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OCUPAÇÃO INFORMAL EM PALAFITAS: CARTOGRAFAR CONTROVÉRSIAS

EM TORNO DA CONSTRUÇÃO DE PASSARELAS DE MADEIRA


INFORMAL OCCUPATION IN PALAFITAS: CARTOGRAPHING CONTROVERSIES AROUND THE
CONSTRUCTION OF WOODEN WALKWAYS

OCUPACIÓN INFORMAL EN PALAFITOS: CARTOGRAFAR CONTROVÉRSIAS EM TORNO DE LA


CONSTRUCCIÓN DE PASARELAS DE MADERA

EIXO TEMÁTICO: PRODUÇÃO DO ESPAÇO, OCUPAÇÃO, GESTÃO E CIDADANIA

SOUZA, Luana Rocha de


Mestranda no Núcleo de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG
luanarochaap@gmail.com
OCUPAÇÃO INFORMAL EM PALAFITAS: CARTOGRAFAR CONTROVÉRSIAS
EM TORNO DA CONSTRUÇÃO DE PASSARELAS DE MADEIRA
INFORMAL OCCUPATION IN PALAFITAS: CARTOGRAPHING CONTROVERSIES AROUND THE
CONSTRUCTION OF WOODEN WALKWAYS

OCUPACIÓN INFORMAL EN PALAFITOS: CARTOGRAFAR CONTROVÉRSIAS EM TORNO DE LA


CONSTRUCCIÓN DE PASARELAS DE MADERA

EIXO TEMÁTICO: PRODUÇÃO DO ESPAÇO, OCUPAÇÃO, GESTÃO E CIDADANIA

RESUMO:
Esse artigo visa contribuir à aplicação da teoria ator-rede (TAR) em estudos urbanos. A pesquisa partiu da controvérsia
entre moradores e poder público em uma ocupação de palafitas na cidade de Macapá. A cidade é permeada por áreas
úmidas que sofrem pressão por ocupação informal. Essas áreas se caracterizam por casa de palafitas e caminhos de
passarelas de madeira. Pergunto-me: quais atores foram acionados e quais tensões elucidadas a partir da prática de
produzir passarelas pela prefeitura? A partir de então, o objetivo consiste em elencar os atores, os vínculos formados,
formação de grupos, enunciados discursivos e sua divulgação. Para tanto, a pesquisa cartografou as controvérsias e teve
os seguintes procedimentos: documentos, entrevistas e observação participante. Constatou-se a heterogeneidade e
diversidade dos atores envolvidos, o pouco diálogo da prefeitura com moradores, a melhoria na acessibilidade. Por fim,
a TAR demonstra potencialidades ao permitir identificar a complexidade das ações e atores estudados.
PALAVRAS-CHAVE: Cartografia das controvérsias; palafitas; atores.

ABSTRACT:
This article aims to contribute to the application of actor-network theory (TAR) in urban studies. The research starts from
the controversy between residents and government in an occupation of stilts in the city of Macapá. The city is permeated
by wetlands that are under pressure from informal occupation. These areas are characterized by stilt houses and wooden
walkways. I wonder: what actors were triggered and what tensions elucidated from the practice of producing walkways
by the city hall? From then on, the objective is to list actors, formed associations, group formation, discursive statements
and their dissemination of information. To do so, the research mapped the controversies and had the following
procedures: documents, interviews and participant observation. It was observed the heterogeneity and diversity of the
actors involved, the lack of dialogue between the city council and residents, and the improvement of accessibility. Finally,
the ART demonstrates potentialities by identifying the complexity of the actions and actors studied.
KEYWORDS: cartography of controversies; stilt houses; actors.

RESUMEN:
Esta ponencia pretende contribuir a la aplicación de la Teoría actor-red (TAR) en estudios urbanos. La investigación
empezó de una controversia entre los moradores y el poder público en una ocupación informal de palafitos en la ciudad
de Macapá. La ciudad está impregnada por humedales que sufren presión por ocupación informal. Esas áreas se
caracterizan por casas de palafitos y caminos en pasarelas de madera. Pregunto ¿cuáles actores fueron accionados y
cuales las tensiones explanadas a partir de la práctica de producir pasarelas por alcaldía? A partir de entonces, el objetivo
es especificar los actores, los vínculos formados, la formación de grupos, enunciados discursivos y su divulgación. Para
tanto, la investigación cartografió las controversias y tuvo los siguientes procedimientos: documentos, entrevista y
observación participante. Se constató la heterogeneidad y diversidad de los actores, lo poco dialogo entre ayuntamiento
y habitantes, la mejoría de la accesibilidad. Por fin, la TAR demuestra potencialidades al permitir identificar la
complexidad de las acciones y los actores estudiados.
PALABRAS-CLAVE: cartografía de las controversias; palafitos; actores.
INTRODUÇÃO

Esse artigo visa contribuir à aplicação da teoria ator-rede (TAR) em estudos urbanos, especificamente no que
concerne aos atores envolvidos na urbanização de ocupações informais. A TAR é uma teoria desenvolvida
por Bruno Latour, John Law e Michel Callon. A partir dela os objetos são tratados de um modo inovador e
distinto e, assim, rompem a divisão moderna entre cultura e natureza, sujeito e objeto ou indivíduo e
sociedade. De modo simplista, é uma teoria sobre um modo de investigar as coisas e de criar espaço para os
atores se expressarem. Com o intuito de aplicar a Teoria ator-rede aos estudos urbanos, parte-se da
controvérsia da construção de passarelas de madeira em uma ocupação informal de palafitas na cidade de
Macapá.

