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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL

CA:MARINA CATARINENSE André Cechinel


Cristiano de Sales
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Luiz Cartas Cerce!!ier de Olivo Organização
Luciane Bisognin Ceretta
Vice-Reitora Vice-Reitor
AZacoque l,orenzíní Erdmann Daniet Ribeiro Prece
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Indianara Reynaud Toreti Becker
Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e
Extensão
Oscar Rugem KleguesMotttedo
Pró-Reitor de Administração e Finanças
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O QUE SIGNIFICA
Conselho Editorial Ângela Cristina Di Palma Back
Fabiane Perfaz
GZeísyR. B. Fac/zírz(Presidente)
À4arco .:4nfólzio da SÍZva
Aguinaldo Roberto Pittto

ENS/N,AR LITERATURA'2
Alfa l,ice Brancher À4eZissízIMafanabe
Ana Pauta de Oliveira Santana Merisandra Côrtes de MlattosGarcia
Cartas Laia Cardoso Miguela?tgelo Gianezini
Eliete Cibele Cipriano Vaz Niízo lvo Ladwig
Gestine Cássia Trindade Reginaldo de Souza Vieira
Ricarão Luiz de Bittencourt
Katia Jakovyevic Pudla Wagner
Kátia Mlaheirie Richarles Souza de Carvalho
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Coordenação editorial
Pacto Roberto da Situa

Sumário
.p--b/
Capa e edítoração:
Pauta Roberto da Silvo
Revisão:
Heloisa Hübbe de Mirando

Apresentação . .. . .. .. .. .. . 9
André Cechinel
CristÍano de Safes

Parte 1+ Teorias e práticas 13


l Da intransitividade do ensino de literatura 15
Ficha Catalográíica Pálio Akcelrud Dtirão
(Catalogação na publicação pela Biblioteca Universitária da Universidade
Federal de Santa Catarina)
2 Por uma pedagogia literária do 'como se' 31
NabilAraújo
Q62 O que signiâca erzsílzarliteratura?/ André Cechinel, Cristiano de Sales, 31 O não lugar da teoria literária .. .59
organização.- F]orianópo]is: EdIJFSC ; Criciúma : Ediunesc, 20] 7. Edt4ardo Subírafs
330P.
41 O Curso de l,ínguísfíca Geral como tragédia: uma leitura literária
Inclui bibliografia. do legado saussuriano .................................. 67
ISBN 978-85-328-0816-5- Editora da UFSC lábio Lotes da Silvo
ISBN 978-85-8410-079-8- Ediunesc

1.Literatura - Estudo e ensino. 2. Literatura História.1.Cechinel, 83


Parte ll + A literatura e as instituições
André. 11.Sales, Cristiano de.
CDIJ: 82:37 51 Literatura e ensino nos currículos de Letras .85
Narra Nascimento
Romana/íarmzlch

6 O entorno da pergunta "0 que significa elzsílzarliteratura?


reflexões sobre seu lugar e papel na Educação Básica........-. 109
Celdon Fritzen

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser 71 Da burocracia institucional à ontologia do objeto notas sobre o
reproduzida, arquivada ou transmitida por qualquer meio ou forma ensino (fora do lugar) de Literatura ........................ 123
sem prévia permissão por escrito da Editora da UFSC e Ediunesc. Márcio Matiassi Cantaria
Impresso no Brasil Rogério Caefano de .AZmeida
8

Por que ensinar literatura?

Jogo Adot#o Hansen

Durante mais de 30 anos, dei aulas sobre literatura brasileira


na Universidade de São Paulo e em outras universidades do Brasil e do
exterior. Literatura brasileira, ou seja, uma unidade imaginária escrita
numa língua feita de múltiplaslínguas de muitos tempos, o Português
do/no Brasil. Nesses anos, as aulas sempre foram uma experiência em
que estranhava os textos que lia e discutia com os alunos; nelas também
criticava a minha prática de professor, levantando razões diferentes para
ler e ensinar literatura como, por exemplo, liberar as línguas aprisionadas
na língua dos textos; tratar da historicidade das suas convenções retóricas;
especiâcar os pressupostos âlosóÊcos, políticos, historiográficos da crítica
e da história literárias brasileiras que se ocuparam deles desde o século
XIX; evidenciar como a escrita literária implica processos de subjetivação
e formalização da experiência que efetuam uma autoconsciência lúcida
e extremamente analítica que permite, como lembrou Goody, graus de
elaboração lógica e reflexividade que a experiência oral não tem, devido à
imediatez da fda, o que ficava muitíssimo evidente na leitura de sermões de
Vieira, que têm uma argumentaçãobastanteintrincada e difícil, e também
na leitura de modernos em que a escrita efetua duplos, como Machado de
Assis e Guimarães Rosa; também ensinei literatura para discutir e teorizar
as experiências singulares, quase sempre de extraordinária intensidade,
de irrisão, beleza, violência, imaginação, inteligência etc., proporcionadas
pelos textos. Sempre foi, digamos, uma atividade com três articulações
básicas, simultâneas e complementares: a leitura dos textos de prosa e
poesia, com que especiâcava a ordenação retórico-poética dos seus gêneros
e formas;a discussãodo valor artísticoe da fortunacrítica delese dos Obviamente, sempre pressupus que toda e qualquer fala sobre 143
pressupostos 61osóíico-artístico-políticos da crítica; a discussão do lugar
canónico que ocupavam e ocupam, estética e politicamente, nas histórias
literárias brasileiras.
literatura é determinada pela divisão do trabalho intelectual que implica
o trabalho individual e coletivo da divisão das condições de trabalho #
intelectual, dos lugares institucionais em que ele ocorre, das questões
k
Por que ensinar literatura? As razões podem ser muitas e de várias teóricas e técnicas, dos instrumentos, dos materiais, e, consequentemente, D
a fragmentação do capital cultural transformado nas múltiplas atividades ka:
ordens, e hoje sei que nenhuma delas esgota a questão nem a explica
suficientemente.Uma razão básica, para mim sempre óbvia e, acredito, que se conhecem. Sempre pressupus que, quanto mais se desenvolve a
}-

E
totalmente suficiente, é a de que seria impossível conceber a vida humana divisãodo trabalhointelectuale mais os conhecimentosse acumulam, Z
sem a acção. Sem Sófoclese Beckett, sem Ovídio e Drummond, sem mais aumenta a fragmentação como ação e resultado do trabaUio Z
Malcolm Lowry e Clarice Lispector etc., a Terra não sairia do eixo, mas intelectual de divisão. O próprio trabalho só existe tendo por premissa a D
0'
posso dizer com a mais total certeza que a vida humana seria muitíssimo fragmentação. Trabalhei 30 anos na USP, a principal universidade pública 0
a.
mais miserável do que é, ainda mais aqui, nesse grande sertão devastado pela de um estado governado pela direita tucana inimiga da coisa pública, uma
peste. Outra razão para ensinar literatura que me aparece imediatamente é universidade constantemente paralisada por conflitos trabalhistas e greves
determinada pela própria estrutura dos textos de ficção. É razão de ordem e mais greves de funcionários, de professores e de estudantes. Hoje, no
material e simbólica: sempre há um intervalo entre o ato do autor que esplendor intelectual que é a era Trump-Temer, as redefinições neoliberais
inventou a ficção e o ato do leitor que a refaz. Esse intervalo é cronológico, do trabalho intelectualcontinuam operando como trabaUio intelectual
tempo histórico, e semântico, diferença cultural. Ler a acção de Homero de divisão que fragmenta a cultura de modo espetacularem banalidades
ou Virgílio ou Dante ou Cervantesou Flaubertou Machado de Assis ou sem sentido histórico definido. Sempre pressupus a fragmentação quando
Graciliano Ramos ou Guimarães Rosa etc., a ficção que inventaram faz tratei da historicidade dos valores da acção antiga e da literatura moderna
com que a gente se situe, enquanto leitor, no aqui e agora do presente e do ensino delas ou sobre elas. Posso dizer que sempre chamei a atenção
imaginário que ela encena e no aqui e agora do presente real em que a lê, dos estudantespara as contradiçõesque condicionavam
as aulas de
aprendendocom elaque o presentede leitor não é o único que há, mas literatura, propondo-lhes que elas necessariamenteas incluíam e, ainda,
só mais um, entre outros, particular e precário como todos, e que está que o conhecimento da ficção antiga e da literatura moderna também era
passando e já vai passar e já passou A leitura de dicção é, nesse sentido, forma de resistência à tucanagem, pois o possível da liberdade que as obras
excelenteocasião para comparar os mundos possíveis que a ficção inventa afirmam nega, justamente, a mediocridade da vida brasileira submetida à
com o mundo do leitor. Sempre entendi essa comparação como experiência predação.
antropológica decisiva que, antes mesmo de propiciar qualquer empatia do Como se sabe, os primeiros românticos brasileiros propuseram a
leitor com os textos, é experiência irónica, que o distancia, evidenciando literatura brasileira como indígena civilizada, ou seja, como instituição
a arbitrariedade, a diferença e o efémero das suas convenções culturais. local nacional e nacionalista, branca e francesa e católica, quase sempre
Sempre propus aos alunos que talvez pudessem aprender, na experiência latifundiária. Desde os anos 1830, o nacionalismo romântico entendeu
da leitura, o quanto permaneciam inacessíveis a si mesmos enquanto como substantivo o adjetivo brasileira, da fórmula Zíferafura brasÍZeíra,
estivessem dominados pela naturalização das crenças e certezas que viviam enquanto o substantivo literatura foi, quase sempre, tido como um
como verdadestransistóricas.Assim, poderia dizer que uma das razões adjetivo ou classiâcação genérica de discursos íiccionais de prosa e poesia
de ensinar literatura era e é política, quero dizer, ensinar literatura para de diversos gêneros lidos, em geral, não propriamente como acção, mas
evidenciar o caráter arbitrário da cultura, a nenhuma universalidadedas como documentos da nacionalidade logo transformados em monumentos
regras, a total contingência das coisas e, com isso, criticar a naturalidade e da assim chamada "realidade brasileira't Ensinei literatura discutindo a
a normalidade pressupostas nos hábitos. invenção de tradições e criticando essa concepção nacionalista da literatura
H

