoração.

Certo dia, James precisou fazer uma viagem empresarial durante duas
semanas. Mas, estava triste, pois não poderia levar outra pessoa em sua com-
panhia. Alguns dias antes, decidiu percorrer uma trilha específica com a esposa.
Ele sentiu algo diferente quando estava com ela dentro do carro, pois diversas
vezes pensou em desistir do período que ficaria longe dela.

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Sendas da Amazonia

Um dia antes da viagem, visitou a mãe e os parentes, recordando mo-


mentos felizes vividos em família. Neste dia, ele havia dito que amava muito a
mãe e realizaria todos os sonhos dela um dia. Na volta, ele a abraçou mais uma
vez e disse que voltaria correndo para comer as comidas preparadas por ela. À
noite, teve um pesadelo com um grave acidente entre dois veículos. Ele acordou
assustado, portanto, chamou Sofia, disse que a amava muito e um dia formaria
uma família maior com ela.

O dia esperado chegou. James, preparou o café da manhã, passou


pano molhado no carro e fez algumas compras. Quando entrou na Amarok, ve-
rificou os retrovisores e as luzes. Apesar de estar triste, resolveu abraçar Sofia e
olhar profundamente em seus olhos. Ela o deixou no aeroporto, se despediram
e ele seguiu viagem.

Ao chegar no apartamento, ele recebe um telefonema do chefe infor-


mando-lhe o prolongamento da viagem em função do trabalho. Dias depois,
veio a saudade da mãe e da esposa. Afinal, não via a hora de voltar para casa.

Os dias se passaram, e a jornada de trabalho em Tocantins acaba. So-


fia, já estava esperando no aeroporto. Logo, James desceu do avião correndo
desesperadamente em direção ao carro preto. Os dois trocaram sorrisos e em
seguida se abraçaram como se estivessem longe um do outro durante uma dé-
cada. Logo após o reencontro, entraram no automóvel e seguiram em direção
ao nordeste do Pará.

Dias depois, o carro apresenta um problema mecânico nos freios. Ja-


mes, resolveu o imprevisto imediatamente. Helena, começa a sentir fortes dores
de cabeça. O filho, viu a mãe como nunca havia visto. Ela estava inconsciente,
porém seus olhos transmitiam sensações de tristeza. No dia seguinte, as lágri-
mas expressavam a dor de uma filha. Sandra, a avó materna do James, faleceu
após ingerir comprimidos em excesso. Helena, se despediu da mãe pela última
vez olhando para dentro do caixão. Seu filho, o levou para casa chorando como
uma criança.

Meses depois, Sofia descobre que está grávida. Todos ficaram muito
felizes com a notícia, porém a correria do engenheiro mecânico, gerou certo
conflito entre o casal. Certo dia, a empresa realiza outra viagem, portanto, o
profissional não poderia ficar de fora. James, de forma alguma, decepcionaria
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Sendas da Amazonia

o chefe. No entanto, estar com a esposa no período de gestação, seria o seu


bem maior.

Véspera da viagem. Helena, telefona para o filho. Ela implorou para que
ele não fosse. No entanto, a decisão do mesmo, permaneceu como estava. No
dia seguinte, às 5 horas da manhã, James, tomou o seu banho, vestiu-se com
as roupas que havia comprado recentemente, preparou o café e, como sempre,
higienizou o carro. Ao entrar no quarto do casal, se deparou com o choro da
esposa. Neste momento, Sofia, o abraçou com todas as suas forças, o agrade-
cendo por tudo. Em seguida, as mãos do marido sobre a sua barriga, as deixa,
ainda mais emocionada. Logo após, pega as malas, a chave da Amarok, duas
fotos e entra no carro. Ela ficou na porta da casa, acenando para ele como se
nunca mais fosse vê-lo.