Macapá localiza-se às margens do rio Amazonas e possui seu perímetro urbano permeado por áreas úmidas.
Esses ambientes podem ser conhecidos no Brasil por diversas denominações – brejo, pântano, mangue,
várzea etc. “Ressaca” é um termo regional que designa um ecossistema típico do Amapá, são áreas que
“constituem sistemas físicos fluviais colmatados, drenados por água doce e ligadas a um curso principal
d'água, influenciados fortemente pela pluviosidade e possuindo vegetação herbácea” (TAKYAMA, 2012,
p.17). As ressacas possuem diversas funções e valores, como: beleza cênica, turismo e recreação, drenagem
urbana, permanência do microclima da cidade, alimentação dos reservatórios de água subterrânea,
manutenção da biodiversidade (idem).

Tais áreas sofrem pressão por ocupação informal por parte da população excluída do mercado formal de
terras. Para uma melhor compreensão da dinâmica urbana e de suas problemáticas socioespaciais, se faz
necessária uma breve contextualização da cidade e do estado do Amapá. A ocupação nas ressacas não é uma
prática recente e está atrelada às dinâmicas de grandes empresas e de atuações estatais. Nas décadas de
1950 e 1960, no então Território Federal, houve a expressiva exploração de recursos naturais por empresas
de capital internacional. Em 1988, o Território do Amapá foi transformado em Estado dentro de um contexto
nacional de reorganização administrativa dos territórios, impondo decisões políticas de forma heterônoma,
sem debater com a população (PORTILHO, 2006). Em 1991 foi implantada a Área de Livre Comércio de
Macapá e Santana. Todos esses fatores contribuíram sobremaneira para o aumento da imigração na capital
e consequente crescimento populacional. Os imigrantes foram atraídos pela perspectiva de emprego e de
melhores condições de vida, mas sem recursos para adquirir um lote no mercado formal de terras, acabaram
ocupando as áreas alagadas, sendo mais expressivo a partir da década de 1980 (idem). De outro modo, há o
ponto de vista cultural, pois ainda que minoritário, não deve ser desprezado. Como aponta o antropólogo
Caporrino (2016), os ribeirinhos e caboclos foram para Macapá a partir da década de 1950 e tiveram que
adaptar seu modo de vida tradicional à cidade.

Essas ocupações caracterizam-se pelas construções em palafitas e caminhos em passarelas (imagens 1 e 2).
As palafitas e seus caminhos situam-se acima do nível da água e são, em suma, materializados em madeira.
As passarelas conectam as casas e dão prosseguimento às ruas de terra firme. É por meio delas que seus
moradores acessam o restante da cidade, onde encontram os caminhos para sua rotina diária. No início da
ocupação, os moradores autoproduzem seus espaços e a infraestrutura necessária. Autoprodução é
compreendida como o “processo em que os próprios usuários tomam as decisões sobre a construção e gerem
os respectivos recursos” (Kapp, Nogueira, Baltazar, 2009, p.11), o que engloba tanto o trabalho executado
por terceiros, como associado à autoconstrução. A partir da consolidação da ocupação, o poder público age
pontualmente em melhorias espaciais, muitas vezes de cunho eleitoreiro. Isto posto, atualmente, há
passarelas autoproduzidas e mantidas pelos moradores e outras materializadas pelo poder público.

Figura 1: Passarelas de madeira e casas palafíticas


Fonte: a autora, 2017.

Figura 2: Passarela de madeira


Fonte: a autora, 2017.
Há contradições no próprio poder público entre o respaldo legal e de como atuar nas ocupações palafíticas.
As ressacas são protegidas ambientalmente e sua ocupação é proibida, foram tombadas em 1999 com a Lei
Estadual n. 0455/99. Em 2004 a lei estadual nº 0835/2004 revogou a legislação supracitada e dispôs sobre a
ocupação urbana, uso econômico e gestão ambiental e promoveu a necessidade de criação do Zoneamento
Ecológico Econômico Urbano (ZEEU). Continuou a proibição de sua ocupação, mas a partir de tal legislação,
o poder público pôde atuar legalmente urbanizando áreas consolidadas na ressaca, como afirma no art.4
“constatando-se que a ocupação urbana de uma área é irreversível do ponto de vista ambiental, fica essa
área priorizada no ordenamento urbano e paisagístico, para melhoria da qualidade de vida dos habitantes
da mesma”. Quanto aos instrumentos de planejamento, em 2004 foi aprovado o Plano Diretor de Macapá
(Lei complementar no. 026/04), que contemplou, dentre outras, o ordenamento territorial, a questão
habitacional e a proteção do meio ambiente. Possui preocupação quanto às ressacas, ao considera-las como
patrimônio ambiental do Município de Macapá, orienta práticas para sua proteção – contendo usos e
atividades que não venham ocasionar degradação – e indica o reassentamento dos moradores (MACAPÁ,
2006). Em 2012 foi feito o Zoneamento Ecológico Econômico das Ressacas de Macapá e Santana (ZEEU), o
qual funciona como um instrumento que complementa os planos diretores de tais cidades. Seu objetivo foi
mapear as ocupações nas ressacas de ambas cidades e definir proibições, cenários desejados, práticas
toleradas e incentivos. Para áreas consolidadas, onde não é mais passível de recuperar ambientalmente,
incentiva a “urbanização da área para requalificação do padrão de ordenamento urbano e melhoria da
mobilidade e acessibilidade, ajustando-as ao entorno” e o “envolvimento da população na elaboração das
propostas de intervenção nas ressacas (TAKYAMA, 2012, p.72). Atualmente, o poder público age pela
omissão, tolerância, reassentamento ou urbanizações pontuais. Omite, ao nada fazer baseado no discurso
de não incentivar a moradia nas ressacas. Tolera, pois pouco fiscaliza a expansão das áreas palafíticas.
Reassenta parte da população para habitações de interesse social. Urbaniza pontualmente como citado
anteriormente.

