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Seminário URBFAVELAS 2016

Rio de Janeiro - RJ - Brasil

A PRODUÇÃO HABITACIONAL DO PAC-UAP NO RIO DE JANEIRO UM ESTUDO DE CASO


SOBRE A EXPERIÊNCIA DO COMPLEXO DO ALEMÃO

Nuno André Patrício (IPPUR UFRJ) - nunoandrepatricio@gmail.com


Arquiteto - Mestrando em Planejamento Urbano e Regional - Instituto Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional
UFRJ

Adauto Lúcio Cardoso (IPPUR UFRJ) - adauto.lucio@terra.com.br


Doutor em Arquitetura e Urbanismo - USP Professor Adjunto - Instituto Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional -
URFJ
A produção habitacional do PAC-UAP no Rio de Janeiro
Um estudo de caso sobre a experiência do Complexo do Alemão

RESUMO

O artigo analisa a evolução da produção habitacional nos primeiros projetos selecionados


pelo Programa de Aceleração do Crescimento - Urbanização de Assentamentos Precários
(PAC-UAP) no Rio de Janeiro, com foco particular no Complexo do Alemão. Propõe-se
uma análise dos projetos desenvolvidos no âmbito do projeto de urbanização do
assentamento, avaliando-se a evolução das soluções apresentadas em diferentes
momentos, desde os Projetos de Desenvolvimento Urbanístico (PDU) elaborados ainda
no âmbito do Programa Favela-Bairro, até às soluções adotadas no PAC-UAP e
posteriormente no Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Esta pesquisa foi
realizada através de uma análise exploratória dos documentos referentes aos projetos e
informações recolhidas em campo a partir de entrevistas com projetistas e gestores
públicos. A análise permitiu identificar as alterações que foram sendo realizadas nos
projetos, buscando compreender os fatores que determinaram a evolução dos tipos
adotados. A avaliação empreendida mostrou como uma estratégia inicial de implantações
dispersas no interior do assentamento e de tipologias desenvolvidas e adaptadas ao local
modificou-se para uma concentração em núcleos habitacionais na periferia do
assentamento e projetos padronizados. Com base nesta análise discute-se a política
habitacional e o papel/relações dos agentes envolvidos, a saber Estado, Construtoras, e
Projetistas.

1. CONTEXTUALIZANDO A ANÁLISE: Política para assentamentos precários no Brasil e


no Rio de Janeiro

A favela surge no Rio de Janeiro no final do século XIX, permanecendo “invisível”


(VALLADARES, 2005) para os poderes públicos durante algumas décadas, sendo
finalmente descoberta na década de 1930, quando aparecem as primeiras medidas
oficiais para o enfrentamento desse “problema”. Ao longo do tempo, as políticas públicas,
tanto no Rio de Janeiro quanto em outras cidades brasileiras, vão adotando diversos
enfoques, que vão desde a erradicação até o reconhecimento, passando pela “tolerância”
e pela manipulação eleitoral da “permissão para ocupar” e da política da “bica d’água”
(LEEDS & LEEDS, 1978; MEDINA, 1964). Na metrópole do Rio de Janeiro, o momento
mais dramático nessa história foi certamente a política de remoções, desenvolvida em
duas etapas: a primeira (1962-1965) sob a orientação do Governo do Estado da
Guanabara e a segunda já sob a égide do governo federal, através da ação da CHISAM
(Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana), órgão do Banco
Nacional de Habitação (BNH) voltado para a erradicação das favelas através da remoção
para conjuntos habitacionais situados em áreas periféricas da cidade (BURGOS, 2004) 1.

1
Cabe ressaltar que ainda durante o período em qua a CHISAM atuava no Rio de janeiro, outro órgão
governamental, ligado ao governo do Estado, a CODESCO (Companhia de Desenvolvimento de
Comunidades) desenvolvia a urbanização de 3 favelas, o que mostra a ambiguidade que acompanha a
postura do estado em relação ás favelas.
Todavia, já no final do período, o BNH iria interromper a política de remoção e iniciar um
programa de urbanização e de regularização fundiária, o PROMORAR. Com a extinção
do Banco, em 1986, o período subsequente mostrará uma progressiva perda de
centralidade da política habitacional na agenda do governo federal, cabendo nesse
momento aos governos locais a responsabilidade pelo desenvolvimento de ações que, em
linhas gerais caminharão no sentido do reconhecimento dos direitos de permanência das
populações de favelas, direito reconhecido e legitimado pela Constituição de 1988 através
do princípio da função social da propriedade.

A partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional de


Habitação, começa estruturar-se uma nova política habitacional, cujo primeiro ciclo vai
até 2007, com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Após um
período inicial de organização do Ministério e de discussões amplas envolvendo atores
diversos (movimentos sociais, empresários, representantes do setor público e
especialistas) foram produzidos documentos básicos para cada setor, publicados após
discussão e aprovação no Conselho das Cidades: os “Cadernos MCidades”2. O volume 4
apresentava a política de habitação que pressupunha três elementos fundamentais:
ampliar significativamente a produção de unidades novas, promover a urbanização das
favelas e outros assentamentos precários e criar condições para o desenvolvimento
institucional, principalmente do setor público, criando condições mais adequadas para a
participação dos atores responsáveis pela sua implementação.

Essas prioridades se mostram claramente na definição dos objetivos da Política Nacional


de Habitação (PNH):

- universalizar o acesso à moradia digna em um prazo a ser definido no Plano Nacional de


Habitação, levando-se em conta a disponibilidade de recursos existentes no sistema, a
capacidade operacional do setor produtivo e da construção, e dos agentes envolvidos na
sua implementação;

- promover a urbanização, regularização e inserção dos assentamentos precários à


cidade; (Cadernos MCidades, vol 4, p. 31)

Entre os componentes da Política Nacional de Habitação, são citados: a integração


urbana de assentamentos precários, ações de desenvolvimento institucional e produção
de habitação.

2
Os Cadernos não estão mais disponíveis no site do Ministério das Cidades, mas podem ser ainda
encontrados em https://erminiamaricato.net/cadernos-mcidades.
2. COMPONENTES DA POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO

2.1. Integração urbana de assentamentos precários

A necessidade de construção de uma política habitacional com foco na integração urbana


de assentamentos precários, especialmente na garantia do acesso ao saneamento
básico, à regularização fundiária e à moradia adequada, articulada a outras políticas
sociais e de desenvolvimento econômico, é essencial na implementação de qualquer
estratégia de combate à pobreza e perspectiva de sustentabilidade urbana. (Cadernos
MCidades, vol 4, p. 36)

A adoção explícita de um programa de urbanização de favelas no âmbito do governo


federal se configura como a consolidação das experiências desenvolvidas pelas
administrações municipais de um conjunto de cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo,
Santo André, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, entre outras. Além disso, a experiência
do Programa Habitar-Brasil-BID, desenvolvido pela Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano, ainda no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, irá
estabelecer alguns elementos básicos do modelo que será adotado pelo Ministério das
Cidades, particularmente no que diz respeito à articulação com ações de
Desenvolvimento Institucional e com a introdução mais forte do Trabalho Social.

A partir de 2005, será progressivamente adotada uma política de apoio a ações de


urbanização de assentamentos precários, desenvolvidos sob a responsabilidade dos
governos locais, principalmente dos municípios. Esse programa se consolida com a
aprovação pelo Congresso da lei de criação do SNHIS (Sistema Nacional de Habitação
de Interesse Social) e do FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social). Os
objetivos gerais da Política Nacional de Habitação se configuram no FNHIS na forma de 3
Programas: Urbanização de Assentamentos Precários, Produção de Unidades Novas e
Desenvolvimento institucional (apoio a realização de Planos Locais de habitação de
Interesse Social, etc.). Em 2006 foi aprovado um novo programa – Ação de produção
Social da Moradia, que permitia aos movimentos sociais acessarem diretamente os
recursos para produção de unidades em regime de autogestão. Com isso, ampliou-se a
demanda pela modalidade de produção de unidades novas. O SNHIS contou com
recursos na ordem de R$ 1 bilhão por ano, totalizando cerca de R$ 3,6 bilhões entre 2006
e 2008. Os resultados dos investimentos realizados no âmbito do FNHIS podem ser vistos
no quadro abaixo3.

