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José Machado¹
Com efeito, decorridos os últimos dez anos, na verdade um período muito curto, quase uma
quimera, inúmeras decisões e ações se sucederam e se multiplicaram, viabilizando a criação e
funcionamento de instituições que conformam a arquitetura federativa e descentralizada do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), cujo papel é o de exatamente
coordenar, de modo integrado e compartilhado, a implementação da Política de Recursos Hídricos
no país.
Sem embargo, apesar dos inegáveis avanços, ainda estamos longe de uma condição adequada
em termos de gestão dos recursos hídricos no Brasil. Parcela significativa dos comitês de bacia
ainda funciona precariamente, mantendo-se de pé, via-de-regra, graças a algum apoio
governamental e, sobretudo, à consciência cidadã de abnegados. Apesar da reconhecida
competência técnica e institucional, a Agência Nacional de Águas, entidade federal de
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), ainda necessita de melhores condições para
bem cumprir a sua relevante missão no timing adequado às necessidades do país, limitada que está
pelos estreitos limites orçamentários e pelo seu insuficiente quadro técnico. Na maioria dos estados
1. Diretor Presidente da Agência Nacional de Águas – ANA - Setor Policial - Área 5 - Quadra 3 - Bloco “M” – Brasília-DF, CEP 70610-
200 – telefone (61) 2109-5441 – imprensa@ana.gov.br
da federação, por outro lado, essas condições são ainda mais desfavoráveis e, apesar de todos eles
terem concretizado a aprovação de suas leis de recursos hídricos, o que revela, sem dúvida, um
esforço louvável, muitas dessas leis ainda estão numa fase incipiente de implementação e faltam
recursos até para a estruturação mínima dos órgãos gestores de recursos hídricos.
Essa situação nos estados é explicável e, até certo ponto, compreensível, dadas as condições
econômicas adversas e de desequilíbrio fiscal em que muitos deles se encontram e o fato de estarem
confrontados com outras urgências sociais no seu quotidiano. Porém, é certo que vacilações e
retrocessos na implementação da política de recursos hídricos decorrem também, não raro, da falta
de vontade política dos governantes, a qual parece ser explicada, na maioria dos casos, pela falta de
percepção sobre a relevância estratégica de uma política de recursos hídricos.
A matriz produtiva brasileira se apóia largamente no uso intensivo dos recursos hídricos e essa
condição está na base do nosso processo de desenvolvimento, agora e no futuro, tornando-se
necessário, pois, que a gestão integrada desses recursos esteja inserida entre as prioridades
nacionais. Porém, como temos sido governados pelas urgências, essa questão acaba ficando
relativamente secundarizada na agenda, pelo menos em algumas esferas governamentais, e só não
está na berlinda em razão do espírito público, da garra e da militância de milhares de pessoas, entre
técnicos, ambientalistas e gestores dessa área, seja na esfera pública seja na esfera privada, na
esteira das preocupações ambientais planetárias dos dias de hoje.
Uma diretriz importante que emana da Lei 9433 e que foi incorporada como diretriz do Plano
Nacional de Recursos Hídricos refere-se à imprescindível integração do planejamento da área de
recursos hídricos com o planejamento das outras áreas afins de governo e dos setores usuários de
água. Mas não é fácil viabilizá-la, na ausência de uma compreensão mais ampla, no nível
governamental, do significado estratégico da política de recursos hídricos, e também na ausência de
uma instância governamental que centralize e coordene a integração das políticas setoriais. Como
conseqüência dessa lacuna, as iniciativas integradoras têm sido, infelizmente, pontuais e não
sistemáticas.
Não obstante esses comentários, esforços têm sido empreendidos, seja pela ANA seja por
outros órgãos gestores de recursos hídricos, para construir a política integrada de recursos hídricos.
