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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

CIRCUITOS CURTOS COMO ESTRATÉGIA DE MANUTENÇÃO DA


AGRICULTURA CAMPONESA: O CASO DA FEIRA AGROECOLÓGICA DE
MOSSORÓ-RN

ZILDENICE MATIAS GUEDES MAIA


Natal-RN/2018

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ZILDENICE MATIAS GUEDES MAIA

CIRCUITOS CURTOS COMO ESTRATÉGIA DE MANUTENÇÃO DA


AGRICULTURA CAMPONESA: O CASO DA FEIRA AGROECOLÓGICA DE
MOSSORÓ-RN

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito para
obter o título de Doutora em Ciências
Sociais.
Orientadora: Ph.D. Cimone Rozendo

Natal-RN/2018

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ZILDENICE MATIAS GUEDES MAIA

CIRCUITOS CURTOS COMO ESTRATÉGIA DE MANUTENÇÃO DA


AGRICULTURA CAMPONESA: O CASO DA FEIRA AGROECOLÓGICA DE
MOSSORÓ-RN

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito para
obter o título de Doutora em Ciências
Sociais.
Orientadora: Ph.D. Cimone Rozendo

NATAL-RN, ______________ de__________________ de 2018.


Profa Dra. CIMONE ROZENDO -PPGCS/UFRN – Orientadora
____________________________________________
Dr. FERNANDO BASTOS
Professor Associado/UFRN
___________________________________________
Dr. JULIAN PEREZ-CASSARINO
Professor Adjunto/UFFS
__________________________________________________
Dr. JOAQUIM PINHEIRO DE ARAÚJO
Professor Adjunto/UFERSA
_____________________________________________________
Dra MICHELLE JACOB
DNUT/UFRN

______________________________________________________

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DEDICATÓRIA
Aos agricultores e agricultoras da
APROFAM que com suas vidas tem
escrito outras histórias para a agricultura
familiar camponesa na
contemporaneidade.

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AGRADECIMENTOS
Essa é a última página que escrevo, e por isso, a mais difícil. Chegar nesse
momento final me faz lembrar o início de uma longa jornada, e olhando para trás, me
faz perceber que começou há muito tempo e muitas pessoas participaram dela. Então,
pretendo não ser injusta com todos os que de alguma forma, escreveram essas páginas e
história comigo.
Agradeço aos produtores e produtoras da APROFAM que me acolheram em
suas casas, compartilhando suas trajetórias, histórias e retalhos de vida, e sobretudo, o
alimento. Sempre voltei para casa trazendo uma comida rica em muitos aspectos e
significados. Muito obrigada por dividirem as riquezas de vocês comigo. Essa
experiência está eternizada em minhas melhores recordações.
Agradeço a Cimone Rozendo por ser minha orientadora. Obrigada pelo apoio,
carinho, dedicação e imensa competência com que me orientou. Sou eternamente grata
por ser sua orientada.
Agradeço aos professores da banca que gentilmente aceitaram em contribuir
com a pesquisa. Sou grata pelo tempo gasto para avaliar esse trabalho.
Agradeço a minha família, em especial ao meu marido Kellyzandro e minha
filha Maria Thereza por terem me acompanhado durante todo esse tempo, sobretudo,
nas imersões em campo. Dividimos bons momentos junto aos produtores e produtoras,
momentos que ficarão para sempre em nossas histórias. Agradeço também a
compreensão nos momentos em que estive ausente.
Agradeço a minha mãe que mesmo sem saber, instigou em mim o prazer pela
leitura. Olho para trás e sou grata por todos os momentos que me presenteou com livros,
eles se tornaram parte fundamental da minha vida.
Agradeço a família do meu marido, em especial Dona Graça e Mara Sâmea, o
apoio de vocês foi imprescindível nessa trajetória.
Agradeço aos amigos e amigas que mesmo não entendendo essa minha vida de
dedicação à pesquisa, e mesmo eu não podendo estar presente em tudo, nunca estão
ausentes em minha vida. Com todo carinho, obrigada, Elson Gomes, Márcia Andrade, e
Emanuella Delfino, Allan Vasconcelos e Jacqueline Vasconcelos. Vocês também
fazem parte dessa história.
Agradeço aos amigos e amigas do LAbRural com quem também pude contar
nesse tempo de pesquisa. Obrigada em especial a Christiane Fernandes que me ajudou

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na madrugada de um sábado (preciso ser específica nesse momento) com a coleta de
dados junto aos consumidores, obrigada por fazer parte dessa história.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN e toda
a equipe de coordenação. Muito obrigada pelo apoio e carinho.
Agradeço a revisora deste trabalho, Elaine Aires, seu olhar criterioso e atento foi
muito importante nessa última etapa. Muito obrigada.
Agradeço ainda, aos que não estão mais aqui de uma forma física. Durante esse
tempo de doutorado houve muitas partidas e rupturas em minha vida. Nesse momento,
agradeço também aos que se foram, mesmo que de diferentes formas. O amor que um
dia nos uniu, torna qualquer distância insignificante.

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CIRCUITOS CURTOS COMO ESTRATÉGIA DE MANUTENÇÃO DA
AGRICULTURA CAMPONESA: O CASO DA FEIRA AGROECOLÓGICA DE
MOSSORÓ-RN

RESUMO

As feiras agroecológicas são espaços de fortalecimento da agricultura familiar e de


(re)valorização do alimento por parte de uma diversidade de atores, sendo, agricultores,
agricultoras e consumidores. Nesse sentido, diferentes grupos sociais promovem
mudanças nos sistemas de produção e consumo alimentar que por sua vez, possibilitam
a reconfiguração dos espaços rurais, e promovem no espaço urbano uma diversidade de
acesso ao alimento orgânico. A pesquisa baseou-se na hipótese de que as feiras
agroecológicas além de um papel importante na garantia de segurança alimentar de
produtores e consumidores, e da valorização de saberes tradicionais e culturais, tem
propiciado uma reconfiguração dos espaços onde se dão tais práticas. Desse modo, o
objetivo da pesquisa foi compreender em que medida as feiras agroecológicas enquanto
circuitos curtos de comercialização se forjam como estratégias para a construção e
manutenção de um modelo de agricultura sustentável capaz de contribuir com a
segurança alimentar de agricultores, agricultoras e consumidores e, ao mesmo tempo,
colocarem em curso novas formas de produção e consumo alimentar. A pesquisa trata-
se de uma abordagem qualitativa e o estudo teve como referência empírica a experiência
da Associação de Produtores e Produtoras Agroecológicos de Mossoró-RN, composta
de agricultores e agricultoras de treze Assentamentos e Comunidades Rurais no Estado
do Rio Grande do Norte. Os dados foram coletados através de entrevistas nos espaços
de produção junto aos agricultores e agricultoras, e com os consumidores da
APROFAM. A atuação desse grupo social tem promovido mudanças significativas nos
sistemas de produção e consumo alimentar, e nesse sentido, a agroecologia constitui-se
como um amplo conjunto de iniciativas que fortalecem e promovem a ressignificação da
agricultura familiar para esses atores. Para os agricultores e agricultoras adotar a
produção agroecológica foi representativo para o quadro de segurança alimentar e
nutricional das suas famílias, pois, contam com variedade e qualidade em suas mesas;
além do aspecto da soberania alimentar, pois, para muitos, a maioria dos alimentos que
comem, advém dos seus quintais. Para os consumidores, o consumo desse alimento
também tem significado. Para esses, a feira agroecológica tem possibilitado acesso a um
alimento que dentre outras características, apresenta maior durabilidade, sabor e cheiro
que difere dos alimentos encontrados nos mercados convencionais. Além de ao
consumirem esse alimento, considerarem que estão valorizando a cultura alimentar
regional, além de promover a valorização da agricultura familiar. E assim, fortalecem a
reciprocidade e autonomia nesse mercado agroalimentar alternativo, consolidando a sua
permanência. No entanto, para alguns consumidores, essa relação sob alguns aspectos,
ainda se constitui como frágil, podendo estar ausente para alguns, a condição de um
consumo politizado, ou mesmo reflexivo.

Palavras-Chave: Feiras Agroecológicas. Mercados Agroalimentares Alternativos.


Agricultura Sustentável.

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SHORT CIRCUITS AS A CAMPONESE AGRICULTURE MAINTAINING
STRATEGY: THE CASE OF THE MOSSORÓ-RN AGROECOLOGICAL FAIR

ABSTRACT

Agroecological fairs are spaces for strengthening family farming and for (re)
appreciation of food by a diversity of actors, including farmers, farmers and consumers.
In this sense, different social groups promote changes in the production and food
consumption systems that, in turn, make possible the reconfiguration of rural spaces,
and promote in the urban space a diversity of access to organic food. The research was
based on the hypothesis that agroecological fairs, besides an important role in
guaranteeing the food security of producers and consumers, and the valorisation of
traditional and cultural knowledge, has led to a reconfiguration of the spaces where
these practices are given. The objective of the research was to understand the extent to
which agroecological fairs as short marketing channels are forged as strategies for the
construction and maintenance of a sustainable agriculture model capable of contributing
to the food security of farmers, consumers and at the same time put new forms of food
production and consumption into action.The research was a qualitative approach and the
study had as an empirical reference the experience of the Association of Agroecological
Producers and Producers of Mossoró-RN, composed of farmers from thirteen
settlements and rural communities in the State of Rio Grande do Norte. The data were
collected through interviews in the production spaces with the farmers, and with the
consumers of APROFAM. The performance of this social group has promoted
significant changes in food production and consumption systems, and in this sense,
agroecology constitutes a broad set of initiatives that strengthen and promote the re-
signification of family agriculture for these actors. For farmers to adopt agroecological
production was representative for the food and nutrition security of their families,
because they have variety and quality in their tables; besides the aspect of food
sovereignty, since for many, most of the food they eat comes from their backyards. For
consumers, the consumption of this food also has significance. For these, the
agroecological fair has enabled access to a food that among other characteristics,
presents greater durability, flavor and smell that differs from foods found in
conventional markets. In addition to consuming this food, consider that they are valuing
the regional food culture, in addition to promoting the valuation of family farming. And
thus, they strengthen reciprocity and autonomy in this alternative agri-food market,
consolidating its permanence. However, for some consumers, this relationship in some
respects still constitutes fragile, and may be absent for some, the condition of politicized
or even reflexive consumption.

Keywords: Agroecological Fairs. Alternative Agrifood Markets. Sustainable


agriculture.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 TIPOS DE ECOLOGIAS 30
FIGURA 1 MAPA DE LOCALIZAÇÃO DOS 33
ASSENTAMENTOS E COMUNIDADE
INTEGRANTES DA APROFAM
QUADRO 2 TIPOS DE MERCADOS 51
QUADRO 3 AÇÕES EMPREENDIDAS NA DÉCADA DE 1960 83
PARA O COMBATE A FOME
FIGURA 2 MAPA DE COMERCIALIZAÇÃO DA APROFAM 108
FIGURAS 3 e 4 AGRICULTOR NO SISTEMA MANDALA E 118
CRIAÇÃO APÍCOLA - ASSENTAMENTO
JUREMA.
FIGURAS 5 E 6 AGRICULTOR NA PRODUÇÃO 119
AGROECOLÓGICA GALINHEIRO NO PAIS -
ASSENTAMENTO JUREMA.
FIGURAS 7 e 8 A AGRICULTORA COMERCIALIZANDO NA 121
FAM E COMEMORAÇÃO DO ANIVERSÁRIO DA
APROFAM.
FIGURAS 9 e 10 A CASA DA FAMÍLIA E O AGRICULTOR NO 131
LOTE NO ASSENTAMENTO PAULO FREIRE.
FIGURAS 11 E 12 PAIS E PRODUÇÃO APÍCOLA NO 132
ASSENTAMENTO PAULO FREIRE
FIGURAS 14 E 15 O AGRICULTOR E SUA FAMÍLIA EM FRENTE A 132
CASA E NA PRODUÇÃO APÍCOLA NO
ASSENTAMENTO PAULO FREIRE.
FIGURAS 16 e 17 PROPRIEDADE PRODUTIVA DO AGRICULTOR 134
NA COMUNIDADE SERRA MOSSORÓ
FIGURAS 18 e 19 O AGRICULTOR E MOMENTOS DE 136
COMERCIALIZAÇÃO NA FAM.
FIGURAS 20 E 21 A AGRICULTORA EM SEU QUINTAL 144
PRODUTIVO
FIGURAS 22 E 23 O AGRICULTOR EM SEU QUINTAL 159
PRODUTIVO

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FIGURAS 24 E 25 OS AGRICULTORES CUIDAM DA PRODUÇÃO 159
DE HORTALIÇAS
FIGURAS 26 E 27 A AGRICULTORA CONDUZINDO AS 167
PESQUISADORAS AO LOCAL DE PRODUÇÃO
FIGURAS 28 E 29 PRODUÇÃO DE FRUTAS E HORTALIÇAS 168
QUADRO 4 SÍNTESE DE DADOS DA FAMÍLIA DE 169
LEANDRO JOSÉ E PAULA PATRÍCIA
QUADRO 5 SÍNTESE DE DADOS DE IZAURA CLEMENTINO 170
QUADRO 6 SÍNTESE DE DADOS DE LÚCIA MARIA E 170
ANTÔNIO SEBASTIÃO
QUADRO 7 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE 171
VIVIANE E JOSÉ ANTÔNIO
QUADRO 8: REGINA E ANTÔNIO JOSÉ 171
QUADRO 9 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE PAULO 172
E EDILEUZA
QUADRO 10 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE 172
SEBASTIÃO FLORÊNCIO E ESTER
QUADRO 11 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE ÁUREA 173
E BENEDITO
QUADRO 12 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE 173
BENEDITA E AFONSO
QUADRO 13 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE 174
VITÓRIA E JOSÉ SEBASTIÃO
QUADRO 14 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE 174
MÁRCIA E ANTÔNIO NETO
QUADRO 15 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE ANA E 175
NAZARENO
QUADRO 16 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE 175
SEBASTIANA E GRACIANO
QUADRO 17 SÍNTESE DOS DADOS DA FAMÍLIA DE 176
SILVANA E LUÍZ AFONSO
FIGURA 30 GRÁFICO DO NÍVEL DE ESCOLARIDADE DOS 184
CONSUMIDORES DA APROFAM

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FIGURA 31 GRÁFICO DA PROFISSÃO/OCUPAÇÃO DOS 185
CONSUMIDORES
FIGURA 32 GRÁFICO DE INTERESSE EM PARTICIPAR DAS 186
REDES SOCIAIS DA FEIRA
FIGURA 33 GRÁFICO DE ADESÃO A REDE SOCIAL 186
FIGURA 34 GRÁFICO DE TEMPO DE FREQUÊNCIA A 187
FEIRA
FIGURA 35 GRÁFICO DO HORÁRIO DE FREQUÊNCIA A 188
FEIRA
FIGURA 36 GRÁFICO DE GASTO MÉDIO NA FEIRA 188
FIGURA 37 FREQUÊNCIA A FAM 189
FIGURAS 38 e 39 BARRACA COM PRODUTOS 191
AGROECOLÓGICOS E CESTA
AGROECOLÓGICA SORTEADA PARA OS
CONSUMIDORES.
FIGURAS 40 e 41 MOMENTOS INICIAIS DA FAM E 192
SOCIALIZAÇÃO DO FILME O VENENO ESTÁ
NA MESA ENTRE AGRICULTORES/
AGRICULTORAS E CONSUMIDORES.
FIGURAS 42 E 43 ENCONTRO COM OS CONSUMIDORES DA 205
APROFAM
FIGURAS 44 E 45 MOMENTO DE CAFÉ DA MANHÃ E 206
COMERCIALIZAÇÃO NA FEIRA E
AGRICULTORA NA FEIRA.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APROFAM ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES E PRODUTORAS RURAIS DA


FEIRA AGROECOLÓGICA DE MOSSORÓ
CAERN COMPANHIA DE ÁGUAS E ESGOTOS DO RIO GRANDE DO
NORTE
COAFAM COOPERATIVA DE PRODUTORES E PRODUTORAS DA
AGRICULTURA FAMILIAR
CONSEA CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR
EMATER INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL
FAO ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO
E AGRICULTURA
IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
PAA PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS
PAIS PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA INTEGRADA E SUSTENTÁVEL
PMM PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ
PNAE PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
PRONAF PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO A
AGRICULTURA FAMILIAR
SAN SEGURANÇA ALIMENTAR NUTRICIONAL
SEBRAE SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS
EMPRESAS
UERN UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
UFERSA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 16
1.1 Delineamento da Pesquisa 28
1.2 Coleta de Dados 34
1.2.1 Coleta de dados nos espaços de produção 32
1.2.2 Coleta de dados com os consumidores 34
CAPÍTULO I: CIRCUITOS CURTOS DE COMERCIALIZAÇÃO E 37
MERCADOS ALTERNATIVOS
1.1 Feiras agroecológicas – Circuitos curtos de comercialização: espaços de 37
consumo e da reinvenção de mercados alternativos
1.2 Circuitos curtos no âmbito dos mercados aninhados 48
1.3 A reciprocidade nos mercados alternativos 56
CAPÍTULO II: RACIONALIDADE AMBIENTAL E AGROECOLOGIA 61
2.1 A racionalidade ambiental e a agroecologia como resposta a ecologia dos 61
saberes
2.2 A transição agroecológica: fortalecimento para os mercados alternativos 68
2.3 A agroecologia e a relação com o sistema camponês 72
2.4 A autonomia na produção agroecológica 77
CAPÍTULO III: SEGURANÇA ALIMENTAR, CONTEXTO 83
SOCIOALIMENTAR E CONSUMO POLITIZADO
3.1 A Segurança alimentar nutricional 83
3.2 O alimento: a compreensão do contexto socioalimentar 90
3.3 O consumo reflexivo nas redes agroalimentares alternativas 96
CAPÍTULO IV: AGRICULTORES, AGRICULTORAS E OS ESPAÇOS 108
DE PRODUÇÃO
4.1 Histórico e os espaços produtivos da APROFAM 108
4.2 Os Espaços de Produção Agroecológica 116
4.2.1 Assentamento Jurema: Leandro José e Paula Patrícia 116
4.2.2. Assentamento Favela: Izaura Clementino 120
4.2.2.1 Assentamento Favela: Lúcia Maria e Antônio Sebastião 123
4.2.2.2 Assentamento Favela: Viviane e José Antônio 126

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4.2.2.3 Agricultora: Regina e Antônio José 128
4.2.3 Assentamento Paulo Freire: Paulo e Edileuza 130
4.2.4 Comunidade Rural Serra Mossoró: Sebastião Florêncio e Ester 135
4.2.5 Assentamento Maisa: Agrovila Paulo Freire 141
4.2.5.1 Família de Áurea e Benedito 141
4.2.5.2 Família de Benedita e Afonso 146
4.2.5.3 Família de Vitória e José Sebastião 150
4.2.6 Assentamento Boa Fé: Márcia e Antônio Neto 151
4.2.7 Assentamento Santa Elza: Bernadete e Cláudio de Jesus 155
4.2.8 Serra do Mel – Vila Guanabara: Sebastiana e Graciano 161
4.2.9 Comunidade Riacho Grande: Silvana e Luiz Afonso 165
4.2.10 Dados das Unidades Produtivas 170
4.3 Discorrendo sobre as unidades produtivas 179
CAPÍTULO V: OS CONSUMIDORES E CONSUMIDORAS DA 184
APROFAM E OS ESPAÇOS DE COMERCIALIZAÇÃO
5.1 Os consumidores da APROFAM 186
5.2 A Feira Agroecológica do ponto de vista dos consumidores 194
CONSIDERAÇÕES FINAIS 209
REFERÊNCIAS 213
APÊNDICES 224
APÊNDICE I 225
APÊNDICE II 227

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INTRODUÇÃO

No Brasil, há uma diversidade da agricultura familiar e as Feiras Agroecológicas


vêm se constituindo como relevantes para esse segmento, pois, em se tratando de
mudanças na forma de produzir alimentos, em todo o mundo, percebe-se a relação das
crises alimentar, econômica e ambiental que tem preocupado as populações humanas,
sobretudo, sobre as condições de garantia de segurança alimentar e nutricional, que diz
respeito à disponibilidade de alimentos em quantidade e qualidade ideais, assim como
às formas de produção e consumo alimentar.
Diante desse contexto, surgem diferentes grupos sociais que promovem
mudanças significativas nos sistemas de produção e consumo alimentar, e a
agroecologia constitui-se como um amplo conjunto de iniciativas que fortalecem e
promovem a ressignificação da agricultura familiar na contemporaneidade
(NIERDELE; ALMEIDA; VEZZANI, 2013). E são essas estratégias de atores sociais
que despertam a atenção para analisar a agricultura contemporânea composta por
distintos grupos.
No que diz respeito a agricultura familiar no Brasil, há aproximadamente quatro
décadas esse conceito se quer era utilizado, nem tão pouco compreendido. Havia ao
contrário termos reducionistas que denotavam mais preconceito, e se referiam aos
agricultores e agricultoras tratando-os sob uma ótica de “pequena produção”,
“agricultura de subsistência”, delimitando assim, a dimensão e proporção dessa prática
produtiva, bem como das unidades de produção (TORRES; MENEZES, 2016).
Importantes mudanças tornam-se evidentes na década de 1990, e alguns estudos
se detiveram a quantificar o trabalho da agricultura familiar demonstrando, sobretudo o
seu caráter heterogêneo. É válido ressaltar ainda que, esse reconhecimento advém nas
duas últimas décadas, do reconhecimento da importância da agricultura familiar por
parte de diversas instituições e atores sociais, que colocam em evidência a importância
desse segmento para o mundo, inclusive da FAO (Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura), que em parceria com diversas outras instituições,
declararam o ano de 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF
2014), com o tema: “Alimentar o mundo, cuidar do planeta (TORRES; MENEZES,
2016).

16
Os dados do Censo Agropecuário de 2006 trouxeram informações que
reforçaram a importância e potencial das unidades de produção agrícola familiar no
Brasil, demonstrando que no país há um total de 5,2 milhões de estabelecimentos
agrícolas, sendo que 4,3 milhões (84%) correspondem à agricultura familiar (IBGE,
2009). Nesse sentido, afirma Torres e Menezes (2016, p. 12):

Constitui, portanto, um universo que precisa ser mais bem estudado,


compreendido e fortalecido, por ser extremamente variável em seus
aspectos agroecológicos, características territoriais, acesso a
mercados, acesso ao crédito, à tecnologia e à assistência técnica, e em
suas condições econômicas e socioambientais

Guanziroli, Buainain e Di Sabbato (2012), apresentam um comparativo dos


Censos Agropecuários de 1996 e 2006 respectivamente, e constatam que o número de
agricultores nesse decênio cresceu, passando de 4.139.000 para 4.551.855,
representando 87,95% do total de estabelecimentos agropecuários no Brasil. No que diz
respeito ao valor bruto da produção dos agricultores familiares em 2006 foi de 5,2
bilhões, correspondendo a 36,11% da produção agropecuária total. Pertinente ao
emprego, em 2006 a agricultura familiar absorvia 14,04 milhões de pessoas,
representando 78,75% do total de mão de obra no campo.
Esses dados reforçam a importância da agricultura familiar no país, dada sua
relevância social, econômica e ambiental, sendo importante ressaltar nesse contexto,
que os dados tratam do cenário nacional, ponderando sua heterogeneidade, o que
implica dizer que existem agricultores que se incorporam mais a uma agricultura
moderna, enquanto que outros participam de outras modalidades de cadeias de produtos
alimentares, além dos que optam por desenvolver uma produção de subsistência que no
entendimento de Guanziroli, Buainain e Di Sabbato (2012, p. 7), “são mais parecidos
com os camponeses do que com os agricultores familiares empresariais”.
As Feiras Agroecológicas estão presentes em várias partes do Brasil, e
configuram-se como elo entre produção, consumo das famílias agricultoras e
comercialização. Os estudos apontam ainda que essas experiências têm fortalecido a
agricultura familiar de base ecológica, conferindo aos agricultores e agricultoras maior
autonomia à sua condição de camponês (SCHMITT, 2013; SCHOTTZ, 2014).
Abordar sobre a importância das feiras agroecológicas na constituição da
autonomia, em especial na garantia da segurança alimentar, constitui-se um dos temas
que embora bastante discutidos, precisam ser aprofundados, perpassando, sobretudo,

17
por conceitos como sustentabilidade ambiental e social, no sentido de refletir como as
práticas produtivas dos atores tem se configurado como mantenedoras da biodiversidade
local, assim como das práticas que possibilitam sua reprodução social. A lógica que
norteia o modo de produzir agroecológico dista do modelo de produção agrícola
convencional, e dispõe de força motriz para orientar os agricultores e agricultoras a uma
produção que os diferencia do modelo global dos impérios alimentares (PLOEG, 2008).
Assim, o que se procura desenvolver são iniciativas que estruturem processos
diferenciados de desenvolvimento rural, baseados na construção de sistemas
agroalimentares alternativos em escala local, que visem e realizem articulações
regionais, nacionais e internacionais, tendo como um dos pilares de sustentação a
construção de circuitos de proximidade de comercialização e a valorização dos
mercados locais (PEREZ-CASSARINO, 2013).
Essas experiências demonstram ainda, o potencial das práticas agrícolas
sustentáveis em que a perspectiva da segurança alimentar pode ser considerada como
relevante para a autonomia dos agricultores e agricultoras, sobretudo ao pensar na
qualidade dos alimentos e sua sanidade, de modo a garantir à população do campo e da
cidade, um alimento isento de insumos químicos e ricos em valor nutricional,
respeitando os hábitos e culturas alimentares, na defesa e valorização da herança dessas
práticas que estão relacionadas ao saber local, passado de geração para geração
(MALUF, 2000).
O acesso a esse alimento produzido de forma diferenciada dos mercados
alimentares convencionais representa para os consumidores a possibilidade de
resgatarem a culinária e os hábitos alimentares regionais, imprimindo a valorização de
tais experiências, e assim estabelecerem laços de confiança que comumente não se
fazem presentes no modo de alimentação e agricultura convencional (POLLAN, 2012).
O consumo de alimentos na sociedade contemporânea apresenta-se sob um
dúbio cenário. De um lado temos que há oferta alimentar suficiente para alimentar a
população do século XXI, e de outro há um número considerável de pessoas que não
têm acesso ao alimento, incorrendo em cenários de fome e desnutrição. Ainda há nesse
contexto, o aumento considerável de pessoas obesas.
Para Gazolla e Schneider (2017), um dos problemas centrais do modelo de
produção agroalimentar atual é que ele está voltado para a necessidade de aumentar as
escalas de produção, inviabilizando a sobrevivência de agricultores não integrados a

18
essa lógica. E assim, para os autores o alimento se coloca como um elemento central
para entender a sociedade contemporânea.
De acordo com Guivant (2003) a procura por alimentos orgânicos têm sua
expansão na década de 1990, os supermercados ocupando uma posição de destaque na
distribuição e comercialização desses produtos, as feiras e lojas de produtos naturais
ocupam nesse período, um papel secundário.
Distinto dos produtos das prateleiras do supermercado, em que são as
embalagens a transmitirem confiabilidade do produto ao consumidor; os das feiras
agroeoclógicas, é o produto, o agricultor e agricultora que propiciam a confiança para
quem os adquirem. Wille e Menasche (2015) afirmam que o consumo de alimentos está
relacionado ao estabelecimento de confiança, no sentido de que o mesmo alimento que
nutre, pode de outra forma causar doença.
Marques et al. (2015), afirmam que a alimentação produz diferentes sistemas
dentro da sociedade, no sentido de que os autores afirmam que constrói-se nessas
experiências outros valores e significados que se associam ao alimento, não apenas
como mercadorias ou produtos, e que um novo regime de valor emerge da sociedade.
Na pesquisa dos autores, evidenciou-se a predominância de consumo de alimentos
produzidos na comunidade, havendo uma mínima dependência do abastecimento
externo.
Cristovão (2002) afirma que o espaço rural tem uma nova legitimidade
identitária, e esta imagem associa-se hoje à novas procuras, no sentido, de absorver o
que estes espaços promovem, sobretudo, no que diz respeito ao alimento saudável, que
difere do oferecido pela indústria alimentícia. O autor citado enfatiza que a procura pelo
rural em sua nova ressignificação, diz respeito, sobretudo, ao que tem no rural e opõe-se
ao urbano, ou seja, não é encontrado nas cidades. No que diz respeito as feiras
agroecológicas, compreende-se que a proximidade dos agricultores e consumidores
ocorre em torno do alimento e para além dele, pois, a relação de confiança para com
esse produto é um dos elos que sustenta essa cadeia.
Os mercados assumem um papel relevante para o desempenho da agricultura
familiar brasileira, esse crescimento do mercado está igualmente relacionado a
ampliação de renda e do mercado consumidor. Pertinente a agricultura familiar, as
mudanças foram igualmente representativas, pois houve o aumento pela busca de
produtos de qualidade. Nesse sentido, afirma Belik (2016, p.184):

19
Entre as formas de diferenciação do alimento consumido pelas classes
de renda mais elevada estão os produtos com denominação de origem,
os orgânicos, dos empreendimentos da economia solidária e os
produtos voltados para o público que privilegia a proximidade da
produção.

Ainda no tocante aos mercados, Azevedo (2016, p. 214) faz uma consideração
importante. Para o autor, a criação da oferta não implica o mercado para
comercialização da mercadoria, e os mercados diferem entre si e “não emergem do
vácuo”, ao contrário, eles “emergem de um contexto em que há previamente relações
econômicas e sociais”. Sobre a formação destes, o autor ressalta que via de regra, não se
trata de uma formação individual, ela sempre parte do coletivo, seja no âmbito das
instituições ou cooperativas, associações e outras formações de indivíduos. Nesse
sentido, afirma:
Criar um mercado é um ato de muito maior complexidade, como já
dito, o mercado é uma instituição que, como tal, é exógena aos
indivíduos (isto é, não depende dos desígnios de um ser em
particular), mas é endógeno à sociedade (isto é, fruto das ações e
interações entre todos os indivíduos (AZEVEDO, 2016, p. 221).

A literatura sobre a inserção da agricultura familiar nos mercados evidencia que


as formas de comercialização que se constroem por relações de proximidade, tendem a
dinamizar os espaços rurais se estendendo inclusive além deles (POLLAN, 2008;
PLOEG, 2008; SCHIMTT, 2013; MALUF, 2000). O papel dos consumidores é
ressaltado por Maluf (2006) como importante para uma eficaz política de Segurança
Alimentar Nutricional no Brasil. Logo, a educação para um consumo solidário e
sustentável, trata-se de instigar ao consumidor para uma ação de valorização dos
aspectos sociais, ambientais e culturais envolvidos na distribuição dos alimentos.
Na pesquisa, parte-se da hipótese de que as feiras agroecológicas além de um
papel importante na garantia de segurança alimentar de produtores e consumidores a
valorização de saberes tradicionais e culturais têm propiciado uma reconfiguração do
local onde se dão tais práticas, em que a sustentabilidade socioambiental torna-se um
elemento fundamental.
A problemática estabelecida consiste em compreender se as Feiras
Agroecológicas possibilitam estratégias de segurança alimentar para a família
agricultora e para os consumidores, no sentido de entender se essas experiências têm se
baseado também em novas expressões de consumo alimentar que podem ajudar a

20
apreender as performances da sociedade contemporânea. Outras inquietações
igualmente surgem, tais como: O que fortalece ou não, a relação entre agricultor-
agricultora-consumidor nas feiras agroecológicas? A feira agroecológica promove a
valorização cultural do alimento? A relação agricultor-agricultora-consumidor se
estende para além do local de comercialização? Os alimentos conferem autenticidade ao
produtor/produtora ou seria o inverso, para os consumidores? Quais os fatores que tem
sustentado a permanência da Feira Agroecológica de Mossoró-RN ao longo de seu
período de existência e quais os desafios enfrentados por esse empreendimento?
Tais inquietações nortearam a pesquisa para os seguintes problemas de pesquisa:
1) É possível que apesar da importância da feira como aspecto relevante da
estratégia de segurança alimentar nutricional e fortalecimento da agricultura familiar as
dificuldades da FAM em expandir-se estejam relacionadas, a um conjunto de ações em
termos de políticas públicas que podem impulsionar suas atividades de produção e
comercialização, sobretudo uma Assistência Técnica que esteja voltada para os
princípios da agroecologia.
2) Os consumidores têm ao longo da existência da Feira fortalecido a
experiência de reciprocidade e autonomia nesse mercado agroalimentar alternativo,
consolidando a sua permanência. Contudo, é possível que essa relação, sob alguns
aspectos, ainda se constitua como frágil, podendo estar ausente para alguns, a condição
de um consumo politizado, ou mesmo reflexivo.
Essas inquietações colocou-nos frente a compreensão, conforme Oliveira (1998),
que a pesquisa acadêmica é um caminho de encontro entre o objeto de estudo/sujeito(s)
e o intelectual, pois a consonância entre pesquisa e biografia é altamente enriquecedora
e, ao mesmo tempo em que a produção intelectual vai sendo tecida tentando desvelar a
realidade, para além da superficialidade, o cultivo da capacidade imaginadora vai
apontando os caminhos que distinguem o técnico do pesquisador. Nesse sentido, afirma
o autor (1998, p. 20):

Todos esses aspectos convergem para a necessidade de o pesquisador


se assumir como artesão pertinaz, paciente, atento, sensível e, ao
mesmo tempo, despretensioso, zelador do consórcio entre teoria e
prática, reservando exemplos probantes a cada movimento de sua
reflexão. As ciências humanas, ao serem exercidas como ofício,
permitem que cada pesquisador se sinta parte integrante da tradição
clássica, podendo fazer reviver, dentre de nós e entre nós, aquilo que
de mais alentador a condição humana pode oferecer.

21
Igualmente relevante é a afirmação de Durkheim (1937, p. 29) ao propor refletir
que a existência de uma ciência das sociedades, possibilita a ir além dos preconceitos
tradicionais, e assim seja possibilitado ver as coisas de uma forma diferente de como se
apresentam ao vulgo, “pois o objeto de toda ciência é realizar descobrimentos, e todo
descobrimento desconcerta, mais ou menos, as opiniões formadas”.
Desse modo, pensar na realidade e tentar compreendê-la sem a reduzir é sempre
um desafio, e o caminho a ser percorrido pode encontrar em Santos (2002, p.15) a
referência que nos possibilita desvelar um outro mundo possível que difere da
globalização neoliberal. O autor trata de outra globalização, uma globalização
alternativa, contra hegemônica, em que diversas iniciativas, movimentos e
organizações, através de alianças e redes locais/globais, lutam contra a globalização
neoliberal, em que sonha-se e luta-se por um “mundo melhor, mais justo e pacífico que
julgam possível e ao qual sentem ter direito”.
Nos países de desenvolvimento intermediário, semiperiféricos, consiste o
potencial e os limites da reinvenção e emancipação social. É uma diversidade de
instituições e organizações civis que colocam em evidência a globalização neoliberal e,
portanto, propõe tarefas urgentes para que sejam pensadas e formuladas alternativas
econômicas concretas que consistam em emancipatórias e viáveis, e assim sejam
propostas como uma globalização contra-hegemônica. Assim, considera Santos (2002,
p. 25):
Centrar a atenção simultaneamente na viabilidade e no potencial
emancipatório das múltiplas alternativas que têm sido formuladas e
praticadas um pouco por todo o mundo e que representam formas de
organização econômica baseadas na igualdade, na solidariedade e na
proteção do meio ambiente.

Desse modo, a compreensão da realidade pode ser feita por via de uma análise
sociológica que compreenda os múltiplos signos/símbolos que apresentam a
complexidade da diversidade de experiências contemporâneas (MARTINS, 2005).
Tomando como referência essa literatura, optou-se por realizar o estudo na
cidade de Mossoró, situada no Oeste Potiguar, no Estado do Rio Grande do Norte e faz
parte da Região Nordeste do Brasil.
O Estado do Rio Grande do Norte está situado na região do semiárido brasileiro
e é considerada a maior do mundo, ocupando uma área de 982.566 km², correspondendo
a 18,2% do território nacional, 53% da Região Nordeste, abrangendo 1.133 municípios.
A população nessa região é de cerca de 22 milhões de habitantes, e nela concentra-se a

22
maior população rural do Brasil. O termo Semiárido identifica a região como sendo
próxima a aridez. Peculiar nessa região que podem explicar essa característica semiárida
podem ser as formas humanas de manejo do solo, somados à escassez de chuva e o
limitado sistema de armazenamento de água da chuva (BAPTISTA, CAMPOS, 2014).
No que diz respeito a produção agropecuária no Estado, de acordo com o Censo
Agropecuário de 2006, no Rio Grande do Norte há 83.052 de Estabelecimentos
Agropecuários cadastradas, representando 0,89% da Região Nordeste. Na condição de
produtor em relação às terras, na condição de proprietário há 60.779, distribuídos em
uma 3.399.233/ha; a condição de assentados sem titulação definitiva corresponde a
7.715 de estabelecimentos em uma área de 137.658/ha; na condição de arrendatário
tem-se um quantitativo de 2.301 estabelecimentos em um total de 60.090/ha; como
parceiro 4.324 de estabelecimentos em uma área de 36.032/ha; na condição de ocupante
um total de 8.312 estabelecimentos em uma área de 115.700/ha e produtor sem área um
total de 4.537 pessoas (IBGE, 2009).
Na condição legal de produtor, os dados apresentaram que na condição de
produtor individual há um quantitativo de 84.752 correspondendo a 3.433.351/ha; na
condição de condomínio, consórcio ou sociedade de pessoas um total de
estabelecimentos correspondente a 1.346 distribuídos em 136.675/ha; os números para a
condição de cooperativa apresentaram um total de 80 estabelecimentos distribuídos em
5.547/ha; na categoria sociedade anônima ou por cotas de responsabilidade limitada, os
números correspondiam a 682 estabelecimentos distribuídos em 113.137/ha (IBGE,
2009).
O Estado está inserido na região que vem sendo percebida na perspectiva da
convivência com o Semiárido (Silva, 2006), que se trata de pensar e desenvolver
estratégias para essa região que não consistam em combater a seca, mas em estimular e
desenvolver para os atores sociais do campo semiárido possibilidades de reprodução
social e ambiental, que promovam interação com as condições específicas dessa região.
Assim, diversos autores já apontam para essa direção, entender melhor essa região de
modo que a forma de permanência nesse local esteja relacionada às dinâmicas próprias
dos atores sociais locais (MALVEZZI, 2007; SILVA, 2006; BAPTISTA, CAMPOS,
2014).
A riqueza da biodiversidade nessa região é uma das mais importantes no país.
Pois, aqui encontra-se a maior parte do Bioma Caatinga, exclusivamente brasileiro, com
diversidade de paisagens, espécies endêmicas e rico capital cultural e social. Percebe-se

23
que a essa região refere-se quase sempre como pouco chuvosa ou seca, o que, contudo,
não explica que consiste no Semiárido mais chuvoso do mundo, considerando que as
chuvas concentram-se normalmente, em poucos meses e mais de 90% de suas águas não
são aproveitadas, devido a evaporação e ao escoamento superficial (BAPTISTA,
CAMPOS, 2014).
Além da problemática do acesso a água que atinge essa região, há também
outros problemas como concentração fundiária que agravam ainda mais o quadro de
insegurança alimentar e nutricional, além do histórico do uso da água que foi apropriada
por grandes proprietários de extensões de terra, o que gerou cenários de exclusão social
e degradação ambiental; pois, grandes áreas de terra ficaram desocupadas, ao passo que
agricultores e agricultoras tiveram que sair do campo em busca de trabalho e moradia
nos centros urbanos. No que diz respeito aos números desse cenário, há 1,7 milhões de
famílias agricultoras vivendo nessa região, são assim 42% dos agricultores e
agricultoras brasileiras que ocupam 4,2% das terras agricultáveis, 1,3% dos
estabelecimentos rurais tem 38% das terras e 47% dos pequenos estabelecimentos tem
somente 3% destas (BAPTISTA; CAMPOS, 2014).
Desse modo, a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável no
Semiárido, perpassa a viabilização do acesso a água e ao manejo apropriado,
estimulando-se, sobretudo, a produção com base sustentável e agroecológica. No
semiárido tem sido evidenciadas práticas das famílias agricultoras que demonstram sua
capacidade e potencial em desenvolver estratégias que possibilitam condições de vida
no campo com manejo sustentável da água e solo, e assim com a produção da
alimentação para a soberania e segurança alimentar da família.
Essas práticas sustentáveis que configuram igualmente, os hábitos alimentares
das famílias agricultoras, demonstram que é preciso reconhecer que nessa região do país
tem se difundido os conhecimentos tradicionais, que somados aos novos conhecimentos
praticados pela ciência e pelas agências de assistência técnica, são demonstrações de
resistência ao modelo de desenvolvimento que historicamente existiu nessa região
(ROCHA, 2014).
Assim, pensar em soberania e segurança alimentar e nutricional no semiárido, é
pensar igualmente no desafio da sustentabilidade, que implica pensar nas ações e
estratégias de produção que considerem como relevantes a identidade cultural e
tradicional das pessoas do campo, assim como o respeito à sociobiodiversidade e a
natureza, viabilizando assim, vida saudável para aos seres humanos dessa região, bem

24
como aos ecossistemas locais e regionais, fortalecendo os modos de vida do povo do
semiárido (ROCHA, 2014).
Assim, no Semiárido tem sido desenvolvido experiências que demonstram
estratégias que conferem autonomia para seus atores sociais e, configura-se assim, como
uma região que demonstra o dinamismo da agricultura familiar e camponesa no
semiárido nordestino. Nesse sentido, considera Conti (2014, p. 31):

Aos poucos se constrói um paradigma que evidencia um Semiárido


viável com seu povo bem alimentado. Resultante do esforço de muitas
pessoas, organizações e instituições, civis e governamentais, a
segurança alimentar e nutricional (SAN) gradualmente deixam de ser
um conceito abstrato para tornar-se um tema concreto na vida de
milhares de sujeitos de direitos.

Logo, essa compreensão do objeto de estudo inserido em um universo mais


amplo de protagonismo e construção de uma outra realidade possível (Santos, 2006),
Possibilitou à procurar um caminho metodológico que proporcionasse um olhar para a
realidade social dos atores em questão, de modo a não tolher o seu dinamismo. Para
tanto, apresenta-se a seguir o caminho percorrido.
A importância dessa pesquisa assenta-se em alguns aspectos centrais a)
contribuir para a visibilidade da Feira Agroecológica de Mossoró enquanto experiência
que afirma e potencializa o processo de transição agroecológica no Semiárido
Nordestino; b) fornecer elementos que auxiliem na compreensão dos processos de
produção e reprodução da agroecologia enquanto possibilitadora da segurança alimentar
nas zonas rurais do Semiárido Nordestino; c) evidenciar elementos que possibilitem
compreender a atuação dos consumidores enquanto partícipes do processo de transição
agroecológica e na constituição de mercados alternativos, favorecendo assim, a
compreensão de como esse processo subsidia o desenvolvimento da agricultura familiar
nos assentamentos e comunidades que integram essa experiência.
Assim, falar em transição agroecológica é imanente a necessidade de repensar a
problemática socioambiental atual a partir de uma visão não reducionista, que não
diminua o seu potencial. Da mesma forma que o cenário atual é consequência de
múltiplos fatores, a saída dessa ordem não consistirá em apenas um caminho. Pode-se
assim reconhecer que a agroecologia aproxima atores distintos, e que a sustentabilidade
embora seja um conceito bastante difundido deve ser pensado e analisado de forma
crítica.

25
Desse modo, compreende-se que as feiras agroecológicas são expressões de
mercado que apontam em muitas direções para compreender o rural na
contemporaneidade, assim como a sociedade e seus delineamentos sobre o consumo
alimentar. Essas experiências de mercados alternativos apresentam-se de multiformas,
conteúdos e expressões. Além do que, essas experiências nos apontam para várias
direções, a saber, agricultura familiar agroecológica; consumo alimentar na
contemporaneidade, sustentabilidade ambiental, social e econômica, relação humana
com a natureza, mercados alternativos sob o conceito de imersão apresentado por
Granovetter, (1985).
Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é compreender em que medida as feiras
agroecológicas têm se forjado como estratégias para a construção e manutenção de um
modelo de agricultura sustentável capaz de contribuir com a segurança alimentar de
agricultores, agricultoras e consumidores e, ao mesmo tempo, colocarem em curso
novas formas de produção e consumo, conforme preconizado na literatura. O estudo tem
como referência empírica a experiência da Feira Agroecológica de Mossoró, no estado
do Rio Grande do Norte.
Para tanto, se tem como objetivos específicos: 1) Identificar as práticas sócio
produtivas desenvolvidas pelas famílias agricultoras para a produção dos alimentos
comercializados na Feira Agroecológica; 2) Identificar o perfil da população dos
agricultores agroecológicos e qual a compreensão para os produtores/feirantes sobre o
significado dessa experiência; 3) Reconstituir a trajetória dos agricultores no processo
para a transição agroecológica; 4) Identificar os mecanismos e estratégias organizativas
que viabilizam o funcionamento das feiras semanalmente; 5) Evidenciar quais
elementos delineiam a relação direta entre agricultor e consumidor e, 6) Identificar o
perfil do consumidor dos produtos agroecológicos buscando compreender suas
escolhas, motivações e concepções sobre seu papel na manutenção desse modelo de
agricultura.
A tese está estruturada em cinco capítulos, além da Introdução e Considerações
Finais. O capítulo I trata das Feiras Agroecológicas enquanto circuitos curtos de
comercialização e a construção de mercados alternativos. Este capítulo traz uma
discussão sobre mercados que permeia a compreensão clássica deste, mas procura ir
para além das leituras estanques que não possibilitaram uma compreensão da
complexidade dos mercados alternativos comuns à agricultura familiar na
contemporaneidade. Assim, buscou-se compreender a construção dessas experiências e

26
sob quais bases elas se assentam, uma vez que a venda direta ao consumidor já se
configura como uma prática presente em outros países e aqui no Brasil. Assim,
categorias são fundamentais nessa discussão, tais como a reciprocidade, que se constitui
como um elemento de elo entre a relação produtor e consumidor.
O capítulo II discute a racionalidade ambiental e a agroecologia. A discussão
anterior trata dos mercados agroalimentares e como têm se constituído como
potencializadores para a agricultura familiar, e para a pesquisa, a racionalidade
ambiental configura-se como um elemento central para a transição agroecológica, uma
vez que a agroecologia é uma ciência que tem orientado e conduzido às famílias
produtoras a um processo técnico-científico e também político, que possibilita distintos
atores a acreditarem no processo de transição, que estes fortalecem os mercados
alternativos. Discute-se ainda como a agroecologia enquanto ciência fortalece à
condição de camponês dos produtores e produtores, bem como proporciona maior
autonomia para esses atores sociais.
O capítulo III aborda a segurança alimentar, o contexto socioalimentar e o
consumo. Uma vez que no Brasil, nas últimas décadas, têm sido desenvolvidas ações e
políticas públicas com vistas a combater o problema do acesso e disponibilidade de um
alimento de qualidade, assim, a segurança alimentar configura-se como uma política
que favorece a agricultura familiar. A discussão nesse capítulo consiste em abordar o
alimento como constitutivo e representativo da sociedade, ao passo que apresenta-se um
histórico de como a crise alimentar no século XX, vai conduzindo às pessoas a uma
compreensão dos males e consequências do processo de industrialização alimentar que
incorre em mudança de hábitos, e estabelecimento de novas posturas e critérios de
escolha para os alimentos. Assim, discute-se sobre o consumo politizado, reflexivo, no
sentido de compreender como a categoria consumo na contemporaneidade pode ser
considerada em uma perspectiva que conduza para além do discurso moralizante que
por muito tempo permeou os estudos sobre o consumo. O que propõe-se assim, é uma
discussão que possibilite entender como o papel do consumidor, que no que diz respeito
aos circuitos curtos de comercialização, estão preocupados com a saúde, com a questão
ambiental, bem como, o fortalecimento destas experiências como potencializadoras da
agricultura familiar.
Os capítulo IV e V tratam do campo da pesquisa. O capítulo IV aborda as
unidades de produção, o processo de transição agroecológica, e a compreensão dessa
experiência a partir dos produtores e produtoras. O capítulo V trata da Feira

27
Agroecológica e a relação entre os consumidores e produtores e apresenta como esse
circuito curto aproxima diferentes atores de uma cadeia alimentar, e como essa relação é
importante para o fortalecimento da agricultura familiar, ao passo em que contornam-se
outras compreensões e percepções a respeito do alimento.