3
Dados do Balanço do FNHIS, elaborado pela Secretaria Nacional de Habitação e apresentados na 13ª.
Reunião Ordinária do Conselho gestor do FNHIS, em 16/10/2009.
FNHIS - Distribuição dos recursos por porte dos municípios (2006-2008)

Faixa Populacional Modalidade Quant. VI (R$)


Total 1.086 264.364.684,13
Menor que 20.000 Hab HIS 1.058 235.094.806,80
UAP 28 29.269.877,33
Total 1.694 1.388.228.556,37
Entre 20.000 e 150.000 Hab HIS 1.512 586.084.187,96
UAP 182 802.144.368,41
Total 457 1.073.867.492,79
Entre 150.000 e 500.000 Hab HIS 325 163.509.058,38
UAP 132 910.358.434,41
Total 261 832.967.998,63
Maior que 500.000 Hab HIS 188 237.072.974,86
UAP 73 595.895.023,77
Total 3.498 3.559.428.731,92
BRASIL HIS 3.083 1.221.761.028,00
UAP 415 2.337.667.703,92

Fonte: Ministério das Cidades – Secretaria Nacional de Habitação

Em 2007, o governo federal lança o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),


como uma das estratégias para alavancar o crescimento, a partir de um pacote de
investimentos em infraestrutura. No âmbito do PAC, é incluído um grande programa de
urbanização de assentamentos precários, que realizou, na primeira etapa (PAC-1), um
investimento de R$ 20,8 bilhões para a urbanização de 3.113 assentamentos precários
em todo o país. Relançado em 2012, o PAC 2 irá contratar 415 novas ações em
assentamentos precários, que totalizam investimentos de R$ 12,7 bilhões, em 337
municípios de 26 estados. O grande aumento de recursos aplicados na urbanização de
favelas torna evidente a centralidade que a política de habitação passará a ter a partir de
2007

Se, por um lado, isso representou de fato uma mudança tratamento do problema das
favelas, ao mesmo tempo a intervenção em favelas foi inserida em um procedimento
administrativo que não previa a participação popular e o controle social4. Todo o processo
decisório de alocação de recursos e aprovação de projetos passa a ser feito pela equipe
da SNH e pela Caixa Econômica, gestora financeira dos empreendimentos contratados.

Como já foi referido, o Rio de Janeiro tem a favela como uma das marcas de sua história.
Da mesma forma, as políticas federais para as favelas tenderam a se concentrar no Rio,
seja pela anterior condição de capital do país, seja pela maior “representatividade” do
fenômeno nessa metrópole, seja ainda pelo fato de o Rio ser de alguma forma a “caixa de
ressonância” da nação. Mas também os governos locais buscaram de alguma forma atuar
sobre as favelas, alternando, de forma ambígua, atitudes de repressão ou de tolerância e,
algumas vezes, programas de melhoramentos, como foi o caso do período do SERFHA
(Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas) entre 1956
e 1960.

4
Conforme Balanço do PAC-2, disponível em http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/divulgacao-do-
balanco/balancos-anteriores, consultado em 25/07/2016.
Na década de 1980, após a brutal experiência de remoção massiva de favelas
empreendidas pelo governo Militar, e já no contexto da redemocratização, novos
programas de urbanização começam a tomar corpo na cidade. Foi marcante, nesse
sentido, a experiência da CEHAB no Governo Brizola (1983-1987) que estabeleceu os
princípios básicos de intervenção, buscando respeitar os limites e a implantação
urbanística do assentamento, criando vias de acesso e de circulação interna, permitindo
assim a passagem de veículos e ainda estabelecendo melhorias significativas de
infraestrutura e de equipamentos sociais. Em 1993, tendo a urbanização de favelas sido
reconhecida tanto na Lei orgânica quanto no Plano Diretor da Cidade (NUNES, 2012), a
prefeitura cria o programa Favela Bairro, que irá contar com recursos do BID e que se
manterá ao longo dos anos e governos que se seguem, até 2010, quando a prefeitura
lança um novo programa – o Morar Carioca.

O Favela Bairro tinha como objetivos a integração das áreas de Favela à cidade formal,
com implantação de serviços básicos, infraestrutura regularização de acessos viários e
regularização fundiária. (MENDES, I 2006). Foram realizadas intervenções no total de 147
Favelas. O programa foi considerado bem-sucedido, tendo sido “exportado” para outras
cidades, do Brasil e do exterior. Pode-se considerar que o projeto Habitar-Brasil/BID foi
um desdobramento do Favela Bairro, já que o BID buscou ampliar a experiência, dando-
lhe uma dimensão mais nacional. Originalmente esse programa era voltado para favelas
de porte médio e a partir dessa experiência inicial a prefeitura desenvolveu dois
subprogramas, o “Bairrinho”, dirigido para pequenas favelas e o “Grandes Favelas”
(Cardoso; Araújo; Coelho, 2007) cujo principal projeto foi desenvolvido para a favela de
Rio das Pedras, na região da Barra da Tijuca. Baseada nesta experiência, a prefeitura
desenvolveu uma nova abordagem para grandes favelas: os Planos de Desenvolvimento
Urbanístico (PDU).

"(...) depois disso de Rio das Pedras levou a uma consciência maior de se
criar um plano de desenvolvimento urbano, um PDU, que foi feito para o
Alemão como para Manguinhos. Que era um Plano macro, não era algo
imediatista, era um plano de gestão pública de 4 em 4 anos (...)"Entrevista 2

Na década de 2000 o Governo do Estado, começa interessar-se pela urbanização de


favelas, principalmente quando Luis Paulo Conde assume como Vice-Governador e
Secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente no governo de Rosinha
Garotinho (2003-2006), realizando, junto com o Instituto de Arquitetos do Brasil o
concurso de ideias para o projeto de urbanização da favela da Rocinha.

A prefeitura publica o PDU do Complexo do Alemão em Diário Oficial em 20 de dezembro


de 2006, um mês antes do anuncio do PAC. Conforme o preâmbulo que consta no
decreto, o Plano não era um plano de intervenção imediato, era um "(…) instrumento legal
na configuração espacial e sócio-econômica da área, através do controle do uso do solo,
do volume das edificações e da densidade populacional". (DECRETO Nº 27470/06

Quando é lançado o PAC, portanto, já havia alguns estudos em desenvolvimento, no


âmbito da prefeitura ou do governo do Estado, que permitiram que o Rio de Janeiro
pudesse receber uma parcela significativa dos novos recursos.
Cabe ainda ressaltar a importância de um aspecto dos projetos de urbanização de favelas
que será focalizado nesse texto: a produção de unidades. Embora os programas de
urbanização de assentamentos precários sejam tradicionalmente geridos pelos órgãos de
habitação dos governos, a intervenção se configura fundamentalmente, mais como uma
ação de provisão de infraestrutura do que efetivamente de habitação, em sentido estrito.
Trata-se de realizar obras referentes a sistema viário, contenção de encostas, drenagem,
e instalação de redes de saneamento e eletricidade, além da construção de equipamentos
de uso coletivo5. No entanto, para realizar essas obras é sempre necessário o
“desadensamento”, ou seja, a remoção de uma parte das habitações, e o reassentamento
de parte da população, para viabilizar a abertura do viário e a instalação das
infraestruturas. Além disso, muitas vezes é também necessária a retirada de população
que mora em áreas consideradas de risco (por exemplo áreas sujeitas a derrocadas).
Desta forma, um projeto que tem como principal referência a realização de obras de
infraestrutura acaba também implicando a construção de novas unidades para abrigar
essas populações (DENALDI, 2003). No caso do Favela Bairro, a Prefeitura combinou
ações de produção de novas unidades com as indenizações, que deveriam permitir às
famílias buscar moradias no mercado, em outros assentamentos, ou no próprio se fosse
viável.

O número de moradias a serem construídas para abrigar a população a ser reassentada é


frequentemente objeto de disputas. No caso do Favela Bairro, o BID estabelecia um limite
máximo, o que era contestado pelos técnicos da Prefeitura. De qualquer forma, é
consenso entre os técnicos do setor de que será necessário um certo grau de
reassentamentos, dependendo das condições locais e do projeto final. Existe ainda
alguma compreensão de que esses reassentamentos devem ser feitos preferencialmente
em áreas situadas no interior das favelas ou em sua periferia imediata. Esse é um tema
importante, pois, como veremos adiante no caso da urbanização do Complexo do Alemão
haverá uma permanente tensão em relação aos projetos para as novas unidades
habitacionais que viabilizariam o desadensamento.

