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2006 101
Valladares, A. C. A. (Org.) (2004). Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, p. 209.
A Reforma Psiquiátrica no Brasil e no mundo trou- técnicas expressivas explicitam o diálogo entre a pes-
xe e traz mudanças na percepção e intervenção dos soa com sofrimento mental e suas angústias, seu mun-
profissionais da saúde em relação à doença e ao doen- do social e sua biografia. No entanto, esse diálogo não
te mental. A Reforma tem como base a reabilitação deve ser visto apenas como um diagnóstico clínico, pois
psicossocial da pessoa com sofrimento mental, propon- ele é uma forma de compreender a pessoa com sofri-
do práticas mais humanizadas que visam à reintegra- mento mental como um todo, ou seja, nas suas esferas
ção desse indivíduo à sociedade. A arteterapia e outras biológicas, psicológicas e sociais.
técnicas expressivas são consideradas intervenções im- “Da vida sem arte à arte como promoção da vida:
portantes dentro desse novo enfoque mais humano. momentos da arte na psiquiatria”, é o título do capítulo
O livro “Arteterapia: no novo paradigma de aten- três de Cláudia Mara de Melo Tavares que discorre
ção em saúde mental”, organizado por Ana Cláudia sobre três formas de perceber a arte como técnica de
Afonso Valladares, tem a finalidade de mostrar ao lei- intervenção para o tratamento do doente mental. A pri-
tor a importância da arteterapia e de outras técnicas meira, que a autora chama de arte hospitalizada, tem a
expressivas para a reabilitação psicossocial da pes- função de combater a ociosidade dos internados, até
soa com sofrimento mental. Procurando contextuali- mesmo propondo atividades laborais para a manuten-
zar o leitor tanto no que se refere à historicidade e às ção das instituições, ou seja, colocar esses internos para
mudanças na área da doença mental, quanto no que trabalhar em serviços, como por exemplo a limpeza do
se relaciona às técnicas expressivas, em especial a hospital. O segundo tipo de concepção vem em decor-
arteterapia, o livro é dividido em dez capítulos, cada rência da Reforma Psiquiátrica nas oficinas dos Cen-
qual escrito por autores diferentes, que contribuem tros de Apoio Psicossocial (CAPS), fora de hospitais,
com seus saberes teóricos e práticos. nas quais a arte é vista como um instrumento de enri-
O primeiro capítulo, intitulado “O cuidado em saú- quecimento dos sujeitos, valorização de expressão e
de mental no contexto da reforma psiquiátrica” escri- descobertas de potenciais singulares. Já a terceira ma-
to por Luciane Prado Kantorski, retoma os dados neira de perceber a arte é usando-a para tornar esses
históricos que desencadearam o atual contexto da área indivíduos com sofrimento mental ativos no mundo so-
da saúde mental propiciados pela Reforma Psiquiátri- cial, possibilitando ações e reinvenção do cotidiano.
ca. A autora também propõe uma reflexão sobre a O quarto capítulo é de autoria de Denize Bouttelet
reabilitação psicossocial, argumentando que o sofri- Munari e chama-se “Arte, arteiros e artistas: uma re-
mento mental é mais um dado na história do sujeito, flexão acerca da arte como instrumento de cuidado
de tal forma que faz-se necessário levar em conside- humano em saúde mental”. Embasada em suas práti-
ração toda história de vida que essa pessoa já cons- cas profissionais em hospitais psiquiátricos, a autora
truiu. O sofrimento mental tem que ser adaptado à discute sobre a função da arte, justificando que além
essa história que é composta de relações sociais. de permitir que os doentes se expressem livremente e
O autor Thomas Josué Silva escreveu o capítulo dois, de modo criativo, também possibilita uma comunica-
“Caleidoscópias narrativas: a outra desinstitucionaliza- ção melhor entre paciente e profissional. Mas, para isso,
ção da loucura”, narrando sua experiência de trabalho o profissional precisa perceber o paciente de maneira
com doentes mentais em um atelier de expressão, ou mais global (bio-psico-social), tendo um olhar mais hu-
seja, expressões por meio de desenhos, modelagem em mano e menos acadêmico e não apenas rotulá-lo e di-
argila, bordados, entre outras técnicas manuais. O ob- agnosticá-lo. Ainda para a autora é imprescindível que
jetivo do capítulo é atentar para a importância dos tra- haja profissionais capacitados para intervir com essas
balhos de reabilitação, como o atelier de expressão, fora técnicas expressivas, sendo elas têm como o propósito
da institucionalização e também mostrar que essas a aproximação do indivíduo doente ao mundo social. A
autora também ressalta que é preciso mudar o modo ocorridas durante as sessões de arteterapia adminis-
de ver, sentir e agir com o sofrimento mental e que o tradas por ela. Nesses relatos das sessões, a autora
profissional faz parte do processo de reabilitação, não mostra como ela conduz uma sessão mediante as emo-
podendo atuar apenas como um mero observador. ções que vão surgindo dos pacientas, assim como nar-
Com vistas a responder sobre qual o papel das téc- ra as modificações que ocorrem nos sentimentos. O
nicas expressivas, especialmente da arteterapia, nes- capítulo traz reflexões sobre a eficácia da arteterapia
se novo contexto de acesso, qualidade e humanização para a reestruturação emocional desses indivíduos.