4 como documento emonumento. Na USP, o instinto de nacionalidade sempre institucionais e fins, como produto simbólico datado, contingente, de grupos 145
7
F supôs e ainda supõe que era e que é evidente falar de literatura brasileira
como corpus de monumentos literários brasileiros que documentam
e de agentesparticulares, e seus públicos, no plural, e os valores de uso
das suas cadeias de apropriações etc. E não o que é A Literatura Brasileira, # k
brasileiramente a natureza física do Brasil, a geograâa e a história do Brasil, como algo essencial universal, natural, documental, monumental etc. K
3
os processos políticos e culturais brasileiros de constituição e naturalização Por que ensinar literatura? Como professor de uma instituição pública, ka:
canónicas de si mesmos como corpus documental brasileiro, segundo a tinha de cumprir programas. Ensinei literatura brasileira como disciplina UJ

noção teológica de Bi/duna-formação, retomada do idealismo alemão dos de valor cultural e histórico íatiada em períodos evolutivos correspondentes
[-

a:
séculos XVlll e XIX. aos oito semestres dos cursos de graduação em Letras. A ordenação Z
Z
CD
Num lugar institucional pouco afeito ao debate de ideias, dei aulas sequencial dos períodos literários do currículo era e é kantiano-hegeliana, LJ
sobre literatura brasileira caçando a lebre com boi e nadando contra a maré, idealista. Kantianamente, a ordenação sequencial pressupõe o tempo como 3
LH

0'
a:
quero dizer, tentando desnaturalizar a evidência romântico positivista da categoria apriorística dos processos históricos. Com Marx, Nietzsche e 0
a.
literatura como documento e seu culto nacionalista como monumento. Freud, ensinei literatura propondo que o tempo é produto das práticas, que +

Sempre entendi e ensinei que a acção não tem nenhuma essência e que, sempre são materiais e contingentes, situadas e datadas. Hegelianamente, a
sendo ficção, os textos literários não são documentos de nada. Eles correm ordenação sequencial dos períodos literários divide o tempo histórico em
paralelamente a todos os outros discursos do tempo em que são inventados, segmentos evolutivos, classificados como unidades estanques, sucessivas e
sem se confundirem com nenhum deles, sem se subordinarem a nenhum irreversíveis, separadas por descontinuidades aplicadas instrumentalmente
deles, sem ilustrarem nenhum deles, sem documentarem nenhum deles. pelos intérpretes como exteriores à própria história que elas dividem e
A indeterminação de todo e qualquer princípio essencialftindante da acção classiâcam.Por aqui, por exemplo,o Barroco começaem 1601,depois
e de seus limites e, simultaneamente, a exatidão sempre particular, datada do Classicismo, e termina em 1768, quando começa o Neoclassicismo.
e situada dos processos retóricos construtivos das formas constituíram um Nunca soube dizer se começa em 28 de fevereiro de 1601 ou se termina
tema de que tratei várias vezes nas aulas. Sempre sabendo que não tinha em la de março de 1768. Dei aulas sobre literatura brasileira criticando
nenhuma positividade a expor e nenhuma verdade a defender e impor, esse idealismo evolucionista, tentando especificar a particularidade das
questionei a institucionalização da literatura como evidência documental práticas simbólicas de produção dos discursos literários. Sempre supus que
de verdades dadas como naturais por aparelhamentos ideológicos de era mais pertinente observar os processos de longa duração de transmissão
elementos gregários, muitos deles caracterizados por um notável orgulho da de técnicas e modelos e das apropriações descontínuas deles. Com isso, foi
servilidade que os fazia estúpidos. Sempre ensinei literatura explicitando a possível ensinar a ficção antiga e a literatura moderna demonstrando que
particularidade histórica, politicamente datada, dos seuscondicionamentos autores situados em pontos diferentes do tempo escolhiam suas próprias
materiais e institucionais, dos processos retóricos de invenção de suas amizades e inimizades artísticas e que, num mesmo período que as histórias
formas e tradições culturais, da particularidade histórica das verdades literárias e histórias da arte kantiano-hegelianas classiâcam unitariamente
pressupostas nas verossimilhanças dos vários gêneros de prosa e poesia, com etiquetas dedutivas e evolutivas, como Antiguidade, Idade Média,
da particularidade histórica e interessada da crítica brasileira constituída Renascimento, Barroco, Neoclassicismo etc., encontram-se efetivamente
a partir dos primeiros românticos no século XIX, da particularidade várias durações artísticas simultâneas de dimensão e importância diversas
histórica e interessada das apropriações e dos valores de uso dos textos etc. e também as maneiras técnicas como elas concebem e produzem a acção
Ou seja, sempre dei aulas sobre literatura brasileira pressupondo e tratando antiga ou a literatura moderna e seus muitos estilos, por vezes como
dos processos materiais e institucionais contraditórios e polêmícos de um contínuo de emulações retrospectivas, por vezes como emulações
constituição do campo literário. Como o texto de acção é feito, segundo descontínuas. A temporalidade é extremamente complexa, constituída por
quais pressupostose técnicas, com quais condicionamentosmateriais e incontáveis tempos simultâneos de durações diversas, e sempre acreditei
6 que não se pode estica-la teleologicamente,como se fosse uma única linha e outras etiquetas que também podem classiÊcar dedutivamente outras 147

#
P evolutiva em que o que veio antes anuncia o que vem depois, ficando culturas e outros tempos, por exemplo, quando se fala de um Classicismo
superado como inferior ou menor etc. Não há progresso nas artes e sempre Maia, de um RenascimentoHitita, de uma Idade Média Chinesa etc.
preferi situar o texto particular que lia e discutia num determinado ponto Para evitar a naturalização de generalidades idealistas, ensinei
ka
do tempo, evidenciando as simultaneidades e as descontinuidadesdas literatura sempre lembrando que o que hoje classiíicamos como literatura 3
relações dele com outros textos de outros tempos que, por sua vez, eram - por exemplo, "literatura grega': "literatura medieval': "literatura bar- ka
simultaneamente relacionados com outros etc. etc. Por exemplo, lendo roca" - não foi entendido como /íferafzlra nos tempos correspondentes F-
a:
À4emórías Pósfz4masde 13rásCzibas, era possível relacionar o defunto autor às classificações. Ensinei que usamos essas expressões por preguiça, Z
<:

com textos fantásticos de Luciano de Samósata, com um romance de Sterne, por ignorância e por ideologia, e que literatura - como o conjunto de CD
Z
com o Dom Quixofe, com a epopeiade Ariosto, com obras de Shakespeare, discursos íiccionais escritos, cujo conteúdo é a própria forma como objeto 3
Pascal,La Rochefoucauld,Diderot, Flaubert etc. Ou, no caso da poesia 0'
de contemplação estética desinteressada - é uma invenção relativamente a
0a.
colonial, a sátira que se atribui a Gregário de Matos e Guerra mantinha recente, datada da segunda metade do século XVIII. Antes do século XVlll,
relações muito evidentes de emulação com a sátira latina de Juvenal e a a ficção existiu, obviamente, mas não a literatura. Assim, ensinei que a ficção
de Horácio, além dos poemas do Cancro/leito Geral de Garcia de Resende, é sempre histórica, mas que seu conceito como /íterafura não tem validade
de 1517. Não era possível encerrar essa poesia numa classificação idealista transistórica. Evidentemente,o imaginário não é o mesmo em todos os
fechada, "Barroco'l aplicada dedutivamente a ela com outras classificações tempos, nem são as mesmas convenções simbólicas que Ihe dão forma
e categoriasidealistas dos manuais escolaresetc. Também dei vários cursos fictícia segundo condicionamentos materiais e institucionais diversos.
de pós-graduação, na USP e em outras universidades do país e do exterior. Assim, por exemplo, sempre evidenciema contradição nos termos de uma
Neles não tratei só de literatura brasileira, mas também de teorias do fórmula como "literatura colonial': lembrando que "literatura" pressupõe a
texto histórico; de categorias miméticas da antiga instituição retórica; de livre concorrência e a mercadoria "originalidade" da sociedadeburguesa,
historiografia literária; da constituição histórica do conceito romântico- enquanto "colonial" signiâca subordinação ao exclusivo monopolista da
positiüsta de "Barroco"; das letras coloniaisluso-brasileirasdos séculos sociedade portuguesa de Antigo Estado etc. Dizer "literatura colonial"
XVI, XVll e XVlll e de outros temas, pressupondo em todos a historicidade implica também dizer "liberdade subordinada': "livre concorrência do
do conceito de Zíferafz,lra.Porque é conceito recente, datado do século exclusivo monopolista" etc.
XVlll, e intimamente associado à cultura escrita e ao livro impresso Como Sempre chamei a atenção dos estudantespara o que deveria ser
sempre lembrava nas aulas, muitíssimo tempo antes do século XVlll, entre totalmente óbvio: a acção é prática simbólica real, social e histórica que não
egípcios, babilónicos, hebreus, árabes, hindus, chineses, gregos, persas, é exterior à história como reflexo. A acção não é um espelho. Ensinei que o
latinos, maias etc., a acção circulou nas formas múltiplas e intotalizáveis da que está em jogo quando se fala de "literatura e história': por exemplo, não
oralidade e da memória. Dei aulas propondo que não se podia generalizar é a representaçãoda história pela literatura, mas a historicidade dos modos,
para todos os tempos as categoriase conceitosassociadosao conceito categoriase conceitos teóricos e dos meios técnicos de definir, produzir
romântico de /íferafura, como acontecequando sefda de uma Idade Média e consumir acção como prática simbólica que põe em cena, de maneira
em que durante mil anos os poetas expressam seus sentimentos de mal do verossímil e decorosa, figurações dos discursos tidos por verdadeiros
século mais ou menos beato; ou de Barroco, que às vezes é formalista ou em seu tempo. Essas maneiras são historicamente variáveis, e todas elas
cultista e outras conteudista ou conceptista, sofrendo de uma espécie de dependem do modo como a experiência do tempo é vivida e orientada.
esquizofreniaem que o Racionalismo Antropocêntrico do Renascimento Desde que comecei a trabalhar no curso de Literatura Brasileira da
se opõe ao Misticismo Teológico da Idade Média ou o contrário etc. Ou de USR em 1983,até por volta de 1993, os cursos tinham a seguinte ordenação:
um Classicismo Renascentista em que domina a Razão como Classicismo Literatura Brasileira 1 - Colónia; Literatura Brasileira ll - Romantismo;
Literatura Brasileira 111- Realismo-Naturalismo; Literatura Brasileira IV - geralmenteé feita em termos que transformam autores luso-brasileiros 149

#
Pré-Modernismo; Literatura Brasileira V Modernismo de 1922;Literatura coloniais em idealistas alemães pendurados fora do lugar em galhinhos de
Brasileira VI - Modernismo de 1930 1945. Dei aulas sobre autores e obras um arbusto transplantado como Manifestações Literárias ou Ectoplasmas ou
de todos esses períodos, de Anchieta, Gandavo, Gabriel Soares de Sousa, Abusões ou Abantesmas ou Fantasmas do Espírito-Que-Anda-do-Estado
Q
Z
Bento Teixeira, Antânio Vieira, Gregório de Matos, Manuel Botelho de Nacional-Brasileiro marchando em direção ao Estado Nacional Tucano 3
Oliveira, Cláudio Manuel da Costa, Gonzaga, Basílio da Gama etc. José que hoje constitui a máxima realização da formação da nacionalidade. U
&

de Alencar, Franklin Távora, Gonçalves Dias, Alvares de Azevedo, Castro Atualmente, parece que ainda existe uma Literatura Brasileira Vl; segundo }-

a:
Alves, Aluísio Azevedo, Raul Pompeia, Machado de Assis, Olavo Bilac consta, trata da literatura brasileira contemporânea desseEstado. Z
<

e Cruz e Sousa etc. Monteiro Lobato, Lima Barrete, Mário de Andrade, Por que ensinar literatura? Enquanto fui professor, preocupei-me Z
Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Antânio de Alcântara Machado, mais com o como que com o porquê, propondo aos estudantes, com lser, 3
0'
rosé Américo de Almeida, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Cecília que era possível ídar da ficção antiga e da literatura moderna pressupondo a
0
Q.
Meireles,Murilo Mendes, Drummond, João Guimarães Rosa, Lispector, a historicidade delas como estrutura, como função, como comunicação e +

João Cabral, poetas concretistas e outros autores. Acho que foi em 1994,não como valor. Ensinei a dicçãoantiga e a literatura moderna como estrutura
me lembro bem, que a maioria dos colegas da área de Literatura Brasileira tratando de códigos linguísticos,retóricos, poéticos e estéticos,e de
concluiu que os estudantesque ingressavamno curso de Letras da USP pressupostos âlosóâcos, teológico-políticos, políticos, historiográficos etc.
não tinham capacidade para ler textos portugueses e luso-brasileiros dos dos gêneros,das formas dos gêneros,de diversascategoriase conceitos
séculos XVI e XVll, embora certamente eles a tivessem para ler os textos um associados a cada um deles, dos preceitos eprocedimentos técnicos etc., e das
pouquinho mais antigos dos cursos de Sânscrito, Grego e Latim. Os colegas discussões ou retóricas ou estéticassobrelorma. No caso, quando setratava
decidiram transformar Literatura Brasileira 1- Colónia, que era disciplina de cursos sobre os discursos coloniaisluso-brasileirosdos séculosXVI,
obrigatória, numa Literatura Brasileira VI que foi remetida para o quarto XVll e XVlll, conceituava o termo mímesís retoricamente, pressupondo
ano do curso, que depois se transformou em disciplina optativa que, como suas deânições platónico-aristotélicas e, depois, suas retomadas romanas
costuma acontecer com as optativas, estava condenada ao desaparecimento, e escolásticas,como emulaçãode modelos das autoridadesdos muitos
porque optativas não precisam ser ensinadas. O novo currículo continuou gêneros da longa duração da instituição retórica greco-latina até pelo menos
hegeliano, mas agora como trindade invertida de sírzfese-tese-a?zfífese
como a metade do século XVlll, sempre considerando a teologia-política ibérica
que saída da cabeça de um Hegel cubo-nacionalista: o estudante começa fundamentada na filosofia escolástica.Em cursos que dei sobre autores
o curso com Literatura Brasileira l Modernismo de 1922 e Literatura e obras dos séculos XIX e XX, que pressupõem a referência a âlósoíos e
Brasileira ll - Modernismo de 1930-1945,ou seja, pela síPzfesedo processo escritoresiluministase românticoseuropeusdos séculosXVlll e XIX,
histórico da Bíldz4ngque determina teleologicamente o começo (como dizia definia mímesís como invenção estéticaautonomizada do substancialismo
o padreT. S. Eliot, "no meu íim estáo meu começo").A seguir,estuda metafísicoda noção antigade ímifação,considerandoque na sociedade
Literatura Brasileira 111 Romantismo, tese, Ursprung, Origem do processo burguesa instaurada pela Revolução Francesa, desde que o poeta e o
da BÍZdz4ng. Depois, Literatura Brasileira IV - Realismo, em que reproduz a artesão antigos perderam o patrocínio dos mecenas da aristocracia e do
koífzéda interpretação sociológica de um Machado de Assis como alzfítese clero, um novo tipo social, o artista, passou a concorrer no mercado dos
que inverte a inversão fora do lugar das ideologias de 2' grau dos românticos bens culturais com a mercadoria oreginaZídade,que era a expressão da
brasileiros. Machado supera o que veio antes e abre para o que vem depois. sua psicologia singular, genial, mais ou menos atormentada etc. No caso,
Assim, a posse da verdadeira interpretação dele é essencial. Quanto à discutia a estética de Kant e a de Hegel, além de diversos textos teóricos
Literatura Brasileira V - Colónia, parece que ainda existe nominalmente, e literários de Friedrich Schlegel,Heinrich von Kleist, Schiller, Novalis,
não sei, mas não é necessariamenteministrada; quando isso ocorre, a coisa Coleridge, Vector Hugo e outros.
Simultaneamente,dei aulas sobre acção tratando dos condicio- caso das belas-letras coloniais, eu as ensinei sem recorrer a nenhuma noção 151