1.1 Delineamento da Pesquisa

O que se buscou nesse objeto de estudo foi a identificação de elementos de


resistência camponesa que se tecem de diversas maneiras, na maioria das vezes
alicerçadas sob elementos de representatividade geracional, outras vezes como
elementos de incorporação do novo.
Nesse sentido, os atores sociais que integram a pesquisa, apresentam esse caráter
múltiplo, vivem da terra reproduzindo não só técnicas, mas também, elementos da
cultura que herdaram dos antepassados, e ainda, incorporam em seus cotidianos,
elementos novos das ciências agroecológicas, sendo essas que validam suas práticas de
produção e comercialização. É um movimento duplo desses atores, eles e elas
conseguem se manterem em uma novo paradigma de produção, e acredita-se que isso
vai ao encontro de Santos (2006,) ao afirmar que no Sul surge a globalização contra-
hegemônica, e portanto, a que é protagonizada sobremaneira, pelos atores sociais que
desenvolvem estratégias condizentes com a sua realidade, com o seu cotidiano.
Ao mesmo tempo, Sen (2010) é imprescindível igualmente para compreender
essa experiência, pois o autor nos ajuda a compreender as nuances dessa realidade
social, ao tratar das liberdades substantivas na perspectiva do desenvolvimento como
liberdade, onde os sujeitos tem liberdade para fazerem suas escolhas, sobretudo, porque
o fazendo assim, eles e elas o fazem de acordo com suas vidas, com o seu cotidiano.
Para o delineamento da pesquisa e do objeto de estudo, Santos (2006) foi uma
referência basilar; pois, o autor critica a razão metonímica que se assenta na
compreensão do mundo em uma lógica totalitária e pouco complexa, e assim, o mundo
não pode ser compreendido para além da compreensão ocidental do mundo. Isso
implica reconhecer que muitas experiências são invisibilizadas ou não têm seu potencial
reconhecido e/ou valorizado.
Nesse sentido, Santos (2006, p.102), propõe analisar o presente através de um
procedimento que denomina como sociologia das ausências, que para o autor:

28
Trata-se de uma investigação que visa demonstrar que o que não
existe é, na verdade, activamente produzido como não existente, isto
é, como uma altenativa não-credível ao que existe. O seu objeto
empírico é considerado impossível à luz das ciências sociais
convencionais, pelo que a sua simples formulação representa já uma
ruptura com elas. O objectivo da sociologia das ausências é
transformar objetos impossíveis em possíveis e com base neles
transformar as ausências em presenças (SANTOS, 2006, p.102).

Trata-se portanto, de identificar no mundo presente, as experiências que se


distinguem das que são validadas pela racionalidade moderna, e nelas identificar
elementos que conotam um outro mundo possível, uma construção que se dá sobretudo,
a partir das margens e para além delas, e refletir sobre em que bases essas experiências
se assentam e de que se alimentam, como se reproduzem, como, e se perpetuam? Para
quais setas do tempo-espaço essas experiências estão nos levando?
Assim, reconhece-se que a produção do conhecimento é sempre um desafio.
Pois, de onde parte? Por quem e para quem é gerado? Assim, o caminho que norteia o
desenvolvimento da pesquisa nos coloca sempre sobre esse estrutura que tem a
característica de ser uma base que apresenta um caráter dúbio, as vezes parece muito
sólida, e as vezes desestabiliza o pesquisador. Desse modo, perceber-se nesse contexto é
defrontar-se igualmente com a necessidade de avançar, e ao mesmo tempo, com a
necessidade de traduzir uma realidade que está em construção, sob a compreensão de
que “a realidade não pode ser reduzida ao que existe” (SANTOS, 2006, p. 115).
Logo, para o delineamento da metodologia da pesquisa, buscou-se percorrer essa
experiência com o intuito de produzir uma fotografia o mais real possível, e as bases em
que se sustentou esse percurso, fundamentou-se na sociologia das ausências que para
Santos (2006) está fundamentadas em cinco ecologias, considerando que a sociologia
das ausências é para o autor uma alternativa epistemológica à razão metonímica. O
quadro abaixo apresenta as cinco ecologias, ressaltando que para o autor, a sociologia
das ausências substitui monoculturas por ecologias.

29
ECOLOGIAS
Ecologia Conceito
Saberes Identificação de outros saberes e de
outros critérios de rigor que operam
credivelmente nas práticas sociais.
Ecologia das temporalidades As sociedades são constituídas por
diferentes tempos e temporalidades.
Ecologia dos reconhecimentos A sociologia das ausências confronta-se
com a colonialidade, procurando uma
nova articulação entre o princípio da
igualdade e o princípio da diferença e
abrindo espaço para a possibilidade de
diferenças iguais.
Ecologia das trans-escalas Recuperação simultânea de aspirações
universais ocultas e de escalas
locais/globais alternativas que não
resultam da globalização hegemônica.
Ecologia das produtividades Recuperação e valorização dos sistemas
alternativos de produção, das
organizações econômicas populares, das
cooperativas operárias, das empresas
autogeridas, da economia solidária, etc.
Quadro 1: Tipos de Ecologias
Fonte: Elaborada pela autora com referência em Santos (2006).

A partir do quadro elaborado, pode-se inferir que é possível que nem todas as
ecologias sejam identificadas na pesquisa, ou mesmo, que uma ou outra esteja presente
em caráter visível apenas na superfície, ou ao contrário, só seja perceptível em
dimensões mais profundas da experiência em questão.
É válido ressaltar que a pesquisa em questão perpassa pela dimensão da cultura.
Uma vez que a agricultura familiar tem suas dimensões voltadas para uma prática que se
reproduz no tempo, assim como a dimensão do consumo, que desenvolve-se também
sob um multiplicidade de questões (LIFSCHITZ, 1997).

30
As feiras agroecológicas são dotadas de um sentido e dimensões múltiplas, no
sentido, de que para compreendê-las, utilizamos diversos instrumentos e metodologias,
de modo que as imagens, os discursos, as entrevistas nos apontam caminhos para a
apreensão dessa experiência, sempre diante do desafio de não esgotar as diversas
possibilidades que nos são colocadas. O que busca-se assim, é entender os
comportamentos e escolhas, uma vez que a conduta humana é vista como uma ação
simbólica (Geertz, 2008, p. 8), no sentido de compreender tais comportamentos em suas
tessituras, reconhecendo que eles são desenvolvidos com base em uma motivação que
os justifica não em caráter isolado, mas “o que devemos indagar é qual a sua
importância: o que está sendo transmitido com a sua ocorrência”.
Nesse sentido, toda a metodologia desenvolvida na pesquisa consiste em
apreender a feira agroecológica como um espaço socialmente construído por diversos
atores que podem indicar para o desenvolvimento de outra cultura alimentar, de
construção de um mercado alimentar que pode igualmente estar relacionada a outra
cultura de consumo, que por sua vez, tem relação também com uma forma de produção
que está assentada em um modo de fazer arraigado na cultura camponesa (PLOEG,
2008).

1.2 Coleta de Dados


A pesquisa refere-se a uma abordagem com um viés essencialmente qualitativo e
está sendo realizada junto aos agricultores, agricultoras e consumidores da Associação
de Produtores e Produtoras Agroecológicos de Mossoró-RN (APROFAM). A imersão
em campo aconteceu nos dias em que acontece a Feira, e em visitas as comunidades,
assentamentos e encontros com os consumidores. Como recursos, utiliza-se a
observação e o registro de dados em caderno de campo, bem como entrevistas
semiestruturadas, além de registros fotográficos com a finalidade de ter-se uma
compreensão de conjunto dos impactos e impasses dessas experiências. As entrevistas
foram realizadas com 14 famílias integrantes da APROFAM.
Para melhor ordenar os registros das informações e facilitar o acesso aos grupos
pesquisados, optou-se por adotar como princípios básicos, nos levantamentos de campo,
os seguintes procedimentos: identificar os informantes, de modo a tê-los como sujeitos
preferenciais; visitar os locais produtivos, não somente com a preocupação específica de
análise, mas também para observações e conversas informais, adotando como
pressuposto básico o respeito às especificidades locais; estar disposto a ser também

31
especulado sobre o interesse do pesquisador, buscando estabelecer a empatia, como
forma de melhor colher os resultados.
Através dessa metodologia, buscou-se não perder de vista, durante toda a
pesquisa, os diversos contextos e fatores circundantes, a exemplo das políticas públicas
destinadas para o meio rural, especialmente àquelas mais diretamente relacionadas com
o nosso objeto de pesquisa. Além de tentar entender as complexas interações e
contradições de interesses que influenciam essa atividade.

1.2.1 Coleta de Dados nos espaços de Produção


Os dados foram obtidos através de pesquisa de campo, entrevistas
semiestruturadas, observação participante indireta. Desse modo, os grupos sociais não
apresentaram resistência ou apatia em participar dessa coleta, nos momentos em que ela
se deu, houve, inclusive, participação de toda a família que produz, e muitas vezes
contamos também com participação de filhos que não moram com os pais, mas que
contudo, conhecem a rotina produtiva. Desse modo, houveram momentos distintos
durante a construção da proposta. Em alguns assentamentos e comunidades as visitas
aconteceram no momento da produção agroecológica, e assim, participamos dos
momentos de plantio e manejo, bem como, em várias ocasiões, essas visitas de campo
se estenderam e participamos também de momentos de socialização da família, roda de
conversas com vizinhos, visita de outros familiares que nos contaram como foi difícil o
início e ninguém acreditava que era possível “produzir sem veneno”.
A coleta de dados nos espaços produtivos da APROFAM aconteceu em dias
alternados, sendo algumas propriedades visitadas mais de uma vez. Pois, ao longo da
pesquisa foram-se incorporando elementos novos a esses espaços, novas tecnologias,
novas dinâmicas produtivas, bem como novos desafios.
Para coletar os dados utilizou-se um instrumento de coleta de dados em formato
de roteiro de entrevista. As visitas eram combinadas antecipadamente com os
produtores e produtoras, e em certos momentos encontramos a família reunida, em
outros momentos, estava apenas um produtor ou produtora no campo.
Como a dinâmica dos produtores varia muito, pois isso depende de onde e
quando comercializam, papel que exercem na APROFAM, condições específicas da sua
produção, adequou-se os horários aos dos atores, com o intuito de se colher a maior

32
quantidade de dados possíveis, bem como, não tolher a capacidade e autonomia do
sujeito em apresentar seu universo de vida e reprodução social.
Desse modo, a investigação aconteceu nos Assentamentos e Comunidades que
fazem parte da feira. Atualmente, a feira é composta por agricultores e agricultoras das
seguintes localidades: Assentamento Mulunguzinho; Comunidade Serra Mossoró;
Comunidade Riacho Grande; Assentamento Favela; Assentamento Jurema;
Assentamento Paulo Freire; Assentamento Santa Elza; Assentamento Maísa – Agrovila
Paulo Freire; Assentamento Apodi; Assentamento Recanto da Esperança; Assentamento
Carmo; Assentamento Boa Fé, Serra do Mel – Agrovila Guanabara, conforme mostra o
Mapa na figura 1:

33
Figura
1.2.2 Coleta 1: Mapa
de Dados de consumidores
com os Localização dos Assentamentos e Comunidade
integrantes da Feira Agroecológica de Mossoró.
Fonte: Pesquisa

No que diz respeito a entrevista junto com os consumidores, realizou-se coletas


de dados distintas. No total, foram entrevistados 71 consumidores no horário de 4:45 às

34
09:00. Os agricultores e agricultoras chegam para organizar as barracas por volta das
04:30 da manhã, nesse horário, alguns consumidores já se encontram no local, e alguns
produtos acabam antes de chegar a barraca, como cenoura, ovos e tomate cereja.
Durante as entrevistas alguns consumidores relataram que essa cena os incomoda,
demonstra falta de organização, e relataram que isso é um aspecto passível de melhoria,
ao passo que ressaltam que isso não é culpa dos agricultores e agricultoras, falta
“consciência” de alguns consumidores.
O questionário aplicado contemplou informações variadas, como nome do
entrevistado, profissão, horário em que frequenta a feira, há quanto tempo e a
assiduidade, além do valor médio que se gasta com os produtos, os produtos que
consome, dentre outras questões que serão analisadas. Durante a aplicação dos
questionários, percebeu-se comportamentos distintos nos consumidores em relação ao
horário em que as entrevistas aconteciam. No horário inicial da feira das 4:30 até as
5:30, por se tratar de ser o momento em que se encontra maior variedade e
disponibilidade de produtos, a preocupação dos consumidores é ajuda-los, assim, houve
recusa por parte de alguns consumidores em parar para responder as perguntas dos
entrevistadores, pois temiam perder os produtos. Nesse horário há um fluxo intenso de
consumidores, e alguns deles até ajudam os agricultores e agricultoras a arrumarem as
barracas, e mesmo a comercializarem os produtos.
Os dados apresentados dessa coleta, tratam-se de informações das entrevistas
realizadas com consumidores da APROFAM. A finalidade da aplicação desse
questionário tratou de traçar um perfil aproximado dos consumidores, compreendo a
priori, suas motivações para adesão a FAM. Observou-se que a aplicação dos
questionários no horário realizado, colocou algumas limitações, tais como, o fato de
algumas pessoas não responderem por medo de perder o produto nas barracas,
provocando a reflexão sobre a outra etapa dessa fase da pesquisa em que a pesquisadora
encontrar-se-ia com os consumidores em dias e horários diferentes do momento que
acontece a FAM. Em alguns contatos prévios em que explicou-se a importância do
encontro em momentos distintos houve abertura e interesse por parte dos consumidores
em contribuírem com a pesquisa.
Em um segundo momento, voltou-se ao espaço de comercialização com outro
instrumento para coletar dados mais qualitativos. Isso se deu em decorrência, também,
do fluxo de clientes que tem aumentado no último semestre da feira, assim como,
incorporação de outros produtores e maior diversidade dos produtos. Os desafios

35
encontrados nesse momento foram os mesmos da primeira coleta, por medo de perder
os produtos, alguns se recusaram a conversar conosco, enquanto que outros, preferiram
levar o questionário para casa e combinar de entregar a pesquisadora durante a semana,
e outros trazerem no sábado seguinte.

36
CAPÍTULO I

CIRCUITOS CURTOS DE COMERCIALIZAÇÃO E MERCADOS


ALTERNATIVOS

1.1 Feiras agroecológicas – Circuitos curtos de comercialização: espaços de


consumo e da reinvenção de mercados alternativos
Nesse primeiro capítulo, discute-se as Feiras Agroecológicas enquanto circuitos
curtos de comercialização e a construção de mercados alternativos. A discussão sobre
mercados é alocada e buscou-se compreender as experiências de mercados alternativos
para a agricultura familiar e sob quais bases se estruturam na contemporaneidade.
A venda direta de alimentos a consumidores é uma prática milenar que foi
secundarizada com intensidade a partir do século XX, como consequência do modelo de
modernização da agricultura, assim como do processo intensivo de industrialização e
especialização agrícola, instituindo a agroindustrialização alimentar. Configura-se
assim, o modo de comercialização dos alimentos em cadeias longas, em que o sistema
de transportes e as técnicas de conservação dos alimentos se estabelecem como modelos
“modernos”, resultando para os agricultores e agricultoras a condição de trabalhadores
operários para manter essa lógica de produção. Ademais, os consumidores das cidades
intensificam o consumo a alimentos comprados nas prateleiras dos supermercados. É a
partir da década de 1990 que surge a demanda para a produção orgânica, pois a
população humana encontra-se insatisfeita com os efeitos nocivos à saúde humana e ao
meio ambiente do modelo de produção alimentar dominante (DAROLT, 2013).
De acordo com Maluf (2006) há no país uma diversidade de iniciativas
governamentais e da sociedade civil em estimular o consumo de alimentos, de modo
que seja garantido à população, e, sobretudo, as pessoas em situação de vulnerabilidade
social, o acesso ao alimento de qualidade. Assim, as ações que emergem no Brasil são
diversas. A questão do abastecimento e do acesso entram como categorias centrais. E
nesse sentido, é necessário que sejam estimuladas as iniciativas de feiras locais e
regionais que visam aproximar agricultor/produtor e consumidor. A criação desses
mercados, nessas lógicas, podem promover a dinamização do território onde estão
inseridas, assim como, potencializar novos hábitos alimentares na população. Tem-se
assim um cenário que demonstra que regiões tidas como regiões atrasadas, começam
apresentar seu potencial de desenvolvimento local/regional. Além de configurarem uma

37
relação social de mercado em que agricultores, agricultoras e consumidores estabelecem
laços de confiança recíproca, no sentido de que esses distintos atores validam essas
experiências que estão para “além das porteiras” do campo, e representam uma
possibilidade de reprodução do campesinato na contemporaneidade. Para Seyfert (2015,
p. 147), “a comida é um marcador cultural facilmente metaforizado pela memória; por
isso tem importância na significação de identidades étnicas, regionais e nacionais.”
Quando refere-se a proximidade entre agricultores e consumidores, é necessário
não deter-se apenas à aproximação geográfica, pois sabe-se que é uma tendência não só
no Brasil, mas igualmente na Europa a abertura de pequenas lojas para atender a
demanda do mercado local, mantendo-se contudo, o modelo de produção e distribuição
hegemônicos. Nesse sentido, afirma Perez-Cassarino (2013, p. 190):

Há uma “rastreabilidade” socialmente construída no âmbito destes


mecanismos de mercado. E, mais que a técnica ou o controle físico da
origem do produto, o diálogo e a transparência no processo de
produção e consumo viabilizam esta rastreabilidade. Produtos
identificados com os nomes das famílias produtoras, o controle social
possibilitado pela comercialização coletiva, bem como a abertura das
unidades de produção a visitas de consumidores, estabelecem formas
de controle social sobre a origem dos produtos.

Embora, no Brasil, os estudos ainda sejam incipientes para entender o papel do


consumidor nas feiras agroecológicas, alguns autores já apontam que essa é uma nova
tendência que pode orientar a sociedade para um momento de transição paradigmática,
no intuito, sobretudo, de construir outra realidade. Assim, o papel dos consumidores vai
assumindo um lugar significativo nessa relação alimento, sociedade e natureza (BETTI,
et al., 2013). Zanini e Froelich (2015) ressaltam que a feira é um vasto campo de análise
e de sociabilidades mais amplas, em que é possível ver também espacialidades diversas
(rurais e urbanas; da casa/família e da rua). Na pesquisa das autoras, a feira tem se
transformado em um espaço lúdico e de sociabilidade prazerosa.
Autores como Bauman e Hall (2007; 2002) nos indicam que a humanidade na
pós-modernidade encontra-se frente a processos de identidades híbridas, fluídas e
transitórias. Assim, para tentar desvelar o papel do consumidor nesse cenário, é preciso
considerar que esses atores fazem suas opções a partir de distintos conceitos
norteadores. Nesse sentido, consideram Betti, et al. (2013, p. 269) “assim, emerge o
consumidor contemporâneo: fragmentado, composto de múltiplas identidades, que
acompanham diferentes quadros estruturais e institucionais”.

38
As identidades dos sujeitos por vezes apresentam caráter contraditório,
desfragmentado em um processo descontínuo, nesse sentido, percebe-se também uma
mudança no perfil de consumo, não identificado agora apenas do ponto de vista
econômico, mas considerando, sobretudo, o perfil sociológico e antropológico, onde
percebe-se um compartilho da visão de mundo, de identidades e culturas. Assim, Betti,
et al. (2013, p. 271) consideram:

Desse modo, na medida em que constroem e expõem culturas e, por


isso, são carregadas de valores, pode-se afirmar que as diferentes
maneiras de consumir compõem identidades igualmente diversas. No
contexto que impele as mudanças de identidade, também se observam
novos valores e novas formas de se relacionar com o mercado por
meio das ações dos consumidores, as quais passam a compor novas
identidades de consumo.

Betti et al., (2013) falam de uma multiplicidade de atores e entidades, como


movimentos sociais que tem incorporado em seus discursos escolhas e hábitos de
produção e consumo de valores como solidariedade, ética e responsabilidade. Dentre as
categorias analíticas presentes nessas novas posturas, pode-se citar agroecologia,
comércio justo, produtos orgânicos, todos com a finalidade de redefinir as relações entre
produção e consumo. Em sua pesquisa, os autores evidenciaram que dentre as
justificativas para aquisição aos produtos agroecológicos e assiduidade nas feiras
investigadas, uma constante é a confiança entre agricultor e consumidor. Alguns
consumidores enfatizaram que o que os motiva é conhecer o local de produção, saber
quem está produzindo o alimento que eles colocam à mesa, evidenciando assim, laços
de reciprocidade e confiança.
Nesse sentido, afirma Martins (2000, p. 14):

Nesta mesma perspectiva, deve-se registrar que sem o valor-confiança


nutrido reciprocamente entre produtores e consumidores (os
produtores precisam acreditar que os consumidores não vão conspirar
no momento do comércio e vice-versa) as trocas mercantis entram em
colapso. Pois o valor-confiança não pode nascer de contratos jurídicos
e formais por mais elaborados que esses sejam, mas apenas da
confiabilidade da relação interpessoal, da expectativa mútua das partes
envolvidas de que o parceiro da troca mercantil devolva não a traição,
mas a amizade e a solidariedade. O valor-confiança constitui um
atributo que apenas se desenvolve primariamente no nível das relações
da dádiva, no dar ao outro gratuitamente um crédito de honra, no
acreditar que ao se dar esse crédito a alguém ele será retribuído com

39
algo que faça circular adequadamente a confiança inicialmente
depositada.

Sob este prisma, compreende-se que as Feiras Agroecológicas são espaços de


análise da realidade em que o consumo vai se constituindo como elemento que valida
essa experiência. Assim, o consumo nos dias atuais de produtos agroecológicos estão
relacionados a necessidade dos consumidores, que motivados por razões diversas se
dirigem a esses espaços para adquirir produtos, que por sua vez, carregam em si uma
trajetória de construção social da realidade e condição camponesa. Então, a confiança
passa a se constituir como elemento central dessa relação, como bem afirma Martins
(2000).
Radomsky (2013) em sua pesquisa sobre aspectos da relação entre agricultores e
consumidores evidenciou que no alimento agroecológico, por parte dos consumidores, o
que conta muito é saber a procedência do produto; além de os consumidores terem uma
clara distinção entre mercadoria, alusão às prateleiras dos supermercados, e alimento,
este assumindo uma conotação de saudável e confiável, uma vez que é produzido por
atores sociais que os consumidores conhecem. Quanto ao perfil dos consumidores
evidenciou-se que trata-se de moradores do espaço urbano que compartilham de uma
visão crítica do mundo, comum aos agricultores familiares, no sentido de estarem
insatisfeitos e descrentes com o modo de produção alimentar da agricultura
convencional. Assim, na referida pesquisa, constatou-se que os consumidores são
associados a sindicatos, ou trabalham em espaço que lhes possibilita reflexão e ação
perante a finalidade maior das feiras, valorização da agricultura familiar, assim como
mudança na forma de se relacionar com o alimento. Nesta experiência, a Rede Ecovida
conta com a participação dos consumidores para certificar a produção dos agricultores
que optam pela transição.
Canuto (1998) discute sobre as ações que aferem uma configuração específica
para a agricultura familiar e considera que as diferentes formas de compra direta de
produtos agrícolas no Brasil é um processo recente e promissor, que resulta em
vantagens para o produtor e o consumidor. Para o primeiro, a supressão dos
intermediários, potencializando maior retorno econômico e a possibilidade de ouvir dos
consumidores avaliações do que está produzindo; para o segundo, adquirir produtos
mais frescos a preços mais baixos, favorecer pequenos e médios produtores, além de

40
obtenção de maior conhecimento sobre a origem e forma de produção dos alimentos que
vai consumir. Nesse sentido, consideram Nierdele, Almeida e Vezzani (2013, p. 52):

Em uma feira-livre o espaço de mercado é definido por uma rede de


proximidade em que produtores e consumidores interagem por meio
de produtos que possuem um forte apelo valorativo associado à
artesanalidade da produção. As normas e regras estabelecidas à
circulação desses produtos são regidas a partir desta pressuposição
valorativa, ainda que em conflito permanente com outros princípios
qualitativos (técnicos e mercantis, por exemplo).

A proximidade e estreita relação nas feiras agroecológicas entre agricultor-


consumidor é característica peculiar nessa modalidade de circuito curto, pois, em alguns
desses espaços, os consumidores assumem um novo perfil, participam da feira, mas
participam também dos momentos que as antecedem, no plantio, na convivência com as
comunidades rurais. Além de romper com um perfil de consumidor passivo, comum nos
moldes da comercialização via grandes redes varejistas.
Segundo Darolt (2013) a comercialização possibilita aos agricultores
reinventarem os mercados locais aproximando-se dos consumidores, o que por sua vez
estimula a compra de alimentos de base ecológica e cria-se o desafio de construir um
modelo de consumo alimentar ecologicamente correto. Rozendo (2017) considera que
essa proximidade cria relações menos assimétricas, ao passo que proporciona a esses
atores emancipação, condição que eles não adquirem no modelo convencional de
produção agroalimentar.
Assim, essa relação agricultor e consumidor assume características peculiares e
conferem autonomia aos sujeitos, assim como delineia um novo perfil para os
consumidores de alimentos na contemporaneidade. Nesse sentido, afirmam Nierdele,
Almeida e Vezzani (2013, p. 40):

Por isso, mercados diretos como as feiras-livres configuram-se tão


importantes na perspectiva de determinados movimentos
agroecológicos, porque as múltiplas interfaces culturais estabelecidas
nesses espaços sociais facilitam o reencantamento das relações de
consumo alimentar.

A importância de tratar de circuitos curtos de comercialização deve-se também,


a discussão sobre aspectos abrangentes que se colocam como pano de fundo para
entender a abordagem socioeconômica que tenciona agricultores e agricultoras
familiares a desenvolverem estratégias de comercialização que operam sobre valores e

41
princípios que se distinguem das práticas econômicas convencionais, considerando
também a crise do modelo neoliberal econômico adotado pela maioria dos países e
nações. São mudanças estruturais que têm contribuído para construir mercados para a
agricultura familiar e essas mudanças, embora sejam desafios, as têm fortalecido.
Schneider, Marques e Conterato (2016), ressaltam aspectos importantes dessas
mudanças, tais como, acesso a políticas públicas que possibilitam aumento e
dinamização da produção, diminuição da pobreza e desigualdade no espaço rural,
aumento da segurança alimentar, e somado a isso, inserção dos agricultores familiares
nas redes de mercados alternativos, onde eles/elas mesmos (as) comercializam a sua
produção. Assim, a construção social dos mercados constitui-se como elemento de
muita importância para compreender as nuances e performances do rural
contemporâneo.
Nesse sentido, percebe-se um aumento da demanda da produção agrícola tanto
por parte das commodities, como também da disseminação de mercados alternativos,
que por sua vez, passam a coexistir com os circuitos convencionais. Assim, o estudos
podem auxiliar na compreensão desses processos distintos, pois mesmo que o modelo
convencional de produção agrícola nos indique seu crescimento, há outras performances
desenvolvidas por uma diversidade de atores que apontam para outra direção, segundo
Schneider, Marques e Conterato (2016, p. 13) “impulsionadas pela emergências de
novas formas de produção e de governança”. E nesse sentido, afirmam:

Estamos convencidos de que simplesmente não é possível conceber a


existência de uma agricultura (mesmo que seja familiar e praticada em
pequena escala) e de estratégias de desenvolvimento rural sem levar
em consideração o papel e o lugar dos mercados. Cada vez mais, as
transformações em curso no mundo rural estão associadas ao modo
como os agricultores e outros atores sociais interagem, trocam e
constroem circuitos de comércio que lhes garanta algum tipo de renda,
acesso a serviços ou mesmo interação social (SCHNEIDER,
MARQUES; CONTERATO, 2015, p. 14).

No que diz respeito ao entendimento dessas mudanças para a agricultura


familiar, é válido ressaltar que essas iniciativas são reflexos também, de uma ação mais
efetiva por parte do governo federal nos últimos anos que resultou diretamente em
acesso a renda às pessoas que se encontravam em situação de extrema miséria, bem
como maior acesso às políticas públicas (BAVA, 2016; MOURA, 2017).

42
É relevante o entendimento de que os circuitos longos são caracterizados por se
situarem dentro de uma grande cadeia de produção, onde os países em desenvolvimento
destinam grandes áreas para a monocultura, como por exemplo, soja e milho, e através
de uma grande rede de construção de estradas e aeroportos, esses alimentos sejam
levados para outros países, configurando assim, o modelo agro exportador ou
agronegócio (BAVA, 2016). Assim como, a compreensão de que as cadeias
agroalimentares são cadeias agroindustriais, e que operam sob uma cadeia complexa e
longa de agentes intermediários, que segundo Gazolla e Schneider (2017, p. 10):

Começa antes mesmo de se jogar uma semente na terra, passa por


empresas de insumos, sementes, implementos e mesmo combustíveis,
e vai além da porteira dos estabelecimentos agropecuários,
envolvendo unidades de transformação de fibras e matérias-primas
alimentares. Em face desse tamanho e complexidade, as cadeias
agroalimentares ou agroindustriais são longas. Nas cadeias longas, as
relações e interações entre produtores e consumidores são quase
inexistentes, pois os alimentos acabam sendo produtos de uma
indústria ou de um supermercado, vendidos com marcas específicas
ou “nomes fantasia”.

Esse modelo se caracteriza ainda pelos grandes impactos sociais, ambientais e


econômicos que gera. A saber, a concentração fundiária, o poder das grandes
corporações que controlam grandes extensões de terra, controlam assim as terras e as
sementes, assim como o sistema de transporte e cadeia dessa produção. Além de utilizar
pouca mão-de-obra, o que por sua vez gera mais pobreza e desigualdade. Os recursos
ambientais são degradados para implantação desse modelo, comprometendo assim, a
biodiversidade local, e a capacidade de resiliência dos ecossistemas naturais. O impacto
direto é percebido também no grande dispêndio de energia utilizado, se comparado,
sobretudo, com os resultados dessa produção.
Assim, esse modelo pode ser sinteticamente apresentado como um modelo que
gera exclusão e compromete a segurança e soberania alimentar nacional, degrada o
meio ambiente e a diversidade de ecossistêmicas e biomas nacionais, logo, não pode
mais ser pensado em longo prazo. Sobretudo, se considerarmos que nos últimos anos
vozes que atestam que a humanidade precisa rever o caminho de desenvolvimento e
crescimento que tem percorrido, propondo assim, pensar desenvolvimento e
sustentabilidade como categorias necessárias para pensar em um modelo que oriente
para a mudança.

43
Difere, nesse sentido, o caminho percorrido por diversos atores sociais, em que
evidenciamos os circuitos curtos, caracterizados por maior envolvimento de agricultores
e agricultoras familiares, entidades e organizações civis, com a finalidade de que o
agricultor e agricultora, estejam mais próximos aos consumidores, de modo a beneficiar
o desenvolvimento local e regional, articulando cadeias produtivas, e valorizando a mão
de obra local. Assim, compreende Bava (2016, p. 181):

Por circuitos curtos entendemos a busca pela aproximação entre os


locais de produção e consumo de bens e serviços; a redução da escala
das distancias percorridas pelos produtos a serem transportados; a
diminuição da necessidade de uso de redes de transporte, energia e
logística; a utilização de mão de obra do território; o financiamento
em condições acessíveis aos micro e pequenos empreendedores com
novos mecanismos de intermediação financeira; a maior participação
dos atores sociais nos processos de decisão política, o maior cuidado
com o meio ambiente do lugar em que vivem.

No Brasil, os estudos sobre cadeias curtas de comercialização, se dá a partir de


meados da década de 1990, e é nesse período que surgem artigos sobre os processos de
beneficiamento, processamento e comercialização doméstica de alimentos que já
demonstrava que, enquanto se configura no cenário nacional e internacional a afirmação
do agribusiness, era atestada igualmente a resistência e inovação dos agricultores
familiares que “se mostravam hábeis produtores e comerciantes de seus produtos,
vendendo-os especialmente em pequenas feiras ou mesmo de porta em porta aos
consumidores”. Segundo os autores, embora os estudos terem se concentrado no Sul do
Brasil, no Nordeste já era evidente trabalhos sobre o processamento de polpas de frutas,
e no Norte castanha e açaí no Pará (GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017, p. 16).
Estudos têm sido realizados em outros países e Renting, Marsden e Banks
(2017), ressaltam que para compreender o desenvolvimento rural na
contemporaneidade, é preciso captar a riqueza empírica das redes alimentares
alternativas emergentes, considerando, sobretudo, que há ainda carência de estudos
teóricos e empíricos conduzidos sobre as Redes Agroalimentares Alternativas. Os
autores1 utilizaram três categorias de redes alternativas ou cadeias curtas de
abastecimento de alimentos, consistem em agricultura orgânica, produção de
especialidades e venda direta.

1
O Projeto IMPACT foi realizado em sete países europeus (Holanda, Reino Unido, Irlanda, Alemanha,
Itália, Espanha e França. Resultou em um panorama da difusão e do impacto das CCAAs nos referidos
países que juntos representam 75-85% da agricultura da EU (RENTING; MARSDEN, BANKS, 2017).

44
Para entender esse quadro atual que aponta para o fortalecimento, consolidação
e surgimento das RAAs, Renting, Marsden e Banks (2017) defendem a compreensão do
contexto em meio ao qual essas experiências sugiram e têm se fortalecido. A partir dos
autores, podemos sistematizar que o referido contexto diz respeito a: 1) preocupações
por parte do público consumidor com as questões ecológicas, de saúde e bem-estar
animal; 2) crescente falta de confiança na qualidade dos alimentos advindos da
agricultura convencional; 3) a dissociação entre produção, processamento e consumo
dos alimentos criou uma necessidade estrutural de construção de outro tipo de garantia
de qualidade alimentar institucionalizada.
É importante atentar ainda, para o significado da inserção nas RAAs para os
agricultores e agricultoras familiares, que para os autores trata-se de uma forma de
amenizarem o “aperto” em que os custos de produção têm se elevado, tendo inclusive
que investirem mais na propriedade atendendo as regulamentações ambientais, medidas
sanitárias, dentre outras, podendo dinamizarem-se e recuperarem valor na cadeia de
abastecimento (RENTING; MARSDEN; BANKS, 2017).
Goodman (2017, p. 65), ressalta que no que diz respeito aos produtores
inseridos nas RAAs e CAAs no contexto europeu, espera-se destes algumas
expectativas que podem assim ser elencadas: 1) desenvolvimento de novas formas de
subsistência utilizando novas fontes de valor agregado e 2) reconectarem-se com os
consumidores; sendo assim, incentivados “a interromper as cadeias industriais de
suprimentos e reconstruir a relação produtor-consumidor através da interação com
diferentes convenções e construções de atributos”.
Convém refletir sobre o que possibilita ou não, a permanência, viabilidade e
consolidação dessas experiências para além das previsões e conceitos simplificadores da
realidade. Pois, como afirma Goodman (2017) o grande capital também se apropria dos
conceitos e práticas que respondem por um alimento diferenciado. Resta-nos
compreender o que possibilita a permanência ou não dessas experiências. Quais as suas
bases e fundamentos que fragilizam ou potencializam suas práticas para além do status
quo da produção alimentar. Atentando ainda para o fato de que as grandes corporações
se proponham a ofertar um alimento saudável, esse ainda é considerado inacessível para
boa parte da população devido, sobretudo ao preço elevado, assim “apenas
consumidores privilegiados têm condições de aderir a esta “fuga para a qualidade”,
deixando os demais como “convidados ausentes à mesa”.

45
Otimizar os circuitos curtos de comercialização consiste assim em um desafio,
sobretudo, porque se tratam de uma proposta que orienta para pensar um outro modelo
que venha a ser um caminho a ser percorrido pelos distintos atores sociais. Assim, pode-
se considerar que mesmo que os circuitos curtos não possam ser vistos como caminho
único para viabilizar o acesso da sociedade ao alimento, as iniciativas que se
desenvolvem sob esse prisma, constituem sim, como caminhos de autonomia e
emancipação social, conforme Santos (2006). E assim, essas iniciativas precisam ser
observadas de mais de perto, para que assim, se compreendam suas tessituras e,
portanto, seus pontos de fragilidade, considerando ainda, que uma ação eficaz deve
consistir em iniciativas que aconteçam de forma não setorizada.
Essas experiências são relevantes, porque possibilitam aos agricultores e
agricultoras diversificarem suas atividades, e, nesse sentido, estabelecerem relação
direta com o consumidor. Essa relação pode ser percebida de diversas formas, venda
direta dos produtos agrícolas nas feiras agroecológicas, pequenos circuitos de
distribuição, dentre outros. Essas atividades estão sempre relacionadas à essência da
condição camponesa, além de valorizar o espaço rural, renova as relações sociais entre
campo e cidade (BOVÉ; DUFOUR, 2001).
Assim, é importante ressaltar o cenário em que surgiram as experiências de
comercialização alimentar em circuitos curtos, propondo-se, sobretudo, como
alternativa ao modelo hegemônico que colocou em alerta a sociedade. De um lado havia
uma população, sobretudo, de citadinos que estavam assustados com os riscos da
alimentação moderna, do outro lado havia agricultores e agricultoras que produzem para
seu consumo de forma ecológica, e precisam escoar o excedente dessa produção,
criando mercados alternativos em que agricultores e agricultoras são protagonistas do
processo de desenvolvimento local (SOUZA-SEIDL; BILLAUD, 2015).
A definição de Circuito Curto é apresentada por Souza-Seidl e Billaud (2015)
como sendo a venda direta de produtos agrícolas que ocorre entre agricultor e o
consumidor. Assim, afirmam:

Por fim, os CC emergem como um diferencial para os agricultores


ecológicos em geral. Se por um lado, os agricultores em circuitos
longos têm que se adequar à um padrão de produção e de comércio,
por outro, a conformação dos CC não somente reforça a existência de
relações positivas entre agricultores e consumidores, mas também
descortina a presença de uma diversidade de modos de produção e de
agricultores (orgânicos, agroecológicos, biologiques, etc) no sistema

46
agroalimentar, que em meio a regiões fortemente urbanizadas, buscam
harmonizar produção com preservação do meio ambiente (SOUZA-
SEIDEL; BILLAUD, 2015, p. 5).

Assim, o que se torna constitutivo dessas experiências é a revalorização dos


conhecimentos tradicionais e territoriais através dos alimentos. Ao mesmo tempo em
que se estruturam novas formas de produção e relação entre produtores e consumidores.
Logo, o que torna-se perceptível é o potencial dessas experiências para os atores
envolvidos, sobretudo, no sentido de possibilitar aos agricultores e agricultoras a
permanência no campo e a sustentabilidade percebe-se como constituinte fundamental
desse processo.
Algumas pesquisas sinalizam a importância e a necessidade de compreender os
circuitos curtos em suas várias dinâmicas de atuação. Assim, a pesquisa de Cassol
(2013) consistiu em entender o que determina a confiança entre o agricultor e o
consumidor. Na referida pesquisa foi evidenciado que a relação que se estabelece entre
os distintos atores está pautada também em uma relação mercantil, contudo os laços
constituídos se estendem para além desta condição. Pois, as relações e trocas
econômicas nitidamente encontram-se enraizadas nos valores sociais e culturais do
território. Na experiência de comercialização face-a-face evidenciou-se ainda fluxos de
valores compartilhados pelos produtores e consumidores. Assim, o autor citado afirma
que os atores sociais confiam nos alimentos comercializados na Feira porque
compartilham valores, e compartilham valores porque confiam nestes alimentos.
Nesse sentido, Cassol (2013, p. 120) afirma que as Redes Agroalimentares
assentam-se sobre aspectos ligados a qualidade alimentar; a valores sociais; ao papel
dos consumidores; a construção social de mercados e relações de confiança. Assim,
afirma o autor “Portanto, as feiras-livres, além de assentarem-se sobre a iniciativa
própria dos agricultores, são capazes de estenderem vínculos e criar redes que
incorporem outros atores e instituições, garantindo legitimidade e confiança a estes
mercados locais”.
Na pesquisa realizada por Souza-Seidl e Billaud (2015) foi evidenciado que as
experiências de Circuitos Curtos são mais eficazes quando o contato entre agricultores e
consumidores é fortalecido por estratégias de organização social e de animação da
sociedade local como um todo, envolvendo agricultores, sociedade e governo.
Ferrari (2011) destacou em sua pesquisa que os empreendimentos de circuito
curto são importantes, sobretudo, porque favorecem a reprodução social e econômica

47
dos agricultores e agricultoras familiares catarinenses, evidenciando que as cadeias
curtas se constituem como uma dimensão chave nos processos de desenvolvimento rural
contemporâneos. Na referida pesquisa, os atores participam e acessam diferentes
mecanismos de comercialização, e que assim re-espacializam e ressocializam os
alimentos, sendo essas, algumas das características mais importantes das cadeias
agroalimentares curtas. Na comercialização face-to-face percebeu-se uma economia de
regard (respeito e confiança). Assim como na pesquisa de Cassol (2013), Ferrari (2011)
mostra que as transações econômicas e ações mercantis estão igualmente enraizadas nas
relações sociais presentes nesses espaços.
Assim, pode-se considerar que a agroecologia pode duplamente favorecer a esse
novo cenário. Pois, por um lado possibilita aos agricultores orientarem suas práticas
considerando os princípios de sustentabilidade e ao mesmo tempo a comercialização
direta da sua produção, aproximando-os assim dos consumidores que veem nesses
espaços oportunidade de adquirir alimentos saudáveis que trazem também o
reconhecimento social do campo.
Na França os representantes do setor agroalimentar utilizam o termo circuito
curto para caracterizar os circuitos de distribuição em que há a relação direta entre
produtores e consumidores, ou até no máximo um intermediário nessa relação. No
Brasil, percebe-se que os agricultores que obtêm êxito com a comercialização em
circuitos curtos, vendem sua produção em pelo menos dois canais, a saber, feiras e
programas de governo. Um aspecto identificado ainda nos circuitos curtos é a
autonomia do agricultor. E autonomia em diversos aspectos, desde a produção a
comercialização, perpassando também pela autonomia na gestão (DAROLT, 2013).
1.2 Circuitos curtos no âmbito dos mercados aninhados
A discussão sobre circuitos curtos está alocada dentro da discussão sobre
mercados alternativos. E para entender essa nova configuração dos espaços rurais a
partir dos mercados alternativos, Ploeg (2016) desenvolve um conceito que ele
denomina como mercados aninhados, esses ocorrem quando estão aninhados no interior
de mercados mais amplos, assim, ele afirma que esses mercados estão dentro dos
mercados maiores, contudo, desenvolvem dinâmicas próprias, inter-relações, formas de
governança próprias, mecanismos de distribuição, dentre outros. O conceito é assim
apresentado por Ploeg (2016, p.30):

48
Um mercado aninhado é um segmento de um mercado mais amplo. É
um segmento específico, que normalmente exibe níveis de preços,
padrões de distribuição do Valor Agregado total e relações entre
produtores, distribuidores e consumidores diferentes daqueles
observados no mercado mais amplo. Tal segmento está aninhado no
grande mercado. É parte desse mercado, mas ao mesmo tempo,
distingue-se dele (PLOEG, 2016, p. 30).

Para o autor, é importante notar que a agricultura familiar contemporânea tem


como características a multifuncionalidade e a criação de novos mercados para esse
segmento, e que essas práticas são fortalecidas em decorrência das imperfeições dos
mercados de produtos agrícolas básicos. Assim, duas coisas são importantes nessa
questão. A primeira é que trata-se de tentar compreender as interfaces novas das
performances da agricultura familiar na contemporaneidade, portanto, uma tarefa
complexa que demanda mais estudos e metodologias específicas, e a segunda, que esses
mercados diferenciam-se consideravelmente de nichos de mercado, pois ao contrário
destes, essas experiências são permeáveis, pois segundo Ploeg (2016, p. 31), novos
produtores podem entrar, outros podem sair, o número e o perfil de consumidores varia
bastante, as fronteiras dos mercados aninhados são bastante flexíveis e “apresentam
considerável maleabilidade e capacidade inovadora”.
Sobre a compreensão dos mercados, afirma Schneider, Marques e Conterato
(2016, p.):
Os mercados, no bom plural, são um fenômeno sociológico que se
caracteriza como um processo de interação social que mobiliza atores
e agentes que possuem interesses em trocar e intercambiar bens,
produtos e mercadorias. Os mercados existem na medida em que estas
interações sociais ocorrem. Portanto, o mercados podem e
efetivamente são construídos por indivíduos e grupos sociais, tais
como os agricultores familiares.

Outra característica importante em mercados aninhados é que eles “surgem”


muitas vezes, dentre outros motivos, das lacunas deixadas pela economia de grande
escala, como por exemplo, em grandes cadeias de supermercado em que o consumidor
não tem contato com o produtor da mercadoria, ele interage no máximo com um
arrumador de sessão, conota-se uma lacuna estrutural entre produtores e consumidores.
Assim, os mercados aninhados, estão a colocar pontes que interligam esses atores
distintos, assim afirma:

A recém-desenvolvida instituição do mercado de agricultores leva os


produtores aos centros urbanos e lhes possibilita estabelecer contato

49
direto com consumidores – contato que pode resultar em relações
sociais estáveis. O mercado dos agricultores é uma infraestrutura
sociomaterial (um mercado físico combinado a um determinado
conjunto de normas) que possibilita agricultores e consumidores
engajarem-se naquilo que a infraestrutura oferecida pelos
supermercados torna fisicamente impossível; isto é, a interação direta
(PLOEG, 2016, p. 42).

É necessário ressaltar que em nossa abordagem sobre o mercado,


compreendemos, à luz de Wilkinson (2016) e Granovetter (2007), que mesmo os
circuitos curtos, não estão dissociados do cálculo econômico, assim como os grandes
mercados não são impermeáveis às demandas da sociedade, ou seja, às exigências dos
indivíduos.
Segundo Wilkinson (2016, p. 60), os estudos contemporâneos sobre a construção
de mercados precisam evidenciar os consumidores ou diferentes agentes como
“formadores de mercado”, ou como os que sustentam os mercados. E ressalta ainda que
“na medida em que os mercados se sujeitam não só a avaliações técnicas, mas também a
juízos sociais e ambientais, interesses públicos e de consumidores tornam-se mais
centrais no processo de formação do mercado”. Para além de uma leitura estagne sobre
mercados alternativos, afirma Wilkinson (2016, p. 61):

Na prática, o maior impacto da promoção de cadeias de comércio


alternativas pode ser a forma como essas aceleram as mudanças nos
mercados dominantes. Aos invés de estarem ameaçados de absorção
pelos mercados tradicionais, os circuitos alternativos são tão
inesgotáveis quanto os movimentos sociais que os impulsionam e que
desafiam os termos nos quais os mercados dominantes são
organizados.

Para Wilkinson (2016), existe na contemporaneidade uma nova consciência de


consumo que está atrelada a múltiplas questões e apontam para a demanda por um
alimento sustentável, no qual o autor denomina de movimentos sociais econômicos, em
que uma das características centrais é a diminuição da distância produtor/consumidor.
Schneider (2016, p. 99) ressalta a necessidade de reconhecer que no âmbito da
agricultura familiar na contemporaneidade, é relevante o entendimento de que os
mercados precisam ser vistos e reforçados na perspectiva sociológica, que apresenta
caráter heterogêneo, e são ainda espaços de interação social, econômica, cultural. É
necessário ainda, segundo o autor, compreender o sentido e as formas de interação
mercantil que esses agricultores estabelecem nesses espaços e, para além destes. O autor
50
discorre sobre a conformação dos mercados, seu processo histórico e nos leva a
compreender que o que antes era um espaço físico, “o mercado era tão somente o local
concreto em que se realizavam as trocas de bens, produtos e mercadorias entre
indivíduos”, atualmente tem outras formas. Nesse sentido, a nossa compreensão de
mercado, assenta-se na compreensão de Schneider que assim afirma:

A discussão atual é diferente, pois centra-se na análise da inserção dos


camponeses ou dos agricultores nos mercados, com o intuito de saber
como se dão essas relações, como esta interação é construída, quais
são os fatores que favorecem ou restringem as relações com os
mercados, entre outras questões de natureza sociológica
(SCHNEIDER, 2016, p. 105).

