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Os sentidos de “revolução” no jovem Marx seria uma maneira de

sintetizar os nuances da concepção da noção de “revolução” que Marx


forma paulatinamente durante toda a sua vida e experiência intelectual.
Pois, para lembrarmos de Althusser, Marx não nasceu Marx, se tornou;
quer dizer, o próprio intelectual escreveu e concluiu teses nas quais seriam
negadas por ele mesmo posteriormente, a fim de se adequar com mais
precisão às novas formulações de sua teoria e de sua criticidade. Tanto
assim o foi que Althusser1 insistiu na ideia de um corte epistemológico no
interior do pensamento de Marx, a partir das teses sobre Feuerbach: se, até
a Sagrada família, a filosofia (materialista) constituía o fundamento de suas
análises, a partir de A ideologia alemã, tratar-se-á da ciência ou, mais
especificamente, a ciência da história: “conhecemos uma única ciência, a
ciência da história”2.

Nesse sentido, concordamos com Althusser ao se mostrar perspicaz


em sua análise sobre o percurso teórico de Marx, desde que não conceba
esse “corte epistemológico” como abandono ou supressão do papel da
filosofia, em vez de um “deslocamento”. Pois a descoberta da filosofia do
materialismo histórico, em A ideologia alemã, não significou um
desligamento de suas formulações filosóficas anteriores desde, em larga
medida, a sua tese de doutorado Diferença entre a filosofia da natureza de
Democrito e a de Epicuro, defendida em 18413. Mas, em verdade, podemos
dizer que significou um aprofundamento no seu pensamento,
concretizando-se na medida em que constatava teses, comparava premissas,
confrontava teorias e criticava os filósofos jovens hegelianos de esquerda
de sua época, até a primeira metade da década de 1840.

1
Citar Althusser de Por Marx.
2
Marx, K. A ideologia alemã, p. 86.
3
As implicações filosóficas emergidas a partir da diferença entre as teorias atomísticas de Demócrito e
Epicuro marcaram a concepção de mundo de Marx de tal maneira que: “as fundamentações econômicas
bem posteriores do ser social brotam em linha reta dessa oposição entre Epicuro e Demócrito”.
(LUKÁCS, Prolegômenos para uma ontologia do ser social, p. 207).

1
Michael Löwy, na obra A teoria da revolução no jovem Marx,
concorda com Althusser sobre o corte epistemológico no curso do
pensamento de Marx, mas, segundo ele, existe também um corte político,
além do epistemológico: “compartilhamos com Althusser a hipótese de um
‘corte epistemológico’ (e também, em nosso entender, político) que se
situaria à altura das Teses sobre Feuerbach e de A ideologia alemã”4.
Devemos verificar, a partir dessa obra de Michael Löwy, a maneira pela
qual acontece o “corte político” no interior da longa marcha teórica de
Marx, mas percebendo, simultaneamente, o sentido desse corte como
aprofundamento de uma teoria, no caso, da revolução.

A teoria da revolução no jovem Marx consiste em, brevemente,


defender a tese segundo a qual a transformação geral da sociedade se
emanaria pela autoemancipação do proletariado. Ou seja, Marx não
acreditava no mito burguês do salvador supremo muito vigente na história
da filosofia política em que um único indivíduo se colocaria acima da
sociedade para apaziguar e levar adiante o desenvolvimento e o progresso
histórico: “implícita ou explicitamente esse mito aparece na maior parte das
doutrinas políticas da burguesia em desenvolvimento: para Maquiavel, ele
é o ‘Príncipe’; para Hobbes, o ‘Soberano Absoluto’; para Voltaire, o
déspota ‘esclarecido’; para Rousseau, o ‘Legislador’; para Carlyle, o
‘Herói’”5. A emancipação do proletariado também não se associava à ideia
de uma ajuda “do alto”, como pensavam os socialistas utópicos
(proudhonismo) e as sociedades secretas (blanquismo).

Para Marx, somente o comunismo de massas como movimento do


proletariado contém o germe da revolução e o desvelamento da estrutura
social burguesa: “a própria natureza do proletariado e da revolução

4
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 42.
5
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 44.