#
namentos materiais e institucionais da constituição e deânição da autoria iluminista, ou romântico-positivista, de evolução ou de progresso das artes,
e de autores, da invenção das obras e das recepções dos públicos, nas letras mas sim de emulação, a imitação que varia predicados de uma obra ou
e belas-letrascoloniaise, a partir dos primeiros românticos, da literatura. obras consideradas de ótima qualidade, como contribuição cumulativa para
Tratando das letras coloniais dos séculos XVI, XVll e XVlll e da literatura o acervo do seu gênero e modelo para novas emulações. Para isso, tratei a:
3
moderna feita a partir do século XIX, dei aulas sobre a particularidade de deânir categorias e conceitos segundo a historicidade deles, como é o i
histórica dos regimes discursivos e meios e modos de conceber a caso de tradição. Ensinei literatura evidenciando que, no mundo capitalista }-

linguagemda ficção, quero dizer, a especiõcidade simbólica dos signos, moderno em que o Brasil se incluiu como nação desde a Independência, Z
<:

como a linguagem substancialmente motivada dos autores coloniais e a em 1822, o trinâmio czufor-obra'pzíb/ico passou a ter outra definição e outro CD
Z
LJ
linguagem autonomizada de motivação a partir principalmente do final valor ou valores. Assim, para definir e especificar o valor dos textos, ensinei D
0'
do século XIX, quando os sistemas de representação entraram em crise, as letras e as belas-letras coloniais tratando de categorias antigas, como a:
0
a.
também tratando da historicidade dos regimes de verdade emulados nas mímesis, imitação, emulação, decoro,proporção, recorrendo a conceitos
m
verossimilhançasdos muitos estilos segundoas quatro articulaçõesda da chamada "política católica" formulada a partir do Concílio de Trento,
proposição que ordenam os textos de ficção, quais sejam: 1) a manifestação entre 1540e 1563,e sistematizadaem autorescomo Giovanni Botero e
ou expressão de um sujeito, "eu': e a historicidade das categorias, conceitos, Francisco Suárez. Ensinando literatura,tratei de categoriasmodernas,
modos e formas dos seus processos de subjetivação; 2) a designação da como or@ínaZídade, expressão, ruptura, novidade, crítica, í/zovação etc. e das
referência natural, social etc.; 3) a significação, segundo diversos códigos, diversas tradições críticas que constituíram e constituem cânones estéticos,
metafísicos, teológico-políticos, filosóâcos, científicos etc.; e 4) o sentido. desde os românticos alemães e ingleses da segunda metade do século XVlll
Ensinando literatura como função, tratei de regimes discursivos não até, a partir dos anos 1980, os chamados "pós-modernos': Também ensinei
literários, como o do direito, o religioso, o histórico, o íilosóâco, o científico, literatura brasileira considerando as apropriações, citações e paródias
o jornalístico etc., que são a matéria transformada, citada, parafraseada, estabelecidasentre vários textos e autores. Assim, por exemplo, tratei em
estilizada, parodiada, negada, destruída etc. nos textos de ficção. Quando aula dos modos como os primeiros críticos românticos leram documentos
discutia literatura como comunicação, tratava da historicidade dos conceitos dos séculos XVll e XVlll sobre o poeta colonial Gregório de Matos e Guerra
de auf06 Obra e público e de oposições, como oral/escrífo. Com isso foi não considerandoas convençõesdo seu gêneroe inventandotradições
possível ensinar, por exemplo, que os autores coloniais tinham a posse, nacionalistas em que a poesia atribuída ao poeta é lida como precursora da
mas não a propriedadedos discursos que inventavam.Eles conheciam, Independência e do Brasil-nação; ou como Alencar inventou seus romances
evidentemente, conceitos como .@rfo e pirataria, mas não o conceito segundo o programa nacionalista de representar o Brasil contemporâneo
burguês de p/(igío;assim, a obra de acção, feita como emulação de modelos dele, o Brasil da Corte e o Brasil das províncias do Império, e o de inventar
de autoridades dos diversos gêneros, era inventada e recebida como uma língua brasileira de literatura e cenas, temas e tipos humanos do
variação elocutiva de predicados já conhecidos que autores anteriores ou passado colonial, retomando Chateaubriand, Balzac, Herculano, Fenimore
contemporâneos tinham utilizado. O público da obra, como público de uma Cooper, Gonçalves de Magalhães e outros. E o que Machado de Assimpro-
sociedadecolonial de Antigo Estado subordinada ao exclusivo monopolista pôs, criticando o romantismo de Alencar. E o que Mário de Andrade,
no pacto de sujeiçãoà Coroa portuguesa,não tinha, evidentemente,
a ignorando Machado, recuperou de Alencar. E o que vem a ser o regional
autonomia liberal pressuposta nas leis que regulam a livre concorrência em Alencar - e em Euclides, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Ariano
e a opinião pública na sociedade burguesa. Era público subordinado que, Suassuna.E como Rosa mantém o regionalcomo meio para outra coisa
na apropriação das obras, reconhecia e reiterava a representação que elas superior que o elimina, interpretando geologia, geografia, flora, fauna e
faziam do seu estatutode público subordinado ao bem comum. Assim, no culturas sertanejascom Plotino e Goethe. E como o moderno se efetua
2 153
em Mário, Bandeira, Oswald, Alcântara Machado, Ascenso Ferreira, Raul o espectador vê sua imagem sempre paranoicamente repetida, como se o
k Bopp, José Américo de Almeida, Dyonélio Machado, rosé Lins do Rego,
Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, Jorge Amado, Aníbal Machado,
evento estivesseocorrendo a cada momento em que a vê. A repetição não
é feita como narração, que inventa uma memória particular situada ou #
Lúcio Cardoso, Drummond, Murilo Mendes, Cecília Meireles,Jorge de perspectivada do acontecimento, mas é um modo de ocupar totalmente o 2
U
Lama, Jogo Cabral, os concretistasCornélio Penna, Clarice Lispector, presente do espectador com a ameaça de destruição que ele deverá lembrar 3
R
Raduan Nassar, Hilda Hilst e outros e mais outros. daí para a frente como memória do futuro, memória do que vai ser sua vida a:
F-
Lembrei em aula, muitas vezes, uma estória contada por Paolo na nova ordem mundial inaugurada pelo acontecimento. Ou seja: a imagem
a:
Fabbri(1994, p. 21): no século XV; dois irmãos que viviam em Siena, os não é produzida como interpretaçãodo que ocorreu, mas como imagem Z
<:

Z
CD
Sozzini, traduziram a expressão"No princípio era o Verbo'l da Bíb/ía, por que substitui a realidade do choque pela saturação paranoica de todo o
Cêra uzzat,o/fa, "Era uma vez': O que aconteceu?Tiveram que fugir da tempo presente e futuro do espectador com a repetição dele. A imagem é, 3
0'
Inquisição italiana, que os perseguiu por toda a Europa e aparentemente só no caso, ficção, que a cada vez que é repetida se dá a ver como o próprio a:
0
a.
sossegaram quando se integraram na comunidade judaica de Amsterdã. Os acontecer do acontecimento.Esse congelamentodo tempo, que ocupa e +

Sozzini agiram como autores de ficção: a tradução que âzeram interpreta preenche a experiência do passado e a expectativa de futuro como presente
como cábulao texto sagrado que a Igreja afirma ser a Palawa de Verdade do que não passa, faz pensar qual seria a função da ficção literária hoje, quando
maior autor de todos, Deus. A tradução "Era uma vez" afirma que a Bíblia a parafernália eletrânica permite produzir a realidade íiccionalmente, como
não é a verdade absoluta da palavra de Deus, mas texto de dicção, entre nesse caso. Ou em outros, cada vez mais frequentes na mídia, por exemplo,
outros, produzido por um ato de fingir só humano. A Inquisição italiana na teatralizaçãoda política nos debatesdos republicanose democratas
determinava que, apesar de ser artista, Deus nunca Ênge nem mente, por norte-americanos, ou, em São Paulo, quando se via o lema de Maluf. Vote
isso quis queima-los para garantir o monopólio da verdade do dogma. em Malufcontra a corrupção.
O que está em jogo, aqui, é o controle do simbólico. E, como sempre, esse Assim, por que ensinar literatura? Para evidenciar, por exemplo,
controle supõe a oposição de verdade e dicçãoou de discurso verdadeiro e que hoje o conceito moderno de literatura está indeterminado. Uma das
discurso verossímil. suas principais definições modernas, produzida por autores da chamada
Com diversos teóricos, num longo arco temporal que ia de Platão a Escola de Frankfurt, como Adorno, era "racionalização negativa da forma';
Karlheinz Stierle,de Aristótelesa Jauss, de Horácio a Paul De Man, costumava ou seja, invenção de formas críticas dos usos habituais da linguagem e de
ensinar aos estudantesque um enunciado é âctício quando sua significação práticas sociais considerados naturais e normais. Hoje, a despolitização
não pode ser corrigida pela realidade,mas só interpretadaou criticada. global da cultura se acompanha da desierarquização do valor estético que
A deânição opõe a ficção aos textos históricos, filosóficos, religiosos, indetermina o conceito de "arte': principalmente quando os produtos da
científicos e pragmáticos. Ensinei literatura pressupondo essas distinções, indústria cultural, que até ontem eram classificadoscomo lixo, sangue e
mas também propondo que, hoje, a noção de "dicção"como produto de sacarina, mentira estéticaou kífsc/z,são naturalizados como artisticamente
um ato de fingimento está indeterminada, porque é possível inventar a literários por profissionais universitários de letras, editores e jornalistas
realidade, ângindo-a como ficção. Em 2001, lembrei que um lato que que fazem o copa deckde livros kífsch nos cadernos culturais dos jornalões
destrói uma torre em Nova lorque é um acontecimento real experimentado como se fossem textos de escritores sérios. Este nosso mundo certamente é
como ruptura da suposta normalidade da pax norte-americana. A imagem muito desalmado, e muitos leitoresprocuram nos textosuma cama mental,
do choque, repetida sem parar pela CNN e outras redes de TVI congela o um consolo espiritual, um suplemento de alma. Seus corações sensíveis
momento do acontecimento. Com a repetição da imagem, a TV produz estarão também cansados e podem ter suas razões que desconhecem
o choque contínuo do avião contra a torre, falsificando a realidade do para desejarem o consolo das boas instituições que a razão mercantil dos
momento particular do choque como se ela fosse a do presenteem que atacadistas de alma conhece bem, fornecendo-lhes o que precisam e são
ensinados a precisar. Como são leitores lidos e dominados pelo imaginário, Tradicionalmente, havia a .Poção seBz4ndaquando o texto se referia 155