No que diz respeito aos estudos rurais sobre a compreensão dos mercados em si,
Schneider (2016), ressalta que esses foram estudados de maneira limitada e insuficiente,
além do fato de que sob um ponto de vista histórico, a relação agricultores e mercado
causou estranhamento, pois essa relação até épocas remotas era inexistente, não havia
mercados acessíveis para os agricultores familiares, pois a prática cotidiana desses
trabalhadores era detida ao trabalho manual e de comércio não entendiam, além do
baixo grau de instrução dessas pessoas. O autor apresenta uma classificação dos
mercados, que consistem em:
MERCADOS CARACTERÍSTICAS
Mercados de Proximidade Predominam relações de trocas
interpessoais; mobilizam-se via de
relações de parentesco, interconhecimento
e reciprocidade.
Mercados locais e territoriais As trocas passam a ser monetizadas e se
configura uma situação de intercâmbio
cada vez mais orientada pela oferta e
demanda;
Mercados convencionais Mercados de produtos, bens e
mercadorias e se orienta pela oferta e
demanda em que a atuação de agentes
privados que atuam de diversos modos.
Mercados institucionais Espaços de troca em que o principal
agente é o Estado ou algum organismo
público.
Quadro 2: Tipos de mercados
Fonte: Schneider (2016) adaptado pela autora.

O desafio é tentar entender as nuances e performances dos mercados


alternativos, uma vez que esses sinalizam outras conformações para a agricultura

51
familiar. Assim, é importante uma dupla imersão nos estudos para compreender essa
perspectiva na contemporaneidade, no sentido de obter na leitura clássica sobre a
construção de mercados uma base em que se assenta essas experiências, mas, contudo,
ir além, o desafio é não romantizar essas experiências no sentido de simplifica-las
(SCHNEIDER, 2016).
Para tanto, demanda-se estudos e uma agenda que incorpore outros olhares,
perspectivas e metodologias que possam compreender essa nova realidade do espaço
rural brasileiro. A importância de estudar os mercados embasado por outros
pressupostos é defendida por Abramovay (2004), em que citando Swedberg (1994),
afirma que a compreensão deste autor assenta-se na subjetividade dos agentes
econômicos em que embora a racionalidade fundamenta a relação econômica, ela não é
somente suficiente para orientar a ação dos atores, pois a conduta dos indivíduos e dos
grupos, só se explica socialmente. A sociologia econômica data de 1980, em que o pano
de fundo era um movimento geral questionador de pressupostos comportamentais
básicos da tradição neoclássica.
No que diz respeito a compreensão dos mercados no âmbito da sociologia
econômica, Abramovay (2004, p.44) considera como relevante os questionamentos à
ciência econômica tradicional que tratou os comportamentos humanos em uma
perspectiva a-histórica, a-social. Desse modo, a sociologia econômica contemporânea
vem justamente ao encontro dessa lacuna, concebendo os mercados como formas
específicas “enraizadas, socialmente determinadas de interação social, e não como
premissas cujo estudo pode ser feito de maneira estritamente dedutiva”.
Relevante também é a afirmação de Plein e Filippi (2011, p. 118) sobre os
mercados e sua estrutura complexa:

A Nova Sociologia Econômica e a Nova Economia Institucional


fornecem algumas pistas: i) metodologicamente, é interessante
compreender as regras do jogo (instituições) e quais são os jogadores
(organizações) envolvidos no processo de transação; ii) as regras
formais podem ser analisadas através das normas, leis e contratos
formais que regulamentam o mercado; iii) por sua vez, as regras
informais precisam ser buscadas nos hábitos, nas crenças e nos
costumes, ou seja, na cultura dos indivíduos; iv) não basta saber quais
são as regras, é necessário também conhecer de que forma elas são
aplicadas e moldam o comportamento; v) é importante conhecer o
processo histórico de formação e evolução dos mercados e analisar
como as instituições foram sendo construídas, mantidas ou
modificadas; vi) os mercados são construções sociais e as relações
econômicas estão enraizadas nas relações sociais e não o contrário.

52
Um conceito relevante para a compreensão dos mercados na contemporaneidade
é a perspectiva da imersão (embeddedness) e que tem como referência Granovetter
(2007), para quem a visão dominante dos antropólogos, sociólogos, cientistas políticos e
historiadores, era de que o comportamento imerso se encontrava profundamente
arraigado nas sociedades pré-mercantis, mas que na sociedade moderna, esse
comportamento entre os atores e agentes se tornou completamente autônomo. Para o
autor, essa visão denota o distanciamento entre economia e sociedade moderna, de
modo que as transações econômicas não consistem mais em relações de proximidade.
Assim, o pensamento de Granovetter (2007, p.9) é relevante para o que temos
refletido sobre as feiras agroecológicas. Uma vez que essas experiências são
heterogêneas, apresentam diversidade de atores, instituições, contexto social, cultural, e
além da relevância da questão ambiental, resultando em uma teia complexa que
possibilita e fortalece essas experiências. Para o autor, é importante considerar a
importância de que as decisões e escolhas das pessoas não podem ser analisadas
desconsiderando o seu contexto social, ao contrário, suas ações “estão imersas em
sistemas concretos e contínuos de relações sociais”.
A questão da imersão apresentada por Granovetter (2007) enfatiza o papel das
relações pessoais concretas e as estruturas dessas relações na origem da confiança.
Desse modo, é possível pensar com referência no autor citado, que a relação agricultor-
consumidor nas feiras agroecológicas tem como uma de suas bases a confiança que é
estabelecida a partir do contato constante entre esses atores. A luz para essa questão é
apresentada por Granovetter (2007, p. 12) que afirma:

(1) é barata; (2) uma pessoa confia mais na informação que colheu
pessoalmente – ela é mais rica, mais detalhada, e sabe-se que é
precisa; (3) os indivíduos com os quais se tem uma relação duradoura
têm uma motivação econômica para ser dignos de confiança, para não
desencorajar transações futuras; e (4) diferentemente de motivos
puramente econômicos, as relações econômicas contínuas tendem a
revestir-se de conteúdo social carregado de grandes expectativas de
confiança e abstenção de oportunismo.

Para uma compreensão da inserção dos agricultores familiares ao mercado na


contemporaneidade, Plein e Filippi (2011) ressaltam as mudanças ocorridas nesse

53
segmento, referenciando-se em autores clássicos da sociologia rural2. E para a
compreensão dessas mudanças no cenário brasileiro, os autores se referenciam em
Veiga (1991), Abramovay (1992), Wanderley (2009), Schneider (1999) e discorrem
sobre como a agricultura familiar brasileira tem reconhecida a sua importância para o
desenvolvimento do país, e ainda como esses agricultores estão inseridos no processo de
mercantilização agroalimentar, mantendo, contudo, características próprias que os
possibilitam a uma inserção mantendo suas especificidades. Nesse sentido, afirmam:

a) no Brasil a agricultura familiar é relevante do ponto de vista


econômico e social; b) em função do processo de modernização da
agricultura, que via de regra significa a ampliação das relações
capitalistas na agricultura, esses agricultores se “metamorfosearam”
através da crescente “mercantilização”; c) permaneceu o trabalho
familiar; porém, sua reprodução social passa a ser influenciada pela
sua relação (cada vez maior), com os mercados; d) portanto, o desafio
passa a ser compreender a “morfologia” dos mercados da agricultura
familiar (PLEIN, FILIPPI, 2011, p. 109).

Milone e Ventura (2016) discutem sobre os mercados trazendo uma leitura nova
para compreender essas conformações na contemporaneidade, que podem nos ajudar a
compreender aspectos bem específicos das feiras agroecológicas. Os autores afirmam
que as transações podem ser governadas de diversas formas, e não raro, formas híbridas
que se alocam muitas vezes entre o mercado e a hierarquia, o conceito por eles
consistem em “formas híbridas de comércio e são estruturas intermediárias de
governança que recaem em algum ponto entre esses dois extremos”. Para uma maior
compreensão do conceito, os autores afirmam:

Existem dois tipos principais de governança híbrida: quase-


organizacional e quase-mercado. O primeiro pode ser definido como
um sistema em que atores são parte de distintas unidades de negócios
pertencentes à mesma organização, ou operando em sistemas em que
normas compartilhadas conformam uma organização ou uma rede
estável. Um quase-mercado é uma estrutura na qual os atores
compartilham padrões cooperativos de comportamento ou estão
envolvidos em relações contratuais que (em parte) substituem o
mercado à vista (spot denti) (MILONE; VENTURA, 2016, p. 232).

A discussão apresentada pelos autores consiste, sobretudo, em afirmar que


nessas formas de sistemas o peculiar é que elas são coordenadas e controladas por uma

2
Mendras, 1978; Chayanov, 1974; Marx, 1982; Lênin 1985

54
“mão visível”, 3que consiste na atuação de instituições e redes. Essa atuação possibilita
trocas satisfatórias para todos os envolvidos e redução nos custos de transação. Segundo
os autores, as pesquisas empíricas na Europa tem evidenciado que essas novas formas
de transação tem influenciado o sistema agrícola e alimentar, e que mesmo as grandes
corporações têm optado por desenvolver estratégias multifuncionais uma vez que
“oferecem melhores perspectivas de sobrevivência e crescimento”. A compreensão de
mercado adotada na pesquisa assenta-se sob o conceito apresentado por Ploeg (2016, p.
21):

Mercados são locais em que, ou estruturas através das quais, bens e


serviços são trocados. Os mercados conectam produtores e
consumidores – seja direta ou indiretamente – de maneiras simples ou
altamente complexas. Constituem-se os locais em que ocorrem as
transações e os respectivos fluxos, de mercadorias; ou os sistemas que
organizam tais fluxos, de um ponto a outro, no espaço-tempo, muitas
vezes por meio de transações complexas e inter-relacionadas.

Assim, a pesquisa detém-se a estudar os circuitos curtos de comercialização,


dentro das experiências de feiras agroecológicas e se baseiam na ação coletiva de atores
sociais que operam nesses mercados alternativos, que para Wilkinson (2016), são
movimentos sociais econômicos. O autor ressalta que nas últimas décadas, a agricultura
familiar vem acessando aos mercados alternativos, e é válido dizer que essa categoria,
vem na verdade, construindo esses mercados, e um dos desafios na contemporaneidade,
é compreender a conformação desses mercados e sob quais bases eles se assentam, no
que essas relações estão fundamentadas (WILKINSON, 2008).
A partir da década de 1990 surgem importantes mudanças na prática da
agricultura, e especialmente, os “pequenos produtores” passam a ser reconhecidos como
agricultores familiares, e as mudanças não param por aí, vê-se também que surgem
novas oportunidades de inserção da agricultura familiar nos mercados, se referindo aos
nichos, especificamente. Contudo, para a categoria agricultura familiar inserir-se nesses
mercados é por vezes difícil, fato devido, segundo Wilkinson (2008, p. 15) “as novas
exigências destes mercados em termos tecnológicos e mais ainda mercadológicos
representam barreiras para os agricultores tradicionais”. E nesse sentido, essa
conformação dos referidos mercados, tende a impossibilitar a entrada dos agricultores
familiares. O autor, afirma ainda que, não conseguindo inserir-se nas grandes cadeias de

3
Adam Smith (1983)

55
commodities, os agricultores familiares desenvolvem iniciativas autônomas, bem como
capacidades próprias, de modo que esse cenário “exige novos conhecimentos
tecnológicos, gerenciais e mercadológicos”.

1. 3 A reciprocidade nos mercados alternativos


Os estudos que se debruçam a trabalhar com a reciprocidade enquanto categorias
de análise para o objeto em questão dialogarão com referências basilares dessa temática,
Mauss (2003) e Sabourin (2008).
Assim sendo, é Maus (2003) apontado por Sabourin (2008) o autor que reuniu os
principais integrantes para a construção e compreensão da teoria da reciprocidade,
sendo a dádiva, a obrigação de retribuir, o prestígio e a presença do terceiro. Desse
modo, a presença do terceiro elemento será basilar, podendo ser até mesmo um símbolo
e sempre se recorrerá a esse terceiro. Mauss (2013) ressalta ainda, que nas comunidades
primitivas na Polinésia, Melanésia e com os indígenas da América do Norte onde
realizou seus estudos, é que a coisa trocada não é inerte, ao contrário, em direito maori,
há um vínculo de alma através das coisas que são trocadas. Assim, apresentar alguma
coisa a alguém é apresentar algo de si.
A relação entre indivíduos por via do mercado consubstancia a instauração de
relacionamentos despersonalizados, e por assim, consistindo assim uma relação neutra.
Nesse sentido, Leite (2009, p. 42) considera “o mercado estabelece – ou estabeleceria –
um espaço que constitui um lugar sem vínculos pessoais nos quais as coisas se trocam
entre elas graças ao mecanismo de preços”.
Ao contrário, a dádiva consiste em um dom que conserva ou abre a possibilidade
para que a relação entre sujeitos distintos assuma um caráter para além da relação
comercial, para além dessa neutralidade. Desse modo, pode-se pensar que a dádiva traz
consigo uma memória, trazendo para a relação de troca de valores simbólicos. A dádiva
há que considerar, ela atua dentro de um sistema próprio de relacionamentos sociais
(LEITE, 2009).
Tomando como referência Mauss (2003) que considera dádiva como sendo
capaz de mesclar gratuidade e obrigação, pode-se considerar que embora a doação seja
representada por um aparente desinteresse da doação, ao mesmo tempo, percebe-se que
essa doação implica certo contra-dom, a reciprocação, estabelecendo assim, os vínculos
sociais.

56
Desse modo, a dádiva pode ser pensada a partir de sociedades arcaicas, onde as
relações são constituídas como um sistema de representações e regras coletivas, que por
sua vez, vincula os atores a “reciprocar”, podendo-se ressaltar ainda que na
modernidade essas relações se tornam mais frágeis (LEITE, 2009).
Central na obra de Maus (2003) foi demonstrar que o valor das coisas não pode
ser superior ao valor da relação, considerando, sobretudo, que o simbolismo é
fundamental para entender as tessituras da vida social. Ao estudar as formas relacionais
primitivas, o autor constata que essas formas de vida e sociabilidades são encontradas
também no presente.
E assim, é em Mauss que encontra-se um aporte teórico para compreender a
complexidade das trocas e motivações humanas, que levam para além de pensar nas
relações econômicas. Assim, a teoria da dádiva assenta-se sobre a tríplice dar, receber e
retribuir. Desse modo, o sistema de trocas passa a ser pensado como uma teia complexa
em que distintas categorias se entrelaçam (MARTINS, 2005). Nesse sentido, Martins
(2005, p. 50) considera que:

Mauss se situa, também, entre os autores que contribuíram


decisivamente, no século XX, para valorizar a leitura sociológica da
associação, ao avançar a perspectiva de um espaço de interação
baseado no risco e na liberdade dos indivíduos se relacionarem,
mesmo sabendo-se que essas relações não acontecem em total
liberdade, mas dentro de certos parâmetros morais definidos
coletivamente.

Outro autor que possibilita dialogar com a teoria da dádiva, é Santos (2000,
p.75), defensor da leitura anti-utilitarista da realidade, ao considerar que:

O princípio da comunidade foi, nos últimos duzentos anos, o mais


negligenciado. E tanto assim foi que acabou por ser quase totalmente
absorvido pelos princípios do Estado e do mercado. Mas também, por
isso, é o princípio menos obstruído por determinações e, portanto, o
mais bem colocado para instaurar uma dialética positiva com o pilar
da emancipação.

Tomando como referência os autores supracitados, pode-se pensar que é válido


tentar compreender a sociedade para além das duas estruturas alvo dos estudos
utilitaristas, a saber, o Estado e o mercado. Implica pensar assim que, há muitas outras
conformações na sociedade moderna que nos apontam para caminhos distintos que o
das transações econômicas sempre evidenciadas pelas teorias do homus economicus.

57
Assim, o associacionismo pode ser pensado como uma das grandes críticas aos
paradigmas da modernidade, o Estado e o mercado. É basilar considerar que a evidência
que Mauss (2013) enfatiza é que mesmo nas sociedades arcaicas, assim como nas
modernas, há tessituras sociais que apontam para outros caminhos, outras formas de
troca de valor, mercadoria, e também simbologia (MARTINS, 2005). Assim, aponta
Martins (2000, p. 12):
Mauss compreendeu que a sociedade é primeiramente instituída por
uma dimensão simbólica, e que existe uma estreita ligação entre o
simbolismo e a obrigação de dar, receber e retribuir em todas as
sociedades, independentemente de as mesmas serem modernas ou
tradicionais.

Segundo Sabourin (1999) paralelo às práticas de câmbio mercantil no Sertão


Nordestino, identificam-se igualmente relações econômicas não mercantis, em que
encontram-se configuradas práticas de reciprocidade camponesa, ancestrais ou
reconfiguradas em um novo contexto. Nesse sentido, Sabourin (1999, p. 41) conceitua a
reciprocidade como sendo “a dinâmica de dádiva e de redistribuição criadora de
sociabilidade”.
O que configura a reciprocidade não é a produção exclusiva de valores de uso ou
de bens coletivos, mas essencialmente a qualidade do ser, a sociabilidade, sãos os laços
de amizade, parentesco. E essa condição de sociabilidade em que a relação é constituída
na troca, então é necessário dar, e para dar é preciso produzir (SABOURIN, 1999).
Na região Semiárida, as formas associativas e organizativas dos agricultores
familiares data da década de 1980, com intervenção do Estado, assim como da presença
das comunidades de base da Igreja Católica. Nesse momento houve várias iniciativas
por parte do governo e das demais entidades para criar programas especiais voltados
para resolver os problemas da seca e da fome nessa região. Então, passa a ser
característico nessa região, a participação da população rural, para que uma vez
organizados possam acessar aos créditos, às políticas públicas e aos investimentos
comunitários (SABOURIN, 1999).
Desse modo, Sabourin (1999) tomando como referência Caillé (1998) apresenta
os três paradigmas que subsidiam a compreensão das relações entre os indivíduos. A
saber, o individualismo, que em sua compreensão nos propõe que as ações, as regras e
as instituições são racionais e conscientes; o holismo que configura as ações como
sendo uma expressão da totalidade, incorrendo assim em obrigações, constrangimentos
ou dívidas. E ainda a reciprocidade ou do dom, que embora não negue os dois princípios

58
norteadores precedentes, compreende que as relações humanas não podem ser
explicados apenas através destes, mas sim, que os laços sociais são também construídos
na dádiva, no dom.
Há que considerar, que está presente em todas as sociedades humanas tanto a
lógica econômica, quanto a de intercâmbio e reciprocidade, considerando que o
desenvolvimento de ambas, ou de uma em preferência, será desenvolvida de acordo
com as prioridades das comunidades, sendo o interesse privado ou os valores e as
relações humanas (SABOURIN, 2006).
Na compreensão da abordagem da reciprocidade enquanto a categoria que
configura uma ação coletiva entre sujeitos diversos, em que pese as relações de troca, há
também a busca por entender essa relação enquanto simbologia que representa as
escolhas dos sujeitos que estão para além da abordagem econômica, considera-se que
Leff (2006) ao defender que a ação de atores sociais que se unem para defender suas
condições de existência, podem ser configurados como movimentos de resistência e de
re-existência. Pois, essas pessoas querem através das suas reivindicações o direito a
natureza, mas também o direito aos seus valores culturais que imprimem suas marcas
nas vidas desses indivíduos. Assim, Leff (2006, p. 501) considera:

Não apenas revivem no panorama político como novos movimentos


que reivindicam espaços em um mundo objetivado e economicizado.
Re-existem. Voltam a assumir sua vontade de poder ser como são; não
como têm sido, mas como querem ser. Despertam seus sonhos,
renascem suas utopias, para reinventar sua existência, para passar do
ressentimento pela opressão ao re-sentimento de suas vidas.

De acordo com Santos (2006) é necessário pensar que as representações sociais


contemporâneas presentes no mundo estão para além do que a tradição científica e
filosófica ocidental conhece e considera como importante, e ainda que a riqueza social
destas experiências comumente têm sido desvalorizadas. Assim, para pensar e propor
um, diálogo que leve-nos adiante, é necessário reconhecer que há uma riqueza de
alternativas que embora, estejam invisibilizadas, configuram o desafio de pensar a
ciência social sobre outra epistemologia, outra racionalidade, que diferente da
racionalidade que tem ocultado e minimizado o potencial desse mosaico social e
cultural presentes no mundo, nos dê possibilidades de olhar para além do quadro teórico
e empírico então propostos.

59
Desse modo, há uma diversidade de representações sociais na
contemporaneidade que indicam outros caminhos trilhados que trazem em si novos
contornos para a sociedade e se configuram como possibilitadoras de fomento ao
desenvolvimento local, favorecendo a emancipação social, Santos (2002), trazendo
outro sentido para os atores sociais que compõem essas experiências. O consumo, nesse
sentido, pode auxiliar a compreensão das feiras agroecológicas considerando que o ato
de consumir na contemporaneidade tem assumido distintos contornos, e nesses espaços
onde o alimento constitui-se como um elo entre agricultores, agricultoras e
consumidores, convém refletir sobre quais dimensões essa perspectiva vai sendo tecida.
Compreende-se assim, que a construção de mercados alternativos para a
agricultura familiar tem promovido dinamismo para esses atores, ao passo que outros
elementos são importantes, tais como, melhoria na condição de autonomia para as
famílias, acesso direto ao consumidor, que por sua vez lhes possibilita o fortalecimento
de suas práticas produtivas. Além de dinamizar o acesso ao alimento nos espaços
urbanos.
O capítulo a seguir trata da racionalidade ambiental em diálogo com a
agroecologia, uma vez que entende-se que a agroecologia pode se conformar com base
em uma nova racionalidade que seja permeada por uma outra relação humana com o
meio ambiente.

60
CAPÍTULO II

RACIONALIDADE AMBIENTAL E AGROECOLOGIA

2.1 A racionalidade ambiental e a agroecologia como resposta a ecologia dos


saberes
Pensar a realidade, de modo a compreender suas tessituras, propõe uma reflexão
sobre a racionalidade econômica que subjaz a natureza à condição de coisa, do excesso
do pensamento objetivo e utilitarista, que nos faz pensar na crise pensada por Leff
(2006, p. 16) como “a crise do efeito do conhecimento sobre o mundo”. Trata-se assim,
da distância humana da natureza, essa posta como objeto a ser conquistado, dominado,
em que não há diálogo, nem tão pouco, relação simbiótica, envolvendo também as
relações de poder na teoria e no saber para criar as estruturas de dominação do sistema
moderno. A natureza se configura sob o julgo da modernização, como o outro,
denotando a distância humana e a supremacia, a ser dominada. Convém reconhecer que
para que os ideais da modernidade conseguissem fincar suas bases, era necessário
desnaturalizar a natureza, e a consequência disso é a desestruturação dos ecossistemas e
a degradação do ambiente. Nesse sentido, Leff (2006, p.17) afirma:

Mas o que há de inédito na crise ambiental do nosso tempo é a forma


e o grau em que a racionalidade da modernidade vem intervindo no
mundo, sovacando as bases de sustentabilidade da vida e invadindo os
mundos de vida das diversas culturas que conformam a raça humana,
em um escala planetária.

A crise ambiental está para além da passagem da modernidade à pós-


modernidade. Assim, apresenta-se a realidade como questionadora dos pressupostos
que sustentaram a racionalidade econômica. Constitui-se assim como um desafio, pois
está para além de uma mudança cultural que pode ser absorvida pela realidade ou
escapar da razão. Trata-se de reconhecer que está posta a necessidade de pensar em
uma nova relação entre o real e o simbólico (LEFF, 2006).
Para Ortiz (2007, p. 7) o processo de consciência planetária tem fundamento no
movimento ecológico, que segundo o autor, ultrapassa as fronteiras nacionais, e é
“como uma espécie de movimento social da sociedade civil mundial”. Assim, o autor
afirma que a sociedade globalizada perpassa por três categorias importantes, a ciência,

61
a tecnologia e o consumo. Assim, para entender o processo de mundialização da cultura
há que atentar para os contornos do cotidiano.
De acordo com Jollivet (1998), o meio ambiente se tornou um tema necessário
para ser discutido e abordado nos estudos sobre a sociologia rural, uma vez que o
surgimento dessa discussão, para o autor, pode ter surgido possivelmente a partir do
campo e da prática da agricultura familiar, considerando que recursos naturais
renováveis, qualidade dos produtos agrícolas e mesmo o espaço rural passaram a ocupar
um lugar de destaque na agenda sobre o meio ambiente.
É possível pensar que é tempo profícuo para compreender que por muito tempo
pensou-se nas questões ecológicas como uma preocupação com o “ambiente”,
denotando que esse “ambiente” seria exterior a condição humana, a raça humana
estava distante, e que tal pensamento não dá aporte para orientar a humanidade para a
mudança. Ao contrário disso, é o sentir-se parte que configura a base para a transição
(BECK; GIDDENS e LASH, 1997).
Temos a linguagem, o simbólico, uma racionalidade teórica, econômica e
instrumental, que desvelam o aprisionamento aos conceitos científicos do núcleo da
racionalidade de suas estratégias de dominação da natureza e cultura. A forma de
pensamento em relação à natureza é que desestruturam a organização sistêmica do
planeta e incide na degradação do ambiente (LEFF, 2006).
Isto posto, para reconstruir o mundo sob o prisma da racionalidade ambiental, é
preciso uma ressignificação da natureza pela cultura, o que significa dizer que embora
o cenário atual seja de incerteza, e por que não dizer, de desespero, é possível acreditar
no futuro a partir da criatividade da diversidade, no encontro com a outridade,
considerando um campo fecundo a diferença (LEFF, 2006).
Leff (2006, p. 19) considera que a crise ambiental abre possibilidades para a
racionalidade ambiental, sobretudo, a partir das práticas sociais e dos novos atores
políticos, e assim consiste no processo de emancipação, que é voltado para “a
descolonização do saber submetido ao domínio do conhecimento globalizante e único,
para fertilizar saberes locais”.
A racionalidade ambiental consiste em retomar o conhecimento humano sobre
práticas sustentáveis que sempre estiveram presentes, ocultas, mas presentes, relegadas
à marginalização, mas agora encontram campo fértil para mostrar o conhecimento da
realidade, e que sempre deu origem a uma variedade de mundos. Assim, considera
Leff (2006, p. 19):

62
A racionalidade ambiental recupera o sentido crítico do ser para
desenterrar os sentidos sepultados e cristalizados, para restabelecer o
vínculo com a vida, com o desejo de vida, para fertilizá-la com o
húmus da existência, para que a tensão entre Eros e Tanatos se resolva
a favor da vida, para que a morte entrópica do planeta seja revertida
pela criatividade neguentrópica da cultura.

Se pensarmos que o Iluminismo lançou as bases para a eliminação da vida, da


pulsão, da criatividade, nos sentidos, a racionalidade ambiental vem propor pensar no
enraizamento da vida, como política do ser e da diferença. Assim, a racionalidade
ambiental nos coloca frente ao encantamento com o mundo, com o outro, resgatando
valores e saberes que estiveram sempre ali no silêncio, e agora encontram momento e
campo fértil para despontar (LEFF, 2006).
Desse modo, a natureza não é vista como a panaceia para resolver o quadro de
degradação da vida que está posto, mas dar voz e sentido as expressões e relações
dialéticas que sempre estiveram se desenvolvendo obscuras a essa prática dominante,
convém agora dialogar com elas, tentar compreendê-las à luz da outridade. 4
Tendo a crise ambiental se configurado como o distanciamento humano da
natureza, sendo esse distanciamento necessário para legitimar as bases de depredação
ecológica engendrada pelo modelo econômico adotado, a ecologia social incorre não
apenas no reconhecimento do status quo, mas volta-se igualmente para a autogestão
das comunidades sobre seu processo de desenvolvimento (LEFF, 2006).
Para a sociedade incorporar a sustentabilidade, é preciso considerar como
basilar, a utopia como condição para o diálogo com a diferença e a diversidade, assim,
Leff (2006) considera que não basta apenas que a sociedade incorpore mudanças
tecnológicas e ecológicas e isto assim, se configurará como um quadro de mudança
sustentável é preciso ir além, no sentido de compreender e reconhecer a potencialidade
da natureza, da cultura e da tecnologia, construídas socialmente sob a égide de uma
teoria política que dê conta desse quadro, promovendo ações estratégicas que
denominem a autonomia dos sujeitos.
A crise ecológica é apontada também por Leff (2006) como sendo uma crise de
civilização, crise da modernidade que se fundou na negação da natureza enquanto
fonte de riqueza, como suporte que dá sentido as significações sociais. Assim, o
desenvolvimento sustentável é um dos grandes desafios históricos e políticos da

4
Trata-se de conceito utilizado por Leff (2006) para se referir ao encontro com o Outro em uma
perspectiva distinta da apropriada pelo discurso filosófico.

63
atualidade. Dada essa realidade, é essa a possibilidade para se pensar nas relações
ecológicas sob o prisma da economia, da tecnologia e mesmo da moral, e com isso a
economia neoclássica vai reconhecer que é necessário internalizar as externalidades
ambientais para integrar processos ecológicos, populacionais e distributivos aos
processos de produção e consumo. Sob este prisma, Leff (2006, p. 224) considera:

A natureza deixou de ser um objeto de trabalho e uma matéria-prima


para converter-se em uma condição, um potencial e um meio de
produção. A conservação dos mecanismos reguladores e processos
produtivos da natureza aparecem assim como condição, um potencial
e um meio de produção. A conservação dos mecanismos reguladores e
processos produtivos da natureza aparecem assim como condição de
sobrevivência e fonte de riqueza, induzindo processos de apropriação
dos meios ecológicos de produção e a definição de novos estilos de
vida.

Há, contudo, que reconhecer que a problemática ambiental está além da


“simples” necessidade de realizar ajustes ecológicos estruturais no sistema econômico,
o cerne da questão está em pensar para além desse quadro, pois a incorporação da
preocupação com as questões ambientais configuram como o “mecanismo mais
clarividente e eficaz para ajustar os desequilíbrios ecológicos e as desigualdades
sociais” (LEFF, 2006, p. 226).
Assim, é outra racionalidade que é necessária ser desenvolvida na sociedade,
pois, mesmo nem a preocupação do mercado com a adesão as normas ecológicas, ou
mesmo uma moral conservacionista, ou ainda as soluções tecnológicas, por si, podem
reverter a degradação entrópica, a concentração de poder e a desigualdade social
geradas pela racionalidade econômica. Logo, Leff (2006, p. 227) considera que:

É necessário apresentar a possibilidade de outra racionalidade, capaz


de integrar os valores da diversidade cultural, os potenciais da
natureza, a equidade e a democracia como valores que sustentam a
convivência social e como princípios de uma nova racionalidade
produtiva, em sintonia com os propósitos da sustentabilidade. Para
isso é necessário elucidar os princípios que fundamentam os desafios
apresentados pela construção de uma racionalidade ambiental.

Desse modo, pensar no mundo e na sua diversidade cultural é confrontar-se com


a incompletude das culturas, objetivando atingir e reconhecer que o real não se resume a
realidade, e ainda que a diversidade cultural, social e epistemológica do mundo, traz no
seu bojo as muitas incompletudes que compõe a realidade (SANTOS, 2006).

64
As experiências que conferem configurações dos territórios e espaços
engendrados por pessoas com autonomia são aqui pensadas sob a referência em Santos
(2006), que afirma ser necessário ver essas experiências locais com perspectiva global,
em que se demonstra o protagonismo de homens e mulheres que na luta cotidiana contra
as formas de dominação, e, portanto, hegemônicas, se veem capazes de seguir caminhos
de autonomia e emancipação social. Trata-se ainda, de perceber que no contexto atual
de globalização, tem despontado o confronto entre projetos hegemônicos e projetos
contra-hegemônicos. Implica assim em reconhecer que no Sul despontam experiências
sociais em uma perspectiva pós-colonial, pós-imperial. Assim, Santos (2006, p. 33),
considera:

Podemos dizer que o pós-moderno de oposição se posiciona nas


margens ou periferias mais extremas da modernidade ocidental para
daí lançar um novo olhar crítico sobre esta. É evidente, contudo, que
se coloca do lado de dentro da margem e não do lado de fora. A
transição pós-moderna é concebida como um trabalho arqueológico de
escavação nas ruínas da modernidade ocidental em busca de
elementos ou tradições suprimidas ou marginalizadas pelo cânone
hegemônico da modernidade que nos possam guiar na construção de
novos paradigmas de emancipação social.

De acordo com Santos (2002) o cenário de fragmentação em que o mundo se


encontra nos coloca frente a um caminho de incertezas e muitas incógnitas. Pois, ao
mesmo tempo em que estamos em um tempo da pós-modernidade, encontramo-nos
frente igualmente, a problemas sociais, ambientais e econômicos que mais nos
remontam ao passado. E dessa forma, os problemas presentes pairam sobre nós como
fantasmas que se escondem nas frestas, mas também podem ser pensados como uma
oportunidade de definirmos melhor as escolhas. Significa ainda, que olhando para esse
cenário, ainda encontraremos experiências que podem a priori ressoar estranhas, mas na
verdade podem oferecer o potencial para nos fazer mudar os rumos.
Com base nessa análise do quadro atual, Santos (2002, p.14) nos coloca frente a
uma ideia necessária para lhe dar com a realidade atual, a saber, “reinvenção da
emancipação social”.5 Assim, o autor citado nos instiga a pensar que as experiências
consideradas como utópicas, e que, no entanto, no século XXI, pós-modernidade, se
constituem como realidades postas para além do que existe, de modo que a utopia toma

5
Trata-se de vários estudos em que Santos (2002) trata da democracia participativa. Consiste
primordialmente em propor refletir sobre a capacidade de humana de reinventar o presente, possibilitado
pela sociologia das ausências e pela sociologia das emergências.

65
corpo e forma, e não há como negar que é preciso ver a realidade com essas lentes,
também.
Tentando entender a realidade através de uma lente, recorre-se a Santos,
Meneses e Nunes (2005) que apontam para a pluralidade conflitual do mundo em que
uma diversidade de saberes se nos apresenta em uma variedade de práticas sociais.
Assim, somos levados a perceber que nas entrelinhas da produção de conhecimentos,
em que a forma colonizadora tenha se conformado em muito tempo como sendo a
legítima, ao seu lado, sempre se mantiveram outras formas de conhecimento do mundo
e da realidade, que “privilegiavam a busca do bem e da felicidade ou a continuidade
entre sujeito e objeto, entre natureza e cultura, entre homens e mulheres e entre os seres
humanos e todas as outras criaturas” (SANTOS, MENESES e NUNES, 2005, p. 21).
Assim, torna-se evidente que mesmo a forma de conhecimento colonizador
Europeu tendo surgido com força destruidora sobre as outras formas de conhecimento, e
ganhando legitimidade científica e tecnológica para tal, percebida entre os séculos XVII
e XIX, esse processo não foi isento de perturbações, questionando assim sua
legitimidade. Nesse sentido, Santos, Meneses e Nunes (2005, p. 23) consideram que
“não é possível continuar a declarar a irrelevância ou a inferioridade dos diferentes
modos de conhecimento emergentes das experiências da esmagadora maioria da
população mundial, que vive, precisamente, no Sul”. Para esses autores (2005) é
inegável que pensar no mundo atual e sua atual configuração, implica em querer
descobrir o conhecimento a partir de outra trajetória, ou seja, não a colonizadora como
única forma legitima de conhecimento, mas querer ir além e encontrar as “outras”
versões da história que nos abrem para o reencontro com outros conhecimentos globais
e multiculturais.
Assim, não dá mais para pensar no mundo hoje de uma forma reducionista,
apenas a partir da compreensão ocidental do mundo. Desse modo, discutir o
desenvolvimento na contemporaneidade, implica conceber a pluralidade de
conhecimentos e formas de explicar no mundo e algumas terminologias são alocadas
para situar essas experiências, tais como conhecimento local, conhecimento indígena,
conhecimento tradicional, etnociência. Embora, essas formas de conhecimento sejam
em demasia, tratadas com preconceito, pois, comumente, a elas se referem conotações
reducionistas, como pequenas ou restritas a uma realidade diminuta. No entanto, essas
formas plurais de conhecimento, demonstram, por outro lado, o potencial de culturas e

66
civilizações que se contrapõem a monocultura do saber (SANTOS; MENESES e
NUNES, 2005).
Dado que o conhecimento enquanto ciência legitimou o processo de colonização
do pensamento, hoje, é evidente que os investigadores se desvencilhem das armaduras
científicas decorrentes deste processo histórico, para então dialogar com os outros
saberes, aqueles que por vezes são estranhos, mas que, contudo, conferem o desafio da
democratização do saber. Implica assim, reconhecer que esse é o atual paradigma da
ciência, reconhecer que está dado o desafio da pluralidade cientifica, de dialogar com os
saberes que historicamente foram relegados a denominação dicotômica local/global,
moderno/atrasado. E assim, “Estamos perante uma luta cultural. A cultura cosmopolita
e pós-colonial aposta na reinvenção das culturas, para além da homogeneização imposta
pela globalização hegemônica” (SANTOS, MENESES e NUNES, 2005, p. 54).
Nesse sentido, Santos (2006) considera que é preciso dar luz à sociologia das
ausências contra a banalização da injustiça e da violência, a partir da reconstrução do
inconformismo e da indignação, através de imagens e subjetividades desestabilizadoras
que coloquem em cena outros saberes. Para que isso venha acontecer, faz necessário
romper com o que ele define como a razão indolente ocidental, que nega a existência
social, econômica, cultural e política de tudo aquilo que não se apresenta no formato
hegemônico da matriz institucional da globalização neoliberal. Nesse sentido, surge a
sociologia das emergências, que significa substituir as monoculturas por ecologias,
promovendo a prática de agregação da diversidade pela promoção de interações
sustentáveis. A importância do conhecimento endógeno para a sustentabilidade da
biodiversidade é apontada por Santos, Meneses e Nunes (2005) como vital, pois trata-se
de uma relação simbiótica, em que os atores locais se sentem pertencer a essa natureza,
pois esta lhes confere condições de reprodução social e econômica, assegurando assim,
a sua permanência e manutenção no território.
Desse modo, é esse referencial teórico sobre a questão ambiental como prática
humana e cultural em que novos conceitos são gestados com base, sobretudo, nas
experiências de homens e mulheres que não têm continuado, na contemporaneidade no
anonimato. Essas práticas de sustentabilidade socioambiental inseridas em territórios
diversos, com características peculiares atestam que processos de construção da
realidade em outra perspectiva têm despontado.

67
2.2 A transição agroecológica: fortalecimento para os mercados alternativos
A Revolução verde foi implantada e promovida no Brasil pela modernização
conservadora da agricultura, que dentre seus males, expulsou dos campos milhares de
agricultores e agricultoras. Percebeu-se com esse cenário a intensificação da perda do
capital natural, assim como aumento do poder das empresas e corporações, que
financiadas pelo Estado brasileiro, detém as sementes e a tecnologia para plantar, ou
seja, o agricultor é totalmente subordinado a essa lógica que dizima vidas e compromete
o equilíbrio ecológico das espécies.
Um dos graves riscos apresentados pela agricultura convencional é o
comprometimento da sustentabilidade ambiental e social das populações rurais, e por
consequência também, do abastecimento alimentar para as demais populações humanas.
Pois, este modelo baseia-se basicamente na monocultura, o que implica
comprometimento do melhoramento genético natural das populações. A monocultura
não é viável do ponto de vista ambiental e da segurança alimentar por diversos motivos,
a saber, dentre eles, a destruição e comprometimento da resiliência da natureza, quebra
da dinâmica natural dos ecossistemas, além dos impactos sociais que ela causa. Assim,
a transição pode ser pensada como um caminho que possibilita maior dinamicidade e
fortalecimento das práticas produtivas que são distintas do modelo convencional de
produção alimentar, uma vez que:

A agroecologia implica axiomaticamente a agrobiodiversidade, ou


seja, a presença de diversidades de espécies vegetais e animais.
Portanto, as monoculturas do agronegócio, da agricultura industrial do
sistema financeiro, são a antítese da agroecologia. Um ecossistema
natural sempre é integrado por espécies vegetais e animais. É essa
associação de espécies que assegura a base ecológica da produção
limpa, da produção sem venenos, porque atua sobre as causas que
determinam a presença de predadores. A multiplicidade de espécies
refere-se a um ecossistema sempre capaz de sustentar uma produção
em escala (MACHADO e MACHADO FILHO, p. 157).

As diversas formas de agricultura sustentável se intensificam a partir da década


de 1980, em que vários segmentos da sociedade, passam a reclamar dos malefícios da
agricultura convencional, a saber, padronização, artificialização e industrialização da
produção e consumo alimentar (NIERDELE; ALMEIDA e VEZZANI, 2013).
A agroecologia consiste em um paradigma científico que pode orientar a prática
humana da agricultura para as mudanças necessárias a serem adotadas na produção

68
alimentar, e dispõe de base científica e técnica para tanto. As experiências ao redor do
mundo e no Brasil, já evidenciam o potencial dessa perspectiva, uma vez que é preciso
reconhecer os impactos que a agricultura convencional vem demonstrando, e o preço
que a humanidade e os ecossistemas naturais têm pago. Assim, é necessária uma
descolonização do pensamento e das práticas que resultaram nesse cenário (CAPORAL,
2009).
A agroecologia é considerada também, um caminho que orienta para a transição
de um modelo de agricultura convencional para o resgate da produção camponesa. Pois,
nas práticas agroecológicas os agricultores e agricultoras não seguem apenas uma
receita pronta ditada por algum técnico, ou por algum laboratório preocupado em
vender um pacote tecnológico. Seguindo assim, diferente da lógica industrial do
agronegócio, em que “não é o agricultor, independentemente da escala – grande ou
pequena – o dono de seu próprio negócio, porque ele não decide, pois quem decide é o
vendedor dos insumos, máquinas e sementes. É o pacote” (MACHADO; MACHADO
FILHO 2014, p. 23).
Para Caporal (2009) há que atentar para que a agroecologia não seja tratada de
forma reducionista e é necessário reconhecer o seu potencial para orientar agricultores e
agricultoras rumo a um desenvolvimento rural sustentável. Segundo o referido autor, a
agroecologia é definida:

[...] mais do que simplesmente tratar sobre o manejo ecologicamente


responsável dos recursos naturais, constitui-se em um campo do
conhecimento científico que, partindo de um enfoque holístico e de
uma abordagem sistêmica, pretende contribuir para que as sociedades
possam redirecionar o curso alterado da coevolução social e ecológica,
nas suas mais diferentes inter-relações e mútua influência
(CAPORAL, 2009, p. 7).

Assim, para pensar em uma forma de mudar o cenário de degradação ambiental,


social e econômica que se encontram milhares de agricultores e agricultoras, a
agroecologia é um caminho possível, pois se trata de uma ciência racional que integra
teoria e prática, valorizando na pesquisa os saberes consagrados de agricultores e
agricultoras familiares. Na construção do saber agroecológico e das práticas cotidianas
do agricultor familiar, é ele o agente do processo. O contato diário com a terra e a
natureza o possibilitam a aplicar suas técnicas e o seu saber para melhorar a produção,
assim como descobrir novos conhecimentos que serão incorporados às pesquisas, e

69
desenvolvidas novas tecnologias que por sua vez melhorarão a vida no campo, assim
como a qualidade dos alimentos (MACHADO; MACHADO FILHO 2014).
Caporal (2009) considera que a agroecologia não consiste em defender uma
revolução modernizadora, ao contrário, é preciso ter muito claro que os pressupostos do
modelo hegemônico atual continuam muito firmes, e, portanto, está consolidado.
Contudo, para o autor, a transição é possível e assim a conceitua:

Mais do que mudar práticas agrícolas, trata-se de mudanças em um


processo político, econômico e sócio-cultural, na medida em que a
transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior
racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades
biofísicas de cada agroecossistema, mas também de mudanças nas
atitudes e valores dos atores sociais com respeito ao manejo e
conservação dos recursos naturais e nas relações sociais entre os
atores implicados (CAPORAL, 2009, p. 11).

Desse modo, a agroecologia não pode jamais ser reduzida apenas a uma forma
de pensar, que a solução para a crise socioambiental é apenas a substituição de um
modelo para outro, é preciso ir além, pois além do redesenho de agroecossistemas que
sejam mais sustentáveis, é necessário pensar em processos de desenvolvimento rural
mais humanizadores. Assim, os agricultores junto com outros atores sociais constituem
o elo dessa cadeia de produção e consumo alimentar, conforme Caporal (2009).
Logo, a prática agroecológica consiste em uma abordagem complexa, distinta da
ciência reducionista que simplificou as interações solo e planta. Ademais, pensar assim,
implica ainda em considerar que o processo de transição não é fácil, e que, portanto,
requer uma ação coletiva, tendo em vista sempre a sustentabilidade em uma perspectiva
holística (CAPORAL, 2009; LEFF, 2006).
O que se almeja no agroecossistema agroecológico é a maior interação entre as
espécies, o equilíbrio é buscado justamente nessa perspectiva. Cabe entender claramente
que a solução para a sustentabilidade de um agroecossistema é entender a sua
complexidade sem querer reduzi-la com a aplicação de um método que em outras
palavras, irá incorrer no comprometimento desse ecossistema em longo prazo. Nesse
sentido, Caporal (2009, p. 16) afirma:

Por isso, quando se trabalha com um enfoque de Agroecologia, deve-


se partir não da lógica cartesiana da simplificação, mas da lógica da
natureza que se expressa no ecossistema que será transformado em um
agroecossistema (ou já foi transformado de forma insustentável e
precisa ser recuperado), assim como da história de processos de

70
intervenção humana menos degradantes da qual se possa ter
conhecimento.

Diante dessa perspectiva, pode-se considerar que a ideia da transição


agroecológica significa ir além da substituição de insumos. Nesse sentido, é necessário
demarcar a diferença entre agricultura alternativa, compreendida como um conjunto de
práticas e tecnologias que permitem a utilização de certos insumos e não de outros, e a
agroecologia, considerada como uma ciência que apresenta uma série de princípios e
metodologias para estudar, analisar e desenhar agroecossistemas (CAPORAL, 2013).
Essa abordagem proposta consiste em vê-la enquanto construção social, em que
distintas relações e atores estão envolvidos em um mesmo processo. Nesse sentido,
Schmitt (2013, p. 173) considera:

Em uma perspectiva mais ampla, procura dar conta com base em um


enfoque sistêmico e em diferentes níveis de abrangência, dos
múltiplos fatores envolvidos na transição para uma agricultura
sustentável. Trata-se, portanto, de um conceito que atua
simultaneamente como uma referência de análise, capaz de gerar
questões e hipóteses de pesquisa, e como uma ferramenta na tomada
de decisões em processos concretos de intervenção.

Uma vez que a transição agroecológica consiste em um processo social, ao


mesmo tempo técnico e que articula múltiplos atores, mercados, tecnologias,
instituições e formas de conhecimento, convém, portanto, pensar na agroecologia como
sendo uma resposta ao desafio colocado no que diz respeito ao abastecimento alimentar,
assim como ao futuro da agricultura familiar e camponesa (MALUF, 2013).
Nierdele, Almeida e Vezzani (2013) ressaltam que muitas vezes o papel dos
técnicos de assistência técnica rural consiste em operacionalizar as políticas públicas,
apenas, esquecendo que para a efetivação da transição agroecológica é demasiada
necessária formação e organização social.
É relevante considerar que há entraves e desafios postos para a constituição da
agroecologia enquanto modelo para a transição. Tal desafio consiste, sobretudo, em
duas questões fundamentais, no papel da ciência que por um lado contribuiu muito para
a criação e difusão do modelo de agricultura convencional, e na necessidade de
rearranjos institucionais que venham ao encontro do desenvolvimento rural sustentável
na pós-modernidade. Assim, é preciso ainda considerar uma questão central, o

71
reconhecimento de que a agroecologia consiste em uma prática de produção agrícola
que não está detida apenas a academia, ao contrário:

Elas se encontram também nas práticas inventivas de agricultores e


agricultoras em suas lutas cotidianas pela sobrevivência diante de
contextos cada vez mais hostis e nos movimentos e organizações que
militam em defesa de mundos rurais democráticos e sustentáveis
(PETERSEN, 2013, p. 98).