2
proletária constitui o fundamento estrutural da teoria da autolibertação dos
trabalhadores”6. Pois: “para o proletariado, que não tem propriedade
privada (de meios de produção etc.), o ‘social’, o ‘público’ não precisa ser
encarnado por um Ser superior diante do particularismo dos indivíduos; ele
se torna imanente ao ‘povo’, apresenta-se como uma qualidade intrínseca
ao conjunto dos trabalhadores. Na medida em que não é proprietário e não
é conduzido pela ‘livre concorrência’, o proletariado pode escapar da
alienação política burguesa e de seus mitos” 7. De fato, analisar a sociedade
de forma material e imanente não poderia levar a conclusões
transcendentes no sentido dissolução da própria estrutura social vigente,
pois o elemento do fundamento negativo da sociedade se identifica
precisamente no ser da classe do proletariado, na medida em que ele nada é
e, no entanto, deve ser tudo8.

Contudo, devemos salientar que essa teoria da autoemancipação


proletária se inicia tímida e filosoficamente nos primeiros escritos de Marx,
em Crítica da filosofia do direito de Hegel, de 1843, continuando ainda no
terreno da filosofia em Manuscritos econômico-filosóficos, de 1844, até
receber sua formulação teórica mais completa somente de A ideologia
alemã, de 1848. Podemos afirmar que três fases constituem todo esse
percurso de Marx: (1ª fase) adesão ao “comunismo filosófico”; (2ª fase)
descoberta ainda filosófica do proletariado; e (3ª fase), por fim, a
descoberta concreta do proletariado revolucionário. Vejamos isso com
calma.

6
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 48.
7
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 48.
8
Como diz Marx: “a todos os estamentos, faltam, ainda, aquela grandeza de alma que, mesmo que por
um momento apenas, identifica-se com a alma popular, aquela genialidade que anima a força material a
tornar-se poder político, aquela audácia revolucionária que lança ao adversário a frase desafiadora: não
sou nada e teria de ser tudo”. (Marx, Crítica da filosofia do direito de Hegel – introdução, p. 161).

3
Em Os despossuídos, Marx procura identificar o interesse privado
com o egoísmo e mesquinhez. O Estado seria o maior representante do
interesse privado, pois sua existência burguesa não aboliu o direito à
propriedade privada, mas o efetiva e permite covardias tais como o roubo
das madeiras, muito descritas por Marx. Pois, se o Estado deve se constituir
pelo interesse geral da sociedade civil, como sustentá-lo diante do assalto
dos interesses privados que o subjulgam? Essa crítica pressupõe todo um
esquema político-filosófico dividida sumariamente em duas esferas: por um
lado, matéria, passividade, sociedade, interesse privado, burguês; por outro
lado, espírito, atividade, Estado, interesse geral, uma vez que: “a inspiração
desse esquema é essencialmente hegeliana (e, sem essa constatação
fundamental, estamos condenados a ver apenas truques de mágica)” 9. Essa
fase hegeliana se cessaria mais explicitamente na sua adesão ao comunismo
filosófico, a partir de Sobre a questão judaica, em 1843.

Em Crítica da filosofia do direito de Hegel, de 1843, Marx rompe


com o esquema hegeliano e critica a defesa de Hegel ao Estado prussiano,
mostrando que a universalidade do Estado é abstrata e alienada, de modo
que somente o povo seria concreto10. Daí sua posição principal passa pelo
questionamento da alienação do Estado e maneiras possíveis de suprimi-la.
Pois o problema central não seria senão: “a essência privada da sociedade
civil, isto é, seu individualismo atomístico, centrado na propriedade
privada, que funda a exteriorização do universal num céu político.” (critica
da filosofia do direito de Hegel). Com isso em vista que Marx defenderá a
democracia como regime que supera a abstração da sociedade civil pela
constituição da monarquia e estabelece o povo como resolução concreta:

9
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 59.
10
“Hegel parte do estado e faz do homem o Estado subjetivado; a democracia parte do homem e faz do
Estado o homem objetivado. Do mesmo modo que a religião não cria o homem, mas o homem cria a
religião, assim também não é a constituição que cria o povo, mas o povo a constituição”. (Marx, Crítica
da filosofia do direito de Hegel, p. 56)

4
Na monarquia o todo, o povo, é subsumido a um de seus modos de
existência, a constituição política; na democracia, a constituição mesma
aparece somente como uma determinação e, de fato, como
autodeterminação do povo. Na monarquia temos o povo da constituição;
na democracia, a constituição do povo. A democracia é o enigma
resolvido de todas as constituições. Aqui, a constituição não é somente
em si, segundo a essência, mas segundo a existência, segundo a
realidade, em seu fundamento real, o homem real, o povo real, e posta
como a obra própria deste último.11

Da crítica ao esquema hegeliano junto com a filosofia do direito de


Hegel, Marx encontra a concepção de comunismo filosófico em Sobre a
questão judaica.