A 28 de Novembro de 2007 o decreto nº 6.276 aprova o primeiro repasse de recursos


para projetos de urbanização de assentamentos precários. Na cidade do Rio de Janeiro
são cinco os projetos aprovados: Complexo do Cantagalo/Pavão/Pavãozinho, Complexo
de Manguinhos, Complexo do Alemão, Rocinha e Colônia Juliano Moreira. Exceto a
Colônia Juliano Moreira, onde o agente promotor foi a Prefeitura, em todos os outros foi o
Governo do Estado o responsável pelo projeto e pela obra. Embora, a gestão 2003-2006
já houvesse se interessado pelo assunto, o Governo do estado não dispunha de uma
estrutura técnica e institucional nem de experiência acumulada no campo da urbanização
de favelas, diferentemente do que ocorria com a Prefeitura do Rio.

5
Cabe ressaltar que algumas experiências no Brasil aliaram programas de urbanização com ações de
melhoramentos habitacionais, o que configura uma atuação mais abrangente. Não foi o caso do Favela
Bairro, já que a Prefeitura considerava que os melhoramentos ocorreriam como fruto dos investimentos
privados dos próprios moradores, não cabendo á Prefeitura qualquer atuação nesse setor.
Fig 1 - Localização das Intervenções PAC-UAP no Município do Rio de Janeiro:

"Eu acho que a escolha de ser usado em Favelas foi uma oportunidade, que
o PAC criou não vejo como não ser uma oportunidade política muito boa. Se
você pensar que tem ali 80 mil pessoas e pensar que você tem 30 a 40 mil
votos só focadas ali, é uma oportunidade política. Eu acho que a escolha foi
em função do PDU, já tinha um trabalho direcionado, tanto que o PAC,
entrou nessas duas áreas, falo dessas duas áreas, porque a Rocinha veio
depois, logo depois, meio a reboque" Entrevista 1

"Bem, o Rio tinha uma experiência o Favela Bairro, um programa exitoso


que correu mundo a fora, ou seja havia já um produzido, um elemento de
referencia , um solo adubado do qual partir, então evidentemente quando
surge o PAC como possibilidade de investimento muito maior dentro da
urbanização de Favelas, tanto que se chama, PAC -UAP PAC- Urbanização
de Assentamentos Precários, então , quando surge o Programa para Alemão
e Manguinhos já tinha a componente urbanistica não era só a habitação."
Entrevista 2

Outro fator apontado para a inclusão da urbanização de Favelas ser incluída no PAC é o
interesse do setor da construção civil em obras inéditas e de grande escala. Ao optar por
grandes intervenções sem precedentes seria possível ter maior controle no preço final das
obras, uma vez que não haveria a possibilidade de comparação de preços.

"Eu acho que as empresas, quando se falou em obras grandes, existiam


poucas obras com esses valores, e as empresas como era uma coisa inédita
diferente, tinham muitos itens novos, eles acharam que iam ter um conforto
muito grande." Fonte: Entrevista 3
A opção pelo Governo do Estado em detrimento da Prefeitura - que possuía corpo técnico
e mais informações sobre assentamentos precários - decorre do cenário pós-eleitoral de
2006. A prefeitura em 2007 tinha como prefeito César Maia que era oposição ao executivo
Federal e Estadual.

O PAC se apoiava em uma estrutura institucional conforme o quadro abaixo:6

Fig 2 Estrutura institucional do programa - Elaboração própria a partir de TRINDADE, Claudia 2012
No caso do Complexo do Alemão, o escritório MPU - Metrópolis Projetos Urbanos - foi
contratado por concorrência pelo Governo do Estado para desenvolver o projeto
básico7.O vencedor da licitação de obra foi um consórcio de grandes empresas da
construção civil denominado Consórcio Rio Melhor (Consórcio), na qual se incluem as
construtoras Norberto Odebrecht (Líder), Construtora OAS e Delta Construções 8.

Cabe ressaltar que uma vez licitada a empresa construtora, cabe a esta a
responsabilidade pelo desenvolvimento do projeto executivo, a partir do projeto básico
desenvolvido pelas empresas de projeto, sob a gerência do órgão estadual. É nesse
momento – do projeto executivo- que decisões cruciais são tomadas, particularmente no
caso da urbanização de favelas, em que o nível de imponderável na execução tende a ser
bastante maior do que no caso de projetos de obras novas ou mesmo em áreas mais
consolidadas da cidade.

6
Para maior detalhe sobre a estrutura do PAC-UAP ver TRINDADE, Claudia 2012 "Não se faz omelete
sem quebrar os ovos" Política Pública e Participação Social no PAC Manguinhos - Rio de Janeiro Tese
(Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento
de História
7
http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/200/nova-morada-191210-1.aspx
8
https://www.crea-rj.org.br/blog/construtoras-retomam-as-obras-do-pac-no-complexo-do-alem%C3%A3o/
3. O CASO DO COMPLEXO DO ALEMÃO

3.1. Território e Projetos PAC-UAP - Breve contextualização

Não sendo o objetivo do artigo uma caracterização exaustiva do território faz-se


necessário uma resumida descrição contextual.9 O Complexo do Alemão é um bairro
situado na zona norte do Rio de Janeiro e oficializado como bairro pelo município em
1993, no entanto é comumente caracterizado como um conjunto de favelas.

Fig 3 - Localização do Complexo do Alemão e divisão territorial - Elaboração própria a partir de IPP e
Projeto Básico

9
Para uma caracterização mais completa consultar entre outros: RODRIGUES. R.I.& COUTO, P.B.,Rute
Imanishi "A gramática da moradia no Complexo do Alemão: história, documentos e narrativas." IPEA-
FAPERJ; "Vida social e política nas favelas : pesquisas de campo no Complexo do Alemão / Rute Imanishi
Rodrigues (org) IPEA, 2016; SILVA, Heitor "Política e estruturação do território: PAC e UPPs no Complexo
do Alemão" Tese de doutorado IPPUR-UFRJ 2015
A identificação "Complexo do Alemão" é recente coexistindo com outras identificações
não reconhecidas pelo poder público. O bairro enquanto região administrativa abrange
uma área de 296 hectares e segundo censo do IBGE de 2010 contava com uma
população de 60.583 habitantes. No entanto, o Censo Favela (Março 2010) feito pela
EGP (Escritório de Gerenciamento de Projetos do Governo do Estado) apontava para
uma estimativa superior de 89.912 habitantes. O bairro tem como limites a Serra da
Misericórdia a Noroeste, Bairros de Olaria e Ramos a Norte e Nordeste, Bonsucesso a
leste e Inhaúma a Sul/Sudeste. (RODRIGUES. R.I.& COUTO, P.B. 2013)

Por volta dos anos 20 do séc.XX predominava o casario disperso entre usos agrícola e
uma estrutura fundiária de grandes propriedades. A partir dos anos 30 começam a
instalar-se na região diversas indústrias (Curtume Carioca, Coca-Cola, Fábrica de Papel
Tannuri, Tecidos Esperança). A abertura da Av.Brasil reforçou a concentração de
indústria e nos anos 80´s a região era considerada o principal pólo industrial do Rio de
Janeiro. O setor fabril atraiu mão de obra sendo um fator determinante para o crescimento
populacional do território, que, com o consentimento e/ou inação por parte do Estado, foi
gerando o atual complexo de favelas. (PDS - Complexo do Alemão) (SILVA,H 2016).

A ocupação e adensamento vão sendo graduais ao longo do tempo, primeiro com a


venda de lotes para habitação e ocupações de lotes, posteriormente vendidos para
Associações de Moradores. Também se registram invasões coletivas e ocupações
consentidas em terras públicas através do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos
Comerciários que havia comprado terrenos na região. Outra lógica de acesso é via
trabalho através de loteamentos organizados pelas indústrias locais.

Ao longo da década de 80 e 90 o rearranjo produtivo decorrente da globalização e a crise


socioeconômica brasileira resultaram num processo de desindustrialização da região.
Estima-se que se tenham perdido cerca de 20.000 postos de trabalho na região. A crise
econômica, a omissão por parte do Estado e o fortalecimento do poder paralelo dos
narcotraficantes que disputam o domínio pelo território, retroalimentam-se. O Complexo
do Alemão é midiatizado como símbolo da violência carioca, cenário que se agrava
progressivamente culminado na ocupação militar do território (também ela fortemente
midiatizada) e instalação da UPP(Unidade Policia Pacificadora).