Assim, percebe-se que ao contrário do que se supunha, a agricultura


convencional não produziu homogeneidade econômica e sociocultural. Desse modo, o
mundo rural contemporâneo apresenta uma pluralidade de expressões sociais, culturais,
em que se mostra um mosaico no sistema agroalimentar de mudanças nos processos de
circuito de produção e consumo alimentar.
Reconhece-se que a agroecologia induz a uma visão holística sobre o campo, no
sentido de reconhecer os diversos atores sociais que estão presentes nesse espaço, e
ainda a importância desses atores assumirem sua condição de autonomia frente ao
modelo hegemônico de produção alimentar. Sabe-se ainda que nos últimos anos a
agroecologia não está mais na condição de pequena produção, ao contrário, cada vez
mais no Brasil e em diversos países as experiências de agricultura sustentável se
estabelecem com maior altivez, e se firmam como modelo sim, para a transição
agroecológica (PEREZ-CASSARINO; FERREIRA, 2013).

2.3 A agroecologia e a relação com o sistema camponês


A agroecologia consiste em uma nova abordagem que engloba os princípios
econômicos, ecológicos e socioeconômicos, e fornece também uma estrutura
metodológica de trabalho que possibilita uma compreensão maior da natureza dos
ecossistemas, como dos princípios que os possibilitam funcionarem (ALTIERI, 2004).
Frente ao cenário de modernização da agricultura, é preciso pontuar que as
forças hegemônicas da globalização não estão produzindo apenas a homogeneização do
sistema alimentar, mas também forças contraditórias a esse modelo têm surgido e dado
claros sinais da sua capacidade de propor para a sociedade outro significado do
alimento, distinto do que o modelo convencional propõe (FERRARI, 2011).
Contudo, é necessário considerar que embora tenha havido avanços para o
espaço rural, muito se tem do discurso hegemônico, que inclusive norteou as agendas de
pesquisa, no sentido de relegar ao camponês um sentido pejorativo e uma compreensão

72
infundada da sua realidade e da sua essência. Para a agricultura convencional o modelo
de “sucesso” é o empresário agrícola que está totalmente, ou significativamente
integrado ao mercado de insumos, como de produto, contextualizando, portanto, a
inserção na “lógica de mercado” (Ploeg, 2008, p. 34).
Nesse sentido, Santos (2006) apresenta a compreensão de que outro mundo é
possível, alimentando-se em novos paradigmas, construções e definições que emergem
nas fronteiras, em contraste com a rigidez das subjetividades e objetividades da ciência
e do desenvolvimento. No geral, as populações rurais apresentam formas originais de
sociabilidade caracterizadas pela fluidez e a invenção; orientadas tanto pelo paradigma
dominante como pelo paradigma emergente. É importante considerar que no
campesinato um elemento fundamental é a interação e transformação constante entre a
pessoa humana e a natureza, apontado como co-produção6. O que significa dizer que a
prática agrícola que os camponeses desenvolvem trata-se uma atividade potencialmente
dinâmica
Os camponeses criam produtos finais, mas também constroem um estilo de
agricultura que por sua vez não os isola, mas os coloca em relação direta com o mundo
exterior. A luta social é intrínseca ao campesinato. Essa luta se faz na busca por
melhorar os recursos disponíveis, de modo que esses atores usufruam de melhores
condições de vida através do aumento da renda, escoamento da sua produção,
autonomia e perspectiva de futuro (PLOEG, 2008).
Assim, para pensar o processo de transição agroecológica, é fundamental um
novo enfoque social para a agricultura e o desenvolvimento rural, construindo aspectos
de conservação dos recursos naturais, viabilidade de atividades em pequena escala e
métodos ecológicos modernos. Isso deve levar a uma atividade produtiva que tenha
como ponto de partida o conhecimento e os recursos locais e que seja, ao mesmo tempo,
sustentável e com um grau de produtividade capaz de gerar produção diversificada,
propiciando condições de reprodução social das famílias e comunidades camponesas.
Diversos fatores estão encorajando os produtores a começarem esse processo de
transição para a sustentabilidade, entre eles, a baixa margem de lucro das práticas
convencionais; o desenvolvimento de novas práticas ecológicas que são vistas como
viáveis; o aumento da consciência ambiental entre produtores, consumidores e

6
A co-produção diz respeito à interação e transformação mútua constante entre a relação humana com o
ambiente natural vivo. Para maior aprofundamento ver Ploeg (2008).

73
governantes, e o crescente mercado para produtos agrícolas cultivados e processados de
forma alternativa (PLOEG, 2008).
Assim, os agricultores contemporâneos desenvolvem relações mercantis em que
são eles mesmos atores desses processos. No que diz respeito à alimentação 85% da
produção mundial de alimentos advém dos circuitos curtos e descentralizados. Para
tratar dos mercados da agricultura familiar camponesa é importante sempre considerar o
conceito de autonomia, pois se percebe que esses atores se distanciam cada vez mais
dos mercados convencionais e criam eles mesmos sua organização dos processos
produtivos e da própria comercialização (PLOEG, 2008).
Os sistemas tradicionais da agricultura familiar estão sendo constantemente
pressionados pela extrema homogeneização induzida pelo avanço da modernização
capitalista de produção de alimentos. Em contrapartida a essa tendência, o campesinato
continua tendo, na biodiversidade e na policultura, suas principais fontes de trabalho,
que, antes de qualquer consciência ecológica, são muito mais uma manifestação dos
seus interesses em garantir a oferta suficiente para o autoabastecimento das suas
famílias.
Esse princípio de autonomia tem sido alimentado pelas iniciativas dos
agricultores, com apoio de organizações de assessoria, em desenvolver atividades de
diversificação da produção e resgate de muitas espécies da fauna e flora nativa, que
estavam perdendo sua importância no sistema produtivo que garantisse renda e
soberania alimentar, inclusive, algumas delas, sofrendo ameaça de extinção. É o que
enfatiza Canuto (1998) sobre a importância do resgate da autonomia para a
sustentabilidade dos sistemas agrícolas locais e regionais.
Sabe-se que instigar os agricultores a aumentarem a produção com base em
adoção do pacote tecnológico, replicando os moldes dos processos industriais, em que
os agricultores tornam-se demasiado dependentes da indústria, não pode ser pensado
como o único modelo a seguir, ao passo que a agroecologia demonstra sua
sustentabilidade por imitar a natureza e não a indústria, assim, as práticas
agroecológicas corroboram com a segurança e soberania alimentar melhorando os meios
de vida rural, corroborando para a manutenção e preservação dos recursos naturais,
além de diminuir a erosão genética dos solos (SCHUTTER, 2012).
A produção agroecológica apresenta indicadores mais sustentáveis porque as
técnicas de cultivo na agroecologia envolvem a manutenção ou introdução de
biodiversidade agrícola (diversidade de culturas, pecuária, pesca, polinizadores, insetos,

74
biota do solo, além de outros componentes) para atingir os resultados desejados na
produção e sustentabilidade. Nesse sentido, considera Schutter (2012, p. 17):

Dentre os princípios básicos da agroecologia destacam-se: a


reciclagem de nutrientes e energia nas propriedades agrícolas, em vez
da introdução de insumos externos; integrar cultivos agrícolas e a
pecuária; diversificar as espécies e os recursos genéticos dos
agroecossistemas no tempo e espaço; e concentrar-se em interações e
produtividade em todo o sistema intensivo do conhecimento, baseado
em técnicas que não são transmitidas a partir dos níveis superiores,
mas desenvolvidas com base no conhecimento e experimentação dos
agricultores.

Um aspecto fundamental da agroecologia é a participação dos agricultores como


atores ativos no processo, em uma dinâmica em que o conhecimento e a construção dos
saberes não é imposta de cima para baixo. Assim, para os agricultores que vivem em
áreas mais remotas, essa experiência representa a oportunidade de adquirir novos
conhecimentos que são construídos em rede, em vez de serem beneficiados apenas
aqueles que vivem integrados em maiores redes. Nesse sentido, Schutter (2012, p. 29)
considera:

A construção conjunta é a chave para a realização do direito a


alimentação. Em primeiro lugar, ela permite que as autoridades
públicas se beneficiem da experiência e insights dos agricultores. Em
vez de tratar esses agricultores como beneficiários da ajuda, eles
devem ser vistos como especialistas que detém conhecimentos que
complementam o conhecimento de especialistas formais.

As práticas de manejo do solo apresentam nos últimos anos um caráter


predatório. As consequências dessas posturas conotam impactos ambientais diretos, tais
como, erosão do solo, perda da vegetação e da biodiversidade, contaminação das águas,
desmatamento, e consequente expulsão das populações rurais. Além do
comprometimento da soberania e segurança alimentar (MACHADO, SANTILLI e
MAGALHÃES, 2008).
Os solos são importantíssimos para uma produção agrícola sustentável, pois,
absorvem carbono, e a manutenção da vegetação da cobertura vegetal, assim como a
presença da matéria orgânica nos solos possibilita a diminuição na utilização de
fertilizantes químicos, possibilitando assim que a água esteja disponível não só para as
plantas, mas para abastecer as fontes hídricas, tais como lagos, rios e arroios. Assim,
Machado, Santilli e Magalhães (2008, p. 15) consideram:

75
A perda da diversidade relaciona-se diretamente com processos
socioeconômicos de queda de qualidade de vida, como fome, miséria
e segurança alimentar, motivo porque passou a fazer parte das agendas
dos países membros dos acordos internacionais, tendo sempre um
objetivo em comum: a conservação e o uso sustentável da
biodiversidade em comunidades locais.
.
Machado, Santilli e Magalhães (2008) afirmam que a agroecologia pode ser
pensada a partir do manejo sustentável dos agroecossistemas, envolvendo em sua
prática, a interação com os valores e saberes locais, para uma manutenção sustentável
dos recursos naturais locais.
É importante ressaltar que no Brasil, um importante avanço no âmbito da
agroecologia, foi a Política Nacional de Agroecologia de Produção Orgânica7 (Pnapo),
instituída pelo Decreto 7.794 de agosto de 2012, em que a finalidade consistiu em
“integrar, articular, e adequar as diversas políticas públicas, programas e ações
desenvolvidas no âmbito do governo federal”, objetivando induzir o processo de
transição agroecológica fortalecendo também a produção orgânica e de base ecológica
(SAMBUICHI et al., 2017, p. 11).
Como afirmam os autores, esse é um resultado de lutas e conquistas de diversos
atores sociais que no Brasil têm se fortalecido e produzido de forma sustentável,
dinamizando os espaços rurais e garantido acesso para os consumidores a um alimento
que além de ser isento de agrotóxicos, é produzido sobre os princípios de
sustentabilidade agroecológica. É resultado ainda de um longo processo, que segundo
Sambuichi et al.(2017), começou na década de 1970 com as Comunidades Eclesiais de
Base e também, os movimentos de agricultura alternativa.
Sambuichi et al. (2017) consideram que anterior ao Pnapo, já foi muito
representativo no país a implementação da Lei 10.831 de 2003 que tratou da produção
orgânica. Os autores consideram que essa lei permitiu a venda direta sem certificação
para agricultores familiares que estavam inseridos em processos de organização e
controle social, tal processo facilitou que produtores menos capitalizados conseguissem
acessar ao mercado de orgânicos, possibilitando assim outras modalidades, tais como,
acesso aos canais de venda direta, promovendo os circuitos curtos de comercialização
que potencializam a produção agroecológica.

7
A Lei 10.831 dispõe especificamente sobre a agricultura orgânica no Brasil, tendo sido instituída em
2003 (BRASIL, 2003).

76
O Pnapo é resultado direto da ação de diversos atores sociais, institucionais e
civis em que desde a década de 1980 percebe-se um movimento de contestação aos
impactos da modernização da agricultura adotada no Brasil, e em 1988 a Constituição
Federal destacou a viabilização das instâncias de participação, e ainda nessa década
surgiram os encontros brasileiros de agricultura alternativa (EBAAs). Na década de
1990, o destaque foi a intensificação do debate sobre a questão ambiental que teve sua
referência na Rio-92, e no âmbito da ação do Estado, merece destaque as ações do
Estado no Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras
(Programa Piloto), que havia sido proposto na reunião do grupo dos sete países
industrializados (G7). No ano de 2003, em decorrência das mudanças na relação Estado
e sociedade civil, intensificou-se uma participação maior de atores sociais e nesse
mesmo ano foi promulgada a Lei 10.831 que regula as condições obrigatórias para a
utilização de agrotóxicos no país, bem como tem início o Programa Fome Zero,
surgindo programas importantes como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e
o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) (MOURA, 2017).

2.4 A autonomia na produção agroecológica


Os desafios para os atores sociais do campo perpassam pela reivindicação da
autonomia e pela oposição as formas de organização do trabalho que na
contemporaneidade tem comprometido a liberdade individual, a democracia e a
cidadania. Reivindica-se ainda outra forma de pensar a natureza que possibilite assim o
acesso democrático aos distintos atores (ALMEIDA, 1999).
Nesse sentido, Almeida (1999, p. 2) fala de uma heteronomia da vida social, em
que em decorrência do processo de padronização e artificialização da produção agrícola,
os atores sociais se viram assumindo outra categoria social, a de produtor de
monoculturas. O que entra em cena nesse cenário é a subordinação de homens e
mulheres que tiveram suas escolhas comprometidas. Esse processo de heteronomização
deu-se de três maneiras “i) da artificialização do trabalho camponês; ii) da
profissionalização da atividade agrícola; e iii) da “setorialização” da agricultura em
geral”.
O conceito de autonomia é assim apresentado por Almeida (1999, p. 3):

Por autonomia camponesa entende-se uma espécie de reivindicação-


aspiração que se constrói no plano específico da produção. Esse

77
fenômeno representa de uma certa forma um espaço de autonomia no
interior da sociedade industrial em geral e da agricultura industrial e
moderna em particular; um espaço limitado e aparentemente em não-
expansão, mas talvez um pouco mais confortável que outros, mesmo
que não constitua uma via maior de evolução para a economia e a
sociedade.

A questão da autonomia camponesa vai emergindo do que considera Almeida


(1999), das periferias do sistema industrial que imputou à sociedade uma forma racional
de produção característico do processo industrial, em que o indivíduo subordinado a
uma lógica, torna-se incapaz de gerir sua própria produção, perdendo, portanto, a
liberdade em seu processo criativo.
Assim, quando pensa-se em autonomia camponesa na contemporaneidade, nos
deparamos com um mosaico de experiências em que o trabalho agrícola familiar
apresenta características distintas do processo racional moderno de produção. Essas
experiências são percebidas à margem, nas periferias e confere liberdade de produção
aos atores, gestão do tempo e dos processos, envolvimento de toda a família,
dinamização dos territórios onde estão alocadas, valorização de saberes tradicionais e
culturais. Tais práticas remetem aos costumes e práticas que não são encontrados na
sociedade racional moderna (ALMEIDA, 1999).
Resta entender quais as motivações que respondem pela insistência dos
agricultores em não aderir à forma racional moderna de produção. Ainda, entender
também em que medida essa autonomia representa a busca por algo que os diferencia da
prática de organização de trabalho convencional. O que esses agricultores e agricultoras
esperam ao resistir ao modelo da agricultura moderna? O que representa em suas vidas
de camponeses não se inserirem nessa forma de produção?
Algo em especial chama a atenção quando observamos os diferentes contornos
da agricultura familiar na contemporaneidade, que é a capacidade de esses agricultores e
agricultoras, habitantes de regiões periféricas, e que oferecem limitações do ponto de
vista ambiental, social e econômico, conseguirem permanecer na condição de
agricultores e desenvolver estratégias que os possibilitam resistir ao modelo
macroeconômico, e terem condições de manter sua capacidade de reprodução social
(ALMEIDA, 1999).
Ademais, esses atores conseguem resistir com limitados recursos financeiros
para a produção, se comparados, sobretudo, aos impérios alimentares, Ploeg (2008),
além das limitações tecnológicas, produzindo para a soberania e segurança alimentar da

78
família e comercializando o excedente. Tais atitudes nos posicionam frente ao seu
processo de autonomia. Pois, esses atores não querem se inserir na lógica produtiva
capitalista, e serem subordinados perdendo a autonomia da sua produção, e ainda não
aceitam a migração para as favelas no espaço urbano. As possibilidades que a
autonomia na produção abrem para esse atores é assim considerada por Almeida (1999,
p. 4):

Assim, quanto maior o número de atividades que se engajam os


agricultores (até um certo limite, é claro) – por exemplo, nas
atividades ligadas diretamente ao setor industrial, ao artesanato, ou
mesmo propriamente agrícolas, comerciais ou de manutenção-
conservação do meio ambiente -, mais se admite a hipótese que um
grande nível de autonomia é atingido, em todo o caso dentro da
estrutura familiar (desde que o equilíbrio entre as atividades seja uma
das condições da estabilidade do microssistema).

Desse modo, os agricultores e agricultoras assumem essa autonomia, dinamizam


a produção e acesso as redes de comercialização para obterem uma maior renda que
possibilita a reprodução social da família. Essa expressão de autonomia pode ser
compreendida também como a reivindicação dos agricultores e agricultoras familiares
em não se subordinarem ao grande modelo civilizatório, colonizador, em que os seus
hábitos, suas práticas, seus costumes foram relegados ao esquecimento. Pode ser
entendido assim, como uma expressão clara de sua insubordinação, de sua insatisfação
e, portanto, não aceitarem não serem reconhecidos como camponeses.
As estratégias camponesas de autonomia variam muito. Pois há que considerar
as especificidades locais e regionais, assim como a diversidade de sujeitos que estão
inseridos em um contexto de reprodução social.
Nesse sentido, algumas estratégias são desenvolvidas pelos agricultores e
agricultoras nesse processo, desde a dinamização entre produção, transformação e
comercialização dos produtos agrícolas, a diversificação de atividades dentro da
unidade rural que não sejam especificamente atividades agrícolas; a incorporação de
novas produções ao sistema tradicional; integração das atividades da unidade de
produção por parte dos membros da família, incorrendo assim em uma maior atuação de
toda a família na rotina de produção. Há que ressaltar ainda a adesão a tecnologias e
processos que otimizam a produção e melhoram a vida do homem e da mulher do
campo, assim como a preocupação com o meio ambiente, em que passa a ser percebido
como condição sine qua non para a reprodução da agricultura familiar. Igualmente

79
importante como estratégia para a construção da autonomia é a inserção dos agricultores
e agricultoras as redes de associação que estimulam ao sistema legítimo de
solidariedade e de identidade, conferindo assim empoderamento aos grupos,
cooperativas ou associações, para que assim unam forças para vencer os obstáculos à
produção, a comercialização e a vida social no meio rural (ALMEIDA, 1999).
Segundo Almeida (1999), o perfil do agricultor familiar camponês que busca
autonomia nos dias de hoje trata-se de um agricultor polivalente, solidário, ecológico e
ambientalista, que comparado ao produtor moderno dos impérios alimentares (Ploeg,
2008), pode ser reconhecido como pouco profissional, que percebe de forma diferente
as categorias de progresso, tecnologia e desenvolvimento.
Conforme Almeida (1999) a autonomia camponesa é perseguida em, pelo
menos, quatro dimensões: na estrutura de produção, quando busca uma maior
independência dos insumos externos; no consumo, quando diversifica a produção como
estratégia para a subsistência familiar; no domínio do tempo, quando organiza sua
dinâmica de trabalho de acordo com as diferentes modalidades, e na relação com o
mercado, com formas diferenciadas de comercialização, através de mercados de
proximidades e aproximação dos consumidores.
Campos (2006) vai apontar para algumas questões centrais na discussão sobre o
campesinato, que vem a ser, a priori, o tratamento recente no Brasil da categoria
camponesa. Pois, diferente da Europa, no Brasil o campesinato é um movimento
recente, tendo surgido nas ligas camponesas no nordeste do Brasil, em meados do
século XX. Ademais, há que considerar que o campesinato não é homogêneo e distintas
são as formas de apropriação da natureza. Além do fato de que o camponês embora
esteja à margem do modelo produtivista capitalista, ele não é imune das influências da
racionalidade capitalista, que é hegemônica.
Os estudos sobre o campesinato consideram algumas premissas ou teorias
básicas que tentam compreendê-lo. Sendo duas tendências predominantes: a que
considera o fim do campesinato, onde a maioria tornar-se-ia mão-de-obra proletária,
transformando-se uma pequena parcela em capitalistas; a outra tenta entender como o
camponês resiste ao modelo de produção capitalista (CAMPOS, 2006).
Pensar na autonomia camponesa não significa dizer que os camponeses estão
independentes do mercado, mas reconhecer, sobremodo, que permanece e em alguns
locais intensifica-se a reivindicação dos agricultores e agricultoras, assim como de
organizações civis se opõem aos movimentos de exploração e desumanização para com

80
os atores sociais do campo, promovido pelo grande capital (CAMPOS, 2006).
Corrobora igualmente com essa discussão, Gonçalves (2014, p. 4) ao afirmar que
agricultura camponesa trata-se de “uma forma de existência social imersa em um
conjunto de relações de dominação econômicas muito diversificadas e complexas”.
É preciso reconhecer que os camponeses na contemporaneidade assumem-se
enquanto atores sociais que mantendo alianças no meio rural e para além destes, se
percebem enquanto sujeitos que tem vozes e podem representar a si mesmos na busca
das melhorias que consideram importantes; reconhecem que não são vítimas da natureza
ou das causas divinas, e podem nesse sentido, desenvolverem ou otimizarem práticas de
convivência com as especificidades ambientais onde estão inseridos; sentem poder
dialogar com as diferenças étnicas, culturais religiosas e de gênero, e podem assim, a
partir de uma ação conjunta, reivindicarem políticas públicas que lhes represente e
confiram empoderamento e, entendem ainda que como o capitalismo se trata de um
movimento globalizado, com força hegemônica, precisam portanto, criar também
mecanismos e alianças que lhes conferirão fortalecimento político e social (CAMPOS,
2006).
Quando tratamos de autonomia camponesa, é fato que há muito o que discutir e
avançar, sobretudo, se pensarmos pontualmente na questão organização social por parte
dos agricultores e agricultoras, pensar em especial naqueles que não se integram nas
redes e experiências de agricultura sustentável, se pensarmos ainda em políticas
públicas que sejam construídas a partir da base, em um diálogo junto com o agricultor e
agricultora. Mas é igualmente relevante que está posto que o campesinato permanece
ativo no século XXI, demonstrando sua força, resistência e autonomia em não sucumbir
frente as dificuldades. Nesse sentido, considera Campos (2006, p.13):

O que consideramos importante enfatizar é que há elementos novos no


campesinato que caracterizam o que denominamos de tendência da
autonomia camponesa, tais como a preocupação com o conjunto dos
recursos naturais, a capacidade de articulação dos movimentos
camponeses entre si e com organizações urbanas de
trabalhadores/trabalhadoras e de consumidores/consumidoras, e
particularmente o autoreconhecimento como camponês e camponesa
que lutam para mostrar que a agricultura camponesa tem uma função
social fundamental para a humanidade: produzir alimentos.

Há que considerar ainda que para pensar na autonomia camponesa, reflete-se


igualmente nos mecanismos e possibilidades que essa categoria social promove para

81
resistir a força hegemônica do grande capital sem, contudo, deixar de vista que para que
as ações sejam efetivas, elas precisam incorporar uma ação conjunta de diversos atores e
setores socais, sobretudo, porque o Estado e os agentes institucionais ocupam um lugar
muito importante para esse processo de fortalecimento da autonomia na condição
camponesa (GONÇALVES, 2014).
A ideia central desse capítulo era compreender como a racionalidade ambiental e
a agroecologia tem fortalecido a prática dos mercados alternativos. Desse modo,
apreende-se que nas experiências de circuito curto de comercialização, a procura se dá
por um alimento que é produzido de forma sustentável. Assim, a agroecologia constitui-
se como um campo fértil para fortalecer essas práticas produtivas, que na
contemporaneidade conta com muitos desafios, mas se fortalecem, sobretudo, pela ação
de coletivo de atores.
No capítulo seguinte trata-se da segurança alimentar, bem como do contexto
socioalimetar e de outro de tipo de consumo que tem se tornado evidente na sociedade
contemporânea, o consumo politizado-reflexivo. E assim, de como outras relações
sociais tem sido tecidas em torno do alimento.

82
CAPÍTULO III

SEGURANÇA ALIMENTAR, CONTEXTO SOCIOALIMENTAR E CONSUMO


POLITIZADO

3.1 A Segurança alimentar nutricional


No Brasil, os cenários de fome e miséria fazem parte do processo histórico do
país, sendo consequência da pobreza, assim como do não acesso ao alimento por parte
de pessoas mais pobres e vulneráveis, e ainda da ausência de políticas públicas que
sejam eficazes em combater e reverter esse cenário. Assim, considerando o histórico
político e social, o conceito de segurança alimentar vem sendo estudado e debatido ao
longo dos anos (BRASIL, 2011).
A preocupação com a segurança alimentar remonta ao término da I Guerra
Mundial em que a Europa estava devastada e tornava-se evidente, portanto, que a
supremacia de uma nação estava relacionada a sua capacidade de produzir alimentos.
Desse modo, esse conceito aborda três aspectos fundamentais, a saber, quantidade,
qualidade e regularidade no acesso aos alimentos (BELIK, 2003).
Um marco histórico do debate sobre segurança alimentar foi à aprovação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, consagrando-se a alimentação
como direito inerente para a reprodução de um padrão de vida adequado (BRASIL,
2011).
No Brasil, a preocupação com a questão alimentar remonta aos tempos coloniais.
No século XX constitui-se em política pública, em que movimentos sociais se
mobilizam contra o aumento dos preços. Assim, desde o século passado as políticas
públicas que tratavam da questão da alimentação direcionavam-se a distintos aspectos,
tais como política agrícola, sistemas de abastecimento, controle de preços, distribuição
de alimentos, etc. Contudo, a partir de 1996 essas intervenções tornam-se pontuais ao
lado da produção e do consumo e assumem um caráter diverso, com o contorno de
outros objetivos. Em tal contexto, os países começam a se preocupar mais com o
combate efetivo da fome dentro dos territórios (BELIK, 2003).
O estudo sobre a fome no Brasil tem em Castro (1984) o seu expoente. Em 1932
ele já estudava a associação entre a fome e à produtividade do trabalhador em Recife,
abordando a dimensão social da fome e das doenças. Em 1946, Josué de Castro escreve
sobre a Geografia da Fome, onde realiza mapeamento do Brasil a partir das

83
características alimentares de cada uma das cinco regiões brasileiras. Através desse
estudo, Castro (1984) conclui que a fome no Brasil trata-se de uma realidade
imperativa, mas que, contudo, não está relacionada apenas, ou majoritariamente aos
aspectos naturais e climáticos. Resulta sim diretamente de fatores econômicos e sociais
(BRASIL, 2011).
Na década de 1950, o modelo de desenvolvimento no Brasil está totalmente
atrelado ao crescimento econômico. Assim, vê-se intensificar no País a concentração
fundiária, estando as terras concentradas nas mãos dos coronéis, ao mesmo tempo nesse
período surgem reivindicações por partes de movimentos de base rural, as Ligas
Camponesas, em Pernambuco, constituindo-se como meio contestador do poder dos
coronéis, e reivindicador da reforma agrária (BRASIL, 2011).
A década de 1960 marca um cenário de crise alimentar no país, decorrente da
crise econômica e consequentemente no abastecimento alimentar. Algumas ações são
desenvolvidas nessa década, e o quadro abaixo ilustra com maior clareza:
Ano Ações
Foram criadas três entidades nacionais de armazenamento:
Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL)
1962 Comissão de Financiamento da Produção (CFP)
Companhia Brasileira de Armazenagem (CIBRAZEN)
Superintendência Regional de Política Agrária (SUPRA)
1964 Decreto nº 53.700 de 13 de março de 1964, assinado por
João Goulart para desapropriar terras próximas às rodovias
federais e destiná-las para a Reforma Agrária.
Quadro 3: Ações empreendidas na década de 1960 para o combate a fome
Fonte: BRASIL (2011). Adaptado pela autora.

Assim, desde a década de 1960 percebe-se que a fome passa a ser tratada sob o
enfoque multisetorial e multicasual. Contudo, é apenas na década de 1970 que ações
abrangentes passam a ser pensadas para orientar a ação dos países e nações, após a
Conferência Mundial de Alimentos em Roma, em 1974, patrocinada pela FAO. Esse
evento teve como marco a recomendação para que os Estados-membros adotassem
sistemas de vigilância alimentar e nutricional (BRASIL, 2011).
A década de 1970 é marcada no Brasil pela criação do Instituto Nacional de
Alimentação e Nutrição (INAN), em 1972, nesse mesmo ano foi elaborado I Programa

84
Nacional de Alimentação e Nutrição (I PRONAN), com 12 subprogramas, abordando a
desnutrição como doença social, ficando vigente até 1974. Em 1976 é criado o II
PRONAN tendo a vigência relacionada ao Plano Nacional de Desenvolvimento, até
1979 (BRASIL, 2011).
Maluf, Meneses e Marques (1996) consideram que a segurança alimentar até a
década de 1970 estava estritamente relacionada ao aspecto da produção. Em 1974 na
Conferência Mundial de Segurança Alimentar promovida pela FAO (Organização das
Nações Unidas para Alimentação), os estoques de alimentos estavam escassos, devido a
crise de alimentos no mundo todo. Tal cenário incorreu por incentivar as pesquisas
voltadas para Revolução Verde e sua consequente adesão por diversos países. Nesse
momento, difunde-se a ideologia da Revolução Verde como o único meio pelo qual se
resolverá o problema da fome e da desnutrição, ligando assim, a produção a maciça
utilização de insumos químicos na produção agrícola.
A década de 1980 é caracterizada pelo ressurgimento do debate sobre a fome,
tendo como pano de fundo as obras de Josué de Castro. Nesse momento, diversas
entidades organizativas e civis se mobilizam para debater sobre a problemática, e
configura-se assim, na década de 1980 e 1990 os temas da alimentação e nutrição sendo
tratados em âmbito político e nacional. Um evento que marcou a temática foi a 8ª
Conferência Nacional de Saúde em 1986, em que contou com uma ampla participação,
e como um dos resultados, é a primeira referência ao conceito de Segurança Alimentar
no Ministério da Agricultura (BRASIL, 2011).
Na década de 1990, o Brasil sedia a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), em paralelo a este evento, acontece a
Conferência Mundial da Sociedade Civil que enviaria suas propostas para o evento
oficial, nesse momento o tema da Segurança Alimentar desponta como um dos mais
destacados na Sociedade Civil, incorrendo assim no Tratado de Segurança Alimentar
(BRASIL, 2011).
Em 1993 é criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA),
como órgão de aconselhamento junto à Presidência da República. No ano de 1994 é
realizada no Brasil a I Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, em Brasília.
Nesse momento passam a serem as seguintes diretrizes para orientar a Política de
Segurança Alimentar e Nutricional:
i) ampliar as condições de acesso à alimentação e reduzir seu peso no
orçamento familiar;

85
ii) assegurar saúde, nutrição e alimentação a grupos populacionais
determinador; e,
iii) assegurar a qualidade biológica estimulando práticas alimentares e
estilo de vida saudáveis (BRASIL, 2011, p. 19).

No ano de 1993, na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, sediada em


Viena, o direito à alimentação passou a constituir-se como um direito equivalente aos
demais direitos humanos, estabelecida na Carta de Direitos Humanos de 1948. Assim,
percebe-se que os Estados pautarão as suas ações de combate a fome e a miséria
considerando que a alimentação é um direito tácito humano, e assim o alimento precisa
ser pensado de uma forma mais abrangente (BELIK, 2003).
A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN foi
instituída pelo Decreto de nº 7.272 de 25 de agosto de 2010. Através da referida Política
se estabeleceu os parâmetros para elaboração do primeiro Plano Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – PLASAN 2012-2015 (BRASIL, 2011).
Quando o enfoque da SAN é retomado a partir de 2003, passa-se com isso a uma
redefinição da agenda pública com vistas a orientar a ação dos governos, assim a
apropriação por parte da sociedade do conceito de SAN no Brasil. Com isso, as três vias
principais da recente construção da Agenda de SAN no Brasil são o Fome Zero e
programas afins implementados pelo Governo Federal e demais esferas do governo, o
Conselho Nacional de SAN (CONSEA), as esferas estaduais, além das proposições de
diversas entidades civis dos movimentos e redes sociais (MALUF, 2006).
Pensar a SAN no Brasil é ir ao encontro de um tema que deve perpassar para
além das questões multisetoriais; pois, esta temática diz respeito igualmente, ao
processo de trabalho e renda. Assim, ao mesmo tempo em que a política da SAN
consistiu primordialmente em garantir o acesso ao alimento de qualidade, implicou
também em ocupação nas áreas rurais para que os agricultores e agricultoras tenham
condições para produzir alimentos, tendo acesso à terra, água e recursos financeiros.
A partir do resgate histórico da Segurança Alimentar no Brasil, fica evidente que
tem havido avanços, uma vez que o combate à fome e a miséria tem se pautado como
uma política imperativa do Governo Federal. Contudo, reflete-se que essa ação precisa
ir além de iniciativas setoriais, para que se abram as portas para as experiências de
agroecologia, economia solidária, agroextrativismo, no intuito de que tenham seus
potenciais valorizados. O gargalo da política de SAN no Brasil, segundo Maluf (2006) é
a sua inserção em um contexto econômico nacional, para quem a mesma significa

86
apenas um atenuante das mazelas geradas pelo crescimento hegemônico do país, em
detrimento das experiências locais de sustentabilidade socioambiental.
Assim, pode-se inferir que as mudanças no sistema de produção e consumo
alimentar, advém também da crise de insegurança alimentar, ambiental e econômica
percebida hoje em distintos contextos sociais e históricos. Assim, diferentes grupos
sociais passaram a empreender mudanças significativas que configuram novos hábitos,
novos mercados e novas formas de pensar no alimento. É fato que as práticas
agroecológicas colocam no centro do debate, duas questões fundamentais, a saber:
soberania e segurança alimentar.
Schutter (2012) considera ainda que por um lado percebe-se um interesse do
capital estrangeiro em investir na agricultura sob os moldes da agricultura de grande
escala, pois nos últimos anos tem mudado o investimento direto estrangeiro na
agricultura que passou de uma média de US$ 600 milhões anualmente na década de
1990 para US$ 3 bilhões em 2005-2007. Ao mesmo tempo em que vai se tornando
perceptível o surgimento ou mesmo fortalecimento de outras formas de produção
alimentar que operam em outra lógica, outra perspectiva, como a agroecologia, ou
mesmo agriculturas ecológicas sustentáveis. Algumas iniciativas, tais como Iniciativa
de Segurança Alimentar Aquila, o Programa Global de Agricultura e Segurança
Alimentar (GAFSP) ou o Programa de Desenvolvimento Integral da Agricultura da
África (CAADP) do NEPAD da África, mostram que os governos estão direcionando
seus olhares para outros modelos de agricultura que sempre coexistiram em distintas
sociedades, assim o autor afirma:

Para obter isto, entretanto, despejar dinheiro na agricultura não será o


suficiente; o mais importante é adotar medidas que facilitem a
transição para um tipo de agricultura com baixas emissões de carbono
e conservação de recursos que beneficie os agricultores mais pobres.
Isto não ocorrerá por acaso, mas deverá ser fruto de um planejamento
deliberado através de estratégias e programas respaldados pela
vontade política e baseado no enfoque relacionado ao direito à
alimentação (SCHUTTER, 2012, p. 14).

No que diz respeito ao direito à alimentação, este precisa considerar a


disponibilidade, o acesso e a adequação. O acesso significa tanto o acesso físico quanto
o econômico, e a adequação exige que o alimento tenha valor nutricional, apresentando
ainda segurança para o consumo humano, isento de substâncias nocivas, e que ele seja
culturalmente aceitável (SCHUTTER, 2012).

87
Em 1996 foi aprovado em Leipizg, na Alemanha, o Plano de Ação Global sobre
Conservação e Utilização Sustentável de Recursos Genéticos de Plantas para
Alimentação e Agricultura. Nesse documento a questão da segurança alimentar foi
intensamente investigada, já demonstrando que em temas que discutem a
agrobiodiversidade, a segurança alimentar será pensada em sua relação com a
sustentabilidade e os ecossistemas. Temas de muita relevância igualmente foram
tratados nesse documento, tais como: valorização dos saberes endógenos das
comunidades e povos rurais; reconhecimento da importância do trabalho desses atores
para a sustentabilidade dos agroecossistemas; a importância da utilização de práticas
sustentáveis e valorização das variedades locais (MACHADO, SANTILLI e
MAGALHÃES, 2008).
Para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional é preciso considerar os
aspectos referentes ao alimento enquanto componente alimentar, como produção,
comercialização, disponibilidade e acesso aos alimentos, assim como atender aos
aspectos pertinentes também ao quesito nutricional, como às práticas alimentares e
utilização biológica dos alimentos. Assim, o conceito de Segurança Alimentar e
Nutricional pode ser considerado um conceito em construção, pois perpassa por
diversas questões, e está além da setorização da produção agrícola.
Oliveira e Rozendo (2016) consideram que como pano de fundo para a
emergência da concepção de segurança alimentar e nutricional, há um antigo debate que
precisava ir além da expressão fome, havendo assim, uma ampliação e politização dessa
discussão, sendo então, incorporado uma diversidade de atores. Para as autoras, a
agricultura familiar consiste em uma forma social que tem as condições de assumir o
protagonismo das ações de SAN. E Rozendo (2006) afirma ainda que a agricultura
familiar é a principal protagonista na produção de alimentos no Brasil.
Como ações pontuais dos governos nos últimos dez anos com vistas ao combate
à fome, miséria e insegurança alimentar, surgem vários programas e políticas públicas,
podendo-se citar o Programa Comunidade Solidária, do Programa Bolsa Família, além
de outras iniciativas municipais e estaduais. Nesse sentido, consideram Machado,
Santilli e Magalhães (2008, p. 35):
O apoio à agricultura familiar insere-se nessa iniciativa de
harmonização das ações públicas, particularmente pela sua grande
qualidade de fornecedor de alimentos para a população de baixa
renda. Além dessa função, a agricultura familiar é importante para a
segurança alimentar, em razão da sua característica de fonte de

88
distribuição de renda e de geração de empregos, o que abre a
possibilidade para que milhões de pessoas tenham acesso a alimentos.

A soberania alimentar surge no mesmo cenário que o de segurança alimentar, na


Cúpula Mundial da Alimentação realizada em Roma em 1996. A soberania alimentar
vem reivindicar a soberania dos povos, no sentido de serem mantidos valores e saberes
culturais, o patrimônio das sementes, conferindo ao alimento a valorização do local e do
regional, de modo que seja mantida a autonomia camponesa, uma vez que esses atores
são guardiões de saberes e conhecimentos milenares sobre o alimento (LEÃO, 2013).
A soberania alimentar pode ser considerada como um conceito de muita
importância quando discutimos sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada, uma
vez que esse conceito trata de forma abrangente do direito dos povos decidirem sobre o
que produzir e consumir, e sob quais princípios se norteará a produção agrícola. Assim,
importa considerar na soberania alimentar a autonomia e condições de vida dos
agricultores e agricultoras familiares camponeses, considerando-se que essa forma de
produção será refletida no alimento, através de qualidade, uma vez que estes devem ser
produzidos de forma sustentável ambiental e socialmente. Ainda de grande relevância é
o patrimônio genético das sementes tradicionais (crioulas) e da biodiversidade agrícola,
para que assim mantenha-se a valorização da cultura e dos hábitos alimentares (LEÃO,
2013).
O comprometimento da soberania alimentar no país afeta não apenas o
desenvolvimento das áreas rurais, mas também a qualidade alimentar dos moradores da
cidade, onde se percebe a massificação dos hábitos alimentares, que demonstram como
as pessoas estão distantes da sua cultura alimentar, provocando perda na identidade e
diversidade culturais, além dos demasiados danos à saúde (LEÃO, 2013). Assim, torna-
se claro que:

O oligopólio da cadeia de produção, a transformação e a distribuição


de alimentos determina não apenas o que pode ser produzido, mas, em
última instância, o que será consumido. Nas gôndolas dos
supermercados, são apresentadas diferentes marcas e produtos
alimentícios que se parecem cada vez menos com aquilo que nossos
avós chamavam de alimento (LEÃO, 2013, p. 21).

Nesse sentido, a sustentabilidade ambiental emerge como pano de fundo dessa


questão. Pois, ao defender um alimento produzido localmente, por atores autônomos,
prescinde-se que essa produção seja sustentável do ponto de vista social, assim como

89
sob o aspecto ambiental. E constitua-se assim, como uma produção que traz em seu
bojo o cuidado com o meio ambiente, se estendendo também a preservação dos saberes
culturais, e de seus valores.
Diante dessa necessidade de pensar o alimento sob essa perspectiva, pode-se
considerar de igual importância a dimensão da cultura em torno do alimento, no sentido
de reconhecer como importante, e valorizar o patrimônio cultural que as pessoas
conferem em suas práticas de preparo e consumo do alimento. Assim, Maluf, Menezes e
Marques, (1996, p.4) consideram os princípios que regem a segurança alimentar:

O primeiro deles é que a segurança alimentar e a segurança nutricional


são como “duas faces da mesma moeda”, não podendo se garantir uma
delas sem que a outra também esteja garantida. O segundo princípio
está no fato de que somente será assegurada a segurança alimentar e
nutricional através de uma participação conjunta de governo e
sociedade, sem que com isto se diluam os papéis específicos que cabe
a cada parte. Por fim, é preciso que se considere o direito humano à
alimentação como primordial, que antecede a qualquer outra situação,
de natureza política ou econômica, pois é parte componente do direito
à própria vida.

Vale salientar ainda que alguns avanços foram logrados no Brasil também no
tocante a soberania alimentar, tais como redução da extrema pobreza, insegurança
alimentar moderada e a grave mortalidade infantil, e nesse sentido alguns aspectos são
relevantes, podendo-se citar o aumento de poder de compra da população mais pobre,
somado ainda ao fortalecimento da agricultura familiar, e não podendo deixar de
referenciar a implantação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Contudo, ainda há desafios a serem superados, sobretudo, para a promoção de uma
produção alimentar que respeite a diversidade social, biológica e cultural (SCHOTTZ,
2014).
Em seguida, discute-se as mudanças pertinentes ao alimento dentro do contexto
das transformações dos diferentes sistemas agroalimentares, compreendendo o alimento
como uma necessidade fisiológica, mas também social.

3.2 O alimento: as diferentes concepções sobre o alimento ao longo da história


As mudanças na alimentação humana tem uma forte relação com o processo de
revolução industrial, sobretudo, através do desenvolvimento das indústrias alimentares.
Produtos que antes eram fabricados de forma totalmente artesanal (farinhas, óleos,
açúcar, etc.) passaram a ser produzidos de maneira totalmente industrial através das

90
usinas, e há também as empresas que passaram a especializar-se para disponibilizar o
alimento pronto (FLANDRIN; MONTANARI, 1998).
No início do século XX, médicos e profissionais observaram que onde se abrisse
mão da alimentação tradicional em prol da dieta ocidental, haveria uma relação direta
com o surgimento de doenças ocidentais, tais como obesidade, diabetes, doenças
cardiovasculares e câncer. Esse cenário conduz diretamente para a compreensão de que
se trata do alimento moderno, que tem como característica o desenraizamento
geográfico, e devido a massificação da industrialização da comida, os alimentos viajam
por quilômetros a fio, e chegam com características de frescura nos espaços mais
remotos do planeta, e quanto maior o poder aquisitivo, maior a possibilidade de
importar “alimentos nobres” e mais seletivos, compreendido assim como o processo de
homogeneização do alimento (POULAIN, 2013).
Brunori e Malandrin (2016) afirmam que a compreensão contemporânea do
alimento pode resultar em movimentos duplos, tanto da esfera de mercado à esfera
pública, quanto da esfera pública para a esfera de mercado, a primeira é decorrente das
mudanças engendradas por parte das empresas em escala maior, e que conseguem em
grande escala, atender a demanda por um alimento que e opõe por exemplo, a lógica do
fast food, sendo o slow food um exemplo. Já a segunda categoria agrega a variedade de
cadeias ou redes alimentares alternativas decorrentes da iniciativa da sociedade civil,
pequenos agricultores e mesmo dos consumidores. Assim, com base na expectativa que
se tem do alimento atualmente, outras geometrias se estabelecem resultando em
“alianças além dos domínios políticos tradicionais”.
O que identifica os seres humanos em sua relação com o alimento é o ato de
comer, que por sua vez diz respeito a uma necessidade biológica, mas também cultural,
pensar no alimento em uma relação simbiótica. Nesse sentido, afirma Pollan (2008, p.
16):
Esquecemos que, historicamente, as pessoas comem por muitas razões
além da necessidade biológica. Comida também tem a ver com prazer,
comunidade, família e espiritualidade, com a nossa relação com o
mundo natural e com a expressão da nossa identidade. Já que os seres
humanos fazem refeições juntos, a alimentação tem relação tanto com
a cultura quanto com a biologia.

O alimento é representativo da sociedade, pois nele está intrínseca a condição


social dos sujeitos e suas escolhas alimentares. O alimento é assim compreendido por

91
Poulain (2013, p. 17) “produtos naturais culturalmente construídos e valorizados,
transformados e consumidos respeitando um protocolo de uso fortemente socializado”.
Quando propõe-se a discutir sobre a alimentação na contemporaneidade, depara-
se com duas questões basilares, a saber, a crise alimentar que no século XX surge com o
surto de algumas doenças como a vaca louca, e tantas outras epidemias, que
demonstram a necessária cautela com os processos tecnológicos alimentares, assim
como a questão ambiental, e ainda com o fato de a temática alimentação ser um tema
inovador para a área de ciências sociais, emergindo há aproximadamente desde a década
de 1970, em que começa-se uma demanda de pesquisas para entender ou redefinir o
estatuto teórico desta temática. Ademais, considera-se que o cenário atual é de
sociologias da alimentação, ou seja, pensa-se nessa temática de uma forma plural. Vê-se
ainda que a sociologia vai em direção à alimentação (POULAIN, 2013).
Na década de 1990, especificamente, em decorrências dos surtos da vaca louca e
dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM), incidindo em intoxicações
alimentares, há um perceptível choque simbólico configurando um cenário de medo,
incerteza, dúvidas e críticas sobre o atual padrão alimentar. Os escândalos das práticas
espúrias das indústrias de alimentos tomam as primeiras páginas dos jornais, e põem em
xeque um padrão alimentar que é insalubre e insustentável ambiental e socialmente
(POULAIN, 2013).
Os hábitos alimentares e suas mudanças na contemporaneidade passam a ser
alvos de distintas correntes teóricas que tentam de alguma forma dar conta desse novo
contexto socioalimentar. O que é evidenciado, contudo, é que embora surjam teorias
que apontam para uma padronização alimentar, como por exemplo, a Mcdonaldização,
outras revelam uma variedade alimentar. Contudo, Poulain (2013, p. 48) considera que
embora tente, a indústria não consegue assumir a função socializadora da cozinha,
afirmando assim que:

A autoprodução alimentar se desenvolve consideravelmente a partir


do término das atividades. Bastante longe de um estrito interesse
econômico, ela se inscreve numa lógica do tempo livre e da qualidade
dos produtos. Ela transforma as lógicas do abastecimento e permite,
sobretudo pela redistribuição dos excedentes, a instalação ou a
manutenção de redes relacionais de proximidade.