Além disso, as passarelas são, também, palco e objeto de conflitos, pois é evidente a precariedade de
infraestrutura e falta de acessibilidade, ocasionando riscos de cair. Frente a essas problemáticas, parte dos
moradores lutam por melhorias mediante abaixo assinado, reclamam nas redes televisivas, participam de
associação de bairro, mesmo assim veem poucas melhorias. Concordamos com Michel Lussault (2007) ao
afirmar que o deslocamento é uma necessidade funcional, mas também é uma reivindicação da condição de
existência e realização da liberdade. Nesse aspecto, a reivindicação do deslocamento está inserida na luta
por lugares.

A partir das tensões e negociações entre o poder público e os moradores quanto a necessidade de construir
passarelas. Pergunto-me: quais atores foram acionados e tensões elucidadas a partir da prática de produzir
passarelas pela prefeitura? A partir de então, o objetivo desse artigo é elencar os atores, os vínculos formados
(entre humanos e não-humanos), formação de grupos, enunciados discursivos e sua divulgação ao
cartografar as controvérsias em torno da construção das passarelas de madeira pelo poder público no bairro
do Congós.
Figura 3: Ressacas em Macapá e localização da ressaca do Congós
Fonte: a autora, 2017.

Primeiramente, serão expostas as ocupações palafíticas compreendidas como um espaço situacional e


relacional a partir dos estudos do geógrafo Michel Lussault (2010), as passarelas compreendidas como um
objeto sociotécnico (SANTOS, 2006; LATOUR, 2012). Será elucidadas a cartografia das controvérsias de Latour
(2012) e a metodologia empregada na pesquisa. Por fim, será aplicada a cartografia das controvérsias
entorno da construção das passarelas pela prefeitura.

SITUAÇÃO, RELAÇÃO E OBJETOS

Trago algumas reflexões sobre a teoria do espaço pela perspectiva hiper-relacional e situacional de Michel
Lussault para meu objeto de pesquisa. Sua perspectiva vai de encontro com teorias deterministas, onde
concebem o espaço como um simples reflexo da sociedade ou como um simples receptáculo funcional. O
autor defende que o “l’espace est (en) action(s)”, isto é, está em movimento e, além de ser uma construção
social, também é um recurso social híbrido (material e ideacional) e um agenciamento de realidades sociais
pelos atores em situação de ação.

Para o autor, em vez da ação ocorrer no espaço, os atores agem com o espaço, o que propicia “uma
aproximação mais apropriada à dimensão de eventos do espaço, onde o espaço não é só conceitualizado
como uma estrutura absoluta ou relativa, mas como um elemento efêmero co-construído pela prática”
(LUSSAULT, 2010, p.14, tradução nossa). Assim, para o autor, o espaço é situacional, efêmero. O conceito de
situação corresponde à convergência circunstancial de entidades heterogêneas, cujas ações são mobilizadas
(LUSSAULT, 2010). Agir em determinada situação denota se envolver com essas entidades convergentes. O
autor adota a concepção de associações de Latour (2012) para sua abordagem. As associações possuem
vínculos que não são duráveis, mas frágeis, controvertidos, incertos. Estão continuamente em movimento e
estabelecendo conexões. O sistema é aberto, onde nada é pré-determinado e fixo. Para Lussault (2010) essa
perspectiva possibilita uma investigação nas quais as associações são descontínuas, onde as dimensões do
espaço estão continuamente mudando. Seu estado é transitório. Dessa forma, a ressaca é analisada como
um espaço descontínuo, onde distintos atores se associam, a transformam e são transformados
continuamente. Com ela há diversas adaptações, no qual vínculos são (des)feitos a depender da situação.

A construção da passarela de madeira não é apenas um trabalho técnico, mas caracterizam-se por complexas
relações sociotécnicas. O que permite que não humanos sejam também reconhecidos como atores na
produção do espaço. Eles também são híbridos, pois, só são dotados de valores a partir das ações (LATOUR,
2012; SANTOS, 2006). Santos (2006) compreende a técnica como a socialização dos não-humanos. O técnico
e o social só podem ser explicados de forma conjunta. Só podemos apreender as ações de determinados
atores (técnicos da prefeitura, moradores, fiscal da empresa) ao associa-los à elementos não-humanos
(projeto, legislação, madeira). Essa perspectiva nos auxilia nas reflexões sobre a descrição da trama de
práticas espaciais entre humanos e não-humanos.

CARTOGRAFIA DAS CONTROVÉRSIAS

Grande parte dos cientistas sociais compreendem o social como um conjunto homogêneo (LATOUR, 2012).
Em contraponto, Latour propõe a sociologia das associações e a designa como “um movimento peculiar de
reassociação e reagregação” (idem, p.25). A sociologia é redefinida de uma “ciência do social” para um
traçado de conexão entre elementos heterogêneos. Diante disso, a TAR não se limita a estudar a agência de
humanos. Não-humanos também são considerados atores completos, pois ator consiste em “qualquer coisa
que modifique uma situação fazendo a diferença” (idem, p.108). O que consiste em um grande avanço de
sua teoria.

A partir de então, o social não é mais explicado a partir de um conjunto de ideias pré-estabelecidas, como
“sociedade”, “estrutura”, “contexto”, “culturas”. O autor critica tais forças ocultas, por causarem grandes
saltos que mobilizam forças gigantescas para manipular o ator e controlar diversos acontecimentos. Por
consequência os atores são, frequentemente, desconsiderados e vistos como se fossem incapazes de
interferir em uma situação. Nessa pesquisa, seria possível utilizar diversos conceitos para explicar as práticas
dos moradores com a ressaca. Definições preestabelecidos como cooperação, cultura, pobreza, necessidade
poderiam ser elucidadas. Já pela perspectiva da TAR, a ocupação dos pesquisadores passa a ser a busca de
novas associações. O que importa é descobrir novas instituições, procedimentos e conceitos. Isto posto, ao
focar nos vínculos, torno-me livre de disputar os combates supracitados.