Assim, como diz Michael Löwy: “Sobre a questão judaica é


essencialmente – na forma de polêmica com Bruno Bauer – uma crítica
radical da ‘sociedade civil moderna’, a sociedade burguesa (no sentido
atual da palavra) em seu conjunto, em todas as suas pressuposições
filosóficas, estruturas políticas e fundamentos econômicos”.12

A crítica da sociedade burguesa passa pela crítica dos Direitos


Humanos. Assim, a liberdade humana, por exemplo, é a liberdade como
propriedade privada, pois é o direito de fazer e promover tudo que não
prejudique a nenhum outro homem: “o limite dentro do qual cada um pode
mover-se de modo a não prejudicar o outro é determinado pela lei do
mesmo modo que o limite entre dois terrenos é determinado pelo poste da
cerca. Trata-se da liberdade do homem como mônada isolada recolhida
dentro de si mesma”13. A igualdade nada mais é que a lei vale igualmente
para todos, tanto para proteger, quanto para punir. Assim: “cada homem é
visto uniformemente como mônada que repousa em si mesma” 14. A
segurança, por sua vez, se reduz ao conceito de polícia: “no sentido de que
o conjunto da sociedade só existe para garantir a cada um de seus membros

11
Marx, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel, p. 56.
12
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 86.
13
Marx, K. Sobre a questão judaica, p. 49.
14
Marx, K. Sobre a questão judaica, p. 49.

5
a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade”15.
Desse modo:

Portanto, nenhum dos assim chamados direitos humanos transcendem o


homem egoísta, o homem como membro da sociedade burguesa, a saber,
como indivíduo recolhido ao seu interesse privado e ao seu capricho
privado e separado da comunidade. Muito longe de conceberem o
homem como um ser genérico, esses direitos deixam transparecer a vida
do gênero, a sociedade antes como uma moldura exterior ao indivíduo,
como limitação de sua autonomia original. O único laço que os une é a
necessidade natural, a carência e o interesse privado, a conservação de
sua propriedade e de sua pessoa egoísta.16

As teses dessa obra demonstram o comunismo filosófico de Marx


precisamente nas associações e definições por ele proferidas em relação a
sua crítica: o problema da sociedade burguesa, por exemplo, não se
concentra na ordem da produção, mas da circulação – o dinheiro, o
“negócio” etc. E seu maior pecado seria, para Marx, o egoísmo. Por sua
vez, no texto, Marx não destina a nenhuma classe social a capacidade da
verdadeira emancipação, isto é, a emancipação humana: “por toda a parte
trata-se apenas do ‘homem’, dos ‘homens’” 17. Daí a distinção entre
emancipação política e emancipação humana:

Toda emancipação é redução do mundo humano e suas relações ao


próprio homem. A emancipação política é a redução do homem, por um
lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente,
e, por outro, a cidadão, a pessoa moral. Mas a emancipação humana só
estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver
recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ser genérico na
qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu trabalho
individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver
reconhecido e organizado suas ‘forces propres’ [forças próprias] como
forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força
social na forma da força política”.18

Contudo, no mesmo ano de 1843, Marx elabora a introdução de


Crítica da filosofia do direito de Hegel, em que essa segunda parte “já

15
Marx, K. Sobre a questão judaica, p. 50.
16
Marx, K. Sobre a questão judaica, p. 50.
17
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 88.
18
Marx, K. Sobre a questão judaica, p. 54.

6
carrega a marca de Paris e a palavra proletariado aparece pela primeira vez
na obra de Marx”19. A revolução alemã não pode dispensar a condição da
emancipação humana universal própria ao proletariado, a classe que não
tem nenhum privilégio para defender, que é despossuída de todas as
qualidades reconhecidas na sociedade burguesa: a propriedade privada. Daí
porque seu sofrimento coincide com um sofrimento universal e, por isso,
sua revolução não pode ser outra senão uma “revolução radical [que] só
pode ser a revolução de necessidades reais” 20.

Embora o proletariado forneça a fonte material da transformação


geral da sociedade, Marx, em Crítica da filosofia do direito de Hegel –
Introdução, ainda não confia inteiramente na capacidade do que o
proletariado se obriga a fazer historicamente de acordo com seu ser, pois
identifica o pensamento filosófico como ativo que se apodera da massa
passiva: “a cabeça dessa emancipação [do homem] é a filosofia, o
proletariado é seu coração”21. Esse ponto demonstra bem o caráter
filosófico da concepção de comunismo em Marx, pois a contraposição
entre “cabeça, que é ativa, espiritual, idealista, política, livre, e o coração,
que é passivo, sensível, materialista, social, sofredor e ‘necessitado’
(submetido a carências)’”22 se torna essencial em sua teoria da revolução.