3.1.2. Resumo das intervenções do PAC-UAP

Embora a Prefeitura também tenha atuado no âmbito do PAC, o foco desta análise são as
intervenções a cargo do Governo do Estado. O resumo aqui apresentado pretende
apenas contextualizar a produção habitacional no programa, não sendo objetivo avaliar
aqui as componentes de participação da população, trabalho social entre outras
dimensões.10 O repasse do Governo Federal é realizado em Novembro de 2007, (Decreto

10
Para maior detalhe sobre a avaliação do PAC Complexo do Alemão consultar_ Vida Social e
Política nas Favelas pesquisas de campo no Complexo do Alemão RODRIGUES, Rute (org) et all IPEA
2016; e Política e estruturação do território: PAC e UPPs no Complexo do Alemão SILVA, Heitor (Tese)
IPPUR/UFRJ 2015
nº 6.276) e as obras começam um ano depois em Novembro de 2008. Para uma
periodização da implementação do programa são de referir os seguintes momentos: as
eleições municipais de Outubro de 2008 que alteram a relação com a prefeitura passando
esta a estar alinhada politicamente com o Governo Estadual e Federal. Este fator será
importante no decorrer do projeto, sobretudo na articulação com a Secretaria de
Urbanismo responsável pelas aprovações de projetos. Outro evento importante serão as
chuvas de 5 e 6 de Abril de 2010 que resultam em deslizamentos de terra, destruição de
casas e famílias desabrigadas.

"As chuvas ressignificaram a questão da moradia no programa e na arena


política. As unidades habitacionais, ao mesmo tempo que se tornaram
moeda de troca, materializaram o direito à moradia. Sujeitos até então
esquecidos tornar-se-iam peças fundamentais no jogo da política eleitoral."
(OLIVEIRA,Bruno 2016)

Cabe referir o calendário eleitoral, uma vez que o PAC-UAP se encaixa precisamente
entre as eleições de 2006 e 2010, o que resultou numa pressão para o projeto possibilitar
inaugurações e articulações do tipo clientelista. Estas articulações "promoveram um
gestor territorial a vereador e reelegeram o governador" (OLIVEIRA,Bruno 2016). Esta
contextualização ilustra o caráter de urgência com que os projetos passaram à fase de
obra o que leva os envolvidos a caracterizarem o PAC como "rolo compressor".

"É inegável. Tem que inaugurar, tem eleição chegando, eleição no Estado,
eleição Federal, não só municipal. Às vezes eleições de algumas
associações. Alguns foram se reelegeram, nesse processo todo. (...) A
questão desse planejamento que não houve, é que alguns projetos tiveram
que ser em maioria junto com a obra. E ai é inegável que vai ter o rolo
compressor." Fonte: Entrevista 1

A intervenção tinha como objetivo "Planejar e implementar de forma integrada as políticas


públicas, executar obras de urbanização e desenvolver social e economicamente as áreas
consideradas socialmente de risco " descrevendo dez eixos de atuação: acessibilidade,
mobilidade, habitação, saneamento, educação, cultura, esporte, lazer, geração de
empregos e meio ambiente. 11. Cabe ressaltar que o investimento não se restringe a
obras. Do total de investimentos de R$764 milhões anunciados cerca de 13%,
(R$101.721) correspondem a Trabalho Social (2.32%), Projetos (1,33%), Regularização
Fundiária (0.98%), Alojamento Provisório (0.15%) e ainda duas parcelas significativas de
Assistência Técnica ( 2.42%) e Serviços Preliminares (6.11%).

11
O resumo aqui descrito baseou-se em informações do Governo do Estado do Rio de Janeiro._Noticia
"Estado inaugura novas unidades habitacionais no complexo do alemão" Disponível em http://www.rj.gov.br
acessado em 27/07/2016, na apresentação inicial do PAC disponível em <
http://www.chs.ubc.ca/consortia/events/E-20080916/GovernoRJ-Complexo_do_Alemao.pdf> Acesso: Julho
de 2016 e nos mapas do PDU e Projeto Básico disponíveis em
http://www.jauregui.arq.br/favelas_alemao.html
Contrução de Unidades
de Relocação O Teleférico corresponde a um terço
8% Compra Assitida do total do investimento. Além do custo
13% 4%
Teleférico desta parcela isolada teríamos que
8% associar recursos de Infraestrutura
3% Infraestrutura urbanística
Urbanística, bem como de demolições
3%
33% Indenizações e indenizações à construção do
28% Equipamentos Sociais teleférico uma vez que parte da
abertura de vias, e consequentes
Demolições
remoções de casas existentes, se
Ações não Físicas relacionam com a necessidade de
Fig 4 - Divisão do investimento por ações Elaboração própria a acesso aos pilares do teleférico. O
partir de dados do Governo do Estado "Teleférico" não constava no PDU que
propunha "uma rede estrutural de sistema viário", um sistema de vias pedestres e
ciclovias, complementada por "um sistema de ônibus articulando as centralidades,
conectando o Complexo também ao metrô" (Decretonº27471/2006). O Teleférico tem
como referencia a experiência colombiana de Bogotá e Medellín, sendo legitimado tanto
pelos projetistas como pelos responsáveis políticos pelo caráter simbólico e "re-
significador" do lugar. (IPEA 2010)

Na fase de Projeto Básico os equipamentos sociais, embora mais concentrados do que o


previsto no PDU estavam ainda assim dispersos no território (ver Fig5). Os depoimentos
recolhidos relatam que após licitação da obra, o projeto básico foi sendo alterado por
solicitação do Consórcio quando os projetistas já não estavam contratualmente vinculados
ao Governo do Estado, mas subordinados ao Consórcio.

"(…)a verificação desses custos começaram a inviabilizar todos esses


projetos. Então um artifício levado ao governo do Estado pelo executor era
levar esses equipamentos para dentro das estações, então você hoje olha o
resultado final da intervenção do Alemão no território, nós temos o teleférico,
é muito marcante, a abertura das vias, não só ao teleférico, mas aos pilares,
e os equipamentos ficaram nem digo fragmentados, eles ficaram
rarefeitos(…)"Fonte: Entrevista 1

Pesquisas feitas no território mostram uma crítica à precariedade de execução de obras,


entre elas a infraestrutura e sistema viário inacabados, demolições incompletas que
possibilitaram reocupações, falta de participação real da população no projeto com
consequente defasamento entre as demandas da população e as intervenções, bem
como uma desarticulação e caráter clientelista/eleitoralista da atuação do poder público.
(SILVA, Heitor 2015) (MESQUITA, Wania 2014) (OLIVEIRA,Bruno 2016). A opção por
uma obra "emblemática" funcionou com um concentrador de recursos que maximizou a
visibilidade da intervenção em detrimento das transformações sócio-urbanisticas que
almejava o programa. Em pesquisa realizada a moradores, 74% afirmaram que os
recursos poderiam ter sido usados noutras áreas apontando educação, saneamento
básico e saúde como principais carências. (SANTOS, Lidia 2014)
Fig 5 - Intervenções do PAC-UAP no Complexo do Alemão - Elaboração própria a partir do Projeto Básico e
Projetos Legais de Arquitetura e Urbanismo
3.2. Inserção - Da distribuição equitativa à concentração espacial

A inserção urbana que consta do PDU previa áreas de adensamento habitacional


distribuídas no interior do território. Estas áreas deveriam estar articuladas com a
implantação de equipamentos reforçando ou formando centralidades no território.

"Art. 8.o Em cada uma das áreas populacionais e espaciais dos Setores
Urbanos – SU, estão previstas áreas para instalação dos Centros
Setoriais – CS, (…)"
"Art. 9.o Na periferia imediata destes Centros Setoriais – CS, serão
associadas áreas de adensamento contendo diversas tipologias
habitacionais novas, com a finalidade de permitir o re-assentamento
dos usuários deslocados pelas necessidades espaciais de locação dos
Centros Setoriais e das áreas necessárias a passagem de vias
componentes do novo sistema viário" (Decreto Nº 27470/06)

A Fig6 pretende ilustrar a diferença da lógica de inserção proposta no PDU em 2006 e os


empreendimentos que de fato foram executados, pelo PAC-UAP e posteriormente
PMCMV.

