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Personal Values Questionnaire Readapted: Development process and initial


contributions to the validation | Questionário de Valores Pessoais Readaptado:
Processo de desenvolvimento...

Article  in  Revista Iberoamericana de Diagnostico y Evaluacion Psicologica · January 2012

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3 authors:

Ana Prioste Isabel Narciso


Universidade de Lisboa; Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias University of Lisbon
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Miguel M. Gonçalves
University of Minho
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ARTÍCULO 175
PP: 175-199

Questionário de Valores Pessoais Readaptado:


processo de desenvolvimento e contributos iniciais
para a validação

Personal Values Questionnaire Readapted: development


process and initial contributions to the validation

Ana Prioste1, Isabel Narciso2 y Miguel Gonçalves3

RESUMO

Este trabalho apresenta o processo de desenvolvimento e os estudos iniciais


de validação do Questionário de Valores Pessoais Readaptado (QVPR), um ins-
trumento de avaliação da importância dos valores, enquanto princípios guia da
vida, desenvolvido através do Questionário de Valores Pessoais (Schwartz, 1992;
tradução e adaptação: Menezes & Campos, 1991). Participaram no estudo 630 in-
divíduos (15-73 anos), respondendo ao QVPR e a um questionário de dados socio-
demográficos. Da análise factorial exploratória, realizada com 67 itens, resultou
uma estrutura de oito factores – Relacional, Tradicionalismo, Aventura, Poder So-
cial, Equilíbrio Pessoal, Realização Pessoal, Preocupação Social, Espiritualidade
–, com níveis bastante adequados de consistência interna, e 63 itens. A análise das
diferenças entre sexos, nas dimensões dos valores, evidencia que, para as mul-
heres, os valores inerentes às dimensões Relacional, Espiritualidade e Equilíbrio

1 Estudante do Programa de Doutoramento Inter-Universitário em Psicologia Clínica, Psicologia da Família e Inter-


venções Familiares na Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, e na Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação, Universidade de Coimbra, Portugal. E-mail: anaprioste@gmail.com.
2 PhD, Professora Auxiliar, Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa.
3 PhD, Professor Catedrático, Escola de Psicologia, Universidade do Minho.

Este trabalho foi apoiado pela Bolsa de Doutoramento (SFRH / BD / 62182 / 2009) da primeira autora, financiada pela
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Portugal.

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Pessoal são mais centrais enquanto princípios guia da sua vida, o que corrobora,
parcialmente, resultados de outros estudos. No estudo transversal, as diferenças
intergrupos observadas, nas dimensões Tradicionalismo, Aventura, Espiritualida-
de e Realização Pessoal, sugerem a concordância da importância da maioria das
dimensões, ao longo do ciclo de vida, e a divergência nas significações, de acor-
do com as diferentes tarefas desenvolvimentais inerentes a cada grupo etário. O
QVPR pode constituir-se como um instrumento de avaliação das motivações para
o comportamento individual e para o sentido da vida, permitindo caracterizar e
diferenciar pessoas e grupos.

Palavras-chave: Valores; Estudo inicial de validação; Questionário de Valores


Pessoais Readaptado.

ABSTRACT

This paper presents the development process and validation initial studies of
the Personal Values Questionnaire Readaptated (QVPR), an instrument for as-
sessing the importance of values as guiding principles in life, developed through
Personal Values Questionnaire (Schwartz, 1992; translational and adaptation: Me-
nezes & Campos, 1991). The study involved 630 subjects (15-73 years), answered
the QVPR and a questionnaire about socio-demographic information. Exploratory
factor analysis, conducted with 67 items, resulted in a structure of eight factors –
Relational, Traditionalism, Adventure, Social Power, Personal Balance, Personal
Achievement, Social Concern, Spirituality –with very adequate levels of internal
consistency, and 63 items. The analysis of sex differences in the values dimensions
demonstrates that, for women, the values inherent in the dimensions Relation,
Spirituality and and Personal Balance are more central while guiding principles
of their lives, which supports, in part, results from other studies. In cross-sectional
study, the differences observed between groups suggests agreement of most di-
mensions, throughout the life cycle, and the deviation significance of the dimen-
sions, according to the different developmental tasks inherent in each age group.
The QVPR can establish itself as an instrument of evaluation of the motivations
for individual behavior and the meaning of life, allowing to characterize and diffe-
rentiate people and groups.

Key-Words: Values; Validation initial study; Personal Values Questionnaire Re-


adapted.

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INTRODUÇÃO

Os valores, enquanto um conjunto 1992; tradução e adaptação: Menezes &


de princípios através dos quais se fun- Campos, 1991). Este estudo centra-se no
damenta as decisões e o sentido da vida, processo de desenvolvimento de um ins-
constituíram objecto de reflexão, concep- trumento de valores, sensível ao zeitgeist
tualização e estudo, por autores de várias e aos imperativos e identidade da socie-
áreas (e.g., Alberoni, 2000; Lipovetski, dade portuguesa actual, com base na re-
2002; Rokeach, 1976, 1979; Schwartz & adaptação da versão portuguesa do QVP.
Bilsky, 1990). De acordo com Schwartz Os instrumentos universais existentes
e Bilsky (1990), os valores podem ser que mensuram os valores, por serem no-
conceptualizados como “(a) conceitos ou motéticos, não permitem o foco em valo-
crenças (b) acerca de comportamentos ou res culturais específicos, idiossincráticos,
estados desejados (c) que transcendem que podem ter uma saliência ou impor-
situações especificas, (d) guiam, selec- tância distinta em determinadas culturas.
cionam ou avaliam o comportamento e os Para além das pessoas viverem num mun-
acontecimentos e (e) estão ordenados de do orientado por valores macrossistémi-
acordo com a sua importância relativa” cos, elas próprias criam valores, no seu
(p. 878). O estudo dos valores apresenta microssistema, de acordo com a sua pers-
alguns desafios, nomeadamente, (a) a im- pectiva pessoal, contribuindo com os seus
possibilidade de serem observados, a con- valores próprios para o mundo (Brofen-
fusão frequente com outros fenómenos brenner, 1986; Hermans & Oles, 1993).
sociais e psicológicos e o facto de o seu Neste sentido, os valores, para além de
conteúdo variar historica e culturalmente, criarem e preservarem um sentido de
(b) a falta de clareza das teorias actuais identidade pessoal, dando coerência e
na explicação de como os valores mode- continuidade aos padrões comportamen-
lam o comportamento e (c) as dificulda- tais (Caprana, Schwartz, Capanna, Vec-
des na mensuração dos valores (Hitlin & chione, Barbaranelli, 2006), contribuem
Piliavin, 2004). Têm sido desenvolvidos para o desenvolvimento das relações que
vários estudos que desafiam satisfatoria- os indivíduos estabelecem ao longo da
mente estes obstáculos (Hitlin & Piliavin, vida, sendo também desenvolvidos atra-
2004) e foram desenvolvidos alguns ins- vés destas (Bengtson, Biblarz, & Roberts,
trumentos universais para medir a impor- 2002). Apesar de serem relativamente
tância dos valores enquanto princípios estáveis temporal e situacionalmente
orientadores da vida (e.g., Rokeach Value (Bilsky & Schwartz, 1994), podem sofrer
Survey, RVS, Rokeach, 1973; Questioná- alterações, consoante as mudanças nos
rio de Valores Pessoais, QVP, Schwartz, sistemas em interacção com o indiví-