O coração pertencente ao sofrimento e à passividade está diretamente


associada a concepção feuerbachiana (Teses provisórias para a reforma da
filosofia), na qual o coração seria vítima da manifestação das paixões, dos
sistemas de sofrimentos, da carência enquanto dependência (de outro) e no
qual guarda a sensibilidade e a contemplação. “No começo de 1844”, diz
Michael Löwy, “o proletariado parisiense aparece aos olhos de Marx como

19
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 89.
20
Marx, Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução, p. 159.
21 21
Marx, Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução, p. 163.
22
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 92.

7
a expressão concreta, a ‘encarnação’ do parceiro feuerbachiano do
pensamento filosófico alemão: o coração ‘francês’ e ‘materialista’, com
suas ‘carências’ e seu ‘sofrimento’, que se opõe à atividade espiritual por
meio de um atributo essencial – a passividade”23. Assim, embora Marx já
formulasse uma teoria da revolução com o elemento material do
proletariado, este ainda que representante negativo da sociedade, tem
apenas um papel meramente passivo no processo de transformação geral da
estrutura social vigente.

Em Manuscritos econômico-filosóficos, também de 1844, Marx


adere definitivamente ao comunismo: “abandona a temática jovem-
hegeliana da ‘filosofia ativa’ e esboça uma análise econômica da condição
proletária. O escrito, porém, é ainda muito ‘feuerbachiano’, na medida em
que o esquema da crítica da alienação religiosa de A essência do
cristianismo é aplicado à vida econômica: Deus torna-se propriedade
privada e o ateísmo transforma-se em comunismo”24. Marx não se
posiciona sobre o caráter revolucionário do proletariado; ao contrário,
considera a classe somente alienada, devido ao seu trabalho alienado no
modo de produção capitalista.

Porém, Marx descobre o comunismo muito filosoficamente, de modo


que não o identifica ao proletariado. Em vez de um movimento de
autolibertação do proletariado, o comunismo seria a “apropriação efetiva da
essência humana pelo e para o homem”25. Nesse sentido, o sentido
revolucionário do comunismo capaz de superar toda a situação de alienação
do trabalhador se encontra na sua posição de negação da negação: “o
comunismo é a posição como negação da negação...”26. Na verdade, nesse

23
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 93.
24
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 121.
25
Marx, K. Manuscritos econômico-filosóficos, p. 105.
26
Marx, K. Manuscritos econômico-filosóficos, p. 114.

8
escrito, Marx não menciona quem pode superar essa situação da classe
trabalhadora, mas se limita a afirmar somente a figura do comunismo
enquanto estado geral da sociedade livre da alienação.

A terceira fase da teoria da autoemancipação revolucionária do


proletariado se inicia, pois, em Glosas críticas ao artigo ‘O rei da Prússia
e a reforma social. De um prussiano’, publicado em agosto de 1844. Marx
discute com Ruge sobre a potência da sublevação dos tecelões silesianos: o
prussiano menospreza o movimento dos silesianos porque diz faltar a alma
política na revolta. Ruge desempenha, pois, o seguinte raciocínio: quanto
maior a miséria, mais o intelecto político. Porém, Marx já demonstrou
quanto o intelecto político é incapaz de descobrir a fonte da miséria social –
a propriedade privada e sua relação com o Estado. Em verdade: “quanto
mais evoluído e geral é o intelecto político de um povo tanto mais o
proletariado – pelo menos no início do movimento – gasta suas forças em
insensatas e inúteis revoltas sufocadas em sangue” 27. Enquanto Marx
compreende o movimento dos trabalhadores silesianos como mais
consciente da essência do proletariado em relação aos trabalhadores
ingleses e franceses, Ruge aponta apenas sua insuficiência política, de
modo a, por isso, fracassar na revolta.

Concordando ou discordando de Marx sobre a análise da revolta dos


silesianos, importa-nos compreender seu percurso em sua teoria da
revolução no fato de que: “para Marx, a revolta dos tecelões significou a
confirmação das teses da ‘Crítica da filosofia do direito de Hegel –
Introdução’, com apenas uma exceção: o esquema ‘pensamento ativo-
proletariado passivo’... Por conseguinte, o artigo do Vorwärts retoma essas
teses à luz dos tumultos silesianos, mas, em contrapartida, abandona o

27
Marx, K. Glosas críticas ao artigo ‘O rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano’, p. 73-74.

9
esquema feuerbachiano”28. Tanto a retomada do tema da contraposição
entre revolução política e revolução social, dos Anais franco-alemães,
quanto a reinterpretação do papel do proletariado em relação a Crítica da
filosofia do direito de Hegel – Introdução se tornaram presentes nessa
discussão com Ruge. Enquanto este não vê sentido numa revolução social
sem alma política, Marx: concebe a revolução social como a verdade da
revolução política: “a revolução em geral – derrocada do poder existente e
a dissolução das velhas relações – é um ato político. Por isso, o socialismo
não pode efetivar-se sem revolução. Logo que tenha início a sua atividade
organizativa, logo que apareça o seu próprio objetivo, a sua alma, então o
socialismo se desembaraça do seu revestimento político”29. Isso porque
uma revolução política consiste apenas nos interesses de uma classe
politicamente privada, com objetivo de superar sua situação em relação ao
Estado: “a alma política de uma revolução consiste na tendência das classes
politicamente privadas de influência a superar o seu isolamento do Estado e
do poder. [...] Por isso, uma revolução com alma política organiza também,
de acordo com a natureza limitada e discorde dessa alma, um círculo
dirigente na sociedade às custas da sociedade” 30. Dessa maneira, Marx se
distancia explicitamente do esquema hegeliano, do comunismo filosófico e
do humanismo feuerbachiano e encontra seu porto seguro na atividade
revolucionária do proletariado.

Em A sagrada família, Marx critica Bruno Bauer e seus consortes a


partir da sua posição comunista mais consciente. Pois, além de identificar
no proletariado a missão histórica da transformação geral da sociedade,
Marx também sugere graus de consciência sobre a realização de sua
condição estrutural: entre “consciência primitiva” e “consciência clara”.

28
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 129.
29
Marx, K. Glosas críticas ao artigo ‘O rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano’, p. 78.
30
Marx, K. Glosas críticas ao artigo ‘O rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano’, p. 76-77.

10
Assim, o proletariado contém a representação negativa da sociedade
porque “nas condições de vida do proletariado estão resumidas as
condições de vida da sociedade de hoje, agunizadas do modo mais
desumano; porque o homem se perdeu a si mesmo no proletariado” e,
precisamente por isso, expressa na prática essa necessidade causada pelo
império da penúria absoluta, ou seja: “por causa disso o proletariado pode e
deve libertar-se a si mesmo”. Por consequência, essa autolibertação do
proletariado não pode se efetivar sem suprassumir as condições de vida
vigente: “ele não pode suprassumir suas próprias condições de vida sem
suprassumir todas as condições de vida desumana da sociedade atual, que
se resumem em sua própria situação”. Isso porque está no próprio ser do
proletariado a superação do modo de vida vigente: “Não se trata do que
este ou aquele proletário, ou até mesmo do que o proletariado inteiro pode
imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-se do que o proletariado
é e do que ele será obrigado a fazer historicamente de acordo com o seu
ser”. Contudo, essa tarefa histórica também depende de uma consciência
mais clara do que a consciência primeira do proletariado já obtém: “e nem
sequer é necessário deter-se aqui a expor como grande parte do proletariado
inglês e francês já está consciente de sua missão histórica e trabalha com
constância no sentido de elevar sua consciência à clareza completa” 31. Essa
visão consciente de Marx sobre a capacidade revolucionária do proletariado
demonstra bem sua posição da autolibertação proletária.

Não somente a consciência e o papel definido do proletariado se


destacam no texto A sagrada família, mas sobretudo as associações entre
comunismo massivo e trabalhadores. Em uma das críticas de Marx à
Crítica crítica se concentra na fantasia da redução da dinâmica da realidade
ao simplesmente pensamento. Quer dizer, a mudança da consciência e do

31
Marx, K. A sagrada família, p. 49.

11
pensamento sobre a realidade não altera em nada a opressão e a espoliação
da vida cotidiana dos trabalhadores; somente a prática objetiva pode
transformar esse modo de vida contra o ser:

Segundo a Crítica crítica, todo o mal reside apenas no modo de ‘pensar’


do trabalhador. É certo que os trabalhadores ingleses e franceses formara
associações nas quais não são apenas suas necessidades imediatas
enquanto trabalhadores, mas também suas necessidades enquanto
homens as que formam o objeto de seus mútuos ensinamentos e nas quais
se exterioriza, ademais, uma consciência bastante ampla e cuidadosa
sobre a força ‘monstruosa’ e ‘imensurável’ que nasce de sua cooperação.
Mas esses trabalhadores massivos e comunistas, que atuam nos ateliers
de Manchester e Lyon, por exemplo, não creem que possam eliminar,
mediante o ‘pensamento puro’, os seus senhores industriais e a sua
própria humilhação prática. Eles sentem de modo bem dolorosa a
diferença entre ser e pensar, entre consciência e vida. Eles sabem que
propriedade, capital, dinheiro, salário e coisas do tipo não são, de
nenhuma maneira, quimeras ideais de seu cérebro, mas criações deveras
práticas e objetivas de sua própria autoalienação, e que portanto, só
deveras práticas e objetivas de sua própria autoalienação, e que
portanto só podem e devem ser superadas de uma maneira também
prática e objetiva, a fim de que o homem se torne um homem não
apenas no pensamento e na consciência, mas também no ser massivo
e na vida32.

O comunismo de massa de Marx se relaciona diretamente ao


movimento dos trabalhadores diante de sua situação desumana contra a
sociedade burguesa:

A Crítica crítica os ensina que eles superam o capital real com o simples
domínio da categoria do capital no pensamento, que lês realmente
mudam, tornando-se homens reais, se mudarem seu ‘eu abstrato’ na
consciência, desprezando toda a mudança real de sua existência, quer
dizer, das condições reais de sua existência, portanto, de seu eu real como
se fosse uma mera operação acrítica. O ‘espírito’, que só vislumbra
categorias na realidade, naturalmente também reduz toda a atividade
humana e sua práxis a um processo de pensamento dialética da Crítica
crítica. E é justamente isso que diferencia o socialismo dela do
socialismo massivo do comunismo. 33

32
Marx, K. A sagrada família, p. 65-66.
33
Marx, K. A sagrada família, p. 66.

12
A classe operária não reclama por tomada de consciência de si de
forma abstrata, como quer o socialismo crítico, mas necessita do seu
próprio movimento comunista massivo, a força de sua autolibertação.

Essa prática objetiva do proletariado adquire sua maior consistência


teórica somente em Teses sobre Feuerbach. “Com efeito, se o Marx de
1842-1844 ainda se move no ‘campo ideológico’ do jovem hegelianismo e,
se o Marx de A sagrada família adere momentaneamente ao materialismo
do século XVIII, as Teses sobre Feuerbach constituem o projeto de uma
nova Weltanschauung [visão de mundo].”34. Vimos como a atividade
própria do proletariado se constitui o elemento ativo da emancipação.
Porém, até agora, Marx não explora bem a natureza dessa atividade.

Feuerbach quer objetos sensíveis [sinnliche Objekte], efetivamente


diferenciados dos objetos do pensamento: mas ele não apreende a própria
atividade humana como atividade objetiva [gegenstãndliche Tätigkeit].
Razão pela ele carrega, n’ A essência do cristianismo, apenas o
comportamento teórico como o autenticamente humano, enquanto a
prática é apreendida e fixada apenas em sua forma de manifestação
judaica, suja. Ele não entende, por isso, o significado da atividade
‘revolucionária’, ‘prático-crítica’. (Tese 1).

Essa prática revolucionária introduz a concepção de práxis


revolucionária: a atividade humana que transforma tanto a natureza quanto
o próprio homem. Um dos modelos de práxis se constitui pela atividade do
trabalho; mas este não porta um sentido amplamente política da atividade
revolucionária – até porque, é bom lembrar de Manuscritos econômico-
filosóficos, o trabalho é alienado no modo de produção burguês. Daí seu
avanço teórico sobre o materialismo francês:

A doutrina materialista sobre a modificação das circunstâncias e da


educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos homens e
que o próprio educador tem de ser educado. Ela tem, por isso, de dividir a
sociedade em duas partes – a primeira das quais está colocada acima da
sociedade. A coincidência entre a altera[cão] das circunstâncias e a

34
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 143.

13
atividade ou automodificação humanas só pode ser apreendida e
racionalmente entendida como prática revolucionária. (Tese 3).