Característico do processo de urbanização é a desconexão do alimento do seu


universo de produção, configurando-o assim em uma relação de mercadoria, o que

92
provoca o seu desenraizamento natural e suas funções sociais. Desse modo, o alimento
vai se tornando cada vez mais uma mercadoria na pós-modernidade, configurando assim
o que Poulain (2013) considera como origem do comedor-consumidor, consumando
outra característica desse processo, a perda do consumidor com a cadeia da produção.
Dado o contexto apresentado por Poulain (2013), em que a insegurança
alimentar foi tratada desde o período Pós-Guerra como uma questão da quantidade dos
alimentos, ou seja, do ponto de vista do abastecimento até a o século XX, resultando em
uma diversidade de epidemias e surtos que denotam a produção industrial como sendo a
responsável por criar um cenário de incerteza e repúdio aos alimentos industrializados,
na contemporaneidade, a segurança alimentar reivindica agora a quantidade, mas
também a qualidade dos alimentos.
Desse modo, a busca pela qualidade se configura também com o surgimento de
uma diversidade de olhares sobre o alimento, e a questão de pensar no alimento
procurando entender a sua simbologia e sua representação social, torna-se uma realidade
em diversos países. Assim, a alimentação passa a ser pensada sob a discussão dos
resgates culturais de hábitos alimentares, e ainda como possibilidade de defesa ao meio
ambiente, sobretudo, diante da necessidade de repensar a alimentação e as práticas
produtivas.
Nesse sentido, instiga-se a pensar na alimentação em uma perspectiva de
sustentabilidade assentada nos aspectos sociais, ambientais e econômicos, refletindo
sobre a hegemonia do nutricionismo que vê os alimentos enquanto uma somatória de
componentes químicos, desprovendo-os de suas relações sociológicas e culturais. O
conceito de alimentação adequada e saudável proposto pelo CONSEA incorpora uma
abordagem mais holística, que revela uma outra compreensão da relação entre
agricultura e nutrição e considera o protagonismo de homens e mulheres do campo na
busca pela alimentação sustentável em seus diversos aspectos (produção, processamento
e consumo). Assim, o CONSEA apresenta o conceito de alimentação adequada:

Alimentação adequada e saudável é a realização de um direito humano


básico, com a garantia ao acesso permanente e regular, de forma
socialmente justa, a uma prática alimentar adequada aos aspectos
biológicos e sociais dos indivíduos, de acordo com o ciclo de vida e as
necessidades alimentares especiais, considerando e adequando quando
necessário o referencial tradicional local. Deve atender aos princípios
da variedade, qualidade, equilíbrio, moderação e prazer (sabor), às
dimensões de gênero, raça e etnia e às formas de produção
ambientalmente sustentáveis, livres de contaminantes físicos,

93
químicos e biológicos e de organismos geneticamente modificados
(CONSEA, 2007, p. 26).

O caráter sociológico da alimentação tem em Simmel (2004) uma referência


basilar, sobretudo, ao afirmar que proximidades, regras, limites e normas se estabelecem
com e a partir do alimento, este configurado assim, como uma necessidade fisiológica,
mas também, agora, social.
Lifschitz (1997) ressalta que a busca pelo “natural”, na área alimentar, tem
apresentado mudanças no consumo, e no Brasil, essa busca do alcance social a esse
alimento tem um alcance restrito a classe de média e alta renda, ressaltando, contudo,
que os estudos precisavam avançar para compreender se há difusão desse segmento nas
camadas mais pobres. Para compreender o sentido do natural apontado pelo referido
autor, ele ressalta que há ambiguidade na compreensão desse conceito, e que o mesmo
pode advir de diferentes sujeitos de enunciação que se apropriam do termo. A saber, se
tratam das tribos alimentares, os profissionais da saúde, a indústria alimentar e a mídia.
Em nossa pesquisa, o conceito de natural apresentado pelo autor advindo das tribos
alimentares, é o que mais se aproxima do nosso objeto de estudo, sendo:

O natural das tribos8 alimentares é definido pela origem dos produtos.


Os alimentos reconhecidos por estas como naturais remetem-se à
própria natureza, nascem na terra e se originam de misturas manuais,
do contato da matéria prima com o calor e a pressão das mãos. Por
contraposição, não são reconhecidos como naturais os alimentos
“naturais-industriais”, produtos de processos fabris, da intersecção de
máquinas, matéria-prima, agrotóxicos e força de trabalho. Portanto,
diferentemente dos in natura ou do “natural-artesanal”, consideram o
produto natural-industrial como simulacro, como oriundo “de
segunda” natureza. Para as “tribos”, quando mais longe da terra e das
mãos, o alimento, menos natural ele é (LIFSCHITZ, 1997, p. 72).

O autor enfatiza ainda que, esses produtos naturais circulam por redes produtivas
diversas, sendo ainda que esses produtos carregam signos e redefinições de
configurações culturais, apresentando assim, novas representações culturais.
Nesse sentido, algumas pesquisas ressaltam as conformações que o alimento
vem assumindo na contemporaneidade, e possibilitam problematizar os elementos que
incorreram na mercantilização do alimento e sob quais bases essas novas relações se
constroem. Assim, na pesquisa de Menasche (2010, p. 205), de acordo com os

8
A compreensão de tribo apresentada por Lifschitz (1997), referencia-se em Maffesoli (1987), que
compreende como tribos alimentares os microgrupos naturalistas, macrobióticos, vegetarianos.

94
consumidores entrevistados, a valorização do alimento natural ocorre em contraposição
ao alimento industrializado. Para esses consumidores, há uma reprovação aos alimentos
enlatados, dando preferência assim, aos alimentos que eles conhecem quem o produziu.
Assim “O natural, fresco, caseiro, próximo, tradicional seria, dessa forma, afirmado em
oposição ao artificial, processado, industrializado, distante, moderno”. Ressalta ainda
que aos alimentos adquiridos da feira são dotados de uma qualidade natural, que por sua
vez opõe-se ao alimento industrializado, sendo assim dotado de uma condição de
alimento saudável, limpo.
A demanda pelo alimento local, segundo Allaire (2016, p. 82), assenta-se sob
uma discussão complexa. Pois, segundo o autor, há uma teia de novas situações e temas
sociais que têm na contemporaneidade, reforçado o valor do “produto alimentar local”.
Para o autor, há várias causas que possibilitaram essa demanda, citando-se “o fracasso
da cúpula da OMC em Seattle resultante das manifestações populares, a crise de 2007-
2008, e o aumento das inquietações relativas à saúde e ao meio ambiente decorrentes de
alarmes alimentares”.
Na pesquisa de Allaire (2016, p. 86), o surgimento de mercados locais na União
Europeia está relacionada aos aspectos da instabilidade dos preços agrícolas e a
desestruturação das cadeias de produtos básicos, ocasionando para os agricultores a
possibilidade de aderirem a outras formas de comercialização, além da entrega em casa,
atrelada a uma flexibilidade e facilidade de fazer pedidos, por parte dos consumidores.
Nesse sentido, afirma o autor “Assim, a oportunidade econômica oferecida pelos
produtos alimentares locais amplia a abrangência de iniciativas ativistas, que passam a
ser apoiadas pelas principais organizações de agricultores e por programas de
desenvolvimento rural”.
Brunori e Malandrin (2016) ressaltam que os agricultores da Itália foram
consideravelmente beneficiados pela valorização e tradição local buscada nos alimentos,
opondo-se a lógica de industrialização alimentar, que nesse país despertou a
desconfiança dos consumidores, sobretudo, a partir do mal da vaca louca em 1996. Os
autores ressaltam que a partir desses fatos, surgiu outro discurso sobre o alimento e sua
qualidade, incorrendo em benefícios para os agricultores familiares e mesmo a grande
indústria procurou se adaptar a nessa nova realidade e orientar sua produção com base
no que se era exigido do ponto de vista da qualidade do alimento. Nesse contexto:
A qualidade entendida como especificidade local – representada por
receitas tradicionais, biodiversidade local e manufatura artesanal –

95
tornou-se uma prioridade nas políticas. No novo contexto a identidade
regional e nacional reúne consumidores e produtores favorecendo a
preferência por produtos nacionais e estratégias agressivas sobre os
mercados de exportação (2016, p. 148).

A pesquisa de Garcia-Parpet (2016) evidencia que na França a ideia de terroir


está relacionada à necessidade de produtos com indicação geográfica ou denominação
de origem. Nesse caso, a preocupação com as questões ambientais não são exigidas em
alto grau, apesar de que nesse grupo de produtores, alguns desenvolvem práticas
biológicas que impactam menos ao meio ambiente.

3.3 O consumo reflexivo nas redes agroalimentares alternativas


Avaliando o consumo na perspectiva da globalização, Ortiz (2007) considera
que uma característica desse processo é o desenraizamento dos produtos, e o que está no
cerne desse processo é uma contraditoriedade da ideologia do pós-industrialismo, pois
ao mesmo tempo em que se pre-configurava uma autonomia local, assentada na
individualidade do consumidor, o que se vê é o contrário, ou seja, a dinâmica
econômica pauta-se pela concentração de poder do grande capital. E no que diz respeito
ao âmbito do consumo alimentar, a lógica é a mesma, poucas marcas são as
responsáveis pela produção mundial de cereais, óleos, biscoitos, bebidas e outros. Nesse
sentido, afirma:

Centralização ou descentramento? A discussão oscila entre dois


extremos. Uma primeira proposta nos induz a imaginar a existência de
um indivíduo inteiramente livre, solto na malha social, capaz de
escolher, sem hesitação, suas roupas, seus programas de televisão,
seus objetos. Cada escolha refletiria a profundidade de seu Ser. Mas a
tendência real de oligopolização dos cartéis de cultura aponta noutra
direção. Controle, monopólio e tolhimento da liberdade surgem como
traços intrínsecos ao processo de mundialização (ORTIZ, 2007, p.
166).

Segundo Ortiz (2007), o processo de globalização nos países em


desenvolvimento é mais feroz, capaz de gerar maiores desigualdades, provocando,
sobretudo, um desenraizamento dos segmentos econômicos e culturais das sociedades
nacionais.
Para Certeau (1998), o consumidor exerce um papel importante se formos
avaliar o produto em uma perspectiva mais ampla. Para esse autor, o momento de
aquisição da mercadoria, é também apontada por ele como um momento de fabricação,

96
onde é preciso identificar o que a mercadoria significa para o usuário, sobretudo, o que
a utilização significa para ele.
Nessa perspectiva, Deyan (2010) credita a mercadoria, o objeto, a capacidade de
sinalizar quem somos, e podem ainda, marcar a passagem das nossas vidas.
Para Canclini (2010), ao discutir globalização, o autor afirma que os latino-
americanos herdaram dos vínculos com os Estados Unidos a condição de consumidores.
Assim, as leituras que se faz do consumo e do consumidor, dentro do processo macro de
globalização-modernização-pós-modernismo, nos parece indicar um processo que
homogeneiza, e que como afirma Ortiz (2007), representa um desenraizamento, assim, a
cultura passa a ser percebida como um processo de montagem multifuncional, e que “os
objetos perdem a relação de fidelidade com os territórios originais” (CANCLINI, 2010,
p. 32).
Contudo, Canclini (2010) afirma que não se pode perder de vista dois aspectos
relevantes: 1) o local não perde sua importância diante do global e 2) o modo neoliberal
de globalização não é o único possível. O pensamento de Canclini (2010, p. 35), se
assenta na hipótese de que “quando selecionamos os bens e nos apropriamos deles,
definimos o que consideramos publicamente valioso, bem como os modos de nos
integrarmos e nos distinguirmos na sociedade, de combinarmos o pragmático e o
aprazível”. Para esse autor, o ato de consumir está dotado de uma relevância que pode
orientar o sujeito a uma condição de cidadão que difere da forma como a globalização
apresenta. No sentido de que, reconhecer que o ato de consumir “sustenta, nutre, e até
certo ponto, constitui uma nova maneira de ser cidadãos”.
O pensamento de Baudrillard (1995) é essencial para entender a sociedade
contemporânea, pois segundo o autor o consumo surge como modo ativo de relação, e
que essa relação é sistemática e pode servir de base para entender todo o sistema
cultural. Para esse autor, somos nós, a sociedade que vemos os objetos padecer, ao
contrário dos objetos em outras épocas, em que eles é que se despediam da sociedade,
tinham um poder de obsolescência menor. Ainda nessa perspectiva, o autor ressalta o
individualismo como característica intrínseca da sociedade contemporânea e afirma que
os indivíduos não convivem entre si, mas sim os objetos.
Assim, podemos refletir sobre o consumo nas feiras agroecológicas com
referência na compreensão de Baudrillard (1995). Uma vez que nos é indicado que
nesses espaços de consumo, o que tece essas experiências é a relação com o outro
sujeito. O autor conduz assim, a compreensão de que há uma relação em que o produto

97
é fim, mas também o meio pelo qual se estabelece outra relação de diálogo, pautada por
sua compreensão, quando afirma que o consumo é um modo ativo de relação.
Segundo o autor, para que seja possível a relação de consumo, existe o processo
de dominação da natureza, a natureza é “o produto de uma actividade humana, sendo
dominadas (fauna e flora), não por leis ecológicas naturais mas pela lei do valor de
troca” (BAUDRILLARD, 1995, p. 16).
Duas características da produção do consumo são ressaltadas por Baudrillard
(1995, p.17). Primeiro, é o desenraizamento, a grande variedade de produtos disponíveis
para os consumidores que são produzidos além fronteiras, e o fascínio que os produtos
exercem sobre os consumidores, de tal modo, que o consumo de um objeto decorre na
maioria das vezes no alcance a outros, que muitas vezes os exprimem. Nesse sentido,
afirma “transformou-se a relação do consumidor ao objeto; já não se refere a tal objeto
na sua utilidade específica, mas ao conjunto de objetos na sua significação total”.
Para Baudrillard (1995) as motivações são complexas. Da perspectiva do
consumo tal como é apresentado pelo referido autor, o consumo apresenta-se como em
um quadro de esquizofrenia, no sentido de que a prática de consumo como é
desenvolvida hoje nos espaços de imagem, sedução, poder e dinheiro – sendo essa a
forma de aquisição do produto -, existe uma distância do produto-produtor-consumidor.
Essa compreensão é central na pesquisa, uma vez que o que a realidade construída
socialmente nas feiras agroecológicas está distante dessa lógica.
Nestas experiências, há a relação direta produtor-produtora-consumidor. O que
contorna essa relação é em uma hierarquia distinta do consumo macro apresentado por
Baudrillard (1995). Acontece que o produto exerce uma forte atração sobre o
consumidor, há o desejo, a necessidade fisiológica, mas há também a confiança em
quem o produziu, há a confiança no valor desse produto (nutritivo, ambiental,
econômico, social).
Miller (2007) afirma que a maioria dos estudos que tratam do consumo,
comumente o fazem sob a ótica de um discurso moral ou normativo e que incorrem em
demonizar essa prática; contudo, para o autor, o consumo poderia ser reconhecido como
uma possibilidade de erradicação da pobreza e formas mais justas de desenvolvimento.
Ressalta ainda que ao consumo se associa a comparação de uma doença definhadora,
enquanto que a produção, um caráter criativo de construção do mundo. Sobre a prática
do consumo em comunidades tradicionais, Miller trata da pesquisa de Munn (1986) em
que evidenciou que em comunidades tradicionais em uma ilha em Nova Guiné, havia

98
uma determinação de que não se poderia consumir o que se produziu, antes esses bens
deveriam ser envolvidos em trocas, uma vez que são produtores de relações sociais.
É importante a contribuição de Miller (2007) para a compreensão do consumo
na sociedade contemporânea; pois, faz-se uma leitura crítica do consumo, esse sendo
visto, segundo o autor, como possibilidade de romper o paradigma de que consumo está
atrelado ao capitalismo e seu poder destrutivo, indo de frente com um discurso moral
que permeou os estudos durante muito tempo na sociologia do consumo. Nesse sentido,
o autor discorre sobre uma série de estudos que perceberam o potencial do consumo sob
o enfoque da transformação de mercadorias e como esse tem uma condição basilar que é
também a produção de grupos sociais, e assim precisam ser examinados “cada um do
seu jeito”.
O autor utiliza várias pesquisas etnográficas para defender como essas têm
contribuído para um referencial teórico mais amplo sobre a cultura do consumo material
e como essas pesquisas rearticulam produção e troca afirmando que “levam a repensar a
materialidade de volta a uma consideração sobre a natureza da humanidade dentro de
uma sociedade consumidora (MILLER, 2007, p. 48)”. Para Miller (2007) é muito
importante estudar o consumo material, uma vez que “a materialidade de cada Gênero é
importante”, e portanto, diz que o desafio atual é de estudar a relação entre o consumo e
a produção. Nesse sentido, afirma:

Um apelo é feito para uma análise da cadeia de mercardoria na qual o


objetivo é desfetichizar a mercadoria e mostrar as ligações humanas
que são criadas através do capitalismo, não para valorizá-las, mas para
reconhecê-las e entender as responsabilidades que surgem quando nos
beneficiamos enquanto consumidores através de preços baixos para o
prejuízo de outros (MILLER, 2007, p.53).

Barbosa e Campbell (2006) afirmam que a prática de consumo é inerente à


condição humana e o ato de consumir no Brasil, está voltado para o “esgotamento” dos
bens, além de representar as mediações das relações sociais, no sentido de “construir” as
identidades e estabelecer fronteiras entre grupos e pessoas. Assim, o consumo dos bens
e serviços, auxilia em dois aspectos importantes, a saber, a constituição das identidades
e as subjetividades.
Embora o consumo seja uma das mais básicas atividades humanas, por muito
tempo não recebeu a devida importância nos estudos sociológicos, conforme Cassol
(2013). No entanto, tal cenário tem mudado nos últimos anos e assim o consumo vem se

99
constituindo como objeto de estudo em diversas disciplinas das ciências sociais e
humanas, percebendo-se assim, que tem se instituído como um tema interdisciplinar,
possibilitando o diálogo entre diversos pesquisadores dos mais diversos assuntos. Por
muito tempo o consumo foi classificado sob os padrões ocidentais como supérfluo,
ostentatório ou conspícuo, e assim, não é tarefa fácil analisar o consumo na sociedade
atual, pois:

O consumo é ambíguo porque por vezes é entendido como uso e


manipulação e/ou como experiência; em outras, como compra, em
outras ainda como exaustão, esgotamento e realização. Significados
positivos e negativos entrelaçam-se em nossa forma cotidiana de falar
sobre como nos apropriamos, utilizamos e usufruímos do universo a
nossa volta (BARBOSA e CAMPBELL, 2006, p. 21).

Campbell (2006) afirma que consumo está relacionado consideravelmente a


identidade. De modo que é possível pensar que os itens de escolha de consumo dos
indivíduos, podem de alguma foram imprimir ou apresentar um esboço da figura do
sujeito e da sua própria identidade no mundo. Ao afirmar isso, o autor supracitado
reconhece que não se pretende tratar a pessoa humana de forma reducionista, ressalta
que os produtos consumidos nos apontam para uma direção, no sentido de entender as
reações e motivações humanas a determinados produtos. Para trazer tal reflexão,
Campbell (2006) propõe desvencilhar-se dos pré-conceitos a respeito do consumo, que
por muito tempo foi tratado com base em um discurso de moralidade. Assim, propõe-se
pensá-lo como ação que nos localiza no mundo enquanto sujeitos portadores de uma
identidade, portanto, trata-se de um diálogo do sujeito consigo mesmo. Por outro lado, o
consumo é pensado, como um meio para mudar a realidade que vive e que está para
além da ação do sujeito, repercutindo na sua ação no mundo. Desse modo, o consumo
passa a ser pensado em diferentes matizes, conforme Barbosa e Campbell (2006, p. 26):

Assim, na sociedade contemporânea, consumo é ao mesmo tempo um


processo social que diz respeito a múltiplas formas de provisão de
bens e serviços e a diferentes formas de acesso a esses mesmos bens e
serviços; um mecanismo social percebido pelas ciências sociais como
produtor de sentido e de identidades, independentemente da aquisição
de um bem; uma estratégia utilizada no cotidiano pelos mais
diferentes grupos sociais para definir diversas situações em termos de
direitos, estilos de vida e identidades; e uma categoria central na
definição da sociedade contemporânea.

100
Para pensar na perspectiva da circulação de mercadorias na vida social, recorre-
se a Appadurai (2008) que considera que o vínculo entre a troca e o valor é a política,
em seu sentido mais amplo. Assim, pensa-se que as mercadorias, assim como as
pessoas, têm uma vida social, e para explicar a definição de valor econômico,
Appadurai (2008) recorre a Simmel (1978), que considera que o valor não pode ser
pensado enquanto inerente aos objetos, mas um julgamento que os sujeitos fazem sobre
estes. Desse modo, propõe-se pensar no mundo das coisas tentando entender a sua
circulação no mundo concreto e histórico. Nesse sentido, ele considera:

Para isto temos de seguir as coisas em si mesmas, pois seus


significados estão inscritos em suas formas, seus usos, suas trajetórias.
Somente pela análise destas trajetórias podemos interpretar as
transações e os cálculos humanos que dão vida às coisas
(APPADURAI, 2008, p. 17).

Para entender a mercadoria em seu sentido antropológico, Appadurai (2008, p.


27) ressalta que é necessário ir além da visão marxista da mercadoria, em que há um
domínio da perspectiva da produção, para então, “concentrar-se em toda a trajetória,
desde a produção, passando pela troca/distribuição, até o consumo”. Desse modo, o que
o autor está afirmando é que a trocabilidade de qualquer coisa na situação mercantil
constitui um traço social relevante e a decompõe da seguinte forma “(1) a fase mercantil
da vida social de qualquer coisa; (2) a candidatura de qualquer coisa ao estado de
mercadoria; (3) o contexto mercantil em que qualquer coisa pode ser alocada”.
Desse modo, Appadurai (2008) defende que a demanda diz respeito a expressão
econômica da lógica política do consumo, enquanto que o consumo é eminentemente
social, relacional e ativo, em vez de privado, atômico ou passivo. O papel cultural das
mercadorias não pode ser pensado dissociado de questões de tecnologia, produção e
comércio.
Sabe-se que no que diz respeito a acompanhar os fluxos da mercadoria, trata-se
de tarefa complexa, uma vez que tanto as mercadorias que percorrem longas distâncias,
e as que apresentam caráter homogêneo, de menor escala e menor tecnologia, é possível
haver potencial para discrepâncias no conhecimento acerca das mercadorias. Ou seja,
sempre será tarefa árdua reconstruir a trajetória das mercadorias, não importando em
qual escala ou categoria diga respeito (APPADURAI, 2008).
Appadurai (2008, p. 61) defende que as mercadorias têm “história de vida” que
são significativas, e por isso é relevante observar a partilha do conhecimento em

101
diversos momentos de sua carreira. Assim, uma vez que as etapas por onde passam as
mercadorias, são importantes para compreender a sua complexidade, os locais de
produção podem ser considerados como depósitos de conhecimentos técnicos de
produção em que se encontra também a padronização do conhecimento técnico (como
fazer). Contudo, “obviamente, com todas as mercadorias, primárias ou não, o
conhecimento técnico sempre se mistura profundamente com suposições cosmológicas,
sociológicas e rituais que tendem a ser amplamente compartilhadas”.
Nesse mesmo sentido, Mauss (2013) identificou nas comunidades primitivas a
força das coisas, sendo essa força percebida em quem a dá e quem a recebe, estreitando
assim relações entre os indivíduos, e tornando-se perceptível a influência das coisas
trocadas. Assim, Mauss (2013, p. 80) afirma:

A circulação dos bens acompanha a dos homens, das mulheres e das


crianças, dos festins, dos ritos, das cerimônias e das danças, mesmo a
dos gracejos e das injúrias. No fundo, ela é a mesma. Se coisas são
dadas e retribuídas, é porque se dão e se retribuem “respeitos” –
podemos dizer igualmente “cortesias”. Mas é também porque as
pessoas se dão ao dar, e se, as pessoas se dão, é porque se “devem” –
elas e seus bens – aos outros.

No que se refere ao conhecimento de produção, há que considerar que nessa


dimensão está envolvida também a questão do conhecimento do mercado, do público
consumidor, assim como do destino da mercadoria. O fato de as mercadorias
percorrerem longas distâncias para chegarem aos seus centros consumidores, e assim, os
produtores, em demasiadas vezes terem apenas uma vaga ideia de onde os seus produtos
são alcançados e por quem, é uma característica da movimentação de grande parte das
mercadorias por toda a história, até o presente. Desse modo, percebe-se que no tocante
as mercadorias, e sua abrangência ainda existe uma distância abissal entre produtores e
consumidores de determinados tipos de produtos. Nesse sentido, Appadurai (2008, p.
60) afirma:

Mercadorias representam formas sociais e partilhas de conhecimento


muito complexas. Em primeiro lugar, e grosso modo, tal
conhecimento pode ser de dois tipos: o conhecimento (técnico, social,
estético etc.) que integra a produção da mercadoria. O conhecimento
de produção interpretado em uma mercadoria é bem diferente do
conhecimento de consumo que é interpretado a partir da mercadoria. É
claro, essas duas interpretações irão divergir proporcionalmente ao
aumento da distância social, espacial e temporal entre produtores e
consumidores.

102
Convém reconhecer assim, que embora a esfera mercantil do sistema global do
capitalismo moderno proponha que esse deve ser percebido como uma enorme máquina
impessoal, em que predomina demasiadamente distância dos valores, mecanismos e
éticas de fluxos de mercadorias de pequena escala, trata-se na verdade de uma ideia
errônea, se considerar, sobretudo, que o capitalismo consiste também, em um sistema
cultural complexo (APPADURAI, 2008).
A economia neoclássica nos propõe que as mercadorias existem, são produzidas
e circulam por meio do sistema econômico, e assim são trocadas por outras coisas,
geralmente por dinheiro. Assim, coloca-se frente ao senso comum da definição de
mercadoria, a saber, um item de valor de uso, que também possui valor de troca. Se
pensar na mercadoria sob a perspectiva cultural, a produção de mercadorias pode ser
percebida também como um processo cognitivo e cultural, assim vê-se que as
mercadorias estão para além da simples produção material de coisas, mas consistem em
culturalmente sinalizadas como um determinado tipo de coisas. Logo, torna-se comum o
caráter dual das mercadorias, em determinados momentos, e para certos indivíduos,
essas mercadorias serem tipos de coisas, que para outras pessoas não o são
(KOPYTOFF, 2008). A definição de mercadoria é então apresentada “Uma mercadoria
é algo que tem valor de uso e que pode ser trocado por uma contrapartida numa
transação descontínua, sendo que o próprio fato da troca indica que a contrapartida tem
um valor equivalente, dentro do contexto imediato” (KOTYPOFF, 2008, p. 96).
Uma relação interessante no processo de mercantilização entendido como
possibilidade de transformação, é que ele vai imprimindo na sociedade contemporânea a
marca do valor como sendo homogêneo, e, no entanto, é a cultura que se opõe a essa
torrente potencial, desse modo “a cultura assegura que algumas coisas permaneçam
inconfundivelmente singulares, e resiste à mercantilização de outras coisas. Por vezes,
ela re-singulariza o que foi mercantilizado” (KOTYPOFF, 2008).
Segundo Kopytoff (2008) é muito importante pensar nas coisas sob a luz da sua
biografia, pois esses detalhes biográficos constituem um emaranhado de julgamentos
estéticos, históricos e mesmo políticos, que por sua vez, evidenciam minúcias sobre as
coisas, que de outra forma passariam despercebidas:

Ao fazer a biografia de uma coisa, fazer-se-iam perguntas similares às


que se fazem às pessoas: Quais são, sociologicamente, as

103
possibilidades biográficas inerentes a esse “status”, e à época e à
cultura, e como se concretizam essas possibilidades? De onde vem a
coisa, e quem a fabricou? Qual foi sua carreira até aqui, e qual é a
carreira que as pessoas consideram ideal para esse tipo de coisa?
Quais são as “idades” ou as fases da “vida” reconhecidas de uma
coisa, e quais são os mercados culturais para elas? Como mudam os
usos da coisa conforme ela fica mais velha, e o que lhe acontece
quando a sua utilidade chega ao fim? (KOPYTOFF, 2008, p. 92).

Logo, parece um desafio pensar em como as escolhas dos sujeitos vão


sinalizando suas disposições no mundo, e o que nos leva a perceber que as mudanças
provêm de escolhas autônomas? Uma referência para pensar nas ações das pessoas e
suas escolhas pode ser encontrado em Lash (1997) que propõe pensar a sociedade pós-
moderna sob o conceito de modernização reflexiva, no sentido de tentar compreender
que teoria pode situar-nos frente a nova ordem mundial informacionalizada, e mais do
que nunca capitalista, assim, ele considera “a modernização reflexiva é uma teoria dos
poderes sempre crescentes dos atores sociais – ou “atividade social” – em relação à
estrutura” (LASH, 1997, p. 136).
A respeito dessa perspectiva, Giddens (1997) propõe pensar nos efeitos da
globalização, e o cenário internacional pós Segunda Guerra Mundial, em que é colocado
a mudança de panorama dos últimos cinquenta anos, tornando-se evidente que o padrão
do expansionismo começou a se alterar. Assim, as ações dos indivíduos, bem como suas
escolhas tornaram-se mais descentralizadas, ao passo que percebe-se uma
interdependência muito maior, de modo que as ações cotidianas de um indivíduo
produzem consequências globais. Desse modo, Giddens (1997, p. 75) afirma:

Minha decisão de comprar uma determinada peça de roupa, por


exemplo, ou um tipo específico de alimento, tem múltiplas
implicações globais. Não somente afeta a sobrevivência de alguém
que vive do outro lado do mundo, mas pode contribuir para um
processo de deterioração ecológica que em si tem consequências
potenciais para toda a humanidade. Esta extraordinária – e acelerada –
relação entre as decisões do dia-a-dia e os resultados globais,
juntamente com seu reverso, a influência das ordens globais sobre a
vida individual, compõem o principal tema da nova agenda. As
conexões envolvidas são frequentemente muito próximas.

Desse modo, com referência em Giddens (1997) as ações do cotidiano passam a


constituir na pós-modernidade elemento central da cultura humana, pois essas
experiências e seus resultados podem afetar a humanidade como um todo. Ademais,
Giddens (1997) considera que a modernidade não se encontra como algo dado, ou

104
determinado, ao contrário, a modernidade em nível global tornou-se experimental, e
todos estamos presos a essa experiência que vai sendo tecida também por nossas ações e
escolhas. Assim, o consumo precisa ser pensado como resultado das ações e escolhas
dos indivíduos e para além deste quadro, pois:

Assim, na sociedade contemporânea, consumo é ao mesmo tempo um


processo social que diz respeito a múltiplas formas de provisão de
bens e serviços e a diferentes formas de acesso a esses mesmos bens e
serviços; um mecanismo social percebido pelas ciências sociais como
produtor de sentido e de identidades, independentemente da aquisição
de um bem; uma estratégia utilizada no cotidiano pelos mais
diferentes grupos sociais para definir diversas situações em termos de
direitos, estilos de vida e identidades; e uma categoria central na
definição da sociedade contemporânea (BARBOSA E CAMPBELL,
2006, p. 26).

No que diz respeito ao consumo alimentar, pode-se perceber que a preocupação


com a alimentação, está diretamente relacionada à saúde (Cassol, 2013), e nas feiras
agroecológicas percebe-se também em diferentes medidas, uma preocupação com o
meio ambiente, e mesmo com a sustentabilidade da agricultura familiar.
No que diz respeito à perspectiva do consumo no âmbito dos estudos rurais,
Portilho e Barbosa (2016, p. 254), afirmam que o consumo é visto como elemento
residual, e que por isso a análise sociológica das suas implicações ainda é incipiente.
Essa limitação, segundo as autoras, reforçam a dicotomia entre produtor rural e
consumidor urbano, além de outras simplificações redutoras da realidade. Para as
autoras, na contemporaneidade é presente a tendência a valorização da origem dos
produtos alimentares, e constitui-se assim, como um dos aspectos mais politizadores do
consumo alimentar contemporâneo. Para as autoras, são três os significados principais,
“1) a origem como “produção tradicional e autêntica”; 2) a origem como politização do
mercado e, finalmente, 3) a origem como rastreabilidade”.
De acordo com Portilho e Barbosa (2016, p. 257), essas três tendências apontam
para a compreensão da comida para além, pois ela deixa de ser relacionar apenas com a
tradição e o gosto pessoal, incluindo uma escolha política atrelada a informações,
conhecimentos e responsabilidades. Para as autoras, temos na contemporaneidade,
novas formas de ação política que são percebidas tanto na esfera privada, pautada pelas
escolhas “conscientes” ou “responsáveis”, como também na pública, em que vê-se
movimentos de consumidores, cooperativas de consumo, sistemas de rotulagem,
certificação participativa, etc. Nesse sentido, elas afirmam “o uso político do consumo,
105
nas sociedades contemporâneas, ao contrário, constitui-se como uma cotidiana de defesa
de valores e de um modo de vida”.
A confiança do consumidor para Renting, Marsden e Banks (2017) é
fundamental para fortalecimento de novos arranjos institucionais. Nesse sentido,
afirmam:

O consumo de alimentos está cada vez mais entremeado com os


diferentes estilos de vida. Isso significa que diferentes imagens e
expectativas, às vezes totalmente opostas, são projetadas em produtos
alimentícios. Ao invés de atender a padrões mínimos de qualidade, os
futuros alimentos serão cada vez mais “customizados” e “socialmente
construídos” para atender demandas específicas (RENTING;
MARSDEN; BANKS, 2017, p.31).

Na pesquisa de Guivant (2003), é evidenciado um perfil de consumidor de


alimentos orgânicos via supermercado, diferentes dos encontrados nas feiras e circuitos
curtos de comercialização. Sobre essa diferenciação, a autora denomina esse
consumidor de ego-trip que é um consumidor diferente do encontrado nas feiras e
outras modalidades, pois segundo a autora, essa denominação difere de ecológico-trip,
em que a pessoa está mais preocupada com as questões ambientais e sociais. Sobre o
perfil do consumidor reflexivo em sua pesquisa, Guivant (2003, p. 77) ressalta:

Os consumidores reflexivos podem estar filtrando informações


transmitidas pela mídia, pelos sistemas peritos diversos na área de
saúde, pelos familiares e amigos, mas nem sempre seguem fielmente
estas orientações. Estes consumidores não seriam, portanto,
identificáveis como consumidores verdes, sustentáveis ou socialmente
responsáveis, que procurariam fortalecer formas alternativas de
produção de alimentos. O consumo de produtos orgânicos pode ser
ocasional, e apenas um entre outras práticas consideradas saudáveis.

A compreensão da autora é importante para a pesquisa, uma vez que fica claro
que o perfil do consumidor dos alimentos orgânicos nem sempre é fácil de identificar ou
mesmo conceituar, no sentido de que distintas compreensões e apreensões cercam esse
tipo de alimento, que é por sua vez, distinto do alimento encontrado nas grandes redes
agroalimentares. E é válido ressaltar que tal distinção é resultado, sobretudo, das
relações sobre as quais se produz esse alimento, são os atores sociais das cadeias curtas
que conferem a esse alimento características de qualidade que lhe são importantes.

106
Assim, compreende-se que a busca por alimentos que sejam representativos da
Segurança Alimentar tem se intensificado na contemporaneidade. A busca por esse tipo
de alimento tem configurado também outra relação no âmbito da cultura alimentar.
Desse modo, compreendeu-se com este capítulo como essas mudanças estão
relacionadas a dinamização, construção e fortalecimento da agricultura familiar.
Nesse sentido, o capítulo seguinte apresenta as unidades de produção da
pesquisa, e faz-se assim, uma trajetória dos alimentos produzidos e comercializados
pela APROFAM.

107
CAPÍTULO IV

AGRICULTORES, AGRICULTORAS E OS ESPAÇOS DE PRODUÇÃO

4.1 Histórico e os espaços produtivos da APROFAM

A APROFAM conta com um grupo de 26 agricultores familiares9, a maioria


dessas famílias, conta com todos os membros que se envolvem com a produção e
comercialização. Um quantitativo de aproximadamente 30 pessoas, pois além da
família, quando é necessário, contam com outros membros, tais como, sobrinhos e
irmãos.
A comercialização acontece na CAERN (Companhia de Águas e Esgotos do Rio
Grande do Norte) às terças feiras, no Shopping Popular às quintas feiras, na Praça do
Museu aos sábados. Tiveram a experiência de comercializar na UERN (Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte), mas não deram continuidade, informaram que a
procura era pouca, além das greves na universidade que impediram a continuação da
comercialização; e no Residencial Ninho, que atualmente, os consumidores contactam
diretamente os agricultores e fazem o pedido dos produtos, ou seja, a comercialização
também não continuou nesse espaço. Os agricultores informaram que muitos
consumidores do Residencial passaram a frequentar as feiras aos sábados. É importante
ressaltar que a feira que acontece aos sábados conta sempre com um número maior de
produtores, e nos outros espaços, os que não podem ir mandam os produtos para serem
comercializados pelos demais associados, havendo o repasse dos valores das vendas.
Abaixo, a figura 2 apresenta o mapa de comercialização da APROFAM.

9
A pesquisa foi realizada junto aos agricultores familiares, que compreende-se que vivem na condição de camponês
(Wanderley, 2009; Ploeg, 2008). O conceito de agricultura familiar adotado na pesquisa é sugerido por Wanderley
(1996, p.2) “como aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o
trabalho no estabelecimento produtivo”

108
Figura 2: Mapa de comercialização da APROFAM
Fonte: Pesquisa

Para compreender essa experiência, deteve-se aos espaços de produção, bem


como de comercialização. Ressalta-se que foi de suma importância buscar compreender
as unidades familiares onde se dá a produção, pois, estas podem ser percebidas
enquanto espaços de autonomia da família camponesa. Uma vez que partiu-se da análise
da escala micro da unidade da família camponesa apontada por Ploeg (2016), com
referência em Chayanov (1966). Assim, refletimos que a compreensão da importância
de avaliar a unidade produtiva em si, defendida por Chayanov (1966) é fundamental
para a pesquisa, pois, em todo momento, o autor fala de uma dinâmica interna da
unidade produtiva que lhe possibilita a permanência e reprodução ao longo do tempo.
Há que considerar que no universo empírico em questão, o discurso e a
compreensão da questão ambiental estão intrínsecos nas falas, narrativas e práticas dos
agricultores e agricultoras familiares camponeses. E nesse sentido, afirma Ploeg (2016,
p. 64) “o equilíbrio entre pessoas e natureza é o primeiro que precisa ser considerado em
qualquer análise da agricultura contemporânea. Isso por causa das diversas desconexões
criadas entre agricultores e ecologia que resultaram na escalada de uma crise
ambiental”.

109
Desse modo, por um lado, há o fortalecimento do discurso ambiental que vem
desde a década de 1960 do século passado e tem se firmado como orientador de uma
mudança para a geração atual e futura (Carson, 1962; Leff, 2002; Sachs (2008;2009);
Veiga (2008); em segundo lugar, alguns agricultores e agricultoras participantes da
pesquisa estão inseridos em uma região que por muito tempo predominou a agricultura
para exportação – fruticultura irrigada, esse modelo de produção se manteve por
aproximadamente três décadas. Hoje, as terras que foram deixadas para trás por essas
grandes corporações estão em condições de produtividade agrícola limitada, alguns
solos estão muito pobres, a maioria da região sem água e alguns agricultores produzem
com água salgada.
Assim, todo esse contexto socioambiental, tem contribuído para que os
agricultores agroecológicos vejam no processo de transição a única maneira de
produzirem, e a maioria dos agricultores reconhecem que a sustentabilidade ambiental e
social é a única que torna a sua permanência no campo possível, pois, ao contrário da
atividade do agronegócio, a terra em que eles produzem, é a mesma em que vivem,
tiram dela o alimento para as suas famílias.
E no que diz respeito às unidades produtivas, toma-se como referência Ploeg
(2016, p.30) que afirma, com base na análise da teoria de Chayanov, que existe uma
dinâmica de equilíbrio na unidade produtiva camponesa que difere dos princípios de
organização que regem a economia capitalista. Nesse sentido, afirma o autor:

A agricultura camponesa (salvo algumas exceções) se baseia no


trabalho não assalariado. O trabalho não é mobilizado pelo mercado
de trabalho. É trabalho familiar: trabalho na propriedade fornecido
pela família. Embora isso pareça simplório e um tanto óbvio, suas
consequências têm um vasto alcance.

Assim, os dois universos da feira agroecológica são essenciais de serem


compreendidos, produção e consumo. E no que diz respeito às unidades produtivas,
nossa finalidade era compreender a trajetória desses alimentos, o caminho que eles
percorrem, as vidas que os tecem e são permeadas por eles, como defende Appadurai
(2008) ao dizer que a mercadoria tem “história de vida”. E para Kopytoff (2008) é
relevante a biografia das coisas.
Ao fazer as imersões em campo deparou-se com produtores que produzem com
limitações de recursos e de pessoal, o trabalho se resume a atuação da família, quase
que exclusivamente. O processo de transição agroecológica das unidades produtivas que

110
integram a APROFAM iniciou-se há 10 (dez) anos por intermédio do SEBRAE-RN;
EMATER-RN e Prefeitura Municipal de Mossoró. Nesse tempo, houve troca de
experiências entre os atores integrantes, bem como, a participação e apoio de diversas
entidades (UFERSA; UFRN; EMATER-RN; SEBRAE-RN; Prefeitura Municipal).
Os integrantes da APROFAM são agricultores familiares que já praticavam a
agricultura ou viram seus pais desenvolverem essa prática, tanto, que muitos deles
ressaltam que sempre produziram sem veneno, e produzir com a agroecologia
constituiu-se uma continuidade da forma como produziam, explicando que não tratou-se
de um processo de ruptura.
A maioria deles já conheciam técnicas produtivas que foram aperfeiçoadas e
mudadas pelos princípios da agroecologia. Hoje, entendem com mais propriedade as
condições dos sistemas naturais com os quais trabalham, assim como o calendário dos
cultivos, e essa sensibilização é feita juntos aos consumidores, de modo, que esses
entendem que nem sempre encontrarão a laranja ou o maracujá na feira, mas
encontrarão a seriguela, o caju, ou seja, esse coletivo de atores têm desenvolvido hábitos
alimentares que se assentam sob os princípios de sustentabilidade social, ambiental e
econômica.
No âmbito da APROFAM, geralmente, é a família que é envolvida com a
produção e consiste em uma experiência de produção bastante heterogênea. Como se
trata de uma produção agroecológica, e que na maioria dos casos é realizada nos
quintais, a família se dedica diariamente a produção em uma média de 08 a 10 horas por
dia/trabalho. No geral, homem e mulher começam cedo na produção (ordenhar animais,
analisar as pragas, isso por volta das 04 (quatro) ou 5 (cinco) da manhã); esse trabalho
se estende até próximo ao almoço, quando há uma pausa, e a tarde, voltam para
continuar, nesse momento, geralmente, voltam para irrigar a produção. Há famílias em
que o marido trabalha fora da propriedade, em empresas privadas, e a produção
agroecológica fica sob responsabilidade da mulher. Bem como, há casos em que toda a
família (mulher, maridos, filhos e filhas) é envolvida somente com a produção
agroecológica, e aí, cada um fica responsável por uma parte, por exemplo, os filhos
ficam com as frutas, a esposa com as mudas para comercialização, o marido com a
produção de hortaliças e animal.
A APROFAM é composta por agricultores e agricultoras de Assentamentos e
Comunidades Rurais pertencentes a Região Oeste do Estado do Rio Grande do Norte.
Após 10 (dez anos) de existência, a APROFAM constitui-se em um coletivo de

111
produtores que provenientes de comunidades e assentamentos distintos têm produzido
sob os princípios da agroecologia. Os aspectos ambientais da referida experiência
consistem em produção agroecológica com tecnologia do PAIS 10, além de outras
tecnologias, como a solar e utilização de cisternas para captar água da chuva; em
algumas unidades, a produção é realizada em uma área de aproximadamente 1,2 a 2ha,
outros contam com áreas maiores, como 18ha; alguns contam com insumos próprios,
tais como o adubo, sementes, outras famílias adquirem o adubo, principalmente, dos
vizinhos. No que diz respeito a água, na maioria dos assentamentos e comunidades esse
recurso é escasso ou limitado, ocorrendo que alguns produtores produzem com água
salgada ou salobra; o solo em que produzem consiste também em dimensões e
condições heterogêneas, a produção animal é realizada em consórcio com a produção de
hortaliças.
Os aspectos econômicos da experiência consistem na comercialização que é
realizada pelos próprios agricultores e agricultoras diretamente aos consumidores, e da
renda adquirida com a comercialização é destinada um percentual de 5% (cinco) para a
Associação, o restante fica com o produtor e produtora que a utiliza para complementar
a renda da família, bem como para arcar com os custos que eles e elas têm para a
comercialização, para o transporte, visto que a maioria não conta com transporte
próprio, arcando assim, com os custos do deslocamento.
Quanto aos aspectos sociais, a experiência é decorrente do protagonismo da
família agricultora. Assim, vê-se envolvida na produção e comercialização, marido,
esposa, filhos e filhas. É relevante ressaltar que esses produtores produzem em suas
próprias terras, com recursos próprios e acessando a financiamentos quando necessário
e possível, e variam ainda a produção e comercialização, alguns deles acessando outros
mercados, como Mercados Institucionais ou outros coletivos com outras associações.
A produção agroecológica na APROFAM é realizada de forma a potencializar
ou desenvolver a sustentabilidade sob uma tríade, pensando assim, nos aspectos
ambientais, sociais e econômicos. Para tanto, esses atores realizam a prática de manejo
integrado e sustentável da produção, controle das pragas por meio de insumos naturais,
nas propriedades, nos PAIS, faz-se o consórcio de produção, além da preocupação em

10
A pesquisa foi realizada junto aos agricultores familiares, que compreende-se que vivem na condição de camponês
(Wanderley, 2009; Ploeg, 2008)

112
manter a vegetação e produção nativas. Há professores da UFERSA da área das
ciências agrárias que desenvolvem pesquisas e extensão com os agricultores da
APROFAM, nas áreas de conservação e fertilidade do solo e uso e reuso racional da
água.
A APROFAM conta com reunião anual para prestação de conta e uma mensal
entre os seus associados, que nesta ocasião, tomam as decisões referente a atualização
de valores para comercialização, dificuldades que os produtores enfrentam e assim,
realizarem mutirões para ajudar uns aos outros. Os mutirões são para ajudar produtores
que estejam enfrentando dificuldades para a produção, construção do PAIS, ou seja,
necessidades específicas do aspecto produtivo, é válido ressaltar que esses momentos
são permeados também de fortalecimento dos laços de amizade entre as famílias
produtoras. Contam ainda com núcleos para promover maior interação entre os
produtores, devido sobretudo, as distâncias de um espaço de produção para outro. A
APROFAM tem uma composição de seis núcleos que eles chamam de polo, cada
núcleo tem uma liderança que reúne os demais para fazerem a comunicação e
otimizarem as informações entre os demais núcleos da associação.
Na APROFAM, alguns associados estão vinculados a outras instituições, tais
como, Rede Xique Xique de Comercialização Solidária e COOAFAM (Cooperativa de
Agricultores Familiares de Mossoró-RN). Para intercâmbios tem instituições como
UFERSA, IFRN, e outros produtores orgânicos, como a Hort Vida. Diante da
necessidade dos produtores aderirem a novas técnicas e conhecimentos mais
aprimorados, faz-se a mobilização pelos próprios agricultores ou entidades para
realização de visitas e intercâmbios a outros assentamentos ou comunidades.
Há produtores e produtoras da APROFAM associados a Rede Xique Xique de
Comercialização Solidária, essa procura partiu da própria Rede aos produtores e
produtoras que tivessem interesse em disponibilizar os produtos para venda. Para tal, a
Rede recolhe diretamente na propriedade do produtor e comercializa em seu espaço. Na
COOAFAM há seis produtores da APROFAM associados.
As políticas que os produtores e produtoras acessam tratam-se do PRONAF;
Compra Direta; PAA e PNAE. O acesso à política pública tem ajudado através do
financiamento para a produção, à tecnologia e insumos; e as compras institucionais
possibilitam mais uma via de comercialização para os produtores. As comunidades
contam com visitas do agente de saúde e médicos, não contam com hospitais e postos
de saúde e medicamentos. Todas têm sistema de energia elétrica, mas nem todas as

113
comunidades e assentamentos contam com escolas. No que diz respeito ao saneamento
básico, as comunidades e assentamentos não têm acesso a esse serviço.
No que diz respeito a questão fundiária alguns já são titulares e estão pagando ao
banco. Outros estão em processo de negociação do título da terra.
A experiência de produzir nos moldes da agroecologia no Semiárido Potiguar
Nordestino tem possibilitado a fixação dos agricultores familiares no espaço rural,
acesso à produção e consumo de um alimento saudável, bem como acesso por parte dos
consumidores urbanos a um alimento produzido e comercializado pelo próprio produtor.
As áreas produtivas são representativas de uma diversidade socioambiental que tem se
desenvolvido considerando a relação humana com a natureza, essa por sua vez,
possibilita a permanência das famílias e assim fortalece o tecido social que compõe os
espaços rurais.
Com as famílias, foi evidenciado que antes de produzirem com agroecologia
havia uma maior dependência em relação as grandes redes de supermercado, além dos
hábitos alimentares que consistiam em produtos industrializados. Após a produção
agroecológica, diminuiu o consumo dos alimentos das prateleiras dos supermercados,
assim como, outros hábitos alimentares foram resgatados, e mesmo outros foram
descobertos. Por exemplo, houve uma produtora que relatou que não consumia
anteriormente rabanete, ou mesmo o tomate cereja. Houve relatos ainda de produtores
que não produziam determinado produto e após a solicitação de uma consumidora,
passou a produzir e consumir para si e sua família.
Então, a agroecologia nessa experiência tem sido importante para construir
hábitos que devido à presença dos grandes mercados agroalimentares, não se tornam
comuns ao dia a dia das famílias. Durante a feira que acontece aos sábados, os
agricultores e agricultoras destinaram uma barraca apenas para lanches (bolos, tapioca,
mugunzá, galinha caipira com cuscuz, coalhada, café, sucos) que são vendidos aos
clientes. Nessa barraca, ocorrem reencontros entre consumidores, conversa com os
produtores, e como a feira começa muito cedo, por volta das 04:30 da manhã, após as
compras, os consumidores ficam na barraca do lanche para rodas de conversas
informais.
É válido ressaltar que os produtores e produtoras que participaram da pesquisa
se tratam, alguns, de pessoas inseridas dentro do contexto da reforma agrária que no
século XX e XXI se intensificou em vários países (Ploeg, 2016), e nesse sentido, são
pessoas que voltaram para o campo em situação de pobreza, muitos na mesma situação

114
em que quando saíram para o espaço urbano, com uma diferença relevante, agora eles e
elas têm terra para produzir e o processo de transição nesse grupo tem dado resultados,
ainda que com limitações. O importante é evidenciar que esse grupo compõe um
mosaico heterogêneo, alguns trabalham fora da propriedade, mesmo em empresas do
agronegócio, outros vivem exclusivamente da produção agrícola camponesa. Sem
deixar de ressaltar a configuração da agricultura camponesa contemporânea, que é
tomada por uma série de questões que se coadunam, a saber, a questão ambiental, a
diversidade de movimentos rurais que se apresentam como resistente frente ao modelo
de desenvolvimento já ultrapassado, e ainda questões novas surgem e portanto,
precisam ser compreendidas e captadas em sua essência. Para uma maior compreensão,
recorremos a Ploeg (2016, p. 19) que afirma:

Os camponeses de hoje são multitudes. Dominam a arte de não serem


governados (Scott, 2009; Mendras, 1987); são altamente
heterogêneos; as fontes que inspiram a ordem dos processos de
trabalho se estendem para muito além da lógica de mercado: natureza,
sociedade e repertórios culturais são princípios de organização
igualmente importantes. Eles resistem à divisão do processo de
produção em tarefas separadas, assim como reparam a tendência a
externalizar muitas dessas tarefas. Criam coletivos – um segundo
conceito importante.