É importante salientar que esse método de pesquisa não omite as diferenças de classes ou a relação de poder
entre os moradores e o poder público. Não obstante, consente que tais descordos e relações se revelem no
desenrolar das controvérsias, a partir da ação dos atores, não da concepção de que tudo está dado a priori.
Isto é, não interessa saber como os atores se encaixam no sistema, mas atentar ao movimento, em como as
estruturas são engendradas por atores.

A cartografia das controvérsias foi criada por Latour no final da década de 1990, com o intuito de facilitar a
utilização da teoria TAR e, assim, torna-la mais inteligível aos estudantes (VENTURINI, 2012). É um processo
investigativo potencial para equacionar conflitos entre os envolvidos em uma controvérsia. Consiste na
melhor maneira de observar a fabricação do mundo, visto que a partir das controvérsias a vida coletiva é
feita e desfeita (idem).
As controvérsias “são situações onde os atores discordam” (idem, p.261, tradução nossa). Começam quando
os atores notam que não podem se evitar mutuamente e finalizam quando os atores conseguem definir um
compromisso concreto de conviverem juntos. Um espaço de tensões e negociações entre atores que de outra
maneira se ignorariam.

Na cartografia das controvérsias não há grupos, somente formação de grupos. O que implica na unidade de
análise não ser o indivíduo ou a sociedade, mas as associações realizadas entre os atores. As associações são
frágeis, nelas há transformação, mutação. As entidades precisam ser reagregadas a cada nova circunstância
(LATOUR, 2012).

O princípio básico da TAR é que um ator pode se dissolver em diversos elementos em conflito e uma
constelação de atores pode se solidificar em uma única fonte de ação. O termo ator-rede procura ressaltar
que a ação sempre é partilhada. Os atores na rede não agem segundo uma força social que a predetermina,
“as causas não pressupõem os efeitos porque propiciam apenas ocasiões, circunstancias e precedentes”
(LATOUR, 2012, p. 92). Contra a noção de causalidade às ações, é utilizado a noção de subdeterminação da
ação. A causa das ações, então, é trocada por uma série de atores e há incertezas quanto a origem da ação,
tendo em vista que suas múltiplas conexões lhe dão existência. Os atores sempre são combinados por
componentes em rede. O que representa uma perspectiva relacional do que seja o ator. Os atores inter-
agem, moldam e são moldados por relações, “ao falarmos de ator, deveremos sempre acrescentar a vasta
rede de vínculos que o levam a atuar” (idem, p.313).

Os objetos não são passivos ou só projeções simbólicas, nem simplesmente satisfazem as ordens humanas,
eles possuem agência. Tal afirmação não denota que eles façam coisas no lugar dos humanos, mas apenas
significa explorar plenamente o que e quem participa da ação. Outro ponto importante a ser assinalado:
agenciar não é sinônimo de determinar a ação. Não que um martelo imponha a utilização de pregos. Entre
ser apenas passivo e determinar a ação humana, existem diversas possibilidades como: autorizar, estimular,
sugerir, influenciar, desviar, proibir etc (idem). Optar pela madeira na construção da passarela mudou o curso
da ação de outro agente? Caso o faça, há evidencias nas quais possamos detectar essa modificação? O objeto
só adquire valor social por meio das relações e como as ações, precisam aparecer nos relatos.

É importante salientar que a TAR é uma teoria que demonstra como cultivar espaço para os atores se
manifestarem. Para Latour (2012) expressar diversas opiniões de distintos atores é a contribuição política da
TAR.

METODOLOGIA

Ao seguir as controvérsias em torno da construção das passarelas, foi produzido um relato divido em três
etapas (projeto, construção e pós-construção). Essa divisão, nos auxilia a compreender seu processo, os
diversos atores acionados (indivíduos, entidades e objetos), os vínculos formados (entre humanos e não-
humanos), a formação de grupos, os enunciados discursivos, sua divulgação e os objetos. Foi levado em
consideração tanto os objetos responsáveis pela materialidade das construções (materiais e tecnologias),
quanto os objetos atuantes na elaboração do projeto (ferramentas de desenho, de imagens e planilhas).

A pesquisa parte de uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva e seguiu com os seguintes
procedimentos: documentos, como artigos de jornais e legislação; entrevistas aplicadas aos moradores e aos
técnicos da prefeitura; e observação participante, ao acompanhar a reconstrução das passarelas pela
prefeitura.

Primeiramente, foi mapeado as primeiras referências sobre o tema estudado, com o objetivo de coletar
informações e os discursos proferidos na literatura (VENTURINI, 2009). Para tanto, foram verificados
documentos de fontes primárias sobre a temática das ressacas, como legislações, Plano Diretor de Macapá
e Zoneamento Ecológico Econômico de Macapá e Santana (ZEEU); e de fonte secundária a partir de notícias
veiculadas em diferentes meios de comunicação.

Foram realizadas 16 entrevistas semi-estruturadas aos moradores da passarela Torquato de Araújo, que não
foi contemplada pela reforma do poder público. Dentre outras questões o intuito era compreender o que
sabiam a respeito da reforma e porque achavam que a sua passarela não foi contemplada. Além disso, foram
feitas entrevistas aos técnicos da prefeitura, com o objetivo de compreender as etapas do projeto, da
construção e esclarecer as atribuições das secretarias e aberturas para diálogos com os moradores. Vale
salientar que os nomes dos moradores foram trocados no presente artigo para os manter anônimos.

Por sua vez, a observação participante consiste em assumir funções dentro do grupo, participar do que está
acontecendo e além disso significa “a possibilidade de captar as ações e os discursos em ato” (GOLDMAN,
2006, p.170). A observação participante seguiu ao acompanhar a reconstrução das passarelas pela prefeitura
nos meses de julho e outubro. Foram visitas, participação em reuniões com os moradores e conversas com
moradores, fiscal da empresa e líder comunitário. Observei a técnica utilizada, os diálogos entre os atores,
os entraves e seus pontos de vista. Utilizei os instrumentos diário de campo e fotografia para auxiliar na
compreensão e análise de dados.

