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As tradicionais guerras entre Estados são um fenômeno de política externa mitigado – mas

não abolido – pela consagração do Estado Democrático de Direito como sistema


institucional. Embora determinadas por objetivos geopolíticos, ideológicos ou econômicos,
eram (ou são) estruturadas na propaganda oficial interna pelo simplista discurso do repúdio
ou ódio ao inimigo: a luta contra o mal encarnado, ávido pela destruição do modo de vida
nacional, e consequentemente merecedor de inclemente aniquilamento. Por conseguinte, as
forças militares “do bem”, compostas por cidadãos dispostos ao sacrifício, deveriam atuar
destemidamente no front, sabendo que suas baixas seriam vingadas por outros patriotas, em
um ciclo de mortes de ambos os lados, interrompido apenas pelos acordos de paz.
Ainda que rareadas as escaramuças internacionais, hoje, como faceta escancarada da
dinâmica social promovida por modelos políticos hegemônicos, vemos o direito penal
seguindo a mesma lógica: os inimigos devem ser caçados, com manutenção das baixas
estatais em níveis aceitáveis, ou seja, em um patamar que não cause saturação à opinião
pública e consequentes protestos pela interrupção do conflito. E assim vivemos as nossas
guerras cotidianas, onde a mais visível certamente é a guerra às drogas.

Evidentemente, a palavra “guerra”, aqui, não tem outro sentido, senão o metafórico.
HOBSBAWN, em Globalização, Democracia e Terrorismo,[1] menciona a recente
tendência em se empregar o termo em discursos políticos “para designar o uso da força
armada contra diversas atividades nacionais ou internacionais vistas como antissociais – a
‘guerra contra a máfia’, por exemplo, ou a ‘guerra contra os cartéis das drogas’. ” Conclui o
autor que essas atuações em prol da ordem pública são bem diferentes das grandes
operações de guerra, inclusive no que concerne à força armada empregada: “Uma – vamos
chamá-la de ‘exército’ – dirige-se contra outras forças armadas com o objetivo de derrotá-
las. A outra – vamos chamá-la de ‘polícia’ – dedica-se a manter ou restabelecer o grau
requerido de respeito à lei e à ordem pública dentro de uma entidade política preexistente,
tipicamente um país. A vitória, que não tem necessariamente uma conotação moral, é o
objetivo de uma força; a apresentação dos violadores da lei à justiça, que, sim, tem uma
conotação moral, é o objetivo da outra.” Optou-se no presente artigo, no entanto, pela
metáfora, porquanto nem sempre as nossas “guerras” cotidianas se deem nos estritos limites
legais, ou, mesmo quando há frágil amparo normativo, que se respaldem em leis
verdadeiramente democráticas e consentâneas para com a dogmática da ciência penal.
Nesse ponto, um importante parêntese deve ser feito, por conta de um mal contemporâneo.
Um mal que assombra aqueles que se dedicam à escrita ou aos discursos: as citações
pinçadas, retiradas de seu contexto, que são a mola mestra para compreensões equivocadas.
Não se argumentará, aqui, contra as instituições policiais, militares e análogas. Tampouco
contra seus membros. Muitíssimo pelo contrário, pois toda a construção textual terá por
finalidade demonstrar os perigos a que esses profissionais se expõem e o quanto o poder
político fomenta esse risco. Em última análise, o que se defenderá é que esses servidores
deveriam servir a um propósito maior que o simples papel de engrenagens em uma máquina
de guerra, propondo a reflexão de que normas com aparente escopo protetivo, em verdade,
se prestam mais à exposição do que à tutela dos bens jurídicos por elas incensados, razão
pela qual alternativas ao senso comum devem ser buscadas.

A seletividade penal, considerada corriqueiramente uma degeneração científica, reflete uma