As comunidades e assentamentos que integram a APROFAM tem se tornado


conhecidas pela experiência de agroecologia que acontecem dentro das suas
propriedades e nos espaços de comercialização, ou seja, da “porteira para fora”. Assim,
esse coletivo tem se fortalecido ao longo da sua existência pelo resultado da soma de
esforços múltiplos. Em determinado momento das conversas com os produtores,
perguntou-se o que eles e elas fariam se a feira não acontecesse mais. A resposta para
essa pergunta por parte dos produtores é: “vou até o consumidor, não fico sem vender
meu produto”; quando fez-se a mesma pergunta ao consumidor, a resposta foi “vou até
a propriedade deles, sei onde ficam, não como mais com veneno”.
Os dados apresentados apresentam um caráter revelador das práticas alimentares
contemporâneas, ou seja, a agricultura familiar continua alimentando as famílias
urbanas, a agroecologia por sua vez tem possibilitado a esses atores irem além da
produção para o seu consumo. Evidenciou-se ainda que a prática da Feira
Agroecológica se fortalece porque ela se baseia em um coletivo de atores, ou seja,
produtores e consumidores que estabelecem laços que tem como pano de fundo o

115
alimento, mas se estende para além deste. Desse modo, a experiência em questão tem
fortalecido a agricultura familiar na região onde ela acontece, e se estendendo para além
destas. É importante ressaltar ainda que esses atores sociais em específico, contam
também com o apoio de instituições que acreditam no potencial da transição e da
relevância da sustentabilidade ambiental, que nessa experiência, revela-se como base de
sustentação para o protagonismo das ações empreendidas.

4.2 Os Espaços de Produção Agroecológica


4.2.1 Assentamento Jurema: Leandro José e Paula Patrícia 11
O agricultor Leandro José tem 32 anos, ensino médio incompleto, mora no
Assentamento Jurema há 15 anos e participa da feira desde o seu início. A família é
composta por sua esposa e dois filhos de 8 e 3 anos. Atualmente é o presidente da
Associação de Produtores e Produtoras da Feira Agroecológica de Mossoró –
APROFAM. O agricultor conta com ½ hectare na Bodega do Bode, local onde está o
PAIS, e é filho de assentado. No lote conta com 15 hectares para criação de abelha e
com poucos cajueiros; produz na área de parceiro12 de 15 hectares com criação de
caprinos, ovinos e abelha.
O tempo dedicado a produção é de aproximadamente de oito a nove horas por
dia e não dispõe de mão-de-obra, trabalhando em parceria com outro assentado. No
Assentamento Jurema a maior dificuldade é o acesso a água, eles não contam com esse
recurso em disponibilidade suficiente para garantir o crescimento da produção, e mesmo
a manutenção da produção que tem, é realizada com muita dificuldade. O acesso diário
vem de uma caixa de água com 5 mil/litros, mas água salgada, e por isso a necessidade
de testar a cultura para saber qual a que melhor se adapta as suas condições locais.
Nesse sentido ele fala “aqui eu não consigo produzir alface direito, coentro eu não
produzo com água salgada, então assim, hoje eu tenho água, mas não é suficiente ainda
para o que a gente queria”.
O agricultor é um dos membros da APROFAM desde o seu início, evidenciou-se
em seus relatos que embora ele produza com uma série de limitações, ele reconhece que
não pode voltar a condição de antes em que tinham terra, mas não tinham condições de
produzir, embora, hoje, as condições ainda sejam limitadas. A análise que fazemos a
partir da sua narrativa, é sobre as bases que sustentam e possibilitam a resistência do

11
Na pesquisa é utilizado pseudônimos para os participantes.
12
O agricultor entrevistado refere-se a parceiro outro morador do assentamento.

116
grupo, de modo que dentro das suas possibilidades, constroem um discurso e uma
prática que os conecta com uma realidade para além deles e delas. Nesse sentido, Ploeg
(2016, p. 20) defende que os atores dessas experiências encontram e constroem outras
alternativas que são desenvolvidas como possibilitadoras da construção de outra
realidade, nesse sentido, afirma o autor:

Os interstícios são fendas no sistema global, buracos estruturais que


surgem como resultado de massivos processos de exclusão. São os
vácuos que os aparatos estatais não conseguem regular por meio da
máquina institucional. Alguns desses interstícios simplesmente
aparecem, outros são ativamente criados a partir de realidades quase
sempre caóticas e contraditórias em que todos nós transitamos.
[...] De modo geral, os interstícios são locais de lutas permanentes,
berços de resistência e às vezes surgem como lugares onde são
forjadas sólidas alternativas aos acordos capitalistas.

O agricultor comercializa nas feiras carnes, algumas hortaliças como alface,


cheio verde, pimentão, cenoura, e também carnes de caprino, ovino e aves. O acesso a
cidade não é difícil, ao contrário, dos assentamentos e comunidades participantes, pode-
se considerar que o Assentamento Jurema é o que tem melhor acesso à cidade. A
distância corresponde a 15 (quinze) Km da cidade. O agricultor conta com transporte
próprio.
Quando perguntado o que o motivou para produzir de forma agroecológica, ele
relatou que desde sua infância teve contato com a agricultura através do seu avô, e esse
nunca foi adepto de insumos agrotóxicos, produzia para o consumo familiar sem
insumos artificiais. Em diversos momentos faz-se a relação de ausência de agrotóxico
com a agroecologia. Nesse sentido, ele relatou:

Assim, meu contato com a terra vem desde criança, porque meu avô,
meu bisavô eram agricultores, eles tinham um roçado muito grande e
eles botavam a gente para trabalhar, aí passou para meu pai, e meu pai
passou para mim que a gente deveria continuar com isso, com o
contato que a gente tinha com a terra.

Nesse Assentamento, duas famílias produzem e estão associadas a Aprofram.


Nos dias de comercialização Leandro José leva os produtos do outro produtor para
serem comercializados, quanto aos outros moradores, poucos produzem sequer para a
subsistência. Em seu relato o agricultor considera que o problema está no fato da
produção dos demais assentados terem se voltado, quase que exclusivamente, para o

117
caju. Pois, segundo ele, não houve estudos prévios por parte dos órgãos governamentais
competentes sobre as condições, sobretudo, de solo para orientar a produção, assim
praticamente todos os assentados acessaram a empréstimos e financiamentos para
investirem nessa única espécie. Hoje, em sua maioria, os cajueiros não renderam, e
assim, os agricultores desse assentamento em grande parte, estão desmotivados para
investir em outra forma de produção.
Atualmente, Leandro José é presidente também da Associação dos Agricultores
e Agricultoras no Assentamento Jurema. O local onde realiza a produção e
comercialização no Assentamento trata-se de um espaço coletivo que foi cedido pelos
membros da Associação, para que ele mantenha o seu PAIS. Segundo o agricultor essa
concessão foi realizada através de Assembleia e consta em Ata.
Nesse assentamento encontrou-se uma realidade parecida com a de outras
unidades produtivas, ou seja, um pequeno percentual de moradores produzem ao menos
para a subsistência, e a agroecologia sequer é conhecida por essas pessoas. Desse modo,
compreendemos à luz de Caporal (2009) que para a transição agroecológica é necessária
duas condições fundamentais, a saber, a descolonização do pensamento, pois existe por
parte dos moradores dos espaços rurais certo descrédito na produção sem agrotóxicos,
assim como é importante o redirecionamento das práticas e hábitos, uma vez que a
agroecologia implica em um conhecimento e adoção de práticas científicas que estão
relacionadas a um conhecimento holístico e sistêmico.
Assim, a adoção da agroecologia constitui-se como um desafio, uma vez que
trata-se de uma mudança política, econômica e sócio-cultural, como afirma Caporal
(2009), e assim, atitudes e valores estão relacionados nesse processo. Na experiência de
produção e comercialização em questão, evidenciou-se que é o coletivo que fortalece
esse processo de transição, são as muitas mãos e vozes juntas que validam e
potencializam os esforços percebidos nas unidades produtivas.
As imagens abaixo apresentam o sistema de mandala do PAIS onde o agricultor
cultiva hortaliças que são comercializadas no Assentamento e na feira aos sábados. Nas
figuras 4 e 5 o agricultor mostra a caixa de água que utiliza para a produção diária e o
galinheiro do sistema PAIS. No momento não está sendo possível a criação de galinhas
devido aos constantes roubos à sua criação. Para ele, é melhor produzir nesse local
porque assim conta com a disponibilização de água da escola vizinha a Bodega do
Bode.

118
Atualmente, o agricultor conta também com a tecnologia do Bioágua, que trata-
se de uma tecnologia de reutilização da água, possibilitando a segurança alimentar e
nutricional da família, conforme Santos et al. (2016). Essa tecnologia advém de uma
parceria com professores da UFERSA da área de solos e água. Segundo o agricultor, a
referida tecnologia ainda está em fase de experimento, não tendo sido analisada a
primeira produção decorrente da tecnologia. No que diz respeito a utilização da mesma,
o agricultor ressalta que tudo o que venha ajudar o produtor à melhora a sua produção, é
bem-vindo. Sobretudo, pelo contexto de escassez do recurso água no Semiárido.

Figuras 3 e 4: Agricultor no sistema mandala e criação apícola - Assentamento Jurema.


Fonte: Pesquisa.

119
Figuras 5 e 6: Agricultor na produção agroecológica galinheiro no PAIS - Assentamento Jurema.
Fonte: Dados da Pesquisa

4.2.2 Assentamento Favela: Izaura Clementino


A dinâmica de produção do Assentamento Favela difere do que evidenciou-se no
Assentamento Jurema, em alguns aspectos. O assentamento conta a produção
agroecológica de seis mulheres, e a maioria delas está participando da Feira
Agroecológica de Mossoró desde o seu início. A agricultora 2, tem 32 anos, nível
superior incompleto, atualmente é graduanda de Serviço Social. Integra a feira desde o
seu início. O assentamento Favela fica a 26 km de Mossoró. Para a produção
agroecológica, ela conta com 15 hectares, e além da Feira, comercializa com o
Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, e o Programa de Aquisição de
Alimentos – PAA13, faz o processamento de popas e doces, conta com a mão de obra
familiar, e só contrata mão de obra externa à família quando precisa.
Quando perguntamos se os agricultores e agricultoras dividem-se para produzir
os produtos para a comercialização na feira, ela respondeu:

13
O PAA foi instituído em 2003 como resultado da proposição do CONSEA e como parte da estratégia do Fome
Zero. Em 2009 foi sancionada a lei que estabelece novas diretrizes para o PNAE (CONSEA, 2009).

120
Tem alguns solos que não dá, por exemplo, para produzir a beterraba,
a cenoura, e a gente tem alguns solos que tem como produzir. Então, a
gente não proibiu ninguém de produzir o que quisesse, mas eu tenho o
compromisso de, por exemplo, trazer a cenoura. Eu não posso deixar
de ter o coentro, a alface e a rúcula.

A alimentação da família da agricultora 2 antes da feira, em relação ao que


produziam era mais das hortaliças, e ela relatou que durante boa parte da sua vida viu o
seu pai produzir e vender os produtos com preço muito abaixo do que valiam, pois
nesse tempo, o atravessador era o único meio de escoamento da produção, assim ela
relata “o atravessador chegava e comprava do preço que queria, hoje, a gente não faz
isso, não faz”.
A possibilidade de acesso a outros mercados é relatada como um caminho para a
sustentabilidade, pois afirma que a feira e o PNAE, por exemplo, possibilitam que ela
tenha locais de comercialização de seus produtos, que em sua narrativa, permitem
melhores condições do que as que tiveram seus pais:

Em 2014, o feijão que eu produzi deu para vender na feira e no PNAE,


enquanto o feijão estava a R$ 6,00, eu apurei mais dinheiro do que no
ano que eu vendi 30 sacos. Porque quando eu chegava na COBAL14,
eu vendia à preço de banana, porque era só o que eles tinham para me
dar.

Na fala da agricultora, evidenciou-se que hoje estando como produtora e


vendendo diretamente ao consumidor em uma experiência que é distinta da que os seus
pais tiveram, sobretudo, no que diz respeito a acesso a mercados, ela sente que seu
trabalho é mais valorizado, e assim pode dar um retorno melhor para a sua família.
Durante a entrevista a agricultora mencionou que já há a demanda para outro
mercado para os participantes da Feira. Trata-se da entrega a domicílio, assim ela fala
“esse tem um potencial muito grande, porque tem pessoas que não tem como ir a feira,
porque é cedo, e não querem ir em um sábado cedo demais, então a gente tem esse
potencial”.
Pela fala da agricultora, ela considera que a feira agroecológica tem se
fortalecido ao longo do tempo, mas muitos desafios ainda precisam ser superados, como
o acesso às tecnologias, recursos e políticas públicas. Trata-se de uma narrativa que nos
possibilita compreender sob que circunstâncias e cenário esses atores têm desenvolvido

14
Referência a Companhia Nacional de Abastecimento que antigamente chamava-se Central de
Abastecimento de Frutas, verduras, cereais e frigorífico – COBAL em Mossoró-RN.

121
suas dinâmicas de trabalho, ao que nos leva igualmente, para a afirmativa de Ploeg
(2016, p.23):

É verdade que as sociedades camponesas desapareceram, exatamente


como uma nova forma de agricultura surgiu baseada no modelo
empresarial (modelo este que envolve uma remodelação completa de
muitos dos principais equilíbrios). Contudo, o modo camponês de
agricultura continuou ajustando-se as novas circunstâncias e desde o
início dos anos 1990 se revitalizou, se fortaleceu e se ampliou; em
suma passou por um renascimento. Muitos agricultores (utilizo o
termo “agricultores” como um conceito genérico que engloba muitos
tipos diferentes) no mundo inteiro continuaram ou recomeçaram a
produzir como camponeses. Assumem a tarefa de diversas maneiras
de acordo com as exigências, dificuldades e possibilidades que têm
diante de si no início do século XXI.

Atualmente, toda a família de Izaura trabalha com a produção agroecológica, e


juntamente com ela, é também integrada a APROFAM a sua irmã e o seu cunhado, e
Izaura ocupa a função de fiscal na Associação.

Figuras 7 e 8: A agricultora a esquerda, comercializando na FAM e comemoração do aniversário da


APROFAM.
Fonte: Pesquisa

122
4.2.2.1 Assentamento Favela: Lúcia Maria e Antônio Sebastião
O Assentamento Favela conta com 92 (noventa e duas) famílias, sendo que 8
(oito) trabalham com produção e comercialização agroecológica através do PAIS.
Segundo as famílias entrevistadas, a maioria de moradores do assentamento trabalham
fora no espaço urbano e não tem a prática de produzir.
A agricultora Lúcia Maria tem 61 anos, casada, ensino fundamental incompleto.
A sua família é composta pelo marido, José Moreira da Silva, 59 anos, fundamental
incompleto, e suas filhas de 32 e 12 anos. Lúcia e o marido são filhos de agricultores e
informaram que sempre trabalharam com agricultura. Moram no Assentamento há 32
(trinta e dois) anos, e sempre morou na zona rural, os pais da agricultora trabalhavam na
condição de parceiros. Perguntada se havia alguma diferença na forma que seus pais
produziam e na que ela produz hoje, a mesma informou, que a maneira de agricultura é
a mesma, contudo, a diferença é que hoje tem mais variedade e ela e o marido, não
plantam nas terras alheias.
Na produção agroecológica trabalham apenas Lúcia e o marido. Eles produzem
em uma área de 40 metros que fica no quintal de casa, contam com cisterna e o PAIS
encontra-se ativo. Integraram-se a APROFAM há 3 anos e realizam o processamento de
doce. Alegam que só receberam assistência técnica quando receberam o PAIS onde
mantém a produção de frutas e verduras. Lúcia considera que o valor do produto
comercializado nas feiras é baixo. Durante a entrevista, os produtores falaram que na
ocasião em que receberam o PAIS, o mesmo não veio completo, como exemplo, citaram
o sombrite que só veio 5 mts – considerando que a área de produção é 40mts. No que
diz respeito a comercialização nos outros espaços de produção (CAERN; UERN e
Ninho Residencial), essa família não pode participar durante a semana. Nesse
assentamento as produtoras contam com transporte próprio para se dirigirem às feiras.
Quando começou a produzir, essa família mandava a produção para a feira por
intermédio de outra agricultora do Assentamento, quando adquiriram o certificado de
OCS (Organização de Controle Social) emitido pelo SEBRAE, passaram a ir para o
espaço de comercialização. Se o produtor não frequentar assiduamente a feira, o
certificado é recolhido e deixa de integrar a APROFAM. A agricultora considera que
“hoje eu tenho que ter mercadoria direto, toda semana para vender aos clientes” e isso
para ela é bom, pois, tem possibilitado melhoria na renda da família.
Perguntada como era a produção antes da agroecologia, ela nos respondeu “A
gente plantava só para comer, plantava feijão, o milho, a macaxeira. Hoje tem mais

123
variedade, eu levo verdura, levo doce, caju. Aí tem uma variedade de mercadoria.
Antigamente era praticamente só o feijão e o milho”.
Para a família, trabalhar com agroecologia representa maiores benefícios para
eles, assim como para as famílias dos consumidores, pois consideram que “traz mais
saúde”. A dificuldade para essa família em trabalhar com a agroecologia, diz respeito a
falta de água “a gente não tem água suficiente, com a pouca água que a gente tem,
vamos pelejando para manter. Mas não temos água suficiente”. Mesmo com as
dificuldades de água e tecnologias, por exemplo, a família produz, e essa produção é
representativa para alimentação da família, afirmaram que hoje, dificilmente se
deslocam para Mossoró, porque preferem consumir o que tem em casa, o que vem da
produção do quintal. Sobre as dificuldades para a produção, a agricultora afirmou sobre
o custo e demais desafios:

Tem coisa que é cara, por exemplo a semente, a gente não pode
comprar em quantidade, a gente sobrevive disso, então a gente vai
comprando de pouquinho. A gente não tem água suficiente, então, tem
que ir produzindo de pouco, a gente tem um poço aqui mas está
parado. Não pagaram a conta da água, aí o poço está desativado. A
gente usa água da adutora, mas não é constante, e agora com essa seca
aí é que a água é pouca.

Perguntada como é a experiência de vender diretamente ao consumidor, ao que


foi dito:

É melhor, né. Porque a gente vende com um preço mais justo. Pronto,
porque se eu pegasse essa mercadoria e fosse vender lá na COBAL, eu
venderia mais barato que nas feiras, porque os agricultores que
vendem na COBAL tem o atravessador, então o produto sempre sai
mais barato para o produtor, então a gente não tem atravessador,
melhor para a gente.

Sobre a renda adquirida nas feiras, a agricultura afirma que é importante para a
família; bem como se essa deixasse de existir o que isso representaria para ela, assim
nos relatou:
É importante, porque aqui em casa só tem a minha renda, meu marido
não tem salário, as minhas filhas moram comigo, então a gente vive
do salário (aposentadoria) que eu recebo e das feiras. Eu ia ficar só
com o meu salário. Aí ia diminuir mais para a gente, seria mais difícil.

Sobre a experiência de coletividade, a agricultora relatou:

124
Isso aí é uma coisa difícil viu? Você é acostumada a trabalhar com o
individual, e aí para o coletivo, as vezes dá certo, e as vezes pode não
dar certo, porque são muitas pessoas. Na APROFAM eu só vendo a
mercadoria de Navegante (outra produtora), se ela não puder ir. Aí eu
estou fazendo um favor a ela, mas essa história de a gente está
pegando mercadoria dos outros e misturar, isso não acontece, a gente
não mistura, cada um vende a sua.

Lúcia considera que a APROFAM é um trabalho individual, no sentido que cada


produtor produz sozinho, contribui com a Associação e comercializa em um espaço
coletivo. Nesse momento, ela fez referência a outra Cooperativa (COAFAM) a qual faz
parte, e disse que nessa, o trabalho é mais difícil, as desavenças são maiores.
Para a agricultora, há aspectos na APROFAM que precisam melhorar,
sobretudo, para otimizar a produção, sobre esse ponto, ela afirmou:

Precisa melhorar o plano de produção, porque todo mundo leva


praticamente todos os produtos, aí bóia (sobra produto). Aí se tivesse
um plano de produção, dizendo o que era para cada um plantar,
dizendo a quantidade, e só levando aquela quantidade, o que estava no
plano, aí dava mais certo, porque ninguém ia perder a mercadoria.

Na ocasião da entrevista, a agricultora nos informou que o plano de produção


havia sido solicitado pelo SEBRAE para ser entregue nos dias posteriores a entrevista.
E disse ainda que há um ano já havia sido solicitado um plano, feito, contudo, não foi
cumprido. Perguntou-se o que os produtores consideram em termos de necessidade para
a feira agroecológica, ao que foi dito:

A água para a gente produzir, e a verba (recurso) para a gente comprar


sombrite para fazer um espaço melhor, porque com esse sol, a gente
planta, morre, a gente não tem como comprar, os produtos que a gente
vende não dá para comprar alguma coisa (ficar com o lucro) e
comprar sombrite.

Analisando a narrativa da agricultora, deparou-se com três mecanismos


específicos apresentados por Ploeg (2016, p.112). Segundo o autor, a agricultura
camponesa apresenta três mecanismos específicos que lhe possibilita por vezes maiores
níveis de rendimentos. Tratam-se do fato da agricultura camponesa chegar onde os
empreendimentos capitalistas não entram, e nesse sentido, desbravam terras marginais.
Em segundo lugar, as unidades camponesas apresentam um nível mais elevado de
formação de capital por unidade de terra, em que se utiliza mais sementes, mais adubo e

125
mais cavalo e boi. Em terceiro lugar, a organização da produção é regida por uma lógica
distinta, pois na unidade camponesa, o objetivo é maximizar o produto líquido ou a
renda do trabalho, e assim “Em suma, os camponeses promovem melhorias convertendo
terra inativa em recurso produtivo, combinando-a com níveis mais elevados de trabalho
e capital e orientando a produção na direção da mais alta intensidade possível de ser
alcançada”. E nesse sentido, afirma ainda que contemporaneamente, muitos camponeses
têm migrado da lógica capitalista de produção para a construção de novos mercados e
canais de mercado.

4.2.2.2 Assentamento Favela: Viviane e José Antônio


A agricultora Viviane tem 33 anos, é casada e tem ensino médio completo.
Trabalha com ela na produção o seu marido José Antônio, 32 anos, ensino médio
completo. O casal tem três filhos de 16, 9 e 4 anos. Para produzir, a família conta com o
PAIS que a sua irmã, Izaura, também integrante da APROFAM recebeu e cedeu a ela. O
marido trabalha fora na área de construção civil. Na APROFAM, Viviane exerce a
atividade de fiscal e no Assentamento é Secretária da Associação. A agricultora também
é integrante da COAFAM (Cooperativa de produtores e produtoras da agricultura
familiar). A família conta com uma área de 22 x17 para produção, e irá aumentar a
produção, foi contemplada com recurso do Programa RN Sustentável. A família
considera que desde sempre trabalha com produção agroecológica, pois nunca
utilizaram veneno, há 3 (três) anos integram a APROFAM. Sobre a sua história no
Assentamento, Viviane nos relatou “Está com 30 anos que eu moro aqui, a gente
sempre trabalhou com agricultura familiar, e eu nunca senti vontade de sair daqui. A
gente foi aprendendo com os pais, na época pai ganhou esse lote”.
Essa família foi motivada pela irmã Izaura que integra a APROFAM desde o seu
início. A família realiza processamento de produtos para fazer polpas de caju, cajarana e
goiaba. No que diz respeito a questão sucessória, o filho mais velho já trabalha com os
pais na produção. O tempo dedicado a produção consiste em média de 8 a 10 horas de
trabalho/dia. A família conta com transporte próprio para a comercialização. A água
utilizada para produção vem da adutora, porque o poço que abastece o Assentamento
está sem energia. O controle de pragas é feito com calda de Nim15 e pimenta, e no
inverno combate a lagarta fazendo pulverização com a própria lagarta na plantação.

15
Planta indiana denominada Azadirachta indica A Juss

126
É válido ressaltar que no que diz respeito a agroecologia, uma das questões
centrais para autores como Caporal (2009), é a complexidade dos agroecossistemas, e
sobre a produção agroecológica, no contexto do Semiárido, para a agricultora não é
fácil, pois, segundo ela:

Existe muita dificuldade, porque a gente planta aí tem uma coisa que
não dá certo. Geralmente a gente tá animado com uma produção, mas
quando ver aparece alguma coisa, algum tipo de praga. É muito bom a
gente plantar, mas a gente tem que estar direto e bem perto com a
lagarta, principalmente.

A mãe de Viviane também é associada da APROFAM e manda os produtos para


serem comercializados pela filha. Nessa família, a pioneira em trabalhar com a
agroecologia foi a sua irmã Izaura. Segundo a narrativa da agricultora, foi vendo e
ajudando a irmã a produzir, que toda a família se integrou. Há três anos ela se integrou a
APROFAM e essa experiência tem sido representativa para a família, pois, segundo ela:
Se não fosse a feira eu não sei o que seria da gente, porque já faz uns
dois anos que meu esposo está desempregado e de onde que a gente
está se mantendo, toda semana temos um dinheiro livre que a gente
pode contar. Tem feira da semana que a gente não vende como
vendemos no sábado, mas a gente vai porque a gente tem que ir, não
pode faltar, tem que participar, mas a gente não desiste, eu não desisti,
nem senti vontade.

Sobre a experiência de comercializar diretamente ao consumidor, a agricultora


considera,

Assim, é muito bom. A gente ter o cantinho da gente, a gente saber


que não está usando produto químico, veneno, essas coisas, e levando
para o consumidor que tanto é importante para a gente como para ele
também. Eles ajudam a gente e a gente ajuda eles, uma mão ajuda a
outra.

A narrativa da agricultora vai ao encontro de uma condição fundamental nos


circuitos curtos, a saber, a reciprocidade (Martins, 2000) que valida e fortalece essa
experiência entre os distintos atores que a integram. E sobre a experiência de
coletividade, a agricultora considera que os integrantes da APROFAM conseguem
trabalhar com base em um diálogo, quando há algum problema, eles sentam e
conversam. “É tudo organizado, cada um faz sua parte, e assim vai”.

127
4.2.2.3 Agricultores: Regina e Antônio José
A agricultora tem 53 anos ensino médio completo, é casada, e, é residente do
assentamento há 30 (trinta) anos, filha de agricultores. O seu marido, Antônio José, tem
54 anos, é alfabetizado, e o seu filho tem 32 anos. A família produz com o PAIS no
quintal de casa, sendo que o marido trabalha fora do assentamento, na área de
construção civil, então, ajuda a agricultora nos horários em que está em casa. A
agricultora realiza a atividade de costura para complementar a renda, ela está integrada a
feira há 3 anos. No que diz respeito a questão sucessória, o marido e a esposa não
poderão contar com o filho, pois esse tem problemas de saúde que o impedem de
exercer qualquer atividade. Essa família não acessa a outros mercados. Antes de
trabalhar com a agroecologia, eles relataram que contavam apenas com fruteiras em
casa, mas a variedade não tinha. A família se dedica em média de 5 a 6
horas/dia/trabalho. A agricultora conta com transporte próprio para se deslocar as feiras.
Sobre a produção agroecológica, a agricultora considera:

Eu acho bom. Eu tenho minha ocupação todo dia de manhã, tenho


minhas plantas para regar, porque no gotejamento gasta muita água, aí
para poupar água a gente usa o regador. Acho ruim porque é pouca
coisa, mas temos o dinheiro extra que ajuda. No começo eu plantava
e mandava para a minha família (fazendo referência aos parentes que
moram fora) e comia em casa, depois foi que comecei a mandar para a
feira.

No que diz respeito a Segurança Alimentar e Nutricional da família, foi


perguntado se o que a família produz hoje volta para a mesa, na narrativa afirmaram
“Sim, pelo menos o coentro, cebolinha, pimentão, tudo você coloca na panela, as vezes
tomate, que agora estou sem tomate, mas eu produzo também. Tem mamão, acerola,
caju, a gente não compra essas coisas, tudo vem da gente”. A partir do relato, pode-se
evidenciar que além da SAN estar presente no contexto da família, pois há maior
variedade e melhor acesso, pois eles comem o que produzem em seus quintais, há
também a autonomia (Almeida, 2009) que é igualmente relevante para a agricultura
familiar. Na pesquisa de Oliveira e Rozendo (2016) também foi evidenciado a melhoria
no consumo alimentar da família que passaram a incorporar uma maior variação em
seus cardápios.

128
Sobre a participação da família na feira agroecológica, a agricultora ressalta “Eu
aumento a produção, porque a gente vende todo sábado, tem aquele dinheiro certo, e já
tem o alimento em casa que a gente evita comprar no supermercado”.
Sobre a interação direta com o consumidor, Navegante relata:

As vezes o cliente chega, e a gente vende por exemplo, a acerola. O


custo do kg (quilo) é R$ 3,00 (três reais) o pacote, aí as vezes o cliente
chega e quer tirar R$0,50 (cinquenta centavos), aí eu vendo 2 por R$
5,00 (cinco reais), o cliente ainda pega a gente assim, fica adulando, aí
a gente tem que fazer.

Sobre o preço, Regina considera que tem preço bom e ruim para o produtor. A
definição do preço é feita em reunião com todos os associados para definirem reajustes.
Perguntou-se a Regina sobre como ela vê o número de pessoas no assentamento
e o número de pessoas que produzem e comercializam, ao que nos disse “Eu acho que é
o trabalho que dá, as pessoas não querem todo dia estar cuidando de horta, porque a
gente limpa hoje, e daqui a dois dias está cheio de mato de novo, tem que ir lá limpar,
dá trabalho”. No que diz respeito ao cliente procurar um produto e os produtores não
terem, foi relatado:

Os clientes reclamam assim, porque não tem por exemplo, a cenoura,


falta muito na feira, falta mesmo, porque é difícil ter cenoura na feira
e os clientes reclamam muito. E assim, por exemplo, o alface, quando
produz, é cheio, vai ter sábado que todo mundo tem, aí quando é no
outro sábado ninguém tem. Assim, porque era para ser organizado
como Lúcia falou, fulano era para plantar alface e abastecia, agora tem
que plantar para abastecer, nunca faltar. Está faltando organização do
pessoal, da pessoa que planta.

Perguntou-se para Regina se os produtores conseguem conversar sobre esse


quadro, ao que ela disse “Aqui e acolá tem uma reunião, um fala disso, mas só que
ninguém cumpre a regra, porque era para cumprir. Porque se tivesse a reunião e dissesse
assim, olhe você só vai plantar rúcula e cebolinha”. Para a agricultora, essa logística
ajudaria mais o trabalho coletivo dos produtores, e traria uma maior organização para a
feira.

129
4.2.3 Assentamento Paulo Freire: Paulo e Edileuza
No Assentamento Paulo Freire, o agricultor Paulo de Morais tem 43 anos, ensino
médio incompleto, é casado com Edileuza que tem 40 anos e ensino médio incompleto.
Moram no assentamento há 15 anos, desde o momento da ocupação. Hoje, a família
moram no lote, pois consideraram a necessidade de estarem mais próximos do local da
produção, além do problema do acesso a água para produzir; e compreenderam que
mudando-se para o outro lado da agrovila, teriam melhores condições de sustentarem
sua produção, sobretudo pelo acesso a água. A sua família é composta por sua esposa de
40 anos e seus filhos de 24, 19 e 10 anos.
Para Paul e sua família, foi muito importante contar com o projeto de reforma
agrária, sobretudo, porque o agricultor já tinha uma referência de agricultura familiar.
Nesse sentido, corroboram Cardoso, Flexor e Maluf (2003, p. 64):

Para muitos dos agricultores envolvidos nesse processo, o acesso a


terra representou a conquista tanto de um direito social e econômico
quanto da capacidade para estabelecer suas estratégias reprodutivas.
Ou seja, o acesso a terra constitui fator determinante de equidade e
justiça social, problemas permanentes na história brasileira que a
criação dos projetos de assentamentos rurais, mais propriamente um
programa de reforma agrária, contribuiria para equacionar.

Sobre a condição de agricultor, Paulo ressalta que foi forte o exemplo da sua
mãe:
Minhas raízes de querer morar no mato vem da minha família, da
minha mãe. Quando eu tinha a idade dessa minha menina, ela criava,
plantava (a sua mãe). O quintal da gente era a coisa mais linda, e aí eu
fui crescendo e vi que a natureza, se a gente cuidasse, preservasse com
certeza você tem do que sobreviver.

É válido ressaltar que no que diz respeito a agroecologia, não trata-se apenas de
mudar de um modelo para outro, a transição agroecológica em ir além dessa questão,
implica em pensar e dialogar com um modelo de desenvolvimento rural que seja mais
humanizado e que envolva diretamente os atores sociais que estão envolvidos com esta
questão, como afirma Caporal (2009).
Eles moram no Assentamento desde o momento da ocupação em que exerceu a
função de coordenador de grupo, depois coordenador regional e em seguida estadual,
exercendo essas atividades pelo período de 2 anos. Após esse período ele foi fazer por

130
indicação do MST, no ano de 2003, um curso de agroecologia na Paraíba. Sobre essa
experiência, ele fala:

Dei meu nome e fui. Passei 2003 e 2004 na Paraíba estudando


agroecologia. E aí em 2005 meu pai adoeceu e veio a falecer, aí eu
tive que parar tudo e vir embora para tomar de conta da minha família.
Nesse período, em 2003 já tinha sido feita a desapropriação e o
processo de agrovila. Tinham começado a fazer as casas já para morar
aqui. Aí eu fui e trouxe todo mundo definitivamente, porque quem
morava definitivo era só eu, eles moravam no Santa Helena
(referindo-se a família que ainda morava na cidade). Em 2005 eles
vieram definitivamente.

No momento em que se estabeleceu com a família no Assentamento, e que não


foi possível continuar o curso de Agroecologia, passou 2 anos trabalhando na cidade
como empregado, mas sempre com a pretensão de trabalhar a produção agroecológica
no Assentamento, e assim, motivou a esposa a iniciar com outras mulheres no
Assentamento a produção agroecológica. As mulheres não prosseguiram com a
experiência, a maioria desistiu alegando que a forma de produzir era muito difícil,
restando apenas a sua esposa. Diante dessas dificuldades, eles decidiram continuar, e
nesse momento a Prefeitura e o SEBRAE disponibilizou o PAIS, e eles ganharam uma
caixa de 5.000 lt². Sobre essa fase, ele narra:
A gente tinha um prazo para fazer, e a gente não tinha esse cercado
não, a gente começou desse lado aqui. Aí eu e meu rapaz na chibanca
começou a arrancar os tocos que tinha aqui, foi um sofrimento, não
tinha barraca, a barraca da gente era uma lonazinha. Aí pronto, a gente
conseguiu fazer a área de plantar o projeto, eu fiz a base, fiz os
canteiros, a gente começou a carregar adubo e começamos a fazer
composto orgânico. Eu já vinha com umas experiências, eu não
conclui o curso lá (fazendo referência ao curso de agroecologia), mas
vim com muito conhecimento sobre a agroecologia. Aí a gente ainda
teve um reforço quando pegou o PAIS que foi a parte da consultoria
com o Professor16. Aí pronto, aí foi que animou minha esposa que já
tinha feito um curso de hortaliça pelo SENAR. Aí pronto, eu disse,
agora estamos com a faca e o queijo, vamos só produzir.

Eles contam com 10,5 hectares, mas produzem em 1,5 hectare (figuras 8 e 9),
desenvolvem atividades agrícolas e comercializam também, diretamente ao consumidor,
e sua produção sempre foi isenta de agrotóxicos. No início da produção a finalidade era
observar o comportamento das plantas nos três anéis de produção, como atenderia a
utilização de composto, biofertilizante, calda nutritiva, repelente. A mão de obra para a

16
Referência a Assistência Técnica via SEBRAE.

131
produção é exclusivamente da família. Apesar das dificuldades para produzir sob os
princípios agroecológicos, ele afirma que decidiu colocar os conhecimentos em prática.
A família, atualmente comercializa cestas agroecológicas atendendo a domicílio,
A dinâmica desse trabalho é possibilitada pelo número de pessoas que já conhecem o
produtor e sua família, então, na quarta-feira Paul e seus filhos começam a preparar as
cestas, fotografam e enviam para os clientes através do Whats app, recebem as
encomendas e na sexta fazem as entregas diretamente no endereço dos clientes. Para a
família, esse trabalho tem possibilitado aumento na renda e maior visibilidade da
produção agroecológica. Através dessa modalidade de venda, ele faz entrega de 30
(trinta) cestas em média, por semana e pretende aumentar esse número.

Figuras 9 e 10: A casa da família e o agricultor no lote: Assentamento Paulo Freire.


Fonte: Pesquisa

Nas figuras 11 e 12 é apresentado o sistema PAIS no Assentamento Paulo Freire


e a produção apícola que é realizada dentro do lote, sendo de responsabilidade do
Agricultor e de um de seus filhos. Eles dividem a produção entre eles. Sendo a produção
de frutas responsabilidade do filho mais velho, a produção apícola é de responsabilidade
do outro filho, e a produção de mudas para comercialização é de responsabilidade da
sua esposa e da filha mais nova.

132
Figuras 11 e 12: PAIS e produção apícola no Assentamento Paulo Freire
Fonte: Dados da Pesquisa

Sobre o trabalho com a terra, o agricultor diz se sentir muito bem, pois “a terra e
a água são as bases da vida, porque sem a terra a gente não consegue produzir o
alimento para sobreviver, a parte de massa, e sem a água também a gente não
consegue”. Percebemos em sua narrativa, a preocupação com a forma de produzir
adotada pelos agricultores e agricultoras da feira agroecológica. Nesse sentido, ele
afirmou:
Até agora recente, eu comentando com França (agricultor integrante
da FAM), que tem muita gente aqui dentro da feira que está plantando
sem noção, atirando para todos os lados, inclusive a gente aqui, dentro
do conhecimento da agroecologia, mas estamos plantando sem noção.
Eu acho que é sem noção porque a gente está tentando equilibrar as
coisas, mas a gente está precisando usar algumas tecnologias, como
por exemplo, uma das principais que a gente precisa aqui é conhecer
como é o nosso solo, o que ele precisa, qual é a formação do nosso
solo, e quais são as carências que ele mais necessita.

Toda a família do agricultor (figuras 14 e 15) participa da produção


agroecológica e optaram por dividir entre eles a produção, por exemplo, a esposa e a
filha mais nova ficam com a produção de mudas para comercialização, um filho com a
produção apícola, outro com a produção animal, ao mesmo tempo que há tarefas

133
conjuntas. O agricultor apresenta uma trajetória com a agroecologia que antecede a sua
participação na FAM, inclusive ele já tinha demanda de clientes antes de se integrar a
essa forma de comercialização. Os limites da produção são evidentes em sua narrativa,
pois ele afirma que falta assistência técnica para agricultor que produz com a
agroecologia. Além disso, o problema de acesso a água se coloca como um dos
principais limites à produção, conforme o relato dos entrevistados.
Antes de se integrar a FAM, o agricultor e sua família já faziam entregas de
produtos agroecológicos diretamente aos consumidores, e devido ao problema da falta
de água para produção, ele não comercializa na feira todos os sábados, além dos
consumidores que compram diretamente a ele no próprio local da produção.

Figuras 14 e 15: O agricultor e sua família em frente a casa e na produção apícola no


Assentamento Paulo Freire.
Fonte: Pesquisa

Na narrativa do agricultor e da sua família, percebeu-se a agroecologia como


uma opção produtiva consolidada, inclusive o seu filho mais velho é aluno de
Licenciatura em Educação do Campo na UFERSA, e nos falou que pretende continuar
trabalhando junto com o pai e toda a família. No assentamento eles são a única família
que produzem para autoconsumo e comercialização sob os princípios agroecológicos. A
família já produz com agroecologia há 8 (oito) anos, e nesse tempo, relatam que tem
compreendido que é um desafio, sobretudo, pela seca que a região tem enfrentado,

134
ausência de políticas públicas, bem como, indisposição de outros produtores para
integrar a experiência. Para Maluf (2013), a agroecologia é um processo social que está
ligado diretamente ao abastecimento alimentar e ao futuro da agricultura familiar e
camponesa. E Ferrari (2011) afirma que através dessas experiências outras
compreensões acerca do alimento tem se fortalecido na sociedade contemporânea.

4.2.4 Comunidade Rural Serra Mossoró: Sebastião Florêncio e Ester


Na Comunidade Rural Serra Mossoró o agricultor Sebastião tem 58 anos, ensino
médio completo, e mora na comunidade com sua esposa que trabalha com ele na
produção e comercialização. A comunidade fica localizada a 20 km de Mossoró. O
agricultor dispõe de 3 hectares para a produção (figuras 16 e 17), mas atualmente
produz em 1 hectare. Na realização das atividades agrícolas conta com mão de obra
contratada que o ajuda em um horário diariamente. Além de comercializar na FAM, ele
também tem acesso aos mercados institucionais do PNAE e PAA e não realiza
processamento da sua produção. Na FAM ele comercializa hortaliças, e em especial, o
tomate cereja é um dos produtos que segundo ele, adapta-se muito as condições do seu
solo. Acessou ao Programa Nacional de Fortalecimento a Agricultura Familiar –
PRONAF, para otimizar a produção de cabra e hortaliça.

Figuras 16 e 17: Propriedade produtiva do agricultor na Comunidade Serra Mossoró.


Fonte: Pesquisa 135
Antes de trabalhar com a agroecologia, ele relatou que teve experiência de
trabalhar com a agricultura irrigada para uma multinacional onde plantou melancia e
melão, em sua propriedade, o que ele considerou uma experiência sem êxito porque essa
produção não deixava lucro “nós tivemos só prejuízo, deixamos de mão. O meu
pensamento era trabalhar para mim mesmo”. Para Ploeg (2008), são muitos os fatores
que encorajam os produtores a fazer o processo de transição, dentre eles, está a baixa
renda adquirida com a produção convencional, bem como, aumento da consciência
ambiental entre produtores e consumidores.
Após essa experiência, trabalhou as culturas de melancia e pimentão antes da
produção agroecológica; nesse tempo, ele relatou que era muito intensa a presença do
atravessador. Sobre as dificuldades desse período em que não estava ligado a
associação, ele relaciona, também, a ausência de assistência técnica. Esse constitui-se
como um processo claro em que os agricultores e agricultores vão perdendo sua
autonomia, Almeida (1999), e que perdem quase ou totalmente sua condição de
criatividade.
O convite para conhecer a produção agroecológica veio do SEBRAE que estava
capacitando agricultores e agricultoras para participarem de feiras agroecológicas. Sobre
essa fase, ele relembra:

Terminei o curso e eu não sabia nem se era para modificar esse tipo de
produção, nem sabia que tipo de produção era, não sabia se era para
orgânico ou o que era, se ia continuar com o convencional. Aí quando
terminou a capacitação eu fui entendendo o que era e o trabalho que
eu ia ter. Aí eu disse, meu Jesus, será que vai dar certo, mas se estou
aqui, vou continuar, porque você vem trabalhando no convencional, aí
muda para o orgânico em que nada de veneno você vai usar, a
primeira que você acha é que não vai dar certo. Quer dizer como você
vai combater os insetos, se você já está acostumado com aquele
problema e com o sistema convencional. Mas eu disse, a gente já está,
então deixe estar. Só em eu mesmo ir direto ao consumidor já é muita
coisa já.

O agricultor e sua esposa participam da FAM desde o seu início, e nesse


momento inicial a feira contava com quinze barracas, foram capacitadas 20 (vinte)
pessoas, mas na hora de produzir restaram apenas 5 (cinco). No começo ele relata que
tinha pouca produção, mas mesmo assim insistia em ir, nesse sentido, ele afirmou

136
“rapaz eu tenho que ir para ver primeiro o que o cliente quer para eu poder produzir”.
Segundo o agricultor, nesse tempo não dava nem para custear a despesa com o
transporte, tinha feirante que o aconselhava a desistir.
Na FAM (Figuras 18 e 19) ele é um dos agricultores mais conhecidos, além da
trajetória na feira desde o seu início, foi por muito presidente da APROFAM. É comum
a maioria dos consumidores comprarem dele, ou mesmo passar em sua barraca para
conversar, aos sábados.

Figuras 18 e 19: O agricultor e a APROFAM.


Fonte: Pesquisa

Sobre a relação agricultor e consumidor, o agricultor afirma:

Tem consumidor que entende, sabe qual é o trabalho e como é o


trabalho. Porque a gente lida com vários tipos de consumidores. Tem
os consumidores que conhecem o trabalho e sabem em que época que
ele pode ter aquele produto, e tem consumidor que não entende, ele
quer saber se tem o produto. A consciência do cliente influi. Quer
dizer, quando você está comprando a gente, da agricultura familiar,
não é só comprar, você não está comprando um produto que apenas
lhe servindo, mas que está servindo a uma cadeia de agricultura
familiar.

Quando perguntado sobre como ele se sente ao trabalhar com a terra, em sua fala
ele traz a realização em fazer o que gosta. Sobre as tecnologias a que tem acesso para

137
produzir, ele ressaltou que tem percebido que está precisando fazer algumas mudanças,
como por exemplo, a utilização de compostos, a adesão ao minhocário, pois estava
tendo muitos problemas com as mudas, e agora precisa aderir para a sua unidade
produtiva sombrites, pois o sol tem prejudicado sobretudo as folhas.
No que diz respeito a relação com o consumidor, ele compreende que a procura
dos consumidores da cidade pela FAM, em sua maioria, são pessoas que já tiveram
problemas de saúde relacionados aos alimentos industrializados/convencionais. Sobre
uma situação com consumidor em especial, agricultor 4 narra:

Tinha um rapaz que sempre comprava mamão, aí nessa época a


produção era pouca. Aí o cliente chegou e fazia duas semanas que não
tinha mamão. Aí eu tive a coragem de perguntar, e ele disse que havia
pego uma doença, uma intoxicação, e foi para o médico em Fortaleza
e foi constatado que era fruta com veneno, e aí teve que mudar a
alimentação.

