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educando
Rosa Jussara Bonfim Silva 1
Luiz Síveres 2
Resumo
Esta pesquisa objetiva desvelar quais saberes, presentes na prática pedagógica, po-
dem favorecer o pleno desenvolvimento do educando. O trabalho faz uma refle-
xão sobre as práticas pedagógicas, na educação básica dos anos iniciais, e a rela-
ção entre os saberes docentes e discentes na promoção do pleno desenvolvimento
do estudante. O trabalho está ancorado, além das diretrizes legais propostas para
a educação, na concepção de Síveres, Morin, Freire, entre outros autores. Como
recurso metodológico, utiliza-se a análise de discursos, por meio de entrevistas
semiestruturadas, que permite considerar o funcionamento do discurso na pro-
dução de sentidos, explicitando os saberes e evidenciando as práticas docentes. O
estudo apresenta uma análise dos saberes que, do ponto de vista das educadoras,
são relevantes para se construir e qualificar o educando em sua plenitude, contem-
plando os pilares da educação propostos pela UNESCO: o aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.
Abstract
This research aims to discover which kinds of knowledge, present in the pedagogical
practice, can be favorable to the students’ full development. The work is a reflection on
pedagogical practices in the basic education of the initial years, and the relationship
between the teachers’ and students’ knowledge in promoting the full development. The
work is anchored, besides the proposed legal guidelines for education, by Síveres,
Morin, Freire’s conception among others. As a methodological resource, it is used
utterance analysis, through semi-structured interviews, which allow consedering
the way utterances work in the production of meanings, explaining the knowledge
and demonstrating the teaching practices. This study enables an analysis of the
kinds of knowledge which are relevant, from the educators’ points of view, to build
and to qualify the students in its fullness, contemplating the pillars of education
proposed by UNESCO: learn to know, learn to do, learn to live together and learn
to be.
1 Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília, DF, Brasil, bolsista Capes, especialista em
Direito Educacional e professora no Curso de Pedagogia da Faculdade do Noroeste Mineiro (FINOM), Paracatu, MG,
Brasil. E-mail: rosa.jsilva@catolica.edu.br
2 Doutor em Desenvolvimento Sustentável e mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília,
DF, diretor do Mestrado e Doutorado em Educação e professor de Filosofia na Universidade Católica de Brasília (UCB),
Brasília, DF. E-mail: luiz@ucb.br
social e, portanto, uma forma de interação. viverem juntos, os sistemas de valores e as tra-
Nessa temática, buscamos relacionar os dições. Portanto, entender a cultura e os valores
discursos e suas práticas, o que para Morin intrínsecos da comunidade são indispensáveis
(2011a), essa reflexão possibilita estabelecer re- para que se possa proporcionar o pleno desen-
lações mútuas e as influências entre as partes e o volvimento do educando nas escolas.
todo em um mundo complexo. Tendo em vista que o objeto de estudo é
Ao considerar a abordagem da análise do dis- entender como a educação pode contribuir para
curso de acordo com Bakhtin (1997), foi possível o pleno desenvolvimento do educando, as defi-
compreendermos e defrontarmos a diversidade nições de pleno desenvolvimento humano tra-
dos discursos docentes dentro da mesma questão. zem a concepção de uma educação integrada
Apesar da diversidade dos pontos de vistas que seria aprender e fazer, partindo da informa-
dos educadores, foi possível identificar uma re- ção, conjugando com a formação e sintetizando
lação dialógica entre eles. O que nos possibilitou com a ação, aliando a teoria e a prática, o pensar
uma maior concepção dos saberes docentes e de e o questionar do porquê vivemos neste mundo,
que forma estes saberes contribuem para o ple- o que fazemos nele e o que podemos acrescentar
no desenvolvimento do educando. tanto em nosso trabalho intelectual, quanto em
A pesquisa foi realizada na cidade de João nossa vida social e emocional, para que possa-
Pinheiro, fundada em 1911, que se situa no no- mos agregar valor à existência humana.
roeste de Minas Gerais, tendo como base eco- A formação plena do ser humano se dá
nômica a agricultura e a pecuária e seu bioma dentro das escolas e por todo espaço social. A
principal é o cerrado. Esse município conta com aquisição do conhecimento, de acordo com
uma população estimada em 45.260 habitantes, Síveres (2012), passa pelo saber (a aquisição dos
de acordo com o censo de 2010. conhecimentos científicos, sociais, culturais e
humanos) e também pelo sabor que é a maneira
2 As finalidades da educação e o pleno desen- como esses conhecimentos são trabalhados nas
volvimento do educando salas de aulas, o que significa que para aprender
melhor, necessariamente é preciso ensinar me-
Ao fazermos um recorte sobre as finalidades lhor, o ensinar com sabor, com emoção, não res-
da educação, elegemos uma das finalidades asse- tringindo apenas a um conhecimento mecânico,
guradas na Constituição Federal (BRASIL, 1988). mas dialógico e dinâmico.