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duo e as valorações que evocam. Assim, Spranger (1924, cit. por Hermans &
a importância que o indivíduo atribui a Oles, 1993). Um estudo mais recente
cada valor é reflexo e reflector da signifi- de Hermans e Oles (1993) investigou
cação das suas experiências, da sua per- o significado dos valores de Spranger
sonalidade, do contexto e da cultura em (1924), em termos das valorações5,
que se insere (Hermans & Oles, 1993; com o intuito de perceber a conju-
Prince-Gibson & Schwartz, 1998). gação prática dos valores ideais nas
De acordo com a literatura consul- vidas individuais. Apesar de os valores
tada, parece-nos possível delinear três humanos serem, frequentemente, con-
linhas de investigação sobre valores: (1) cebidos enquanto estruturas estáveis e
referente a modelos e a teorias dos valo- coerentes que guiam a acção e formam
res humanos básicos universais e ao teste uma base cultural comunitária, os re-
da sua validade; (2) alusiva à correlação sultados do estudo de Hermans e Oles
entre os valores e outras variáveis indi- (1993) sugerem a) uma perspectiva
viduais e familiares; e (3) centrada na mais complexa dos valores humanos,
transmissão e no conflito intergeracional na qual as pessoas são agentes activas,
de valores, frequentemente com foco na capazes de interpretar, partilhar e alte-
família. Pela sua pertinência para o pre- rar a sua própria realidade, pelo que,
sente estudo, a primeira linha identifica- para além de internalizarem valores,
da será a mais explorada neste trabalho. atribuem-lhes um significado próprio,
sendo que, para cada tipo de valor, sur-
Modelos e teorias dos valores gem diferentes valorações e diferentes
humanos básicos universais. modalidades afectivas. Os valores de
Spranger (1924) diferem quanto à sua
A pesquisa científica na área dos potencialidade para evocar valorações
valores foi impulsionada pelos trabal- pessoais: os valores sociais e religiosos
hos de Allport e Vernon (1931), com - relativos à filosofia de vida, à identi-
o desenvolvimento de um instrumento
para medir as hierarquias individuais
5 De acordo com Hermans (1987), as valorações são
em relação a seis tipos de valores (eco- construções subjectivas sobre o mundo, desenvolvi-
nómicos, políticos, estéticos, sociais, das através de um processo activo de construção de
significação e ao seu produto – significado -, no qual
religiosos e teóricos) inferidos dos ti-
se joga uma conjugação dinâmica do Eu (I), centro
pos de valores finais4, postulados por de organização e interpretação experiencial e o Mim
(Me), resultado do processo interpretativo. A Teoria da
Valoração (Hermans, 1991) considera que todas valo-
4 De acordo com Rokeach (1976) e Menezes e Campos rações têm inerente uma componente afectiva (positiva,
(1991), valores finais podem ser conceptualizados como negativa ou ambivalente), determinada pela procura de
crenças ou concepções relativas a objectivos ou estados auto-realização (motivos S) e/ou contacto interpessoal
finais desejáveis (e.g., felicidade). (motivos O).

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dade própria e aos papéis pessoais nas amostra de estudantes universitários


relações interpessoais - são poderosos portugueses e respectivos pais. Os re-
na evocação de significados pessoais; e sultados mostram a) uma concordância
a importância dos valores económicos hierárquica de quatro valores entre pais
e políticos cinge-se a um nível social, e filhos (Dignidade, Flexibilidade, Pra-
não sendo centrais para o quotidiano zer e Reconhecimento social) e b) que os
pessoal (Hermans & Oles, 1993). filhos atribuem maior importância a va-
Surgiram outros contributos impor- lores pessoais e relacionais, por estarem
tantes na área para a medição empírica mais orientados para a auto-afirmação
de valores, como o instrumento uni- e autonomia, enquanto tarefas de vida,
versal RVS (Rokeach, 1973). Rokea- estando os pais mais orientados para a
ch (1976) enquadrou os valores numa moralidade, pelo que valorizam mais
teoria de organização, mudança e con- princípios sociais (Figueiredo, 1985).
flito nos sistemas de valores-atitudes- Figueiredo (1985) sugere que a tendên-
comportamentos, realçando a impor- cia de evolução dos valores obedece a
tância do conceito no processo. O autor um critério marcadamente individua-
propõe que, tendo componentes moti- lista, no sentido da auto-realização, em
vacionais, afectivas, cognitivas e com- detrimento de um critério social.
portamentais, os valores são dinâmi- A influência de Schwartz e Bilsky
cos e determinantes das atitudes e dos na área foi marcada pela construção e
comportamentos, logo, permitem-nos validação empírica de um modelo uni-
uma visão explicativa mais abrangente, versal dos valores humanos (TVBH),
analítica e económica na descrição das testado em mais de setenta países (Bil-
semelhanças e diferenças entre pessoas, sky, 2009). Para os autores, os valores,
grupos e culturas (Rokeach, 1976). No em termos do seu conteúdo e função,
RVS, a tarefa do participante consiste na representam respostas cognitivas, indi-
ordenação dos valores de duas listas – viduais e sociais a três exigências e ta-
instrumentais6 e finais -, conforme a sua refas universais: (1) as necessidades das
importância enquanto guia na sua vida pessoas, enquanto organismos biológi-
(Bilsky, 2009). O estudo de Figueiredo cos; (2) as exigências da interacção so-
(1985), um dos pioneiros nesta temática cial coordenada e (3) os requisitos para
em Portugal, utilizou a RVS com uma o bem-estar e a sobrevivência colectiva
(Bilsky, 2009). Dada a possibilidade de
identificação de um número elevado
6 Valores instrumentais podem ser definidos como
e diferenciado de valores, houve um
crenças ou conceitos sobre formas comportamentais
instrumentais desejáveis para atingir objectivos ou es- agrupamento destes em dez categorias,
tados finais pretendidos (e.g., ser honesto, ser respon- reconhecidas em diferentes culturas e
sável) (Menezes e Campos, 1991; Rokeach, 1976).