Apesar dos pesares, tem avançado a integração da política federal com as políticas dos estados da
federação, sobretudo na esteira do PROÁGUA, desde quando este programa era voltado somente
para a região semi-árida. Setorialmente, já há uma tradição de integração do planejamento de
recursos hídricos com o do setor elétrico, mas que pode avançar muito mais. A integração com o
setor aquaviário é incipiente, mas muito promissora, face aos entendimentos recentes entre a ANA e
a ANTAQ. Estamos trabalhando para equacionar, na perspectiva do uso múltiplo das águas, e do
desenvolvimento do país, o impasse atualmente existente, envolvendo esses dois setores, relativo à
responsabilidade da construção de eclusas nos barramentos. Outra perspectiva de maior integração
que temos para construir é relativamente ao setor agrícola, sobretudo pelo significado que tem este
setor do ponto de vista da sua demanda pelo uso da água. Nesse sentido, a ANA celebrou
recentemente acordo de cooperação técnica com o Ministério da Agricultura e do Abastecimento e
com o Instituto Riograndense do Arroz e iniciou tratativas, para a mesma finalidade, com a
Embrapa, o mesmo devendo ocorrer com a Codevasf.
XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3
Uma iniciativa emblemática nessa direção integradora foi a celebração muito recente de um
acordo de cooperação técnica e institucional, envolvendo a ANA, a ÚNICA e a FIESP, através do
qual se espera avançar na adoção de boas práticas em recursos hídricos no setor canavieiro,
sabidamente um setor intensivo no uso da água, e na prospecção de áreas mais propícias, do ponto
de vista da disponibilidade de água, para a sua expansão, que ora se verifica em razão da política
governamental para os biocombustíveis. Outra iniciativa da ANA neste tema foi a recente oficina
realizada para discutir com os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins, São
Paulo, Minas Gerais, Paraná e Bahia o crescimento do setor sucroalcooleiro e definir ações
integradas de gestão e regulação.
Incomoda especialmente à ANA, por outro lado, a constatação de que, apesar de alguns
avanços, ainda é débil a articulação da área de recursos hídricos com a área de saneamento.
Sabemos sobejamente que a despoluição de bacias hidrográficas, por exemplo, depende
fundamentalmente dos investimentos que vierem a ser feitos em sistemas de tratamento de efluentes
pelas companhias estaduais ou autarquias municipais de saneamento básico e seria muito útil que
houvesse entre as duas áreas uma melhor afinação a respeito das estratégias mais apropriadas para
vencer esse desafio. Nas bacias hidrográficas onde já há cobrança pelo uso da água – como é o caso,
por exemplo, das bacias Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e Paraíba do Sul – e/ou existem
dotações de fundos estaduais de recursos hídricos – como é o caso dos comitês paulistas – já está
consolidada a compreensão de que essa vertente de financiamento jamais será capaz de equacionar
sozinha a despoluição dessas bacias. Ademais, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos constitui-
se num instrumento aplicável a poucas bacias hidrográficas em nosso país e, mesmo assim,
estimamos que na maioria dessas bacias a receita da cobrança será insuficiente para cobrir os gastos
com a gestão.
Sem embargo, há uma expectativa muito favorável de que esse distanciamento entre recursos
hídricos e saneamento básico seja diminuído e possamos avançar mais, sobretudo após o advento da
Lei 11.445 de janeiro de 2007, que introduziu o novo marco regulatório para o setor de saneamento
básico.
Tendo em vista todas essas perspectivas de ação, não restam dúvidas quanto à
contemporaneidade e muito menos quanto à viabilidade da Lei 9433, em que pese a constatação
corrente de que alguns dos seus dispositivos não são aplicáveis, homogeneamente, em todo o país.
Está claro, por exemplo, que muito dificilmente se viabilizará a instituição de comitês ou a
aplicação de instrumentos de gestão como a cobrança pelo uso da água em bacias hidrográficas de
poucos conflitos e/ou de baixa densidade econômica. Por outro lado, há sugestões para que essa lei
seja aperfeiçoada aqui e ali, como, por exemplo, a ampliação dos instrumentos econômicos em
apoio à gestão, sugestão, aliás, muito pertinente. No geral, porém, ela vem dando conta do recado e
seguramente terá vida longa, descortinando-se um cenário 9433 + 20 muito promissor para o
planejamento e a gestão dos recursos hídricos em nosso país.
Como consideração final, é da maior relevância que as metas de longo prazo propostas pelo
Plano Nacional de Recursos Hídricos sejam pactuadas no âmbito federativo, preferencialmente por
meio de lei - uma espécie de Lei de Responsabilidade em Recursos Hídricos, porque preveria
penalidades no seu incumprimento - a ser votada no Congresso Nacional, a exemplo do que fez o
Parlamento Europeu ao aprovar a Diretiva Quadro da Água para a União Européia.