É preciso reduzir a distância entre ensino
A educação, direito de todos e dever do Estado aprendizagem e o desenvolvimento pleno do ser
e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno humano, o que, segundo Piaget (2011), seria di-
desenvolvimento da pessoa [...]. zer que o direito à educação é simplesmente o
direito que todo ser humano tem de desenvolver
Essa finalidade está presente também todas as suas potencialidades. Por isso, no pro-
no artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da cesso de ensino aprendizagem já está comtem-
Educação Nacional (BRASIL, 1996) que mostra plado o pleno desenvolvimento do educando,
que o pleno desenvolvimento do educando e se quando a escola tem em sua missão, não ape-
baseia em perceber o ser humano como um ser nas formar os sujeitos, mas transformar mentes,
ecológico e social. contribuindo efetivamente para uma sociedade
Para a UNESCO (2005), as finalidades da mais justa, mais pacificada e menos desigual.
educação estão em perceber que, toda socieda- A educação para um pleno desenvolvi-
de tem em sua cultura marcas espirituais, ma- mento do ser humano começa na percepção do
teriais, intelectuais e afetivas, e essas marcas outro e do seu meio através do diálogo e da in-
determinam os modos de vida, as maneiras de teração de saberes, tendo em vista que essa ação
é absolutamente indispensável à convivência hu- 3 Análise dos discursos dos saberes da prática
mana. Por isso, não é ser apenas um ser no mun- docente
do, mas ter uma presença no mundo, presença
que transforma, ampara, liberta, que apresenta As categorias selecionadas para a análise
possibilidades, harmoniza e amplia os saberes. de dados são: a identificação dos saberes da prá-
É preciso atentar para a necessidade de uma tica pedagógica dos educadores; a compreensão
relação de interdependência entre o que a edu- da importância do diálogo de saberes na prática
cação trabalha na formação do sujeito, relacio- pedagógica; e os saberes necessários ao pleno
nando com o outro, com o meio ambiente, a vida desenvolvimento do educando.
social e os problemas da sociedade de forma que A partir da grande relevância do papel do-
a humanidade tenha na escola um aporte para cente na educação do século XXI, a primeira
orientar criticamente os sujeitos aprendizes com categoria discute e identifica os saberes da prá-
objetivo de fazer do momento de ensino e apren- tica pedagógica dos educados. De maneira que,
dizagem, além de um ato de amor, um espaço de segundo Saviani e Duarte (2010, p. 422), “A aná-
realização humana, de troca, de construção e de lise do aspecto intelectual, isto é, da consciên-
reconstrução, numa perspectiva emancipadora, cia, revela que o homem não se mantém preso
onde a inserção é para todos e onde todos pos- às suas condições situacionais e pessoais”. Isso é,
sam explorar as esferas do conhecimento, perce- os educadores em seu exercício docente trans-
bendo a singularidade e a pluralidade. cendem da mera metodologia, para uma prática
De acordo com Síveres (2006, p. 143), “A pedagógica permeada de saberes diversificados
educação precisa ser reinventada em cada mo- que englobam sua vivência.
mento histórico”, uma vez que tudo muda a todo A dialógica desses saberes é compreendida
o tempo, para tanto, é preciso refletir sobre as na segunda categoria como uma prática contex-
ações docentes, bem como o processo de interli- tualizada entre os saberes. O que para Saviani e
gação de saberes que englobam as múltiplas re- Duarte (2010) seria a comunicação entre edu-
alidades. É na busca do compreender a vida que candos e educadores que legitimam a educação
se baseia a formação humana, e a escola é parte e promovem a formação humana.
fundamental nesse processo. Com referência à terceira categoria, traze-
A educação deve contextualizar a compre- mos os saberes necessários ao desenvolvimento
ensão do processo de construção de uma visão pleno do educando. Essa terceira categoria, cul-
heterogênea de sala de aula, de forma que todos mina nos quatro pilares da educação propostos
possam compartilhar saberes e mostrar a diver- pela UNESCO (2005), de maneira que cada di-
sidade de ideias acerca do contexto social, eco- zer docente eleve um dos pilares. Concretizando
nômico e ecológico em que vivemos. Segundo que, os saberes praticados no cotidiano docente,
Moraes (2012), para que possamos reconstruir potencializam o educando no aprender a co-
os diálogos criativos entre educação, indivíduo, nhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos
sociedade e natureza com a realidade vivida, e, consequentemente, a aprender a ser uma pes-
deve se buscar a conscientização da importân- soa melhor e um ser humano mais consciente
cia de cada ser para a sociedade e para o planeta. do seu papel no mundo.
Os saberes que favorecem o pleno desenvol- As categorias aqui discutidas caracteri-
vimento humano devem partir da forma de pen- zam a dinamicidade docente e a complexidade
sar e de transformar o conhecimento em práticas existente no cotidiano educacional. Para Freire
educativas que possam contribuir para com a so- e Horton (2009, p. 149), “Quanto mais as pes-
ciedade, diminuindo a violência, as desigualdades soas se tornarem elas mesmas, melhor será a
e a exploração dos recursos naturais para que to- democracia”. Assim, quanto maior o leque de
dos os seres possam usufruir das dádivas da terra. saberes, a abertura para o diálogo, o respeito às
particularidades, maior será a formação plena ainda são vistos como um conhecimento adqui-
do educando. Tendo em vista que a educação rido pela ciência, conforme a seguinte afirmativa:
não se faz apenas em quatro paredes, mas em
A nossa moeda é o conhecimento, nós professores
todo espaço da sociedade. temos que saber bem da nossa função e da
grande responsabilidade que é ensinar. O sistema
3.1 Os saberes da prática pedagógica dos edu- hoje determina que temos que trabalhar certos
cadores conteúdos. Trabalho os conteúdos determinados
e sigo a matriz de referência. Mas, muitas das
vezes, não estamos preparados. Para ser bom
A primeira categoria analisada teve como professor é preciso ser um aluno aplicado. (E1).