das características mais marcantes do “estado de guerra penal”, onde o poder político,
amparado na necessidade de manutenção da estratificação social em classes antagônicas,
mas sob a aura da necessária defesa social, escolhe os inimigos da vez. Estes inimigos,
frise-se, nunca estão em uma posição de dominantes, mas de dominados. Em outras
palavras, a declarada distorção da ciência nada mais é do que um reflexo estimulado,
ostensiva ou dissimuladamente, e ansiado como instrumento de sustentação do poder. Como
bem assinala ALBRECHT[2], “a probabilidade de criminalização caminha, portanto, em
desfavor das camadas sociais inferiores.” A esse pensamento, necessariamente devemos
aditar a relevante advertência de BATISTA[3]: “Perdemos a mordida crítica que tínhamos
contra o autoritarismo na saída da ditadura e hoje aplaudimos a tortura e o extermínio dos
inimigos de plantão. O importante é traduzir toda a conflitividade social em punição.”
Todavia, a seletividade do sistema atinge não apenas os inimigos declarados. Ao contrário,
se volta também contra os apoiadores estatais descartáveis, no mais das vezes pertencentes
aos mesmos estratos daqueles com quem entram em combate, em uma espécie de
seletividade de mão dupla. BATISTA[4] afirma que a polícia brasileira, a par de produzir os
maiores índices de letalidade do mundo, é igualmente relegada ao sofrimento físico e
psíquico. Conclui a autora: “os policiais e os que ganham a vida na segurança privada são as
categorias de trabalhadores mais sofridas nos dias de hoje.” Esse sofrimento não vem
apenas da excessiva carga de trabalho, da tensão inerente à atividade, ou, mesmo, das
péssimas condições materiais existentes nas diversas repartições, mas passa também pela
letalidade que atinge policiais e outros agentes das forças de segurança.
No entanto, o que acontece quando as baixas entre os apoiadores (forças de segurança) se
tornam excessivas, a ponto de levantarem questionamentos sobre a pertinência da lógica da
guerra? Ou, em outras palavras, como sepultar – além dos que caíram em combate – esses
questionamentos, uma vez que indesejáveis?
Ao passo em que shows e visitas de celebridades viraram a forma mais constante de elevar
o moral das tropas em territórios hostis, a resposta brasileira é outra: mais direito penal. É
isso que fica evidente na recente inclusão, no art. 121, § 2º, do Código Penal, da
qualificadora referente ao crime praticado contra policiais, militares, integrantes do sistema
prisional ou da Força Nacional de Segurança Pública, seus cônjuges ou companheiros, ou
ainda parentes consanguíneos de até terceiro grau (inc. VII). O que consta no aludido
dispositivo, embora não seja um chamamento explícito à guerra, contempla um recado
óbvio: caso pereçam pelas mãos do inimigo, serão vingados.

Apesar da aparente boa intenção do legislador, não se trata de uma regra de proteção
intensificada à vida dos policiais e das demais pessoas ali mencionadas, ou tampouco
demonstra sincera preocupação quanto à salvaguarda de sua integridade física. Apenas nos
mais inocentes sonhos de infância poderíamos acreditar que o Estado espera, com a norma,
dissuadir os criminosos latentes, a eles opondo mais severa reprimenda. Não. A função
preventiva geral negativa da pena é uma completa falácia.[5] A norma, unicamente, indica
que a lógica da guerra será mantida e que as mortes continuarão a compor a fria estatística
estatal. Mais do que isso, a norma também se presta à propaganda de guerra, como forma de
satisfazer a opinião pública, amansada pela severidade demonstrada pelos dirigentes
políticos da nação; e simultaneamente é uma injeção de adrenalina – mesmo que de efeito
breve – nas veias das forças de segurança, que em um primeiro momento acreditam na
preocupação para com seu bem-estar. Não seria absurdo, portanto, pensarmos em uma
“função simbólica exortativa” da sanção penal incrementada pela novel qualificadora.
Ainda estamos longe da “polícia de solução de problemas”, apontada por
BODEMER[6] como a mais eficaz no contexto da delinquência grave e resumida na
formatação de estratégias interdisciplinares a partir da identificação dos problemas
delitivos. Experimentar modelos diferentes de policiamento é algo recomendável, mormente
quando os modelos tradicionais deixam evidente sua inaptidão. Porém, politicamente e
como sociedade, preferimos o confronto e seu apelo midiático. Policiais, militares e outros
precisam de uma tutela intensificada do Estado? Sem dúvida, pois são vítimas potenciais de
primeira hora e, em que pese o treinamento que é (ou deveria ser) dispensado, inegável que
os atos de violência a eles dirigidos por conta da função nem sempre podem ser repelidos
por técnicas aprendidas nas academias. Mas que haja proteção de fato, não engodos
legislativos.
Na fenomenal obra “1984”, George Orwell cunhou, na sociedade totalitária por ele
imaginada, o duplipensamento, doutrina consistente em “saber e não saber, estar consciente
de mostrar-se cem por cento confiável ao contar mentiras construídas laboriosamente,
defender ao mesmo tempo duas opiniões que se anulam uma à outra, sabendo que são
contraditórias e acreditando nas duas; recorrer à lógica para questionar a lógica, repudiar a
moralidade dizendo-se moralista (…); esquecer tudo o que fosse preciso esquecer, depois
reinstalar o esquecido na memória no momento em que ele se mostrasse necessário, depois
esquecer tudo de novo sem o menor problema: e, acima de tudo, aplicar o mesmo processo
ao processo em si.”[7] A disseminação de uma ideia – no caso, o direito penal como a
panaceia que resolverá os males do mundo – passa pela convicção com que ela é
apresentada. E assim, ainda que intimamente saibamos que nada mudará, nos apegamos à
esperança de que a política criminal finalmente encontra seu rumo, ao acolher os integrantes
das forças de segurança sob suas asas. George Orwell nunca foi tão atual.

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