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diferenciadas pelos tipos de interesse e A insuficiência da RSV na sub-re-


conteúdo motivacional que têm subja- presentação de valores (Bilsky, 2009),
centes: Poder, Realização, Hedonismo, na não integração de valores de cultu-
Estimulação, Auto-determinação, Uni- ras não ocidentais e na impossibilidade
versalismo, Benevolência, Tradição, de cotação de cada item numa escala e
Conformidade e Segurança (Menezes de identificação de valores negativos -
& Campos, 1991; Schwartz & Bilsky, opostos aos princípios orientadores da
1990). Na TVHB, os dez domínios mo- sua vida - (Menezes & Campos, 1991),
tivacionais encontram-se representados levou Schwartz (1992) a construir o
numa estrutura circular devido à sua or- Questionário de Valores Pessoais (QVP)
ganização num continuum motivacional com base no RVS. O QVP contém 56
dinâmico circular (para uma explicação itens, distribuídos por uma lista de va-
mais aprofundada vide Schwartz & Bil- lores finais e uma de valores instrumen-
sky, 1990) e, entre os domínios, existem tais, e tem sido utilizado em várias in-
relações de compatibilidade e de incom- vestigações internacionais desde 1990,
patibilidade, atendendo à semelhança nas quais se têm confirmado os pressu-
ou diferença entre os objectivos motiva- postos teóricos de Schwartz. Uma das
cionais (Bilsky, 2009). Os valores estão desvantagens do QVP é referente ao
também organizados em duas dimen- nível de abstracção requerido ao par-
sões bipolares: (1) Auto-transcendência ticipante para a análise dos itens, pelo
(Universalismo, Benevolência) vs. Au- que não deve ser aplicado em amostras
to-promoção (Poder, Realização), que muito heterogéneas (Bilsky, 2009). De
reflectem o conflito entre o bem-estar relevar, as semelhanças entre os tipos
e a aceitação dos outros como iguais e básicos ideais de Spranger (1925) e os
a procura do sucesso individual ou do tipos de valores de Schwartz (1992): os
domínio sobre os outros; (2) Abertura valores políticos têm características co-
à mudança (Auto-determinação, Es- muns com o domínio motivacional Po-
timulação) vs. Conservadorismo (Se- der; os valores sociais correspondem,
gurança, Conformidade, Tradição), em conteúdo, aos domínios motivacio-
referentes ao conflito entre o desejo de nais Benevolência e Universalismo de
autonomia intelectual, a liberdade e a Schwartz; os valores económicos evi-
mudança vs. obediência, a preservação denciam elementos comuns com Reali-
das práticas tradicionais e a protecção zação e com Poder; os valores teóricos
da estabilidade. O Hedonismo está, assemelham-se ao domínio Auto-deter-
simultaneamente, relacionado com a minação, os religiosos ao domínio moti-
Abertura à mudança e a Auto-promoção vacional Tradição e os valores estéticos
(Schwartz & Rubel, 2005). ao Universalismo (Bilsky, 2009).

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O QVP foi integrado no European sua estrutura psicológica com outras


Social Survey (Davidov, Schmidt, & variáveis, nomeadamente, diferenças
Schwartz, 2008) e os resultados reve- entre sexos (Schwartz & Rubel, 2005),
lam, maioritariamente, uma concordân- idade (Hitlin & Piliavin, 2004), escol-
cia intercultural da estrutura dos valores. has políticas (Caprana, et al., 2006),
No primeiro estudo realizado em preocupações (Schwartz, Sagiv, &
Portugal com o QVP, por Menezes e co- Boehnke, 2000), confiança interpes-
laboradores (1989), com uma amostra soal, activismo político, atitudes pe-
de 163 estudantes universitários portu- rante a imigração (Schwartz, 2007)
gueses, a estrutura psicológica dos va- e níveis de confiança em instituições
lores humanos proposta por Schwartz e religiosidade (Devos, Spini, &
não é corroborada. Através de uma Aná- Schwartz, 2002). Alguns estudos têm
lise Factorial, neste estudo, só foram evidenciado também a associação en-
encontradas seis dimensões - Maturi- tre valores e variáveis da personalidade
dade, Social, Relacional, Hedonismo, (Bilsky & Schwartz, 1994; Caprana et
Sucesso, Conformista e Manutenção da al, 2006). Bilsky e Schwartz (1994) su-
Tradição. Mais tarde, com uma amostra gerem a existência de (a) uma relação
mais alargada e com recurso a análises co-variante entre valores e traços de
multidimensionais, os resultados do es- personalidade, quando os seus efeitos
tudo transversal de Menezes e Campos recíprocos aumentam a importância
(1991) revelaram uma estrutura semel- dos valores e acentuam uma tendência
hante à postulada por Schwartz (1990), dos traços da personalidade (e.g., ciclo
tendo emergido os dez domínios moti- de feedback positivo: valores de auto-
vacionais, apesar de alguns se apresen- realização promovem padrões com-
tarem aglutinados. Menezes e Campos portamentais congruentes – traços de
(1991) propõem a existência de um pro- personalidade assertivos – que, por sua
cesso de desenvolvimento dos valores vez, reforçam os valores de realização
humanos, profundamente influenciado que promovem padrões comportamen-
pelas tarefas do ciclo de vida com as tais congruentes – assertividade); e de
quais os indivíduos se confrontam nos (b) uma relação compensatória entre
diferentes momentos de existência. valores e traços, quando o efeito recí-
proco trabalha em direcções opostas,
Correlação entre os valores e i.e., os traços de personalidade fun-
variáveis individuais cionam como resposta às necessidades
em défice e os valores associados aos
Têm sido desenvolvidos vários es- traços são aqueles que têm subjacentes
tudos que relacionam os valores e a objectivos compensatórios do défice.