objetivo compreender quais saberes de acordo
com os educadores, agrega à prática pedagógica De acordo com Demo (1996, p. 16), “A
e ao processo de ensino e aprendizagem. Nessa educação necessita de conhecimento, para po-
categoria, os discursos dos educadores trazem der tornar-se fator de inovação, e conhecimento
a importância dos saberes na prática educati- precisa de educação, para tornar-se intervenção
va, bem como quais saberes são importantes e ética”. Conforme afirma o autor, a unidade entre
como esses saberes dialogam com a prática pe- educação e conhecimento possibilita uma di-
dagógica em sala de aula. mensão ampla entre emoção e razão, para que se
É possível identificar concordâncias e dis- possa atingir com plenitude o educando. Porém,
cordâncias entre os discursos docentes no decor- estamos vivendo atualmente um processo de
rer das categorias, haja vista que a singularidade fragmentação entre educação e conhecimento,
docente está presente em cada tópico discursivo. tal fato se deve ao foco apenas no conhecimento
Silva, Hall e Woodward (2006, p. 101) afirmam de conteúdos no processo educativo.
que “[...] educar significa introduzir a cunha da Dentro dessa perspectiva, a relação entre a
diferença, [...] acolher o outro como o outro”, formação dos educadores e a prática pedagógica
para que possamos perceber que cada um deve apresenta atualmente uma grande necessidade
exercer sua particular dade, sua essência humana. de conjugação entre as competências, habili-
Interessante destacar que a concepção das dades e a formação humana. Conforme afirma
educadoras entrevistadas sobre o “saber”, apre- Morin (2010, p. 89), “É preciso substituir um
sentou uma representação concreta de algo pensamento que isola e separa por um pensa-
aprendido e vivenciado. Segundo Demo (2011), mento que distingue e une”. O que traduziria no
o professor necessita da teoria para a melhoria aprender a conhecer, a entender o conhecimen-
da sua prática pedagógica. to não apenas como aquisição científica, mas a
Outro aspecto, que merece ser abordado, é valorização do conhecimento cultural.
o diálogo estabelecido entre a pesquisadora e as Na manifestação da educadora 2, a mesma
educadoras. Na perspectiva de Bakhtin (1997), a traz a didática como um grande saber, para a
linguagem deve ser entendida como um código educadora, “[...] não basta ter conhecimento,
de ideologias, que se constitui pelo meio social. mas é preciso saber manifestar esse conheci-
Dentro dessa lógica, o fato da pesquisadora fazer mento, para que o educando aprenda” . Aliando
parte do mesmo contexto educacional das interlo- o discurso da educadora ao pensamento de Rios
cutoras parece ter contribuído, para que a relação (2010, p. 61), “O bom ensino será, então, estimu-
tornasse dialógica e, ao mesmo tempo, concreta. lador do desenvolvimento desses instrumentos/
Segundo a educadora 1, o maior saber den- capacidades”. Nessa manifestação, é destacado o
tro da prática educativa deve ser o conhecimento, aprender a fazer como saber, representado pela
e esse deve estar presente em toda a manifesta- maneira em que o conteúdo é trabalhado na sala
ção da prática pedagógica. Analisando a fala des- de aula, o que irá, de certa maneira, conduzir
sa educadora, é possível perceber que os saberes uma aprendizagem mais ou menos satisfatória.
a uma busca por parceria familiar que aos olhos (2011a), que sem esse contato entre educador
dessas educadoras são fatores determinantes no e educando no processo aprendente, não há a
processo de aprendizagem. Nesses dizeres do- possibilidade desses educandos terem acesso, de
centes, os pilares aprender a ser e a viver juntos fato, aos seus direitos e deveres constituídos por
dialogam e se complementam. meio de uma ação dialógica. Assim, o aprender
a fazer só será possível pelo reconhecimento do
O maior saber é sim o conhecimento, mas aprender a conhecer.
ele sem solidariedade por parte do professor
e parceria com toda a comunidade não fará Nesse sentido, o educador, além de conhe-
muita coisa. Mesmo com muitas dificuldades cimentos necessários ao ato educativo, precisa
encontradas, busco atividades interessantes, saber desvendar as situações ocorridas com os
com jogos, músicas e até bate papos. Os nossos
alunos precisam do conhecimento, mas também
sujeitos aprendizes, buscando compreender os
precisam de momentos de conversas, de fenômenos que influenciam o processo educacio-
solidariedade e da acolhida da escola. (E4). nal, o que pode ser elucidado no trecho abaixo:
Dessa maneira, o resgate da cidadania, O professor tem que ter conhecimento, estar em
por meio da vivência prática, das diretrizes que constante aperfeiçoamento. Ainda temos muita
necessidade de aprender a lidar com esses alunos
permeiam nosso meio social, do ideológico e de forma que eles aprendam e que gostem da
educativo configura como meio norteador na escola. (E5).
construção dos saberes que irão integrar todas
as situações do processo de formação humana. A prática pedagógica depende da realidade
Conforme afirma Morin (2011b, p. 53), “A lin- política, cultural, histórica e social dos educado-
guagem humana não responde apenas a neces- res e dos educandos. De maneira que se leve em
sidades práticas e utilitárias. Responde à neces- conta também os valores institucionais, uma vez
sidade de comunicação afetiva”. que o processo de ensino aprendizagem decorre
A educadora 5, trouxe o conhecimento de variados indicadores estruturantes do pro-
como o grande saber aliado ao dinamismo e à cesso educativo, conforme afirma Pinto (1996,
paciência. No discurso dessa educadora, foi pos- p. 123) “A arte de educar os homens é insepará-
sível perceber a preocupação com a indisciplina e vel da arte de governá-los”.
a falta de manejo para se chegar até ao aluno. Isso Essa primeira categoria identificou fami-
fica bem elucidado nesse trecho da entrevista que liaridade entre os discursos das educadoras 1 e 2
relata o seguinte: “[...] mas hoje, nosso trabalho na questão de racional do conhecimento, o que
não é apenas trabalhar conteúdos, mas lidar com evidenciou os pilares propostos pela UNESCO
a falta de compromisso dos alunos [...]”. (E5). (2005), aprender a conhecer e aprender a fazer.
É certo, pois, que grande parte dos proble- Há muita familiaridade nos discursos das edu-
mas que enfrentamos, hoje, é a falta de limites cadoras 3 e 4, na questão emocional da prática
nas salas de aula. De acordo com Freire (2011a, pedagógica, com relação à manifestação dos pi-
p. 229), “Problematizar, porém, não é sloganizar, lares aprender a ser e a viver juntos.
é exercer uma análise crítica sobre a realidade Sobre o ponto de vista da prática pedagó-
problema’”. Nesse dizer da educadora 5, é mani- gica aliada à identidade docente, a educadora 5,
festado o aprender a ser como forma de aproxi- foi a que com maior ênfase conseguiu se apro-
mação entre educador e educando e também o ximar do discursos das outras quatro educado-
aprender a fazer dentro desse novo contexto, no ras, e evidenciar os quatro pilares da educação
qual a escola está inserida. nacional propostos pela UNESCO (2005). Haja
É possível perceber a angústia das edu- vista que ela trouxe, no dizer discursivo, a ra-
cadoras com relação à indisciplina discente, cionalidade do conhecimento que seria o apren-
porém é importante destacar, segundo Freire der a fazer, aliado ao trato pedagógico, que seria
o aprender a conhecer, a dialogar, como meio Foi possível observar nesta categoria, certa
norteador da convivência. Isso eleva o aprender descrição metódica presente nos dizeres docen-
a viver juntos e dar relevância ao respeito à sin- tes, sobre a importância de valorizar a cultura do
gularidade discente e docente no processo de educando como estratégia pedagógica. Segundo
aprendizagem que contempla o aprender a ser. Habermas (1989), as ações não podem ser apenas
A análise dessa primeira categoria trouxe a orientadas em prol de um sucesso ou mesmo por
necessidade de um educador com uma boa for- um agir único. Mas a ação comunicativa deve par-
mação teórica metodológica, aliada à postura tir da compreensão mútua e consensual de todos
solidária e o dinamismo. No que tange a forma- os sujeitos envolvidos no processo aprendente.
ção do educador, de acordo com Síveres (2010, p. Merece lugar de destaque a mediação com-
108) ,“[...] acolhe a tradição, projeta a inovação partilhada de saberes como o diálogo e a parti-
[...]”, traz a percepção da realidade, a visão da cipação no processo de aprendizagem, confor-
pluralidade e o entendimento da singularidade. me afirma a educadora 1 “ [...] os saberes que
Emerge daí, a reflexão acerca da concreti- os alunos trazem da sua casa, da sua família são
zação e aplicabilidade desses saberes considera- importantes, pois irão nos ajudar no cotidiano
dos necessários à prática pedagógica, bem como escolar. É preciso compreender a vivência dos
a complexidade do processo de ensino aprendi- alunos. [...] um dos saberes que eu mais exercito
zagem, a aplicação dos conhecimentos de ma- é o diálogo”. Na perspectiva de Síveres (2006, p.
neira significativa e a estruturação da relação 213), “[...] o diálogo é uma disponibilidade para
entre educador e educando. Do ponto de vista respeitar o processo de cada educando”.
de Severino (2007, p. 201), seria “[...] desenvol- Por outro lado, percebemos o contex-
ver um esforço de compreensão e de significa- to educacional como espaço de ensino em um
ção da realidade humana na sua realização nes- contexto voltado muitas vezes apenas para a di-
se momento histórico da contemporaneidade”. dática, o que influencia ou pode limitar a apro-
Dessa forma, segundo Crema (2012, p. 233), priação de novos saberes. Como afirma Síveres
“O que realmente urge é uma pedagogia da com- (2006, p. 213), “[...] a manifestação do diálogo
preensão humana”. De maneira que, para ser um não deve ser dada apenas na esfera do conheci-
bom educador, faz-se necessário os saberes ine- mento”. Essa constatação parte da seguinte afir-
rentes à sua própria construção humana, desen- mativa da educadora 2.
volvendo o senso de empatia, partilhando a de-
[...] no meu entendimento, os saberes dos alunos
mocracia, construindo uma didática participativa são muitos importantes. Mas acredito que tudo
e transdisciplinar, sem perder sua identidade de tem sua hora na rotina educacional, para que
mediador dos processos de ensino aprendizagem. não se fuja muito do ensino-aprendizagem.
como uma “quebra” de rotina, conforme afirma conjugação de processos, para que se construa
Teixeira (1999), a escola precisa ensinar a refle- uma dinâmica relacional, tanto de conhecimento
xão, para que o educando possa participar ativa- científico quanto cultural na sala de aula.
mente da vida em sociedade. A entrevista da educadora 4 chamou a aten-
As apropriações que a educadora 3 faz de- ção para o fato da empatia, que seria o apren-
nota que os saberes que permeiam a sua sala de der a viver juntos, uma vez que a mesma coloca
aula e é manifestada pela cultura que os educan- que o ato de se colocar no lugar do outro é im-
dos trazem e agregam aos conhecimentos es- portante no processo de ensino aprendizagem.
colares. Para Faure (1974), é preciso haver uma Conforme a educadora 4 destaca “[...] um dos
integração dos contextos formais e informais de saberes que julgo importante é o conhecimento
aprendizagens, para que o processo educativo se e a empatia”. Para Rogers (1984), empatia é per-
torne envolvente. Contudo, é possível identificar ceber o marco de referência do outro, de manei-
o diálogo entre os saberes, tendo em vista que ra que se perceba o sentimento do outro com a
a racionalidade trazida pelo aprender a fazer, o consciência de que esse sentimento pertence ao
comprometimento manifestado pelo aprender a outro. Nesse diálogo de saberes está evidente o
conhecer, a empatia elucidada no aprender a vi- aprender a viver juntos e o aprender a ser como
ver juntos e a relevância da identidade humana promotores do processo de aprendizagem.
no aprender a ser, traduz e conduz a um desen- Desenvolver a atitude de empatia, tanto no
volvimento pleno do indivíduo. educador quanto nos educandos, é um recurso
De acordo com educadora 3, um dos sa- que possibilitará a todos a percepção do reco-
beres que ela mais valoriza é a participação da nhecimento das necessidades de cada um no
turma no processo de construção da aprendiza- processo aprendente, bem como desenvolver
gem, conforme afirma Dalbosco (2006, p. 50). maneiras de ajudá-lo no processo de aprendiza-
gem, o que se evidencia na seguinte afirmativa:
A compreensão, enquanto núcleo constitutivo do
ser humano, só pode ser apreendida como pro- A prática pedagógica, aliada ao reconhecimento
cedimento humano constituído pela linguagem do educando como agente de transformação,
que se manifesta pelo diálogo e pela palavra viva. nos ajuda, enquanto educadores, a fazer o
nosso trabalho com maior significado. O perfil
Essa manifestação do autor é complemen- dos alunos, hoje, requer um maior dinamismo
docente. [...] não podemos mais ir para a sala de
tada pela seguinte afirmação da educadora 3, aula, apenas com o conhecimento específico, mas
“[...] todos os dias busco envolver meus alunos, com o conhecimento de mundo também. (E4).
partindo da realidade deles. “[...] não vejo como
perda de tempo esse diálogo, afinal estamos li- No discurso da educadora 5, ficou evi-
dando com seres humanos que precisam tam- denciado um dos quatro pilares propostos pela
bém ser reconhecidos [...]”. Nesse dizer discur- UNESCO (2005), que seria o aprender a apren-
sivo, os pilares propostos pela UNESCO (2005) der, a educadora destaca que para ela, um dos
se evidenciam e dialogam. saberes necessários para a prática docente é a
Pode-se considerar, portanto, que a educa- disposição em aprender sempre. Pela ótica de
dora 3 traz em sua essência a valorização cultural, Freire (2011b), estudar é uma maneira de re-
manifestada pelo diálogo como meio constituti- criar e de reescrever a vida. Tal ponto mostra
vo do processo de aprendizagem, discordando, que o estar aberto a aprender é também pensar
assim, com a educadora 2, que demonstra preo- a prática pedagógica e suas várias faces.
cupação com o tempo dedicado ao ensino apren- A afirmativa da educadora 5, quando a mes-
dizagem. Mesmo dentro dessa discordância, é ma coloca a necessidade de aprendermos sobre a
possível evidenciar que um saber complementa o vida dos educandos, nos remete que a escola preci-
outro. Haja vista que o educador deve fazer uma sa desenvolver essa necessidade de aprendizagem,
o que, para Morin (2010, p. 53), “[...] o aprendi- Conforme afirma Batalloso e Morais (2012,
zado da auto-observação faz parte do aprendiza- p. 250), “Os processo de formação devem re-
do da lucidez”. É na escola que se deve emergir a conhecer a multidimensionalidade do sujeito
sede pelo conhecimento, não apenas científico ou aprendente e de sua realidade [...]”. É relevante
escolar, mas conhecimento da vida dos sujeitos que o processo ensino aprendizagem não apenas
aprendizes que seria a conjugação do aprender a traga conhecimentos teóricos, mas o crescimento
conhecer, a fazer, a viver juntos e a ser. pessoal, uma vez que não haja dicotomia entre o
saber cognitivo e o saber vivencial, e que o espaço
Hoje, vivemos em um mundo muito difícil, onde escolar seja mais do que um momento retilíneo
ninguém se interessa pela vida do outro [...] para
intervir e ajudar. Estamos carentes de pessoas na vida dos sujeitos, mas um arcabouço articula-
que queiram realmente fazer a diferença na do com todas as capacidades dos sujeitos.
educação. Tudo está muito difícil. (E5).