Fig. 6 - Evolução da inserção dos empreendimentos - Elaboração própria a partir dos mapas do PDU e
Projeto Básico e Projetos Legais de Arquitetura e Urbanismo
No terreno da Av.Itaóca 1174 ("D" na Fig6) funcionava um depósito da empresa de
remoção de entulhos "Terra Prometida" sendo o primeiro núcleo habitacional a iniciar a
obra em Abril de 2008, seguido em Maio de 2008 pelo terreno da "1833" ("F" na Fig6).
Em Abril de 2009 inicia-se a construção dos dois blocos situados na Rua Pedro Avelino,
"Adeus" ("C" na Fig6), que se localizam dentro da AEIS sendo o núcleo habitacional que
melhor se insere no território. Em Junho de 2009, inicia-se a construção do conjunto
habitacional da "POESI" localizado na a encosta leste do vale da Estrada do Itararé em
terreno anteriormente ocupado pela "Fábrica de Lingerie Poesi" cujos galpões foram
implodidos em Dezembro de 2008. Embora se insira dentro da AEIS, veremos mais
adiante como a implantação do empreendimento não se articula com a comunidade. Já
após as chuvas de Abril de 2010 se começa a construir o último núcleo habitacional do
PAC-UAP, nos terrenos da antiga fábrica Helio Gás que se localiza próximo da Estrada do
Itararé do lado oeste, fora da AEIS, ou seja, inserindo-se em área "formal".

A produção habitacional do PAC-UAP não solucionou a situação habitacional de muitas


famílias que permaneciam em aluguel social provisório, seja devido às remoções em
virtude das próprias obras do PAC, ou devido à situação de desabrigo resultante das
chuvas de 2010. É de referir que parte das unidades habitacionais produzidas foram
destinadas a alojar moradores de Manguinhos. Em Outubro de 2010 para lidar com a
população vitima das chuvas o Governo do Estado aproveita então o PMCMV e compra
dois empreendimentos, o "Residencial Acácias" e "Residencial Palmeiras" (582
apartamentos) que estavam a ser concluídos fora do âmbito do PAC na Estrada do Itararé
nos antigos terrenos da fábrica Coca-Cola.12 Em Janeiro de 2014, 1.338 famílias do
Alemão continuavam em aluguel social, juntamente com outras 400 famílias que estariam
sendo cadastradas no mesmo período.13

Após conclusão do PAC o Governo do Estado recorre ao PMCMV para complementar a


produção habitacional para alojar famílias do Alemão e de Manguinhos que recebiam
aluguel social, contratando a empresa Bairro Novo Empreendimento Imobiliário S/A -
pertencente ao Grupo Odebrecht 5 empreendimentos. Todos estes empreendimentos se
localizam ao longo da Av.Itaóca. Até à data, apenas dois conjuntos tinham sido entregues:
o condomínio "Jardim Canário" e o condomínio "Jardim Beija-Flôr". No lado Oeste do
terreno da "1174", que funcionou como canteiro de obras e canteiro social, esteve prevista
a construção de uma grande área de lazer. Esta intenção foi abandonada e o terreno foi
destinado ao condomínio "Jardim Canário" ("E" na Fig 6) inaugurado em 2014. O
condomínio "Jardim Beija-Flôr" foi construído nos terrenos da antiga fábrica Skol ("G" na
Fig 4).

Como é possível verificar na Fig 6, os terrenos onde foram executados os núcleos


habitacionais situam-se predominantemente na parte baixa do território ao longo dos
eixos viários Av. Itaóca e Estrada do Itararé em terrenos relativamente planos. Apenas

12
Estes dois empreendimentos só serão analisados na componente de inserção urbana e implantação uma
vez que não foi possível ter acesso ao projeto legal dos mesmos.
13
Segundo coordenadora do PAC-Social Ruth Jurberg
_http://www.rj.gov.br/web/seobras/exibeconteudo?article-id=1917385
dois terrenos têm topografia mais acentuada, o terreno da "Poesi" ("A" na Fig4) e o
terreno do "Adeus" ("C" na Fig4). Esta área é caracterizada por ter terrenos de grandes
dimensões onde estavam instaladas antigas fábricas que o Governo do Estado
desapropriou. Se no PDU se propunha uma distribuição equitativa no interior da AEIS
(Área de Espacial Interesse Social) no Projeto Básico é visível a tendência para
aglomeração da produção habitacional, concentrando-se ou dispondo-se ao longo dos
eixos. Quando questionados sobre as diferentes opções, os envolvidos nos programas
tendem a concordar que a solução de uma inserção dispersa seria mais adequada, tanto
que durante o processo se tentou viabilizar este tipo de solução.

"A gente tentou fazer dois bloquinhos lá no Adeus, provocado também pela
oportunidade que no Adeus tinha uma área vazia, as remoções abriram uma
área ainda maior, mais vazia no entorno da estação. Teve uma proposta de
se colocarem dois bloquinhos lá em cima, como lá em baixo (Rua Pedro
Avelino), que depois foi freado." Fonte: Entrevista 1

Os depoimentos apontam duas ordens de fatores: o gerenciamento da obra e a oferta de


terrenos. No entanto estes fatores aparecem normalmente como uma pressão por parte
do consórcio com o respaldo político do Governo do Estado.

"(...) A otimização da obra, muito melhor num núcleo habitacional, e a oferta


de terrenos era nessas áreas, dessa herança [usos industriais], desses
terrenos. A POESI é emblemático, a fábrica de tecidos.(...)há uma pressão,
ou uma indicação que tem que ser assim. Foi também, de se ter que
construir em aglomerados de se construir em núcleos, porque para a obra
isso é notório a gente sabe, não para o projeto, para a obra é melhor, do que
fazer dois bloquinhos lá no adeus. (...)Por uma questão logística, teve
também questões políticas, então é assim, infelizmente o PDU, foi feito
corretamente, mas as políticas publicas esbarram nos interesses dos
políticos e econômico. Então infelizmente foi isso. (...)" Entrevista 1
3.3 Implantação

Fig 7 - Empreendimentos na Av. Itaóca 1174 Planta de Implantação e informações

Núcleo "D" - "1174"

Fig 9 - Análise do acesso ao núcleo habitacional - Elaboração própria a partir de Google Street View

A implantação do primeiro núcleo


habitacional construído pelo PAC
caracteriza-se pela abertura de um
logradouro público que conecta a Av.Itáoca
à Rua Ozéas Mota. Esta via divide o lote,
sendo que no lado norte se implantou o
Centro de Geração de Trabalho e Renda e
do lado sul 10 Blocos habitacionais
Fig 8 Vista aérea do conjunto em 2009 ainda sem os dois agrupados em pares. A grande maioria do
Blocos "H" construídos nos fundo do lote. espaço livre é de acesso público com a
Fonte: www.jauregui.arq.br
exceção dos pequenos pátios entre cada
par de blocos, resultando numa quebra de uma quadra de grandes dimensões,
favorecendo assim a permeabilidade.

A implantação promove a relação dos edifícios com os espaços públicos ao alinhar um


par de blocos ao longo da Rua Ozéas Mota compondo a fachada urbana desta via
valorizando o papel da rua enquanto gerador de sociabilidade e articulação entre os
moradores do núcleo habitacional e do entorno. Os fundos deste conjunto de edifícios
compõem, com os restantes blocos dispostos perpendicularmente, um espaço de lazer
entre a massa edificada e o novo espaço público. Esta área de lazer dá acesso às vias
pedestres que fazem a distribuição para espaços semi-públicos de acesso aos edifícios
de habitação, ou seja, espaços de acesso público majoritariamente de uso a moradores.

Segundo os projetistas o fator determinante para a implantação setorizada em duas


grandes "zonas" - "zona habitacional" e "zona do equipamento" - se deveu ao processo
burocrático de desapropriação do terreno uma vez que o lado da "zona habitacional" ficou
disponível para construção mais rapidamente enquanto que no setor onde se implanta o
equipamento social o processo foi mais demorado.

A articulação do terreno com o entorno verifica-se na relação com a Rua Ózeas Mota e a
abertura da via para a Av.Itaóca, no entanto a relação com a restante quadra permanece
estanque através de muros ou barreiras. Uma vez que todo o terreno é considerado
público nada impediria a abertura de acessos dos lotes do entorno ao novo espaço criado
o que reforçaria a articulação com o entorno. No entanto, esta solução não foi possível
devido à inserção do terreno em local fora da AEIS e da área de intervenção do PAC o
que não permite que o entorno dos conjuntos habitacionais seja alvo de urbanização. Isto
reforça a ideia de "ilha" habitacional e
Fig 10 - Blocos "H" ( à esquerda) construídos no fundo do
lote ser articulação com núcleo inicial (à direita) Fonte: desarticulação entre projeto de
Divulgação PAC (2012) urbanização e produção habitacional.

Entre 2011 e 2012 são construídos dois


Blocos "H" no fundo do lote na divisa com
o canteiro de obras e onde posteriormente
seria construído o Condomínio "Jardim
Canário". Estes dois edifícios são
dispostos perpendicularmente à via
interna, não havendo uma conexão com o
restante núcleo habitacional.