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Os resultados do estudo de Bilsky e mos cognitivos e afectivos divergentes


Schwartz (1994) apontam para a exis- e, neste sentido, os valores, enquanto
tência de relações co-variantes entre a guias das atitudes e comportamentos,
orientação social e o domínio motiva- podem corresponder a estes mecanis-
cional Auto-transcendência e entre a mos; (b) na Teoria dos Papéis Sociais,
agressividade e franqueza e o domínio considerando que as experiências
motivacional Auto-promoção e de re- proporcionadas por papéis laborais,
lações compensatórias entre as carac- familiares e sociais, influenciam, di-
terísticas impulsivas, inibitórias, de rectamente, o comportamento, a identi-
tensão, somatização e de preocupação dade e os valores básicos (Schwartz &
com a saúde e domínio motivacional Rubel, 2005).
Conservadorismo.
No que concerne ao estudo das Transmissão e conflito
diferenças de sexos na valorização intergeracional de valores
dos domínios motivacionais, os es-
tudos que utilizaram exclusivamente Tendo por base a abordagem sisté-
amostras portuguesas mostram que mica, o desenvolvimento humano in-
as mulheres atribuem maior relevo às fluencia e é influenciado por uma mul-
dimensões Maturidade, Social e Rela- tiplicidade de agentes socializadores
cional (Menezes, et al., 1989). Um es- – família, grupos de pares, media e ins-
tudo transcultural de Schwartz e Rubel tituições – dinamicamente conectados,
(2005), no qual está também incluída que se englobam, de um nível micro a
uma amostra portuguesa, mostra que um macro, constituindo um todo (Bro-
os homens valorizam mais os domínios fenbrenner, 1986) e que influem na co-
motivacionais Poder, Estimulação, construção e interiorização de valores
Hedonismo, Realização e Auto-direc- e competências sociais, havendo, con-
cionamento e as mulheres dão mais comitantemente, transmissão e trans-
importância aos tipos Benevolência, formação intergeracional de valores
Universalismo e Segurança, enquanto (Bengtson, et al. 2002). Têm sido estu-
princípios orientadores da sua vida. Os dados vários factores enquanto influen-
autores interpretaram estas diferenças tes na transmissão de valores entre pais
com base (a) numa perspectiva evolu- e filhos – e.g., género (Bengtson et al.,
cionista, que considera a influência de 2002), práticas parentais, comporta-
diferentes contornos de adaptação, i.e., mento dos pais enquanto modelo (Hoff,
homens e mulheres terão sido submeti- Laursen, & Tardif, 2002). Outros estu-
dos a pressões evolutivas distintas, que dos mostram que a influência materna
levam ao desenvolvimento de mecanis- no desenvolvimento dos valores é mais

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forte do que a paterna para ambos os 33.7% indivíduos do sexo masculino e


filhos, independemente do sexo (Ba- 66.3% do sexo feminino. A idade mé-
lancho, 2004), o que poderá estar rela- dia dos participantes é de 30.38, com
cionado com graus distintos de envol- um desvio-padrão de 4.80, sendo o
vimento parental com os filhos (Parke, mínimo de idade 15 anos e o máximo
2002). Vários autores têm identificado, 73 anos. Cerca de 84.3 % dos partici-
enquanto variáveis mediadoras da efi- pantes da amostra vivem em famílias
cácia da transmissão de valores paren- nucleares intactas, 9.6% pertencem a
tais aos filhos, a qualidade da relação famílias monoparentais e 6% a famí-
entre pais e filhos (Grusec, Goodnow, lias reconstituídas. Quanto ao nível de
& Kuczynski, 2000), a comunicação, escolaridade, 27.6% dos participantes
mais especificamente, a explicação têm, pelo menos, dez anos de ensino.
dos comportamentos dos pais (Spera, A grande maioria dos participantes
2005) e o estilo autoritativo (Grusec (73.1%) reside na Grande Lisboa e
et al., 2000; Pinquart & Silbereisen, 18.6% na zona Centro.
2004). Os resultados do estudo de Pin-
quart e Silbereisen (2004) sugerem que Instrumentos
a transmissão de valores entre pais e
filhos é evidente em relação a valores Questionário de Valores Pessoais
hedonistas, valores colectivos e papel Readaptado (QVPR, versão original
sexual. Schwartz, 1987; Adaptação e tra-
dução para a população portuguesa:
MÉTODO Menezes & Campos, 1989; Readap-
tação: Prioste, Narciso, & Gonçalves,
Participantes 2010). Os participantes completaram
os 67 itens, correspondentes a valo-
A amostra deste estudo correspon- res finais, do QVPR. O QVPR é um
de a um recorte da amostra de um es- questionário de auto-relato, baseado
tudo mais alargado sobre Transmissão no QVP (Schwartz, 1990; tradução e
Intergeracional Familiar de Valores e adaptação: Menezes & Campos, 1991);
Padrões Relacionais. A amostra é cons- a tarefa do participante consiste em
tituída por um total de 630 indivíduos avaliar quão importante é, para si, cada
(N=630). Como critério de exclusão foi valor enquanto princípio orientador
estabelecido um limite mínimo no que da sua vida, utilizando, para o efeito,
respeita à idade (15 anos), pelo grau de uma escala de (0) “Nada importante”
abstracção requerido na interpretação a (6) “De importância fundamental”.
de itens. A amostra é constituída por Em cada item, é apresentado um valor