3.3 Os saberes necessários ao pleno desenvolvi-
Diante das afirmativas elencadas pelas mento do educando
educadoras 4 e 5, é possível afirmar certa con-
sonância discursiva, tendo em vista que ambas O destaque na terceira categoria, traz a
levantaram a necessidade de perceber o educan- possibilidade de perceber quais saberes podem
do em suas particularidades, o que ressalta tam- favorecer o pleno desenvolvimento do educan-
bém Rios (2010, p. 131). do por meio dos discursos das educadoras, a
partir de suas práticas e quais saberes, do ponto
Ora, ser professor, seria rigorosamente trazer
uma contribuição à descoberta do mundo pelos de vistas das entrevistadas, são necessários para
alunos, é proporcionar crescimento e alegria com o pleno desenvolvimento do educando. Aqui,
a construção e a reconstrução do conhecimento. elucidamos um recorte da Constituição Federal
em seu artigo 205 (BRASIL, 1988), que trata do
Nessa segunda categoria, o eixo delineador foi desenvolvimento pleno do ser humano.
a necessidade do diálogo de saberes para a promo- Para Faure (1974), a formação humana é um
ção do ser humano. Para Assmann (2011, p. 235). processo amplo e contínuo, para tanto, a propos-
ta educacional deverá considerar a carga cultural,
O tempo institucional deveria estar sempre a
serviço de um clima institucional que estimule a social, histórica e subjetiva, tanto do educando
sincronização entre tempos cronológicos e tem- quanto do educador. Os saberes da prática peda-
pos vivenciados. gógica que favoreçam o pleno desenvolvimento
do educando, deve emergir, tanto das ações me-
O educador, ao saber lidar com o cotidia- todológicas quanto das vivências cotidianas.
no educacional de forma disposta, possa pro- No exercício do agir docente e na constru-
porcionar condições, para que o educando, por ção do conhecimento discente, manifesta-se o
meio da experimentação dialógica, construa os arcabouço histórico de cada ser aprendente. Para
seus conhecimentos. Batalloso (2012, p. 155), “A educação deveria ser
Diante das colocações discursivas das compreendida como um inacabado e permanente
educadoras, acentua-se a possibilidade de um processo de autoconhecimento e de autoinvestiga-
estreitamento das relações entre educadores e ção externa e interna”, para que assim, possibilite o
educando, para que se funda, de acordo com surgimento de outros saberes que irão se comple-
Rios (2010, p. 136), mentar e, processualmente, irão dar outras impor-
tantes significações ao desenvolvimento humano.
[...] a necessidade de um diálogo de saberes que
se encontram na ação docente, a revisão de con- Tanto a Constituição Federal, em seu artigo
teúdos, de métodos, de processos avaliativos, 205, (BRASIL, 1988), quanto a Lei de Diretrizes
apoiada em fundamentos consistentes. e Bases da Educação, em seu artigo 2º, trazem
que a finalidade da educação é o pleno desen- Assim, a escola deve atender o sujeito de
volvimento do educando, seu preparo para o maneira que o prepare para lidar com essas ad-
exercício da cidadania e sua qualificação para o versidades sociais de forma mais humanizada.
trabalho. Para Delors (2012, p. 202), “É preciso ter cora-
Ao tratarmos do pleno desenvolvimento gem de pensar em escala planetária, de rom-
do educando, estamos alicerçando, além das di- per com os modelos tradicionais e mergulhar,
retrizes legais, nos quatros pilares da proposto decididamente, no desconhecido”. E, com isso,
pela UNESCO (2005) para a educação. Um dos trazer para o espaço escolar as reflexões sobre
princípios defendidos nesta pesquisa é o apren- os problemas da sociedade, de maneira que,
der a ser como âncora dos outros três pilares, juntos, comunidade e escola, possam repensar o
haja vista que, segundo Rogers (1984), o pro- seu papel no mundo.
cesso de aprendizagem poderá agregar maior Ao ser questionada sobre quais saberes
criatividade, dinamicidade e conhecimento ao seriam necessários para o desenvolvimento
educando, a partir do momento em que o foco pleno do ser humano, a educadora 1 reafirma
seja o ser, a pessoa. seu discurso anterior, completando com a se-
Na busca de identificarmos o processo guinte assertiva: “[...] procuro em minha prática
aprendente, centrado na pessoa, a educadora 1, trabalhar o saber respeitar para ser respeitado.
afirmou, no decorrer da entrevista, que “[...] no Nossos alunos estão sem limites e isso prejudica
mundo de hoje, a formação ética do aluno é im- o aprendizado”. (E1).
portantíssima [...]”. Propusemos, como meio de Para Delors (2012, p. 55), “Deve-se objeti-
interagirmos mais na questão, que ela explicasse var um sistema que combine as vantagens da in-
o porquê da afirmação “em um mundo de hoje”. tegração e o respeito pelos direitos individuais”.
A educadora 1, colocou-nos que Contrapondo o discurso da educadora com a
afirmativa de Delors, é possível perceber a gran-
[...] a educação não é apenas na escola, mas mui- de preocupação, por parte dessa educadora, com
tas coisas que, antigamente, eram obrigação da
família, ficaram para a escola. A instrução é o as questões de convivência entre os educandos.
papel da escola. Esse fator é compreensível, uma vez que, essas
variáveis repercutem no processo de ensino
Segundo Rios (2010, p. 55), “Não se pensa o aprendizagem, porém não podemos, portanto,
ensino desconectado de um contexto”. Precisamos deixar de apontar que a formação cidadã reflete
superar a fragmentação e buscar uma visão da tota- no processo aprendente e, consequentemente,
lidade, o educando que está, naquele momento, no em sua formação plena.
espaço escolar, é o mesmo sujeito com suas angús- Para a educadora 2, “[...] formação da per-
tias e sonhos de quando está fora daquele espaço. sonalidade é um ponto crucial, para que o aluno
Conforme afirma Rios (2010, p. 58), “A se desenvolva plenamente”. Dentro desse discur-
relação pedagógica é, sem dúvida, uma rela- so, o aprender a ser fica evidenciado como pro-
ção privilegiada, uma proximidade específica”. motor do desenvolvimento pleno do educando.