No caminho da pesquisa há o desafio metodológico de olhar e ouvir: o que e como fazê-los? Baseada em
Latour (2012), atentei-me a quatro fatores ao considerar as palavras enunciadas pelos operadores sobre a
ação. Primeiro, os relatos são uma prova da ocorrência da ação, pois uma ação invisível, que não suscita
mudanças, não esteja em meio a um relato, não pode ser considerada uma ação. Segundo, há uma diferença
entre a ação e sua figuração. O termo figuração significa uma imagem, uma roupagem, uma forma à ação.
Há distintas figurações para a mesma ação. Deve-se registrá-las, mas não as filtrar. Terceiro, nos relatos, é
comum os atores criticarem outras ações recriminando-as como absurdas, falsas, erradas, “relatos de ação
acrescentam constantemente novas entidades e eliminam outras como ilegítimas” (idem, p.89, grifo do
autor). Quarto, não é suficiente restringir os atores à função de simples informantes, é necessário lhes
permitir a habilidade de conceber suas devidas teorias. Eles possuem um metateoria sobre como ocorre a
ação. Portanto, como pesquisadora, é importante deixar as explicações de como e o porquê de uma ação aos
próprios participantes.

Para Latour (2012) ao esboçarmos conexões sociais estamos constituindo relatos e o bom relato é aquele
que tece uma rede. Isto é, quando os participantes são tratados como atores completos numa trama de
ações, “uma proposição na qual todos os atores fazem alguma coisa e não ficam apenas observando”
(LATOUR, 2012, p.189).

Para facilitar a compreensão da pesquisa, foi feito uma lista dos atores inseridos em cada etapa de ação, em
seguida foi elaborado um diagrama das ações com as associações entre actantes para elucidar suas atuações,
associações, discursos e períodos de tempo. Latour (2012) afirma que os diagramas contêm as desvantagens
de não capturarem movimentos e de serem visualmente frágeis. Por outro lado, também há vantagens, pois
demonstram uma fiel imagem das associações e pela debilidade da representação gráfica propiciar “ao
pesquisador não confundir sua infralinguagem com os ricos objetos pintados: o mapa não é o território”.
(LATOUR, 2012, p.194). Por conseguinte, o diagrama deve ser menos confuso e complicado que as disputas
coletivas. Sua função não é ser um espelho da complexidade das controvérsias, mas tornar tal complexidade
legível (VENTURINI, 2012).

PASSARELA CONTROVERSA

O relato que segue está divido em três etapas de ação sobre uma emenda parlamentar, de 2017, de 1,253
milhão que foi destinada à produção de 3.749,88 metros de passarela em madeira no bairro do Congós e na
ressaca homônima, abarcando 19 passarelas. Estas passarelas se inserem em áreas já consolidadas – pelo
ZEEU é passível de ser urbanizada –, e com partes em processo de consolidação (TAKYAMA et. al, 2012).

Figura 4: Passarelas contempladas


Fonte: editado pela autora do projeto das passarelas.

A fase projetual teve várias etapas que englobou diversas secretarias, técnicos, documentos, instrumentos e
ferramentas. A primeira etapa consistiu no levantamento de campo coordenado pela Secretaria das
Subprefeituas (SECSUB). As visitas às passarelas foram exercidas em grupos de 5 técnicos, os quais mediram
o comprimento e largura das passarelas, observaram seu grau de conservação, fizeram croquis com os dados
levantados, mediram a profundidade da água e tiraram 4 fotos por passarela. Na visita era importante
descobrir se moravam pessoas com mobilidade reduzida.

De acordo com Mauro, que trabalha a 4 anos nessa secretaria, uma das funções da SECSUB é a aproximação
com moradores. Mesmo assim, houve tímida aproximação com habitantes e líderes comunitários a partir de
conversas durante as visitas. O técnico afirmou que é comum escutar críticas e desconfortos dos habitantes
que afirmam que a obra “não vai acontecer”, pois já mediram a passarela diversas vezes e não houve
nenhuma melhoria. Defendeu-se comigo afirmando que é necessário medir várias vezes, antes e depois do
recurso ser aprovado, pois as passarelas podem ter sido ampliadas ou aterradas. Nessa etapa, afirmou que
os abaixo-assinados dos moradores foram levados em consideração. Por fim, o entrevistado deixou claro que
não falam em construção, mas em revitalização de passarelas.

A partir de então, os materiais resultantes das visitas foram entregues ao Instituto de Planejamento Urbano
(PLANURB), que é uma coordenadoria da Secretaria Municipal de Planejamento e Orçamento Geral (SEMPLA)
e possui as seguintes atribuições: coordena o planejamento urbano, onde se engloba a atualização do PDM,
e, de acordo com a técnica de arquitetura, é responsável pela elaboração dos projetos de emendas federais.
Na PLANURB, o croqui serviu para atualizar o comprimento das passarelas no software Autocad e as
fotografias foram transformadas em relatório fotográfico. Com os documentos supracitados somados ao
projeto padrão de passarela (de um metro e meio de largura) que possui orçamento por metro linear de
R$316,24 (materiais e mão de obra), e estimativa da metragem total, a arquiteta responsável estipulou as
passarelas que deveriam ser beneficiadas. Dúvidas quanto ao comprimento da passarela eram elucidadas
pelo google Earth. No desfecho, o projeto determinou a substituição das antigas, por outras com 1,5m de
largura, em madeira de lei, localizadas em nível superior às passarelas existentes, sem guarda-corpo e acima
do nível da rua de terra firme.

Figura 5: Detalhes do projeto


Fonte: PLANURB, projeto arquitetônico, 2017.