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e uma definição, para diminuir a carga QVP, tendo-se optado pelo uso de uma
de subjectividade semântica na inter- linguagem mais impessoal e substan-
pretação do item. tiva, em vez de adjectiva (e.g., Positi-
Questionário sócio-demográfico. vidade - perspectiva positiva face a si,
Questões que permitem obter dados aos outros e aos acontecimentos).
sócio-demográfico (sexo, idade) psi- A lista de valores instrumentais
cossociais (pessoas com quem habita, do QVP (Schwartz, 1987; Tradução e
existência e número de filhos e de ir- adaptação: Menezes & Campos, 1991)
mãos e estado civil e escolaridade dos foi reconceptualizada, no QVPR,
pais) e pessoais (escolaridade, religio- numa lista única de valores finais. De
sidade, existência de acompanhamen- acordo com as limitações conceptuais
tos psicológico e/ou psiquiátrico ante- apontadas por Menezes e colabora-
rior ou actual e de doenças físicas). dores (1989) e com as propriedades
dos sistemas circularidade, equifina-
Procedimento de desenvolvimento lidade, totalidade e multifinalidade
do instrumento (von Bertallanfy, 1934, cit. por Jones,
1999), se diferentes modos de com-
Antes da readaptação do ins- portamento (e.g., ser ambicioso, ser
trumento, foram realizadas oito entre- influente) poderão originar os mesmos
vistas de Focus Group - a quatro gru- estados finais desejáveis (e.g., poder
pos de adolescentes dos 15 aos 19 anos social) – propriedade da equifinali-
e a quatro grupos de pais com filhos dade -, comportamentos semelhantes
adolescentes -, a partir das quais foi (e.g., ser aberto) poderão determinar
feito um estudo qualitativo preliminar estados finais desejáveis díspares (e.g.,
em termos dos valores emergentes, no liberdade, igualdade, reconhecimento
sentido de avaliar a adequação e sufi- social) - propriedade da multifinali-
ciência dos itens existentes no QVP dade. Pelo facto de a distinção entre
(Schwartz, 1990; tradução e adaptação: valores finais e instrumentais não de-
Menezes & Campos, 1991). Dado que ver ser artificial e linear, é inviável
emergiram valores que não constavam uma conceptualização fechada e di-
nas listas de valores finais e instrumen- cotómica. Por um lado, se há fluidez
tais do QVP, acrescentaram-se os itens: e inter-influência mútua na construção
Família; Trabalho; Evolução; Ócio; da hierarquia de valores individuais,
Vida; Beleza Física; Positividade; Ver- uma identificação estática de valores
dade; Generosidade; Educação; Espe- de meio e de fim é enviesada (pro-
rança. As explicações que procedem os priedade da circularidade). Por outro
itens foram baseadas nas existentes do lado, a idiossincrasia individual leva à

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construção de diferentes hierarquias de A estrutura relacional dos 67 itens do


valores - sensíveis à fase do ciclo de QVPR foi avaliada pela Análise Fac-
vida e a outras variáveis contextuais torial Exploratória (AFE), sobre uma
-, nas quais, possivelmente, os valores matriz de correlações, com extracção
adquirem significações diversas e am- dos factores pelo método de Com-
plas, não encaixando em meios e fins ponentes Principais, seguida de uma
ou em modos comportamentais para rotação ortogonal (Varimax), por esta
atingir determinados estados dese- permitir uma boa abordagem geral,
jáveis (propriedade da totalidade). maximizando a dispersão dos facto-
O QVPR foi administrado a um res e simplificando a sua interpretação
grupo-piloto de 25 pessoas, com o (Field, 2009). A opção tomada pelo
qual se discutiu a adequação voca- uso da AFE em vez do Escalonamen-
bular e a compreensão dos itens e, da to Multidimensional, técnica utiliza-
qual resultou a alteração da explicação da para análise de dados nos estudos
de alguns itens. O QVPR foi também de Schwartz sobre valores, pode ser
analisado por dois especialistas na fundamentada por várias razões. De
área da Psicologia Social e da Psico- acordo com Maroco (2007), o Esca-
logia da Família. Deu-se, então, início lonamento Multidimensional é com-
à recolha da amostra, através de um parável a outras técnicas exploratórias
processo de amostragem não proba- multivariadas, como a AFE e a Análise
bilístico, designado de amostragem de Clusters. A AFE permite definir um
de conveniência, por bola-de-neve. conjunto de factores/dimensões co-
Foram feitas aplicações individuais muns de valores que representam, es-
e colectivas do QVPR, em vários es- trategicamente, a informação contida
tabelecimentos de ensino secundário num conjunto maior, e que explicam o
e superior. Os participantes colabo- mais possível a variação da avaliação
raram voluntariamente, mediante a dos participantes sobre os valores. Por
explicação dos objectivos do estudo, outro lado, o Escalonamento Multidi-
tendo sido garantida a confidenciali- mensional define, através de um mapa
dade e o anonimato dos dados. espacial, um conjunto de dimensões,
a partir da percepção de semelhança e
RESULTADOS dissemelhança dos participantes sobre
os valores. Estando este estudo mais
O tratamento estatístico dos dados centrado na exploração da estrutura do
foi executado com recurso ao soft- QVPR, através da dedução dos facto-
ware Statistical Package for Social res latentes do conjunto de 67 valores,
Sciences (SPSS) 17.0 for Windows. optou-se pela técnica da AFE.