A luta do proletariado contra o estado existente de coisas não


depende estritamente do desenvolvimento abstrato de uma consciência de
sua própria condição e sobre sua meta histórica da transformação da
sociedade, pois, se assim o fosse, uma pequena parcela esclarecida da
sociedade deveria ensinar a maior parcela da sociedade “carente de
conhecimento”, de modo a, partir disso, modificar a situação da injustiça
social generalizada. Ao contrário, pela prática revolucionária, os homens
modificam suas circunstâncias e, nessa medida, se autoeducam para
modificação nas novas circunstâncias emergidas nesse processo de
transformação da realidade e o proletariado, por sua vez, trabalha pela sua
autoemancipação. Daí por quê: “a categoria da prática revolucionária é o
fundamento teórico da concepção marxista da autoemancipação do
proletariado pela revolução”35. Essa prática revolucionária supera o
materialismo francês e todo o idealismo (socialismo utópico francês e o
socialismo científico alemão), precisamente por conceber o homem como
práxis, como agente condutor e agente conduzido pela realidade efetiva.

Nas Teses sobre Feuerbach, Marx revela as implicações filosóficas


de sua descoberta do elemento ativo da prática do proletariado em Glosas
críticas marginais ao artigo ‘O rei da Prússia e a reforma social’. De um
prussiano. Em A sagrada família, há um primeiro esboço de uma solução
dessa problemática teórica: “acredita poder compreender a atividade
revolucionária – que escapa visivelmente ao universo de pensamento
jovem-hegeliano – pelas categorias do materialismo francês do século
XVIII; mas, muito rapidamente, percebe que a prática revolucionária das
massas não pode ser inserida no quadro estreito da ‘teoria das

35
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 145.

14
circunstâncias’”36. Há, pois, um abandono do materialismo francês.
Contudo, o problema das Teses sobre Feuerbach está no esquecimento do
comunismo como movimento concreta da atividade das massas, ou melhor,
do proletariado. Isso aparecerá com mais clareza em A ideologia alemã.

Em A ideologia alemã, Marx e Engels apresenta a filosofia do


materialismo histórico. Nessa obra, demonstram clareza no lugar do
comunismo e do proletariado no horizonte da revolução social, pois,
conforme o materialismo histórico, somente o desenvolvimento das forças
produtivas com o intercâmbio entre os homens que surge necessariamente
uma classe capaz de superar toda a ordem existente, como diz Marx:

No desenvolvimento das forças produtivas advém uma fase em que


surgem forças produtivas e meios de intercâmbio que, no marco das
relações existentes, causam somente malefícios e não são mais forças de
produção, mas forças de destruição (maquinaria e dinheiro) – ligada a
isso, surge uma classe que tem de suportar todos os fardos da sociedade
sem desfrutar de suas vantagens e que, expulsa da sociedade, é forçada à
mais decidida oposição a todas as outras classes; uma classe que
configura a maioria dos membros da sociedade e da qual emana a
consciência da necessidade de uma revolução radical, a consciência
comunista, que também pode se formar, naturalmente, entre as outras
classes, graças à percepção da situação dessa classe.37

Com isso, se torna evidente que o comunismo é o movimento


revolucionário mediado pela consciência comunista da atividade prática
revolucionária do proletariado.

Mas por que o proletariado é a classe revolucionária? Proletariado


sofre de maneira universal, pois é uma “classe que tem de suportar todos os
fardos da sociedade sem desfrutar de suas vantagens” 38. Porém, diferente
de “Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução”, esse sofrimento
não tem mais aquela natureza passiva: a paixão do proletariado é
revolucionária e ativa: “a ‘preocupação’ floresce, em sua forma mais pura,

36
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 149.
37
Marx, K. A ideologia alemã, p. 41-42.
38
Marx, K. A ideologia alemã, p. 41.

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no bom burguês alemão, no qual ela é crônica e ‘sempre igual a si mesma’,
miserável e desprezível, ao passo que a necessidade do proletário assume
uma forma aguda e premente, impele-o à luta de vida ou morte, torna-o
revolucionário e, por essa razão, não produz ‘preocupação’, mas paixão”39.

Assim, distintamente comunismo filosófico dos Manuscritos


econômico-filosóficos, agora o comunismo é um movimento antes de tudo
prático, porque somente com uma revolução levada a cabo pelo
proletariado que essa nova sociedade pode se concretizar:

Tanto para a criação em massa dessa consciência comunista quanto para


o êxito da própria causa faz-se necessária uma transformação massiva
dos homens, o que só pode realizar por um movimento prático, por uma
revolução; que a revolução, portanto, é necessária não apenas porque a
classe dominante não pode ser derrubada de nenhuma outra forma, mas
também porque somente com uma revolução a classe que derruba detém
o poder de desembaraçar-se de toda a antiga imundice e de se tornar
capaz de uma nova fundação da sociedade”.40

É em A ideologia alemã, de 1846, que Marx formula sua teoria da


revolução como autoemancipação do proletariado. A classe do proletariado
pelo seu movimento prático, isto é, revolucionário e consciência comunista
tornará concreto a superação da dominação burguesa da sociedade. Com
essa obra de Marx que compreendemos melhor as palavras de Michael
Löwy: “a ideia central do ‘comunismo de massas’ de Marx é a
autolibertação das massas em direção à revolução comunista” 41. Pois
claramente Marx identifica o movimento comunista com o proletariado e
valoriza neste o seu elemento ativo da práxis política.

