Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
76 | 2006
Estudos queer: Identidades, contextos e acção
colectiva
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/rccs/813
ISSN: 2182-7435
Editora
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Edição impressa
Data de publição: 1 Dezembro 2006
Paginação: 03-15
ISSN: 0254-1106
Refêrencia eletrónica
Ana Cristina Santos, « Estudos queer: Identidades, contextos e acção colectiva », Revista Crítica de
Ciências Sociais [Online], 76 | 2006, colocado online no dia 01 outubro 2012, criado a 12 outubro 2018.
URL : http://journals.openedition.org/rccs/813
Revista Crítica de Ciências Sociais, 76, Dezembro 2006: 3-15
Estudos queer:
Identidades, contextos e acção colectiva
Introdução
Uma das tarefas porventura mais ingratas para quem se dedica aos estudos
queer consiste em formular uma definição exacta do seu campo de trabalho.
Esta é, não obstante, das exigências mais recorrentes no meio académico,
forçando, ironicamente, a teoria queer a regressar ao quadro normativo das
categorizações a que tão afincadamente procura escapar. Uma das formas de
elidir o carácter redutor de qualquer definição deste campo é procurar antes
de tudo as suas raízes, encetando assim uma arqueologia conceptual que
remonta incontornavelmente à teoria feminista e aos estudos gays e lésbicos.1
Não cabe nos propósitos desta introdução proceder a um levantamento
exaustivo da história dos estudos feministas nem dos estudos gays e lésbicos,
até porque tal desígnio se encontra amplamente coberto pela literatura
existente.2 Importa aqui sobretudo revisitar as pontes que unem ambos os
campos de saber – estudos feministas e estudos gays e lésbicos – como forma
de contextualização da emergência desse terceiro campo que se entendeu
designar por estudos queer.
A aproximação entre estudos feministas e estudos gays e lésbicos decorre
de vários factores. Em primeiro lugar, a proximidade temática: ambos os
campos se caracterizam pela oposição a regimes de poder baseados em
categorias estritas de género e sexualidade. Como referem Abelove et al.,
1
Merck, Segal e Wright descrevem este processo histórico da seguinte forma: “Nos anos 1990, o
‘queer’ emerge do armário do insulto, mas também do óvulo gay e lésbico, assim como do útero
do feminismo” (1998: 4).
2
Para uma análise detalhada da emergência dos estudos feministas, veja-se, entre outros, Donovan,
2000; hooks, 1984; e Lauretis, 1986. O mesmo tipo de análise aplicada aos estudos gays e lésbicos
encontra-se, por exemplo, em Abelove et al., 1993; Medhurst e Munt, 1997; e Sandfort et al., 2000.
3
Note-se que este posicionamento não é consensual. Por exemplo, Rubin rejeita tal paralelismo,
defendendo a necessidade de uma teoria radical da sexualidade que incluiria, posteriormente, os
estudos feministas (1984).
| Estudos queer
Por outras palavras, actos e gestos, desejos falados e praticados, criam a ilusão de um
núcleo duro de género, interior e organizador, uma ilusão perpetuada discursivamente
com o propósito da regulação da sexualidade dentro do quadro obrigatório da hete-
rossexualidade reprodutiva. […] Tal como noutros rituais, a acção do género requer
uma performance que é repetida. […] Existem dimensões temporais e colectivas
nestas acções, e o seu carácter público não é irrelevante; com efeito, a performance
é efectivada com o objectivo estratégico de manter o género dentro da sua moldura
binária. […] Esta formulação afasta a concepção de género de um modelo de iden-
tidade substancial, levando-a para um outro que exige uma concepção de género
enquanto temporalidade social construída. (1990: 136, 140-141)
5
Exemplos de estudiosos das sexualidades de uma perspectiva construtivista incluem nomes
como Ken Plummer (1981), Pat Caplan (1987), David Greenberg (1988), Jeffrey Weeks (1995) e
Monique Wittig (1993), entre outros.
| Estudos queer
Quanto à “teoria queer”, a minha insistente especificação lésbica pode ser enca-
rada como um distanciamento daquilo que, desde que a sugeri enquanto hipótese
de trabalho para os estudos gays e lésbicos nesta mesma revista (differences, 3.2),
cedo se transformou numa criatura conceptualmente vazia da indústria editorial.
(1994: 297)
No entanto, queer foi desde sempre um projecto político, mais que uma
corrente científica. Resultante de uma crescente insatisfação quanto à lite-
Estudos queer |
Num exercício de síntese, pode dizer-se que a teoria queer parte de cinco
ideias centrais.7 Em primeiro lugar, as identidades são sempre múltiplas,
6
A expressão “dissidência sexual” foi cunhada por Gayle Rubin em 1984 no seu artigo seminal
“Thinking Sex”.
7
Esta proposta de síntese da teoria queer decorre da reflexão publicada em Santos, 2005.
| Estudos queer
Os imaginários futuros da teoria queer residem […] no uso que dela fizerem os teó-
ricos no questionar de todos os actos, identidades, desejos, percepções e possibili-
dades, normativos e não-normativos, incluindo aqueles que nem estão (directamente)
relacionados com género e sexualidade. (Giffney, 2004: 74)
Referências bibliográficas
Abelove, Henry; Barale, Michèle Aina; Halperin, David M. (1993) (orgs.), The Lesbian
and Gay Studies Reader. New York: Routledge.
Adam, B. A.; Duyvendak, J. W.; Krouwel, A. (1999) (orgs.), The Global Emergence of
Gay and Lesbian Politics. Philadelphia: Temple UP.
Altman, Dennis (1996), “On Global Queering”, Australian Humanities Review, 2. Dis-
ponível em: http://www.lib.latrobe.edu.au/AHR/archive/ Issue-July-1996/altman.
html. Acedido em Dezembro de 2004.
Bell, David; Valentine, Gill (orgs.) (1995), Mapping Desire: Geographies of Sexualities.
London/ New York: Routledge.
Binnie, John; Valentine, Gill (2000), “Geographies of Sexuality – A Review of Progress”,
in Sandfort et al. (2000), 132-145.
Borghi, Liana (2000), “Lesbian Literary Studies”, in Sandfort et al., 154-160.
Butler, Judith (1990), Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. London/
New York: Routledge.
Butler, Judith (1993), Bodies that Matter: On the Discursive Limits of Sex. New York:
Routledge.
Butler, Judith (2004), Undoing Gender. New York: Routledge.
Caplan, Pat (org.) (1987), The Cultural Construction of Sexuality. London: Routledge.
Donovan, Josephine (2000), Feminist Theory: The Intellectual Traditions. New York/
London: Continuum.
Edelman, Lee (1994), Homographesis: Essays in Gay Literary and Cultural Theory. New
York: Routledge.
Epstein, Steven (1996), “A Queer Encounter: Sociology and the Study of Sexuality”, in
Steven Seidman (org.), Queer Theory / Sociology. Oxford: Blackwell, 145-167.
Foucault, Michel (1978), The History of Sexuality: An Introduction. Vol. I. New York:
Pantheon [1976].
Foucault, Michel (1985), The Use of Pleasure: The History of Sexuality. Vol. II. New
York: Pantheon [1984].
Foucault, Michel (1986), The Care of the Self: The History of Sexuality. Vol. III. New
York: Pantheon [1984].
1 | Estudos queer
Giffney, Noreen (2004), “Denormatizing Queer Theory: More Than (Simply) Gay and
Lesbian Studies”, Feminist Theory, 5(1), 73-78.
Greenberg, David (1988), The Construction of Homosexuality. Chicago: The University
of Chicago Press.
Hekma, Gert (2000), “Queering Anthropology”, in Sandfort et al., 81-97.
hooks, bell (1984), Feminist Theory From Margin to Center. Boston, MA: South End Press.
Jagose, Annamarie (1996), Queer Theory: An Introduction. New York: New York UP.
Krouwel, André; Duyvendak, J. W. (2000), “The Private and the Public: Gay and Lesbian
Issues in Political Science”, in Sandfort et al., 113-131.
Lane, Christopher (1997), “Psychoanalysis and Sexual Identity”, in Medhurst; Munt,
160-175.