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Análise factorial exploratória Fidelidade

A medida de Kaiser-Meyer-Olkin Excepto o Factor VIII - cujo alfa


(KMO) mostra a adequação da amos- de Cronbach é de .63 -, o estudo da
tra para a análise, KMO =.91, (valor consistência interna revelou valores
excelente de acordo com Field, 2009) adequados, de .73 (Factor VII) a .86
e todos os valores KMO para os itens (Factor I), como apresenta o Quadro
individuais são superiores a .775, es- 1. O estudo da consistência interna fez
tando acima do valor de aceitação de .5 alterar a constituição do Factor IV, pela
(Field, 2009). O teste de esfericidade de exclusão do item invertido 48, por di-
Bartlett [χ2 (2211) = 14078.56, p<.001] minuir o valor do alfa.
indica que as correlações entre os itens
são suficientemente elevadas para a aná- Versão final do instrumento QVPR
lise em Componentes Principais.
A análise inicial foi feita para ob- A versão final apresenta um total de
ter eigenvalues para cada componente 63 itens, distribuídos pelos oito facto-
dos dados; 15 componentes apresenta- res. Os factores que emergiram da AFE
vam eigenvalues acima do critério de não correspondem aos domínios moti-
Kaiser de 1 e a sua combinação explica vacionais considerados por Schwartz e
57.20% da variância. Contudo, a ambi- Bilsky (1990), todavia, são revestidos
guidade do scree-plot, com dois pontos de coerência teórica e conceptual. A
de inflexão, indicava que deveríamos conceptualização dos factores baseou-
reter entre quatro ou oito factores. Op- se na definição dos dez domínios mo-
támos por seguir a última opção, repe- tivacionais da Teoria dos Valores Hu-
tindo a análise factorial em componen- manos Básicos (Schwartz & Bilsky,
tes principais, com rotação Varimax, 1990).
mas com a indicação de extracção de Ao Factor I, que engloba doze itens
oito factores. O Quadro 1 apresenta a - que expressam a valorização, o res-
saturação de cada factor (valores supe- peito e a preocupação com o bem-estar
riores a .30) com base nos coeficientes dos outros -, foi atribuída a designação
de correlação após rotação. de Relacional. O Factor II, nomeado
O conjunto dos oito factores ex- de Tradicionalismo, é composto por
plica 45% da variância. Os itens 15 e doze itens que remetem para o controlo
19 foram eliminados por apresentarem de impulsos e a adesão aos costumes
saturação inferior a .30 e o item 7 foi e ideologias, no sentido da conformi-
retirado por saturar igualmente nos dade com os padrões sócio-culturais
Factores IV e V. vigentes. O Factor III, Aventura, inte-

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Quadro 1. Resumo dos resultados da análise factorial exploratória


(coeficientes de correlação) dos itens do QVPR (N=630), com saturação
superior a .30, matriz de correlações entre factores e valores de alfa de
Cronbach. Nota. A negrito estão os valores de saturação dos itens que, na
versão final, pertencem a cada factor.

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gra seis itens que expressam a procura nove itens - concernentes à harmonia
de novos desafios, excitação e prazer. pessoal e à necessidade de independên-
O Factor IV, constituído por oito itens cia de O Factor VI, Realização Pes-
referentes à necessidade de domínio soal, representa a obtenção do êxito
sobre os outros ou sobre recursos, foi pessoal e do reconhecimento social,
conceptualizado por Poder Social. O através de seis itens (Schwartz, 1992).
Factor V, Equilíbrio Pessoal, integra O Factor VII, conceptualizado por Pre-

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ocupação Social, contem cinco itens, com o teste t-Student para amostras
e expressa preocupações ecológicas e independentes. As médias e desvios-
pró-sociais (Schwartz, 1992). Por úl- padrão das pontuações dos oito facto-
timo, o Factor VIII, Espiritualidade, res para ambos os sexos encontram-se
reúne quatro itens ligados à transcen- no Quadro 2, bem como os resultados
dência (Schwartz, 1992). do teste t de diferenças de médias entre
As oito dimensões foram organiza- participantes do sexo feminino e mas-
das em dois domínios, tendo em conta culino.
o foco dos valores englobados nas di- Para as participantes do sexo femi-
mensões, num continuum relacional: nino, os valores inerentes às dimensões
foco no Eu sem os Outros, foco no Eu e Relacional, do Equilíbrio Pessoal e da
os Outros e foco no Eu com os Outros. Espiritualidade são mais centrais en-
Assim, o domínio Hedonista engloba quanto princípios orientadores da sua
as dimensões Aventura, Poder Social, vida, em relação aos participantes do
Realização Pessoal e Equilíbrio Pes- sexo masculino.
soal, que remetem para valores maio- Para o estudo das diferenças entre
ritarimente singulares, focados no Eu grupos etários, a amostra global foi di-
sem os Outros e no Eu e os Outros. O vidida em quatro grupos, segundo um
domínio Colectivo reúne as dimensões critério etário: o Grupo Adolescentes
Relacional, Tradicionalismo, Preocu- integra participantes com idades com-
pação Social e Espiritualidade, que preendidas entre os 15 e os 19 anos;
integram valores maioritariamente fo- o Grupo Jovens Adultos engloba par-
cados no Eu com os Outros e no Eu e os ticipantes entre os 20 e os 30 anos; o
Outros. O estudo da consistência inter- Grupo Adultos reúne participantes com
na dos dois domínios revelou valores idades entre os 31 e os 49 anos; e o Gru-
bastante adequados, o alfa do domínio po Adultos Séniores agrupa os partici-
Colectivo é de .882 e o do domínio He- pantes com idades iguais ou superiores
donista é de .896. a 50 anos. As médias e desvios-padrão
das pontuações dos oito factores para
Estatística descritiva do QVPR os quatro grupos etários encontram-se
e diferenças entre sexos e entre no Quadro 3.
grupos etários Foi utilizado o teste de Kruskal-
Wallis para comparar as médias das oito
A significância das diferenças entre dimensões nos quatro etários Grupos
as médias das oito dimensões dos valo- formados, já que os dados violam os
res entre participantes do sexo femini- pressupostos para utilizar o teste ANO-
no vs. do sexo masculino foi avaliada VA one-way. Como as médias das di-