#
são como os loucos, que não falam, mas são falados e, por isso, não são somente à essêlzcíados seres. Com a referência à essência dos homens e
leitores de literatura. Ensinei que, assim como os cultos de ísis, o fenómeno de outros seres, podia-se inventar uma ficção verdadeira, como pera.Pctío,
contemporâneo de normalização da leitura dessa acção regressiva poderia e uma ficção falsa, como jazia .Pcíío. Homero observou muitos e muitos ka
interessar a uma sociologia da religião ou a estudos sobre a indústria de homens espertos antes de inventar Ulisses, que é uma ficção verdadeira. 3
Como exemplo de ficção falsa ou fantástica, que põe em cena o não ser e, kU
massa e o kffsc/z.Mas a acção regressiva só teria interesse "artístico" para LÜ

comparações negativas, que especificam o que a literatura não é. portanto, o que não pode ocorrer, imaginemos um personagem com uma
[-

a
E o que a literatura é? - os alunos costumavamme perguntar. alma quadrada. Ou um homem imortal. Ou, como em Machado de Assis, Z
<

Como já disse,eu lhes respondiaque não há uma essênciada ficção.Há Z


CD
um morto que escreve.
pelo menos dois mil anos se repete o que os alemães teóricos da recepção Tradicionalmente, a distinção de verá .Pctío e juba ./icfio permitia D
LU

0'
repropuseramno séculoXX. Como diz lser, desdeos gregosantigosum conceber a ficção verdadeira operacionalmente como discurso que a:
0
Q.
discurso é fictício e, a partir da segunda metade do século XVlll, quando relaciona a existência verdadeira ou a essência verdadeira de algo ou alguém +

se inventou a instituição literatura, um texto é literário, quando é possível com acontecimentos que não aconteceram. E também se definia a ficção
ouvi-lo e lê-ló como sendo o resultado de um ato de ângir. O que é a dicção de algo falso, que não é, que não existe e, portanto, não pode acontecer,
desse ato de ângir? Não tenho pretensão de esgotar a questão aqui. Lembro como discurso que relacionao não ser com acontecimentosque nunca
que ensinei que, para a leitura da acção tradicional, digamos a ficção feita ocorreram. A jazia ./icfío equivale a simulacros, algo impossível de ser e,
segundo os vários modelos normativos gregos e latinos até o final do portanto, de acontecer,como ocorre no gênero fantástico,nas narrativas
século XVlll mímesis e ímífafío, mésolze adaeqz4afÍo,eikon e sfmíZifudo, de Luciano de Samósata,no Orla zdo Ftzrioso,de Ariosto, na ficção de
.Êgura, $gural, alegoria factual, alegoria verbal, emulação, representação, Swift sobre Gulliver, nos contos de Borges e outros latino-americanos, no
expressãoetc. - a acção era entendida como a figuração fingida do possível, defunto autor de .AfemóriasPóstumas de irás Cubas, na acção científica
determinado como possível por comparação com a coisa, ação, evento ou contemporânea etc. Em ambos os casos, verdadeiro e fuso, o termo./acção
conceito, deânidos como reais e verdadeiros. define uma operação da imaginação, os conceitos de real e possível, de
As definições antigas de acção aplicavam uma questão repetida por verdadeiro e falso, as técnicas retórico-poéticas, o sistema dos gêneros
Espinosa no séculoXVll: a narração de um acontecimento que não ocorreu discursivos, as formas, os estilos, os efeitos de decoro e verossimilhança
em parte alguma élalsa ou./ícfüía? Tradicionalmente, havia dois tipos de aplicados ora ao conhecimento de existência, ora ao conhecimento de
critérios para responder, o de existência e o de essência. Quando o texto se essência para produzir determinados efeitos imaginários e simbólicos.
referia a algo realmente existentee relacionava-o com um acontecimento As duas espécies de dicção âguram o possível e o impossível, sendo
que não tinha acontecido em parte alguma, tinha-se a.Poçãoprimeira, por tradicionalmente relacionadas com a passagem da Feérica em que Aristó-
exemplo, com a referência a alguém realmente existente e conhecido, pode- teles escreve que o gênero histórico trata do que eíetivamente ocorreu,
se inventar a ficção de algo nunca ocorrido com ele. É o que aconteceria como narração de existência que conta acontecimentos particulares
se, com o nome de um certo Joaquim Mana Machado de Assis, mulato e verdadeiros, diferentementeda poesia, que põe em cena o possível
carioca do século XIX, se inventasse a dicçãode algo que nunca aconteceu ou o universal, como ficção de essência ou dicção de existência, sem
com o homem que tinha esse nome, como uma viagem dele à Inglaterra, necessidade de tratar de acontecimentos particulares. Tradicionalmente,
na qual teria encontrosmais ou menos dissimuladoscom uma morena a dicçãoé produto de um ato de fingir o possível,ou seja, de um ato
brasileira de belos olhos de ressacachamada Capitolina, que então assistia pseudorreferencial e, ainda, autorreferencial. De todo modo, quando lia e
a conferências sobre o tema do ciúme no Of;leio, de Shakespeare, feitas por discutia textos de ficção, era relativamente mais fácil especiâcar o que era
um professor de Liverpool. próprio da acção, em termos de invenção, disposição e elocução das formas,
157
quando eram textos dos séculos XVI, XVll e XVlll, já que a codificação têm interesseapenas técnico, retórico, poético ou literário, mas também
retórica deles era normativa, fazendo-os adequados a padrões de seleção
vocabular e ordenação sintático-semântica que especiâcavam os decoros
político. Todo leitor é coautor e, em graus muito variados de competência,
quando lê refaz as operações técnicas do enunciador para efetuar a ilusão
da existênciade um "real" exterior ao discurso, como se o lobo mau da
4
e as verossimilhanças dos seus muitos gêneros, dos altos aos baixos etc. ka:
A coisa âcava mais indeterminada e difícil quando se tratava de discursos fábula, ou Drácula, ou Hamlet ou Riobaldo fossem mesmo um animal 3
modernos que não pressupunham nenhuma norma apriorística, só tendo real, um monstro sanguinário, um príncipe da Dinamarca, um sertanejo
ka:
LH

como norma a da sua própria singularidade,como exemplarúnico da sua brasileiro refletidos nos textos ou, como acontece no caso do texto religioso }-

a
própria poética. Um vez que a ficção não tem nenhuma essência, o que traduzido pelos Sozzini, como se Deus realmenteexistissecomo essência Z
fazia o discurso ser âccional e literário? O contrato enunciativo autor- verdadeira fora de toda simbolização. Z
LH

destinatário? A forma por assim dizer "exterior" dos enunciados? Lemos, Ensinei que a acção sempre é definida diferencialmente. Sua deânição LÜ
D
0'
a:
já em Aristóteles, que seria possível escrever discursos do gênero histórico pressupõe os outros regimes discursivos existentes num determinado 0
n.
em verso, sem que os discursos sejam poéticos. Do mesmo modo, seria tempo. Os discursos pragmáticosde hoje, discursos do tipo "Proibido +

possível escrever poemas sem versos, pois a acção não se identifica com a fumar" ou "Instruções para uso do liquidificador'l sempre apontam para
forma exterior. Ou alguma outra especiâcidade mimética? Dei aulas sobre alguma coisa fora deles mesmos. O texto pragmático exige que o leitor
a ficção antiga e a literatura moderna tratando dessas questões e fazendo selecione apenas uma hipótese de ação e não muitas; para isso, deve observar
essas especiÊcações. E também tratei de outras coisas, que permitiam a adequação entre o enunciado, por exemplo, "Proibido pastar a grama'; e
associar a leitura literária a questões de interesse antropológico e político. a finalidade dele, que é a de agir sobre o seu corpo, impedindo-o de fazer
Stierle (2002), por exemplo, lembrou que os contos de fadas metem o que deseja. "Proibido fumar" ou "Proibido pisar na grama" não admitem
medo nas crianças pequenas porque elas os escutam como se fossem a outra interpretação a não ser "Proibido fumar" e "Proibido pisar na grama';
presençado imaginário bruto do lobo mau, do gigante e da bruxa sem a ainda que em certas situações possam ser interpretados de modo desviante,
mediação do simbólico. A cultura e a linguagem, sabemos, constituem o como se fossem textos de ficção.
simbólico. O simbólico é sempre regra, regra histórica, artifício de uma Com Wolíganglser, ensineiaos estudantesde literaturaque o
convenção social datada, situada, particular, não natural. As crianças que discursode ficçãoé diferentedo pragmático.Ele é autorreferencial,
ou
ouvem as histórias de fada sem perceber o simbólico que dá forma ao seu seja, discurso produzido como representação intencional de um ato de fda
imaginário vivem a história contada como se fosse a realidade. Marx diz que fingido. Nele, o papel do autor se relaciona com o próprio discurso, não
a ideologia é a universalização do particular, pois a ideologia transforma com as coisas, as ações, as pessoas e os acontecimentos que ele põe em cena,
o que é apenas convenção histórica particular em natureza essencial e como se fossem realmente existentes. Ele finge um ato de comunicação;
imutável. A ideologia é alienação e a alienação é ignorância da historicidade por isso, o receptor dele estabeleceuma relação de comunicação fingida
ou particularidade dos processos históricos produtores do simbólico da com ele na qual deve reconhecer seu artiHcio para não ser como as crianças
cultura que sempre é, por isso mesmo, arbitrária, provisória, mortal. Um ouvindo contos de fadas. Como diz Stierle (2002), seu papel como leitor
dia, as nossas convençõesvão morrer, como outrasjá acabaram.Enquanto independe do contexto concreto da sua história pessoal. Assim, a leitura de
isso, para não ter medo do lobo mau e das autoridades que aârmam ter a ficção pressupõe a capacidade de percepção do artiHcio simbólico, ou seja,
posse da verdade dos textos e da vida, é preciso observar o que significa a capacidade de percepção e relativização do artifício que compõe o texto e
'Era uma vez': Para isso, sempre ensinei, é preciso refazer os procedimentos também a capacidade de saber que a leitura é um ato particular ou parcial,
técnicos usados para construir o artifício simbólico da fábula que põe em pois sempre há o intervalo temporal de que fdeí entre o texto e o indivíduo
contato um enunciador e um destinatário numa comunicação Êctícia. que o lê; além disso, hoje o indivíduo que o lê vive numa sociedadede
Ensinei essas coisas quando era professor porque, como disse, elas não classes que é, por definição, dividida, sem unidade, contraditória. Ensinei
!