James, deixou o automóvel na casa de um amigo de infância e seguiu


em direção ao aeroporto. Embarcou. No apartamento onde ficou hospedado, ha-
viam outros funcionários que já eram pais. Portanto, o mecânico ficou bastante
comovido com as palavras ditas sobre os filhos de cada um dos mesmos. Se-
manas depois ele desembarca novamente no Estado do Pará. No local, diversos
pais abraçavam os seus filhos. Cenas estas que fizeram com que o profissional
fosse correndo pegar o carro na casa do amigo. Não demorou. Já estava seguin-
do em direção a terra natal. Em um piscar de olhos. A mãe e a esposa, recebem
a má notícia. James, faleceu após colidir com outro veículo em alta velocidade.

Dias depois. Helena ficou depressiva e tentou se envenenar. Sofia, de-


cidiu morar com os pais. A Amarok preta, foi restaurada pela empresa Carros
Evolution e, entregue a família. O veículo, ficou isolado em uma garagem escu-
ra, com uma carta em cima do volante.

S. Jhon

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Conto da Ilha da Paçoca

Todo o ano em Abaetetuba ocorre o arraial de Nossa senhora da Con-


ceição, festa que reúne a maioria do povo abaetetubense, e foi lá que tudo
começou, havia um rapaz chamado Demóstenes, um jovem navegante de vinte
e poucos anos, rapaz que tinha o domínio de navegar em águas calmas ou agi-
tadas, de dia ou de noite. Na noite em que foi ao arraial, Demóstenes começou
a sentir algo estranho no peito, uma dor, ardência, algo incomum, que não tinha
lugar, e tudo começou quando viu a jovem Sebastiana, moça atraente, inteligen-
te, bonita, que começou a sentir os mesmos sintomas quando viu Demóstenes.
Tudo aquilo não era à toa, eles simplesmente apaixonaram-se no primeiro olhar.
Quanto mais conversavam, mais tinham certeza que eram a cara metade um do
outro. Demóstenes pediu aos pais de Sebastiana a benção para que pudessem
se casar, já que ele era órfão desde criança. Além de conseguir a benção para
casar, eles também ganharam um pedaço de terra para construir um lar. Era na
ilha da pacoca, um lugar de terras férteis, de árvores frutíferas, belos lagos, etc.

Em uma noite de temporais na região ribeirinha de Abaetetuba, Sebas-


tiana começou a passar mal, febre alta, tremores, convulsões, e outros sinto-
mas, Demóstenes correu desesperado para levar sua amada a um lugar que
pudessem socorrê-la, ao chegar à margem da ilha, percebeu que sua canoa
tinha sido levada pelas fortes marés, a canoa era seu único transporte, já que
ele tinha se desfeito dos barcos para não cair na tentação de voltar a navegar.
Demóstenes então, tentou levar a nado, Sebastiana, mas as fortes maresias
o jogavam de volta para a ilha. Demóstenes então correu para dentro de casa
e pegou todos os lençóis e panos que possuía, e passou a amarrá-los nas ár-
vores, formando várias velas, ele pegou o único remo que tinha sobrado e na
tentativa desesperada de salvar sua amada começou a remar na beira da ilha,
naquele momento ele sentiu que a ilha começou a se mover, formando uma
grande embarcação. Ao correr para abraçar Sebastiana, Demóstenes teve a
surpresa de não sentir sua respiração, teve a tristeza de ver sua amada morta,
então com a força de mil trovões, ele levantou Sebastiana para os céus gritando
com a voz de mil trovões e foi iluminado com milhares de estrelas e luas, e a ilha
passou a navegar rapidamente pelo rio.

Nas noites de temporais fortes na região ribeirinha de Abaetetuba, há

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quem diga que a ilha da paçoca fica toda iluminada, com inúmeras velas, e na
proa pode-se ver Demóstenes com uma corda na mão, simbolizando a navega-
ção e em seus braços Sebastiana. Quando se avista a ilha desse jeito, dizem
que é Demóstenes tentando salvar sua amada.

Ewerton Costa Lagos Júnior

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