A identidade do sujeito constitucional não pode se confundir com as demais identidades,
como identidade religiosa, identidade nacional, etc. Nele, busca-se ler a constituição abrindo mão da interpretação por parte de identidades religiosas, nacionais, etc. Uma identidade constitucional é complexa, porosa, sempre em construção. É ao estudo dessa forma de identidade e como ela se propaga na sociedade que se dedica Rosenfeld em seu livro “A identidade do sujeito Constitucional”, é uma obra extremamente complexa, visto que incorpora a rica tensão entre o constitucionalismo, como experiência universal da sociedade moderna, e as diferentes tradições históricas constitucionais que dão vida à esse constitucionalismo. Rosenfeld discorre à respeito da natureza evasiva do sujeito constitucional. A própria ideia de identidade constitucional advém dos sujeitos constitucionais, entretanto, até mesmo a definição desses sujeitos dá-se de forma problemática e evasiva, uma vez que a própria palavras “subject” pode vir a referir-se ao sujeito que se sujeita à Constituição, àqueles que elaboram a Constituição ou mesmo à matéria que é objeto da Constituição. Ele ressalta que, além do fato de a identidade estar propensa a alterar-se com o tempo, a identidade constitucional está sujeita a afundar-se em relações complicadas com as demais identidades. É preciso, portanto, que trace-se linhas que interliguem a história constantemente em movimento da identidade constitucional, para que a mesma não se perca ou não se confunda com outras identidades existentes, visto que ela pode chegar a ser conflitante, distinta e oposta às demais identidades relevantes. Uma vez que as Constituições escritas são passíveis de diferentes interpretações plausíveis, visto que são escritas e não seria possível abortar todas as matérias à ela incumbidas de forma detalhada e completa. Sendo assim, uma vez que a sociedade está em constante mudança e é necessário que as normas se adequem socialmente, as constituições permanecem, e devem mesmo permanecer, sempre abertas à interpretações. Entretanto, essa abertura à interpretações, juntamente com a possibilidade de emendas constitucionais, podem conflitar-se diretamente com a identidade constitucional construída no país até o momento. A identidade constitucional, para Rosenfeld, surge, portanto, como algo complexo, parcial, fragmentado e incompleto. Com isso, ele chega à conclusão de que seria, portanto, mais fácil estabelecer o que o sujeito e a matéria constitucionais não são do que colocar o que eles são. Ele considera, assim, que a identidade do sujeito constitucional desenvolve-se em um hiato, algo vazio, uma ausência; uma vez que ele se dá por algo incompleto, necessitando constantemente de reconstrução, reconstrução essa que não pode ser definitiva, não a estagnando. Segundo Rosenfeld, a questão do sujeito emerge da necessidade do confronto com o outro. A existência ou o lugar do sujeito não serão capazes de levantar problemas significativos até que seja percebida a clivagem entre o “eu” e o “outro”. O condicionalismo moderno coloca em contraste estes dois aspectos. Baseando-se na Fenomenologia de Hegel e na psicanálise de Lacan, evidencia-se que o confronto entre o “eu” e o “outro” decorre da relação entre o sujeito e o objeto. O sujeito está sempre desejando alcançar um objeto, e ao alcança-lo, parte para a busca de outro objeto, a falta ou a separação do sujeito para com o objeto causa no mesmo a sensação de carência, ausência e incompletude. A questão do sujeito, portanto, aparece apenas depois de um mesmo haver experienciado tais sensações. Que se dão quando percebem que as suas relações limitam-se a objetos. Sendo assim, o “eu” procura o “outro” buscando reconhecimento. A identidade do sujeito acaba por se tornar predicável com o reconhecimento dos outros. Uma vez sendo o detentor do poder constituinte, o sujeito constitucional parece em condições de impor sua vontade. Entretanto, quando a situação é analisada de forma mais aprofundada, vê-se que assim como os correlatos de Hegel e Lacan o sujeito constitucional surge como uma carência ou como alienado. É percebido que o sujeito constitucional prende- se às certas heranças e tradições. Essas tradições são, na verdade, transformadas e incorporadas à nova ordem. É necessário que no presente, os constituintes forjem uma identidade que ultrapasse sua subjetividade. Fazendo com que surja um vácuo resultado do distanciamento entre os próprios constituintes e a comunidade política. Uma tentativa para o preenchimento deste vazio é o estabelecimento de uma identidade comum, o próprio texto constitucional; o qual acaba por conjugar os vários “eu” a seus outros. Visto que o sujeito constitucional só adquire identidade no domínio intersubjetivo do discurso constitucional, ressalta-se que sua personificação não deve ocorrer, uma vez que nem os constituintes, nem os intérpretes da constituição são propriamente o sujeito constitucional. Eles formam partes desse sujeito, pertencendo a eles, entretanto, o sujeito constitucional não se resume a isso. Ele deve ser construído e reconstruído, o que são duas coisas distintas. A construção é necessária pois a tomada de decisão constitucional sempre ocorre a partir de condições que excluem a possibilidade de uma determinação completa. A reconstrução, em seu turno, visa harmonizar os elementos existentes com os elementos novos. As principais ferramentas para a reconstrução são: a negação, a metáfora e a metonímia. A configuração do sujeito ocorre na medida em que é negado o recurso exclusivo às demais formas de identidade relevantes. Nesse processo, se da o abandono de identidades tradicionais e são reprimidas as formações de identidades positivas, visando-se proteger certas identidades não constitucionais. Essas identidades que foram, inicialmente, negadas, podem se integrar novamente, entretanto, de forma seletiva. A metáfora, por sua vez, é a ferramenta que fornece o ponto de apoio da relação dialética entre a identidade (no sentido de similaridade) e a diferença. A partir de um processo de combinação e substituição, ela explora similaridades e equivalências, visando forjar vínculos de identidade; além disso, ela colabora para o assentamento de pontos essenciais de referência da ordem constitucional. Por sim, mas não menos importante, tem-se a ferramenta da metonímia, que se dá em contraposição da busca da metáfora por similaridades relacionadas a um código. Ela promove relações de contiguidade no interior de um contexto. Na argumentação jurídica, é dada na intenção de demonstrar que as analogias propostas, ultrapassam o caso. A metonímia também contribui para definir a identidade do sujeito constitucional, uma vez que busca garantir o pluralismo e a heterogeneidade, ela assegura as bases do constitucionalismo, preenchendo o vazio supracitado entre o “eu” e o “outro”. Após analisadas tais ferramentas, o autor trata da dialética presente nas mesmas, a qual expressa certa abstração, assim como, possui repercussões no âmbito da concretude. A partir dessa dialética, por fim, Rosenfeld explora o potencial e as limitações do sujeito constitucional em sua luta por alcançar um equilíbrio em um cenário sócio politico que esta sempre em constante mudança. A construção e a reconstrução do sujeito constitucional encontram limites estruturais, funcionais e culturais. A relação de separação entre o “eu” e o “outro” é insuperável; podendo se dar de forma externa ou interna, mas sempre dentro dos limites impostos. Configura-se interna a relação quando a comunidade política constitucional é pluralista, e externa quando essa comunidade distingue-se das demais. Sendo assim, o equilíbrio entre “eu” e “outro” se dá da melhor forma quando o máximo possível de diferenças conseguir ser abarcado, visto que o ideal de integrar todas elas é inalcançável. Com isso, deve-se lembrar que todas as identidades constitucionais são falhas, insuficientes e sempre em carência constante, necessitando sempre de reconstruções e aperfeiçoamento.