literatura ensinando essas distinções porque elas me pareciam e parecem Revolução Francesa. Nos últimos 200 anos, qualquer autor que afirmasse 159
F
politicamente importantes. A ficção é sempre um produto social datado
e põe em cena representaçõesimaginárias de normas sociais de ação e
ser capaz de prever o futuro seria classiâcado como charlatão. Mas Vieira
e seu tempo acreditavam que há Deus, como a Causa Primeira e Final da #
esquemas verbais que já são interpretações. Para ler literatura bem, o leitor história. Vieira e seu tempo acreditavam que Deus revelou seu prometopara
deve ser capaz de se pâr a si mesmo entre parênteses e traduzir as palavras o tempo nas Escrituras e que a interpretação delas permitia afirmar que o D
%

e a argumentação do discurso, mas sem parar aí, pois também deve ser passado revelava para o presente o que seria o futuro. Desde a Revolução B
F-
capaz de entender a ordenação retórica do ângimento, o modo específico Francesa, Deus está morto. Desde a Revolução Francesa, a história é
E
de ordenação técnica do discurso: a poesia não é romance, a tragédia não é processo contingente, apenas humano, que não necessita de Deus. Hoje, Z
co
comédia etc. Em todas as leituras, que por definição são variáveis, o leitor se ainda existir gente interessada historicamente em Vieira, deverá saber Z
LU

deve encontrar a estrutura básica que permite a comunicação do ato da que ele e seus contemporâneos luso-brasileiros acreditavam que todos D
invenção do discurso com a prática da sua leitura. os tempossão criados por Deus, que é atualem todos eles, fornecendo
(7

a:
0
n.
Também ensinei que era preciso lembrar que os modos históricos de a orientação providencial do sentido da história de todos. Se o leitor +

produzir e consumir ficção e literatura dependem dos modos como se dá não considera a metafísica escolástica de Vieira, dirá que ele faz jogos de
sentido à experiência do tempo. Eles também são variáveis historicamente palavras supersticiosos, ou seja, universalizará os seus critérios particulares
determinadas. O historiador alemão Koselleck propõe que, para entender de articulação de experiência e expectativa e lerá Vieira anacronicamente.
como uma sociedadevive o seu presente,devemosobservar como ela Outra questão que muitas vezes íoi discutida em classe por mim
relaciona a experiência do passado e a expectativa de futuro. A relação e pelos estudantes foi a do estatuto teórico dos objetos com que a gente
de experiência/expectativa é uma variável histórica e depende dos modos trabalhava, as chamadas humanidades. Ou o que estava acontecendo
sempre particulares como as sociedades vivem e definem o sentido do com elas. Parecia que não tinham mais lugar. Hoje, mais do que nunca,
tempo histórico e os eventos. Em 2017, vivemos um tempo que se define na universidade neoliberal subordinada aos programas capitalistas. de
a si mesmo como neoliberal, pós-moderno etc. É tempo que abandonou íinancistas e banqueiros e de políticos brasileiros subordinados a eles como
os valores do que até ontem era chamado "moderno" - a crítica das cães de guarda e lacaios, os motivos para ensinar literatura como valor
contradições do presente, a negação da exploração capitalista, a afirmação cultural e estético também vêm sendo mais e mais solapados. Agora, é a
de utopias revolucionárias situadas no futuro. Agora, o futuro desapareceu mercadoria que toma a palavra como um exu que faz rodar seus cavalos,
ou aparece bloqueado. O tempo é vivido no presente como a simultaneidade cavalinhos e cavalões, jornalistas, publicitários, políticos e/ou homens de
da troca neoliberal que o determina como simples repetição das trocas ou vendas, que substituem o intelectual, o historiador da literatura, o teórico
presente contínuo que se repete como um presentismo. Nele todos somos da literatura, o crítico literário e o professor de literatura. Na universidade
desmemoriadoscomo crianças que ignoram o passado e não supõem o mais e mais subordinada à lógica dos bancos, pergunta-se agora "Pra que
futuro. É um presente banalíssimo, presente da mercadoria, que não passa. literatura?': Quando era professor, nunca me senti obrigado a responder ou
No caso, o conceito que temos de história associa-se ao conceito que temos justificar o seu valor, que não era e não é evidente para os asnos que fazem
de literatura e de arte, que hoje se tornam divertimento e assunto dos a pergunta. Eu só dizia, para quem a fazia, que a literatura também serve
media. Não foi assim entre a segunda metade do século XVlll até os anos pra desasnar. Hoje, como não quero dar nenhuma esperança aos asnos, não
1980. Tratei disso nas aulas. Nesse intervalo de 200 anos, o pensamento digo mais nada.
iluminista e o marxismo aârmaram o progresso da razão e a revolução, Lembro um caso insignificante,mas indicial do pouco ou nenhum
dando sentido polêmico à experiência do tempo e da cultura. E também valor que a literatura tem para muitos. No início dos anos 2000, em um curso
não foi assim antes do século XVIII. Em 1664,o padre Antânio Vieira noturno de graduação em Letras sobre o modernismo brasileiro, uma aluna
publicouuma História do Futuro. Esse título Êcou fantásticodesde a me perguntou: Por que a crítica? Achei a pergunta estúpida, pois a crítica
sempre foi o núcleo dos textos modernos que líamos e sempre me pareceu de acção, entre muitíssimos outros que existem, mas aos quais infelizmente 161