de atenção à saúde mental. Ângela Philippine elabo- Sinval Avelino dos Santos escreveu o capítulo nove,
rou o capítulo “Arteterapia e outras terapias expressi- “Atividade física: viabilidades e parcerias no contexto da
vas no novo paradigma de atenção em saúde mental”. saúde mental”. Nesse capítulo, a técnica expressiva abor-
Fundamentada pela teoria Junguiana, a autora, que dada é a atividade física, vista também como uma facili-
também é arteterapeuta, pontua a importância da ar- tadora do processo de reabilitação do indivíduo com
teterapia para a compreensão e para o tratamento do sofrimento mental, que está alicerçada na visão do indi-
doente mental, apresentando também como o artete- víduo como um todo (bio-psico-social). O autor faz um
rapeuta deve agir nessas intervenções. levantamento bibliográfico argumentando e pontuando
O sexto capítulo, intitulado “A arteterapia e a rea- os benefícios ocasionados aos doentes mentais em de-
bilitação psicossocial das pessoas em sofrimento psí- corrência da atividade física. Como um dos exemplos,
quico” é de autoria de Ana Cláudia Afonso Valladares. cita que atividades aeróbicas agem como antidepressi-
O manuscrito procura esclarecer e contextualizar o vos em indivíduos que estão na fase inicial de um quadro
leitor, de forma breve e clara, sobre o que é artetera- depressivo. Posteriormente apresenta uma pesquisa que
pia, qual a trajetória dessa técnica expressiva, quais realizou para compreender melhor essa técnica da ativi-
as modalidades de arteterapia existentes, em quais dade física como recurso terapêutico ao paciente inter-
contextos ela é utilizada, qual o público alvo da artete- nado. Outro objetivo da pesquisa foi entender o que os
rapia, e os princípios norteadores da arteterapia na profissionais da saúde que trabalham com esse tipo de
reabilitação psicossocial. população pensam a respeito da atividade física.
“Arte por dentro e por fora: da implantação à con- O décimo capítulo que fecha o livro é intitulado
solidação do projeto arteterapia” é o título do capítulo “Musicoterapia e saúde mental: um longo percurso” de
sete, elaborado por Carmem Lúcia Albuquerque de autoria de Cláudia Regina de Oliveira Zanini. Esse ca-
Santana. A autora relata como surgiu o Projeto Artete- pítulo trata especificamente da musicoterapia na saúde
rapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clíni- mental, também como uma técnica expressiva facilita-
cas da Faculdade de Medicina da Universidade de São dora do processo de reabilitação psicossocial. Para pro-
Paulo. O projeto já existe há seis anos, com diversos curar mostrar a dimensão da importância dessa técnica,
tipos de atividades e pesquisas em andamento, assim a autora retoma a historicidade da música associada à
como há três anos é exibida anualmente uma exposi- sua função terapêutica e ressaltando que, apesar de
ção para a comunidade dos trabalhos realizados no ateliê advir de uma longa história, a musicoterapia é uma ci-
terapêutico pelos pacientes. A autora relata que a im- ência em emergência. A autora também relata a for-
plantação do projeto foi possível, pois se pode mostrar mação, o papel e as áreas de atuação, principalmente
com dados empíricos por meio de uma pesquisa reali- em saúde mental, dos musicoterapeutas.
zada, também descrita no capítulo, a melhora clínica Os dez capítulos do livro apresentam uma escrita
dos pacientes que fazem arteterapia. de fácil compreensão, procurando ressaltar o novo
As dinâmicas das sessões de arteterapia também paradigma para a área saúde mental proposto na Re-
foram abordadas no livro. O capítulo oito, intitulado forma Psiquiátrica, a qual enfatiza principalmente a
“Saúde mental: uma vivência de arte e criatividade”, humanização dessa área. Dessa forma, o livro é indi-
escrito por Flora Elisa de Carvalho Fussi, além de re- cado não apenas para profissionais que atuam na área
forçar a idéia da necessidade de compreender a pes- da saúde mental com técnicas expressivas. Qualquer
soa com sofrimento mental como bio-psico-social e ter pessoa que queira se interar melhor sobre esse novo
uma relação horizontal com ele, ou seja, sem haver contexto da saúde mental encontrará informações e
superioridade, também descreve algumas dinâmicas reflexões interessantes sobre o assunto.
Recebido em: fevereiro/2006
Sobre a autora: Aprovado em: maio/2006
Monalisa Muniz Nascimento é psicóloga e mestre em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco.