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DISCURSOS FACISTAS NO BRASIL

Dois Minutos de Ódio (ou o perigo


de ignorar os ressentidos)
Com a crescente maré conservadora e autoritária global, ondas de
ódio tem atingido a sociedade brasileira com frequência horrenda.
Não levar seus impulsionadores a sério é um risco e não intervir pode
ser um equívoco danoso, capaz de dar espaço à efervescência de
discursos fascistas.
Por: Pedro Carvalho Oliveira
25 de agosto de 2017
Crédito da Imagem: Foto: Fiesp/cc
Cresce no Brasil um velho conhecido tipo de medo e a insegurança. Não nos
referimos aqui ao aumento no número de assaltos, sequestros e afins. São
problemas aos quais se somam esses outros, cada vez mais frequentes em
nosso país: as investidas agressivas de parte considerável da sociedade contra
cidadãos defensores dos direitos humanos, politicamente alinhados a
partidos ou movimentos progressistas, bem como a discursos contra o
autoritarismo e o conservadorismo. Esses tem sido alvo de brasileiros aptos
a bradarem seu ódio com base apenas em convicções morais ou apelos a
argumentações frágeis, quando estas existem. Indivíduos que executam
práticas fascistas sem mesmo compreenderem isso. Sujeitos que se
consideram na linha de frente da política nacional, dotados do poder de
derrubar governantes supostamente corruptos e agredir quem se mostrar
minimamente associado a eles. Um tipo de violência extremada conhecida
nos meios virtuais cada vez mais próxima de se materializar.

Disseminando o ódio

Na célebre obra “1984”, escrita por George Orwell, nos deparamos com um
futuro distópico onde o Estado controla cada passo de uma sociedade e, por
meio disso, impõe sua ideologia. Aqueles que não se submetem a ela são
considerados inimigos. Nessa atmosfera, os inimigos do Estado são
agredidos violentamente não apenas de forma física, sendo presos, mortos ou
exilados, mas também de forma simbólica. A ficção nos mostra o seguinte:
em um determinado momento do dia, parte da população gerida pelo
chamado Grande Irmão interrompe todas as suas atividades e se volta a uma
tela, na qual o rosto de algum inimigo nacional é exposto por um par de
minutos. Nesse tempo, os indivíduos apoiadores da ditadura instaurada ou
os que desejam não sofrer as sanções por ela empreendidas devem xingar o
inimigo ininterruptamente, inclusive proferindo ofensas proibidas. São os
“Dois Minutos de Ódio”.

Trata-se, portanto, de um momento no qual as pessoas, com o aval de uma


autoridade maior e protegidas por ela, expressam seu ódio a alguém.
Deixemos de lado as pessoas forçadas a se manifestarem visando não serem
punidas e foquemos nos apoiadores do regime, cujas manifestações de ódio
são reais. Eles direcionam suas ofensas e desejos de morte a símbolos de sua
fúria, opositores do mundo que consideram ideal e supostas ameaças ao
sistema que defendem, pois esse sistema os representa. Normalmente, os
indivíduos mostrados na tela dos “Dois Minutos de Ódio” são considerados
subversivos por defenderem políticas rejeitadas pelo Estado. Orwell criticava
o stalinismo e sua perseguição política a dissidentes.

A forma como os apoiadores do regime extravasam seu ódio contra os


inimigos no livro é bem semelhante a uma prática comum à era digital de
hoje. Quando alguém compartilha nas redes sociais uma notícia de algum
site, jornal ou blog, na qual um debate polêmico aparece, é comum vermos o
seguinte alerta: “não leiam os comentários”. Trata-se das sessões destes sites
voltadas à opinião dos leitores, nas quais eles podem se manifestar
abertamente em relação ao que foi noticiado. O alerta normalmente é feito
por pessoas que, intencionalmente ou não, defendem causas progressistas ou
a equidade mesmo de forma tímida; no mínimo, são sensíveis ao ódio
disseminado inescrupulosamente pelos internautas.

Em junho de 2017, um jovem tentou roubar a bicicleta de dois rapazes em


São Paulo. As vítimas do roubo conseguiram evitar o crime, apreenderam o
ladrão e o levaram à pensão onde estavam hospedados. Lá, uma das vítimas,
um tatuador de 27 anos, usou seu equipamento para escrever “sou ladrão e
vacilão” na testa do assaltante. O site do G1 publicou no mesmo mês uma
matéria reportando a internação do adolescente em uma casa de recuperação
particular, onde seria tratado por ser dependente de drogas[1]. Na página de
comentários logo abaixo da notícia, lemos as seguintes palavras de um leitor:
“se fosse eu não teria tatuado, teria dado um balaço nas testas (sic) mesmo..”.
Mais adiante, outro comentário: “Nojo… vergonha… repulsa…agora só falta
virar herói nacional e aparecer no Faustão”.

O mesmo portal noticiou em 17 de março de 2016 o caso de agressão sofrido


por um adolescente que defendia Dilma Rousseff em São Paulo, quando as
manifestações contra a então presidenta petista estavam em seu auge, pouco
antes de sofrer o impeachment que a destituiu do cargo[2]. O jovem foi
agredido por manifestantes na Avenida Paulista pelo simples fato de
defender uma posição política divergente, como se estivesse numa briga de
torcidas. Nos comentários, um leitor disse: “Amanha (sic) irei na rua para
bater num vermelhinho….. eu e a turma da academia…..”. Outro disse: “Ahhh
mas uma porradinha não faz mal. Ainda mais para um filhote de petista”.

Nos dois casos há demonstrações explícitas de violência e ódio. No primeiro,


o tradicional ódio brasileiro contra os criminosos, instituído frente a uma
dicotomia cultural e histórica profundamente enraizada em nossa sociedade.
Para a maioria dos brasileiros, existem os bandidos e as pessoas de bem.
Como num filme, os bandidos são maus do começo ao fim e quase sempre
promovem uma verdadeira cruzada contra o bem estar dos bons. As razões
para alguém se tornar um criminoso não são expostas, levando as pessoas a
acreditarem se tratar de má índole ou moral deturpada, de algo intrínseco ao
seu sangue, à sua natureza. Dessa forma, apenas a punição pode resolver o
problema, não reformas sociais, uma vez que os bandidos são vistos como
uma espécie de aberração, incapaz de ser outra coisa. No linguajar da direita
ressentida brasileira, criminalizadora da pobreza, reformas sociais “passam
a mão na cabeça de bandido”. Para ela, “bandido bom é bandido morto”.

No segundo caso, o ódio é manifestado contra o Partido dos Trabalhadores


(PT) e seus representantes, principalmente Lula e Dilma, mantidos no
governo do país pela vontade popular desde 2001. Após o fervor
proporcionado pela Operação Lava Jato, cuja atenção dada pela imprensa foi
exaustiva, as acusações de corrupção feitas aos dois políticos, junto a muitos
outros, levaram os brasileiros a “descobrirem” a corrupção no país. No
entanto, essa corrupção foi atribuída tão fortemente ao PT, em consequência
de interesses escusos, que o partido se tornou quase tão detestado quanto o
comunismo em tempos anteriores. Para termos ideia, os manifestantes
contrários ao PT acusavam o partido de ser comunista, ligado a Cuba e
defensor de políticas antinacionalistas. No Brasil, pessoas de baixa renda
frequentando aeroportos, empregadas domésticas protegidas pelas leis de
trabalho ou negros no ensino superior e comunismo parecem ser a mesma
coisa. É a permanência de um discurso que, além do anticomunismo
frequente entre a classe média e seu entorno, evidencia a fragilidade do nosso
sistema educacional.

A prática não se resume aos portais de notícias e se estende às redes sociais.


Uma conta do Twitter denominada “Culpa do Nordeste” tratou de reunir
postagens de ódio aos nordestinos a fim de denunciar os responsáveis por
elas. Dos 443 tweets reunidos pela página até 20 de agosto de 2015, 81
relacionam a culpa pela reeleição da presidenta Dilma Rousseff aos
nordestinos que, supostamente miseráveis, votaram massivamente na
candidata a fim de manterem benefícios como o “Bolsa Família”, considerado
pela oposição como instrumento eleitoral para tornar a população fiel ao PT.
As mensagens compartilhadas também fazem uso de estereótipos que
imaginam generalizadamente os nordestinos como pobres, ignorantes e
incapazes de tomar decisões políticas importantes. Em alguns casos os
internautas desejam a morte dos nordestinos, responsabilizados por um sem
número de tensões sociais.

Esses são poucos exemplos perto dos quais podem ser encontrados na
Internet. Trata-se de um ritual baseado na premissa de que os praticantes
estão protegidos pela tela do computador ou smartphone, confortáveis em
seus lares e longe de qualquer possibilidade de punição. Se fizermos uma
analogia com a obra de Orwell, os indivíduos responsáveis por esses
discursos têm os seus “Dois Minutos de Ódio” particulares, ofendendo sem
restrições a quem se destinam a sua fúria descontrolada. Normalmente, os
que assim se comportam são indivíduos ressentidos com grupos sociais ou
movimentos políticos progressistas cujos esforços arrefeceram (menos do
que o ideal) o politicamente incorreto e abriram espaço, com muita luta, para
os excluídos falarem.

O problema é que, usando um jargão “memético” da Internet, “parece que a


mesa virou”. Durante os últimos anos muitos políticos, artistas, jornalistas,
entre outros, sentiram-se fortemente prejudicados pelo modesto, porém
notável, avanço de uma forte onda de discursos progressistas que
penalizavam, formal ou informalmente (por meio da execração pública nos
meios virtuais, por exemplo), as piadas com negros, as ofensas aos
homossexuais, o machismo, a rejeição aos direitos humanos e por aí vai.
Pouco a pouco a compreensão e a empatia pareciam ganhar intensa
visibilidade e aceitação nas classes favorecidas, de forma nunca antes vista.
Agora, com o avanço conservador em diferentes âmbitos da política
brasileira, esses indivíduos ressentidos, responsáveis pelo impulso dessa
“maré de ódio” ao progressismo, se sentem mais à vontade para recuperar
tudo que lhes foi tirado. Pior: parecem sedentos por propagarem todo o ódio
silenciado e acumulado.

Até onde o ressentimento pode nos levar?

A história nos mostra o que ressentimento e ódio podem fortalecer em termos


políticos. Muitas vezes nos negamos a acreditar nisso por se tratar de “um
fantasma do passado”, algo já superado, mas não devemos nos enganar, pois
os fascismos dão as caras diariamente e em nossa sociedade suas práticas são
instrumentalizadas diariamente sem que sequer sejam percebias como tais.
Como dito por Fernando Horta[3], o fascismo se inicia com a conjuminância
de diferentes fatores, sendo um deles, na nossa opinião o mais importante
aqui, por meio de um “fortalecimento do ideal punitivista jurídico ou físico,
sempre resguardando o fascista como ‘reserva moral’ do mundo”. Nesse
sentido, “o fascista crê que está certo, que sua moral é superior à dos outros,
que ele é o único que trabalha e que preza pelos ‘valores tradicionais’”, sendo
raro usarem argumentos, mas quase sempre a força bruta, física. “E ataca
tudo o que é diferente disto. Tudo vira ‘corrupção’. Todos são ‘farinha do
mesmo saco’”. Qualquer semelhança com nossa atual realidade pode não ser
mera coincidência.

Isso pode ser só o começo. Se a tradicional e predominante cultura política


autoritária brasileira continuar sendo a guia de indivíduos que a nutre e por
ela é nutrido, é possível estes buscarem um representante que não apenas
interrompa as diminuições nas diferenças sócio-econômicas, ou governe em
favor dos ricos empresários ávidos por destituir os trabalhadores de seus
direitos; esse representante pode surgir como alguém capaz de dar aval aos
desejos mais grotescos daqueles que veem no diferente o seu inimigo.
Daqueles cuja visão sobre os negros assassinados pelas autoridades em
números abundantes diariamente é a de que “se morreu é porque fez coisa
errada, pois no Brasil não existe racismo”. Daqueles que se regozijam ao ver
um homossexual sendo agredido. Ou mesmo daqueles incapazes de
suportarem a ideia de ver uma mulher desejando não mais se submeter, pois
“hoje em dia tudo é machismo para essas feminazis”. Os “Dois Minutos de
Ódio” podem ficar cada vez mais longos e corriqueiros para além dos muros
virtuais. Encerro com um apelo: leiam os comentários. A dor nos mostra que
algo não está certo.
*Pedro Carvalho Oliveira é mestre em História Política pela Universidade
Estadual de Maringá. Integra o Laboratório de Estudos do Tempo Presente
da mesma universidade e é colaborador do Grupo de Estudos do Tempo
Presente, da Universidade Federal de Sergipe.

[1] Ver “Adolescente tatuado na testa é internado em clínica particular de


recuperação, diz advogado” – Disponível em <http://g1.globo.com/sao-
paulo/noticia/adolescente-tatuado-na-testa-e-internado-em-clinica-
particular-de-recuperacao-diz-advogado.ghtml>. Acesso em 16/08/2017, às
12h20.

[2] Ver “Adolescente é agredido em protesto contra o governo na Paulista” –


Disponível em <http://g1.globo.com/sao-
paulo/noticia/2016/03/adolescente-e-agredido-em-protesto-contra-
governo-na-paulista.html>. Acesso em 16/08/2017, às 12h20.

[3] Ver “O fascismo nosso de cada dia… ou quem será comido primeiro? –
Disponível em < http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/o-fascismo-
nosso-de-cada-dia-ou-quem-sera-comido-primeiro-por-fernando-horta>.
Acesso em 16/08/2017, às 14h30.
PORLARIZAÇÃO DA LINGUAGEM

Uma nova ordem bipolar: a


tragédia de um discurso
superficial
Nesse jogo de linguagem dos dois comportamentos lingüísticos, a
popularidade do incorreto, esse discurso historicamente furioso que
tem como fim combater o avanço das conquistas sociais, fortalece o
ódio. Nos faz regredir ao fundamentalismo, impondo um estilo de
vida sobre a diversidade, conseqüência da globalização, hoje
criticada mais por uma perspectiva reacionária do que pelo ponto de
vista do lugar em relação ao global
Por: Raphael Silva Fagundes
24 de agosto de 2017
Crédito da Imagem: Miguel Porlan

A bipolaridade na política age como um imã. Exatamente como a Terra para


a bússola. Em política, o magnetismo atrai os indivíduos que vagam em um
mundo onde o excesso de opções suscita angústia. Quando nos distanciamos
da política parlamentar e nos aventuramos pelo pensamento político-cultural
dos cidadãos, nos deparamos com uma divisão (às vezes cômica, outras
trágica) entre o politicamente correto e o politicamente incorreto.

O politicamente incorreto é fundamentalismo

Para o caso brasileiro (talvez de todo o continente americano), no entanto,


essa separação assume um caráter ainda mais curioso. À esquerda (e uma
parcela da direita mais ligada aos valores liberais) associa-se o politicamente
correto e, à direita, o politicamente incorreto. Essa divisão supérflua do
campo político é empobrecedora e interesseira, pois incitam a população ao
ódio e a gritar palavrões e ofensas, enquanto que o parlamento promove
manobras políticas para salvar o modelo capitalista em combustão.

Em sua obra de 1999, o sociólogo Zygmunt Bauman dizia que vivemos em


uma época na qual a “crise” é o estado normal. Não há uma “crise de valores”
justamente pelo fato de que não se pretende escolher um valor dominante,
isto é, um valor que se sobreponha e rejeite os outros. Pós-modernos,
optamos pela multiculturalidade, enquanto que o fundamentalista torna-se
aquele que almeja dar predominância a um único valor. “Do ponto de vista
fundamentalista, a pluralidade de valores, a diversidade de opções é em si
mesma um mal”[1], disse o sociólogo polonês.

Neste sentido, Malafaia e Bolsonaro são fundamentalistas. Assim como os


“Guias politicamente incorretos” vendidos por aí, que se colocam claramente
contrários ao pensamento científico, adotando um valor predominante para
julgar conjunturas e personagens históricos, escolhendo algo para execrar e
influenciar o presente. Não passam de um culto descuidado ao anacronismo.
O pastor da Assembleia de Deus vocifera na Expo-cristã, realizada em São
Paulo, para o governador Alckmin e para João Doria, prefeito da cidade:
“Quem quiser fazer graça na eleição para o politicamente correto, para a
ideologia de gênero, casamento gay, legalização das drogas e aborto, vai
embora, segue seu caminho”.[2] Em outra situação, o presidenciável Jair
Bolsonaro comenta o que pensa do tucano: “Agora eu tenho uma coisa
importantíssima ao meu lado: eu tenho o povo ao meu lado e tenho propostas
que, se o Doria for assumir em nome do PSDB, ele será impedido. Como a
questão do desarmamento, o tratamento a ser dado ao encarcerado, a
questão de família e ideologia de gênero. Em algumas questões nós não
estaremos alinhados, infelizmente, porque eu o considero um bom nome
para o futuro do Brasil”.[3] Os dois, tanto o raivoso pastor, quanto o
famigerado político, pretendem fazer de seus valores, baseados em princípios
religiosos, dominantes.

O politicamente correto no poder

Por outro lado, o politicamente correto também impõe o seu valor, que é a
não predominância de nenhum valor. Contudo, embora tenha produzido
lindos discursos, permaneceu alheio à “construção sociocultural objetiva dos
desclassificados sociais entre nós”.[4] Uma mera dominação linguística que,
por algum tempo, foi conivente aos interesses das classes dominantes, que
não viu nas lutas identitárias algo que pusesse em xeque o seu poder. Houve,
de certa forma, um consenso em substituir a sociedade de classe por uma
sociedade de risco, onde todos se unem para reparar os problemas
existenciais criados pela industrialização.[5]

O filósofo norte-americano Douglas Kellner, lembra que com a queda do


império comunista soviético muitos acreditaram que o pesadelo havia
acabado. Mas novas guerras religiosas e nacionalistas explodiram: “Nos
Estados Unidos, também se intensificaram as guerras culturais, em que os
assaltos direitistas ao ‘politicamente correto’ funcionaram como arma de
ataque às forças e ideias progressistas”.[6] Assim, diversos movimentos e
partidos de esquerda, não só nos EUA, em várias partes do mundo, frustrados
com fim do “socialismo real”, passaram a defender o politicamente correto.
As esquerdas foram se dissociando do socialismo marxista e se aproximando
da agenda progressista, que no século XIX era bandeira dos liberais. O
próprio Lula em 2006 dizia ser impossível, depois de uma certa idade, ser de
esquerda.

Assim os governos progressistas chegaram ao poder em várias regiões do


mundo. Os conceitos antitéticos de “direita” e “esquerda” espatifaram-se na
epiderme de uma realidade multifacetada. Cada um achou o que é mais
conveniente para classificar a sua posição. O que Norberto Bobbio dizia que
“nenhum movimento pode ser simultaneamente de direita e de esquerda”[7],
não condiz mais com a realidade. Na argumentação o orador se vale de um
acordo estabelecido com o auditório para selecionar os fatos e interpretá-los.
O orador diz o que o ouvinte está preparado para ouvir. A crise de 2008 forjou
uma série de ouvintes ansiosos para ouvir um tipo de discurso diferente do
que o politicamente correto oferecia.

Noções confusas: a vitória pela fama e pelo grito

No âmbito da retórica, o orador sabe que “as noções se obscurecem


igualmente em conseqüência das confusões que situações novas” acabam por
parir.[8] As noções de “esquerda” e “direita”, obscurecidas, forjaram uma
nova fonte de argumento: o politicamente correto e o incorreto. Lula voltou
a dizer que é de esquerda e muitos passaram a se assumir abertamente de
direita.

A torrente de indivíduos que foram engolidos por essa nova situação se vê


dividida entre o politicamente correto (que visa ser acolhedor e
compreensivo) e o politicamente incorreto (mais excludente e intolerante).
Assim, na mentalidade política do continente americano, Barack Obama,
Fábio Assunção, Jean Wyllys, Maryl Strepp tornam-se de esquerda
(politicamente correto), enquanto que o MBL, Malafaia, Danilo Gentili e
Alexandre Frota de direita (politicamente incorreto). As noções políticas
estão vinculadas ao discurso mais do que nunca. Cada lado oferece uma
ameaça ao outro e, para os seus seguidores, gratificação. Entretanto, não
precisa mais de um fundamento, como os marxistas de outrora, os liberais de
Hannah Arendt a Norberto Bobbio, ou os conservadores de Wittgenstein a
Michael Oakeshott. Basta adotar um discurso superficial polêmico para se
identificar com algum dos lados.

Essa bipolaridade tornou a discussão política esdrúxula, não apenas pelo


nível das figuras famosas que polarizam o debate, mas, também, pelo acesso
à nova Ágora onde se debate o público e o privado sem critério algum: as
redes sociais. Hoje os ouvintes falam mais que antes, o que poderia ser algo
positivo. No entanto, o orador político encontrou uma nova forma de falar a
língua do povo, e não titubeará em adotar o vocabulário que mais circula nas
redes sociais. Se as redes sociais abriram caminho para a manifestação de um
discurso de ódio[9], o orador político, que quer atrair um número cada vez
maior para as suas fileiras, vai acabar incluindo tal aspecto em sua retórica.

Malafaia e Bolsonaro sabem para quem estão mandando a mensagem, um


homem do PSDB que flerta com o politicamente incorreto, pois, segundo o
seu próprio vice, Bruno Covas, Doria se diferencia dos demais políticos
porque não fica nessa “geleia geral de falar os que as pesquisas indicam como
politicamente correto”.[10] O politicamente incorreto é a nova doença
contraída pelo discurso político atual que se alastra na esteira de Donald
Trump e Vladimir Putin.

O fim à bipolaridade viciada

Nesse jogo de linguagem dos dois comportamentos lingüísticos, a


popularidade do incorreto, esse discurso historicamente furioso que tem
como fim combater o avanço das conquistas sociais, fortalece o ódio. Nos faz
regredir ao fundamentalismo, impondo um estilo de vida sobre a diversidade,
conseqüência da globalização, hoje criticada mais por uma perspectiva
reacionária do que pelo ponto de vista do lugar em relação ao global.[11]

Essa bipolaridade mesquinha há de acabar um dia. Aliás, em nossa época,


dificilmente algo consegue se solidificar antes de se desmanchar no ar. Ela só
está atendendo aos setores dominantes que, comprando políticos do
chamado Centrão e do PSDB e PMDB, faz de tudo para fortalecer o projeto
econômico que visa salvar suas fortunas. Por isso, quem deve por fim a essa
divergência viciada é o povo, de maneira similar aos estudantes de 1968 que,
insatisfeitos, ocuparam as ruas e avenidas contrários a ordem internacional
bipolar imposta pela Guerra Fria.

[1] BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Trad: Marcus Penchel. Rio de


Janeiro: Zahar, 1999. p. 152.
[2] http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,malafaia-diz-a-alckmin-e-
doria-que-evangelicos-nao-vao-negociar-ideologia-de-genero-em-
2018,70001940030

[3] https://br.sputniknews.com/brasil/201704208204445-bolsonaro-
doria-juntos-2018-video/

[4] SOUZA, Jessé. “Os limites do politicamente correto”. ________.


(org.) A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte, EdUFMG,
2009. p. 100.

[5] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Trad:
Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 11.

[6] KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Trad: Ivone C. Benedetti.


Bauru: EDUSC, 2001. p. 26.

[7] BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: reflexões e significações de uma


distinção política. Trad: Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: EdUNESP,
1995. p. 31.

[8] PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, Tratado de


Argumentação: a nova retórica. Trad: Maria Ermantina de Almeida Prado
Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 154.

[9] http://diplomatique.org.br/um-caminho-para-o-odio-ciberespaco-e-o-
crescimento-da-extrema-direita/

[10] http://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/6396965/d
oria-diferencia-por-nao-ficar-geleia-geral-politicamente-correto-diz
[11] ESCOBAR, Arturo. El lugar de la naturaleza Del lugar: globalización o
postdesarrollo? In: LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciências sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos
Aires: CLASCO, 2000. p. 74
EDUCAÇÃO E POLÍTICA

O desmonte da universidade
pública e branqueamento cultural:
outra estratégia do genocídio
O branqueamento cultural como complemento do genocídio é um
ponto de partida interessante para compreender os ataques ao
direito à educação materializados pela operação de desmonte das
universidades públicas estaduais e federais em curso e cujas
consequências já são sentidas com maior intensidade pelos setores
mais excluídos
Por: Andréia Moassab, Marcos de Jesus e Vico Melo
15 de agosto de 2017

Sem dúvida, as contribuições de Abdias Nascimento, intelectual e político


negro brasileiro, são de fundamental importância à formulação de um quadro
mais geral de interpretação a respeito dos retrocessos sociais acelerados pelo
golpe civil-parlamentar travestido de impeachment em 2016. Abdias não se
limitou a constatar o mais óbvio da violência que recai sobre grupos
historicamente marginalizados como o das pessoas negras, a seletividade do
direito penal ou sua exclusão do mercado de trabalho, por exemplo, mas
almejou descrever e teorizar as artimanhas e as nuances de um poder cujas
engrenagens se plasmam em diferentes estratégias de exclusão simbólica e
cultural dos sujeitos por ele subalternizados. Algo assim tornou possível
discutir, já nos finais da década de 1970 e em plena ditadura militar, o
extermínio físico da população negra, afrodescendente e indígena atrelado ao
embranquecimento cultural como a face oculta ou pouco debatida desse
extermínio, sua condição de possibilidade. Nisso parece estar sua
contribuição maior: o reconhecimento da estreita e íntima relação entre a
modernidade capitalista e a racionalidade do extermínio (colonialismo),
sendo aquela alimentada por esta.

O branqueamento cultural como complemento do genocídio é um ponto de


partida interessante para compreender os ataques ao direito à educação
materializados pela operação de desmonte das universidades públicas
estaduais e federais em curso e cujas consequências já são sentidas com
maior intensidade pelos setores mais excluídos. Como se sabe, as
universidades públicas no Brasil surgem no segundo quartel do século XX
como espaços para a formação das elites governamentais, da “nobreza de
Estado”, como diria Pierre Bourdieu, em consonância com a necessidade de
inserir o país no marco da modernidade capitalista ocidental. Por conta da
própria formação histórica brasileira, as elites que frequentavam a
universidade sempre tiveram um padrão bastante específico: amiúde
homens brancos cristãos, proprietários, heterossexuais, de cultura urbana e
liberal, cujo capital social, político e econômico se transmite ao longo das
décadas a seus herdeiros, reproduzindo a ordem social violenta marcada pelo
genocídio físico e cultural das populações negras, afrodescendentes e
indígenas tomadas como o “outro” da nação.
Nos últimos anos, houve, a partir do incremento de uma série de políticas
públicas, uma progressiva entrada de setores excluídos, marginalizados e
pauperizados da sociedade brasileira nos espaços universitários, fissurando
os privilégios históricos desse sujeito branco. As políticas de ações
afirmativas, a lei de cotas, o aumento expressivo do número de universidades
públicas e a interiorização dos campi, em que pese o reconhecimento de seus
limites, são representativas de uma real possibilidade de inserção de sujeitos
alijados desses espaços cujo ingresso forçado é resultado de suas lutas
históricas. A entrada trouxe consigo outras cartografias corporais e, portanto,
também epistêmicas, que passam a disputar com o conhecimento
hegemonicamente produzido do ponto de vista branco europeu ou do das
elites brasileiras subservientes a este padrão de poder, em benefício próprio.
Algo assim exigiu a construção de outras agendas de pesquisa, de outras
relações entre universidade e sociedade bem como a emergência de debates
políticos mais incisivos acerca das desigualdades raciais que separam
brancos e não brancos na sociedade brasileira.

O cenário de desmonte da educação pública e gratuita hoje representa, em


alguma medida, uma espécie de “reação da elite branca proprietária do
poder” cujo objetivo parece orientado por um desejo em restaurar sua
hegemonia dentro desses espaços, já que o lugar próprio dos negros é a
senzala – como demonstrou Lélia Gonzalez – e o dos indígenas, a floresta.
Não que a entrada ainda tímida de setores periféricos na universidade
pública nos últimos anos tenha conseguido romper com a hegemonia da
branquitude, mas certamente gerou inúmeros pontos de tensão, conflito e
disputa em um espaço historicamente a ela reservado, obrigando-a a rever
alguns dos seus privilégios, ou melhor, a se perceber como sujeito de
inúmeros privilégios apesar de sua reivindicação de estar ali por
meritocracia. Evidenciar algo assim implica dizer que a defesa da
universidade pública precisa incorporar em sua gramática um vocabulário
que diga as desigualdades raciais e o genocídio operado pelas estratégias de
embranquecimento cultural, além de, obviamente, denunciar suas
cumplicidades com a acumulação do capital e com a dominação patriarcal.
Nesse espectro de desmonte das universidades públicas, a Universidade
Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e a Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) se tornaram
os alvos preferidos de discursos de ódio, de racismo e de xenofobia por parte
dos “donos do poder” e de seus cães de guarda.

Esse ódio crescente endereçado à educação em geral e às duas instituições


em particular se alimenta do capitalismo/colonialismo que, como sistema
histórico, sempre necessitou promover classificações e hierarquizações entre
entidades humanas como meios de facilitar o processo de acumulação
incessante de capital, a exemplo da escravidão ameríndia e africana e da
“domesticação das mulheres” para a vida e o trabalho no marco de uma
conjugalidade monogâmica heterossexual e cristã dominadora. A tais grupos
foi imposta uma lógica de que serviam exclusivamente ao trabalho
(forçado/escravo) e à reprodução, esvaziando-os de qualquer sentido de
humanidade e sendo, portanto, tratados como exteriores às instituições de
ensino. O Brasil se encaixa inteiramente no processo neocolonial (de
imposições de fora para dentro) e de colonialismo interno (imposições
promovidas internamente) de “codificação paranoica da vida social”, levado
a cabo por uma elite que se via fora do poder por vias democráticas há mais
de uma década. É importante ressaltar que, mesmo fora do poder, as elites
nacionais tiveram um acúmulo de riqueza sem comparação na história
democrática brasileira, graças à alta das commodities no mercado
internacional, impulsionada principalmente pelo mercado chinês em plena
expansão, somado a volumosos empréstimos a fundo perdido concedidos
pelos governos de Lula e Dilma ao agronegócio.

Entretanto, em momentos de crise o grande capital não aceita pagar a conta


de sua própria crise, jogando o ônus nas costas de toda a sociedade brasileira,
com maior peso para as populações marginalizadas historicamente no país.
O governo Temer representa toda essa estrutura de expropriação e
exploração contra uma grande parcela da população, vista exclusivamente
como corpo-máquina. É nesse sentido que se baseiam as tão aclamadas
reformas trabalhistas, previdenciárias, educacionais e sociais pelas elites
brasileiras – dos meios de comunicação, empresariais e financistas – com
intuito de impor esse “espaço-tempo vazio homogêneo” do capital colonial à
sociedade como um todo. A ausência de uma leitura de raça e de gênero por
parte da esquerda “acomodada” no poder a fez acreditar que, com a crise de
2007-2008, o capitalismo entrava num processo histórico de decadência e de
contestação no sistema internacional. A escalada de violência brutal do
capitalismo/colonialismo global contra qualquer direito social constituído
não é fortuita ou aleatória, mas resultado da necessidade do aumento
incessante da acumulação de riqueza do capital cuja história é inseparável de
práticas racistas, sexistas e classistas colonizadoras.