No estudo preliminar e memorial descritivo intitulado “Construção de passarelas de madeira em áreas de


ressaca no município de Macapá – AP” consta que o projeto “visa criar condições adequadas a esses
moradores residentes facilitando a locomoção e acesso para as atividades cotidianas dos usuários, hoje
prejudicados pela má conservação e intempéries” (Macapá, 2016, p.3). Objetiva a acessibilidade aos
moradores para “passarelas de passagem coletivas e não residenciais” (idem, p.3). Sua justificativa parte dos
dados de elevado contingente habitacional nas ressacas, baseando-se na impossibilidade de reassentar todos
seus moradores. O documento cita o ponto de vista de um arquiteto e urbanista:
“Demoramos bastante para ter investimentos em habitações formais. Na década de 1990,
houve um elevado crescimento migratório de pessoas de outros estados para o Amapá,
acarretando a demanda por habitação na cidade. A alternativa foram as áreas de ressaca.
Atualmente, não tem como retirar essas pessoas porque é um volume populacional muito
grande”, explicou Tostes. (MACAPÁ, 2016, p.03)

Na divulgação do projeto, os jornais exibem a fala do poder público sobre a impossibilidade de reassentar,
mas com um contraponto com o meio ambiente. Vale salientar que não foram ditos por técnicos, mas por
parlamentares. “Para o prefeito, o ideal seria retirar as pessoas dessas áreas, porém, isso não é mais possível.
“Aterrar traria outro problema, que são os alagamentos já vistos em alguns pontos da cidade durante o
período de chuvas. A recuperação das pontes leva melhor condição de moradia às áreas de ressaca” (GOMES,
2017). Nesta fala, o discurso finaliza com a importância das condições de moradia às áreas palafíticas.

No projeto, diversos atores humanos (entidade ou indivíduo), actantes e híbridos foram acionados, como:
SINAP, excel, custo, projeto modelo, autocad, tempo, NBR, madeira, água, excel, orçamento, solo, altura da
água, nível da rua, licitação, etc (ver imagem). O vínculo com os moradores foi ínfimo, pois apesar dos
técnicos conversarem com eles, não havia garantias de suas falas serem levadas em consideração e
tampouco havia informações sobre isso no relatório. Assim, a vontade dos moradores não foi repassada
diretamente à projetista. As decisões foram heterônomas, que é quando existe a “separação
institucionalizada entre dirigentes e dirigidos” (SOUZA, 2002, p.174).

Após o projeto, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMAM) cedeu o licenciamento. Vale salientar
que o ZEEU não foi utilizado como parâmetro decisório 1. O ZEEU permite a urbanização em zonas
consolidadas, onde não é mais passível de recuperar ambientalmente, e de outra forma, indica o
reassentamento nas zonas em “processo de consolidação”. O projeto dessas passarelas contemplou áreas
consolidadas e em processo de consolidação, portanto, desconsiderou as diretrizes do plano.

Em seguida, os documentos foram enviados ao financiador da emenda, o Programa Calha Norte, onde teve
aprovação. Posteriormente à licitação da obra, a empresa começou rapidamente a construção das
Passarelas.

O responsável pela fiscalização desse tipo de obra consiste na Secretaria Municipal de Obras e infraestrutura
urbana (SEMOB), que não exerceu sua função. A entidade que lida com situações adversas que possam surgir
é a SECSUB, tendo em vista que a empresa não resolve eventuais problemas. Eles pedem a colaboração dos
moradores, o técnico citou o seguinte exemplo: as vezes há fios de energia baixos que impedem a passagem
de material, por isso, pedem aos moradores para ajeitarem. Outro ator consiste no líder comunitário do
Núcleo Rotariano de Desenvolvimento Comunitário (NRDC), que fazia vistoriais e divulgação de notícias no
grupo de whatsapp. Ele auxiliou na decisão sobre a ordem de construção das passarelas e como seria a
contratação da mão da obra local.

1
Informação dada pelos técnicos da SEMAM e da PLANURB.
Figura 6: Diagrama de atores na etapa do projeto
Fonte: a autora, 2018.

Durante a construção, um fiscal era responsável pela vistoria de toda obra. Ele sempre ia e voltava de uma
passarela à outra. Mesmo não sendo formado na área da construção civil, estava bem informado sobre a
quantidade de materiais, detalhes construtivos, orçamento e trâmites administrativos. Em cada passarela
haviam grupos de cinco trabalhadores (o NRDC conseguiu que na 18ª passarela todos os trabalhadores
fossem moradores). A construção ocorreu por etapas, começava na “cabeça da ponte”2, onde desmontavam
aos poucos a ponte antiga e construíam a nova. Primeiro fincavam os esteios, depois faziam a amarração
com flechal. Enquanto só havia a amarração, eles colocavam tábuas estreitas para as pessoas passarem, era
difícil caminhar e havia risco de cair. Depois punham o piso tipo “tabuleiro”, manuseando um gabarito feito
de madeira e pregos para deixar as tábuas com a distância de 0,03 m. Por fim, era feito o contraventamento
lateral e transversal em forma de “X”, o que era distinto das passarelas materializadas pelos moradores, pois
quando haviam eram apenas as transversais. No decorrer da construção, havia uma grande preocupação
com os pregos que estavam sempre acabando – um quilo de prego é utilizado em três metros de passarela
só para pregar os frechais –, com a seguinte explicação: sem prego o trabalho paralisa e atrasa a obra. O
entulho era deixado no meio da passarela para ser recolhido ao final da obra. O material era deixado pelas
manhãs e era preciso dois homens para carregar as peças de madeira, assim, quanto mais avançavam a
construção, mais demoravam para fazer o trajeto com os materiais. Um morador da vigésima comentou
comigo que a empresa deveria disponibilizar carrinho de mão para auxiliar os carpinteiros, pois eles
trabalham no sol quente por horas e ainda precisam carregar aquela madeira pesada.