Segundo a educadora 1, a escola não poderá Nessa afirmação, a educadora 2, aborda um
mais apenas instruir que seria cumprir o seu ponto importante e diferente dos discursos an-
principal papel. E, completou, afirmando que a teriores, tendo em vista que ela traz a necessida-
violência está também nas escolas. Esses pontos de do reconhecimento do eu e da singularidade.
levantados comprovam a necessidade de uma Ao ser indagada sobre esse trabalho na sala
reconstrução social da escola, haja vista que, de de aula, a educadora coloca a sobrecarga de traba-
acordo com Freire (2008), o espaço educacional lho como um fator que dificulta a exploração da
precisa se embebecer da realidade, para que o singularidade como saber, “ Talvez se tivéssemos
conhecimento atinja seus objetivos. mais tempo com atividades menos repetitivas
poderíamos fazer um trabalho melhor”. (E2). a educação deve promover a inteligência geral
Nessa assertiva, a educadora 2 demonstra apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de
um certo desânimo com relação ao seu objetivo modo multidimensional e dentro da concepção
docente, o que se complementa com a afirma- global”. De maneira que a relação escola e famí-
tiva de Perrenoud (2002, p. 137), “Não há pior lia sejam fundamentadas no princípio da solida-
obstáculo para a lucidez que a certeza de estar riedade participativa.
constantemente lúcido”. Dentro do mesmo dizer discursivo, a edu-
Entretanto, há algo em comum nos discur- cadora 4 retoma sua angústia, diante da ausên-
sos das educadoras que retrata bem esta última cia de participação familiar, trata a indisciplina
categoria. As próprias educadoras tomam pra como um fator que distancia os educadores dos
si a consciência de pertencimento, tanto dos educandos, bem como a não participação dos
êxitos quanto dos problemas da educação, essa pais no cotidiano escolar. Do ponto de vista
percepção é manifestada na afirmativa da edu- dessa afirmativa docente, pondera Perrenoud
cadora 3, ao dizer que, “[...] é preciso exercitar (2002, p. 59), “O professor age ante um público
em nossas salas de aula o respeito pelo outro e a que nem sempre é compreensivo, os seus alu-
solidariedade [...]”. nos, e, por meio de suas representações, ante
A solidariedade para Boff (2003) é, por seus pais [...]”.
assim dizer, uma busca coletiva, uma maneira
O cotidiano escolar está cada dia mais difícil.
cooperativa de pensar e de humanizar a vida. A Nas atividades de sala, sigo o planejamento,
educadora 3 afirma que, em toda parte, preci- mas busco aliar situações da vida real. O
samos ser solidários, principalmente, no espaço conhecimento não deve ser abstrato. Todos os
escolar. Para ela, o conhecimento não basta, é problemas da família estão refletindo na sala de
aula. Assim, tento fazer da minha sala de aula
preciso ter sabedoria e reconhecer o outro como um local com ética, onde haja cordialidade. (E4).
irmão. Do ponto de vista dessa educadora, a
postura solidária se faz relevante no espaço edu- Na perspectiva de elevar os saberes neces-
cacional, uma vez que, é na escola que surgem as sários à formação plena do educando, a educa-
mais variadas manifestações sociais. dora 4 coloca a importância de trabalhar a rea-
A educação entendida como o desenvolvi- lidade do educando, de prepará-lo para a vida.
mento das potencialidades de todos educandos, A mesma também traz a ética e a cordialidade
traz a necessidade de um pensamento reflexivo, como elementos para o processo de construção
haja vista que, de acordo com Síveres (2006, p. da formação do indivíduo. Cordialidade expri-
220), “[...] a formação pessoal e a transformação me uma relação aberta à percepção do outro, já
social são elementos integrados e inerentes a um a ética, segundo Morin (2011b), é uma manifes-
processo educacional que se propõe estar com- tação da exigência moral.
prometido socialmente”. Por tanto, uma educação De maneira que, tanto a cordialidade quan-
voltada para a formação plena do ser humano, to a ética, são elementos de construção cultural
deve levar em conta todas as contradições sociais que ultrapassam as paredes do espaço educacio-
em que estão inseridos os sujeitos aprendentes. nal. Uma vez que, estão presentes, manifestações
No discurso da educadora 4, a mesma co- sociais no conviver cotidiano. De acordo com
loca que a formação plena do indivíduo inicia Castoriadis (2006), é preciso renovar o olhar e
na família, no seu meio social. A escola passa buscar uma nova maneira de entender o ser.
a ser a continuidade dessa formação, de modo Para a educadora 5, o desenvolvimento pleno
que essa educadora traz a participação familiar só é possível por meio as interação entre todos os
como elemento essencial no processo de apren- elementos existentes e fundamentais para a nossa
dizagem. A afirmativa da educadora é comple- sobrevivência. “[...] desenvolvimento pleno só po-
mentada, conforme Morin (2011b, p. 36), “[...] derá ocorrer se todos os seguimentos da formação
dimensão da solidariedade e da convivência que Aprender a ser, para melhor desenvolver a per-
traria o pilar aprender a viver juntos. sonalidade e estar à altura de agir com maior ca-
pacidade de autonomia, de discernimento e de
Ao delinear as práticas pedagógicas que fa- responsabilidade pessoal.
vorecem o pleno desenvolvimento do educando,
tivemos alguns depoimentos que contemplaram De maneira que, o educando possa as-
ações educativas que favorecem esse desenvolvi- sumir o seu protagonismo frente ao mundo e
mento de maneira concreta. A educadora 4 ma- suas complexidades.
nifesta, em seu discurso, ações que culminam A formação plena do educando se dá por
em um trabalho coletivo que privilegia o diálo- meio das práticas pedagógicas e, a partir do mo-
go, quando a referida educadora expressa a ne- mento que os educadores tomarem para si a res-
cessidade de ir além do ensinar a ler e escrever. ponsabilidade de articular os saberes, para que o
Nesse depoimento, percebe-se que sua práti- aprender a conhecer, que seria o reconhecimento
ca pedagógica modificou significativamente, mu- do outro, do espaço social, cultural, das necessida-
dando até sua maneira de ser. A educadora passou des dos educandos seja eixo delineador, para que
a vivenciar o cotidiano com os educandos de ma- se aprenda a viver junto, a respeitar as diferenças.
neira dialógica e contextualizada. Configurou-se E, assim, possa, a partir do entendimento,
ai, segundo Freire (2008), um tempo educativo, aprender a fazer uma prática pedagógica que
onde há uma interação pedagógica. contemple o ser humano em sua totalidade e que
Todas as educadoras, aqui investigadas, desenvolva seu potencial que seria o aprender a
apresentaram um grande interesse na aprendi- ser. Compreendendo que a formação plena do
zagem de seus educandos e, para isso, procuram educando, só será concretizada por uma prática
ajudá-los a superar as limitações, recorrem à pedagógica que traga o aprender a conhecer, o
família e à gestão da escola. A educadora 5 de- aprender a fazer e o aprender a viver juntos de
mostrou em seu depoimento que o pleno desen- maneira articulada, em prol de um aprender a
volvimento do educando se faz por meio de ati- ser que, realmente, traga uma formação plena a
vidades lúdicas, de parceria com a família e de todos os seres humanos indistintamente.
uma gestão democrática e responsável. Os saberes identificados nos discursos das
Em outro momento, a educadora 5 enfati- educadoras entrevistadas tratam da afetividade,
zou a grande importância do trabalho com ati- do diálogo, da empatia, da subjetividade e do
vidades concretas e próximas da realidade dos respeito ao outro e ao seu meio. Assim, repor-
educandos. Para essa educadora, a educação é tando ao relatório de Delors (2012, p. 96), “Em
mais que conteúdo, é vivência e criticidade. suma, a educação, ao longo da vida, deve apro-
veitar todas as oportunidades oferecidas pela
Eu conheço os meus alunos, sei da capacidade
deles. Tenho habilidade com dramatização de sociedade”. Isso é, educação deve estar engajada
histórias, então, uso isso, para que eles se soltem em melhorar as condições dos educandos, para
e aprendam com prazer. Muitos dos meus alunos que esses tenham oportunidades na sociedade.
só podem conversar comigo, assim busco ser As educadoras demonstraram que, apesar
parceira, busco ter eles perto de mim. Pra mim,
formar plenamente o educando é mais do que das dificuldades, mantêm uma boa relação com
dar nota no fim do ano. (E5). seus educandos, o que para Assmann (2011, p.
30), seria dizer que, “Dinâmica da vida e dinâ-
Esses depoimentos trazem com veemência mica do conhecimento estão unidas”. Isso pos-
a humanização, a percepção da importância do sibilita um engajamento em prol de desenvolvi-
ser humano e de suas responsabilidades que, es- mento pleno do educando.
sencialmente, devem fazer parte da nossa cons- Os saberes da prática pedagógica para
trução, que seria o aprender a ser. Conforme o pleno desenvolvimento do educando par-
afirma Delors (2012, p. 83). tem do comprometimento, não apenas com
educandos meios de identificar, contextualizar e re- Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012a. p. 149- 184.
organizar o conhecimento, aliado à vida prática, por
meio de atividades contextualizadas e concretas. ______; MORAIS, M. C. Por uma educação
No sentido de aprender a viver juntos, traz transformadora: os sete saberes necessários à ed-
a lógica da compreensão e da percepção das in- ucação do presente. In: ALMEIDA, M. C.; MO-
terdependências entre todos os seres, de modo RAIS, M. C. (Org.). Os sete saberes necessários
que, o aprender a viver juntos pressupõem o à educação do presente. Rio de Janeiro: Wak
respeito à diversidade e o desenvolvimento da Editora, 2012b. p. 247- 256.
participação solidária que seriam as atividades
em grupo e pesquisas de cunho social. BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: um consenso
Embora se considere a grande relevância de mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro. Sex-
todos os pilares propostos pela UNESCO (2005), tante, 2003.
a presente pesquisa eleva o aprender a ser e mos-
tra que esse pilar consegue contemplar o ser hu- BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
mano de maneira única, tendo em vista que, ao República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
aprender a ser, o educando comece a conhecer a Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
si mesmo, a desenvolver a sua autonomia, o dis-
cernimento e a responsabilidade social. ______. Ministério da Educação. Lei de
Assim sendo, neste processo de construção Diretrizes e Bases da Educação Nacional/ Lei nº.
de saberes para o pleno desenvolvimento do edu- 9394, de 20/12/1996. Diário Oficial da União,
cando, os resultados desta pesquisa suscitaram Brasília, 23 dez. 1996.
num repensar sobre os saberes necessários ao
pleno desenvolvimento do educando e de quais CASTORIADIS, C. Uma sociedade à deriva:
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