Quando perguntamos se o agricultor considera a possibilidade de alguém o


suceder na produção agroecológica, ele informou que pretende passá-la para o seu
contratado, pois a sua filha mora em Mossoró e não poderá contar com ela. É
importante ressaltar que nas fases seguintes da pesquisa de campo, a filha do agricultor
voltou para a comunidade rural. Nessa ocasião, relatou ainda que no início da FAM
algumas pessoas davam três meses para que a experiência terminasse, não acreditavam
que daria certo. Contudo, ele considera que a procura por orgânico tem crescido, e os
próprios agricultores se surpreenderam com o crescimento da demanda.
O agricultor é muito atuante na APROFAM e em outras cooperativas. Muitas
vezes, ele considera que isso é um problema, pois tem que conciliar a produção com as
demais atividades das entidades e organizações de que participa. Sobre o acesso aos
mercados institucionais e a participação na FAM, ele considera:

Não dá para o agricultor esperar só por Programa do Governo.


Ninguém sabe como vai ficar daqui para diante, a gente não depende
só de Programa de Governo, porque eu vou falar sincero, não existe
outra coisa melhor para a agricultora familiar do que feira, ninguém
me venha dizer que venha colocar para mercado. Isso para mim e pela
experiência que eu tenho, o sistema é esse, lidar diretamente com o
consumidor. Então se a feira se acabar, a gente não sabe nem que
rumo tomar.

138
Sobre a divisão de produção entre os agricultores e agricultoras para a FAM, o
agricultor fala que essa é uma problemática percebida, mas que ainda não conseguiram
se organizar para fazê-la. Antes da produção agroecológica, a sua produção era na
modalidade convencional, produzia poucas coisas, como pimentão, melancia e algumas
verduras. Sobre a produção agroecológica, ele afirma:

Hoje dou muito graças a Deus de ter um sistema de trabalho que não é
a monocultura, mas uma policultura, com várias culturas. As vezes
você está com umas e não está conseguindo, ter prejuízo não dentro da
venda, mas dentro do campo. Mas como você tem várias, uma cobre
as despesas da outra, e quando você tem as duas melhor ainda, você
tem mais produto. Hoje com a parte da hortaliça, eu lido com a alface,
coentro, a rúcula eu já vinha plantando há algum tempo mas não vinha
dando certo, a couve folha e a tomate. Na parte de fruta tem a banana,
a goiaba, o mamão, frutas de época como a cajarana, a acerola.

O agricultor considera que a produção agroecológica foi o acerto da sua


condição de agricultor, pois mesmo com os desafios, a possibilidade de plantar em
policutivo conferiu a ele maior autonomia, bem como melhores condições de vida para
a sua família.
Há seis meses, França decidiu investir na produção de ovos. Para isso, ele conta
com o trabalho da filha que voltou para junto dos pais após o término da faculdade.
Hoje, a família tem um aviário com 350 galinhas e comercializa em média, 1.225 (hum
mil, duzentos e vinte e cinco) ovos por semana. Para investir nessa produção, a família
contou com recursos próprios. Sendo assim, toda a família é envolvida exclusivamente
com a produção agrícola, segundo o agricultor, eles optaram por deixarem a filha tomar
de conta da produção de ovos. Essa característica da produção agrícola familiar, pode
ser refletida a partir de Lamarche (1998, p. 42), que assim afirma:

A questão do caráter familiar da unidade de produção continua a se


colocar na atualidade, na medida em que continuam a existir nas
sociedades modernas unidades de produção cuja força de trabalho
fundamental é fornecida pela família proprietária. E isso mesmo
quando a produção familiar se moderniza e se integra ao processo
global de acumulação do capital na sociedade. Em segundo lugar, o
reconhecimento de um processo mais amplo e determinante de
subordinação da produção agrícola ao “movimento do capital” não é
incompatível com o reconhecimento da existência de um movimento
interno da unidade de produção familiar, cujo eixo é dado pelo seu
caráter familiar e que tem como objetivo preservar uma margem de
autonomia da família proprietária que trabalha. (...) é possível afirmar
que ao longo desse período em que a agricultura sofreu um profundo

139
processo de transformação, a produção familiar permaneceu como um
setor importante da agricultura, inclusive em países de capitalismo
avançado.

Atualmente, o ovo é o produto que ele mais leva para a feira, pois, considera que
como os outros produtores tem os outros produtos (FLV), ele prefere comercializar os
ovos. Aos domingos, Sebastião faz entrega de cestas agroecológicas (FLV, ovos) aos
vizinhos e moradores próximos a comunidade. Segundo o agricultor, ele atende nesse
dia, uma média de 10 a 15 famílias, deixando de porta em porta.
A propriedade do produtor conta também, atualmente, com produção de peixe.
Essa é resultado de uma parceria entre a UFERSA e algumas comunidades e
assentamentos. Em uma das visitas que foi feita, o agricultor informou que está
utilizando a água do rejeito dos peixes para a produção de hortaliças, segundo o mesmo,
quando utilizou a água do poço, as hortaliças ficaram queimadas, mas quando utilizaram
a água do rejeito, não aconteceu a queimadura. Para o agricultor, a água deve conter
material orgânico, inclusive ele estava aguardando análise da água.
Compreendemos essa experiência sob a referência de Wanderley (2015, p. 27),
pois, a autora ressalta que no Brasil, o campesinato está inserido em uma realidade de
agricultura estruturada sob a grande propriedade monocultora e o trabalho escravo. E
que embora, esse cenário se constitua como pano de fundo para “delinear” a agricultura
nacional, há uma prática que sempre esteve presente nos interstícios internos e externos
dos latifúndios, e que as estratégias de resistência camponesa permanecem mesmo “sob
o domínio dos grandes empreendimentos e de sua capacidade de criar espaços para uma
outra agricultura, a de base familiar e comunitária”.
E mesmo que as experiências no âmbito da agricultura familiar sejam
representadas por um mosaico de heterogeneidade, a autora firma:

Assim sendo, mais importante é perceber que, apesar da


heterogeneidade referida, todas estas situações concretas apontam para
a existência, no meio rural brasileiro, de produtores agrícolas,
vinculados a famílias e grupos sociais que se relacionam em função da
referência ao patrimônio familiar e constroem um modo de vida e uma
forma de trabalhar, cujos eixos são constituídos pelos laços familiares
e de vizinhança. É a presença desta característica que nos autoriza a
considerá-los camponeses, para além das particularidades de cada
situação e da conexão (ou superposição) das múltiplas referências
identitárias assumindo que os conceitos de campesinato e agricultura
familiar podem ser compreendidos como equivalentes
(WANDERLEY, 2915, p. 31).

140
A família tem enfrentado desafios para a produção de ovos, uma vez que a ração
das aves não é orgânica, segundo o agricultor, ele procurou assistência técnica para ver
a possibilidade de deixar a produção na condição de totalmente orgânica, esta
viabilidade está sendo estudada, pois para o agricultor, ele quer uma opção que seja
viável para o produtor, inclusive do ponto de vista econômico.

4.2.5 Assentamento Maisa: Agrovila Paulo Freire


4.2.5.1 Família de Áurea e Benedito
Na Agrovila Paulo Freire Áurea e Benedito foram os primeiros a serem
entrevistados. Áurea tem 59 anos e Antonio 67 anos. A agricultora tem o ensino médio
incompleto e o seu marido, ensino fundamental incompleto. Eles moram na agrovila
desde a sua ocupação, no ano de 2002. Antonio trabalhava na Maísa (empresa do
agronegócio e fruticultura irrigada), após o fechamento da empresa, eles entraram na
“luta” para conseguir uma terra através do MST.
Durante aproximadamente 3 (três) décadas, a área onde hoje se localiza a
Agrovila foi uma área de produção do agronegócio, voltada para fruticultura irrigada e
exportação. Hoje, as famílias alegam que tem terra, mas não têm água para produzir.
Além do fato, de segundo os produtores, este solo ter passado muito tempo recebendo
agrotóxico.
Quando do processo de aquisição da terra, a Agrovila foi contemplada com um
projeto de hortaliça, disponibilizado pelo INCRA e orientado e assistido pelo SEBRAE.
Nessa época a produção foi muito boa, segundo os agricultores, contudo, não tinham
acesso ao mercado para comercializar a produção, então, houve muita perca de
produção (cenoura, beterraba) uma diversidade de legumes foram para os animais e para
o lixo, porque eles não tinham para onde destinar. Nesse projeto, a referência a que os
agricultores faziam segundo Áurea, era que “era um projeto de primeiro mundo”. Pela
fala da agricultora, essa não foi uma experiência exitosa, havia terra, água, mas não
havia mercado para comercializar a produção.
Segundo Ploeg (2016), para Chayanov o que predomina na produção camponesa
é o equilíbrio trabalho-consumo, no sentido de afirmar que toda a produção camponesa
é orientada para o consumo, contudo, na pesquisa em questão há uma outra via pela
qual pode-se olhar a unidade camponesa e tentar compreendê-la. Trata-se da construção
dos mercados. É o coletivo que fortalece e dá sentido ao trabalho dos agricultores da
APROFAM, é a comercialização, a relação direta com o consumidor, e o viver com

141
outros atores sociais que tem possibilitado esse modelo de produção. Isso evidencia-se
sobretudo, ao analisar o discurso da família de Áurea, em que havia produção, mas não
havia mercado. E nesse sentido, Ploeg (2016, p. 42) “Deixando bem claro, no mundo de
hoje, assim como no passado, é impossível a família e a propriedade sem o auxílio dos
mercados. Ninguém é independente dos circuitos das mercadorias”.
Esse quadro, pode ser analisado para além dessa realidade local. Uma vez que
uma parcela considerável da agricultura familiar tende muitas vezes à degradação, pois,
falta capacidade de autofinanciamento, fraqueza de suas terras, e até mesmo falta de
capacitação de seus recursos humanos, ou até mesmo “a pulverização minifundiária que
gera estabelecimentos de terceira categoria (FAO/INCRA, 1994, p. 12)”.
A família de Áurea e Benedito estão com o PAIS há três anos, e na ocasião em
que receberam, o kit veio incompleto faltando alguns, pois, veio de outras famílias que
não conseguiram produzir. No tempo em que a família ficou sem o PAIS, não havia
produção para o consumo alimentar da família.
Passados alguns anos, a assistência técnica via SEBRAE conversou com as
famílias sobre a possibilidade de adesão ao PAIS. Na ocasião, 22 produtores aderiram
ao programa, e hoje conta com 6 famílias. Por ocasião do PAIS, Áurea integrou-se a
FAM desde o início, mas por dificuldades como transporte, poucos clientes, ela não
continuou. Mesmo assim, o PAIS continuou ativo.
Na compreensão de Veras (2005, p. 44), a motivação para os agricultores
familiares aderirem a outras propostas produtivas, diz respeito também, ao momento em
que percebem que estão à margem de um círculo de racionalidade que os exclui,
fazendo assim, a busca por caminhos alternativos, outras racionalidades que passam a
ser percebidas necessárias à sua sobrevivência, assim “atores pretendem estabelecer
ações contrárias à racionalidade dominante e ao mesmo tempo, garantir, embora
precariamente, a manutenção e reprodução da família ou do grupo”.
Durante a entrevista com Áurea e Benedito, houve a presença da sua filha
Márcia. No final da conversa, Márcia conversou conosco sobre a cultura de utilização
de agrotóxico presente na agrovila. Ela falou que desde a sua infância é comum a
prática de produzir sem agrotóxico, e estranhou muito o hábito comum das pessoas da
agrovila só cultivarem com esses insumos. Relatou inclusive, que sua mãe é
desacreditada pelas pessoas da família e da própria comunidade por só produzir de
forma agroecológica. Outro fato curioso é que toda essa região, durante mais de três
décadas foi terra do agronegócio, eram terras de fruticultura irrigada, então, hoje

142
produzir com agroecologia é um desafio, sobretudo, porque para Márcia, a produção
agroecológica não é percebida como possível para a maioria das famílias da
comunidade.
Márcia falou também sobre o desequilíbrio ambiental que hoje se vê mais
claramente, e no próprio cotidiano da comunidade. Áurea nos falou sobre a dificuldade
de produzir devido à falta de água. Na propriedade, contam com a tecnologia do PAIS
no quintal de casa e exercem outras atividades, tais como: Áurea na condição de
costureira, e Benedito cuida da mercearia que eles mantém em casa. Segundo Áurea,
esse comércio ajuda o marido a ficar ocupado, uma vez que ele não pode trabalhar na
produção agrícola devido a problema de saúde.
O espaço de produção corresponde a 1,5ha. Então, apenas a agricultora cuida da
produção e da comercialização nas feiras agroecológicas, recebendo ajuda da filha.
Ambos são aposentados, e nos dias que antecedem a feira, recebem ajuda da filha que
mora na mesma agrovila para ajudá-la a preparar os produtos para a comercialização.
Áurea comercializa na praça do Museu, no Shopping Popular, na CAERN e na UERN.
Eles participam também da Associação da Agrovila.
Eles são agricultores que comercializam na FAM há um período de 3 anos,
participaram no início, mas pararam devido as dificuldades de transporte, bem como de
mercado. No início da feira não havia procura de consumidores, ocorrendo assim, muita
perda na produção.
Conversou-se com a família sobre o número de assentados e o número de
produtores agroecológicos, para a filha de Áurea, é questionador como em um
assentamento de 100 famílias, apenas 6 pessoas se dedicam para produzir sobre os
princípios da agroecologia. Pelo discurso da filha de Áurea, há uma crise da condição de
agricultor familiar por parte das pessoas, uma vez que moram na zona rural mas não
querem produzir, preferem trabalhar na cidade ou mesmo nas empresas do agronegócio,
desacreditam na produção agroecológica, ou seja, a maioria das pessoas não produz e se
o fizesse, seria a base de agrotóxico, e o fato de agricultores e agricultoras estarem
produzindo em seus quintais, alimentando suas famílias e comercializando diretamente
ao consumidor não é suficiente para que outras pessoas passem a produzir.
Áurea e Benedito são filho e filha de agricultores. Sobre a prática da produção, a
agricultora afirmou “O bom é que a gente trabalha para nós mesmos, não trabalhamos
para ninguém. Apesar que é muito cansativo, muito trabalhoso, já passamos por muitas
coisas. Eu não tenho mais saúde mas não me entrego, mas eu trabalho muito”. O

143
reconhecimento da sua identidade enquanto perpetuadores da condição de agricultores
familiares, pode ser refletido à luz de Vera, que assim afirma:

Grande parte dos agricultores assentados tem sua origem na


agricultura familiar, fazendo com que suas motivações encontrem-se
no âmbito da afirmação ou renovação de valores sociais relativos à
organização da família. Ao se tornarem agricultores assentados, os
traços que o identificam como agricultor familiar se fortalecem
expressando-se em suas práticas, valores e racionalidades (VERAS,
2005, p.41).

Na ocasião da entrevista, a agricultora informou que nos últimos anos a


produção vem sendo muito difícil por causa da seca, a questão de maior dificuldade é a
água, as famílias da agrovila tinham água do poço, mas devido ao corte na energia,
ficaram sem esse recurso durante 15 dias, incorrendo na morte da produção. E choveu
pouco, e com a chuva veio a lagarta, então a produção sofreu uma queda. Essa família
está comprando pipa uma vez ao mês para produzir.
Segundo a agricultora, a praga que representa maior prejuízo a produção é a
lagarta que aparece no inverno, e a única forma de controle é esperar que venha mais
chuva e a utilização de Nim. Sobre esse fato, a agricultora relatou “Eu tinha 22 (vinte e
dois) pés de couve (folha), as coisas mais lindas, e do dia para a noite ela acaba. Eu
tirava 350 folhas de couve por semana. Reguei as plantas e no outro dia quando fui
olhar, só tinham os talos, comeram tudo”.
Devido outras famílias produtoras terem enfrentado a mesma dificuldade, Áurea
leva a produção de outra produtora para comercializar e elas rateiam o custo das
passagens. Sobre a produção agroecológica, perguntamos como é na realidade da
família, ao que nos relatou:

É difícil, mas dá para fazer. É complicado, só faz quem tem paciência,


porque assim, você não pode usar nada (em termos de veneno), tem
que todo dia estar ali olhando, e se você vê alguma coisa estranha tem
que tirar. Mas assim, é complicado e não é né, porque quando a gente
quer nada é difícil, agora para quem não entende nada, já é mais
difícil, porque não entra na cabeça que aquilo pode dar certo.
Eu já me acostumei, e quando velho se acostuma com uma coisa,
pronto. Eu já me acostumei com o trabalho, já me acostumei de eu
entrar ali e ver minhas hortas ali. Saber que aquilo ali fui eu que
construí, sou eu que faço, é meu suor que está ali. E na questão de eu
levar minhas coisas para eu apurar. Se dizer assim, acabou-se, eu fico
imaginando, onde é que eu vou ganhar o dinheiro que eu ganhava na
feira para me ajudar, que está me servindo.

144
Sobre a importância da feira para a família, os agricultores afirmaram que a
renda obtida com a comercialização é mais que um complemento, que segundo a
produtora, essa renda depende da produção que leva-se para comercializar.
Sobre a relação direta com o consumidor, Áurea afirmou como se sente:

Eu me sinto tão feliz, eu me sinto uma rainha. Pense como acho bom,
no dia que eu não vou para aquela feira, eu fico pirada aqui dentro de
casa, eu fico doida. Estou acostumada demais. E é bom conhecer as
pessoas né, porque ali a gente conhece tantas pessoas. E a gente vê
que aquelas pessoas tratam a gente com tanto carinho. Eu acredito que
porque eles sabem que a gente tá levando um produto de qualidade. E
saber que ali é a gente que produz e está vendendo o nosso produto
mesmo, aquilo ali feito com as mãos da gente.

Para Veras (2005) a agroecologia tem-se constituído realmente como elemento


importante para a construção do novo modelo de produção, ao mesmo tempo em que
torna-se uma alternativa que garante aos atores, além da produção dentro das áreas
reformadas, certa independência econômica para essas pessoas, ao passo em que eles e
elas se apropriam integralmente dos resultados gerados diretamente por suas atividades
produtivas.

Figuras 20 e 21: A agricultora em seu quintal produtivo


Fonte: Pesquisa

145
4.2.5.2 Família de Benedita e Afonso
A agricultora Benedita tem 42 anos, casada, e tem ensino fundamental
incompleto. Seu marido, Afonso tem 48 anos, ensino fundamental incompleto, o filho
do casal tem 23 anos e mora junto com os pais. A produção agroecológica é realizada
em 1ha, e o marido trabalha fora em empresa privada, ficando responsável pela
produção, a agricultora. Benedita faz parte do grupo que trabalhou na Agrovila com a
experiência do Projeto de Irrigação do INCRA em 2006, cuja finalidade era produzir
hortaliça orgânica, contudo, essa experiência não teve êxito pois, não havia mercado. A
família não faz processamento dos produtos e conta com o PAIS. Na ocasião da visita
de campo, a família estava sem produzir hortaliça porque perdeu toda a produção
devido a falta de água em decorrência da bomba quebrada. O marido de Benedita
trabalha fora em empresa do agronegócio. Durante dois anos a família acessou a outro
mercado, o PNAE, colocava produtos na escola da agrovila.
Na ocasião da entrevista, a agricultora e o marido nos relataram que estão sem
produzir. Inicialmente foi a falta de esterco e em seguida, a falta de água, foi cortada a
energia que possibilitava acesso ao poço e problema com a bomba. Devido isso, a
família perdeu toda a produção, faltando apenas 30 (trinta) dias para colher. Sobre esse
fato, a agricultora relatou “Foi uma perda grande, eu não vou nem lá, já chorei muito.
Porque a gente só depende desse poço da comunidade, aí tem esses problemas”.
Ela e o marido estão esperando a chuva para começarem novamente. A família
conta com uma cisterna de 16.000lts (dezesseis mil litros). Para o controle de praga a
família usa Nim e faz uma calda com esterco, rapadura.
Sobre a motivação para trabalhar com agroecologia, a agricultora narrou:

Porque toda a vida eu gostei de agroecologia. Porque na verdade eu já


tinha participado do setor de produção do movimento social, e aí eu
me identifiquei muito em estudar na área da agroecologia. Aí quando
eu parei de estar participando das reuniões, palestras, de fazer cursos,
aí eu disse, agora eu vou entrar para mim trabalhar, e sempre tive
contato com o Professor17, porque ele sempre trabalhou nessa área, e
aí me deu mais vontade.

Benedita tem uma trajetória de trabalhar com movimentos sociais, e nesse


percurso, começou com a área da educação, mas informa que não se identificou, sempre
quis a produção. Ela chegou na Agrovila em 2003, e em 2004 recebeu o convite para

17
Referência a profissional de Assistência Técnica ligado ao SEBRAE.

146
integrar o movimento do MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra). Inclusive,
foi a agricultora que mobilizou agricultores e agricultoras para trabalhar com a produção
agroecológica dentro da agrovila.
Perguntamos a Benedita, o que ela acha do número de famílias que produz com
agroecologia na Agrovila diante do número de 100 (cem) famílias que residem, ao que a
agricultora nos relatou:
Eu acho muito triste. Porque nós começamos com um grupo de 79
(setenta e nove) pessoas, um projeto que recebemos do INCRA
(projeto de irrigação), e aí ficou um grupo de 30 (trinta) mulheres, só
mulheres, aí começamos a produzir com orgânico, a gente produzia a
cenoura, o alface, tudo, aí na verdade o pessoal foi se desestimulando
devido não ter o comércio (mercado) não era aberto para nós. Aí na
verdade a gente pegava o produto, e para não perder a gente cedia para
o colégio para servir de alimentação para as crianças, e dividia para
algumas famílias que não produziam. Aí ainda tentamos, eu entrei
primeiro na feira da APROFAM, eu, Áurea e o esposo dela (outros
produtores da agrovila), e formamos um grupo, aí fomos trabalhar lá.

Sobre esse primeiro momento de participação na feira, Benedita relatou que os


outros produtores logo desistiram porque as dificuldades eram muitas, não havia
procura por parte dos consumidores, então, o que comercializavam só dava para pagar o
transporte. Sobre esse momento, a agricultora narrou “aí quando a gente ia só dava para
pagar o transporte, e as vezes quando a gente terminava a gente tinha que vender lá na
COBAL, para ver se a gente até merendava”.
Nessa ocasião, as famílias começaram a contar com o PAIS, produzindo em seus
quintais, que segundo a agricultora, foi melhor para os produtores, pois não precisava se
distanciar diariamente para produzir, poderiam fazê-lo no quintal de casa.
Para Benedita e o marido, a maior dificuldade que encontram é a água para
produzir, e nesse sentido, a agricultora fala:

Se a gente plantasse só a macaxeira, só a batata, só o jerimum, a água


salgada serviria, porque a gente tem poço aqui de água salgada. Mas,
como a gente planta as folhas, a gente precisa da água doce. Aí como
o poço não é só para esse grupo, aí tem vários problemas, tem dias que
não querem ligar, tem um monte de problema.

147
Sobre o momento atual em que a APROFAM se encontra, Benedita ressalta
“mas o comércio se abriu muito para nós. Hoje fomos convidados para participar da
feira da Maísa18 também, nosso grupo foi convidado”.
É importante reter duas questões centrais. A saber, em primeiro lugar, a maioria
dos pobres vivem no campo (70%), e a maioria depende da agricultura. Em segundo
lugar, esses agricultores, em sua maioria vivem na condição de squeeze (Ploeg, 2008),
então, se colocam na tentativa de continuar na agricultura, reproduzindo assim, a
condição de resistência, e nesse sentido, afirma Ploeg (2016, p. 83):
Ingressar novamente à agricultura camponesa também é uma
expressão de resistência. Não são poucos os envolvidos nesse tipo de
resistência – é uma multidão. Muitos camponeses estão ativamente
procurando e colocando em prática adaptações, mudanças, novas
abordagens e padrões alternativos de cooperação.

Desse modo, torna-se evidente na contemporaneidade, uma constelação de


processos que denotam alteração dos padrões produtivos e práticas agrícolas em que as
unidades se relacionam entre si e com os espaços mais amplos da sociedade, e nesse
sentido “essa nova resiliência permite que os camponeses fiquem onde estão, ainda que
desprezados pelas principais forças de mercado, e prospetem apesar da tendência de
forças externas de disseminar a miséria e a pobreza” (PLOEG, 2016, p. 84).
Sobre a alimentação da família, a agricultora ressalta que melhorou depois da
produção com o PAIS. Para a agricultora, a experiência de vender diretamente ao
consumidor, foi muito positiva, pois:

É bom, muito bom. Na verdade eu nem tive vergonha de vender,


devido eu já ter esse costume com as pessoas, de ter muito contato
com as pessoas, e gosto de fazer amizade. Então, eu nunca tive
dificuldade. E os clientes que participam da feira, são um pessoal
muito chegado a gente, é como a se gente já conhecesse há muito
tempo. E eu acredito que eles (os consumidores) gostam do produto da
gente, porque a maioria está lá todo sábado, as vezes quando falta um,
a gente já sabe e diz, cadê fulano que não veio.

Para essa família o aspecto que precisa melhorar diz respeito ao transporte, e
isso limita os produtores de diversas maneiras, pois, as vezes, querem levar mais
produtos e não têm como. A agricultora também trabalhou com mercado institucional, e
considera que no começo trabalhar com produção agroecológica foi difícil em vários

18
Os agricultores e agricultoras da Agrovila comercializam aos domingos às margens da BR 304.

148
aspectos, mercado para comercializar e no que diz respeito a mercado institucional, o
acesso aos espaços institucionais era muito difícil também.
Nesse sentido, considera que hoje está bem melhor, além do fato de ter mercado
para a agroecologia. A dificuldade hoje, para ela, é o custo para chegar aos locais de
comercialização, devido à falta de transporte que facilite a vida do produtor. Nesse
sentido ela fala:

Por exemplo, eu vou sair daqui com 20 (vinte) molhe de coentro e 20


(vinte) de alface, dali eu vou vender R$ 40,00 (quarenta reais), mas
tenho que tirar R$ 30 (trinta reais) de passagem. Porque eu acho
assim, se nós tivesse um carro para esse coletivo, o custo era menor.
Porque eu já tive dias de ir praticamente sem produção, meu marido
me perguntava o que eu ia fazer, e eu dizia, vou vender. Porque você
só vai pela vontade de vender.

Sobre a possibilidade de a feira deixar de acontecer, a agricultora afirmou que


isso seria uma perda para a família, mas comercializaria na agrovila mesmo, de todo
modo, as famílias não deixariam de produzir e vender. Sobre o que a família considera
que é necessário para fortalecer essa experiência, informou-se que trata-se de políticas
públicas, mais apoio para a produção. Sobre essa necessidade, Wanderley (2015, p. 40)
considera:

O acesso ao crédito deve estar inserido numa política mais ampla e


completa, que considere o indivíduo ou a família que o recebe, não
apenas como pobre, mas como um agricultor que, se apoiado
convenientemente, tem potencialidades para assegurar, em melhores
condições, a sobrevivência de sua família e participar da produção da
riqueza de sua comunidade local.

Sobre a importância da feira agroecológica para a família, a agricultora nos


relatou:
Acho que tudo para mim. Porque na verdade, é uma coisa que eu
gosto muito de fazer. Eu não viso o lucro não, no sentido da ambição,
claro que eu quero ganhar, não vou dizer que não quero, mas é uma
coisa que eu faço com muita vontade, muita mesmo. Se eu ganhar, eu
acho bom, se eu não ganhar, eu posso até chorar, mas me calo logo.
Porque eu tenho muito amor em fazer. Eu fico até triste quando estou
fora (no sentido de não participar da feira). Porque ali é uma família
de cliente, de tudo, nós enquanto feirantes, cada um com seu
assentamento, conta uma história, suas experiências. Dia de sábado eu
já sinto falta disso.

149
Sobre a trajetória do grupo e após 10 (dez) anos de feira, a agricultora considera
que essa trajetória foi fortalecida pela força do grupo que tem uma história de
resistência e de união. O trabalho da agricultora na agrovila é de mobilizar outras
produtoras, a procura é sempre pelas mulheres para integrarem o grupo de produção, e o
fato de Benedita ter experiência com essa prática, facilita a sensibilização. Nesse
sentido, afirmam Rivera e Álvarez (2017, p. 42):

O que deve ser colocado no centro é o trabalho feito pelas mulheres


todos os dias, uma vez que é o que sustenta a vida e garante a sua
continuidade. Não é uma agricultura de subsistência, é uma
agricultura para a vida. Esta agricultura, baseada nos conhecimentos
ancestrais, nas variedades tradicionais, na agroecologia, na
diversidade, é uma agricultura que garante alimentos saudáveis,
nutritivos e diversificados para todas as pessoas, além de adaptados ao
seu contexto cultural. É esta agricultura para a vida que garante o
direito à alimentação e à nutrição e a soberania alimentar.

4.2.5.3 Família de Vitória e José Sebastião


A agricultora Vitória tem 41 anos, casada, ensino fundamental incompleto,
residente na agrovila há 11 anos, e a sua família participou da fase de ocupação. A
família está apenas com produção para o consumo, muito pouca, inclusive, porque
houve problema com o poço que quebrou, sobre isso ela falou:

Devido não ter chuva piorou muito, porque tem plantas muito
sensíveis, aí quando passa de uma semana sem água, a gente já perde
toda aquela produção. Aí como a gente ficou mais de um mês sem
água, perdemos toda a produção, a gente não tinha como está
comprando água. Porque quando seca a cisterna, a gente tem que
comprar a pipa de água, e quando a gente compra tem que deixar essa
pipa para nosso consumo humano, para abastecer as plantas e os
animais a gente não tem como.

O seu marido, José Sebastião tem 42 anos, ensino fundamental incompleto. O


casal tem três filhos de 20, 16 e 9 anos. A produção do casal é realizada em 1ha, conta
com o PAIS, e no ano de 2006 participaram do Projeto de Irrigação do INCRA para
produzirem hortaliças orgânicas. Há 3 anos integram a APROFAM. O marido trabalha
em empresa do Agronegócio, ficando o PAIS sob a responsabilidade da agricultora e
dos filhos maiores. Há dois anos a família vendeu a produção para o PNAE, colocando
produtos na escola da agrovila.

150
Os agricultores informaram que no momento estão com dificuldade em adquirir
insumos para a produção, principalmente adubo, pois devido a seca que tem se
estendido por mais de 5 (cinco) anos, tem impedido a viabilidade da produção animal na
família. A família consome o que produz, no que diz respeito a frutas, verduras, ovo, a
galinha caipira, feijão verde.
A família de Vitória e José Sebastião participaram da APROFAM desde o início
e deixaram por dificuldades, retomaram há 3 (três) anos. Sobre o contato direto com o
consumidor, a agricultora afirmou:

Eu me sinto bem, foi uma experiência boa, muito boa, porque a partir
daí eu aprendi a desenvolver mais o meu trabalho, conheci mais
pessoas, e foi um desenvolvimento muito bom para mim. Eu nunca
imaginei que eu pudesse ter um produto e vender ao próprio cliente,
eu nunca imaginava. Aí hoje é totalmente diferente. O consumidor é
importante, porque a gente produz e sabe que tem um consumidor
esperando por nosso produto, isso é muito bom para gente, eu acho
muito importante.

Para os agricultores trabalhar com agroecologia tem sido difícil, no que diz
respeito acesso a água para produção, controle das pragas, e mesmo o aspecto da
produção, fazendo referência aos tamanhos e aspectos dos produtos, que na sua fala “o
melão, se eu plantar ele no meu roçado, agroecologicamente ele não vai crescer, como
outro produto que tem veneno, nesse sentido, porque o produto pode as vezes não ser o
que o consumidor espera”.
Sobre a importância para a família de trabalhar hoje com agroecologia, a
agricultora afirmou:

Representou muita coisa boa, porque eu desenvolvo o trabalho em


casa, toda a minha família trabalha, para mim foi um trabalho muito
importante. Porque antes eu era uma mulher parada, tem até medo de
as vezes conversar com as pessoas. Hoje, eu desenvolvo mais o meu
trabalho, conheço mais pessoas, é uma experiência muito boa, me
ajudou no meu trabalho aqui em casa como lá fora. E hoje o produto
orgânico e agroecológico é muito procurado.

4.2.6 Assentamento Boa Fé: Márcia e Antônio Neto


No Assentamento Boa Fé foi entrevistada a família de Márcia, agricultora, 54
anos, nível de escolaridade ensino médio e Antônio Neto, agricultor, 53 anos e ensino
fundamental incompleto. O marido é aposentado. O casal tem 5 filhos de 22 a 31 anos,

151
três filhos tem nível superior completo, e dois estão cursando. A família trabalha com a
produção apícola em uma área de 18ha. Toda a família é envolvida com a produção e
também com a comercialização, contam com um espaço no Assentamento para
comercializar a sua produção, bem como outros produtos adquiridos com outros
produtores. No Assentamento, eles foram a única família que se interessaram em ficar
com o PAIS, segundo Márcia, os moradores falam “não dá certo produzir assim, tem
que colocar veneno”.
A família participa da Feira Agroecológica desde o início. Eles foram
procurados pelo SEBRAE com o intuito de saber se a família tinha interesse em
produzir o mel na condição de orgânico, uma vez que a família já trabalhava com a
produção apícola. Nesse momento, a família demonstrou interesse, pois, segundo o
casal “Era muito para a gente saber que ia produzir um alimento que não tinha veneno”.
Nessa ocasião, eles receberam o PAIS e passaram a produzir na área coletiva da
agrovila. A família tentou com recursos próprios obter um poço para a produção, mas
não obtiveram êxito, tiveram muito prejuízo.
Para Márcia o momento de capacitação foi muito importante, pois:

Eu gostei muito, porque a gente fez o curso e viu a importância de


você se alimentar bem, e também sua família. Era uma felicidade você
vê aquelas plantinhas sem veneno, sem nada, muito bom. Você tirar
dali, do seu quintal para trazer e colocar na comida, muito bom. Do
mesmo jeito as abelhas, você saber que está ali colhendo um mel que
não tem veneno.

A família é bem dinâmica e também está inscrita para receber visitas através do
Turismo Rural, esse trabalho é feito por intermédio do SEBRAE e das agências de
turismo. Os espaços de comercialização da família são bastante variados, comercializam
nas feiras da APROFAM, Hotéis Garbo e Villa Oeste, no Shopping Via Direta em
Natal-RN, e também colocam seus produtos no Nordestão na cidade de Natal. Para
comercializar seus produtos, a família produtora adquiriu o selo SIM (Selo de Inspeção
Municipal) da Prefeitura para comercialização, e atualmente estão fazendo mudanças na
estrutura para adquirir outro selo.
A família conta com uma bodega onde expõe os produtos apícolas, bem como
produtos de outros agricultores e agricultoras, como doces, castanha, artesanato, dentre
outros.

152
Atualmente, o PAIS da família está desativado, pois, não tem água para produzir
com essa tecnologia, alegam que a cisterna destinada a família, foi encaminhada para
outra propriedade. Desse modo, o consumo da família dos produtos agroecológicos
advém das feiras, onde eles adquirem dos outros produtores. Para adequar a produção às
novas instalações, a família precisou se desfazer de fruteiras no quintal (pinha,
maracujá, goiaba), bem como da produção de galinha.
Predomina nessa família o trabalho do pai e da mãe, contam com o trabalho de
duas pessoas contratadas, e quando chega o tempo de colher o mel e processar, somente
a família faz esse trabalho, pois consideram que como se trata de uma produção
orgânica, ressaltam que não podem correr o risco de ter alguma falha na fabricação dos
seus produtos.
Essa família realizou a transição agroecológica há 10 (dez) anos. Para o
processamento dos produtos eles contam com uma estrutura física habilitada para tal, o
Entreposto19, para onde o mel é levado para processamento e envazado para
comercialização, tendo sido aprovado pela prefeitura e registrado com o SIM. Para a
produção ao longo do tempo, contaram com financiamento do PRONAF/C e Linha
Emergencial de Crédito.
Perguntado ao casal, como eles se sentem após 10 (dez) anos de feira
agroecológica, eles relatam:

Olhe, foi muito difícil. Porque você sair daqui para ir montar uma
feira ali no Museu. Eu me lembro que quando a gente saia daqui para
ir vender uma ou duas garrafinhas de mel lá, e dava certo. E hoje, é
muito bom mesmo, a gente tem muito cliente. A feira é muito boa, eu
sei que a gente vende muito bem ali.

Refletindo sobre a trajetória da família, encontramos em Shalin (2007, p. 169)


uma referência, sobretudo, porque o autor afirma:

A produção, portanto, é algo maior e diferente de uma prática lógica


de eficiência material. É uma intenção cultural. O processo material de
existência física é organizado como um processo significativo do ser
social – o qual é para os homens, uma vez que eles são sempre
definidos culturalmente de maneiras determinadas, o único modo de
sua existência.

19
Ver SEBRAE, 2009.

153
O casal nos relatou que alguns pontos de comercialização não são interessantes
para os produtores, como por exemplo, a experiência que tiveram em comercializar no
Ninho Residencial em Mossoró. Para a família, o custo para se deslocar não é
compensado pelo que vendem. Assim, para se ajudarem, eles decidiram que quem mora
mais próximo ao Residencial, leva os produtos de quem mora mais distante, e vice
versa. Acontecendo essa permuta também na feira que acontece na CAERN. Quanto a
feira que acontece no Museu, a agricultora ressalta “agora ali, a feira do museu, ali a
gente vai e é muito bom. Porque o pessoal já conhece o mel da gente, o nosso produto, e
quando chega lá que a gente não está, telefonam para ir pegar no meio do caminho o
nosso mel”.
Perguntado aos produtores como se sentem vendendo diretamente ao
consumidor, Márcia relatou:

Eu me sinto muito feliz. Eu já fico organizando minhas coisas com


Antônio Neto para ir trabalhar. Agora, não é fácil. Antônio Neto tem
vários problemas de saúde, mas eu não me vejo deixando de ir
trabalhar, eu vou até enquanto eu puder, eu e ele. Eu vou porque eu
gosto de fazer as feiras, só não faço as colheitas porque é muito
pesado para mim. E de ir para as feiras, falar com os clientes,
conversar, vender, dizer a eles como é aqui em casa, as vezes eles vêm
cliente aqui em casa dia de domingo, ver como é aí (se referindo ao
entreposto, onde beneficiam a produção).

No que diz respeito a viver da produção agrícola, Márcia relatou:

Eu gosto e acho muito importante, antes, eu fico me lembrando de


quando eu era pequenininha, eu me lembro que meu pai ia pegar as
coisas lá no meu avô, as coisas que ele trazia da Lagoinha, e a gente
não dava valor. Eu via aquele milho e aquele feijão e a gente nem
imaginava de onde vinha. Aí agora eu vejo a gente é da agricultura
familiar. Eu gosto, eu me orgulho muito. Eu fico muito feliz quando
começa a chover e a gente vai plantar o milho, o feijão, e quando eu
vejo as abelhas também, produzindo.

Para a família, foi muito importante contar com o apoio do SEBRAE. A família
dispõe de transporte próprio para se dirigirem aos locais de comercialização. Nesse
sentido, Schutter (2012) considera de muita importância o trabalho conjunto, de modo
que as instituições ao fortalecer e apoiar essas experiências, usufruem da experiência e
do retorno que essas experiências possibilitam para além dos espaços rurais. O maior

154
problema para produzir é a falta de água. Perguntou-se ao casal o que fariam se a feira
parasse de acontecer, Márcia disse:

A gente ia procurar um outro meio de vender. Mas ali, a feira é muito


importante. Porque ali você tem uma feira orgânica. E a pessoa diz:
Vou lá na feira orgânica. Lá não tem tudo, mas tem quase tudo, e dá
para você comprar do mel, ovo, galinha. É muito bom essa feira, eu
gosto. É muito bom para nós e para os clientes também, porque você
tem um produto bom, orgânico. E estar ali conversando com a gente, é
uma família, a gente já conhece todo mundo ali. É muito bom ali, e eu
gosto muito.

Pela narrativa, evidenciamos que a autonomia da família vem sendo


gradativamente conquistada, sobretudo, com referência em Almeida (1999). Pois para a
autora, no que diz respeito a autonomia, há uma constante de dinâmicas produtivas, bem
como transformação e comercialização de produtos agrícolas, e ainda uma
diversificação de atividades dentro da unidade produtiva, além da participação dos
membros da família, dentre outros elementos.

4.2.7 Assentamento Santa Elza: Bernadete e Cláudio de Jesus


No Assentamento Santa Elza os entrevistados foram Bernadete, agricultora, 44
anos, ensino fundamental incompleto, e Cláudio de Jesus, agricultor, 39 anos, ensino
médio completo. O casal tem 3 filhos, na idade de 19, 21 e 23 anos, todos moram fora
do assentamento. O assentamento conta com 22 famílias, mas apenas 16 moram, e desse
número, segundo os agricultores, a maioria trabalha fora, sendo apenas 2 (duas) ou 3
(três) famílias que produzem na localidade. Cláudio e Bernadete informaram que junto
com outras 3 famílias estão tentando formar outra Associação no Assentamento, porque
consideram que não há trabalho coletivo que fortaleça o assentamento. Ambos são
filhos de agricultores.
O casal mora no assentamento há 12 (doze) anos, e produz com a tecnologia
PAIS, Cláudio trabalha fora da propriedade em empresa privada há 16 anos. Na
empresa, Cláudio trabalha em regime de plantão noturno, então, trabalha durante o dia
na propriedade, e em dias alternados tem vínculo empregatício formal. A carga horária
diária a que se dedicam a produção é em média 3 a 4 horas ao dia. Marido e mulher
trabalham com a produção e comercialização agroecológica. A família está com uma
produção de peixe na área. Antes de conhecer a agroecologia, a família não produzia.
Hoje, informam que há procura aos seus produtos por parte dos vizinhos do

155
assentamento. Os insumos da produção são adquiridos na propriedade, com exceção
para algumas sementes, como exemplo, milho e feijão que os agricultores sempre
guardam.
Os agricultores nos relataram que há interesse em produzir com a agroecologia
por parte dos outros moradores do assentamento, contudo, o grande grau de dificuldade
é a água, e a maioria param na primeira dificuldade.
Perguntou-se aos agricultores como foi a experiência da agroecologia, ao que
nos relataram:
Primeiro a agroecologia é preciso. Todo mundo ter a consciência de
muitas coisas, como lidar com a água, com a terra, como se alimentar.
Então esse convite veio de Sebastião (outro agricultor da
APROFAM), ele falou para mim que estava havendo uns cursos, aí eu
comecei a acompanhar eles. Foi através do SEBRAE e do Professor.
Aí com um ano eu consegui o certificado para eu poder comercializar
na feira.

Ploeg (2016) é uma referência que pode nos auxiliar a compreender que formas
e dinâmicas a agricultura familiar assume na contemporaneidade. Pois, segundo o autor,
vê-se no século XXI um processo de recampesinização que não pode ser desconsiderado
nem deixado de ser captado em sua essência, pois a agricultura familiar continua a
responder pela produção de 80% dos alimentos que se põem à mesa, o processo de
migração para as cidades não resolveu os problemas da fome, desemprego e melhor
qualidade de vida como se prometera, a agricultura familiar camponesa tem
demonstrado sua capacidade de sobreviver no tempo e espaço e “não há horizonte que
mostre que vai desaparecer”, a questão ambiental e gestão sustentável dos recursos
naturais são hoje condição fundamental na produção familiar camponesa e, sob esse
enfoque, igualmente, afirma Schneider:

Imaginemos uma vida sem camponeses. A vida se tornaria chata e


enfadonha sem a diversidade da comida, o aroma dos temperos, a
alegria das festas, a beleza das roupas, o sabor das bebidas e toda a
riqueza da herança cultural que foi gerada e transmitida por gerações
de família de camponeses. [...] Viver em um mundo urbano, secular e
desencantado, rodeado de campos repletos de máquinas e
monocultivos a perder de vista, sem a presença dos idílicos e utópicos
camponeses, certamente tornaria a aventura humana uma tragédia
depressiva e insuportável. Portanto, as cidades e os habitantes do meio
urbano também precisam dos camponeses (SCHNEIDER, 2016, p.
14).

156
Para a pesquisa, um dos desafios da imersão no campo, foi compreender a todo
momento o contexto em que esses agricultores e agricultoras estão, e isso, a partir do
seu cotidiano. De modo que, suas narrativas são tomadas por esses elementos, que
embora, sejam claros (região, recursos, processo de ocupação da terra, produção, etc),
está muitas vezes encoberto pela necessidade que eles tem de defender a causa em que
vivem. Pois, para eles, construír uma trajetória em que as dificuldades são claras, se
constituem como desafios, mas não são maiores que a resistência e autonomia que a
produção agroecológica tem lhes possibilitado. E para Schneider (2016, p. 18), há um
pano de fundo que possibilita ou não essas experiências, pois para o autor:

Os camponeses, são grupos sociais heterogêneos e sua reprodução


depende do contexto social em que se encontram, das decisões que
vieram a tomar as famílias. Mas também dependerá, e muito, dos
condicionantes políticos mais gerais, como o papel do Estado e as
políticas públicas, assim como da dinâmica dos mercados. Os
camponeses não são grupos isolados e não podem viver e se
reproduzir sem estar em contato e interação com o ambiente que os
cerca.

Sobre as condições de produção agroecológica da família, os agricultores nos


relataram:

Primeiro, a dificuldade é a água, sem falar das perdas, porque no


início a gente tem muitas perdas, pela falta de conhecimento. A gente
deve não desistir, mas é importante não desistir, porque é importante a
pessoa ir ali, pegar um coentro, uma cebolinha, tudo fresquinho,
porque aqui em casa a gente de colher para usar no dia, nos alimentar
do dia.

Sobre a motivação para produzirem com a agroecologia, nos relataram:

Primeiro é a saúde, e o meio ambiente também precisa disso, que a


gente trabalhe com agroecologia. Porque está tendo uma devastação
enorme com esses agrotóxicos, Baraúna 20aqui (cidade vizinha) está
com um problema terrível de desertificação, em virtude disso, os
lençóis de água lá embaixo, tem uma região aí em Baraúna que já está
contaminado, porque de tanto usar agrotóxico, quando vem o inverno
vai lá para os lençóis. Então por que a gente continuar com um
negócio desse? A agroecologia não, a agroecologia vai por exemplo,
tem um cacho de banana ali que é primeiro os passarinhos que
comem, aí depois eu vou lá e tiro e trago umas para cá.

20
Cidade que tem forte presença das empresas do agronegócio.

157
Estão integrados a APROFAM desde o início. A família não acessa a outros
mercados e conta com assistência técnica da Prefeitura. Contam com transporte próprio
para se deslocarem até a feira. Os insumos utilizados na produção advém da
propriedade.
Perguntado aos agricultores como eles se sentem ao trabalharem com a terra,
produzindo no quintal de casa e o que isso representa para essa família, eles nos
relataram:

Olhe, só em estar aqui, morando na zona rural, porque na zona urbana


hoje a dificuldade é grande. Então não adianta a gente ir para a zona
urbana, porque o índice de criminalidade está enorme. Um exemplo,
se eu for para a cidade com três filhos, eu corro vários riscos, aqui eu
também corro, mas é bem menor, porque aqui eu posso colocar uma
atividade simples para eles, dá para viver, porque na cidade é
complicado.

Os agricultores informaram que há um ano atrás reuniram alguns consumidores


para ir visitar os locais de produção, em suas narrativas, os agricultores apontaram que
gostariam que esse trabalho continuasse. Essa visita foi muito boa na opinião do
agricultor e segundo ele, deveria continuar, da parte da APROFAM incentivar e quanto
aos consumidores, identificarem entre si quem teria a disponibilidade e interesse. Sobre
a forma de lidarem com as dificuldades enfrentadas nos aspectos produtivos e
organizativos, os agricultores nos informaram que aos sábados, após a feira, os
produtores conversam e debatem essas situações entre o grupo. Sobre a possibilidade de
a feira parar de acontecer, a agricultora nos relatou:

Se ela parasse ia causar muito estrago, porque já tem 10 anos de


funcionamento, e tem muitos clientes ali desde o início; Ana: quando
a gente não vai já começam a reclamar, mas eles reclamam, mas
muitos não imaginam as dificuldades que encontramos para produzir
aqui; Ana: porque quando a gente não vai, muitas vezes não tem
produto, porque não tem a água, aí essas coisas assim, eles não sabem
a dificuldade de cada um; Nazareno: a gente tem que estar explicando
a todo momento; Ana: muitas vezes alguns ficam reclamando, porque
vocês não tem cenoura, mas eles não sabem a dificuldade que é para
plantar uma cenoura, e eles ficam reclamando mas não sabem a
dificuldade, só sabe quem estar ali dentro (se referindo ao PAIS).