Fig 11 - Blocos "H" em primeiro plano com núcleo original em segundo plano.
Fonte: Divulgação PAC (janeiro 2012)
Núcleo "E" - Condomínio "Jardim Canário"

Fig 12 - Análise do acesso ao Condomínio "Jardim Canário" - Elaboração própria a partir de Google Street View

A implantação desenvolve-se ao longo de


uma via interna privada ao Condomínio que
conecta a Av.Itaóca com a Rua Ozeas Mota,
localizando-se no lado norte desta via 3
blocos de edifícios que se dispõem ao longo
da geometria irregular do polígono que limita
o terreno. A sua disposição resulta do
aproveitamento máximo da área de
implantação respeitando o afastamento legal
Fig 13 - Condominio "Jardim Canário" Espaço de lazer de 3 metros face às divisas.
Fonte: Caixa - Créditos da imagem Wendel Pires

O espaço de lazer entre estes três blocos


resulta assim do espaço sobrante da sua implantação. Os outros dois blocos dispõem-se
paralelamente à Av.Itaóca, no entanto os acessos aos blocos são feitos através da via
interna. Os espaços livres que resultam do afastamento obrigatório por lei entre edifícios e
afastamentos das divisas não receberam tratamento paisagístico que incentive o seu uso.
A solução de condomínio totalmente murado e cercado, e de acesso restrito a moradores
impossibilita a articulação com o entorno não tomando partido da situação privilegiada de
esquina do terreno,
Fig 14 - Núcleo Habitacional na Rua Pedro Avelino Planta de Implantação e informações

Núcleo da Rua Pedro Avelino - "Adeus"

Fig 15 - Análise da relação com o entorno - Elaboração própria a partir de Google Street View
Os dois blocos estão implantados num platô que resulta da contenção necessária para a
abertura da via de acesso à Estação de Teleférico do Adeus. A partir deste platô os
espaços de lazer desenvolvem-se escalonadamente adequando-se à topografia do local,
conectados entre si por escadarias e rampas. É perceptível, sobretudo nas divisas norte e
este, a dificuldade de implantação de uma tipologia "padronizada" de edifício a um terreno
íngreme originando cortes e aterros que resultam de barreiras físicas e espaço livre
ocioso. Ou seja, não existiu uma integração entre projeto arquitetônico e urbanístico que
permitisse resolver a topografia de forma mais adequada.

Apesar dos fundos do lote por conta da contenção do terreno não possibilitarem a
permeabilidade face ao entorno, a sua testada é ocupada por uma quadra de futebol
pública o que oferece a possibilidade de sociabilidade e integração com a malha urbana
existente. O espaço entre os dois edifícios compõe um espaço de lazer semi-público de
usufruto dos moradores.
Fig 16 - Núcleo Habitacional na Av. Itaóca 1833 e Condomínio "Jardim Beija-Flôr" - Planta de Implantação e
informações

Núcleo Av.Itaóca nº1833

Fig 17 - "1833"- Análise da relação com o entorno - Elaboração própria a partir de Google Street View
O conjunto caracteriza-se pela pouca
dimensão (50m) da testada na Av.Itaóca e
desenvolvimento longo no sentido
perpendicular (330m). O fundo do lote é
caracterizado pelo alargamento do terreno
sendo a divisa feita em aclive com a Faixa
Marginal de Proteção do Rio Timbó. No
sentido de resolver o acesso foi projetada
uma via interna que termina em "cul-de-
sac"14. A opção dos projetistas era de não
restringir o acesso e criar na frente do lote
Fig 18 - Vista Aérea do conjunto
Foto:Divulgação EMOP um espaço de lazer público, no entanto foi
erguida uma cerca resultando assim num espaço ocioso. As restantes divisas são
muradas e segundo os envolvidos, utilizou-se o artificio de formalizar o conjunto como
condomínio para facilitar o processo de aprovação. A implantação dos edifícios realiza-se
de duas formas: 7 edifícios do tipo "H", dispostos perpendicularmente ao longo da via
interna, e uma segunda lógica nos fundos do lote, com a implantação de 5 edifícios do

14
"cul-de-sac" é uma tipologia de rua sem saida com balão de retorno.
tipo "pré-moldado" em fita, que se
distribuem ao redor do "cul-de-sac". A
aglomeração dos edifícios em fita, em
redor do "cul-de-sac" e os espaços de
lazer desta zona apesar de bastante
segregados da rua conformam ainda assim
um espaço de sociabilidade entre
Fig 19 - Disposição do edifícios em fita no fundo do lote. moradores. De referir ainda a falta de
Foto do autor tratamento paisagístico do fundo do lote na
divisa com o Rio Timbó. Questionados
sobre as razões de não tomar partido urbanístico desta oportunidade os envolvidos
refiram que "Houve o estudo, mas foi desconsiderado porque sairia do limite contratado."

Condomínio "Jardim Beija-Flôr"

Fig 21 - Análise da relação com o entorno - Elaboração própria a partir de Google Street View

O condomínio caracteriza-se pela


testada reduzida face ao seu
desenvolvimento perpendicular à
Av.Itaóca. A leste e sul faz divisa com a
Faixa Marginal de Proteção da linha de
água afluente do Rio Timbó, bem como
da faixa de servidão da linha de
transmissão da Light. O desenho
urbanístico caracteriza-se por uma via
interna terminando em "cul-de-sac" na
qual se implantam ao longo 7 edifícios
Fig 20 - Disposição de Blocos "H" ao longo da via Foto do tipo Bloco "H". Na frente do lote são
Divulgação Governo do Estado do RJ www.rj.gov.br dispostos 2 edifícios paralelos à
Av.Itaóca completando a fachada urbana do lote vizinho. Nos fundos do lote, localiza-se
um último edifício e nos espaços restantes foram implantadas áreas de lazer. Tal como no
conjunto "1833" não se tomou partido da área livre pública da linha de água, sendo o
condomínio totalmente murado e cercado e de acesso restrito a moradores.
Fig 22 - Núcleos Habitacionais "POESI" e "HelioGás" - Planta de Implantação e informações Foto em cima: Vista aérea
do núcleo habitacional "POESI" Fonte: Divulgação PAC (julho 2011)

Núcleo da Estrada do Itararé - 690 - "POESI"

Fig 23 - Análise da relação com a Estrada do Itararé - Elaboração própria a partir do Google Street View
O núcleo habitacional construído no terreno da antiga fábrica POESI localiza-se no sopé
da encosta do morro. O terreno foi subdivido sendo que além do conjunto habitacional foi
construída a Escola de Ensino Médio. A frente do lote é uma testada de grande dimensão
onde se localizam espaços de lazer e equipamentos comunitários (academia). Esta
proximidade entre equipamentos sociais, espaços de lazer, a rua e os equipamentos
comunitários poderia ser um fator gerador de sociabilidade, no entanto pode-se verificar
que se optou por segregar cada um destes usos criando cercas ou barreiras que
impossibilitam o seu potencial integrador. O projeto aproveita parte dos platôs onde
estavam localizados os galpões demolidos e algumas das vias existentes. Os edifícios
agrupam-se em duas cotas: um primeiro grupo de 13 blocos praticamente à cota da
Estrada do Itararé separados por uma via de acesso, e um segundo grupo na parte alta
do terreno. Analisando a planta de implantação torna-se evidente o reduzido
aproveitamento do terreno, (comparando, por exemplo, com a morfologia do entorno),
devido à escolha da tipologia Bloco "H". A não adaptação do projeto de arquitetura à
topografia gera platôs, contenções originando espaços livres ociosos. Apesar da
proximidade com a "favela", não se articulou o conjunto com o aglomerado habitacional
existente optando-se por murar ou cercar as divisas do lote. Apesar do cercamento do
lote o acesso ao conjunto não é restrito, não existindo portão ou guarita, o que
"formalmente" não se poderia denominar como condomínio, mas que na prática se
aproxima deste conceito.

Núcleo "B" - Condomínio da Paz - "HelioGás".