#
uma evidência. Mas era radical: a aluna não via nenhum sentido nos textos não tenho acesso por desconhecerhitita, sumério, páli, chinês, náuatle,
que tinha de ler. Declarou que estava totalmenteintegrada à família, ao servo-croata e finlandês etc., Eles são discursos que constituem aquela
trabalho, à sua comunidade religiosa e que fazia o curso de Letras porque WeZfZíferafur,de Goethe. Como se sabe, essa WeZflíferaful"existe, sendo
ka
era tradutora e intérprete, sem nenhum interesse pela ficção. Tinha um alto feita e consumida, como diz eficazmenteo crítico português Abel Barros D
salário numa empresa estrangeira de São Paulo na qual traduzia textos em Baptista, com a hospitalidade irrestrita e radical daquele lugar atópico ou ka:
F-
alemão e inglês. Acreditava que este é o melhor dos mundos possíveis. Nos não lugar logo ali ou aqui, na fronteira do Paraguai com a Finlândia, em que a:
textosde Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade que finalmente somos livres, sem Deus, sem Pai, sem Patrão, e apátridas, sem Z
criticam o tradicionalismo, não conseguia encontrar nenhuma coincidência país, sem nomes próprios, sem sexualidade definida, sem nacionalidade, sem
CD
Z
entre o que vivia e o que esperava do futuro. Pela perspectiva dos textos, ela língua nacional, sem raça, sem partido político, sem polícia, sem exército, D
0'
e a sua declaração seriam objeto da crítica. Mas, do seu ponto de vista, sem certidão de nascimento, sem RG, sem passaporte, sem dinheiro, sem a:
0
a.
Oswald de Andrade é que era estranho, certamente doente, tipo bipolar, a babaquice dos netos da Clotilde Delvaux, Ordem e Progresso,tatuada na
como se diz, que poderia ter sido salvo se tivesse encontrado um pastor pele miserável dos dias etc. Lá, naquele não lugar de hospitalidade radical
a quem pagasse dízimo. Ela só podia Ihe dar sentido classificando-o com em que sempre cabe mais um, lá nasce a flor ártica de Rimbaud, lá se acha o
noções negativas buscadas na ideologia industrial que ela naturalizava - pf7)c de Mallarmé, o mel do maravilhoso de Rosa e a rosa saxífraga de Frost.
desadaptação,disfunção, bipolaridade. Eu certamentepoderia ignorar a Lá floresce o que Malcolm Lowry e Scott Fitzgerald buscaram no álcool, e
pergunta, sabendo que era estúpida. Era estúpida e continua sendo estúpida. Lama Barreto e Artaud na loucura, e Machado na ironia e no fantástico.
Mas, desde então, várias vezes constatei que sua estupidez estava sendo mais É lá que Emily Dickinson, Katherine Mansíield, Virginia Woolf. Dorothy
e mais naturalizada e era mais e mais indicativa da positividade do modo Parker, Clarice Lispector e Hilda Hilst continuam escrevendo a angústia
como a experiência do tempo e da história é vivida por muitos outros alunos delas. Lá acontece sem parar o que Marianne Moore (1991, p. 32-33) diz
e também por professores de Letras, que faziam e fazem questão de ignorar em seu poema, Poefry: J, foo, dísZíkeif./ Readíng if, /zoweve7;wíf/z a pe7gecf
solenemente "a política'l preocupados em conseguir uma bolsa de estudo contemptjor it, one discoversin/ it, ater atl, a placejor the gettuine.
para se integrarem repetindo a ideologia norte-americana do politicamente Pensando na atopia desse "lugar para o genuíno': o que vinha a ser
correto. Assim, quero dizer que, enquanto ensinei literatura, uma questão isso, o "brasileira" de literatura, quando ensinava literatura? E para que isso?
fundamental que enfrentei foi a do modo como damos sentido à nossa E literatura se ensina? Não. Porque, evidentemente, a literatura que presta
experiência do tempo na cultura da sociedade neoliberal. Quero dizer, a não se subordina nem às fronteiras nacionais nem a partidos políticos nem
questão do modo como vivemos a presença do presente. muito menos à instituição escolar. A literatura que vale a pena é justamente
Por que ensinar literatura? Para ensinar indisciplina. A experiência a liberdade livre que nega toda forma de condução. Ela é, como diz Gide
dos possíveis que são encenados pela ficção antiga e a literatura moderna (1956) no prefácio de sua antologia da poesia francesa,' "aquela mágica que
sempre é a experiência de aârmação de uma liberdade que falta. A vida consiste em despertar sensações com o auxílio de uma combinação de sons,
brasileira é pobre, insuficiente e canalha, miserável mesmo, porque ainda [. . .] aque]e encanto pelo qual ideias são necessariamente comunicadas para
não somos livres. A literatura afirma outras coisas que sempre têm a ver nós, num modo deânitivo, por palavrasque no entantonão as expressam':
com essa liberdade que falta. Assim, o que sempre me interessou na minha Assim, já que se ensina, quando se ensina, o que é o fundamental da coisa?
prática de professor íoi a dissolução de fronteiras que evidenciava o artiâcial
delas, ou seja, que evidenciava a particularidade histórica e interessada das
identidades e unidades e a estupidez que é acreditar na universalidade l
VEIGA, Cláudio(Org.). Antologiadapoesia./}afzcesa
(do séculoIX ao séczzlo
XX). Rio de
delas. Sempre pensei a literatura brasileira como um conjunto de discursos Janeiro: Record, 1991.
Como brasileiro, fui menino, adolescente,depois homem numa infelizmente passivo. E nos políticos brasileiros, ralé, espantosamente 163

#
cidade industrial e fascista do interior de São Paulo. Desde pequeno soube bárbaros, bandos e bandos e bandos de ratazanas predadoras, inimigos da
que a realidade brasileira é o horror mais horrível, o horror naturalizado coisa pública. Como dizia uma amiga morta, Paris pode ser o imaginário,
como horror. Como professor brasileiro, ensinei literatura brasileira como mas São Paulo é o real. E o real é barra.
2
crítica do horror, como desnaturalizaçãoda naturalidadedo horror, como Obviamente, ensinei literatura na USP, que, como disse, nos últimos a:
D
estranhamentodo horror, como teorização do horror, como produção de 30 anos foi e vem sendo mais e mais atacada pela predação dos sucessivos b
a:
instrumentos de destruição do horror, sabendo que a literatura que presta é governos tucanos. Ensinei literatura tendo por pano de fundo o cenário [-

como a de Beckett, ou a de Machado, ou Graciliano, ou Drummond, autores K


da devastaçãocrescente,lembrandoaos estudantesque, como tudo na Z
que transformama letra das instituiçõesem lixo, Zeffer/Zitfer, levandoo ordem do tempo, as obras de literatura são totalmente contingentes. Já na cn
Z
leitor aos limites da signiâcação e do sentido das práticas simbólicas de particularidade brasileira da situação contraditória em que foram e são 3
seu tempo gravadas como natureza no seu corpo. Não havia nem há nada 0'
inventadas, também incluíam e incluem a ruína futura que iam ser ou U
0
de profundo, misterioso ou transcendente nessa experiência, mas tão só a vão ser ou já são nas parcialidades da sua forma e nas contradições da sua
a.
+

dramatização dos processos materiais da descolonização do corpo quando recepção. A liberdade que elas aârmam é intensa, mas extremamente frágil
a língua roça os possíveis da linguagem que põem em causa o normal e e precária. Um sopro de vida. Sempre gostei de repetir Sartre, que lembrou
o natural dos hábitos. Ensinei literatura sugerindo aos estudantes que que a primeira coisa a pegar fogo numa explosão atómica é o papel em
a equação da boa literatura é supressiva: dissolve a chamada "realidade': que se escreveo poema contra a guerra nuclear. E sempre há o trabalho
afirmando a liberdade de um possível paralelo a ela, possível que nega e contínuo do tempo. Os homens morrem e pouco sobra das obras literárias
elimina a linguagem dominante atingindo impossivelmente uma suposta também necessariamente votadas à destruição e ao desaparecimento. Como
substância do real. Suposta, ensinei sempre. Pois, enquanto reduz espaço- os anais de Assurbanipal que, assim como Drummond, nunca li, a não ser o
tempo e corpos de narradores e personagens a elementos compositivos de enunciado arrogante "Eu, rei dos reis, fi]ho de ]shtar [. . .]': Evidentemente,
uma visão/audiçãode leitor que produz vazios, o lugar da dramatização tudo do tempo de Assurbanipal está morto e é menos que um monte
dessa visão/audição é sempre lugar de linguagem, ou seja, não lugar, de pedras quebradas. Sobra pouco das obras. Ou porque o possível que
estado cambiante em que forças larvares se atualizam. Elas escalavram o aârmam se torna atual e deixam de ser necessárias, o que nunca ocorre ou é
imaginário do leitor com linhas de fuga de suas séries esburacadascomo raríssimo de ocorrer; ou, porque, como acontecena maior parte das vezes, a
voçoroca, anhanhonhacanhuva,barroca não barroca irreconhecívelde liberdade que aârmam não se realiza e, quando são destruídas pelo tempo,
um grande sertão onde não há onde. A experiência desse estado sempre o sopro de vida que anunciavam também é esquecido ou só lembrado, se é
começa pelo meio das linhas que constituem a posição do "aqui e agora" do que é, como ruína morta de uma história morta feita de esperanças mortas
corpo do leitor. Como é homem, vive culpas; por isso mesmo, sempre tem o e violências mortas de sociedades mortas e homens mortos que ninguém
que desaprender com a literatura, para livrar-se delas e aârmar a liberdade lembra porque também morreu quem podia lembrar. "Eu, rei dos reis,
da invenção de mundos e corpos possíveis em que nada se ensina ou se [. . .] ó vós, tremei]': Como diz um poema de Drummond, "Tadinho, tinha
aprende, na liberdade que nega a falta de liberdade da vida do dia a dia. gravata" (ANDRADE, 2002, p. 156).
A vida, que aqui em Piratininga ou outro qualquer lugar brasileiro é besta Não sei se em temposmedíocrescomo os de hoje, quandoa
pra danar, de uma mediocridade radical, de uma violência naturalizada direita brasileira arrota a estupidez da sua insigniâcância universalizada,
radical, que para mim sempre foi e é difícil de suportar. Basta pensar na os professores de Letras ainda se interessam por essas questões. Estou
burguesia brasileira que é uma classe genocída, predadora e rastaquera. aposentadofaz cinco anos e não tenho ideia. Não tenho ideia de quem
Basta pensar na classe média brasileira, que é uma classe fascista e são os professores de Letras. Tãvez pudessem, não sei, pensar sobre ficção
ignorante. Basta pensar no povão brasileiro que é desorganizado e crédulo,
tratando dos regimes de verdade que ela põe em cena, para demonstrar em curso. As decisõesque determinamo futuro dela reproduzemo 165