Com a mudança das correlações de força no cenário nacional e a ascensão do


capital colonial que trata latinos/as e africanos/as como Outro, a Unilab e a
Unila se tornaram alvos prediletos desses ataques, por se apresentarem como
projetos institucionais de luta pela redução das desigualdades regionais,
raciais, sociais e de gênero. O Art. 2º, da Lei n.º 12.289/2010 que criou a
Unilab, traz explicitamente que sua missão é a formação de “recursos
humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países
membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP,
especialmente os países africanos” além da promoção do “desenvolvimento
regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional”. Some-se a isso o
fato de a Unilab estar localizada no Nordeste, no interior do Ceará e da Bahia,
proporcionando a democratização da educação para a população dessas
regiões que, até então, sempre foram invisibilizadas e/ou consideradas
subalternas perante os centros decisórios e de poder no país – no Sudeste –,
além de contar com uma forte presença de estudantes dos Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa (Palop) e do Timor Leste, que representam 30%
do número total de estudantes. Mesmo esse número estando aquém do
projeto inicial da Unilab, de 50% de alunos/as estrangeiros/as e 50% de
brasileiros/as, a universidade representa um incômodo às elites pelo fato de
propor uma estrutura curricular crítica e contestatória ao status quo,
buscando abarcar as diferenças e a pluralidade de saberes existentes nas
sociedades africanas e brasileiras.

De igual modo, a Unila pauta-se por um ensino multiétnico, diverso e plural,


que se propõe a um giro epistemológico ao estabelecer outras redes de
conhecimento, menos dependentes do eurocentrismo tão caro à formação
elegante das elites nacionais. Num cenário de profunda racialização
geopolítica, o/a latino-americano/a é subalternizado. A América Latina
dos/as brancos/as (sic) – correspondente às elites crioulas governantes – é o
lugar do civilizado, do urbano, do progresso, do elegante, do intelectual, do
“querer-ser europeu”. A outra América Latina é atrasada, rural, pobre,
subalterna, onde está a mão-de-obra para trabalhos mal pagos e não
intelectual. Esta América Latina, a elite dominante brasileira ou ignora ou
explora.

Os discursos do historiador Marco Antonio Villa, comentarista da rádio


Jovem Pan, e do deputado federal Sérgio Souza (PMDB/PR), sobre as
estruturas curriculares e a “necessidade” de extinção da Unila, além da
tentativa de cancelamento dos auxílios financeiros aos novos/as estudantes
estrangeiros/as na Unilab, demonstra claramente o racismo e a xenofobia
que tais grupos sempre tiveram em relação à presença de corpos que
sucessivamente foram excluídos dessas estruturas de poder/conhecimento.
Em tempos de ataques sucessivos contra esses grupos historicamente
invisibilizados e/ou excluídos, se faz necessário assumirmos uma posição de
defesa a projetos como da Unila e Unilab que visam a democratização do
conhecimento e possibilidades de alternativas que rompam com a lógica
monocultural própria do capitalismo/colonialismo. Contudo, para isso,
devemos sair de nossas zonas de conforto e promover uma profunda
autocrítica, recolocando na agenda a possibilidade de nos reabilitarmos em
nossa humanidade. Como afirmou Frantz Fanon (2008), “é pela tensão
permanente de sua liberdade que os homens [e mulheres] podem criar as
condições de existência ideais em um mundo humano […] sensibilizando o
outro, sentindo o outro e revelando-me outro”.

A autonomia universitária na produção de conhecimento sempre incomoda


aqueles interessados na manutenção das estruturas de poder. O pensamento
crítico nunca é bem-vindo quando privilégios de uma elite são questionados.
Apesar de refletir apenas uma parcela da população e dos interesses
regionais, num contexto de golpe no país, que vive o congresso mais
conservador dos últimos anos, junto a um cenário internacional de
retrocesso, trata-se de uma ameaça concreta e preocupante. A extinção de
universidades como a Unila e a Unilab representa uma afronta aos avanços
nos debates internacionais sobre direitos, autonomia e autodeterminação
dos povos, respeito à diversidade, justiça social e radicalização da
democracia. É um silenciamento brutal da luta por um mundo melhor.
*Andréia Moassab e Marcos de Jesus são docentes na Unila. Vico
Melo é docente na Unilab.

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