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IV.

A Política como V ocação

E s t a c o n f e r e n c i a , que pronuncio por solicitação vossa, irá ne­


cessariamente decepcionar, sob vários aspectos. Esperais, natu­
ralmente, que eu tome um a posição em relação aos problemas
concretos do momento. M as isto só ocorrerá de modo form al e
no fim, quando apresentarei certas questões relacionadas com a
significação da ação política na totalidade do modo de vida. N a
conferência de hoje, todas as questões relacionadas com a diretriz
e o conteúdo que devemos dar à nossa atividade política devem
ser elim inadas, pois n ada têm a ver com a questão g eral do que
significa a política como vocação e o que ela pode significar.
Passemos, agora, ao nosso tema.
O que entendemos por política? O conceito é extremamente
amplo e compreende qualquer tipo de lideran ça independente
em ação. F ala-se da política financeira dos bancos, da política
de descontos do Reichsbank, da política grevista de um sindicato;
pode-se falar da política educacional de um a m unicipalidade,
da política do presidente de um a associação voluntária e, final­
mente, até mesmo da política de um a esposa prudente que
busca orientar o marido. H oje, nossas reflexões não se baseiam,
decerto, num conceito tão amplo. Queremos compreender como
política apenas a liderança, ou a influ ência sobre a liderança, de
uma associação política, e, daí hoje, de um Estado.
Mas o que é um a associação “política”, do ponto de vista
sociológico? O que é um “Estado” ? Sociologicamente, o Estado
não pode ser definido em termos de seus fins. D ificilm ente haverá
qualquer tarefa que um a associação política não tenha tomado
em suas mãos, e não h á tarefa que se possa dizer que tenha

“Politik als B eru f”, G esa m m elte P o litische S c h r ifte n (M u-


nique, 1921), pp. 396-450. O riginalm ente, discurso pronunciado na
Universidade de M unique, 1918, publicado em 1919 por D uncker &
Humblodt, Munique.
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sido sempre, exclusivamente e peculiarm ente, das associações de­ da como leg ítim a). Para que o Estado exista, os dominados
signadas como políticas: hoje o Estado, ou, historicamente, as asso­ devem obedecer à autoridade alegada pelos detentores do poder.
ciações que foram predecessoras do Estado moderno. Em últim a Quando e por que os homens obedecem? Sobre que justificação
análise, só podemos definir o Estado moderno sociologicamente ín tim a e sobre que meios exteriores repousa esse domínio?
em termos dos meios específicos peculiares a ele, como peculiares Para começar, em princípio, h á três justificações interiores,
a toda associação política, ou seja, o uso da força física. e portanto legitimações, básicas do domínio.
“Todo Estado se fundam enta n a força”, disse T rotski em Prim eira, a auto ridade do “ontem eterno”, isto é, dos mores
Brest-Litovsk. Isso é realm ente certo. Se não existissem insti­ santificados pelo reconhecimento inim aginavelm ente antigo e da
tuições sociais que conhecessem o uso da violência, então o con­ orientação habitual para o conformismo. É o domínio “tradicio­
ceito de “Estado” seria elim inado, e surgiria um a situação que nal” exercido pelo patriarca e pelo príncipe patrim onial de outrora.
poderíamos designar como “an arquia”, no sentido específico da H a a autoridade do dom da graça (carism a) extraordinário
palavra. É claro que a força não é, certamente, o meio normal, e pessoal, a dedicação absolutamente pessoal e a confiança pessoal
nem o único, do Estado — ninguém o afirm a — mas um meio
na revelação, heroísmo ou outras qualidades da liderança in d i­
específico ao Estado. Hoje, as relações entre o Estado e a violên­ vidual. É o domínio “carism ático”, exercido pelo profeta ou —
cia são especialmente íntim as. No passado, as instituições mais
no campo da política — pelo senhor de guerra eleito, pelo gover­
variadas — a partir do clã — conheceram o uso da força física
nante plebiscitário, o grande demagogo ou o líder do partido
como perfeitamente normal. Hoje, porém, temos de dizer que o político.
Estado é um a comunidade hum ana que pretende, com êxito, o
monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determi­ Finalm ente, h á o domínio em virtude da “legalidad e”, em
nado território. Note-se que territorio e um a das características virtude da fé n a validade do estatuto legal e da “competência”
do Estado. Especificamente, no momento presente, o direito de funcional, baseada em regras racionalmente criadas. Nesse caso,
usar a força física é atribuído a outras instituições ou pessoas espera-se obediência no cumprimento das obrigações estatutárias.
apenas na m edida em que o Estado o permite. O Estado é^ con­ É o domínio exercido pelo moderno “servidor do Estado” e por
siderado como a única fonte do “direito” de usar a violência. todos os portadores do poder que, sob esse aspecto, a ele se
Daí “política”, p ara nós, significar a participação no poder ou a assemelham.
luta para influir n a distribuição de poder, seja entre Estados ou Compreende-se que, na realidade, a obediência é determ inada
entre grupos dentro de um Estado. pelos motivos bastante fortes do medo e esperança — medo da
Isto corresponde essencialmente ao uso comum. Quando se vingança dos poderes mágicos do detentor do poder, esperança
afirm a que um a questão é “política”, quando um ministro do de recompensa neste m undo ou no outro — e, além de tudo isso,
Gabinete ou um a autoridade é considerado como “político’ , ou pelos mais variados interesses. V amos falar disso.' M as ao pro­
quando um a decisão é tida como “politicam ente” determ inada, o curar as legitim ações” dessa obediência, encontramos esses tres
que se está querendo dizer, sempre, é que os interesses n a dis­ tipos “puros” : “tradicional”, “carismático” e “le gal”.
tribuição, manutenção ou transferência do poder são decisivos Essas concepções de legitim idade e suas justificações íntim as
para a resposta às questões e para se determ inar a decisão ou a são de gran de significação para a estrutura do domínio. Na
esfera de atividade da autoridade. Quem participa ativamente verdade, os tipos puros raram ente se encontram, na realidade.
da política luta pelo poder, quer como um meio de servir a Mas hoje não podemos tratar de variantes, transições e combina­
outros objetivos, ideais ou egoístas, quer como o “poder pelo po­ ções altam ente complexas desses tipos puros, cujos problemas
der”, ou seja, a fim de desfrutar a sensação de prestígio atribuída pertencem a ciência po lítica”. Interessamo-nos, aqui, prin cipal­
pelo poder. mente pelo segundo desses tipos: domínio em virtude da dedica-
Como as instituições políticas que o precederam historica­ Ção, dos que obedecem, ao “carism a” exclusivamente pessoal do
mente, o Estado é um a relação de homens dominando homens, líder . Pois essa e a raiz de um a vocação em sua expressão mais
relação m antida por meio da violência leg ítim a (isto e, considera­ elevada.
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A dedicação ao carisma do profeta, ou ao líder na guerra, saio, as prebendas das autoridades patrim oniais, os salários dos
ou ao grande demagogo na ecclesia ou no parlamento, significa modernos servidores públicos, a honra dos cavaleiros, os p rivi­
que o líder é pessoalmente reconhecido como o líder inerentemente légios dos estados e a honra do servidor público compreendem
“chamado” dos homeos. Os homens não o obedecem em virtude seus respectivos proventos. O temor de perdê-los é a base final
da tradição ou lei, mas porque acreditam nele. Quando é mais e decisiva para a solidariedade existente entre o quadro executivo
do que um oportunista lim itado e presunçoso, o líder vive para e o detentor do poder. H á honra e pilhagem p ara os seguidores,
sua causa e “luta pela sua obra”. 1 A dedicação de seus discípulos, na guerra; para o séquito do demagogo, h á os “despojos” — ou
seus seguidores, seus am igas pessoais do partido é orientada para seja, a exploração dos dominados, através do monopólio dos
a sua pessoa e p ara suas qualidades. cargos — e ha lucros e prêmios à vaidade, politicam ente deter­
A liderança carismática surgiu em todos os lugares e em minados. T odas essas recompensas são também derivadas do
todas as épocas históricas. M ais destacadamente no passado, domínio exercido pelo líder carismático.
surgiu nas duas figuras do mágico e profeta, de um lado, e do Para manter um domínio pela força são necessários certos
senhor de guerra eleito, o líder de grupo e condottiere, do outro. bens m ateriais, tal como ocorre com um a organização econômica.
A liderança política, na forma do “demagogo” livre que nasceu no Todos os Estadospodem ser classificados segundo o fato de se
solo da cidade-Estado, é de maior interesse para nós. Como a basearem no princípio de que os próprios quadros são donos dos
cidade-Estado, o demagogo é peculiar ao Oriente, especialmente meios adm inistrativos, ou de que os quadros são “separados” desses
à cultura m editerrânica. A lém disso, a liderança política na meios de adm inistração. Essa distinção é válida no mesmo sentido
forma do “líder partidário” parlam entar cresceu no solo do Es­ em que dizemos hoje que o empregado assalariado e o proletá­
tado constitucional, que também só é indígen a do Ocidente. rio na empresa capitalista estão “separados” dos meios m ateriais
Esses políticos de “vocação”, no sentido mais autêntico da de produção. O ' detentor do poder deve ser capaz de contar
palavra, são em toda parte as únicas figuras decisivas nas cor­ com a obediência dos membros do quadro, autoridades, ou quem
rentes cruzadas da luta política pelo poder. Os meios auxilia­ quer que seja. Os meios adm inistrativos podem consistir em
res à sua disposição também são altamente decisivos. Como os dinheiro, edifícios, m aterial bélico, veículos, cavalos e m uitas
poderes politicam ente dominantes conseguem manter seu domí­ outras coisas. Tudo depende de o detentor do poder d irigir e
nio? A questão é válida para qualquer tipo de domínio, portanto organizar, ou não, a administração, embora delegando poder
também para o domínio político em todas as suas formas, tradi­ executivo a servidores pessoais, autoridades contratadas, ou favo­
cionais, legais e carismáticas. ritos e pessoas de confiança, que não são os donos, isto é, que
não usam os meios m ateriais de adm inistração ao seu talante, mas
O domínio organizado, que demanda a adm inistração con­ são dirigidos pelo senhor. A distinção é observada em todas as
tínua, exige que a conduta hum ana seja condicionada à obedi­ organizações adm inistrativas do passado.
ência para com os senhores que pretendem ser os portadores do
poder legítim o. Por outro lado, em virtude da obediência, o Essas associações políticas nas quais os meios m ateriais de
domínio organizado exige o controle dos bens m ateriais que em adm inistração são controlados autonomamente, no todo ou em
determinado caso são necessários para o uso da violência física. parte, pelo quadro adm inistrativo dependente, podem ser ch am a­
Assim, o domínio organizado exige o controle do quadro de das associações organizadas em " estamentos” . O vassalo n a asso­
pessoal executivo e os implementos m ateriais da administração. ciação feudal, por exemplo, pagava do seu próprio bolso a adm i­
nistração e judicatura do distrito que lhe era entregue como feu­
O quadro administrativo, que representa externamente a do. Ele próprio fornecia seu equipamento e provisões de guerras,
organização do domínio político,* é, certamente, como qualquer e 0 ..™csm0 faziam seus subvassalos. É claro que isto tin ha con-
outra organização, limitado pela obediência ao detentor do poder seqüencias para o poderio do senhor, que só se baseava numa
e não apenas pelo conceito de legitim idade, do qual falamos relação de fé pessoal e no fato de que a legitim idade de sua
acima. H á dois outros meios atraentes para os interesses pessoais: possessão do feudo e a honra social do vassalo eram derivadas
a recompensa material e a honraria social. Os feudos de um vas- do senhor geral.
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Em toda parte, porém, remontando até as m ais antigas forma­ A revolução [d a A lem an ha, 1918] realizou, pelo menos na
ções políticas, encontramos também o próprio senhor dirigindo medida em que os líderes tom aram o lugar das autoridades es­
a administração. Ele busca tomá-la em suas mãos tornando os tatuídas, isto: os líderes, pela usurpação ou eleição, consegui­
homens pessoalmente dependentes dele: escravos, agregados do­ ram o controle do quadro político e do aparato dos bens m ate­
mésticos, atendentes, “favoritos” pessoais e prebendários enfeuda­ riais; e deduzem sua legitim idad e — não importa com que
dos em dinheiro ou in natura aos seus armazéns. Busca cobrir direito — da vontade dos governados. Se os líderes, à base deste
as despesas com seus próprios recursos, com a receita de seu êxito pelo menos evidente, têm o direito de m anter a esperança
patrim ônio; e busca criar um exército que seja dependente dele de realizar também a expropriação dentro das empresas capita­
pessoalmente, porque é equipado e abastecido de seus celeiros, listas é questão diferente. A direção das empresas capitalistas,
armazéns e arsenais. N a associação dos “estamentos”, o senhor apesar de analogias de grande alcance, segue leis diferentes das
domina com a ajuda de um a “aristocracia” autônoma e, portanto leis de adm inistração política.
com ela divide seu domínio. O senhor que administra pessoal­
mente é apoiado seja pelos membros de sua Casa ou pelos ple­ Não tomamos posição, aqui, sobre essa questão. Descrevo
beus. Êstes são camadas sem propriedades que não têm honra apenas o aspecto puramente conceptual de nossa consideração:
social própria; m aterialmente, estão completamente presos a ele o Estado moderno é um a associação compulsória que o rgan iza a
dominação. Teve êxito ao buscar monopolizar o uso legítim o da
e não encontram apoio em nenhum poder rival próprio. Todas
fôrça física como meio de domínio dentro de um território. Com
as formas de domínio p atriarcal e patrimonial, despotismo sul-
essa finalidade, o Estado combinou os meios m ateriais de o rga­
tanista e estados burocráticos pertencem a esse últim o tipo. A nização nas mãos de seus líderes, e expropriou todos os funcio­
ordem estatal burocrática é especialmente im portante: em seu nários autônomos dos estamentos, que antes controlavam esses
aspecto mais racional, ela é precisamente característica do Estado meios por direito próprio. O Estado tomou-lhes as posições e
moderno. agora se coloca no lugar m ais elevado.
Em toda parte, o desenvolvimento do Estado moderno é Durante esse processo de expropriação política, ocorrido com
iniciado através da ação do príncipe. Ele abre o caminho para variado êxito em todos os países da T erra, surgiram os “políticos
a expropriação dos portadores autônomos e “privados” do poder profissionais”, noutro sentido. Apareceram p rim eiro a serviço
executivo que estão ao seu lado, daqueles que possuem meios de de um príncipe. E ram homens que, ao contrário do líd er ca­
administração próprios, meios de guerra e organização financeira, rismático, não queriam ser senhores, m as que se colocavam a
assim como os bens politicamente usáveis de todos os tipos. A serviço dos senhores políticos. N a luta da expropriação, êles se
totalidade do processo é um paralelo completo ao desenvolvimento colocavam à disposição dos príncipes e, adm inistrando-lhes as
da empresa capitalista através da expropriação gradativa dos pro­ políticas, gan havam , de um lado, a vida e, do outro, um conteúdo
dutores independentes. Por fim , o Estado moderno controla os de vida ideal. E, aind a nesse caso, somente no Ocidente encon­
meios totais de organização política, que n a realidade se agrupam tramos esse tipo de político profissional a serviço de outros poderes
sob um chefe único. N enhum a autoridade isolada possui, pes­ além do príncipe. N o passado, foram o mais importante instrum en ­
soalmente, o dinheiro que paga, ou os edifícios, armazéns, ferra­ to do poder do príncipe e seu instrumento dc expropriação política.
mentas e m áquinas de guerra que controla. No “Estado” con­ Antes de discutirmos os “políticos profissionais” cm deta­
temporâneo — e isso é essencial ao conceito de Estado — a “sepa­ lhe, vamos esclarecer em todos os seus aspectos o estado de
ração” entre o quadro adm inistrativo, os funcionários adm i­ coisas apresentado pela sua existência. A política, tal como as
nistrativos e os trabalhadores, em relação aos meios m ateriais de iniciativas econômicas, pode ser um a ocupação subsidiária ou
organização administrativa, é completa. A qu i começa a maior uma vocação. O homem pode dedicar-se a política, e portanto
parte da evolução moderna e vemos com nossos próprios olhos buscar in fluir na distribuição do poder dentro de estruturas po líti­
a tentativa de estabelecer a expropriação desse expropriador dos cas e entre elas, como um político “ocasional”. Somos todos polí­
meios políticos e, portanto, do poder político. ticos “ocasionais” quando votamos ou consumamos um a expressão
de intenção semelhante, como ap laudir ou protestar num comício
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A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO 105
“político”, ou ao pronunciar um discurso “político”, ctc. Toda santificado religiosam ente) como fonte exclusiva de toda autori­
a relação de muitas pessoas para com a política se lim ita a isso. dade estava ausente. Essas comunidades têm sua sede histórica
A política como atividade secundária é praticada hoje por todos no Ocidente. Seu núcleo foi a cidade como órgão político, a
os agentes partidários e chefes de associações políticas voluntárias forma pela qual a cidade surgiu primeiro na área cultural me-
que, em geral, só são politicam ente atuantes no caso de neces­ diterrânica. Em todos esses casos, como eram os políticos que
sidade e para quem a política não é, m aterial ou idealmente, fizeram da política a sua p rincipal vocação?
“sua vida”, em primeiro lugar. O mesmo se aplica aos m em­
bros dos conselhos estatais e órgãos deliberativos semelhantes H á dois modos principais pelos quais alguém pode fazer
que funcionam apenas quando convocados. T am bém se aplica da política a sua vocação: viver “para” a política, ou viver “da”
a camadas bastante am plas dos parlamentares que só são poli­ política. Esse contraste não é, de forma algum a, exclusivo.
ticamente atuantes durante as sessões. No passado, encontra­ Em geral, o homem faz as duas coisas, pelo menos em pensa­
vam-se essas camadas especialmente entre os estamentos. Os mento e, certamente, também a ambas na prática. Quem vive
proprietários dos implementos m ilitares, ou de bens importantes “para” a política faz dela a sua vida, num sentido interior.
para a administração, ou de prerrogativas pessoais, podem ser Desfruta a posse pura e simples do poder que exerce, ou a li­
chamados “estamentos”. U m a grande parte deles estava longe menta seu equilíbrio interior, seu sentimento íntimo, pela cons­
de dedicar a vida, no todo ou de forma simplesmente preferen­ ciência de que sua vida tem sentido a serviço de um a “causa”.
cial, ou m ais do que ocasionalmente, ao serviço da política. Nesse sentido interno, todo homem sincero que vive p ara um a
Êles exploravam , antes, suas prerrogativas com o interesse de causa também vive dessa causa. A distinção, no caso, refere-se
obter um a renda ou mesmo um lucro; e só se tornavam ativos a um aspecto mu ito m ais substancial da questão, ou seja, o
no serviço das associações políticas quando o senhor dos que econômico. Quem luta para fazer da política um a fonte de
lhes eram iguais em status assim o exigia . Não havia diferença renda permanente, vive “da” política como vocação, ao passo
no caso de algum a das forças auxiliares que o príncipe lançava que quem não age assim vive “para” a política. Sob o domí­
na luta pela criação de um a organização política que ficasse nio da ordem da propriedade privada, algum as —■ se quiserem
exclusivamente à sua disposição. Foi essa a natureza dos Rate — precondições m uito triviais devem existir, para que um a
von H aus aus [conselheiros] e, a in da m ais remotamente, de pessoa possa viver “para” a política, nesse sentido econômico. Em
parte considerável de conselheiros que se reuniam na Curta e condições normais, o político deve ser economicamente indepen­
outros órgãos deliberativos dos príncipes. M as essas forças me­ dente da renda que a política lhe pode proporcionar. Isto sign i­
ramente ocasionais, empenhadas na política, não eram natural­ fica, mu ito simplesmente, que o político deve ser rico ou deve
mente suficientes ao príncipe. Êle buscava, necessariamente, ter u m a posição pessoal na vida que lhe proporcione um a renda
criar um quadro de colaboradores dedicados, total e exclusiva­ suficiente.
mente, a seu serviço; daí, a fazer disso sua principal vocação. Isso ocorre pelo menos em circunstâncias normais. O sé­
A estrutura da nascente organização política dinástica, e não quito do senhor de guerra preocupa-se tão pouco com as con­
apenas isso, mas também toda a articulação da cultura, dependia, dições de um a economia norm al quanto a m ultidão das ruas
em proporções consideráveis, do problema de onde o príncipe que segue o herói revolucionário. Ambos vivem dos espólios,
recrutava agentes. do saque, dos confiscos, contribuições e a imposição de meio
Era necessário também um quadro para as associações po lí­ circulante vil e compulsório, o que em essência equivale à mesma
ticas cujos membros se constituíam em comunas politicamente coisa. Mas, necessariamente, tais fenômenos são extraordinários.
“livres” (assim ditas) sob a abolição completa, ou a restrição N a vida econômica cotidiana, somente a riqueza pode tornar o
bastante acentuada, do poderprincipesco. homem economicamente independente. M as isso apenas não
basta. O político profissional deve ser também economicamente
Eram “livres” não no sentido moderno de liberdade em re­ “dispensável”, isto é, sua renda não deve depender do fato de
lação ao domínio pela força, mas no sentido de que o poder que ele coloca, constante e pessoalmente, sua capacidade e pen­
do príncipe legitim ado pela tradição (n a maioria dos casos, samento totalmente, ou pelo menos predominantemente, a servi­
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ço da aquisição econômica. D a form a m ais incondicional, o problema”. N ada seria mais incorreto. Segundo toda a expe­
homem que vive de rendimentos é dispensável nesse sentido. riência, o zelo pela “segurança” econômica de sua existência é
Portanto, ele é o homem que recebe um a renda para a qual não consciente, ou inconscientemente, um ponto capital em toda a
trabalhou. Pode ser o senhor territorial do passado ou o grande orientação de vida do homem rico. O idealismo político descui­
dono de terras e aristocrata do presente, que recebe renda delas. dado e sem reservas só se encontra, se não exclusivamente pelo
N a A n tigüidade e na Idade M édia os que recebiam rendas dos menos predom inantemente, entre as camadas que, em virtude de
escravos ou servos, ou nos tempos modernos, rendas de ações sua carência de propriedades, estão completamente fora dos cír­
ou títulos ou fontes semelhantes — são essas as pessoas que culos interessados na manutenção da ordem econômica de uma
vivem de rendas. determ inada sociedade. Isso é válido especialmente para as épocas
Nem o trabalhador nem o empresário — e isso deve ser extraordinárias e, portanto, revolucionárias. U m recrutamento
bem notado — especialmente o empresário moderno, de grande não-plutocrático de políticos interessados, de liderança e seguido­
escala, é economicamente dispensável, nesse sentido. Pois é pre­ res, está conjugado com a precondição subentendida de que uma
cisamente o empresário que está ligado à sua empresa, sendo por renda regular e suficiente será proporcionada aos que se ocupam
isso indispensável. Isso se aplica ao em presário na indústria, ,d a política.
muito mais do que na agricultura, considerando o caráter sazonal A política pode ser conduzida “honorificamente” e portanto
desta. Em geral, é m uito difícil ao empresário ser representado — como se diz habitualm ente — por homens “independentes”,
em sua empresa por algum a outra pessoa, mesmo temporaria­ isto é, ricos, e especialmente pelos que vivem de rendas. Ou a
mente. Ele é tão indispensável quanto o médico, e quanto mais liderança política pode ser acessível aos homens sem propriedades,
destacado e ocupado for, tanto menos dispensável será. Por que necessitam de um a recompensa. O político profissional que
motivos puram ente orgânicos, é fácil ao advogado ser dispensá­ vive “da” política pode ser um “funcionário” exclusivamente “pre-
vel, e, apesar disso, ele tem desempenhado um papel incompa- bendário” ou assalariado. Nesse caso, o político recebe um a ren­
ràvelmente maior, e com freqüência mesmo dominante, como da seja de taxas e tributos sobre serviços específicos — gorjetas
político profissional. Não continuaremos nesta classificação; e subornos são apenas um a variação irregular e form alm ente ile­
preferimos esclarecer algumas de suas ramificações. gal dessa categoria de renda — ou um a renda fixa em natureza,
A liderança de um Estado ou de um partido por homens que um salário monetário, ou ambos. Pode assumir o caráter de um
(no sentido econômico da p alavra) vivem exclusivamente para a “empresário”, como o condottiere ou o portador de um a auto­
política, e não da política, significa necessariamente um recruta­ rização para recolher impostos ou um cargo comprado, ou como
mento “plutocrático” das principais camadas políticas. N a ver­ o político am ericano que considera seus custos como um investi­
dade, isto não quer dizer que essa liderança plutocrática significa, mento de capital que ele faz render através da exploração de
ao mesmo tempo, que as camadas politicamente dominantes não sua influência. Pode também receber um salário fixo, como
buscaram também viver “da” política e portanto que a camada um jornalista, secretário de partido ou ministro de um Gabinete
dom inante não explorará, habitualmente, seu domínio político cm moderno, ou autoridade política. As concessões feudais, as con­
favor de seu próprio interesse econômico. Tudo isso é indiscutí­ cessões de terras e prebendas de todos os tipos foram clássicos,
vel, naturalm ente. Jamais houve uma cam ada que não tivesse, de no passado. Com o desenvolvimento da economia m onetária, os
algum a forma, vivido “da” política. Queremos dizer apenas requisitos preliminares e prebendas tornam-se, especialmente, as
que o político profissional não precisa buscar um a remunera­ recompensas típicas para o apoio aos príncipes, conquistadores
ção direta pelo trabalho político, ao passo que todo político vitoriosos ou chefes partidários bem sucedidos. Em troca de
sem meios deve, absolutamente, pretender essa remuneração. serviços leais, hoje, os líderes partidários distribuem cargos de
Por outro lado, não pretendemos dizer que o político sem pro­ todos os tipos — nos partidos, jornais, sociedades cooperativas,
priedades buscará vantagens econômicas privadas através da po­ companhias de seguros, municipalidades, bem como no Estado.
lítica, exclusivamente, ou mesmo predom inantemente. N em pre­ Todas as lutas partidárias são lutas para o controle de cargos,
tendemos dizer que ele não pensará, em primeiro lugar, “no bem como lutas para metas objetivas.
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N a A lem anha, todas as lutas entre os proponentes do Gover­ através de longos anos de treinamento preparatório, opõe-se a
no central e local se centralizam na questão dos poderes que essa situação. A burocracia moderna, no interesse da integridade,
controlarão os cargos, quer em Berlim , M unique, Karlsruhe ou desenvolveu um elevado senso de honra estamental, sem o qual
Dresden. As restrições na participação da distribuição de cargos haveria fatalmente o perigo de um a corrupção terrível e de um
são mais sérias para os partida' do que qualquer ação contra vulgar espírito interesseiro. E, sem essa integridade, até mesmo
suas metas objetivas. N a França, a substituição de prefeito em as funções puramente técnicas do aparato estatal seriam postas
conseqüência da política partidária sempre foi considerada como em risco. A significação do aparato estatal para a economia vem
uma transformação maior e sempre causou maiores protestos do aumentando, especialmente com a crescente socialização, e sua
que a modificação do programa governam ental — que tem quase significação aum entará ainda mais.
que a significação de um mero palavrório. A lguns partidos, es­ Nos Estados Unidos, a administração am adorística, através
pecialmente na A mérica, desde o desaparecimento dos velhos de políticos rapaces, de acordo com o resultado das eleições pre­
conflitos sobre a interpretação da constituição, transformaram-se sidenciais, teve como conseqüência a substituição de centenas
em .simples partidos para o controle de cargos, distribuindo em ­ de milhares de funcionários, incluindo até um simples carteiro.
pregos e modificando seu programa m aterial segundo as opor­ A administração nada sabia do servidor público profissional, que
tunidades dè conseguir votos. a isso dedica a sua vid a; não obstante, essa administração am a­
Na Espanha, até recentemente, os dois grandes partidos, de dorística foi, há muito, lim itada pela Reforma do Serviço Público.
uma forma convencionalmente fixa, se substituíam no poder As necessidades puram ente técnicas, incontestáveis, da adm inis­
através de “eleições” fabricadas na cúpula, a fim de proporcionar tração determ inaram tal evolução.
cargos aos seus seguidores. Nos territórios coloniais espanhóis, Na Europa, o funcionalismo especializado, baseado na divi­
nas chamadas “eleições”, bem como nas chamadas “revoluções”, são do trabalho, surgiu num a evolução grad ativa de meio m ilhar
o que estava em jogo era sempre o cesto de pão do Governo do de anos. As cidades italianas e senhorias foram o início, entre
qual os vencedores se queriam alim entar. as m onarquias, e os estamentos dos conquistadores normandos. O
Na Suíça, os partidos dividiram pacificamente os cargos passo decisivo, porém, foi dado em relação à adm inistração das
entre si, proporcionalmente, e alguns das nossos esboços constitu­ finanças do príncipe. Com as reformas adm inistrativas do Im ­
cionais “revolucionários”, por exemplo o primeiro esboço da perador M ax, podemos ver como foi difícil para os servidores
constituição badeniana, tentaram estender esse sistema até os pos­ depor com êxito o príncipe, nesse setor, mesmo sob a pressão da
tos ministeriais. Assim, o Estado e os cargos estatais eram con­ emergência extrema e do domínio turco. A esfera das finanças
siderados como simples instituições para a divisão em despojos. era a que menes podia tolerar o diletantism o de um governante
— que, naquela época, era acima de tudo um cavaleiro. O desen­
O Partido Católico do Centro foi quem se mostrou mais volvimento da técnica guerreira ex igiu o perito e o oficial espe­
entusiasmado com esse projeto. N a B adênia, o partido, como cializado. Nessas três áreas — finanças, guerra e direito — os
elemento de sua plataforma política, tornou a distribuição de servidores especializados nos Estados m ais adiantados triunfavam
cargos proporcional às crenças religiosas e, portanto, sem qual­ claram ente durante o século XVI. Com a ascendência do abso­
quer relação com o mérito. Essa tendência torna-se mais forte lutismo do príncipe sobre os estamentos, houve sim ultaneam ente
para todos os partidos quando o número de cargos aumenta em uma abdicação gradativa do seu Governo autocrático em favor de
conseqüência da burocratização geral e quando a exigência de um corpo de servidores especializados. Esses funcionários apenas
cargos aumenta porque representam um meio de vida especi­ facilitaram a vitória do príncipe sobre os estamentos.
ficamente seguro. Para seus adeptos, os partidos se tornam cada
O aparecimento dos “políticos destacados” se fez juntam ente
vez mais um meio para alcançar o fim de ser beneficiado dessa
com a ascendência de um funcionalismo especializado, embora
maneira.
em transições m uito menos perceptíveis. É claro que esses conse­
A evolução do funcionalismo moderno no sentido de se tor­ lheiros realm ente decisivos dos príncipes existiram em todas as
nar uma força de trabalho profissional e altam ente especializada, épocas e em todo o mundo. No Oriente, a necessidade de afastar
A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO 111
110 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

do Sultão a responsabilidade pessoal pelo êxito do Governo criou ressava-se em poder nomear os ministros entre os servidores de­
a figura típica do “G rão-V izir”. No Ocidente, influenciada dicados, à sua discrição. Ambos os grupos, porém, queriam ver
principalm ente pelos relatórios dos legados venezianos, a diplo­ a liderança política enfrentar o parlamento de modo unido e
macia tornou-se a princípio uma arte cultivada conscientemente solidário e, daí, ver o sistema colegiado substituído por um único
na época de Carlos V , no tempo de M aquiavel. Os relatos dos chefe do Gabinete. A lém disso, a fim de ser afastado, de modo
legados venezianos eram lidos com zelo apaixonado nos círculos exclusivamente formal, da luta dos partidos e dos ataques parti­
diplomáticos especializados. Os adeptos dessa arte, que eram dários, o monarca necessitava de um a pessoa que o protegesse e
em geral educados humanisticamente, tratavam-se como iniciados assumisse a responsabilidade, ou seja, que respondesse ao parla­
treinadas, semelhantes aos estadistas humanistas chineses no úl­ mento e negociasse com os partidos. Todos esses interesses
timo período dos estamentos belicosos. A necessidade de uma funcionaram juntos e na mesma direção: surgiu um ministro
direção formalmente unificada de toda a política, inclusive dos para d irig ir a esfera oficial de modo unificado.
assuntos internos, por um estadista principal, só surgiu de forma Quando o parlamento predominou sobre o monarca — como
final e vigorosa com a evolução constitucional. É claro que na I n g l a t e r r a o desenvolvimento do poder parlam entar agiu
personalidades individuais, como os conselheiros dos príncipes, ainda m ais fortemente na direção de um a unificação do aparato
ou antes, na verdade, os líderes, haviam existido repetidamente estatal. N a Inglaterra, o “Gabinete”, tendo como “líder” o chefe
antes disso. Mas a organização de agências adm inistrativas mes­ do parlam ento, desenvolveu-se como um comitê do partido que
mo nos Estados mais adiantados seguiu prim eiram ente outros ca­ controla a m aioria. Esse poder partidário era ignorado oficial­
minhos. Surg iram as agências adm inistrativas colegiadas de mente, mas na verdade somente ele era politicamente decisivo.
cúpula. Em teoria, e em proporções gradativam ente decrescentes, Os órgãos colegiados oficiais, como tal, não eram órgãos do po­
na verdade, elas se reuniam sob a presidência pessoal do príncipe, der dominante, o partido, e portanto não poderiam ser os depo­
que tomava as decisões. Esse sistema colegiado levou às exposições sitários do verdadeiro Governo. O partido dominante exigia uma
de motivas, contra-exposições e ao voto racional da m aioria e da organização sempre pronta, composta apenas de seus homens
minoria. A lém dos funcionários e das autoridades mais elevadas, principais, que discutiriam confidencialmente as questões a fim
o príncipe cercava-se de pessoas de confiança puramente pessoal de manterem o poder entre si e serem capazes de se dedicar à
— o “Gabinete” — e através delas tomava suas decisões, depois grande política, fora do grupo. O Gabinete é simplesm ente essa
de exam inar as resoluções do conselho estatal, ou qualquer outro organização. Em sua relação com o público, porém, especial­
nome que tivesse a mais alta agência estatal. O príncipe, colo­ mente o público parlam entar, o partido precisava de um líder
cando-se cada vez mais na posição do diletante, buscava livrar-se responsável por todas as decisões — o chefe do Gabinete. O sistema
do peso, necessariamente crescente, dos servidores especializados, inglês foi levado para o continente europeu na forma de m i­
usando para isso o sistema colegiado e o Gabinete. Buscava con­ nistérios parlamentares. Somente na A m érica e nas democracias
servar a liderança em nível m ais elevado. Essa luta latente entre por ela influenciadas, um sistema bastante heterogêneo foi con­
traposto a este. O sistema am ericano coloca o líder do partido
o funcionalismo especializado e o Governo autocrático existiu
vitorioso, eleito direta e popularmente, na chefia do aparato de
sempre. A situação só se modificou frente aos parlamentos e
servidores por ele nomeados e só o torna dependente do con­
às aspirações de poder dos líderes partidárias. Condições muito
sentimento do “parlam ento” em questões orçamentárias e legis­
diferentes levaram a resultado externam ente idêntico, embora,
lativas.
na verdade, com algumas diferenças. Sempre que as dinastias
conservavam o poder prático nas suas mãos — como ocorreu es­ O desenvolvimento da política num a o rganização que exigia
pecialmente na A lem anha — os interesses do príncipe associavam- o treinamento na luta pelo poder, e nos métodos dessa luta, tal
-se aos interesses do funcionalismo contra o parlam ento e suas aspi­ como o desenvolveram os modernos partidos políticos, determinou
rações de poder. Os funcionários interessavam-se também pelas a separação dos funcionários públicos em duas categorias que,
posições de destaque, ou seja, postos m inisteriais, fazendo delas porém, não são rigidam ente separadas, embora sejam distintas.
um objetivo da carreira oficial. O monarca, por sua vez, inte­ Essas categorias são os funcionários “adm inistrativos”, de um
112 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO 113

lado, e os funcionários “políticos”, de outro. Estes, no verdadeiro que decidem a política da empresa, a “diretoria” controlada pelo
sentido da palavra, “políticos”, podem ser reconhecidos regular banco, dão apenas a orientação econômica e selecionam as pessoas
e extrem amente pelo fato de poderem ser transferidos a q ual­ para a adm inistração, sem serem, elas mesmas, capazes de d irigir
quer momento, de serem demissíveis ou pelo menos afastados tècnicamente a empresa. Assim, a presente estrutura do Estado
tem porariamente. São como os prefeitos franceses e funcionários revolucionário não encerra nada de novo, em princípio. Colo­
equivalentes de outros países, e isso contrasta agudamente com a ca o controle da adm inistração nas mãos de diletantes absolutos
“independência” dos funcionários com atribuições judiciais. N a que, em virtude do seu controle das metalhadoras, preferem usar
Inglaterra, os funcionários que, segundo convenção fixa, se afastam os funcionários especializados apenas como chefes e auxiliares exe­
do cargo quando há uma modificação na m aioria parlamentar, e cutivos. As dificuldades do presente sistema estão em outros as­
daí um a modificação no Gabinete, pertencem a esta categoria. H á pectos, mas essas dificuldades não nos interessam, aqui. Vamos
entre eles, habitualmente, alguns cuja competência inclui o controle examinar, antes, a p eculiaridade típica dos políticos profissionais,
da “adm inistração interna” geral. O elemento político consiste, dos “líderes” bem como de seus seguidores. Sua natureza modi­
acim a de tudo, na tarefa de manter a “lei e a ordem ” no país, e, ficou-se e hoje varia m uito, de um caso para outro.
portanto, da manutenção das relações de poder existentes. Na Vimos que no passado os “políticos profissionais” se desen­
Prússia esses funcionários, de acordo com o decreto de Puttkamer volveram através da luta dos príncipes com os estamentos e que
e a fim de evitar a censura, eram obrigados a “representar a serviram aos príncipes. V amos exam inar rapidam ente os princi­
política do Governo”. E como os prefeitos da França, eles eram pais tipos desses políticos profissionais.
usados como um aparato oficial para influir nas eleições. A
maioria dos funcionários “políticos” do sistema alemão — em Enfrentando os estamentos, o príncipe encontrou apoio nas
contraste com outros países —■ eram igualm ente lim itados no camadas politicam ente exploráveis, fora da ordem dos estamentos.
que se refere ao acesso aos postos que exigiam um a educação Entre estas estavam, prim eiro, o clero das índias O cidentais e
universitária, exames especiais e serviço preparatório especial. Orientais, na C hina budista e no Japão, n a M ongólia lamaísta,
Na A lem anha, somente os chefes do aparato político, os m inis­ tal como nos territórios cristãos da Idade M édia. O clero era
tecnicamente útil porque era alfabetizado. A importação dos
tros, carecem dessa característica específica do serviço público
moderno. Mesmo sob o regim e antigo, era possível ser M inistro brâmanes, sacerdotes políticos, lam as e o emprego de bispos e
da Educação da Prússia sem ter freqüentado jam ais qualquer padres como conselheiros políticos ocorreram com o objetivo de
instituição de ensino superior, mas só se podia ser Vortragender obter forças adm inistrativas que soubessem ler e escrever e pu­
dessem ser usadas na luta do imperador, príncipe ou cã, contra a
R a t 7 à base de um exame determ inado. Os Dezernent e Vor-
aristocracia. Ao contrário do vassalo que enfrentava o senhor
tragender R at especializados e treinados eram , é claro, muito
geral, o clero, especialmente o celibatário, estava fora da m áquina
melhor informados sobre os verdadeiros problemas técnicos da
dos interesses políticos e econômicos e não era tentado pela lu ­
divisão do que seu chefe — por exemplo, Althoff, no M inistério da
ta pelo poder político, para si ou seus descendentes. Em virtude
Educação prussiano. Não era diferente na Inglaterra. A ssim,
do seu próprio status, o clero estava “separado” dos implementos
em todas as exigências rotineiras o chefe de divisão era mais controladores da adm inistração do príncipe.
poderoso do que o ministro, o que se justificava. O ministro
era sim plesmente o representante da constelação de poder político; Os literatos de educação humanista compreendem a segunda
tinha de representar os poderosos quadros políticos e tinha de dessas camadas. H ouve um a época em que se aprendia a escrever
analisar as propostas de seus funcionários especializados, subor­ discursos latinos e versos gregos para se poder ser conselheiro
dinados, ou dar-lhes a orientação de natureza política. político de um príncipe e, principalm ente, para ser mem orialista.
Foi a época do primeiro florescimento das escolas hum anistas e
A final de contas, as coisas são muito semelhantes numa em­ das fundações principescas para professores de “poética”. P ara
presa econômica privada: o verdadeiro “soberano”, as assembléias nós, foi um a época transitória, que teve influência bastante per­
de acionistas, influi tão pouco na administração quanto um sistente em nosso sistema educacional, sem maiores resultados
“povo” governado pelos funcionários especializados. E as pessoas políticos, porém. No Leste da Á sia, foi diferente. O m andarim
8
114 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO 115

chinês é, ou antes foi originalm ente, quase o mesmo que o Todo o início do pensamento jurídico racional da Escola
humanista de nosso período da Renascença: um letrado treinado Indiana de M im am sa e todo o cultivo, posterior, do pensamento
humanisticamente e testado nos monumentos lingüísticos do pas­ jurídico antigo no Islã foram incapazes de im pedir que a noção
sado remoto. Quando lemos os diárias de L i H ung C hang do Direito racional fosse superada pelas formas teológicas de
vemos que seus maiores motivos de orgulho são seus poemas pensamento. Acim a de tudo, o processo legal não foi plenamente
e o fato de ser um bom calígrafo. Esta camada; com suas racionalizado nos casos da índ ia e do Islamismo. Essa racionali­
convenções desenvolvidas e modeladas pela A ntigüidade chinesa, zação foi provocada no continente europeu apenas através do uso
determinou todo o destino da C hina; e talvez nosso destino tives­ da velha jurisprudência romana pelos juristas italianos. A juris­
se sido semelhante se os humanistas, em sua época, tivessem a prudência rom ana é o produto de uma estrutura política que
menor possibilidade de conseguir influencia semelhante. surge da cidade-Estado para alcançar domínio m un dial — um
A terceira camada era a nobreza cortesã. Depois que os produto de natureza excepcional. O usus modernus. dos últim os
príncipes conseguiram expropriar o poder político da nobreza pandectistas e canonistas medievais fundiu-se às teorias do direito
como um estamento, atraíram os nobres para a corte e os usaram natural, nascida do pensamento jurídico e cristão, m ais tarde se-
em seu serviço político e diplomático. A transformação de nosso cularizado. Esse racionalismo jurídico teve seus grandes represen­
sistema educacional no século XVII foi, em parte, determinado tantes entre a podestà italiana, os juristas crim inais, na França
pelo fato de terem os nobres da corte, como políticos profissionais, (que criaram os meios formais de solapar o domínio dos
substituído os literatos hum anistas e ingressado no serviço dos setgneurs pelo poderio r e al), entre os canonistas e teólogos dos
príncipes. concílios eclesiásticos (pensando em termos de direito n atural),
entre os juristas da corte e juizes acadêmicos dos principados
A quarta categoria foi um a instituição especificamente in ­
continentais, entre os professores holandeses de D ireito N a tural
glesa. U m a cam ada patrícia desenvolveu-se ali, compreendida e os monarcom aquistas, entre os juristas crim inais e legislativos,
pela pequena nobreza e pelos que viviam de rendas: são entre a noblesse de robe do P arlam ento francês e, finalm ente,
chamados, tecnicamente, de “gentis-hom ens”. Essa classe inglesa entre os juristas da época da Revolução Francesa.
representa um a camada que o príncipe atraia originalm ente a
fim de neutralizar os barões. O príncipe colocava a camada Sem esse racionalismo jurídico, a ascensão do Estado abso­
luto é tão pouco im aginável quanto a revolução. Se exam inar­
na posse dos cargos de "Governo autonomo , e mais tarde ele
mos os protestos dos Parlamentos franceses ou os cadernos dos
próprio passou a depender cada vez mais deles. Os gentis-homens
Estados-Gerais franceses do seculo X VI ao ano de 1789, veremos
mantinham a posse de todos os cargos da adm inistração local,
em toda parte o espírito dos juristas. E se examinarm os a com­
assumindo-os sem vantagens, no interesse de seu próprio poder
posição ocupacional dos membros da Assem bléia Francesa, en­
social. Os gentis-homens salvaram a Inglaterra d a burocratiza-
contraremos ali — em bora os membros da Assem bléia fossem elei­
ção que foi o destino de todos os Estados continentais. tos através de um a franq uia ig ual — um único proletário, pou­
Um a quinta camada, o jurista de formação u niversitária, é cos empresários burgueses, mas juristas em massa, de todos os
peculiar ao Ocidente, especialmente ao continente europeu, e foi tipos. Sem eles, a m entalidade específica que inspirou esses
de significação decisiva para a estrutura política do continente. intelectuais radicais e seus projetos seria inconcebível. Desde a
O tremendo efeito posterior do Direito Romano, transformado Revolução Francesa, o moderno jurista e a moderna democracia
pelo Estado burocrático romano do período final, destaca-se prin­ associaram-se absolutamente. E os juristas, em nosso sentido de
cipalmente pelo fato de que em toda parte a revolução da adm i­ um grupo de status independente, só existem também no Ocidente.
nistração política na direção do Estado racional foi promovida Desenvolveram-se desde a Idade M édia, partindo do Fürsprech
pelos juristas formados. Isso ocorreu também na Inglaterra, em­ do processo form alista da Alem anha, sob o impacto da racio nali­
bora ali as grandes corporações nacionais de juristas tivessem zação do julgam ento.
dificultado a recepção do Direito Romano. Não ha analogia A significância do jurista na política ocidental, desde a
com esse processo em n enhum a área do mundo. ascensão dos partidos, não é acidental. O controle da política
116 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO 117

pelos partidos significa, simplesmente, o controle pelos grupos no sentido mais elevado, todo o aparato cairia aos pedaços. A
de interesse. Veremos, dentro em pouco, o que isto significa. honra do líder político, do estadista importante, porém, está pre­
O ofício do advogado treinado é defender, com eficiência, a cisamente num a responsabilidade pessoal exclusiva pelo que ele
causa dos clientes interessados. Nisso, o advogado é superior a faz, uma responsabilidade que ele não pode e não deve rejeitar
qualquer “funcionário”, tal como a superioridade da propaganda ou transferir. É da natureza dos funcionários de alta posição
inim iga [a propaganda aliada na guerra de 1914-18] nos mostra. moral serem maus políticos e, acim a de tudo, no sentido político
Sem dúvida ele pode defender e vencer um a causa apoiado da palavra, serem políticos irresponsáveis. Nesse sentido, são
em argumentos logicamente fracos e que, nesse sentido, é um a políticos de baixa posição moral, como os que nós infelizmente
causa “fraca”. Não obstante, ele a ganha porque tecnicamente tivemos numerosas vezes em posições de destaque. Foi a isso
faz para ela um a “argumentação forte”. M as o advogado só que chamamos de Beamternherrschaft [dom ínio do serviço pú­
pode defender com êxito um a causa que pode ser apoiada em blico] e realmente nenhum a mancha existe na honra de nosso
argum ento de força lógica, tratando assim “bem” um a causa funcionalismo se revelarmos o que está politicamente errado no
“boa”. Com demasiada freqüência o servidor civil como político sistema, do ponto de vista do êxito. Mas voltemos m ais uma
transforma um a causa boa sob todos os aspectos nu ma causa vez aos tipos de figuras políticas.
“fraca”, através de um a argumentação tecnicamente “fraca”. Foi
Desde a época do Estado constitucional, e definidamente
isso o que aconteceu conosco. Em gra u bastante acentuado, a
desde que a democracia se estabeleceu, o “demagogo” tem sido
política de hoje é na verdade conduzida em público por meio
o líder político típico no Ocidente. O desagradável sabor da
da palavra escrita ou falada. Pesar o efeito da palavra propria­
palavra não deve levar-nos a esquecer que não Cleone, mas
mente é tarefa do advogado; mas não se enquadra entre as
Péricles, foi o primeiro a trazer o nome de demagogo. Em
atribuições do servidor público. Este não é demagogo, nem tem
contraste com os cargos da antiga democracia, que eram preen­
o objetivo de ser. Se, não obstante, ele tenta tornar-se demagogo,
chidos pela sorte, Péricles chefiou a Ecclesia soberana do demos
o faz habitualmente, de forma imperfeita.
de Atenas como um estrategista supremo, retendo o único posto
Segundo sua vocação, o funcionário autêntico — e isso é eletivo, ou sem qualquer posto. A dem agogia moderna também
decisivo para a avaliação de nosso antigo regim e — não se de­ faz uso da oratória, em proporções extremas, mesmo se consi­
dicará à política. Deve dedicar-se, de preferência, à “adm inistra­ derarmos os discursos eleitorais que um moderno candidato tem
ção” imp arcial. Isso também é válido para o chamado adm inis­ de pronunciar. M as o uso da palavra impressa é m ais dura­
trador “político”, pelo menos oficialm ente, na medida em que douro. O publicista político, e acim a de tudo o jornalista, é
a raison d’état, ou seja, os interesses vitais da ordem dominante hoje o representante mais importante da espécie dem agógica.
não estiverem em causa. Sine ira. et studio, “sem ressentimento
nem preconceito”, ele adm inistrará seu cargo. D aí não fazer Dentro dos lim ites desta conferência, é impossível até mesmo
precisamente o que o político, o líder bem como seu séquito, tem esboçar a Sociologia do jornalism o político moderno, que sob
sempre e necessariamente de fazer, ou seja, lutar. todos os aspectos constitui um capítulo em si mesmo. C ertam ente,
somente uns poucos aspectos relacionados com ele cabem, aqui.
Tom ar um a posição, ser apaixonado — ira et studium — Em comum com todos os demagogos e, incidentalm ente, com o
é o elemento do político e, acima de tudo, o elemento do líder advogado (e o artista), o jornalista também não se enquadra num a
político. Sua conduta está sujeita a um princípio de responsabi­ classificação social determ inada. Pelo menos é isso o que ocorre no
lidade m uito diferente e, na verdade, exatam ente contrário ao continente europeu, em contraste com a Inglaterra, e, também,
princípio do servidor público. A honra deste está em sua capa­ com as condições anteriores da Prússia. O jornalista pertence a
cidade de executar conscienciosamente a ordem das autoridades uma espécie de casta de párias, que é sempre estim ada pela “socie­
superiores, exatamente como se a ordem concordasse com sua dade” em termos de seu representante eticam ente m ais baixo.
convicção pessoal. Isso é válido até mesmo se a ordem lhe parece Daí as mais estranhas noções sobre jornalistas e seu trabalho.
errada e se, apesar dos protestos do servidor civil, a autoridade Nem todos compreendem que um a realização jornalística real­
insiste nela. Sem essa disciplina moral e essa omissão voluntária, mente boa exige pelo menos tanto “gênio” 4 quanto qualquer
E N SA IO S DE SO CIO LO G IA A P O L ÍT IC A C O M O VO CAÇÃO 119
118

realização erudita, especialmente devido à necessidade de produzir adversários [os A liad os]. M as ali também, e em todos os Estados
imediatamente, e “de encomenda”, devido à necessidade de ser modernos, aparentemente o trabalhador jornalístico gan ha cada
eficiente, na verdade, em condições de produção totalmente di­ vez menos à m edida que o senhor capitalista da im prensa, do
ferentes. Quase nunca se reconhece que a responsabilidade do tipo de “Lorde” Northcliffe, por exemplo, ganha cada vez
jornalista é muito maior, e que o senso de responsabilidade de mais influência política.
todo jornalista honrado não é, em média, em nada inferior ao A té agora, porém, nossas grandes empresas jornalísticas capi­
do professor, mas. como a guerra mostrou, superior. Isso ocorre talistas, que controlam especialmente a “cadeia de jornais”, com
porque, pela natureza mesma do caso, as realizações jornalísticas “anúncios classificados”, foram, regular e tipicamente, os fomen­
irresponsáveis e seus efeitos, por vezes terríveis, são lembrados. tadores da indiferença política. Pois não se poderiam colher lu ­
Ninguém acredita que a discrição de qualquer jornalista ca­ cros num a política independente; especialmente, não se poderia
paz se situa acima da m édia de outras pessoas, e, não obstante, obter a lucrativa benevolência dos poderes politicam ente domi­
assim é. A s tentações muito mais graves, e as outras condições nantes. A publicidade comercial também é o caminho pelo qual,
que acompanham o trabalho jornalístico no momento presente, durante a guerra, se procurou influir politicamente n a imprensa,
produzem os resultados que condicionaram a forma pela qual o em grande estilo — tentativa que agora é evidentem ente conside­
público vê a imprensa, com um misto de desdém e covardia pie­ rada como de continuação desejável. Embora possamos esperar
dosa. Não podemos discutir aqui o que se deve fazer. Interes­ que os grandes jo rnais escapem a essa pressão, a situação dos pe­
sa-nos a questão do destino ocupacional do jornalista político e quenos será muito m ais difícil. De qualquer modo, no momento,
de sua possibilidade de alcançar uma posição de liderança política. a carreira jornalística não é, entre nós, um caminho norm al para
Até agora, o jornalista só teve oportunidades favoráveis no Partido a ascensão dos líderes políticos, qualquer que seja a atração que
Social-Democrata. Dentro do partido, as posições editoriais tive­ o jornalismo possa ter, sob outros aspectos, e qualquer que seja
ram, predominantemente, a natureza de postos oficiais, mas não a medida de influência, âmbito de atividade e responsabilidade
constituíram base para posições de liderança. especialmente política que possa proporcionar. Temos de esperar
para ver. T alvez o jornalism o não tenha mais essa função, ou
Nos partidos burgueses, no conjunto, as possibilidades de
talvez o jornalism o ainda não a tenha. Se a renúncia ao princí­
ascensão ao poder político, através desse caminho, são ainda piores,
pio de anonimato significar um a modificação nisso, é difícil de
em comparação com o que ocorria na geração anterior. N atural­
dizer. A lguns jornalistas — nem todos — acreditam no abandono
mente, todo político conseqüente precisou de influir na imprensa
do anonimato por princípio. O que experim entam os durante a
e, daí, precisou de relações com a imprensa. Mas os líderes par­
guerra, na imprensa alemã, e na “adm inistração” dos jornais por
tidários surgidos da imprensa constituíram exceção absoluta, e
personalidades e escritores de talento, especialmente contratados,
não se pode contar com isso. A razão de tal fenômeno está na
“indispensabilidade” do jornalista, que cresceu muito, e, acima que sempre figuraram sob os seus nomes, mostrou infelizm ente
de tudo, do jornalista sem bens e, portanto, condicionado pro­ que, em alguns dos casos m ais conhecidos, um a consciência maior
fissionalmente, indispensabilidade essa determ inada pela intensi­ da responsabilidade não decorreu nas proporções em que se espe­
dade e ritmo muito mais intenso das operações jornalísticas. A rava. A lguns dos jornais foram, sem considerações partidárias,
necessidade de ganhar a vida escrevendo artigos diários ou pelo precisamente os que se tornaram m ais notoriamente sensacionalis­
menos sem anais é como um chumbo nos pés dos políticos. Co­ tas; abandonando o anonimato, lutaram por m aior circulação
nheço casos nos quais líderes naturais ficaram permanentemente e a conseguiram. Os diretores bem como os jornalistas do sensa-
paralisados em sua ascensão ao poder, externamente e acima de cionalismo gan haram fortunas, mas certamente não ganharam
tudo internamente, por essa compulsão. A s relações da imprensa honra. N ad a dizemos aqui contra o princípio de promover ven­
com os poderes dominantes no Estado e nos partidos, sob o das; a questão é, na realidade, complexa, e o fenômeno do sen-
velho regim e [do K aiser] foram as m ais prejudiciais possíveis sacionalismo irresponsável não tem validade geral. M as até
para o nível do jornalism o; isso constitui, porém, um capítulo agora, o sensacionalismo não tem sido o caminho para a verda­
à parte. Essas condições foram diferentes nos países de nossos deira lideran ça ou para a adm inistração responsável da política.
A P O L ÍT IC A C O M O VO CAÇÃO 1 21
120 E N SA IO S DE SO CIO LO G IA

Resta-nos ver como se desenvolverão as condições. Não obstante, homens está prim ordialmente interessado na vida política e, daí,
a carreira jornalística continua, em todas as circunstâncias, um em partilhar o poder político. Eles se proporcionam um séquito
dos mais importantes caminhos da atividade política profissional. através do recrutamento livre, apresentam-se, ou a seus protegidos,
Não é um caminho para todos, m uito menos para o caráter fraco, como candidatos a eleição, recolhem os meios financeiros e lan­
especialmente para as pessoas que podem manter seu equilíbrio çam-se à caça de votos. É inim aginável como, nas grandes asso­
interior apenas com um a posição social segura. Se a vida de um ciações, as eleições possam funcionar sem esse padrão. N a prática,
jovem erudito está em jogo, ainda assim ele continuará murado isto significa a divisão dos cidadãos com o direito de votar em
pelas rígidas convenções sociais, que impedem o seu deslize. Mas elementos politicamente ativos e politicamente passivos. Essa d i­
a vida do jornalista é um jôgo absoluto sob todos os aspectos e ferença baseia-se em atitudes voluntárias, daí ser impossível abo­
sob condições que põem â prova a segurança interna da pessoa, li-la através de medidas como o voto obrigatório, ou a “repre­
de forma que raram ente ocorre em qualquer outra situação. As sentação dos grupos profissionais”, ou medidas semelhantes que
experiências, freqüentemente amargas, da vida ocupacional, talvez se dirigem , expressa ou praticamente, contra este estado de coisas
nem sejam as piores. As exigências íntim as que se voltam pre­ e o Governo dos políticos profissionais. A liderança ativa e seu
cisamente sobre o jornalista de êxito são especialmente difíceis. séquito recrutado livremente são os elementos necessários à vida
Não é, na verdade, problema pequeno freqüentar os salões dos de qualquer partido. O séquito, e através dele, o eleitorado passi­
poderosos em aparente pé de igualdade e, geralm ente, ser lison­ vo, são necessários à eleição do líder. M as a estrutura dos par­
jeado por todos, porque se é temido, sabendo porém durante tidos varia. Por exemplo, os “partidos” das cidades medievais,
todo o tempo que, m al fechada a porta, o anfitrião talvez tenha como o dos guelfos e gibelinos, eram séquitos exclusivamente
de se justificar perante seus hóspedes pela sua associação com pessoais (clien telas). Se exam inarm os vários aspectos desses parti­
os “lixeiros da imprensa”. A lém disso, não é fácil expressar-se dos medievais, lembrar-nos-emos do bolchevismo e seus Sovie­
rápida e convincentemente sobre isto e aquilo, sobre todos os tes. Vejamos, por exemplo, os Statuta delia parte Guelfa, com
im agináveis problemas da vida — segundo as exigências do “mer­ certas disposições como o confisco dos bens dos Nob ili — que
cado” — e fazê-lo sem se tornar absolutamente raso e acima originalm ente incluíam todas as fam ílias que levavam um a vida
de tudo sem perder a dignidade, desnudando-se, o que tem resul­ cavalheiresca e que assim se qualificavam para tornarem -se pro­
tados impiedosos. Não é de espantar que existam muitos jor­ prietários de fundos — ou ainda a supressão do direito de exercer
nalistas que se tornaram fracassos humanos e homens indignos. um a função ou do direito de voto dos membros destas famílias,
É, antes, espantoso que, apesar de tudo isso, esta camada mesma ou por fim quando consideramos a estrutura dos comitês inter-
inclua um número tão grande de homens de valor e realmente -regionais deste partido, sua organização m ilitar severa e os prê­
autênticos, um fato que as pessoas distantes da profissão d ificil­ mios aos delatores. Consideremos o bolchevismo, com a cuidadosa
mente im aginam . seleção dos m ilitares e, especialmente na Rússia, suas organizações
Se o jornalista como tipo de político profissional remonta a de delação, o desarmamento e a negativa dos direitos políticos dos
um passado considerável, a figura do funcionário de partido per­ “burgueses”, ou seja, do empresário, do comerciante, do homem
tence a um a evolução das últim as décadas e, em parte, somente que vive de rendas, do burocrata, dos descendentes da dinastia,
aos anos recentes. A fim de compreender a posição dessa figura dos agentes policiais, bem como a política de confiscos.
na evolução histórica, teremos de nos voltar para um a consideração Essa analogia é ainda mais notável quando vemos que, de
dos partidos e organizações partidárias. um lado, a organização m ilitar do partido m edieval constituía
Em todas as associações políticas m ais ou menos am plas, um simples exército de cavaleiros organizados à base dos esta­
ou seja, associações que vão além da esfera e alcance das tarefas mentos feudais existentes e que os nobres ocupavam quase todas
dos pequenos distritos rurais onde os detentores do poder são as posições de mando e, por outro lado, que os sovietes preser­
eleitos periodicamente, a organização política é necessariamente varam , ou, melhor, réadotaram, o empresário altam ente pa­
controlada por homens interessados no controle da política. Isto go, o salário de grupo, o sistema T aylor, a d isciplina m ilitar e
equivale a dizer que um número relativam ente pequeno de da oficina, e a busca de capital estrangeiro. Portanto, num a pa­
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12 2 EN SA IO S DE SO C IO LO G IA

lavra, os Sovietes tiveram de aceitar novamente, e de forma absc- Sõmente o jornalista é um político profissional pago; somente a
luta, todas as coisas que o bolchevismo combatia como institui­ administração do jornal é uma organização política contínua.
ções burguesas de classe. T iveram de fazê-lo para manter o Além do jornal, há apenas a sessão parlam entar. Os delegados
Estado e a economia em funcionamento. A lém disso, os Sovietes parlam entares e os líderes partidários no Parlam ento sabem para
reinstituíram os agentes da antiga Ochrana [polícia secreta tza- quais personalidades locais notáveis se devem voltar quando a
rista] como os principais instrumentos do seu poderio estatal. ação política parece desejável. Mas as associações permanentes
Mas no caso não temos de tratar com essas organizações de vio­ dos partidos só existem nas grandes cidades, com moderadas con­
lência, mas com os políticos profissionais que lutam pelo poder tribuições dos membros e conferências e reuniões públicas perió­
através de campanhas partidárias “pacíficas”, no mercado dos dicas, nas quais o delegado expõe as atividades parlam entares.
O partido só está vivo durante os períodos de eleição.
votos.
Os partidos, no sentido habitual, entre nós, eram a princípio, Os membros do Parlam ento interessam-se pela possibilidade
como por exemplo na Inglaterra, simples séquitos da aristocra­ de compromissos eleitorais interlocais, pelos programas vigorosos
cia. Se, por qualquer razão, um par m udava de partido, todos e unificados endossados pelos amplos círculos e pela agitação u ni­
os que dependiam dele também m udavam. A té a Lei da Reforma ficada através de todo o país. Em geral, esses interesses formam
[de 1832] as grandes fam ílias nobres e, em últim o luga r mas a força propulsora de um a organização partidária que se torna
não menos importante, o rei, controlavam um número imenso cada vez mais rigorosa. Em princípio, porém, a n atureza de um
de burgos eleitorais. Próximos desses partidos aristocráticos es­ aparato partidário como associação de notáveis permanece ina l­
tavam os partidos dos notáveis, que se desenvolveram em toda terada. Isso ocorre, embora um a rede de filiações e agentes par­
parte com o aumento do poder dos burgueses. Sob a liderança tidários locais esteja difundida por todo o país, incluindo as cidades
espiritual da cam ada intelectual típica do Ocidente, os círculos de tamanho médio. Um membro do grupo parlam entar age
abastados e cultos se distinguiram em partidos, e os seguiram. como o chefe do escritório central do partido e m antém corres­
Esses partidos foram formados de acordo com os interesses de pondência constante com as organizações locais. Fora desse escri­
classe, as tradições familiares e as razões ideológicas, em propor­ tório central, ainda não há funcionários pagos; pessoas perfeita­
ções iguais. Clérigos, professores, mestres, advogados, médicos, mente “respeitáveis” chefiam as organizações locais, pela defe­
farmacêuticos, agricultores prósperos, industriais — n a Inglaterra, rência que, de qualquer modo, isso lhes proporciona. F orm am
toda a cam ada que se considerava pertencente à classe dos cava­ os “notáveis” extraparlam entares que exercem influência jun ta­
lheiros — formaram, a princípio, associações ocasionais na maio­ mente com a cam ada dos notáveis políticos que esteja no parla­
ria dos clubes políticos locais. Em épocas de in tranqüilidade, a mento. A correspondência do partido, porém, preparada pelo
pequena burguesia elevava sua voz, e de quando em vez o pro­ partido, proporciona cada vez mais um alimento intelectual para
letariado, se surgissem líderes, que, entretanto, via de regra não a imprensa e para as reuniões locais. Contribuições regulares dos
vinham de seu seio. Nessa fase, os partidos organizados como membros tornam-se indispensáveis; um a parte delas deve cobrir
associações permanentes entre localidades ain da não existem cla­ as despesas com a sede.
ramente. Somente os delegados parlam entares criam a coesão; e Não há muito, a m aioria das organizações partidárias alem ãs
os notáveis locais são decisivos para a eleição dos candidatos. Os ainda estava nessa fase de desenvolvimento. N a França, a pri­
programas eleitorais se originam , em parte, na atração eleitoral meira etapa do desenvolvimento dos partidos, pelo menos em
dos candidatos, em parte nas reuniões dos notáveis. Ou surgem parte, ainda predominava, e a organização dos membros do parla­
como resoluções do grupo parlamentar. A liderança dos clubes mento era instável. No interior vamos encontrar vários notáveis
é um a atividade secundária e um a empresa honorífica, segundo as locais e programas preparados pelos candidatos ou organizados
exigências do momento. para eles pelos seus patronos em cam panhas específicas pelos
Onde não existem clubes (como ocorre na m aioria dos casos) postos eletivos. N a verdade, essas plataformas constituem adap­
a adm inistração informal da política, em épocas normais, está nas tações mais ou menos locais às resoluções e programas dos mem­
mãos das poucas pessoas que por ela se interessam constantemente. bros do parlamento. Esse sistema só em parte foi afetado. O
124 EN SA IO S DE SO C IO LO G IA A P O L ÍT IC A C O M O VO CA ÇÃO 125

núm ero de políticos profissionais de tempo integral era pequeno, ou pessoalmente — por exemplo, dos mecenas ou diretores de
consistindo principalmente nos deputados eleitos, nos poucos fun­ poderosos clubes políticos de pessoas interessadas (T am m an y
cionários da sede e nos jornalistas. N a França, o sistema também H a ll). * É decisivo que todo esse aparato de pessoas — carac­
incluía os caçadores de empregos que tinham “postos políticos” teristicamente chamado de “m áquina” nos países anglo-saxões —
ou, que no momento, lutassem por um. A política era formal­ ou antes, os que dirigem a m áquina, m antenham sob controle
mente, e de modo predominante, um a atividade subsidiária. O os membros do parlam ento. Estão em condições de impor sua
número de delegados que se qualificavam para os postos m inis­ vontade em proporções bastante acentuadas, e isso tem significa­
teriais era também muito lim itado e, devido à sua posição como ção especial para a seleção do líder do partido. O homem a
notáveis, também era lim itado o número de candidatos à eleição. quem a m áquina segue no momento se torna o chefe, acima
mesmo do líder parlam entar. Em outras palavras, a criação
Mas o número daqueles que indiretam ente tinham interesse
dessas m áquinas significa o advento da democracia plebiscitária.
no controle da política, especialmente interesse m aterial, era
grande. Pois todas as medidas adm inistrativas de um departa­ Os seguidores do partido, e acim a de tudo os seus funcioná­
mento ministerial, e especialmente todas as decisões em questões rios e empresários, esperam naturalmente um a compensação pes­
de pessoal, eram tomadas em parte tendo em vista sua influência soal pela vitória de seu chefe — isto é, cargos e outras vantagens.
sobre as possibilidades eleitorais. A realização de cada e todo É decisivo que esperem tais vantagens do chefe, e não apenas do
tipo de desejo era buscada através da mediação do delegado membro do parlam ento, individualm ente. Esperam que o efeito
local. De qualquer modo o ministro tinha de ouvir esse dele­ demagógico da personalidade do chefe, durante a luta eleitoral
gado, especialmente se ele pertencia à mesma m aioria do m i­ do partido, aum ente os votos e mandatos e, com isso, o poder, e,
nistro. Assim, todos lutavam para dispor dessa influência. U m com isso, na medida do possível, am plie as oportunidades que
só deputado controlava os empregos e, em geral; qualquer tipo seus seguidores têm de encontrar as compensações esperadas.
de privilégio em seu distrito eleitoral. Pa ra ser reeleito, o de­ Idealmente, um a das molas mestras é a satisfação de trabalhar
putado, por sua vez, mantinha ligações com os notáveis locais. com a dedicação pessoal leal por um homem, e não apenas por
um program a abstrato de um partido constituído de m ediocrida-
Ora, as formas mais modernas de organizaões partidárias des. Sob esse aspecto, o elemento “carismático” de toda liderança
contrastam acentuadamente com esse estado idílico no qual cír­ funciona no sistema partidário.
culos de notáveis e, acima de tudo, os membros do parlamento
dominam . Essas formas modernas são filh as da democracia, Em graus m uito diferentes, esse sistema progrediu, embora
do direito de voto das massas, da necessidade de cortejar e orga­ em luta constante e latente com os notáveis locais e os membros
nizar as massas, e desenvolver a m aior unidade de direção e a do parlamento que lutavam pela influência. Isso ocorreu nos
disciplina mais rigorosa. O Governo dos notáveis e a direção partidos burgueses, prim eiro nos Estados Unidos e, em seguida,
pelos membrós do parlamento cessa. Os políticos “profissionais” no P artido Social-Democrata, especialmente da A lem anha. Recuos
fora do parlamento tomam nas mãos a organização. E assim constantes ocorrem tão logo deixa de existir um líder reconhecido
o fazem como “empresários” — o chefe político americano e o por todos, e, mesmo quando ele existe, as concessões de todos os
agente eleitoral inglês são, na verdade, empresários desse tipo — tipos têm de ser feitas à vaidade e aos interesses pessoais dos
ou como funcionários com um salário fixo. Formalmente, ocor­ notáveis do partido. A m áquina também pode ser colocada sob
re um a am pla democratização. A s assembléias dos membros domínio dos funcionários do partido, em cujas mãos estão os
do partido organizado passam a selecionar os candidatos e os assuntos regulares. Segundo a opinião de algun s círculos social-
membros delegados às assembléias de ordem superior. H á, pos­ -democratas, seu partido sucumbiu a essa “burocratização”. Mas
sivelmente, várias dessas convenções, indo até à convenção nacio­ os “funcionários” submetem-se com relativa facilidade a um a
nal do partido. Naturalm ente, o poder fica, na prática, nas mãos
daqueles que, dentro da organização, se ocupam permanente- * Sede reg ula r do Partido Democrata do Condado de Nova
mente do trabalho. Ou então o poder fica nas mãos daqueles York e, por extensão, da m áquina p artidária dem ocrata naquela
de quem a organização, em seus processos, depende financeira cidade. (N. do T.)
12 6 EN S AIO S DE SO CIO LO G IA A P O L ÍT IC A C O M O VO CAÇÃ O 127
personalidade de líder, se ele tiver um forte atrativo demagógico. da organização p artidária. A distribuição dos cargos ficava nas
Os interesses m ateriais e ideais dos funcionários estão intimamente mãos do “ whip”, e, assim, o caçador de empregos tinha de pro­
ligados aos efeitos do poder partidário, esperado da atração do curá-lo, e ele estabelecia um acordo com os deputados dos burgos
chefe e, além disso, interiormente é, per se, mais satisfatório tra­ eleitorais individuais. U m a cam ada de políticos profissionais
balhar para um chefe. A ascensão dos líderes é muito mais começou a desenvolver-se gradualm ente nos burgos. A princípio,
difícil quando os notáveis, juntam ente com os funcionários, con­ os agentes recrutados localm ente não eram rem unerados: ocupa­
trolam o partido, como ocorre habitualm ente nos partidos bur­ vam aproximadamente a mesma posição de nosso Vertrauensmàn-
gueses. Pois idealmente os notáveis fazem “seu modo de vida” ner . 6 M as, juntam ente com eles, desenvolveu-se nos burgos um
das pequenas presidências ou comitês que ocupam. O ressenti­ tipo empresarial capitalista. Era o “agente eleitoral”, cuja exis­
mento contra o demagogo como um homo novus, a convicção tência era inevitável sob a moderna legislação inglesa, que g aran­
da superioridade da “experiência” do partido político (que, na tia eleições im parciais.
verdade, realmente é de im portância considerável) e a preocupa­ Essa legislação visava a controlar os custos da campanha
ção ideológica com o desmoronamento das tradições do velho eleitoral e conter o poder do dinheiro, tornando obrigatório ao
partido — esses fatores determinam a conduta dos notáveis. candidato declarar os custos de sua campanha. Pois na Inglaterra
Podem contar com todos os elementos tradicionalistas dentro o candidato, além de gastar a voz — m uito mais do que ocorria
do partido. Acim a de tudo, o eleitor rural, mas também o anteriormente entre nós [n a A lem anha] — gostava também de
'.pequeno-burguês, procura o nome do notável que lhe seja gastar dinheiro. O agente eleitoral fazia o candidato pagar um a
fam iliar. Desconfia do homem que lhe é desconhecido. Uma soma geral, que habitualm ente significa muito para o agente.
vez, porém, que esse homem se torna bem sucedido, a ele se N a distribuição de poder no Parlamento e no interior, entre o
apega firmem ente. Vamos examinar, através de alguns exem­ “líd er” e os notáveis do Partido, o líder, na Inglaterra, costumava
plos principais, a luta das duas formas estruturais — dos notá­ ter um a posição de m uito destaque, baseada na possibilidade dc
veis e do partido — e, especialmente, a ascendência da forma
uma estratégia política em grande estilo e, portanto, constante.
plebiscitária descrita por Ostrogorsky.
Não obstante, a influência do grupo parlam entar e dos notáveis
Prim eiro, a Inglaterra: ali, até 1868, a organização dos p ar­
do partido ainda era considerável.
tidos foi quase exclusivamente um a organização de notáveis. Os
E ra mais ou menos a organização do partido antigo. Era
Tories encontravam apoio no interior, por exemplo, entre os pá­
um pouco um a questão dos notáveis e um pouco um a organiza­
rocos anglicanos, e entre os professores primários, e acim a de
ção em presarial com em pregados assalariados. A partir de 1868,
tudo entre os grandes senhores de terras. Os Whigs encontravam
porém, desenvolveu-se o sistema de "caucus”, * prim eiro para as
apoio principalm ente entre pessoas como o pregador inconformista
eleições locais de B irm ingham e em seguida por todo o país.
(quando h avia), o agente do correio, o ferreiro, o alfaiate, o cor-
Um pároco inconformista, e com ele Joseph Cham berlain, criou
doeiro — isto é, os artesãos que podiam dissem inar a influência
o sistema. Isso ocorreu quando da dem ocratização do direito de
política porque podiam conversar com as pessoas mais freqüen­
voto. A fim de conquistar as massas, tornou-se necessário orga­
temente. N a cidade, os partidos diferiam , seja devido à econo­
nizar um tremendo aparato de associações aparentemente demo­
m ia, seja devido à religião ou simplesmente segundo as opiniões
partidárias difundidas entre as fam ílias. M as os notáveis foram,
sempre, os pilares da organização política. tantes, especialm ente às votações. Também prom ove a convocação
dos suplentes para os mem bros que não possam com parecer à vota-
A cim a de todas essas disposições estavam o Parlamento, os ção e m antém o líder inform ado das opiniões e intenções dos m em -
partidos com o Gabinete e o “líder”, que era o presidente do bros da agremiação. (N. do T .)
conselho de ministros ou líder da oposição. Esse líder tinha ao * Na Inglaterra, um sistem a de organização partid á ria em co-
seu lado o "w hip” * — o mais im portante político profissional m itês. Nos Estados Unidos, a expressão significa hoje, em geral,
uma reunião secreta ou fechada de líderes do partido ou de con-
gressistas p ara tom ar deliberações sobre a linh a partidária, indicar
* M em bro da bancada de um partido que tem por incumbência
ocupantes de cargos, eleger os líderes nas duas Casas do Congres-
disciplinar seus colegas e levá-los a com parecer aos debates impor-
so etc. (N. do T.)
128 EN S A IO S DE SO CIO LO G IA 129
A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO

cráticas. Foi necessário formar uma associação eleitoral em das oportunidades econômicas, o político no sistema do "cau cus"
cada distrito urbano para ajudar a manter a organização inces­ tem ainda as oportunidades de satisfazer sua vaidade. Ser Ju iz
santemente em movimento e burocratizar tudo rigidam ente. Por de Paz ou M embro do Parlam ento está, decerto, em harmo nia
isso, os funcionários contratados e remunerados das comissões elei­ com a ambição maior (e n orm al); e as pessoas que são compro-
torais locais aum entaram numericamente e, no todo, talvez 10% vadamente de boa origem , isto é, “cavalheiros”, alcançam o seu
dos eleitores se organizaram nesses comitês locais. Os adm inis­ objetivo. A meta m ais elevada é, decerto, a nobreza, especial­
tradores eleitos do partido tinham o direito de escolher um assis­ mente para os grandes mecenas financeiros. Cerca de 50% das
tente e eram os portadores formais da política do partido. A finanças do partido dependem de contribuições de doadores que
força propulsora era o círculo local, composto principalm ente dos permanecem anônimos.
que se interessavam pela política municipal — da qual surgem
sempre as melhores oportunidades m ateriais. Esses círculos locais E quais foram as conseqüências de todo esse sistema? H oje
foram também os primeiros a recorrer ao mundo das finanças. em dia, os membros do Parlamento, com a exceção dos poucos
Essa m áquina recém-surgida, que já não era comandada pelos membros do Gabinete (e uns insurgentes), normalm ente não são
membros do Parlamento, teve de lutar, sem demora, com os nada mais do que homens bem disciplinados e sempre de acordo.
Entre nós, no Reichstag, tinha-se pelo menos o costume de res­
anteriores detentores do poder e, acima de tudo, com o " whip
ponder à correspondência particular de seu escritório, mostrando
Sendo apoiada pelas pessoas interessadas localmente, a m áquina
assim que o deputado estava atuante em favor do país. T ais
saiu da luta tão vitoriosa que o “ whip” teve de sujeitar-se e
atitudes não são exigidas na Inglaterra; o membro do Parlam ento
entrar em acordo com ela. O resultado foi a centralização de
deve apenas votar, não cometer traição partidária. Deve compa­
todo o poder nas mãos de uns poucos e, em últim a análise, da
recer quando o "w hip” o convoca, e fazer o que o Gabinete ou
pessoa que estava na cúpula do partido. Todo esse sistema sur­
o líder da oposição mandar. A m áquina do "caucu s” no interior
giu no Partido Liberal, ligado à ascensão de Gladstone ao poder.
é quase totalmente sem princípios quando existe um chefe forte
O que levou essa m áquina a um triunfo tão rapido sobre os
que a tem completamente na mão. Com isso, o ditador plebis-
notáveis foi a fascinação da dem agogia “grandiosa” de Gladstone,
citário na realidade fica acim a do Parlamento. T em , atrás de
a firm e fé que tinham as massas n a substância ética de sua
si, as massas, atraídas por meio da m áquina, e os membros do
política e, acima de tudo, sua fé no caráter ético de sua persona-
Parlam ento são para eles simplesmente os homens do espólio
nalidade. Tornou-se claro, sem demora, que um elemento ple- político de seu séquito.
biscitário cesarista na política — o ditador do campo de batalha
das eleições — havia surgido. Em 1877 o "caucu s" tornou-se Como ocorre a seleção desses chefes fortes? Prim eiro, em
atuante, pela prim eira vez, nas eleições nacionais, e com êxito termos de que capacidade são escolhidos? Depois das qualidades
brilhante, pois o resultado foi a queda de D israeli no auge de da vontade — decisivas em todo o m undo — naturalm ente a
suas grandes realizações. Em 1866 a m áquina já estava tão com­ força do discurso dem agógico é, acima de tudo, decisiva. Seu
pletamente orientada para a personalidade carismática que, quando caráter modificou-se desde a época em que oradores como
surgiu a questão da autonomia municipal, toda a m áquina, de Cobden se d irigiam ao intelecto e Gladstone dominava a téc­
alto a baixo, não indagou se isso realm ente era da competência nica de “deixar que os fatos sóbrios falem por si mesmos”. No
de Gladstone: simplesmente, a uma palavra sua, seguiu-o, dizen­ momento presente, com freqüência os meios puramente emo­
do: Gladstone, certo ou errado, nós o seguimos. E assim a cionais são usados —■os meios que o Exército d a Salvação também
m áquina abandonou seu próprio criador, Chamberlain. explora a fim de comover as massas. Podemos considerar o
estado de coisas existente como um a “ditadura baseada na explo­
Essa m áquina exige um pessoal considerável. N a Inglaterra, ração da massa em ocionalmente”. Não obstante, o sistema al­
há cerca de 2.000 pessoas que vivem diretamente da política par­ tamente desenvolvido de trabalho de comissões no P arlam ento
tid ária. Na verdade, os que participam da política ativamente inglês torna possível e compulsivo para todo político que pre­
apenas como candidatos a empregos ou pessoas interessadas são tende participar da liderança cooperar no trabalho de comissão.
muito m ais numerosos, especialmente na política municipal. A lém Todos os m inistros importantes, nas décadas recentes, têm esse
130 E N SA IO S DE SO CIO LO G IA A P O L Í T I C A C O M O VOCA ÇÃO 131

treinamento real e efetivo como um pano-de-fundo. A prática que, apesar de todas as analogias, não se encontra em nenhuma
dos relatórios de comissão e da crítica pública dessas delibera­ outra parte. Os partidos são simplesmente e absolutamente con­
ções é um a condição para o treinam ento, para a seleção real dos dicionados à cam panha eleitoral que é m ais im portante para a
líderes e a elim inação dos meros demagogos. distribuição de cargos: a luta pela presidência e pelo Governo
É assim na Inglaterra. O sistema do " cau cus' ali, porém, dos vários estados. Plataformas e candidatos são escolhidos nas
tem um a forma fraca, em comparação com a organização par­ convenções nacionais dos partidos sem a interferência dos congres­
tidá ria am ericana, que levou o princípio plebiscitário a uma sistas. D aí surgirem eles das convenções partidárias, cujos dele­
expressão especialmente precoce e especialmente pura. gados são formalmente, e muito democraticamente, eleitos. T ais
Segundo a idéia de W ashington, a A m érica deveria ser delegados são determinados pelas assembléias de outros delegados
um a com unidade adm in istrada pelos “cavalheiros”. N a sua época, que, por sua vez, devem seus mandatos às eleições “prim árias”,
na A m érica, o cavalheiro era também um proprietário de terras ou seja, à reunião dos eleitores diretos do partido. N as eleições
ou um homem de educação universitária — isso, a princípio. De prim árias os delegados já são eleitos em nome do candidato à
início, quando os partidos começaram a organizar-se, os membros liderança nacional. Dentro dos partidos, ocorrem as lutas mais
da C âm ara dos Representantes pretendiam ser os líderes, tal como acerbas em torno da “indicação”. A final de contas, 300.000 a
na Inglaterra da época governavam os notáveis. A organização 400.000 nomeações oficiais estão nas mãos do Presidente, nomea­
partidária era bastante frouxa e continuou a sê-lo até 1824. Em ções que são executadas por ele com a aprovação dos senadores
algum as comunidades, onde ocorreu prim eiro o desenvolvimento dos diferentes estados. D aí serem os senadores políticos pode­
moderno, a m á quina partidária estava em elaboração antes mes­ rosos. Em comparação, porém, a C âm ara dos Representantes é,
mo da década de 1820. M as quando A ndrew Jackson foi eleito politicam ente, bastante impotente, porque a distribuição de cargos
Presidente pela prim eira vez — a eleição do candidato dos ag ri­ está afastada dela e porque os membros do Gabinete, simples
cultores do Oeste — as velhas tradições foram derrubadas. A assistentes do Presidente, podem exercer o cargo à parte a con­
liderança partidária formal pelos principais membros do Con­ fiança ou falta de confiança do povo. O Presidente, que é leg i­
gresso chegou ao fim pouco depois de 1840, quando os grandes timado pelo povo, enfrenta a todos, inclusive o Congresso; é
parlam entares, Calhoun e W ebster, retiraram -se da vida política esse o resultado da “separação de poderes”.
porque o Congresso havia perdido quase todo o seu poder em N a A m érica, o sistema de despojos, apoiado desse modo, foi
favor da m áquina partidária no interior. O fato de ter a “m á­ tecnicamente possível porque a cultura am ericana, com a sua
quin a” plebiscitária se desenvolvido tão cedo na A m érica deve-se juventude, pôde tolerar o controle puramente diletante. Com
ao fato de que ali, e ali somente, o Executivo — e isso era o que 300.000 ou 400.000 desses homens de partido sem o utra qu alifi­
realm ente importava — o chefe da distribuição de cargos, era cação a seu crédito além do fato de terem prestado bons serviços
um Presidente eleito por plebiscito. Em virtude da “separação de ao seu partido, esse estado de coisas não poderia existir, é claro,
poderes”, ele era quase independente do Parlamento, no exer­ sem males enormes. U m a corrupção e um desperdício que não
cício do seu cargo. A ssim, como o preço da vitória, as prebendas encontram paralelo só poderiam ser tolerados por um país com
pretendidas eram distribuídas precisamente na eleição presiden­ oportunidades econômicas a inda lim itadas.
cial. A través de A ndrew Jackson, o “sistema de despojos” trans­
Ora, o chefe político é a figura que surge no quadro desse
formou-se sistem aticamente em princípio e estabeleceram-se con­
sistema de m áquina p artidária plebiscitária. Quem é ele? É o
clusões. empresário capitalista político que, por conta própria e correndo
O que significa esse sistema de despojos, a entrega de cargos seu risco, fornece votos. Pode ter estabelecido suas prim eiras rela­
federais aos partidários do candidato vitorioso, para as formações ções como advogado ou dono de bar, ou como proprietário de esta­
partidárias de hoje? S ignifica que partidos sem princípios opõem- belecimentos semelhantes, ou talvez como credor. Lança, par­
-se m utuam ente; são apenas organizações de caçadores de em­ tindo daí, seus fios até poder “controlar” um certo número de
pregos, elaborando suas plataformas que variam segundo as pos­ votos. Quando chega a esse ponto, estabelece contato com os
sibilidades de conseguir votos, modificando suas cores num gra u chefes vizinhos e, com zelo, habilidade e acima de tudo dis­
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crição, atrai a atenção dos que já avançaram mais na carreira, e desprezado como político “profissional”. O fato de não alcan­
com isso consegue subir. O chefe é indispensável â organização çar, pessoalmente, altos postos federais, nem desejá-los, tem a
do partido, e esta fica centralizada em suas mãos. Proporciona, vantagem freqüente de possibilitar a apresentação de candidatos
substancialmente, os meios financeiros. Como os consegue ? Bem, notáveis de fora do partido quando o chefe político acredita
em parte pelas contribuições dos membros e especialmente tribu­ que terão atração para as urnas. D aí não concorrerem repetida­
tando os salários dos funcionários nomeados através dele e de seu mente as mesmas velhas notabilidades do partido como no
partido. A lém disso há o suborno e as gorjetas. Quem deseja caso da A lem anha. A ssim, a estrutura desses partidos sem prin­
violar com im punidade um a das m uitas leis necessita da coni­ cípios, com os seus detentores do poder socialmente desprezados,
vência do chefe político e tem de pagar por ela; ou, então, terá ajudou homens capazes a alcançar a presidência — homens que,
problemas. M as isso apenas não é suficiente para acum ular o conosco, jam ais teriam chegado à cúpula. N a verdade, o chefe
capital necessário às empresas políticas. O chefe é indispensável político tem certa resistência contra o elemento de fora que pos­
como recipiendário direto do dinheiro dos grandes m agnatas fi­ sa prejudicar as suas fontes de dinheiro e de poder. Não obs­
nanceiros, que não entregariam seu dinheiro, com finalidades tante, na luta competitiva para conseguir a preferência dos elei­
eleitorais, a um funcionário assalariado de um partido, ou a n in­ tores, os chefes políticos freqüentemente tiveram de condescender
guém mais que tivesse de dar explicação pública de seus negó­ e aceitar candidatos conhecidos como adversários da corrupção.
cios. O chefe, com sua discrição judiciosa em assuntos financeiros, Assim, existe um a forte m áquin a partidária capitalista, orga­
é o homem natural para os círculos capitalistas que financiam nizada de forma rigorosa e total, de alto a baixo, e apoiada por
eleições. O chefe político típico é um homem absolutamente clubes de extraordinária estabilidade. Esses clubes, como T am -
sóbrio. Não busca honras sociais; o “profissional” é desprezado many H all, são como ordens cavalheirescas. Buscam vantagens
na “sociedade respeitável”. Busca apenas o poder, o poder como exclusivam ente através do controle político, especialmente do Go­
fonte de dinheiro, mas também o poder pelo poder. Em con­ verno m unicipal, que é o objetivo m ais importante na divisão
traste com o líder inglês, o chefe político americano trabalha no do espólio. Essa estrutura de vida partid ária foi possibilitada
escuro. N ão é ouvido discursando em público: sugere aos ora­ pelo alto grau de dem ocracia nos Estados U nidos — um “Novo
dores o que eles devem dizer, de modo cômodo. Ele, porém, País”. Essa ligação, por sua vez, é o motivo pelo qual o sistema
conserva-se calado. Em g eral não aceita postos, exceto o de se­ está morrendo gradualm ente. A A m érica já não pode ser
nador. Pois como os senadores, em virtude da Constituição, par­ governada apenas por diletantes. H á menos de 15 anos, quando
ticipam da distribuição de cargos, os principais chefes freqüen­ se perguntou aos trabalhadores americanos por que se deixavam
temente tom am assento nessa Casa. A distribuição de cargos governar pelos políticos que confessavam desprezar, a resposta
é realizada, em primeiro lugar, de acordo com os serviços pres­ foi: “Preferimos ter nos cargos pessoas nas quais podemos cuspir
tados ao partido. M as também ocorre com freqüência o leilão do que um a casta de funcionários que cuspirá em nós, como
de cargos através de ofertas de dinheiro, e há certas taxas para
ocorre com vocês”. Era o velho ponto de vista da “democra­
cargos individuais. Existe, portanto, um sistema de venda de
cia” am ericana. Mesmo então, os socialistas tinham idéias total­
cargos que, afinal de contas, também era conhecido nas monar­
mente diferentes, e agora a situação já não é tolerável. A
quias, inclusive no Estado religioso, dos séculos X VII e XVIII.
adm inistração diletante não basta e a Reforma do Serviço Público
O chefe não tem “princípios” políticos firm es; sua atitude estabelece um número sempre crescente de cargos vitalícios com
é totalmente carente de princípios, e ele pergunta apenas; O pensões. A reforma se desenvolve de tal modo que os funcioná­
que conseguirá votos? È, com freqüência, homem de pouca rios de preparo universitário, tão incorruptíveis e capazes quanto
ilustração. M as em geral tem um a vida privada inofensiva e os nossos funcionários, ocupam os cargos. A gora mesmo cerca
correta. Em sua moral política, porém, ajusta-se naturalmente de 100.000 cargos deixaram de ser objeto de distribuição depois
aos padrões éticos médios de conduta política, como muitos de das eleições. A o invés disso, esses cargos perm item aos seus
nós fizemos também durante o período de acumulação, no setor ocupantes gozar de pensões, e baseiam-se em exigências q ualita­
da ética econôm ica.0 Não o preocupa o fato de ser socialmente tivas. O sistema de despojos passará assim gradualm ente ao se­
134 EN S A IO S DE SO CIO LO G IA A P O L Í T IC A C O M O VOCAÇÃO 135

gundo plano e a natureza da liderança partid ária provavelmente -Democrata era um a entidade m inoritária baseada em princípios
será também transformada — mas ainda não sabemos em que e opunha-se à adoção do Governo parlam entar porque não de­
sentido. sejava manchar-se participando na ordem política burguesa exis­
N a A lem anha, até agora, as condições decisivas da adm inis­ tente. O fato de que ambos os partidos se dissociavam do sis­
tração política foram, em essência, as seguintes: tema parlamentar tornou impossível o Governo com esse sistema.
Prim eiro, os parlamentos foram impotentes. Em conse­ Considerando tudo isso, que aconteceu então aos políticos
qüência, nenhum homem com as qualidades do líder ingressou profissionais na A lem anha? Não tiveram poder, responsabilidade
no Parlam ento de forma permanente. Quem quisesse entrar no e só puderam desempenhar um papel subordinado, como notá­
Parlam ento, que poderia realizar ali? Quando se vagava um veis. Em conseqüência, foram reanim ados pelo instinto asso­
cargo de Chancelaria, podia-se dizer ao chefe adm inistrativo: ciativo profissional, típico em toda parte. Era impossível para
“Tenho um homem m uito capaz em meu distrito eleitoral que um homem que não pertencesse ao seu grupo ascender nos cír­
seria capaz de ocupar o cargo; nomeie-o”. E ele teria aceito culos dos notáveis que faziam de suas pequenas posições a sua
com prazer. M as isso era tudo o que um membro do Parlamento própria vida. Poderíamos mencionar muitos nomes em cada
alemão poderia fazer para satisfazer seus instintos de poder — partido, o Social-Democrata inclusive, que encerram tragédias
se os tivesse. de carreiras políticas porque as pessoas que tinham qualidades
A isso devemos acrescentar a trem enda importância do fun­ de liderança, e precisamente devido a essas qualidades, não foram
cionalismo especializado e formado na A lem anha. Esse fator toleradas pelos notáveis. Todos os nossos partidos seguiram
determ inou a impotência do Parlam ento. Nosso funcionalismo essa evolução e se tornaram associações profissionais dos notáveis.
não tinha rival no mundo. Essa im portância era acom panhada Bebei, por exemplo, ainda era um líder pelo temperamento e
do fato de que os funcionários pretendiam não só cargos, mas pureza de caráter, por m ais modesto que fosse seu intelecto. O
também postos no Gabinete. N a A ssem bléia Legislativa da fato de ter sido um m ártir, de jam ais ter traído a confiança
Baviera, quando a adoção do Governo parlam entar foi debatida das massas, resultou na conquista absoluta dessas massas. Não
no ano passado, afirmou-se que, se os membros da assembléia havia poder no partido que o desafiasse seriam ente. T al lide­
tivessem de ser colocados nos postos de Gabinete, as pessoas de rança chegou ao fim , depois de sua morte, e teve início o domínio
talento já não buscariam a carreira oficial. A lém disso, a adm i­ dos funcionários. Os funcionários de sindicatos, secretários de
nistração do serviço público escapava sistematicamente a esse partidos e jornalistas chegaram ao cimo. Os instintos do fun­
controle, tal como se vê pelas discussões das comissões inglesas. cionalismo dominaram o partido — um funcionalism o altam ente
A administração tornava assim impossível aos parlamentos — respeitável, de rara respeitabilidade, podemos dizer, em compa­
com umas poucas exceções — treinar chefes adm inistrativos ração com as condições em outros países, especialmente os fun­
realm ente úteis entre suas próprias fileiras. cionários sindicais, freqüentem ente corruptos, da A m érica. M as
Um terceiro fator é o de que na A lem anha, em contraste os resultados do controle pelo funcionalismo, que discutimos
com a A m érica, tivemos partidos, com opiniões públicas baseadas acima, também começaram no partido.
em princípios, que sustentaram que seus membros, pelo menos Desde a década de 1880 os partidos burgueses transforma-
de m aneira subjetiva, representavam genuinam ente Weltanschau- ram-se totalmente em associações profissionais, ou corporações,
ungen. O ra, os dois mais importantes desses partidos, o Partido de notáveis. N a verdade, ocasionalmente os partidos tiveram
Católico do Centro e o Partido Social-Democrata foram, desde de recorrer a personalidades de fora das fileiras partidárias,
sua criação, minoritários, e intencionalm ente minoritários. Os com objetivos publicitários, para que pudessem diz er: “Temos
principais círculos do Partido do Centro no R eich jam ais ocul­ estes e estes nomes”. N a medida do possível, evitaram deixar
taram sua oposição à democracia parlam entar, pelo medo de per­ que esses nomes disputassem eleição; somente quando inevitável,
manecer na minoria e, com isso, enfrentar grandes dificuldades e a pessoa insistia, podia candidatar-se. O mesmo espírito pre­
em colocar os seus candidatos a empregados, como vinham fa­ dominou no Parlam ento. Nossos partidos parlam entares eram
zendo através da pressão sobre o Governo. O Partido Social- e são corporações. Todo discurso pronunciado no plenário do
136 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO 137

Reichstag é censurado pelo partido, antes de ser feito. Isso fazem o líder, e isso sign ifica aquilo que os insurgentes de um
é evidente na sua monotonia sem par. Somente pode falar partido habitualmente chamam de “domínio de grupo”. No
aquele a quem é dada a palavra. D ificilmente poderemos pensar momento, na A lem anh a, temos apenas a segunda forma. No
num contraste mais forte com a In glaterra, e também — por futuro, a perm anência dessa situação, pelo menos no Reich, é
motivos opostos — com a França. facilitada pelo fato de que o Bu n desrat7 ascenderá novamente e
Ora, em conseqüência do colapso enorme, habitualmente cha­ necessariamente lim itará o poder do Reichstag e com isso sua
mado Revolução, talvez esteja em m archa um a transformação. importância como selecionador de líderes. A lém disso, em sua
T alvez — mas não é certo. No início, começaram a surgir novos forma presente, a representação proporcional é um fenômeno
tipos de aparato partidário. Primeiro, houve os aparatos am a­ típico da democracia sem líder. Isso ocorre não só porque faci­
dorísticos. Estão representados, com m ais freqüência, pelos alu­ lita os conchavos dos notáveis para a organização de chapas,
nos das várias universidades, que dizem a um homem ao qual mas também porque no futuro dará aos grupos de interesse
atribuem qualidades de lideran ça: queremos fazer o trabalho organizados a possibilidade de ob rigar os partidos a incluir seus
necessário para você. Segundo, há os aparatos dos empresários. funcionários na lista de candidatos, criando assim um P arla­
Um homem ao qual são atribuídas qualidades de liderança é mento apolítico no qual a liderança autêntica não tem lugar. O
abordado por pessoas dispostas a fazer-lh e a propaganda, a uma Presidente do Reich só poderia transformar-se n um a válvula de
taxa fixa para cada voto recebido. Se me perguntassem, hones­ segurança da exigência da liderança se fosse eleito de forma
tamente, qual desses dois aparatos me parece m ais digno de fé, plebiscitária e não pelo Parlamento. A liderança à base do tra­
do ponto de vista puramente técnico, creio que preferiria o balho realizado poderia criar-se, e a seleção se faria, especialmente
segundo. Ambos, porém, foram bolhas de sabão que cresceram se, nas grandes m unicipalidades, o prefeito plebiscitário surgisse
depressa e desapareceram também rapidamente. Os aparatos em cena, com o direito de organizar independentemente o seu
existentes transformaram-se, mas continuaram a funcionar. Os quadro de auxiliares. Isso ocorre no caso dos Estados Unidos,
fenômenos são apenas sintomas do fato de que novos aparatos sempre que alguém deseja atacar seriamente a corrupção. É
surgiriam , se houvesse líderes. M as até mesmo a peculiaridade necessária um a organ ização p artidária especial para essas elei­
técnica da representação proporcional im pedia essa ascendência. ções. M as a hostilidade pequeno-burguesa de todos os partidos
Apenas uns poucos ditadores das multidões de rua surgiram para aos líderes, inclusive certamente o Partido Social-Dem ocrata,
desaparecer novamente. E somente o séquito de um a ditadura deixa a formação futura dos partidos, e todas essas possibilidades,
de massa é o rganizado de form a rigorosam ente disciplinada: ainda na obscuridade total.
daí o poder dessas m inorias instáveis.
Portanto, não podemos ver ainda que forma tom ará o con­
Vamos supor que tudo isso se modificasse; então, depois do trole da política como “vocação”. M uito menos podemos ver em
que dissemos acima, compreende-se claramente que a liderança que caminhos se abrem oportunidades para que os talentos polí­
plebiscitária dos partidos encerra a “falta de alm a” dos séquitos, ticos possam ser levados a tarefas políticas satisfatórias. Quem
sua proletarização intelectual, poderíamos dizer. A fim de ser foi, pelas suas circunstâncias materiais, obrigado a viver “d a”
um aparato útil, um a m áquin a no sentido americano — imper- política, quase sempre terá de exam inar as posições alternativas de
turbada até mesmo pela vaidade dos notáveis ou as pretensões a jornalista ou funcionário do partido, como caminhos diretos tí­
opiniões independentes — o séquito de um desseslíderes deve picos. Ou poderá exam inar a posição de representante de grupos
obedecer-lhe cegamente. A eleição de Lincoln só foi possível de interesse — como um sindicato, um a câm ara de comércio,
por esse caráter da organização partidária, e com Gladstone, um a associação r u r a l8 ou uma associação pro fission al,9 um a
como dissemos, ocorreu o mesmo no "caucus” . É, simplesmente, junta de trabalho, um a associação de em pregadores, etc., ou
o preço pago da direção pelos líderes. Só há, porém, a escolha ainda um cargo m unicipal adequado. N ada mais se pode dizer
entre a democracia com liderança, com um a “m áquin a”, e a sobre esse aspecto externo: em comum com o jornalista, o fun­
democracia sem líder, ou seja, o domínio dos políticos profissio­ cionário de partido suporta a odiosa condição de dêclassé. “Es­
nais sem vocação, sem as qualidades carismáticas íntim as que critor assalariado”, ou “orador assalariado”, sempre lhe soará
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infelizm ente nos ouvidos, mesmo quando tais palavras não fo­ cia”, em si, é um dos pecados mortais do político. É um a da­
rem ditas. Quem for intim amente indefeso e incapaz de en­ quelas qualidades que condenam a progénie de nossos intelec­
contrar a devida resposta a si mesmo, fará melhor afastando-se tuais à incapacidade política. O problema é, simplesmente,
dessa carreira. De qualquer modo, além das graves tentações, é como fundir a paixão cálida e o frio senso de proporção numa
um caminho que pode levar, constantemente, a decepções. Que mesma alm a? A política é feita com a cabeça, e não com outras
satisfações íntim as pode, então, oferecer essa carreira e que con­ partes do corpo ou da alm a. E, não obstante, a dedicação à po líti­
dições pessoais são pressupostas para quem nela ingressa? ca, se não for um jogo intelectual frívolo, mas um a conduta gen ui­
Em primeiro lugar, a carreira da política proporciona uma namente humana, pode nascer e crescer apenas da paixão. M as
sensação de poder. Saber que influen cia homens, que participa aquele firme controle da alm a, que distingue o político apai­
no poder sobre eles, e, acim a de tudo, o sentimento de que xonado e o diferencia do simples diletante político “estèril-
tem na mão uma fibra nervosa de acontecimentos historicamente mente excitado”, só é possível pelo hábito ao desapego em todo
importantes, pode elevar o político profissional acima da rotina o sentido da palavra. A “força” da personalidade “política”
cotidiana, mesmo quando ele ocupa posições formalmente mo­ significa, em primeiro lugar, a posse das qualidades de paixão,
destas. M as a questão do momento para ele é: através de que responsabilidade e proporção.
qualidades posso esperar fazer justiça a essa força (por mais Portanto, a todo dia e a toda hora, o político tem de supe­
lim itada que seja, no caso ind iv id ual) ? Como pode ele espe­ rar, interiormente, um inimigo bastante comum e demasiado
rar fazer justiça à responsabilidade que o poder lhe impõe? Com hum ano: a vaidade vulgar, o inim igo mortal da dedicação obje­
isso, ingrersamos no setor das indagações éticas, pois aí se situa tiva a um a causa e de qualquer distância — no caso, da distân­
o problema: que tipo de homem se deve ser para que se possa cia para com o próprio eu.
colocar a mão no leme da história? A vaidade é um a qualidade muito generalizada e talvez
Podemos dizer que três qualidades destacadas são decisivas ninguém esteja com pletamente livre dela. Nos círculos aca­
para o político: paixão, senso de responsabilidade e senso de dêmicos e eruditos, a vaidade é um a espécie de moléstia ocupa-
proporções. cional, mas precisamente com o intelectual, ela — por mais
Isto significa paixão no sentido de um a objetividade, de desagradável que possa ser a sua manifestação — é relativam ente
dedicação apaixonada a um a “causa”, ao deus ou demônio que é inócua, no sentido de que, geralmen te, não perturba o empreen­
o senhor. Não é a paixão no sentido daquela emoção íntim a dimento científico. O caso é totalmente diferente com o político.
que meu am igo Georg Sim m el costumava designar como “ex­ Ele trabalha com o desejo de poder como um meio inevitável.
citação estéril”, e que era peculiar a um certo tipo de intelectual Portanto, o “instinto do poder”, como se d iz habitualmente,
russo (m as não todos, de modo alg u m !). É um a excitação que pertence na verdade às suas qualidades normais. O pecado con­
tem um papel tão importante entre nossos intelectuais nesse tra esse espírito altaneiro de suá vocação, porém, começa quando
carnaval que enfeitamos com o nome orgulhoso de “revolução”. esse desejo de poder deixar de ser objetivo para tornar-se um a
É um “rom antismo dos que são intelectualmente interessantes”, auto-embriaguez puram ente pessoal, ao invés de colocar-se ex­
que term ina num vazio destituído de qualquer senso de respon­ clusivamente a serviço “da causa”. Em últim a análise, há ape­
sabilidade objetiva. nas dois tipos de pecado m ortal no campo da política: a falta de
Na verdade, a simples paixão, por m ais autêntica que seja, objetividade e — com freqüência idêntica a ela, mas nem sempre
não basta. Ela não faz o político, a menos que a paixão como — a irresponsabilidade. V aidade, a necessidade de destacar-se
dedicação a um a “causa” também torne a responsabilidade para pessoalmente no prim eiro plano da forma mais clara possível,
com tal causa a estrela-guia da ação. Quanto a isso, é necessá­ tenta fortemente o político a cometer um desses pecados, ou
rio um senso de proporção. É a qualidade psicológica decisiva ambos. Isso ainda é m ais exato no caso em que o dem agogo
do político: sua capacidade de deixar que as realidades atuem é obrigado a contar com o “efeito”. Portanto, ele corre fre­
sobre ele com um a concentração e um a calma íntimas. D aí qüentemente o risco de tornar-se um ator bem como o de ver
sua distância em relação às coisas e homens. “F alta de distân­ com leviandade a responsabilidade das conseqüências de seus
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atos, passando a interessar-se apenas p ela “impressão” que causa. política como “causa”. Que vocação pode a política realizar,
A falta de objetividade tenta-o a lutar pela aparência atraente independentemente de suas metas, dentro da economia ética
do poder, e não pelo poder real. S ua irresponsabilidade, porém, total da conduta hum ana — qual é por assim dizer o ponto
sugere que ele gosta do poder simplesmente pelo poder sem ético onde a política se sente à vontade? Nesse aspecto, na
uma finalidade substantiva. E mbora — ou antes, justamente realidade, o choque fin al de Weltanschauungen, opiniões m un ­
porque — o poder é o meio inevitável, e a luta pelo poder é diais entre as quais, por fim, é necessário escolher. Vamos en­
uma das forças motrizes de toda a política, não há deformação frentar resolutamente esse problema, que recentemente voltou a
mais prejudicial da força política do que a ostentação do poder surgir, e na m inh a opinião de forma muito errada.
tão ao gosto dos parvenus, e a in útil com placência no sentimento Mas primeiro vamos libertar-nos de uma falsificação muito
do poder, e em geral qualquer culto do poder em si. O “polí­ triv ial: ou seja a de que a ética pode surgir primeiro num pa­
tico do poder” pode conseguir efeitos fortes, mas na realidade pel moralmente muito comprometido. Vamos exam inar exem­
seu trabalho não leva a parte algum a e não tem sentido. (E n ­ plos. Raram ente constataremos que um homem cujo amor passa
tre nós, também , um culto promovido com ardor procura glo­ de uma m ulher para outra não sinta necessidade de legitim ar
rificá-lo.) Nisso, os críticos da “política do poder” estão abso­ isso para si mesmo, dizen do: ela não era dign a do meu amor,
lutam ente certos. Do súbito colapso interno dos representantes ou ela me decepcionou, ou qualquer outra “razão ” semelhante
típicos dessa mentalidade, podemos ver a fraqueza e impotência que exista. É uma atitude que, com uma profunda falta de ca­
íntim as que se escondem atrás desse gesto jactancioso, mas to­ valheirismo, acrescenta um a suposta “legitim idade” ao simples
talmente vazio. É um produto de uma atitude superficialmente
fato de que ele já não a am a e ela tem de suportar isso. Em
blasé para com o significado da conduta h um an a; e não tem
virtude dessa “legitim ação”, o homem pretende para si um
qualquer relação com o conhecimento da tragédia a que qual­ direito e, além de causar-lhe um a infelicidade, coloca-a em erro.
quer ação, e especialmente a ação política, está intim am ente
O competidor amoroso bem sucedido procede exatam ente da
ligada.
mesma form a: ou seja, o adversário deve ser menos digno,
O resultado final da ação política m antém com freqüência, pois de outro modo não teria perdido. Não é diferente, decerto,
e às vezes regularmente, uma relação totalmente inadequada e se depois de um a guerra vitoriosa o vencedor, num a atitude
por vezes até mesmo paradoxal com o seu sentido original. Isso farisaica, afirm a: “V enci porque estava com a razão”. Ou se
é fundam ental para tôda história, ponto que não procuraremos alguém, sob o impacto terrível da guerra, sofre um colapso
provar detalhadam ente, aqui. Mas devido a esse fato, para psicológico, sente a necessidade de legitim ar seu desgaste pe­
que a ação tenha força íntim a, o serviço da causa não deve estar rante si mesmo, dizendo: “Eu não podia tolerá-la porque tinha
ausente dela. E xatamente que causa, a serviço da qual o político de combater por um a causa moralmente m á”. E o mesmo ocorre
luta pelo poder e usa o poder, parece um a questão de fé. O com os derrotados na guerra. Ao invés de procurarem, como
político pode servir a finalidades nacionais, hum anitárias, éticas, um a mulher velha, o “culpado” depois da guerra — num a situa­
sociais, culturais, m undanas ou religiosas. O político pode ser ção na qual a estrutura da sociedade provocou a guerra — as
mantido por um a forte crença no “progresso” — qualquer que
pessoas de atitude m adura e controlada diriam ao inim igo :
seja o seu sentido — ou pode rejeitar friam ente esse tipo de cren­
“Perdemos a guerra. Vocês a gan haram . T udo acabou, agora.
ça. Pode pretender estar a serviço de um a “idéia” ou, rejeitando
Vamos discutir que conclusões devem ser fixadas, segundo os
i&so em princípio, pode desejar servir a finalidades externas da
interesses objetivos que en tram em jogo e o que é mais im portante
vida cotidiana. A lgum a forma de fé, porém, deve sempre exis­
tir. Se assim não for, é absolutamente certo que a maldição tendo em vista a responsabilidade para com o futuro que acim a
da indign idade da criatura superará até os êxitos políticos exter­ de tudo onera o vencedor”. Qualquer outra coisa é ind ign a e
namente mais fortes. será como um boomerang. U m a nação perdoa se seus interesses
tiverem sido prejudicados, mas nenhum a nação perdoa se sua
Com^ a afirm ação acima, já estamos empenhados na discus­ honra tiver sido ofendida, especialmente por um a hipocrisia fa­
são do últim o problema que nos interessa, aqu i: o ethos da nática. Cada documento novo que é divulgado, depois de décadas,
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revive as lamentações indignas, o ódio e o desprezo, ao invés de vado. “Quem com ferro fere com ferro será ferido”, e a luta é
perm itir que a guerra seja enterrada no seu término, pelo menos a luta em toda parte. D aí a ética do Sermão da M ontanha.
moralmente. Isso só é possível através da objetividade e cavalhei­ No Sermão da M ontanha vemos a ética absoluta do evan­
rismo, e acim a de tudo somente através da dignidade. Mas gelho, que é um a questão m ais séria do que o acreditam as
jamais é possível através de um a “ética” que na verdade significa pessoas que gostam de citar hoje tais mandamentos. Esta ética
uma falta de dignidade de ambos os lados. A o invés de se preo­ não é brincadeira. O mesmo que se disse da causalidade na
cupar com o interesse do político, ou seja, com o futuro e a res­ ciência se aplica a ela: não é um carro que podemos parar à von­
ponsabilidade para com ele, essa ética se volta para questões poli­ tade; é tudo ou nada. É precisamente esse o significado do evan­
ticamente estéreis de culpas passadas, que não podem ser solu­ gelho, para que dele não resultem trivialidades. D aí, por exem­
cionadas politicamente. A gir dessa forma é politicamente culposo, plo, ter sido dito do jovem rico: “Ele se foi em meio ao sofri­
se tal culpa existe. E ignora a falsificação inevitável da totali­ mento, pois tinha m uitas posses”. O mandamento do evangelista,
dade do problema, através de interesses m uito m ateriais: ou seja, porém, é incondicional e sem am bigüidades: dá o que tens —
o interesse do vencedor no m aior lucro moral e m aterial possível; absolutamente tudo. O político dirá que essa imposição é social­
as esperanças do derrotado de negociar vantagens através de con­ mente sem sentido, enquanto não for realidade em toda parte.
fissões de culpa. Se há algum a coisa “vulgar”, então, isso é Assim, o político defende a tributação, a tributação confiscatória,
vulgar, e é o resultado desse modo de explorar a “ética” como o confisco puro e sim ples — num a palavra, a coação e a regula­
meio de “estar com a razão”. mentação para todos. O m andam ento ético, porém, não se
E, então, que relações têm realmente a ética e a política P preocupa com isso, e essa despreocupação é a sua essência. Ou
Não haverá qualquer ligação entre as duas, como já se afirmou tomemos o exemplo “volta a outra face” : esse mandam ento é
incondicional e não duvida da fonte da autoridade que tem a
ocasionalmente? Ou será verdade o oposto: que a ética da
conduta política é idêntica com a de qualquer outra conduta? outra pessoa para golpear. Exceto para um santo, é um a ética
Ocasionalmente, acreditou-se existir um a escolha exclusiva entre de indignidade. Eis a í: devemos ser santos em tudo; pelo menos
na intenção, devemos viver como Jesus, os apóstolos, São Fran ­
as duas proposições: uma delas deve ser a correta. M as será
cisco e outros semelhantes. Então essa ética terá sentido e ex­
verdade que qualquer ética do mundo poderia estabelecer m an­
pressará um tipo de dignidad e; de outra forma, tal não acontece.
damentos de conteúdo ideal para as relações eróticas, comerciais,
Já se disse, de acordo com a ética acósmica do am or, “Não
fam iliares e oficiais; para as relações com nossa m ulher, com o
resistiu ao m al pela força”; para o político, a proposição inversa
verdureiro, o filho, o réu? Será realm ente tão pouco importante
é que tem valo r: “o m al deve ser resistido pela força”, ou seremos
para as exigências éticas à política que esta opera com meios
responsáveis pela sua vitória. Quem desejar seguir a ética do
muito especiais, ou seja, o poder apoiado pela violência? Não
evangelho deve abster-se de golpes, pois eles significam a com­
vemos que os ideólogos bolchevistas e espartacistas provocam
pulsão; pode ingressar nos sindicatos da companhia. A cim a de
exatamente os mesmos resultados de qualquer ditador m ilitarista, tudo, não deve falar de “revolução”. A final de contas, a ética do
exatam ente porque usam esse meio político? Em que, a não evangelho não deseja ensinar que a guerra civil é a única legítim a.
ser nas pessoas dos detentores do poder e seu diletantismo, difere O pacifista que segue o evangelho se recusará a pegar em armas
o domínio dos conselhos de trabalhadores e soldados e o domínio ou as lançará por terra. N a A lem anha, era esse o dever ético
de qualquer detentor do poder no velho regim e? De que modo recomendado para acabar com a guerra e, portanto, com todas
difere a polêmica da m aioria dos representantes da ética presumi- as guerras. O político dirá que a única forma segura de desa­
damente nova da ética dos adversários que criticavam , ou da creditar a guerra para todo o futuro previsível seria um a paz
ética de qualquer outro dem agogo? Em sua nobre intenção, do status quo. A s nações teriam indagado, então, “para que esta
poder-se-á dizer. Bem! Mas é dos meios que falamos aqui, e g u erra?” E a guerra teria sido argum entada ad absurdum, o que
os adversários, com sinceridade completa e subjetiva, pretendem, é hoje impossível. Para os vencedores, pelo menos para parte
da mesma forma, que suas intenções últim as são de caráter ele­ deles, a guerra terá sido politicamente lucrativa. E a responsa-
144 ENSAIOS DE S(>CIOLOGIA a p o lít ic a com o vo cação 145

bilidade disso cabe ao comportamento que nos impossibilitou q ual­ o direito de pressupor sua bondade e perfeição. Não se sente
quer resistência. E em conseqüência da ética do absolutismo, em condições de onerar terceiros com os resultados de suas pró­
quando o período de exaustão tiver passado, a paz estará desa- prias ações, na m edida em que as pôde prever. D irá: esses re­
creditada, não a guerra. sultados são atribuídos à m in ha ação. Quem acredita num a ética
Vejamos, finalmente, o dever da fidelidade. Para a ética de objetivos finais só se sente responsável por fazer que a chama
absoluta, trata-se de um valor incondicional. D aí se ter chegado das intenções puras não seja sufocada: por exemplo, a chama
à decisão de publicar todos os documentos, especialmente os do protesto contra a injustiça da ordem social. R eanim á-la sem­
que colocavam a culpa em nosso próprio país. À ba$e dessas pre é o propósito de seus atos bastante irracionais, julgados à
publicações unilaterais, seguiram -se as confissões de culpa — e lu z de seu possível êxito. São atos que só podem ter, e só
foram unilaterais, incondicionais e sem preocupação cofh as con­ terão, valor exemplar.
seqüências. O político verá que em conseqüência a verdade Mesmo nesse caso o problema ainda não está esgotado.
não foi esclarecida, e sim certamente obscurecida pelo exagero Nenhum a ética do mundo pode fugir ao fato de que em num e­
e pelo despertar das paixões; somente um a investigação metódica rosos casos a consecução de fins “bons” está lim itad a ao fato
completa pelos não-participantes poderia ser proveitosa; qua l­ de que devemos estar dispostos a pagar o preço de usar meios
quer outra medida pode ter conseqüências, para um a nação, moralmente dúbios, ou pelo menos perigosos — e enfrentar a
impossíveis de rem ediar durante décadas. M as a ética absoluta possibilidade, ou mesmo a probabilidade, de ramificações dan i­
simplesmente não pergunta quais as “conseqüências”. Esse ponto nhas. N enhum a ética no m undo nos proporciona um a base
é decisivo. para concluir quando, e em que proporções, a finalidade etica­
Devemos ser claros quanto ao fato de que toda conduta etica­ mente boa “justifica” os meios eticamente perigosos e suas ra­
mente orientada pode ser guia da por uma de duas m áximas fun­ mificações.
damentalmente e irreconciliavelmente diferentes: a conduta pode O meio decisivo para a política é a violência. Podemos
ser orientada para um a “ética das últimas finalidades”, ou para ver as proporções da tensão entre meios e fins, quando consi­
uma “ética da responsabilidade”. Isto não é dizer que um a ética derados eticamente, pelo seguinte: como geralm ente se sabe,
das últim as finalidades seja idêntica à irresponsabilidade, ou que mesmo durante a guerra os socialistas revolucionários (facção
a ética de responsabilidade seja idêntica ao oportunismo sem prin­ Zim m erwald) professava um princípio que poderíamos formular
cípios. N aturalm ente ninguém afirm a isso. H á, porém, um con­ contundentemente: “Se enfrentarmos a escolha entre m ais alguns
traste abismal entre a conduta que segue a m áxim a de uma ética anos de guerra e em seguida a revolução, e a paz agora sem
dos objetivos finais — isto é, em termos religiosos, “o cristão faz revolução, preferimos m ais alguns anos de guerra 1” E à per­
o bem e deixa os resultados ao Senhor” — e a conduta que segue gun ta: “O que pode trazer essa revolução?”, todo socialista
a m áxim a de uma responsabilidade ética, quando então se tem dotado de conhecimentos científicos responderia: não podemos
de prestar conta dos resultados previsíveis dos atos cometidos. falar de um a transição para um a economia que, em nosso sen­
tido, fosse cham ada de socialista; ressurgirá um a economia bur­
Pode-se demonstrar a um sindicalista convicto, partidário da guesa, apenas sem os elementos feudais e os vestígios dinásticos.
ética dos objetivos finais, que seus atos resultarão num aumento Para esse resultado tão modesto, eles estão dispostos a enfren­
das oportunidades de reação, na maior opressão de sua classe e na tar “mais alguns anos de guerra”. Bem poderíam os dizer que
obstrução de sua ascensão — sem causar nele a menor impressão. mesmo com um a convicção socialista muito robusta rejeitaría­
Se um a ação de boa intenção leva a m aus resultados, então, aos mos um a fin alidade que exige tais meios. Com o bolchevismo
olhos do agente, não ele, mas o mundo, ou a estupidez dos outros e o espartacismo e, em g eral, com qualquer tipo de socialismo
homens, ou a vontade de Deus que assim os fez, é responsável pelo revolucionário, é precisamente o mesmo. É, decerto, de um
m al. M as um homem que acredita numa ética da responsabili­ ridículo total denunciar moralm ente os políticos do poder, do
dade leva em conta precisamente as deficiências médias das regim e antigo, por mais ju sta que possa ser a rejeição de seus
pessoas; como Fichte disse corretamente, ele não tem nem mesmo objetivos.
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146 E N S A IO S DE SO C IO LO G IA A P O L ÍT IC A CO M O VOCAÇÃO 147

A ética dos fins últimos evidentemente se desfaz na questão pecado original, a predestinação e o deus absconditus, tudo isso
da justificação dos meios pelos fins. N a realidade, logicamente nasceu de nossa experiência. T am bém os primeiros cristãos sa­
ela tem apenas a possibilidade de rejeitar toda a ação que em ­ biam muito bem que o mundo é governado pelos demônios e
prega meios moralmente perigosos — em teoria! No mundo da quem se dedica à política, ou seja, ao poder e força como um
realidade, em geral, encontramos a experiência sempre renovada meio, faz um contrato com as potências diabólicas, e pela sua
de que o partidário de um a ética de fins últimos subitamente ação se sabe que não é certo que o bem só pode vir do bem e o
se transforma num profeta quiliasta. Por exemplo, os que recen­ m al só pode vir do mal, mas que com freqüência ocorre o in­
temente pregaram o “amor contra a violência” pedem agora o verso. Quem deixar de perceber isso é, na realidade, um ingênuo
uso da fôrça para o último ato de violência, que levaria, então, a em política.
um estado de coisas no qual toda a violência é eliminada. Da Estamos colocados em várias esferas da vida, cada qual go­
mesma forma, nossos oficiais diziam aos soldados antes de qual­ vernada por leis diferentes. A ética religiosa explicou esse fato
quer ofensiva: “Esta será a ú ltim a: ela nos trará a vitória e com de modos diferentes. O politeísmo helénico fez sacrifícios a
isso a paz”. O proponente de um a ética de fins absolutos não Afrodite e H era igualm ente, a Dioniso e Apoio, e sabia que
pode resistir sob a irracionalidade ética do mundo. É um “ra- êsses deuses freqüentemente estavam em conflito entre si. A
cionalista” cósmico-ético. Os que conhecem Dostoievski lem ­ ordem de vida hindu fez de cada uma das diferentes ocupações
brarão a cena do “Grande Inquisidor”, onde o problema é ex­ objeto de um código ético específico, o Darma, segregando para
posto de modo pungente. Se fizermos qualquer concessão ao sempre umas das outras como castas, colocando-as assim numa
princípio de que os fins justificam os meios, não será possível hierarquia fixa de ordem. Para o homem nascido nela, não
aproxim ar uma ética dos fins últimos e um a ética da responsa­ havia como fugir a isso, a menos que voltasse a nascer em ou­
bilidade, ou decretar eticamente que fim deve justificar que tra vida. As ocupações eram , assim, colocadas a distâncias va­
meios. riadas dos m ais altos bens religiosos de salvação. Dessa forma,
M eu colega, F . W . Fõrster, por quem tenho pessoalmente a ordem de casta perm itia a possibilidade de estabelecer o Darma
elevada estima, pela sua indubitável sinceridade, mas a quem de cada casta, desde os ascetas e brâm anes até os canalhas e
rejeito sem reservas como político, acredita ser possível contornar prostitutas, de acordo com as leis imanentes e autônomas de suas
essa dificuldade com a simples tese: “do bem só vem o bem; respectivas ocupações. A guerra e a política estavam também
mas do m al só vem o m al”. Nesse caso, todo esse complexo de incluídas. A guerra está integrada na totalidade das esferas da
questões não existiria. Mas é espantoso que essa tese surja à luz vida, no Bhagavad-Gita, na conversação entre Krishna e Arduna.
2.500 anos depois dos Upanichades. Não só a totalidade do “Faz o que deve ser feito”, isto é, o trabalho que, segundo o
curso da história m undial, mas qualquer exame franco da expe­ Darm a da casta do guerreiro e suas regras, é obrigatório e que,
riência cotidiana nos leva ao oposto. O desenvolvimento das segundo o propósito da g uerra, é objetivamente necessário. O
religiões em todo o mundo é determinado pelo fato de ocorrer hinduísm o acredita que tal conduta não prejudica a salvação
o inverso. O velho problema da teodicéia consiste na questão religiosa, mas, antes, a promove. Quando tin ha morte de herói,
mesma de como pode um poder, considerado como onipotente o guerreiro indiano ia certam ente para o céu de Indra, tal como
e bom, ter criado um mundo irracional, de sofrimento imerecido, o guerreiro teutônico ia para o V alhalla. O herói indiano teria
de injustiças impunes, de estupidez sem esperança. Ou esse desprezado o N irvana tanto quanto o teutônico teria zombado
poder não é onipotente, nem bom, ou, então, princípios de com­ do paraíso cristão, com seus coros angelicais. Esta especializa­
pensação e recompensa totalmente diversos governam nossa vida ção da ética perm itia à ética indiana um tratam ento da política
— princípios que podemos interpretar metafisicamente, ou mesmo igual ao das outras esferas, seguindo as leis próprias da política
princípios que escapam para sempre à nossa compreensão. e até mesmo fomentando essa arte real.
Esse problema — a experiência da irracionalidade no mundo Um “m aquiavelism o” realmente radical, no sentido popular
— tem sido a força propulsora de toda evolução religiosa. A daquela palavra, está representado classicamente na literatura in­
doutrina indiana do carma, o dualismo persa, a doutrina do diana, no Kautaliya Arthasastra (m uito anterior a Cristo, supos-
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tamcnte da época de C handragupta). Em contraste com esse Quem contrata meios violentos para q ualqu er fim — e todo
documento, o Principe de M aquiavel é inofensivo. Como a ética político o faz — fica exposto às suas conseqüências específicas.
católica o sabe — da qual o Professor Förster se aproxima nos Isso é especialmente válido para o cruzado, religioso e revolu­
dem ais aspectos — os consilia evangelica são um a ética especial cionário igualm ente. Tomemos confiantemente o presente como
para os dotados do carisma de um a vida santa. Entre eles está exemplo. Quem deseja estabelecer a justiça absoluta na T erra,
o monge que não deve verter sangue nem buscar lucros, e ao pela força, necessita de adeptos, de u m a “m á quina” hum ana.
seu lado o cavaleiro de fé e o burguês, que têm permissão para Deve proporcionar os prêmios necessários, internos e externos,
fazer as duas coisas — o prim eiro verter sangue, o segundo bus­ a recompensa celestial ou m aterial, a essa “m áquina”, ou ela não
car o lucro. A graduação d a ética e sua integração orgânica funcionará. N as condições da moderna luta de classe, os prêmios
na doutrina da salvação é menos coerente do qu e na ín d ia. internos consistem na satisfação do ódio e do anseio de vingan ça;
Segundo as pressuposições da fé cristã, o caso podia e tin ha de acim a de tudo, o ressentimento e a necessidade de um farisaísmo
ser esse. A m aldade do mundo, provocada pelo pecado original, pseudo-ético: os adversários devem ser caluniados e acusados de
perm itia com relativa facilidade a integração da violência na heresia. As recompensas externas são a aventura, vitória, pilha­
ética como um meio de disciplina contra o pecado e os hereges gem, poder e despojos. O líder e seu êxito dependem comple­
que colocavam em perigo a alma. As exigências do Sermão da tamente do funcionamento de sua m áquina e, portanto, não de
Montanha, porém, uma ética acósmica de fins últimos, deixavam seus próprios motivos. Assim, ele também depende de ser ou
implícito um direito natural de imperativos absolutos baseado não o prêmio perm anentemente concedido aos seguidores, ou
na religião. Esses imperativos absolutos conservaram a sua seja, aos Guardas Vermelhos, aos delatores, agitadores, dos quais
força revolucionante e entraram em cena com um vigor elemen­ o líder necessita. O que ele realmente alcança nas condições
tar durante quase todos os períodos de transformação social. de seu trabalho não está, portanto, em suas mãos, sendo-lhe po­
Produziram especialmente as seitas pacifistas radicais, uma das rém prescrito pelos motivos de seus seguidores que, se vistos
quais n a Pensilvânia tentou pôr em prática uma política que eticamente, são predominantemente mesquinhos. Os seguidores
renunciava à violência para com terceiros. T al experiência teve só podem ser controlados enquanto um a fé honesta n a pessoa
um destino trágico, pois com a deflagração da Gu erra da Inde­ do líder e sua causa inspirar pelo menos parte deles, provavel­
pendência os quacres não puderam levantar-se de armas na mão mente jam ais n a terra a m aioria. Essa crença, mesmo quando
pelos seus ideais, que eram os mesmos da guerra. subjetivamente sincera, realm ente não é, em grande número de
casos, mais do que um a “legitim ação” ética de anseios de vin­
Normalm ente, o protestantismo, porém, legitim ou de forma gança, poder, pilhagem e espólios. Não nos enganaremos com
absoluta o Estado como instituição divina e daí a violência
essa verbosidade: a interpretação m aterialista da história não é
como meio. O protestantismo legitim ou especialmente o Estado um carro que se possa tom ar à vontade; não pára antes dos pro­
autoritário. Lutero isentou o indivíduo da responsabilidade ética
motores de revoluções. O revolucionismo emocional é seguido
pela guerra e transferiu-a para as autoridades. Obedecer às
pela rotina tradicionalista da vida cotidiana; o líder cruzado e a
autoridades em assuntos fora da fé ja m ais poderia constituir
própria fé desaparecem ou, o que é ainda m ais verdadeiro, a
culpa. O calvinismo, por sua vez, conhecia a violência em defesa
fé se torna parte da fraseologia convencional dos filisteus políticos
de um princípio como um meio de defender a fé; assim, conhecia
e dos técnicos banáusicos. Essa situação é especialmente rápida
a cruzada, que foi para o Islã um elemento de vida, desde o
nas lutas de fé, porque elas são habitualm ente levadas ou inspi­
início. Vê-se que não é, de forma algum a, uma descrença
radas por líderes autênticos, isto é, profetas da revolução. Nesse
moderna, oriu nda do culto do herói da Renascença, que suscita
caso, tal como ocorre com a m áquina de todo líd er, um a das
o problema da ética política. Todas as religiões se ocuparam
condições para o êxito é a despersonalização e rotinização, em
dele, com diferente êxito, e depois do que dissemos não poderia
suma, a proletarização psíquica, no interesse d a disciplina. De­
ser de outro modo. É o meio específico de legitim ar a violência
pois de ascenderem ao poder, os seguidores de um cruzado h a­
como tal, na mão das associações hum anas, que determ ina a pe­
bitualmente degeneram m uito facilmente num a cam ada comum
cu liaridade de todos os problemas éticos da política.
de saqueadores.
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Quem deseja dedicar-se à política, e especialmente à política permiti mencionar num a discussão uma referência a uma data
como vocação, tem de compreender êsses paradoxos éticos. Deve num certificado de nascimento; mas o simples fato de que alguém
saber que é responsável pelo que vier a ser sob o impacto de tem 20 anos de idade e eu tenha mais de 50 não me deve fazer
tais paradoxos. R epito: tal pessoa se coloca à mercê de forças pensar que isto constitui um a realização, em si, perante a qual
diabólicas envoltas na violência. Os grandes virtuosi do amor me deva atem orizar. A idade não é decisiva; o que é decisivo
acósmico da humanidade e bondade, sejam de N azaré ou Assis, é a inflexibilidade em ver as realidades da vida, e a capacidade
ou dos castelos reais da índ ia, não operaram com os meios polí­ de enfrentar essas realidades e corresponder a elas interiorm ente.
ticos da violência. Seu reino “não era dêste mundo”, e não A política é feita, sem dúvida, com a cabeça, mas certamente
obstante êles trabalharam e ainda trabalham neste mundo. As não é feita apenas com a cabeça. Nisso, os proponentes de um a
figuras de Platon Karatajev e os santos de Dostoievski ainda ética de fins últimos estão certos. Não podemos prescrever a
continuam as suas reconstruções mais adequadas. Quem busca ninguém que deva seguir um a ética de fins absolutos ou uma
a salvação da alma, sua e dos outros, não deve buscá-la no cam i­ ética de responsabilidade, ou quando um a e quando a outra.
nho da política, pois as tarefas totalmente diferentes da política Só podemos dizer o seguinte: se nas épocas que, na opinião
só podem ser resolvidas pela violência. O gênio ou demônio da pessoa em questão, não são épocas de excitação “estéril” — a
da política vive numa tensão interna com o deus do amor, e com excitação não é, afinal, a paixão autêntica — se então subitamente
o Deus Cristão expresso pela Igreja. Essa tensão pode, a q ual­ políticos da W eltanschauung surgem em massa e transm item
quer momento, levar a um conflito inconciliável. Os homens a palavra de ordem, “O mundo é estúpido e mesquinho, eu
sabiam disso mesmo nas épocas do domínio da igreja. V árias não”, “a responsabilidade pelas conseqüências não recai sôbre
vêzes o interdito papal foi colocado sôbre Florença, e na época mim, mas sôbre os outros a que sirvo e cuja estupidez ou mes­
isso representa uma fôrça muito mais poderosa para os homens quinharia devo elim in ar”, então declaro francamente que inda­
e a salvação de sua alm a do que (para falarmos com F ichte) garia primeiro o grau de certeza íntim a que apóia essa ética
a “fria aprovação” do juízo ético kantiano. Os burgueses, porém, de fins últimos. T enho a impressão de que em nove em cada
combateram o Estado clerical. E é com relação a essas situações dez casos trata-se de oradores verbosos que não compreendem
que M aquiavel, num belo trecho da História de Florença, se plenamente o que estão chamando a si, mas que se em briagam
não me engano, faz que um de seus heróis elogie os cidadãos com sensações românticas. Do ponto de vista humano, isto não
que colocaram a grandeza de sua cidade natal acim a da salva­ me é muito interessante, nem me comove profundamente. M as
ção de suas almas. é profundamente comovente quando um homem maduro — não
Se dissermos “futuro do socialismo”, ou “paz internacional”, importa se velho ou jovem em anos — tem consciência de um a
ao invés de cidade natal ou “pátria” (que no momento pode ser responsabilidade pelas conseqüências de sua conduta e realm ente
um valor duvidoso para algun s), teremos então o problema tal sente essa responsabilidade no coração e na alma. A ge, então,
como se apresenta agora. T udo aquilo pelo que se luta através segundo um a ética de responsabilidade e num determ inado mo­
da ação política operando com meios violentos e seguindo um a mento chega ao ponto em que d iz: “Eis-me aq ui; não posso
ética da responsabilidade põe em risco a “salvação da alm a”. Se, fazer de outro modo”. Isso é algo genuinamente hum ano e
porém, buscarmos o bem final numa guerra de crenças, seguindo comovente. E todos nós que não estamos espiritualm ente mortos
um a ética pura dos fins absolutos, então as metas podem ser preju­ devemos compreender a possibilidade de encontrar-nos, num de­
dicadas e desacreditadas durante gerações, pois falta a responsabi­ terminado momento, nessa posição. N a medida em que isso é
lidade pelas conseqüências, e suas fôrças diabólicas que entram válido, um a ética de fins últim os e um a ética de responsabilidade
em jôgo continuam desconhecidas do ator. São inexoráveis e não são contrastes absolutos, mas antes suplementos, que só em
produzem conseqüências para sua ação e mesmo para seu eu uníssono constituem um homem genuíno — um homem que
interior, a que se deve sujeitar indefeso, a menos que as perceba. pode ter a “vocação para a política”.
A frase: “O diabo é velho; envelheça para com preendê-lo!” não E, agora, senhoras e senhores, voltemos a debater essa ques­
se refere à idade em têrmos de anos cronológicos. Jamais me tão novamente dentro de dez anos, a contar de agora. Infeliz­
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mente, por toda um a série de razões, temo que então o período soais. E quanto ao resto — deveriam ter-se empenhado sobria­
de reação tenha há muito desabado sobre nós. É muito provável mente em suas tarefas cotidianas.
que pouco do que muitos dos senhores, e (confesso candida­ A política é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige
mente) eu também, desejamos e esperamos se tenha realizado; tanto paixão como perspectiva. Certam ente, toda experiência
pouco — talvez não exatam ente nada, mas aquilo que pelo histórica confirm a a verdade — que o homem não teria alcançado
menos para nós parece pouco. Isto não me esm agará, mas sem o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível.
dúvida é um peso íntim o compreender tal fato. Eu gostaria de Mas, para isso, o homem deve ser um líder, e não apenas um
poder ver, então, o que foi feito daqueles que, entre os presentes, líder, mas também um herói, num sentido m uito sóbrio da pala­
se consideram como políticos realmente “de princípios”, e que vra. E mesmo os que não são líderes nem heróis devem arm ar-se
partilham da em briaguez representada por esta revolução. Seria com a fortaleza de coração que pode enfrentar até mesmo o des­
bom que as coisas viessem a ser de tal modo que o Soneto 102 moronar de todas as esperanças. Isso é necessário neste momento
de Shakespeare fosse verdade: mesmo, ou os homens não poderão alcançar nem mesmo aquilo
que é possível hoje. Somente quem tem a vocação da política
O ur love was new, and then but in the spring, terá certeza de não desmoronar quando o m undo, do seu ponto
When I was won t to greet it w ith m y lays; de vista, for demasiado estúpido ou demasiado m esquinho para
As Philomel in sum m er’s front doth sing,
And stops her pipe in growth of riper days.* o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem , frente a tudo
isso, pode dizer “Apesar de tudo!” tem a vocação para a política.

Mas não é esse o caso. Não o florescer do verão está à


nossa frente, m as antes um a noite polar, de escuridão gelada e
dureza, não importa que grupo possa triunfar externamente agora.
Onde não há nada, não só o Kaiser m as também o proletário
perdeu seus direitos. Quando esta noite se tiver afastado lenta­
mente, quem estará vivo entre aqueles para os q uais a primavera
aparentem ente floresceu tão abundantem ente? E o que terá
sido de todos vós, então? Sereis am argos ou banáusicos? Acei­
tareis simples e devidamente o mundo e a ocupação? Ou a
terceira e não menos freqüente possibilidade será o vosso destino:
a fu ga mística da realidade, para os que não eram dotados para
ela ou — como é freqüente e desagradável — para os que se
empenham em seguir essa m oda? Em qualquer desses casos,
cheguei à conclusão de que essas pessoas não corresponderam aos
seus proprios feitos. Não corresponderam ao m undo como real­
mente é em sua rotina cotidiana. Objetiva e realmente, não
experim entaram a vocação para a política em seu sentido mais
profundo, que julgava m ter. T eriam feito melhor em simples­
mente cultivar uma fraternidade comum nas suas relações pes­

* Nosso am or era novo e entfio apenas na prim avera,


Quando eu estava acostumado a saudá-lo com meus versos;
Como Filom ela canta no começo do verão,
E dedilha sua flauta enquanto crescem dias mais plenos.

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