Durante a construção, os moradores sentavam em suas varandas para observar e conversar sobre o trabalho
feito. Curiosidade, dúvida, felicidade transparecia. As vezes ofereciam água, café e lanche aos trabalhadores.
Alguns guardavam os materiais em seus quintais para protegê-los. Caso houvesse alguma paralização na
obra, sentiam o medo de não terem a passarela toda construída – como ocorreu na oitava e seus braços,
boatos falsos foram divulgados no grupo de whatsapp afirmando a paralisação das obras, isso resultou em
uma reunião entre moradores e o líder comunitário.

Figura 7: Passarelas antes, durante e depois a construção


Fonte: a autora, 2017.

E o que a prefeitura expôs sobre as construções? As notícias divulgadas em seu site informam sobre o
recurso, os bairros beneficiados, a empresa responsável e as obras. Enfatizam a facilidade na mobilidade,
contra a antiga precariedade e o risco em cair, e a contratação de trabalhadores locais. Utilizam mais o termo

2
Cabeça da ponte é um termo usado pelos moradores, significa o início da passarela, onde termina a rua de terra firme e começa a
ponte.
reforma do que construção de passarelas. Quando há visita do prefeito ou parlamentar, é a parte mais
chamativa.

Além de garantir segurança e mobilidade aos habitantes da área de ressaca, a ação


proporciona oportunidade de renda extra por meio da inclusão de moradores na
construção das obras das passarelas. “Estava desempregado e agora consegui, com esta
ação, uma oportunidade de garantir uma renda extra. Moro aqui há quatro meses e vivi de
perto as dificuldades. A ponte estava toda quebrada e cheia de emendas”, ressalta Fábio de
Lima (FONSECA, 2017a).

O que não foi exposto são os diversos atritos entre múltiplos atores durante a construção: prefeitura e
moradores, moradores e empresa, projeto e moradores, moradores e moradores, criminosos e passarela,
entidades locais com moradores, empresa e prefeitura. Mostraremos em seguida os atritos e também os
auxílios nos vínculos formados entre esses atores.

A SEMOB e a SECSUB praticamente não dialogaram com os moradores sobre quais passarelas foram
beneficiadas. Houve apenas uma reunião no bairro, que só ocorreu depois do início das obras devido à
pressão dos líderes comunitários. O líder divulgou a lista dada pelo poder público das passarelas
contempladas pelo whatsapp, mas esta possuía algumas inconsistências como coordenadas erradas. Os
moradores permaneceram com descrença e dúvidas durante a construção. Afinal, relatam a frequência de
promessas de políticos e de visitas dos técnicos da prefeitura, mas sem nenhuma materialização. Devido à
essa situação, alguns se mobilizaram para chamar atenção do poder público, como os moradores dos
“braços” da vigésima primeira avenida. Esses braços foram contemplados no projeto e estavam na lista
divulgada no grupo de whatsapp, mas o receio fez com que Francisco3, um morador de idade avançada,
fizesse um abaixo-assinado e levasse à SEMOB, outro morador chamou a rede televisiva. Ambos pediram a
construção de sua passarela, mas mesmo com a confirmação dos técnicos, a dúvida permaneceu até o dia
da construção. Vale salientar que os técnicos só mostraram o projeto aos moradores um dia antes das obras
começarem.

O conflito entre os moradores e empresa sucedeu devido: a) Durante a reunião com os moradores e
conversas nas varandas, diversos moradores alegaram que a madeira não era de lei, pois algumas possuíam
veio branco e por isso estragaria rápido. Por outro lado, a empresa alegou que a madeira é de lei, de
qualidade, algumas são mais brancas pois foram retiradas muito verdes, mas iriam escurecer com o passar
do tempo. Mesmo assim, os moradores experientes em carpintaria afirmaram que nesses casos perdem um
pouco de sua resistência. Durante as conversas, alguns moradores já refletiram sobre o futuro citaram a
demora do poder público para reforma-las e que precisariam se organizar para trocá-las em cerca de dois
anos. b) Um morador da décima oitava brigou com os trabalhadores da construção da passarela, pois não
pôde passar com seu carrinho de venda para trabalhar na rua de terra firme. c) Roubaram madeira em três
passarelas. Alguns moradores capturaram um “culpado” e o jogaram na água para que recuperasse o
material.

Houveram divergências entre o projeto e o que os moradores queriam. A vigésima primeira e a passarela sol
não tiveram a passarela construída até o final, o que causou descontentamento. Na primeira os próprios
moradores terminaram a reforma da parte não contemplada com restos de madeiras em bom estado. Na

3
Baseado no trecho de diário de campo, do dia 19 de julho de 2017. Conversa com Francisco, sua esposa Isabela, e Ronaldo,
moradores do braço 1 da vigésima primeira avenida.
outra situação, o projeto estipulava a construção das passarelas localizadas acima das existentes, mas os
moradores do braço 2 da vigésima-primeira queriam localiza-la em outro lugar. Desejavam afastar a nova
passarela das fachadas de suas casas, alegando que queriam ter mais segurança e maior separação entre
espaço público e o privado (dois exemplos dados: batiam nas paredes da casa de madrugada, incomodando-
os, e não queriam que uma pessoa bêbada caísse na frente de sua casa). Os trabalhadores solicitados
afirmaram que não poderiam tomar essa decisão. Depois dos moradores conversarem com o fiscal, a
solicitação foi acatada – ele alegou que o importante era a metragem final para a Calha Norte. Porém teve a
condição dos moradores entrarem na água e fincarem os esteios.

O conflito entre os moradores era a preocupação com as motos, afirmam que andar de moto deteriora a
passarela. Esse tema foi posto em pauta por uma moradora na reunião entre os moradores com o líder
comunitário. Uns disseram que ele deveria resolver o problema, mas ele mostrou resistência ao pedido,
afirmando que todos devem vigiar e conversar com os que não cumprem essa regra. Com o final da
construção, o deputado colocou placas com sua caricatura mostrando a maneira correta de andar de moto.