A partir de 1846, Marx passará a aprofundar essa teoria da revolução


pela sua teoria da luta de classes e a práxis política do proletariado, temas
desenvolvidos desde A ideologia alemã. Assim, em Miséria da filosofia, de

39
Marx, K. A ideologia alemã, p. 214-215.
40
Marx, K. A ideologia alemã, p. 42.
41
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 51.

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1847, Marx esboça brevemente a maneira pela qual o proletariado toma
consciência de si mesma:

As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa do país


em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma
situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, face ao
capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, [...] essa
massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses que
defende se tornam interesses de classe. Mas a luta entre classes é uma
luta política.42

É interessante notar a natureza da luta de classes: é uma luta, antes de


tudo, política. Desse modo, a formação da classe proletária não significa
imediatamente a luta de classes propriamente dita, isto é, em seu nível
político; somente na luta, isto é, na prática revolucionária, que o
proletariado se torna classe para si mesma e passam a defender os
interesses da própria classe, de uma forma eminentemente política. Assim,
com a unidade da consciência da classe não em seu nível imediato
econômico, mas no nível político que o proletariado transforma o estado de
coisas existentes na derrubada da burguesia, no qual é condicionado
simultaneamente pelo desenvolvimento histórico das forças produtivas e da
coalização entre a classe dos trabalhadores.

Em Manifesto do partido comunista, de 1848, Marx e Engels


consolidam a teoria da revolução da autoemancipação do proletariado, mas
acrescentam a discussão do papel do partido comunista dentro do partido
operário. Assim, nesse manifesto, esclarecem: “Na prática, os comunistas
constituem a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a
fração que impulsiona as demais; teoricamente têm sobre o resto do
proletariado a vantagem de uma compreensão nítida das condições, do
curso e dos fins gerais do movimento proletário”43. Nesse sentido, os
comunistas não constituem uma vanguarda esclarecida que se posiciona

42
Marx, K. Miséria da filosofia, p. 190.
43
Marx, K. Manifesto do partido comunista, p. 49.

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abstratamente do proletariado; ao contrário, os comunistas objetivam a
organização da classe operária no interior da singularidade do partido
operário, a fim de derrubar a dominação da burguesia (abolindo a
propriedade burguesa) e conquistar o poder político do proletariado. Para
tanto: “as proposições teóricas dos comunistas não se baseiam de modo
algum em ideias, em princípios inventados ou descobertos por este ou
aquele reformador do mundo. Elas não passam da expressão geral das
condições reais de uma luta de classes existente, de um movimento
histórico que se desenrola diante de nossos olhos”44.

Embora haja uma introdução peremptória do partido na luta do


proletariado, a práxis revolucionária permanece na teoria da revolução da
autolibertação. Isso porque os comunistas constituem, tanto teórico quanto
praticamente, a fração consciente da totalidade do movimento da luta de
classes, impulsionando a organização do proletariado: “para Marx, os
comunistas são uma vanguarda teórica e prática, duas coisas, aliás,
inseparáveis de seu ponto de vista”45. Desse modo: “ao propor a
organização da vanguarda no interior do movimento de massas, a
constituição do partido comunista no interior do partido operário Marx
queria evitar tanto os perigos do sectarismo utópico, isolado e à margem
das lutas operárias, quanto os da dissolução pura e simples dos comunistas
na massa proletária”46.

“As condições para a emergência da ideia de autoemancipação


podem ser de ordem conjuntural – uma situação revolucionária – ou
estrutural – a condição proletária. É a coincidência histórica das duas
ordens que a transforma em ideia-força das grandes massas populares”.

44
Marx, K. Manifesto do partido comunista, p. 49.
45
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 185.
46
Löwy, M. A teoria da revolução no jovem Marx, p. 187.

18
(Lowy, p. 46). Conferir Lukács, em História e consciência de classe, para
aprofundar essa citação de Lowy.

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