#
como os mundos verossímeis que ela inventa através dos tempos históricos presente neoliberal e são tomadas por grupos de interesse que é gente do
ou apenas reproduzem e reiteram as verdades dominantes, estando a serviço dinheiro ou a serviço dele, gentepor definição inimiga da cultura. Hoje
delas, ou as criticam, propondo outras coisas, coisas que negam e estranham a mercadoria toma a palawa. Quando a mercadoria fda, o que ela diz?
ka
a naturalidade e a normalidade do hábito. Talvez. Sempre ensinei literatura Dinheiro. Ela é radicalmentevulgar e devia calar a boca. Mas não cala, D
tratando dessascoisas e, para isso, propondo, com Vãléry, que é preciso mais ainda agora quando, nas decisões que interessam à maioria, a política ka:
1-
eleger, antes de ler. Os poucos bons escritores brasileiros que há são os que é substituída por questões técnicas e a cultura não é um fim democrático,
a:
negam a ordem existente. Os que não negam não têm interesse e, para mim, mas matéria e instrumento para coisas alheias a ela que são as coisas do Z
sempre foram dispensáveis. Como professor, tive que falar deles porque aUleio. A universidade tucana e temerista de hoje não mais tem lugar para CD
Z
a educação dos estudantes devia ser sistemática e o exigia. Os estudantes a inteligência. Já disse, a literatura não é documento, mas seus verossímeis D
0'
tinham que saber que houve, por exemplo, os parnasianos e Coelho Neto permitem discutir o que eram os regimes de verdade do seu tempo. Seus a:
0
e a Geração de 45 etc. Mas não perdia tempo com esses autores. A vida é o verossímeis citam, estilizam, parafraseiam, parodiam, criticam e condensam Q.

sonho de uma sombra, não chega a ser breve, o tempo que temos é pouco. discursos dos regimes de verdade das matérias sociais contraditórias e
A genteconta os que negam nos dedos lembro alguns, todos mortos. polêmicas com que foram inventados. Por isso mesmo, ensinei literatura
Provavelmente deixo alguém de fora. Mas está morto e tenho total certeza brasileira para propor aos estudantesmeios de se lembrarem da história
de que não se importará. Deixo que os vivos se lembrem a si mesmos. Falo do Brasil e se libertarem dela. É preciso conhecer essa história e depois
de mortos, todos mortos, que deixaram algumas coisas que vale a pena ler e esquecê-la, porque ela é uma história chinfrim.
reler: Vieira, Cláudio Manuel da Costa, Alvares de Azevedo, Sousândrade, Sobre isso, lembro-me de que, faz mais de 30 anos, quando começou
Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Raul Pompeia, Lima Barreto, Cruz e por aqui o papo de direita do íim da história e do pós-moderno, resolvi
Sousa, Pedro Kilkerry, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Guimarães trabalhar com as ruínas coloniais, as representaçõesluso-brasileirasdos
Rosa, Clarice Lispector, Cornélio Penna, Hilda Hilst, Drummond, Murilo séculosXVI, XVll e XVIII. Escolhi o passadoporquesempreíoi e é o
Mendes, João Cabral. Faltou algum morto? Certamente que sim. Mas presente o que me interessa. Eu não podia ser eterno e, como não queria
sempre falta e vai faltar, os mortos são legião. Todos os que citei negam ser pós-moderno, para continuar sendo moderno resolvi estudar coisas
o hábito, por isso estranham os regimes de verdade de seu tempo. Dei que estavam e provavelmente ainda estão mortas, arruinadas e esquecidas
aulas sobre todos eles, e a experiência sempre foi ótima para mim e, quero pelo idealismo alemão dominante, como a poesia atribuída a Gregório de
acreditar, também para os estudantes. Como naquele soneto de Rilke sobre Matos e Guerra e a oratóriade Antânio Vieira. Depois, também ensinei
o torso arcaico de Apoio, a ficção e a literatura que fazem nos diz que é essas coisas. A morte é muito pedagógica e absolutamente democrática.
urgente mudarmos de vida porque a nossa não presta e vamos morrer. Nada ensina, mas demonstra que o presente também vai passar e que enfim
Esta minha fda... Ela é só a de um professor de literatura que ficou vai haver justiça distributiva do mesmo nada para todos.
velho e anacrónico numa universidade pública mais e mais submetida à Devia ser evidente, e não é, as letras coloniais não eram literatura,
lógica capitalista de mercado. Eu falo a partir da posição política que dei pois não conheciam o Iluminismo, a autonomia da dicção,nem a estética,
à minha situação funcional regrada pela instituição. Como aposentado, já nem Kant, nem Hegel e a periodização evolutiva do tempo histórico como
estoufora do jogo. Velho, por pouco tempo ainda por aqui. Enquanto era o Clássico,o Maneirismo,o Barrocoetc., nem o autor definidocomo
professor, minha situação funcional sempre foi fragmentada e massificada; artista dotado de psicologia genial que faz com que tudo que cuspa seja
no limite, sempre foi mais uma oração isolada de uma massa indiferente mercadoria original competindo com outras originalidades no mercado
de frações isoladas. Não tive e não tenho nenhum poder efetivo sobre dos bens culturais, nem o público dotado de direitos democráticos
os processos neoliberais de transformação da Universidade que estão segundo a oposição burguesa de "público/privado" etc. Na sociedade
colonialdo Estado do Brasil e do Estadodo Maranhãoe Grão-Para,a privada e às crenças privadas sempre eram particularidades opostas à 167
esfera pública era vivida corporativamente como a totalidade da esfera do
bem comum subordinada à razão de Estado absolutaque determinavao
que os indivíduos e os grupos deviam ser e fazer. Assim, elessó vinham a
suposta universalidade da coisa pública. O estudo da literatura de autores
modernos como Machado, Lima Barreto, Oswald de Andrade, Mário de
Andrade, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Drummond, Guimarães
Z
a:
público reivindicando seus interessesquando assumiam as representações Rosa, Lispector, Hilda Hilst, Murilo Mendes, Cornélio Penna,João Cabral, 3
que deviam ter segundo a sua condição social na hierarquia, confirmando Nassar, Hatoum etc. se acompanhavada evidenciação dos processos de ãLÜ
sua subordinaçãono corpo místico do Estado monárquico como súditos dominação de classe que os textos deles pressupõem e, quase sempre, F-
a
dos poderes do rei e da Igreja. Para nós que um dia fomos iluministas e criticam. A universidadepública e leiga, republicanae até positivista Z
<(

marxistas, essa autonomia juridicamente definida como subordinação parecia uma boa coisa. O capitalismo se impõe a nós todos como natureza CD
Z
pode parecer paradoxal, e dei aulas sobre ela muitas e muitas vezes, na ou ordem natural; contra essa ideologia, acreditei que o trabalho intelectual 3
LU

0'
USP, na Unesp, na Unicamp, na PUC-SP, na UERJ, na UFOP, em Ohio, de ensinar literatura devia evidenciar, desmontar e destruir os processos a
0
em Stanford, na UCLA etc. Hoje, em tempos democráticos de golpistas históricos dessa naturalização. Enâm, a ficção antiga e a literatura moderna Q.
+

m
a serviço do grande capital ânanceiro, muitas estruturas coloniais assim e o ensino delas sempre foram a oportunidade de aârmar que a verdadeira
determinadas se mantêm no cotidiano na confusão contínua de público/ vida está ausente e partir para a longa viagem, aqui e agora.
privado, no clientelismo,no compadrio, no coronelismo, no autoritarismo,
no racismo, nas práticas de subserviência, na corrupção da classe política,
na justiça bastarda e vendida. Será por que tivemos poucos anos de vida
Referências
republicanaefetiva?Ensinar literaturapermitia discutir isso. Discutir, por ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia compZefa.Rio de Janeiro: Nova
exemplo,como a Primeira República oligárquica foi substituída pelo Estado Aguilar, 2002.
Novo e como o pequeno intervalo de 1945-1964considerado democrático COSTA LIMA, Luiz. Prefácioà segundaedição.In: COSTA LIMA, Luiz.(Seleção
foi substituído em 1964 pela ditadura que acabou formalmente em 1984, coordenação e tradução). .A Zlferafurae o leitor textos de estética da recepção.
com a chamada anistia. O que veio depois foi a continuidade modernizada 2 ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.p. 9-34.
da exploração de classe aperfeiçoada pela direita tucana de Fernando FABBRI, Paolo. "Babel Feliz - "Babelix, Babelux(-.) ex Babele Lux" In: Crises da
HenríqueCardoso (PSDB-SP), que liquidou grande parte do que era represelzfação.Rio de Janeiro: Departamento de Letras UERJ, 1994. (Cadernos
público, entregando-o aos oligopólios. O Partido dos Trabalhadores (PT) do Mestrado/Literatura, lO).
veio e foi um neotucanato. A universidade não âcou ilesa.
GIDE, André. .A/zfhoZogfe
de Zapoésíe.#alzçaíse.Pariz: Gallimard, 1956.
Como professor de literatura, sempre pressupus que a noção M00RE. Marianne. Poemas. Tradução de José Antonio Arante. São Paulo:
iluminista e marxista de "público" devia estar nabase da orientação do sentido Companhia das Letras, 1991.(Edição bilíngue).
que dava ao conhecimento que ensinava e pesquisava.A noção parecia
STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos íiccionais?. In: COSTA
consensual e, nos diversos campos de atividades das Letras, pressupunha LAMA, Luiz.(Seleção, coordenação e tradução). .A líferafzzra e o Zeífor: textos de
os modos críticos de apropriação e transformação da cultura literária - estética da recepção. 2. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
definidos ou como os que são propostos na crítica anárquica de Foucault, P. 119-171.
ou como os das diversas posições da crítica marxista e, ainda, os dos modos
herdados pelos modernistas de 1922dos românticos do século XIX, como
o conceito de BÍJdz4ng-formação do cidadão burguês pela literatura. Ou de
maneira anárquica,ou de modo marxista,ou de modo formativo,ou de
modo liberal, pressupunha-se que os interesses relacionados à propriedade

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