Lauretis, Teresa de (1986) (org.), Feminist Studies, Critical Studies. Basingstoke:
Macmillan.
Lauretis, Teresa de (1991), “Queer Theory: Lesbian and Gay Sexualities”, Differences:
A Journal of Feminist Cultural Studies, 3(2), iii-xviii.
Lauretis, Teresa de (1994), “Habit Changes”, Differences. A Journal of Feminist Cultural
Studies, 6(2-3), 296-313.
Leznoff, Maurice; Westley, William A. (1956), “The Homosexual Community”, Social
Problems, 3, 257-263.
Medhurst, Andy; Munt, Sally R. (orgs.) (1997), Lesbian and Gay Studies. A Critical
Introduction. London: Cassel.
Merck, Mandy; Segal, Naomi; Wright, Elizabeth (1998) (orgs.), Coming Out of
Feminism?. Oxford: Blackwell.
Moran, Leslie (2000), “Homo Legalis: Lesbian and Gay in Legal Studies”, in Sandfort
et al., 98-112.
Newton, Esther (1972), Mother Camp. Female Impersonators in America. Chicago:
University of Chicago Press.
O’Rourke, Michael (2005), “On the Eve of a Queer-Straight Future: Notes Toward an
Antinormative Heteroerotic”, Feminism & Psychology, 15(1), 111-116.
Plummer, Ken (1981), The Making of the Modern Homosexual. London: Hutchinson.
Pustianaz, Marco (2000), “Gay Male Literary Studies”, in Sandfort et al., 146-153.
Quinlan, Susan Canty; Arenas, Fernando (orgs.) (2002), Lusosex. Gender and Sexuality
in the Portuguese-Speaking World. Minneapolis: University of Minnesota Press.
Quinn, Vincent (1997), “Literary Criticism”, in A. Medhurst; S. R. Munt (orgs.), Lesbian
and Gay Studies. A Critical Introduction. London: Cassel, 39-52.
Reiss Jr., Albert J. (1961), “The Social Integration of Queers and Peers”, Social Problems,
9(2), 102-120.
Rubin, Gayle (1998), “Thinking Sex: Notes for a Radical Theory of the Politics of
Sexuality”, in P. M. Nardi; B. E. Scneider (orgs.), Social Perspectives in Lesbian and
Gay Studies. A Reader. London: Routledge, 100-127 [1984].
Estudos queer | 1
Sandfort, T. et al. (orgs.) (2000), Lesbian and Gay Studies. An Introductory, Interdisci-
plinary Approach. London: Sage.
Santos, Ana Cristina (2005), “Heteroqueers contra a heteronormatividade: notas para
uma teoria queer inclusiva”, Oficina do CES, 239. Disponível em: http://www.ces.
uc.pt/publicacoes/oficina/239/239.php.
Schuyf, Judith (2000), “Hidden from History? Homosexuality and the Historical
Sciences”, in Sandfort et al., 61-80.
Sedgwick, Eve Kosofksy (1991), Epistemology of the Closet. Hemel Hempstead: Harvester
Wheatsheaf.
Seidman, Steven (org.) (1996), Queer Theory / Sociology. Oxford: Blackwell.
Stein, Arlene; Plummer, Ken (1996), “I Can’t Even Think Straight: Queer Theory and
the Missing Sexual Revolution in Sociology”, in Seidman, 129-144.
Stychin, Carl; Herman, Didi (orgs.) (2000), Sexuality in the Legal Arena. London:
Athlone.
Taylor, Affrica (1997), “A Queer Geography”, in Medhurst; Munt, 3-19.
Valentine, Gill (1999), From Nowhere to Everywhere: Lesbian Geographies. New York:
Harrington Park Press.
Weed, Elizabeth; Schor, Naomi (1997) (orgs.), Feminism Meets Queer Theory,
Bloomington: Indiana UP.
Weeks, Jeffrey (1995), Invented Moralities – Sexual Values in the Age of Uncertainty.
Cambridge: Polity Press.
Wittig, Monique (1993), “One Is Not Born a Woman”, in Abelove et al., 103-109.