Fig 24 - Acesso ao Condomínio da PAZ - HelioGás
O conjunto implantado no terreno da antiga
fábrica "HelioGás" foi desmembrado em dois
lotes, sendo que a parte que faz divisa com
a Estrada do Itararé se destinou à
construção do Equipamento de Saúde. O
lote onde se implanta o condomínio
habitacional insere-se numa quadra "formal"
de geometria regular com testada para a
Rua Manoel Segurado. O terreno situa-se a
uma cota superior ao logradouro o que
resulta num desnível na testada, que foi
resolvido através de muros de arrimo. A
distribuição faz-se ao longo de uma via
interna em "L" que termina em "cul-de-sac".
Os edifícios são implantados no espaço
entre a via interna e polígono das divisas
respeitando o afastamento de 3 metros. Na
frente do lote projetou-se um espaço de
lazer que poderia potenciar a articulação
entre moradores e o entorno, no entanto
devido à diferença de cota è opção de
cercamento do lote, este espaço de lazer
não tira partido da proximidade da rua.

Fig 25 - Via interna do Condomínio da Paz


Fontes: Divulgação PAC (janeiro 2012)
3.4 Tipologias Habitacionais

Fig 27 - Análise da tipologia e modo de agrupamento das unidades habitacionais - Tipologia Duplex

Esta tipologia tem como referência o projeto do Favela-Bairro no morro dos Macacos. Os
fatores determinantes para a solução foram a adaptabilidade a terrenos de testadas de
pouca dimensão, terrenos íngremes e de lotes pequenos em áreas de Favela. O
apartamento desenvolve-se em dois pavimentos separando a zona intima (quartos) da
zona comum (sala, cozinha e banheiros), numa largura de apenas 3.5m o que permitiria
um agrupamento de unidades escalonado acompanhando a topografia. Por ser uma
tipologia duplex a unidade dificilmente seria adaptada a PNE (portadores de necessidades
especiais).

No Alemão foi agregado um espaço de entrada (Hall/espaço de trabalho) que foi tomado
como referência de uma casa visitada onde uma moradora dava aulas de reforço escolar
em casa, e resulta também num filtro entre o espaço de circulação comum e áreas de
estar. Apesar da sua relação com o espaço
público é possível manter a privacidade dos
espaços íntimos. Os apartamentos agrupam-se
em banda geminados e em grupos espelhados o
que permite que no térreo existam espaços livres
privados. (pequeno quintal). O acesso aos
apartamentos térreos é feito diretamente através
do espaço público e no terceiro pavimento através
de uma passarela. A circulação é pública, mas
pela sua conformação resulta num espaço Fig 26 - Espaço circulação pedestre entre
semipúblico de convivência de moradores. edifícios Foto divulgação www.jauregui.arq.br
Fig 28 - Análise da tipologia e modo de agrupamento das unidades habitacionais - Edificio "pré-moldado" em fita
Esta tipologia foi desenvolvida para o PAC do Alemão e Manguinhos e também Rocinha,
para responder à demanda de rapidez da execução através da pré-fabricação da
estrutura. No Alemão foi utilizada no núcleo da "1833" e no "Adeus". Os apartamentos
desenvolvem-se num polígono bastante compacto sem circulação interna o que não
permite separar a zona íntima (quartos) da zona comum (sala, cozinha e banheiros),
havendo 3 variações: os apartamentos do meio menores, os das pontas maiores e
apartamentos adaptados para PNE no térreo são com redução da sala e cozinha para
permitir aumento do banheiro. Os apartamentos agrupam-se em fita, em 4 pavimentos,
sendo a circulação comum feita por corredor aberto ao exterior e núcleo de escadas
centrais. Ao contrário da unidade duplex esta circulação não protege as salas e os
quartos da circulação comum. A circulação comum para o exterior permite que ao agrupar
edifícios em espelho se conforme um espaço
semipúblico cuja sua fruição em segurança é
garantida pelos acessos e visibilidade em
relação ao corredor. Os baixos custos de
manutenção foram também pensados não
existindo por exemplo iluminação comum,
sendo os espaços exteriores iluminados por
pontos de iluminação de cada apartamento. Os
edifícios não se adequam a terrenos íngremes
necessitando da construção de platôs.
Fig 29 - Análise do edifício Bloco "H" e modo de (não) agrupamento das unidades habitacionais - Bloco PAC

O Bloco "H" começa a ser utilizado no conjunto da "1833", "POESI" e posteriormente no


"HelioGás", ainda no âmbito do PAC. Esta tipologia foi o resultado do abandono dos
projetos iniciais e da terceirização pelo consórcio da empresa Bairro Novo, do grupo
Odebrecht. A importação desta tipologia introduz também outro sistema construtivo15, que
foi experimentado por essa empresa no PAC do Alemão e depois replicado no PMCMV,
que permite reduzir o nível da manufatura com a industrialização dos insumos.
(BARAVELLI, José 2014)

O Bloco "H" recupera uma configuração típica e bastante reproduzida no período do BNH
com uma escada central, que distribui para 4 apartamentos por piso. O apartamento é um
polígono compacto minimizando a circulação interna. Os cômodos de permanência (salas
e quartos) têm exposição para a fachada principal. Ao contrário de alguns projetos que
recorrem à tipologia "H"16 em que as áreas molhadas (cozinha, área de serviço, e
banheiros) recorrem a um prisma interno para ventilação, aqui a ventilação faz-se pela
fachada lateral. A falta de ventilação cruzada, combinada com a escada fechada e o
sistema construtivo de paredes de concreto, resulta numa péssima qualidade térmica das
habitações. O que poderia aparentar ser um detalhe de arquitetura é de fato determinante
para a resolução urbanística dos blocos, uma vez que ocupando todas as fachadas do
edifício com aberturas este deixa de ser modulável, ou seja, não é possível o
agrupamento de vários edifícios. Outro fator determinante para a implantação dos
conjuntos é que, tal como na tipologia anterior ("pré-moldado" em fita), a arquitetura não
se consegue implantar em terrenos íngremes. Estes dois fatores dificultam o desenho das
implantações no território.

15
Sistema industrializado de paredes de concreto armado "in loco" ("forma túnel").
16
Ver projeto IAPC Del Castilho em BONDUKI, Nabil As origens da habitação social
Fig 30 - Análise do edifício Bloco "H" - PMCMV

"Era uma tipologia que já chegou para a gente pronta, chegou para a gente
de uma outra empresa que o consórcio contratou, a Bairro Novo que é lógico
que era uma empresa que estava querendo entrar, montada criada para o
MCMV e o impulso do Alemão seria ótimo" Entrevistado 1

Houve, no entanto adequações da tipologia "H" na transição do PAC para o PMCMV,


sobretudo para a segunda fase do programa. A mais visível será a adição de mais um
pavimento só possível pela flexibilização da regulamentação viabilizando edifícios de 5
pavimentos sem elevador.17 Outra alteração significativa foi a alteração normativa que
obrigou a todas as unidades possibilitarem a adaptação a PNE. Para isso a largura do
banheiro aumentou impactando na área total do apartamento e do bloco. Houve
alterações na forma do telhado com a retirada da platibanda optando-se por uma solução
mais precária, bem como modificações no esquema de cores e texturas exteriores.

Fig 32 - Bloco "H" - PAC Foto do autor Fig 31 - Bloco "H" - PMCMV Divulgação SEOBRAS

17
É apenas obrigatório deixar um espaço para previsão de instalação.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais que conclusões, gostaríamos de colocar aqui algumas hipóteses e questões para a
reflexão que nos permitam questionar o modelo institucional adotado pelo PAC, tendo em
vista os resultados alcançados que, notoriamente, significaram uma perda de qualidade
do projeto final. Em resumo na componente habitacional, identificamos que a inserção de
núcleos habitacionais dispersos pelo território e articulados com projeto urbanístico, passa
a concentra-se na periferia do território por solicitação da empreiteira facilitando a gestão
de obra. As implantações passam de quadras abertas, que articulam a habitação com
equipamentos sociais e espaços de lazer de acesso público para a lógica de condomínio
fechado, via interna em "cul-de-sac" e edifícios dispostos sem conformar espaços de
sociabilidade. Esata alteração dá-se sobretudo pela maior rapidez de aprovação e pela
lógica do PMCMV a empreiteira passou a assimilar. Esta lógica explica também o
abandono da tipologia inicial que poderia adaptar-se à topografia do território para uma
arquitetura padronizada passível de ser replicada em massa ("tipo carimbo") no PMCMV.