Os criminosos proibiram a construção de toda décima sexta passarela. Os moradores dizem que essa
passarela funciona como rota de fuga e estando em bom estado facilita o policiamento. No fim, a empresa
conseguiu terminar a construção.

E as entidades locais? O diálogo do NRDC com a SEMOB seguiu por meio de pressões dos ativistas. O diálogo
fora finalizado, após a reclamação de que os técnicos da prefeitura não fiscalizavam a obra. A partir de então
a SEMOB começou a dialogar com a associação de bairro. Houve disputa entre ambos grupos sobre quem
poderia falar e decidir sobre as passarelas. Além disso, o NRDC jogava em várias direções, por um lado
manipulava os moradores junto com a empresa e mostrava um poder de decisão que não possuía aos
moradores. Por outro lado, auxiliava os moradores em problemas pontuais decorrentes da construção da
passarela (por exemplo a empresa quebrou um frechal da passarela de um morador e precisam ajeitá-la).
Também incentivava os moradores para limparem seus quintais, pois o prefeito havia prometido em vídeo
que quem o fizesse ganharia madeira apreendida para sua passarela residencial, o que não foi cumprido. Os
moradores sabiam do vínculo que esses grupos possuíam com secretarias e a empresa e tentavam extrair
informações, mas por outro lado, ficavam com um pé atrás por eles não serem moradores de ressaca.
Figura 8: Diagrama de atores na etapa da construção
Fonte: a autora, 2018.

Com o término das construções ficou o cuidado com a passarela a cargo dos moradores. Placas foram postas
enfatizando a proibição de andar de moto. Em meios de divulgação da prefeitura foi enfatizado os deveres
dos moradores:

[...] ele [prefeito] reforçou o compromisso com os moradores de garantir fiscalização das
obras e o cuidado do ambiente onde vivem. “Criamos um clima de mobilização para que a
comunidade fiscalize a obra e depois cuide da passarela e do entorno, pois sabemos que as
áreas de ressaca são os nossos corredores de circulação de dentro da cidade”, explicou o
prefeito (FONSECA, 2017b).

Há passarelas que não foram beneficiadas, o que deixou indignados os moradores da passarela Fernando
Torquarto ou décima passarela. Para Rosana “tem a décima-primeira, pra lá já tem um bocado feita, tem a
oitava aqui, já foi feita também. Ai, não sei porque pularam essa daqui, que é a decima... eu acho que eles
acharam que a nossa tava melhor de todas”. Arthur me informou que técnicos foram lá e garantiram que sua
passarela estava no projeto, o que não ocorreu “tem umas que estão sendo feitos, indo lá. Eles falaram que
tava no projeto pra fazer, depois vem aqui. O técnico da prefeitura veio e falou isso 4 meses atrás”. Os
entrevistados da décima não conheciam direito sobre os projetos, não sabiam quais passarelas foram
beneficiadas, o pouco que sabiam era devido algum amigo que morava em uma passarela beneficiada e
informava, terem visto enquanto caminhavam, vizinhos que contaram, terem assistido no jornal. Apenas um
morador sabia sobre a emenda parlamentar, mas não conhecia as passarelas beneficiadas. As dúvidas sobre
o futuro de sua passarela seguem.

Recentemente foram construídas 1070 metros de passarelas em concreto armado na ressaca Chico Dias
mediante emendar parlamentar. Há boatos de que a décima passarela será feita desse material. Sobre a
possibilidade de a passarela ser construída em concreto, os entrevistados afirmaram que gostariam ou/e que
é melhor para caminhar.
Isaías, técnico da SEMAM, contou que com passarelas de concreto o político quer dizer “nunca mais vou te
tirar daqui”, o que não é interessante por causa das eleições. Tampouco é de interesse à SEMAM, por causa
do meio ambiente. Se perguntou retoricamente: é melhor para moradores? E respondeu não sei. Como a
qualidade de vida é baixa, será que melhora a acessibilidade? Ele continuou e disse que as ocupações eram
um lugar insalubre. Apontou o elevado contingente populacional e o problema de não ter como retirar todos.
Concluiu que outra opção seria urbanizar e reassentar, pois não há como retirar 500 casas, mas há como
retirar 300 e urbanizar.

Figura 9: Diagrama de atores após a construção


Fonte: a autora, 2018.

CONCLUSÕES

A pesquisa teve como foco discutir as relações entre atores humanos e não-humanos na urbanização de
ocupações informais. Dessa forma, a TAR mostrou potencialidades ao permitir identificar a complexidade da
ação, compreender o processo, as associações tidas entre os atores. Ao conhecer os vínculos formados,
observamos sua mutabilidade no decorrer do processo.

Sem considerar a ocupação na ressaca com ideias pré-estabelecidas (como cultura, pobreza, necessidade),
as pistas foram seguidas e as opiniões elucidadas pelos próprios atores. Seguir as pistas a partir da observação
participante foi crucial para observar os entraves e tangências dos vínculos formados durante o ato de
construir.

Evidenciou-se a complexidade da construção das passarelas, onde diversos atores foram acionados, como
técnicos, parlamentares, a universidade, legislação, líder comunitário, água, o solo. Constatou-se as
divergências do poder público sobre como atuar nessas áreas. Quanto ao projeto, conclui-se que foi
heterônomo, pela assimetria de poder, e houve a falta de participação dos moradores durante as decisões
projetuais, estando em contraposição ao ZEEU. Além disso, houve a falta de informações mais precisas aos
moradores durante a construção, deixando-os receosos.

A reforma melhorou a acessibilidade, mas foi mais um paliativo, uma ação pontual de melhorias,
desarticulada, que pouco leva para discussões maiores quanto às ocupações com as ressacas da cidade,
envolvendo políticas públicas eficazes ou urbanizações específicas.
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