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Quadro 2. Estatística descritiva do QVPR, de acordo com o sexo, e


diferenças entre sexos

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Quadro 3. Estatística descritiva do QVPR nos quatro grupos etários

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mensões Tradicionalismo (H(3)=30.05, tivamente superior no Grupo Adultos


p < .05), Aventura (H(3)=68.82, p < Seniores em relação aos Grupos Ado-
.05), Realização Pessoal (H(3)=28.70, lescentes (U= 4765.50, r= -.18), Jovens
p < .05) e Espiritualidade (H(3)=9.67, Adultos (U= 56454.50, r= -.16) e Adul-
p < .05) são significativamente in- tos (U= 3502.00, r= -.19).
fluenciadas pelo grupo etário, foi uti- O teste de Jonckheere revela uma
lizado o Teste de Mann-Whitney para tendência significativa nos dados:
analisar estas relações. Foi aplicada a quanto maior a idade do Grupo etá-
correcção de Bonferroni, tal como su- rio, menores as médias das dimensões
gere Field (2009), pelo que todos os Tradicionalismo (J=59729.50; z=-
resultados são reportados a um nível de 2.63; r=-.11), Aventura (J=49918.00;
significância de .0083. Os resultados z=-6.94; r=-.21) e Realização Pessoal
mostram que a dimensão Tradiciona- (J=57228.00; z=-5.01; r=-.20).
lismo é significativamente superior no
Grupo Adolescentes em relação aos DISCUSSÃO
Grupos Jovens Adultos (U=14689.50,
r= -.26) e Adultos (U=10415.00, r=- O objectivo deste estudo centrou-
.17); a dimensão Aventura é significa- se no desenvolvimento do QVPR e na
tivamente superior no Grupo Adoles- apresentação dos estudos de validação.
centes em relação aos Grupos Adultos A análise factorial exploratória, com
(U=9623.00, r=-.23) e Adultos Sénio- utilização do método Componentes
res (U=2293.00, r=-.45); a dimensão Principais, com 67 itens, resultou numa
Aventura é significativamente superior versão final constituída por oito facto-
no Grupo Jovens Adultos em relação res, organizados em dois domínios. O
aos Grupos Adultos (U=11310.00, r= QVPR, com 63 itens, revelou ser uma
-.22) e Adultos Séniores (U=2756.50, medida consistente das várias dimen-
r= -.42); a dimensão Realização Pes- sões de valores, que pretende avaliar.
soal é significativamente superior no Os níveis de consistência interna apre-
Grupo Adolescentes em relação aos sentados pela maioria dos factores, ava-
Grupos Adultos (U= 10623.00, r=-.19) liados pelo alfa de Cronbach, revela-
e Adultos Seniores (U= 4145.50, r=- ram-se bastante adequados. O valor de
.26); a dimensão Realização Pessoal é alfa mais baixo apresentado pelo factor
significativamente superior no Grupo VIII (Espiritualidade), poderá ser ex-
Jovens Adultos em relação aos Grupos plicado número reduzido de itens que o
Adultos (U= 12973.50, r= -.15) e Adul- compõem e pelas diferenças marcadas
tos Seniores (U= 4950.00, r= -.24); a entre os conceitos que agrupa – Espi-
dimensão Espiritualidade é significa- ritualidade, Religiosidade, Esperança

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e Perdão. Aos itens Espiritualidade pessoal por serem mais estimuladas


e Religiosidade estão subjacentes um para a relação com os outros desde o
conjunto de crenças transcendentes que nascimento (Matlin, 1993), por terem
apelam para a vivência de um estado um papel privilegiado na maternida-
desejável, de uma dimensão interior, de e no envolvimento com os filhos e,
sobrenatural, não materializável, com pelo facto, da ligação com o outro ser,
raízes profundas na tradição religiosa também, um princípio da religião/espi-
portuguesa. Os itens Perdão e Espe- ritualidade (Oliveira, 2000). Por outro
rança, apesar de estarem, também, cir- lado, a entrada em força das mulheres
cunscritos a uma esfera transcendente no mundo do trabalho e a vivência de
e de tradição religiosa, por serem prin- experiências propiciadas pela acumu-
cípios amplamente veiculados no Cris- lação dos papéis laborais, familiares e
tianismo, parecem salientar mais a ma- sociais, reflecte-se nos valores das mul-
nifestação uma estratégia adaptativa de heres (Schwartz & Rubel, 2005), com
resiliência, focada no desenvolvimento a ausência de diferenças de sexo na va-
de uma força interior, no optimismo e lorização das dimensões de Realização
na positivização da imprevisibilidade Pessoal e Poder. Estas diferenças tam-
do futuro, constituindo recursos para bém poderão ser perspectivadas em ter-
lidar construtivamente com situações mos dos motivos básicos subjacentes à
adversas. experiência humana, identificados por
Foram exploradas as diferenças Hermans (1991): as mulheres poderão
entre sexos e entre grupos etários na orientar a sua vida e construção de na-
valorização das dimensões dos valores. rrativas pessoais por motivos O2 (moti-
As diferenças de sexo, observadas nas vos centrados na união e no amor com
dimensões Relacional, Espiritualida- outros, por oposição a motivos centra-
de e Equilíbrio Pessoal, mostram que dos na auto-valorização), procurando o
para as mulheres, os valores inerentes contacto com os outros, o que se reper-
a estas dimensões são mais centrais en- cutirá na importância da relação com o
quanto princípios guia da sua vida, o outro.
que corrobora, parcialmente, os resul- De realçar que as diferenças revela-
tados de estudos anteriores já referidos das pelos grupos etários são reduzidas,
(Schwartz & Rubel, 2005; Menezes, et o que sugere a concordância da impor-
al., 1989; Menezes & Campos, 1991). tância da maioria das dimensões, ao
Por um lado, as mulheres desenvol- longo do ciclo de vida. Todavia, as dis-
veram mais mecanismos adaptativos paridades podem ser interpretadas por
relacionais, baseados em valores re- diferenças nas significações das várias
lacionais, espirituais e de equilíbrio dimensões e nos motivos dominantes