"As limitações apareceram depois, uma vez que depois que fizemos o
núcleo inicial, ai eles, a construtora, avaliaram que eles não estavam
ganhando o suficiente, que não estava dentro dos custos que eles queriam
atingir e simplesmente mudaram o tipo sem consultar a gente e colocaram o
famoso "Hzinho" que é "zero" qualidade, em todos os aspetos, ambientais,
um calor espantoso lá dentro, desse concreto pré-moldado, e também
digamos o resultado urbanístico e arquitetônico lamentável, não dá para
compor com esse "Hzinho" uma urbanização de qualidade." Entrevistado 2

Cabe ressaltar da citação anterior, que a avaliação que foi possível fazer dos custos não
demonstra que estes tenham diminuído significativamente. (Ver custo por apartamento)

Embora não seja o tema desse trabalho, questionamos a solução do teleférico.


Obviamente essa solução apela para a espetacularização, o que seduz os políticos, pela
possibilidade de deixar uma “marca”, contrariamente aos investimentos em saneamento,
por exemplo, que fica “enterrado” e não tem visibilidade. O problema é que ao elevar
substancialmente os custos, essa solução acaba criando constrangimentos outros itens
de projeto e levando à concentração de recursos. O Teleférico e a lógica de gestão de
obra impactam negativamente a estruturação urbana, resultando na concentração dos
equipamentos nas Estações de Teleférico e consequentemente a desarticulação entre
projeto urbanístico (infraestrutura, transportes, paisagismo, espaços de lazer), habitação,
e equipamentos sociais. O exemplo paradoxal é a Estação do Adeus rodeada de vazios
urbanizados, onde poderia ter sido inserido habitação contrastando com condomínios,
"ilhas" no meio de espaços não urbanizados.

A avaliação de políticas públicas tem que considerar as relações entre os atores, não
apenas nos níveis superiores, mas também nos níveis intermediários e locais. A análise
mostrou como o projeto vai sendo modificado ao longo da execução da obra, por
interesse das empreiteiras que acabam definindo o projeto final. Esse poder pode ser
explicado, em parte, pelas relações mais estreitas com os agentes públicos, em particular
com a burocracia do governo estadual responsável pela condução da obra. Em segundo
lugar, o modelo adotado para licitações com base em projeto básico e projeto executivo
desenvolvido pela construtora acaba dando a estas um poder ainda maior, principalmente
se considerando o grau de incerteza dos projetos de urbanização de assentamentos
precários. Se o contrato de licitação de obra estabelece que o contratado execute os
serviços estipulados pelo contratante durante a obra esses serviços são alterados por
interesses do contratado e não por interesse do Governo do Estado. Se os Projetistas
estão previamente subordinados em termos contratuais ao Governo do Estado para
realização do Projeto Básico, durante a obra estes são contratados diretamente pelo
consórcio e contratados apenas para “assistência técnica”. Em resumo, identificamos a
inversão da subordinação entre contratante e contratado, ou seja, a subordinação do
poder público ao poder privado.

"havia espaço para dizer, mas não havia espaço para fiscalizar. Nós não
estávamos na obra como uma assistência técnica de fiscalização. A gente
estava só como assistência técnica. A fiscalização era EMOP que contratou
a Concremat, gerenciadora, e fiscalização. (...) mas a gente não tinha poder
decisório, de corrigir, não eram adequações. Infelizmente. Nosso contrato,
não era esse…" Entrevista 1

Também identificamos em nossa análise, a forma como as obras sofreram modificações


tendo em vista “urgências” estabelecidas pelo calendário político, particularmente pela
necessidade de “inaugurações” realizadas em período eleitoral. Fica claro que o PAC-
UAP foi uma oportunidade política e econômica costurada entre as construtoras e os
interesses partidários dentro do aparelho do Estado. Apesar de ser uma constatação do
óbvio e mesmo ignorando esquemas fora da legalidade é impossível ignorar que o
sistema de financiamento eleitoral tem um impacto na definição das políticas públicas e
na sua operacionalização. As doações para campanhas são assim investimentos feitos
pelas entidades privadas que esperam retorno do seu investimento após a eleição. Os
eleitos têm ao longo do seu mandato uma dívida a pagar para com os seus investidores.

Do ponto de vista mais geral, pode-se também avaliar que o PAC-UAP, ao sair do escopo
do FNHIS e dos princípios da PNH, também enfraqueceu significativamente a
participação popular, que poderia ter sido um elemento fundamental na garantia de
melhores condições de projeto e de maior controle sobre a ação das empreiteiras.

"Sua participação na implementação do programa limitava-se a aderir aos


formatos institucionais de participação – como os encontros de integração –
e aceitar as condições postas pelo governo para sair de sua casa. Em
alguns casos, quando o morador se encontrava em situação mais
desfavorável para negociar com a Emop – ou por ter uma avaliação da casa
com valor abaixo do necessário para escolher onde morar, ou por ser
apenas inquilino –, o resultado era o encaminhamento para uma unidade
habitacional. Esta negociação estabelecia-se de maneira individualizada e
coercitiva." (OLIVEIRA, Bruno, 2016)
5. NOTAS METODOLÓGICAS

1-Os custos dos empreendimentos tiveram por base duas matérias:


Para os núcleos habitacionais produzidos pelo PAC-UAP a noticia de 16/01/2012 no
portal do Governo do Estado."estado inaugura novas unidades habitacionais no complexo
do alemão" Disponível em http://www.rj.gov.br acessado em 27/07/2016
Para os dois empreendimentos PMCMV a matéria refere o custo de investimento para os
dois empreendimentos. Neste caso para obter o custo por empreendimento dividiu-se o
custo total de investimento pelo número de apartamentos e multiplicou-se pelo numero de
apartamentos de cada conjunto disponível em http://www.emop.rj.gov.br/estado-entrega-
mais-300-moradias-no-alemao/
2-Foram conduzidas 4 entrevistas com roteiro semi-aberto a envolvidos no PAC-UAP.
Para preservação da identidade os entrevistados solicitaram anonimato inclusive de cargo
e função.
3- As peças gráficas referentes aos projetos de arquitetura e urbanismo tiveram como
fonte os Projetos Legais produzidos para aprovação na Secretaria de Urbanismo.
Identificaram-se algumas alterações em obra na localização de edifícios e espaços
comuns, no entanto, considera-se que não prejudicam esta análise.

6. BIBLIOGRAFIA

BURGOS, Marcelo Baumann. Dos parques proletários aos Favela-Bairro: as políticas


públicas nas favelas do Rio de Janeiro. ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (org.). Um século
de favela. Rio de Janeiro: Editora FGCV, 2004.

COUTO, Patrícia; RODRIGUES, Rute "A gramática da moradia no Complexo do Alemão,


história, documentos e narrativas." IPEA 2013

CARDOSO, Adauto L.; ARAUJO, Rosane; COELHO, Will Robson. Habitação Social na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Cardoso, Adauto L. (org.) Habitação social nas
metrópoles brasileiras: uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século. Porto
Alegre: ANTAC, 2007. — (Coleção Habitare).

CARDOSO, José (coord) et all "Brasil em Desenvolvimento : Estado, planejamento e


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DENALDI, Rosana. Políticas de urbanização de favelas: evolução e impasses. Tese de


Doutoramento. FAU-USP, 2003.

Gláucio Ary Dillon Soares; Sonia Luiza Terron - Dois Lulas: a geografia eleitoral da
reeleição (explorando conceitos, métodos e técnicas de análise geoespacial) in Opin.
Publica vol.14 no.2 Campinas Nov. 2008

IPP / RIO+Soial "Panorama dos Territórios - UPP´s Complexo do Alemão" 2015


LEEDS, Anthony & LEEDS, Elizabeth. A sociologia do Brasil urbano. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978.

MEDINA, Carlos Alberto de. A favela e o demagogo. São Paulo: Livraria Martins editora,
1964.

NUNES, Maria Julieta. A habitação popular na revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro.
MELLO et al. (Org.) Favelas cariocas ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.

PDS - Complexo do Alemão - Relatório do Plano de Desenvolvimento Sustentável do


Complexo do Alemão, Caderno de Resultados coord: Ruth Jurberg, Marcela Moreira e
Sandra Freitas

RODRIGUES, Rute (org) et all "Vida social e política nas favelas : pesquisas de campo
no Complexo doAlemão" IPEA 2016

SILVA, Heitor "Política e estruturação do território: PAC e UPPs no Complexo do Alemão"


Tese ( doutorado) UFRJ/IPPUR 2015

TRINDADE, Claudia "Não se faz omelete sem quebrar os ovos" Política Pública e
Participação Social no PAC Manguinhos - Rio de Janeiro Tese (Doutorado) –
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Departamento de História 2012

VALLADARES, Licia do Prado. A invenção da favela. Do mito de origem ao favela.com.


Rio de janeiro: Editora da FGV, 2005.

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