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na procura de bem-estar, de acordo com vinculação, que poderá remeter para a


as diferentes tarefas desenvolvimentais conformidade familiar e social (Mene-
inerentes a cada grupo etário (Menezes zes & Campos, 1991).
& Campos, 1991). O facto da dimensão As diferenças verificadas nas di-
Tradicionalismo ser mais valorizada no mensões Aventura e Realização Pes-
grupo de Adolescentes, em comparação soal entre os grupos Adolescente e Jo-
com os de Jovens Adultos e Adultos vem Adulto e os restantes corroboram
pode ter subjacente um processo de in- os resultados de outros estudos (e.g.,
fluência social, familiar e parental para Schwartz & Bardi, 2001), apontando
a conformidade comportamental e a para a prioridade da gratificação e liber-
adopção de modelos, valores e crenças dade pessoal. Estes resultados poderão
(Hall, 1981) tradicionais, no sentido da evidenciar que, nos grupos Adolescen-
manutenção da cultura social e fami- tes e Jovem Adultos, os motivos S (de
liar. Contudo, se assim for, a existência auto-realização, com foco no próprio)2
de um tempo livre de definição e estru- sobrepõem-se aos motivos O (Her-
turação, socialmente concedido, para a mans, 1991), pelo que as dimensões
experienciação de vários papéis e valo- Aventura e Realização Pessoal evocam
res - moratória psicossocial (Alarcão, mais valorações positivas e são mais
2006) – poderá, eventualmente, ser centrais enquanto princípios estrutura-
menos evidente. Por outro lado, pode- dores e interpretativos da experiência
rá haver uma relação de compensação do Eu. As mudanças físicas, sociais e
(Bilsky & Schwartz, 1994) entre a di- cognitivas permitem aos adolescentes
mensão Tradicionalismo e a resolução o desenvolvimento de um caminho
da crise identitária; neste sentido, a centrífugo em relação à família (Rel-
valorização dos princípios tradicio- vas, 1996), no qual há uma subordi-
nais são uma resposta compensatória nação da procura de autonomia e de um
à necessidade de individuação, de um todo identitário consistente (enquanto
sentido de identidade e unicidade ge- tarefas desenvolvimentais) à reali-
nuíno e diferenciado dos outros – que zação pessoal. Para os adolescentes, a
integre as transformações pessoais, as orientação da vida por valores como o
exigências sociais e as expectativas em prazer, a audácia e a curiosidade tem
relação ao futuro - e do reconhecimen- subjacente o teste dos seus próprios li-
to desse todo interno único pelos outros mites - apoiado no egocentrismo meta-
(Sprinthall & Collins, 2003). Podemos, físico e na fábula pessoal, i.e., crença
também, perspectivar a importância do na inimputabilidade das consequências
tradicionalismo na vivência ambígua dos seus comportamentos (Lourenço,
do equilíbrio da individuação com a 2002; Sprinthall & Collins, 2003). A

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cultura hedonista, focada no bem-estar cutir-se-á em valores que promovam a


e na realização pessoal, amplamente realização de desejos pessoais. O su-
difundida pelos media (Lipovetsky, cesso deste desafio implicará, também,
2010), também promove e reforça os uma gestão inteligente entre os papéis
valores centrados na gratificação indi- laborais e de recreação, no sentido de
vidual no aqui e no agora. Os compor- potenciar o bem-estar através de uma
tamentos dos adolescentes orientados multiplicidade de experiências.
para a auto-realização assumem, tam- Por último, as diferenças inter-gru-
bém, uma importância central nesta pos na dimensão Espiritualidade estão
fase, que a diferencia das outras, pelo em consonância com outros estudos
peso que as tomadas de decisão esco- que referem que a religião e a espiritua-
lares, referentes ao ensino secundário e lidade tendem a aumentar com a idade
superior, têm no delinear do seu pro- (Oliveira, 2000).
jecto futuro e pela importância que é O QVPR pode constituir-se como
atribuída ao sucesso escolar e à compe- um instrumento de avaliação das moti-
tência, nos sistemas familiar e social. O vações para o comportamento e para o
estudo de Johnson (2002) mostrou que sentido da vida, permitindo caracterizar
os valores dos adolescentes se tornam e diferenciar pessoas e grupos. Em con-
mais realistas à medida que os anos junto com outros instrumentos, poder-
vão passando e que as suas aspirações se-ão identificar constelações de valores
se tornam mais limitadas com a entrada associados ao bem-estar individual e fa-
no mundo adulto. miliar. Sendo um contributo inicial para
Para o grupo Jovens Adultos, as o processo de validação do QVPR, o
diferenças nas dimensões apuradas presente estudo apresenta limitações que
expressam a vivência de uma etapa restringem a sua validade: a selecção da
do desenvolvimento altamente desa- amostra não foi aleatória e, pelo facto de
fiada, pela pluralidade de trajectórias não ser representativa, os resultados têm
possíveis – continuação dos estudos, um carácter marcadamente exploratório.
entrada no mundo de trabalho, saída Outras limitações prendem-se com o
de casa, casamento, parentalidade, etc. facto de não terem sido estudadas a va-
(Gonçalves & Barros, 2008; Relvas, lidade convergente, divergente, a valida-
2000). Num período de autonomização, de cruzada e a estabilidade temporal do
independência familiar e económica, instrumento (teste-reteste). Seria interes-
preparação e desenvolvimento de uma sante conduzir um estudo longitudinal,
carreira profissional e de assumpção de que discriminasse os efeitos da idade
novos papéis relacionais, sociais e la- e da geração (Hitlin & Piliavin, 2004;
borais, a realização profissional reper- Menezes & Campos, 1991) e que ex-

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plorasse as valorações associadas a cada desenvolvidos de forma a superar estas


dimensão dos valores, reproduzindo o limitações e a mostrar correlações entre
estudo de Hermans e Oles (1993). Os es- os valores e índices de ajustamento indi-
tudos futuros com o QVPR deverão ser vidual e familiar.

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