Sobre a alimentação antes da produção agroecológica, os agricultores nos


informaram que comprava tudo no supermercado, mas hoje, a família se alimenta mais
da sua própria produção, inclusive a animal. Essa família nos informou que a

158
APROFAM foi contemplada com um projeto para beneficiamento de popa e terá a sede
na Comunidade de Riacho Grande, na propriedade do agricultor Luiz Afonso e Silvana,
a Coopervida que está à frente do Projeto e é financiado pelo Programa RN Sustentável.
Sobre a relação com o consumidor, Ana nos relatou “É muito bom, porque ele
está comprando os produtos e sentindo feliz porque está consumindo um produto que é
orgânico, e a procura está sendo grande. Tem cliente que pergunta se o produto tem
veneno, sempre tem alguém que pergunta”.
Sobre a importância da feira agroecológica, Nazareno nos relatou

É muito importante, não só para a gente como para outras famílias,


porque a gente alimenta outras famílias. A feira é muito boa, é
legalizada (fazendo referência a OCS). Agora assim, por exemplo,
essas políticas, a gente deveria ter um acompanhamento maior, porque
realmente precisa. Por exemplo, se eu for em uma dessas prefeituras,
em uma dessas secretarias e pedir para cavarem um poço, ou alguma
coisa parecida, que não é muito simples, mas pelo menos tentasse né.
Mas aí não tem esse acompanhamento, uma ação.

Para Schutter (2012), um elemento muito importante no que diz respeito a


produção agroecológica é a introdução da biodiversidade agrícola para que haja
melhores resultados obtidos na produção e sustentabilidade. Percebeu-se assim, na
maioria dos grupos estudados, que essa perspectiva é um desafio, sobretudo, pela falta
de água para produzir, o que limita as possibilidades dos agricultores e agricultores.
Como se trata de um grupo em que um bom número de produtores está a 10 (dez) anos
com o processo de transição, eles e elas tem tentado outras alternativas, inclusive
tecnológicas, e no que diz respeito a essas, os resultados ainda não foram analisados.
Para essas melhorias e implementações nos agroecossistemas, as famílias contam com
apoio de entidades, parceiros e instituições.
Nas figuras 22 e 23, apresenta-se o agricultor cuidando da produção de animais e
apresentando seu quintal produtivo. E nas figuras 24 e 25, o casal cuida da produção de
hortaliças.

159
Figuras 22 e 23: O agricultor em seu quintal produtivo
Fonte: Pesquisa

Figuras 24 e 25: Os agricultores cuidam da produção de hortaliças


Fonte: Pesquisa

160
4.2.8 Serra do Mel – Vila Guanabara: Sebastiana e Graciano
A agricultora Sebastiana é casada, tem 56 anos, e ensino fundamental
incompleto. Seu marido é Graciano da Silva, tem 57 anos e ensino fundamental
incompleto. Toda a família é envolvida com a produção agroecológica, e seus filhos têm
entre 20 e 22 anos. A família tem casa no Assentamento Favela e atualmente mora na
Serra do Mel. Segundo Sebastiana, ela optou por morar em Serra do Mel devido ao fato
de os pais dela sempre terem morado nesse lugar, então, ela preferiu comprar uma casa
e mudar-se também junto com sua família. Então, a família produz nos dois lugares, na
Serra do Mel e no Assentamento Favela. Há 10 (dez) anos ela está em Serra do Mel.
Sebastiana está integrada a APROFAM desde o seu início, e sobre essa
experiência, ela relatou “Eu toda vida gostei de plantar em casa, colocar uma hortinha, e
mamãe também plantava, aí eu já plantava”.
A família conta com a tecnologia do PAIS e energia solar para produzir em uma
área de 1ha, contam também com uma área de 15ha no lote no Assentamento Favela
onde produzem o que comercializam na feira, como, manga, caju, maracujá, laranja,
goiaba e hortaliças. A família está integrada a APROFAM desde o seu início, há 10
anos, e conta que com um mês de produção já começou a ver o resultado. Realizam
também o processamento de popa no Assentamento Favela, pois o espaço para essa
produção, fica nesse assentamento. Trata-se de uma casa de polpa adquirida através do
Projeto Integrado de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte – Projeto
RN Sustentável21. A família está integrada a outras associações como a COOFAM, e
Associação do Assentamento Favela. Essa família não conta com mão de obra
contratada, e acessa a outros mercados, PNAE e compra direta nas escolas. A
agricultora participa de projetos de horta escola na vila. Toda a família é envolvida com
a produção e comercialização, sendo essa sempre de responsabilidade da agricultora,
então, quando os demais a acompanham é para ajudá-la.
A agricultora e dois filhos, afirmaram que trabalham na produção todos os dias,
e como produzem também no Assentamento Favela, se dividem, ficando esse espaço
sob a responsabilidade do marido. A dedicação diária da família é de aproximadamente
de 6 a 8/dia. Para se dirigir aos espaços de comercialização, a família conta com
transporte alternativo.
21
O Projeto visa em linhas gerais, promover o desenvolvimento regional e crescimento
inclusivo através de inclusão, empreendedorismo, infraestrutura e logística dos investimentos
produtivos, eliminar a pobreza extrema, através do reforço da segurança alimentar e geração de
renda, dentre outros (MANUAL OPERATIVO DO PROJETO RN SUSTENTÁVEL, 2013).
161
Para Ploeg (2016, p.9) há uma série de equilíbrios que permeia a vida do
camponês em seu processo de produção. Como os princípios de organização que
modela e remodela, como os campos são lavrados, como o gado é criado, assim como é
feito o trabalho de irrigação, bem como as identidades e relações mútuas se
estabelecem. É importante ressaltar que há uma complexidade dos equilíbrios, dado,
sobretudo, o caráter heterogêneo da agricultura camponesa. Nesse sentido, “por um
lado, o camponês é oprimido e não compreendido, por outro lado, é indispensável e
altivo. O camponês sofre e resiste: às vezes em momentos distintos, às vezes
simultaneamente”.
A partir da compreensão de Ploeg (2016) sobre os diferentes equilíbrios
presentes na agricultura camponesa, é possível refletir se essa compreensão, por sua vez
está próxima, ou em diálogo com o conceito de autonomia, conforme Schmitt (2013),
Schottz (2014), Maluf (2000) e Almeida (1999). Pois, a prática produtiva dessas pessoas
nos conduz a percepção de que eles e elas desenvolvem suas estratégias em um coletivo
que os fortalece e os situa à parte da lógica econômica do grande capital. E nesse
sentido, afirma Ploeg (2016, p. 15):

O controle ativo do campesinato sobre os diferentes equilíbrios


transforma a agricultura em uma constelação que é mais produtiva,
oferece mais empregos e possibilita a muitas pessoas mais autonomia
e espaço para a autogestão do que se a agricultura fosse controlada
unicamente por mercados e/ou relações capital-trabalho.

Sobre a renda obtida com a comercialização dos produtos, se trata-se de um


complemento importante, a agricultora considera “É importante, dá para a gente viver”.
E sobre a possibilidade da feira parar, o que isso representaria para ela e sua família
“Tem muito cliente, está faltando é produto para eu levar, porque tem a feira do sábado,
do Ninho e da CAERN, e tem uma amiga minha que quer que eu vá para a Rodoviária
para vender, eu já fui quatro vezes para lá vender”.
Sobre a importância da agroecologia, Sebastiana falou: “Para mim é bom
demais, porque tudo que eu precisar, por exemplo, qualquer qualidade de planta”. A
família conta também com produção animal, galinha e cavalo. A agricultora relatou que
vende na porta de casa e também atende a encomendas nas outras vilas da serra. Sobre
essa experiência, a agricultora narrou “Eu vou deixar na Rio Brando (vila), tem uma
mulher lá que só compra se for a mim, das minhas plantas. Logo ela me conhece, aí não

162
compra em supermercado, só compra a mim”. A família vende na vila em que mora, e
informaram que tem 6 famílias que são clientes fiéis à Sebastiana.
Sobre a experiência de comercializar diretamente ao consumidor, a agricultora
nos falou:

Foi minha sorte, porque com todos esses anos de seca, com pouca
água. Todo sábado eu consigo comercializar, em todos esses anos de
feira, se eu faltei duas vezes foi muito, e teve sábado, no começo, que
eu não fazia nem o dinheiro da passagem, foi muito difícil, mas de lá
para cá, melhorou muito.

Sobre os preços dos produtos comercializados nas feiras, Sebastiana afirmou


“Eu acho barato demais”. Sobre a experiência de coletividade, Sebastiana informou que
a dinâmica de trabalho é da seguinte forma: “Por exemplo, se hoje eu precisasse de duas
ou três pessoas, aí eu pediria a Lilio (Presidente da APROFAM) para enviar 4 ou 5
pessoas para me ajudar, faz-se um mutirão. Eles já vieram aqui para o meu lote”.
A dificuldade para a produção é a água. A água utilizada por essa família é da
adutora, mas segundo a agricultora, na ocasião da entrevista, havia 15 dias que não
vinha água para a sua residência. Sobre a sua interação com o consumidor, a agricultora
afirmou “Eu tenho 3 clientes que ficam esperando até eu chegar. Tem cliente que vai na
COBAL e volta esperando eu chegar, enquanto eu chego, eles não vão embora, e se
forem em casa, voltam para pegar produto comigo”. Sebastiana nos relatou sobre a
experiência de produzir, viver do que produz e comercializar seus produtos:

Eu acho muito bom. Chegar lá e ver aquele monte de agricultores,


cada um com uma coisa para entregar, os consumidores já estão lá
esperando. A minha família vê eu trabalhando e eu já digo a eles,
quando eu não puder trabalhar, é vocês quem vão continuar.

Com Sebastiana, houve a situação de um consumidor solicitar um produto e a


partir dessa procura, ela passar a produzir e consumir, foi o caso do rabanete. Sobre a
experiência de intercâmbio, Sebastiana afirmou “Eu fui para Apodi, foi muito bom, eu
aprendi muito lá, quando cheguei em casa já fiz do mesmo jeito que vi lá”. No que diz
respeito as sementes, a agricultora não compra fora, ela mesmo faz seu estoque, exceto
com a semente de melancia.

163
Para Mariátegui (1975), o que difere esses agricultores dos grandes
proprietários, é que os primeiros estão interessados na produtividade da terra, diferente
dos segundos, que segundo a autora, estão interessados apenas na lucratividade.
Perguntado aos produtores o que aconteceria com sua família se a feira parasse
de acontecer, ao que relatou “Eu tinha onde vender. Tenho conhecidos. Graças a Deus
tenho onde plantar, e tenho onde vender”.
Sobre a alimentação da família, perguntada se após a agroecologia houve
mudanças, ao que ela disse “Hoje está melhor, porque aumentou as coisas”. A
agricultora é responsável pela horta cultivada na escola da vila, e segundo ela, é a única
que produz na vila, e assim, os seus vizinhos vêm comprar diretamente à sua porta, bem
como, moradores de outras vilas. O seu marido trabalha o dia todo no lote que fica no
Assentamento Favela, onde eles também têm casa.
Perguntado a agricultora o que significa para ela trabalhar diariamente com a
terra:
Eu acho muito bom, graças a Deus eu não sei o que é médico. As
minhas vizinhas dizem que eu sou muito sadia (tem uma saúde
saudável), vem médico aqui para a vila Rio Grande, mas felizmente eu
não sei quem é. Tem dias que quando eu dou dois passos, aí é que eu
vou embora mesmo.

Para a agricultora, o que precisa ser melhorado no âmbito da feira são as


questões estruturais, tais como as barracas, pois quando chove eles ficam desprotegidos,
além do risco de segurança, visto que chegam muito cedo, ainda na madrugada para
comercializar, o que deixa, na compreensão da agricultora, produtores e consumidores
em situação de vulnerabilidade. Além de outras dificuldades que estão presentes em
praticamente todas as unidades de produção, nesse sentido, ela fala “Nós temos muita
coragem de trabalhar, e muitos ali estão plantando sem água”.
O que esses camponeses evidenciam é que eles fazem parte de uma luta política,
social e agora ambiental, e nesse sentido, afirma Ploeg (2016, p. 109) “Ao longo dos
séculos, os agricultores, tanto de forma deliberada quanto não intencional, introduziram
pequenas mudanças e, às vezes, mudanças mais significativas nos processos de
produção, resultando em aumentos constantes nos rendimentos”.

164
4.2.9 Comunidade Riacho Grande: Silvana e Luiz Afonso
Na Comunidade Riacho Grande, a produção agroecológica é realizada por
Silvana, solteira, 52 anos, ensino fundamental incompleto, e seu pai, Luiz Afonso, 71
anos, casado, ensino fundamental incompleto. Silvana é assentada, mas produz com o
pai na terra da família, e ela que continuará cuidando do estabelecimento. A família não
conta com mão de obra contratada na propriedade, apenas quando há uma necessidade
maior. Normalmente, contam com a colaboração de sobrinhos e netos, que também
ajudam na comercialização. Um elemento central identificado nessa unidade produtiva e
em outras, é a intensificação do trabalho por parte da família.
Nesse sentido, afirma Ploeg (2016, p. 114):
A força de trabalho necessária pode assumir diversas formas: homens,
mulheres, crianças, vizinhos que se ajudam entre si. Ao participarem
do processo de produção, representam a força de trabalho. O ponto
importante é que o seu trabalho transforma os objetos de trabalho em
itens mais uteis. Isso requer o uso de instrumentos (ou ferramentas).

Além da APROFAM, a família coloca os produtos para vender na Rede Xique


Xique de Comercialização Solidária. Segundo Luíz, há 30 (trinta) anos a propriedade
dele não utiliza veneno. A família conta com uma área de 13ha, produz em 2ha. A
produção inicia por volta das 3:30 da madrugada e se estende até o final do dia, havendo
pausa para almoço. A dificuldade da família é o transporte para se deslocar aos locais de
comercialização, assim, fazem parceria com os outros produtores para levarem seus
produtos quando ficam impossibilitados de se deslocarem. Sobre o consumo do
alimento produzido por eles mesmos, Silvana ressalta “Se sou consumidora por que vou
dar veneno para o cliente?”. Sobre o início da experiência, o agricultor relatou:

No começo, nos procuraram para a gente plantar para o nosso


consumo e o que sobrar vender para a feirinha. Mas no desenrolar, lá
vem o tempo, hoje o governo quer que a gente plante e o que sobrar é
que a gente come. Eu trabalhava fora fazendo outras coisas mas meu
sonho sempre foi plantar, viver da terra.

Na fala do agricultor, evidenciou-se que a família identifica hoje uma procura de


mercado maior para a produção orgânica, tanto por parte dos consumidores quanto por
parte do governo, através das políticas para fortalecimento e valorização da produção
alimentar isenta de agrotóxico.
É válido ressaltar que a produção agroecológica e circuito curto de
comercialização no Brasil, foram fortalecidos através da Lei de produção orgânica – Lei

165
10.831 de 2003, conforme Sambuichi et al. (2017). Através da referida lei, foi possível
ao produtor familiar pouco capitalizado, produzir na modalidade orgânica e inserir-se
em redes de comercialização, desde que esses produtores estejam inseridos em processo
de organização e controle social.
O agricultor Luiz relatou que há muito tempo trabalha com o orgânico, desde a
época da Associação de Crédito e Assistência Rural – ACAR, atual EMATER, recebeu
cursos também do SENAR, e nessa época só plantava para o consumo, exclusivamente.
Nesse tempo, a família trabalhou também com produção de frango e era comercializada
por intermédio da EMATER. Com a agroecologia, fazem 4 anos que a família produz.
As dificuldades encontradas pela família dizem respeito, sobretudo, ao
transporte para se deslocarem aos locais de produção. Sobre a produção, o agricultor
afirmou: “A gente não usa veneno nem para a formiga, porque os homens não querem
(se referindo a APROFAM e ao SEBRAE). Porque, se chegar uma fiscalização, e pode
chegar a qualquer hora, nós já somos descadastrados na mesma hora”.
Nesse mesmo diálogo, Silvana afirmou

Se faltar algum produto para a gente levar para a feira, eu não compro
fora, eu não levo de jeito nenhum. Porque a gente tem que confiar,
mas também a gente tem que temer. Porque pode muito bem, você
trabalhar com o orgânico e aqui e acolá você soltar um veneno. Então
eu não quero isso, porque se eu quero o bem para mim, eu também
quero o bem para o cliente. Porque o cliente está confiando em mim,
aí eu vou fazer essa traição?

Para essa família, eles não tiveram a prática de produzir com veneno, então,
quando receberam a formação, começaram a entender que já faziam boas práticas de
manejo, sem contudo, terem a ciência que se tratava de orgânico. Segundo Luiz, a
questão é que tem dado certo para a família, pois “Se o cabra tiver tempo de sobreviver
disso aqui, dá certo”. Para Ploeg (2016, p. 147), as práticas produtivas desenvolvidas
pelas famílias camponesas, conotam-se como mais sustentáveis, comparadas, sobretudo,
as unidades capitalistas, pois para o autor:

A agricultura camponesa é, em geral, mais sustentável do que a


capitalista. É mais enraizada nos ecossistemas locais e, portanto, mais
resistente a eventos como secas; é menos dependente de combustíveis
fósseis; seus animais, de modo geral, vivem mais; há intercalação de
culturas capazes de proporcionar sinergias adicionais (contando quase
com a reutilização de resíduos); ajuda a evitar mudanças climáticas

166
(Altieri; Koohanfkan, 2008); e finalmente procura minimizar o
desperdício de água (Dries, 2002).

A carga horária de trabalho diária começa às 04:00 (quatro) da manhã e se


estende até o final do dia, tendo intervalos para as refeições, eles ressaltam a dificuldade
em encontrar pessoas para trabalhar com a produção agrícola, informam que “a gente
oferece pagar adiantado, mas ninguém quer”. Sobre a relação com o consumidor,
Silvana e Luiz Afonso afirmaram:

Silvana: Para mim foi bom para ter mais conhecimento, melhorou
muito para mim, as pessoas perguntam para o produtor como é que a
gente faz. Luiz: Eu já vi próprio produtor, colega da gente fechar
encomenda de tomate por semana com a gente, isso não é uma coisa
boa? Ele pediu para a gente vender a ele de 10kg (dez) a 15kg
(quinze) de tomate.

Perguntado a família o que aconteceria se deixassem de produzir e


comercializar, se não pudessem mais contar com esses espaços, ao que informaram
“Silvana: quebrava meus braços e minhas pernas. Acabava comigo; Luiz: a gente só
produzia para comer, produzia só para o consumo mesmo”. Para essa família, a renda
que obtém com as vendas representa um complemento para a família, pois:

Silvana: Se a gente colocasse para supermercado, para essas coisas,


mas não, a gente só tem a feira, porque você vê ali, tem muitas
barracas, muitos produtores, eu sei que também tem muitos
consumidores, mas assim, quase todos têm os mesmos produtos, eu
vejo que apenas uma produtora tem o feijão verde (exclusividade).
Luiz: o bom que eu acho da feirinha é uns se ajudarem, porque assim,
a gente não frequenta a feira da CAERN, as vezes, Cinildo (outro
produtor) vai na terça feira e passa aqui e pede a mim ou a Silvana
tomate para levar, ou melancia, melão. Nas quintas feiras que é a do
Shopping, aí tem Sandra (outra produtora) que pede também, mas as
coisas são poucas e aí não compensa pagar táxi para levar.

Pela narrativa dos agricultores, a necessidade da APROFAM é de expansão, bem


como de organizarem-na melhor no que diz respeito aos aspectos produtivos, fato
identificado nas falas dos outros agricultores. Embora, tenham relatado que essa
necessidade tenha sido discutida no coletivo, até o momento, não adotaram mudanças a
respeito. Sobre o trabalho coletivo, Silvana nos afirmou:

Eu acho muito bom trabalhar com união, porque por exemplo, nas
quintas que eu não posso ir para o shopping, mas se eu não puder ir,

167
quem vai vende meu produto, e se ele não puder, eu posso vender o
dele. Então eu acho muito bom trabalhar com essa união no grupo, no
coletivo.

As dificuldades por eles apontadas são aspectos também identificados em outras


unidades produtivas, a família informou que trata-se da água para produzir e do
transporte para se deslocarem as feiras. Sobre a condição de ser agricultor e agricultora,
filhos de agricultores, os entrevistados afirmaram:

Silvana: Eu me sinto muito orgulhosa. A minha família é tudo para


mim, eles me apoiam muito. Se preocupam muito comigo porque eu
vivo no sol, mas eles sabem que eu gosto, me sinto bem. Então, tenho
muito orgulho de ser agricultora.
Luiz: Realmente ser agricultor, eu tenho aquele gosto de produzir, e
incentivo ela a plantar orgânico.

A família embora esteja inserida a feira há 4 (quatro) anos, considera que sempre
produziram sem agrotóxicos, na modalidade orgânica, e não pensam em produzir de
outra forma, pois consideram que além da alimentação ter ganho com a diversidade
produtiva, há também o fator saúde, que para Luiz, hoje é melhor para ele. Convém
refletirmos sobre essa narrativa a partir da afirmação de Ploeg (2016, p. 149):

As unidades camponesas conseguem alimentar o mundo? Sim,


conseguem. E poderiam fazê-lo de uma maneira ainda melhor se
pudéssemos restringir a quantidade de valor que atualmente é
dilapidada pelos impérios alimentícios (Polaniy, 1957; Friedmann,
2004). Se esses impérios se apropriassem de menos (ou nenhum) valor
produzido nas unidades camponesas, e se os camponeses pudessem ter
acesso a mais áreas da melhor terra arável, as rendas de trabalho nas
propriedades camponesas aumentariam, viabilizando mais formação
de capital e maior desenvolvimento e crescimento.

Nas figuras 26 e 27, apresentam a agricultora Silvana conduzindo as


pesquisadoras ao local de produção. E as figuras 28 e 29, mostram a produção de frutas
e hortaliças da família.

168
Figuras 26 e 27: A agricultora conduzindo as pesquisadoras ao local de produção
Fonte: Pesquisa

Figuras 28 e 29: Produção de frutas e hortaliças


Fonte: Pesquisa

169
4.2.10 Dados das unidades produtivas

Comunidade/Assentamento Jurema
Famílias 100
Família Produtora Leandro José e Paula Patrícia
Área 15 ½ há
Produtos Cenoura, cebola, castanha, pimentão, tomate cereja,
cheiro verde, rúcula, cebolinha, ovos.
Produção animal Guiné; Caprino; Galinha
Tecnologias PAIS; Bioágua
Água Poço (salgada)
Questão Sucessória Filho
Locais de Comercialização CAERN; Estação Shopping; Museu e UERN
Comercialização Leandro José
Quadro 4: Síntese de dados da família de Leandro José e Paula Patrícia – Assentamento Jurema
Fonte: Pesquisa

Comunidade/Assentamento Favela
Famílias 92
Famílias 8
Família Izaura e os pais
Produtos Polpas, Coentro e cebolinha; caju, acerola, manjericão,
mastruz, alface.
Produção animal Não
Tecnologias PAIS
Água Adutora
Questão Sucessória Filho
Locais de comercialização CAERN; Estação Shopping e Museu
Acesso a outros mercados PNAE
Comercialização Izaura e familiares
Participação em outras COAFAM (Cooperativa de produtores e produtoras da
Associações agricultura familiar)
Quadro 5: Síntese de dados de Izaura Clementino – Assentamento Favela
Fonte: Pesquisa

170
Comunidade/Assentamento Favela
Quantitativo Famílias 92
Famílias produtoras da 8
APROFAM
Família Entrevistada Lúcia Maria e Antônio Sebastião
Produtos Frutas, Coentro e cebolinha; caju, acerola, manjericão,
mastruz, alface.
Produção animal Não
Tecnologias PAIS
Água Adutora
Questão Sucessória Não tem
Comercialização Lúcia Maria
Locais de Comercialização Praça do Museu
Acesso a outros mercados Não
Participação em outras COAFAM
Associações
Quadro 6: Síntese de dados de Lúcia Maria e Antônio Sebastião
Fonte: Pesquisa

Comunidade/Assentamento Favela
Quantitativo de Famílias 92
Famílias produtoras 8
Família Viviane e José Antônio
Produtos Frutas, Coentro e cebolinha; caju, acerola, manjericão,
mastruz, alface, acelga, couve, rúcula, hortelã.
Produção animal Não
Tecnologias PAIS
Água Adutora
Questão Sucessória Filho
Acesso a recursos RN Sustentável
Acesso a outros mercados Não
Locais de Comercialização UERN, Estação Shopping, Praça do Museu
Participação em outras COAFAM
Associações
Quadro 7: Síntese dos dados da família de Viviane e José Antônio
Fonte: Pesquisa

171
Comunidade/Assentamento Favela
Quantitativo Famílias 92
Famílias produtoras da 8
APROFAM
Família Entrevistada Regina e Antônio José
Produtos Coentro, cebolinha, manjericão, mamão, acerola,
Produção animal Não
Tecnologias PAIS
Água Adutora
Questão Sucessória Não tem
Comercialização Regina
Locais de Comercialização Praça do Museu
Acesso a outros mercados Não
Participação em outras COAFAM
Associações
Quadro 8: Síntese dos dados da família de Regina e Antônio José
Fonte: Pesquisa

Comunidade/Assentamento Assentamento Paulo Freire


Famílias 57
Família Paulo e Edileuza
Produtos Maracuja, banana, mamão, caju, coentro, alface, cheiro
verde, rúcula e cebolinha, tomate, couve folha, batata,
macaxeira, acerola, manjericão, mastruz, mudas.
Produção animal Gado; galinha; caprino; apícola
Tecnologias PAIS
Água Adutora; Poço
Questão Sucessória Filhos
Locais de Comercialização APROFAM e a domicílio
Comercialização Toda a família
Quadro 9: Síntese dos dados da família de Paulo e Edileuza
Fonte: Pesquisa

172
Comunidade/Assentamento Comunidade Serra Mossoró
Família Sebastião Florêncio e Ester
Área 2ha
Ocupação Atividade agrícola e aposentadoria; a filha mais jovem
e o marido dedicam-se exclusivamente a produção e
comercialização de ovos.
Produtos Tomate, cenoura, beterraba, cebolinha, cebola, banana,
mamão, melão, rúcula, ovos,
Produção animal Galinha – 350
Estrutura Aviário
Tecnologias PAIS
Água Poço
Questão Sucessória Filha
Associações APROFAM; COOPERXIQUE;
Locais Comercialização APROFAM (Todas as feiras); Rede Xique Xique; Porta
a porta
Comercialização Sebastião Florêncio e Ester
QUADRO 10: Síntese dos dados da família de Sebastião Florêncio e Ester
Fonte: Pesquisa

173
Comunidade/Assentamento Agrovila Paulo Freire – Maisa
Famílias 100
Famílias Produtoras 6
Família Áurea e Benedito
Ocupação Atividade agrícola e aposentadoria
Tempo de Participação – 3 anos (participou no início, não continuou, e voltou há
APROFAM três anos)
Produtos Coentro, cebola, cebolinha, pimenta de cheiro; caju,
acerola, banana, manjericão, mastruz, alface, colorau,
coco, óleo de coco, macaxeira, batata, couve folha,
repolho.
Produção animal Não
Tecnologias PAIS
Água Adutora; Poço
Questão Sucessória Filha
Locais de Comercialização Feira aos sábados; CAERN; Shopping Popular e UERN
Comercialização Agricultora e a filha
Quadro 11: Síntese dos dados da família de Áurea e Benedito
Fonte: Pesquisa

Comunidade/Assentamento Maisa – Agrovila Paulo Freire


Famílias 100
Famílias Produtoras 6
Família Benedita e Afonso
Tempo que integra a 10 anos
APROFAM
Produtos Frutas, Coentro e cebolinha; caju, acerola, manjericão,
mastruz, alface.
Produção animal Não
Tecnologias PAIS e Cisterna de 16.000 lts
Água Adutora
Questão Sucessória Filho
Comercialização Benedita
Quadro 12: Síntese dos dados da família de Benedita e Afonso
Fonte: Pesquisa

174
Comunidade/Assentamento Agrovila Paulo Freire – Maisa
Famílias na Agrovila 100
Famílias produtoras – 6 famílias
Agroecologia
Família Vitória e José Sebastião
Produtos Frutas, Coentro e cebolinha; caju, acerola,
manjericão, mastruz, alface.
Produção animal Não
Tecnologias PAIS
Água Adutora
Processamento da Produção Não
Comercialização Esposa
Locais de Comercialização Feira no Museu
Outros Mercados PNAE
Questão Sucessória Filhos
Comercialização Agricultora
Quadro 13: Síntese dos dados da família de Vitória e José Sebastião
Fonte: Pesquisa

Comunidade/Assentamento Boa Fé
Quantitativo de Famílias 100
Família Márica e Antônio Neto
Espaço de produção 18ha
Produtos Apícolas

Produção animal Não


Outros locais de Produção Serra do Mel
Tecnologias Entreposto para beneficiamento
Água Adutora
Questão Sucessória Filhos
Locais de Comercialização Feiras da APROFAM, Hotéis Garbo, Villa Oeste, no
Shopping Via Direta em Natal-RN, e também colocam
seus produtos no Nordestão na cidade de Natal.
Comercialização Família
Quadro 14: Síntese dos dados da família de Márcia e Antônio Neto
Fonte: Pesquisa

175
Comunidade/Assentamento Assentamento Santa Elza
Famílias 22
Famílias produtoras – 3 (apenas a de Ana e Nazareno está ativa, outro
PAIS agricultor está levando ovos e galinha)
Família Bernadete e Cláudio de Jesus
Produtos Banana, acerola, alface, rúcula, manjericão, cheiro
verde; Beterraba, ovos
Produção animal Carneiro, galinha, gado e peixe
Tecnologias PAIS
Água Adutora
Questão Sucessória Não tem (os filhos moram fora)
Locais de Comercialização Museu; CAERN; Shopping.
Comercialização Bernadete e Cláudio
Quadro 15: Síntese dos dados da família de Bernadete e Cláudio
Fonte: Pesquisa

Comunidade/Assentamento Serra do Mel: Vila Guanabara


Famílias produtoras da 1
APROFAM
Família Entrevistada Sebastiana e Graciano
Produtos Jerimum; laranja, maracujá, feijão, macaxeira, coentro,
cebolinha, cebola, manjericão, pimentão, alface, rúcula,
rabanete, beterraba, goiaba.
Produção animal Galinha e cavalo
Tecnologias PAIS e Solar
Água Adutora
Questão Sucessória Filhos e netos
Comercialização Graciano
Locais de Comercialização Praça do Museu e porta a porta
Acesso a outros mercados Compra Direta; PNAE;
Quadro 16: Síntese dos dados da família de Sebastiana e Graciano
Fonte: Pesquisa

176
Comunidade Riacho Grande
Família Silvana e Luiz (pai e filha)
Produtos Tomate cereja, melancia, melão, coentro, beterraba,
cenoura, banana, ovos, mamão, acerola, coco, cebolinha,
limão, laranja, leite, jerimum, macaxeira, pimentão,
milho, feijão, melancia, melão
Produção animal Ovelha, gado e produção de peixe na Serra Mossoró
Tecnologias PAIS
Água Poço
Questão Sucessória Silvana continuará
Mão de obra Familiar
Associados APROFAM; COOPERVIDA; COOPERXIQUE.
Locais de APROFAM e Xique Xique
Comercialização
Comercialização Silvana e sobrinhos
Quadro 17: Síntese dos dados da família de Silvana e Luiz
Fonte: Pesquisa

177
4.3 Discorrendo sobre as unidades produtivas
Os agricultores e agricultoras familiares integrantes da APROFAM, tratam-se de
produtores que antes da categoria agricultura familiar, integravam a “baixa renda” ou
“pequena produção”, e nesse sentido, agora, esses atores sociais integram um espaço na
nova dinâmica dos mercados, conforme Wilkinson (2008).
Para Maluf (2003), a questão específica da agricultura familiar brasileira, mais
especificamente as unidades produtivas, a renda oriunda da atividade agrícola em
algumas unidades produtivas não são insuficientes para a dedicação exclusiva da família
a essa prática deve-se a dois fatores: O primeiro relaciona-se a tendência de queda dos
preços reais dos produtos agrícolas e, consequentemente a redução da renda agrícola,
em segundo lugar, a falta de condições que possibilite as famílias aperfeiçoarem seus
processos produtivos e assim, agregar valor aos produtos agrícolas. Em um sentido mais
geral, Maluf (2003, p. 138) afirma “a constatação de que é decrescente o peso
econômico da atividade agrícola própria na reprodução de um grande número das
famílias rurais brasileiras não está em desacordo com a maioria das análises sobre a
realidade rural no Brasil”.
As imersões em campo possibilitaram muitas inquietações, sobretudo, as que
dizem respeito às condições de produção dos agricultores e agricultoras que integram a
APROFAM, o pouco acesso à água e as tecnologias adequadas é uma constante em
todos os assentamentos e comunidades investigados.
Os produtores e produtoras rurais participantes da pesquisa apresentam
dinamicidade na produção, e se lançam no desafio de produzir com agroecologia,
embora, para a maioria dos entrevistados, esta representa apenas a não utilização de
insumos, ao passo que percebemos tratar-se de um coletivo que são organizados social e
politicamente. Para Wanderley (2003) existem quatro funções associadas ao exercício
da atividade agrícola:

A reprodução socioeconômica das famílias rurais; a promoção da


segurança alimentar das próprias famílias e da sociedade; a
manutenção do tecido social e cultural e a preservação dos recursos
naturais e da paisagem rural. Reitera-se, aqui, que a concepção de que
os agricultores assumem responsabilidades sociais que deveriam
merecer o reconhecimento da sociedade (WANDERLEY, 2003, p.
14).

As visitas nos assentamentos e comunidades aconteceram em dias variados, em


alguns ocorreram durante a semana e em outros, nos finais de semana. Em muitas

178
ocasiões evidenciou-se que essas famílias eram as únicas trabalhando em seus quintais,
pois, na região, a maioria dos assentamentos e moradores rurais se deslocam para
trabalhar na cidade como trabalhadores assalariados, essas famílias agroecológicas
embora se dividam entre trabalhar na propriedade e trabalhar em outras ocupações,
como trabalhadores assalariados também, mantém seus quintais produtivos.
Percorrer os caminhos, estradas e trilhas que esses homens e mulheres percorrem
semanalmente para comercializar sua produção, possibilitou entender essa experiência
que começa com a produção, e se estende para além da comercialização. Pois, o que
essas pessoas fazem nos dias de feira é para além disso. Elas comercializam sua
produção, mas também compartilham suas histórias, suas trajetórias, seus retalhos, a
feira compõe um mosaico de vidas, são agricultores e agricultoras familiares que
encontraram na agroecologia a possibilidade de alimentar sua família, mas é válido
ressaltar que a agroecologia também os encontrou.
Desse modo, evidenciou-se que esses espaços produtivos se configuram como
espaços multifuncionais, e esse se constituiu em um conceito que se colocou como luz
para apreender essas experiências que saem dos assentamentos e comunidades e
adentram o espaço urbano como forma de valorizar a agricultura familiar e uma
agricultura de base ecológica. Nesse sentido, o conceito é assim apresentado:

A noção de multifuncionalidade da agricultura familiar representa


uma tentativa de reconhecer que os estabelecimentos agrícolas e,
portanto, os agricultores que neles vivem e estabelecem suas
estratégias familiares desempenham funções sociais não
exclusivamente produtivas e mercantis (FLEXOR; GAVIRIA, 2003,
p. 74).

É válido ressaltar que na pesquisa, assim como na pesquisa de Carneiro (2003),


foi possível identificar que a atividade agrícola exercida pelos agricultores e agricultoras
da APROFAM não possibilita para alguns renda suficiente para que sustentem suas
famílias exclusivamente da produção do PAIS. E o aspecto da pluriatividade foi
igualmente identificado em algumas famílias integrantes da APROFAM, como a de
Áurea por exemplo, fato igualmente identificado na pesquisa de Carneiro (2003). Para
traçar o perfil das famílias agricultoras, a autora, utiliza dois conceitos importantes:
Com base na ocupação dos membros das unidades familiares e na
composição do orçamento doméstico distinguimos dois tipos de
famílias: as monoativas e as pluriativas. As monoativas empregam a
força de trabalho familiar exclusivamente na produção agrícola
familiar. As pluriativas são aquelas em que um ou mais membros da

179
unidade familiar exercem alguma atividade extra-agrícola e/ou
possuem uma fonte de renda não agrícola, como o aluguel de casa ou
quartos (CARNEIRO, 2003, p. 93).

Evidenciou-se que os agricultores e agricultoras familiares participantes da


pesquisa permanecem com suas práticas agrícolas por motivos diversos, e um deles
estar relacionado muito mais a sustentar uma identidade social, um modo de vida, que
lhes confere perseverança, sendo essa condição muito importante, sobretudo, se
comparada ao retorno econômico que essa atividade lhes possibilita, fato igualmente
identificado na pesquisa de Carneiro (2003), e assim afirma a autora:

É a agricultura exercida em um pequeno lote e em condições muitas


vezes precárias que oferece uma referência social, um status, ao
agricultor e, indiretamente aos membros de sua família. Mesmo em
situações onde a atividade agrícola é paulatinamente relegada a
segundo plano como fonte de renda para o sustento familiar, mesmo
se o homem do campo exerce outras atividades mais importantes para
o seu sustento, ele permanece se reconhecendo como “agricultor” ou
um “lavrador” (CARNEIRO, 2003, p. 100).

Há uma identidade social que é identificada nos agricultores familiares, sendo


tal identidade possibilitadora da manutenção e do fortalecimento do tecido social, e essa
prática do cotidiano da agricultura, o produzir, manter a terra produtiva, possibilita
também a continuidade de práticas e trocas de sociabilidade. Há também, uma situação
de vulnerabilidade social em que os agricultores familiares se encontram, considerando
que estes muitas vezes têm que conciliar outras atividades produtivas com a produção
agrícola, para que possam assim, garantir o sustento das suas famílias. Esses elementos
foram identificados na experiência da APROFAM, assim como na pesquisa de Carneiro
(2003). Essas matizes da experiência produtiva são relevantes para entender esse
processo, contudo, não podem ser analisadas sem um olhar sobre o todo, pois assim
afirmam Moraes e Vilela (2003, p. 118):

A viabilidade econômica e técnica da agricultura familiar não pode ser


visualizada somente pelo ângulo de mercado, mas também a partir da
organização social das estruturas produtivas e do manejo dos fatores
técnicos, que têm a ver com a evolução das práticas de acesso,
distribuição, transmissão e gestão dos fatores de produção (MORAES;
VILELA, 2003, p. 118).

Assim, os autores possibilitam compreender, que haja vista a importância do


rural na contemporaneidade, é válido ressaltar que para entender a reprodução social,

180
ambiental, econômica e cultural desse espaço recorre-se ao conceito de
multifuncionalidade que possibilita compreender as diversas interfaces que os atores
sociais do campo recorrem para estabelecer suas estratégias que difere de região, mas
que em comum, apresentam o protagonismo dos agricultores e agricultoras, e nesse
sentido, para tratar desse rural contemporâneo, Moraes e Vilela (2003) ressaltam as
diversas interfaces desse espaço social, sendo o turismo, a proteção ambiental, a
valorização dos saberes e culturas locais, inclusive a alimentar, as relações de mercado,
ou seja, a multifuncionalidade pode ajudar a entender como essas interações se
correlacionam e dialogam entre si, ou não.
No que diz respeito à segurança e soberania alimentar, evidenciou-se que houve
melhoria significativa no quadro alimentar das famílias integrantes da APROFAM,
inclusive alguns relatos fazem relação da alimentação com a melhoria em quadros de
doença. Essa produção e melhor acesso aos produtos alimentares, tem sido
representativo também, no orçamento familiar, pois, em seus relatos, as famílias
ressaltam a menor dependência em relação aos supermercados. Esses elementos, são
igualmente apontados por Schottz (2014).
A experiência de produção e comercialização agroecológica em questão, trata-se
de sistemas produtivos complexos e heterogêneos, mas que tem em comum alguns
aspectos basilares, tais como, o produzir cotidianamente que lhes proporciona alimento,
mas também autonomia e inserção em um tecido social que é fortalecido pelo coletivo,
significa ainda, perceber que não fosse essa experiência de agroecologia, que não pode
mais ser considerada embrionária, pois, tem percorrido uma trajetória no espaço/tempo
que tem fortalecido as raízes desses produtores. Significa ainda que é essa experiência
de agroecologia que tem possibilitado autonomia para essas famílias, eles migraram de
uma experiência de agricultura patronal para uma possibilidade de autonomia e
reciprocidade.
Assim, uma vez feita a trajetória dos alimentos produzidos pela APROFAM,
apresenta-se no capítulo seguinte o espaço de comercialização e os consumidores e
como esses atores tem fortalecido essa experiência.

181
182
CAPÍTULO V

OS CONSUMIDORES E CONSUMIDORAS DA APROFAM E OS ESPAÇOS DE


COMERCIALIZAÇÃO

Discorre-se sobre as relações de circuito curto identificadas na APROFAM as


compreendendo como relações de mercado com referência em Schneider, Marques e
Conterato (2016), que afirmam que os mercados são um fenômeno sociológico, e assim,
envolve a interação direta entre um coletivo de atores sociais. Corrobora nesse sentido,
igualmente Abramovay (2004) que afirma que a sociologia econômica na
contemporaneidade procura através dos estudos sobre a compreensão e conformação
dos mercados no âmbito da agricultura familiar, preencher as lacunas deixadas pela
economia neoclássica. Atentando, para as conformações complexas das diversas
experiências, como afirma Plein e Fillipi (2011).
Entender a feira agroecológica partindo da compreensão dos consumidores, foi
antes de tudo, uma tarefa necessária, pois como afirma Giddens (1997), a
interdependência no mundo pós-moderno é inerente, ao passo que a adesão ou não por
determinado produto, implica diretamente na vida de outros atores. Para Renting,
Marsden e Banks (2017), há uma tendência para os alimentos que são socialmente
construídos, ou seja, são permeados por relações de proximidade entre diferentes atores.
As feiras agroecológicas se configuram assim, como espaços de comercialização
de alimentos produzidos de forma ecológica por agricultores e agricultoras que cultivam
em sua terra e comercializam o excedente na cidade diretamente ao consumidor. E,
esses espaços consistem em experiências de diversidade ambiental e social que trazem
muitos significados para os distintos atores que as integram.
Assim, o que se torna constitutivo dessas experiências é a revalorização dos
conhecimentos tradicionais e territoriais através dos alimentos. Ao mesmo tempo em
que se estruturam novas formas de produção e relação entre produtores e consumidores.
Logo, o que torna-se perceptível é o potencial dessas experiências para os atores
envolvidos, sobretudo, no sentido de possibilitar aos agricultores e agricultoras a
permanência no campo e a sustentabilidade percebe-se como constituinte fundamental
desse processo.
Segundo Wilkinson (2008, p. 18) o desafio consiste em “aprofundar a análise de
mercados como redes sociais, de normas técnicas como valores a serem negociados e da

183
qualidade do produto como envolvendo também as suas formas de produção e o estilo
de vida em que se apoia”
Para Wilkinson (2008) é relevante compreender as dinâmicas da agricultura
familiar na contemporaneidade sob um enfoque interdisciplinar de análise, pois para o
autor, a sociologia e a economia fornecem instrumentos para tal. Nesse sentido, o autor
afirma ainda:

Embora os acordos em torno da OMC e os progressos integracionistas


sob a égide do discurso liberal possam sugerir que a porta está
rapidamente se fechando, o movimento ecológico, a proliferação de
opções tecnológicas, o ressurgimento de preocupações regionais e as
novas pressões e oportunidades em torno do consumo, são suficientes
para caracterizar a atual conjuntura como uma fase em que existem
multiple stble equilibrium points, adotando aqui a concessão de
Granoveter à fórmula neoclássica (WILKINSON, 2008, p. 43).

Existe um elemento central para Wilkinson (2008) no que diz respeito a


agricultura familiar. A atual dinâmica desses atores sociais assenta-se na economia e na
sociologia da inovação, uma vez que esses agricultores e agricultoras são excluídos da
dinâmica agroindustrial. Assim, ele afirma:

Na situação atual que os agricultores familiares cada vez mais


enfrentam – a de exclusão da dinâmica agroindustrial – as questões
decisivas são aquelas mais familiares à economia e à sociologia da
inovação – a necessidade de criar novos mercados, organizações e
instituições e a necessidade paralela de gerar novos padrões de
aprendizagem (WILKINSON, 2008, p. 49).

Assim, com referência no autor, experiências no âmbito de mercado


agroalimentares têm surgido e se fortalecido na sociedade contemporânea, ao passo que
para a sua compreensão, requer-se um esforço conjunto, sobretudo, para tentar desvelar
que caminhos essas experiências nos apontam, em termos de outras formas de
desenvolvimento e performances que sejam mais sustentáveis para os diversos atores
que as integram. E Betti et al. (2013), ressaltam a importância do consumidor para
entender o alimento em uma abordagem mais complexa.

184
5.1 Os consumidores da APROFAM
O nível de escolaridade apresenta maior percentual correspondente ao nível
superior completo, representando 37% dos entrevistados, conforme a figura 30.

Escolaridade
0% 0%
0%

10% 8% Ensino Fundamental


Ensino Médio
Ensino Superior
21% 24%
Estudante
Pós Graduação

37%

Figura 30: Gráfico do Nível de escolaridade dos consumidores da Feira


Agroecológica de Mossoró.
Fonte: Pesquisa

Com referência em Betti et al. (2013) as identidades na pós-modernidade são


fragmentados, ao passo que acompanham diferentes quadros estruturais, e mesmo
conceituais. Além do fato de ser possível identificar novos valores e formas de
relacionar com os mercados por parte dos consumidores. Analisando os dados,
evidenciou-se que há por parte desses consumidores, uma maior preocupação em
consumir alimentos sem agrotóxicos, conforme veremos também em suas falas.
Evidenciou-se ainda, que embora a frequência a feira para muitos consumidores se dá
por esse motivo, as relações que vão se constituindo, possibilitam outros delineamentos
para adesão ao produto agroecológico.
O perfil de consumidores da feira agroecológica na pesquisa de Radomsky
(2013), são moradores urbanos, além de serem ligados a associações e sindicatos que
permitem uma ação e reflexão mais crítica do mundo. No âmbito da APROFAM, há
esse perfil, ao passo que há também uma variação, pois, alguns produtores e produtoras
entregam cestas agroecológicas no entorno da comunidade onde moram, bem como tem
consumidores que são seus vizinhos, e vêm comprar diretamente na unidade produtiva.

185
Ressalta-se assim, que a feira é um vasto campo de análise, conforme Zanini e
Froelich (2015), e podem nos dizer muito sobre os elementos que compõe a sociedade
contemporânea e seus hábitos alimentares.
No que se refere a Profissão/Ocupação dos consumidores, o maior percentual
corresponde a Servidor Público, enquanto que o percentual menor ficou para a condição
de estudante, conforme a figura 31.

9%

29%
Aposentado
Autônomo
28%
Empregado
Estudante
7% Servidor Público

27%

Figura 31: Gráfico da Profissão/Ocupação dos consumidores


Fonte: Pesquisa

Perguntou-se aos consumidores se gostariam de receber informações sobre a


feira via redes sociais, Facebook e Whats App. Nas figuras 20 e 21 apresentamos os
gráficos que trazem o quantitativo das respostas, sendo válido ressaltar que os que não
optaram por aderir a esses meios de informação, a maioria Whatss App, relacionaram
essa escolha ao elevado número de grupos a que já pertencem. Outro fato interessante
percebido entre os entrevistados, é que a maioria que aceitou aderir as redes sociais já
participam da feira como consumidores assiduamente, alguns desde o seu início.

186
Não
18%
Facebook
43% Não 43%
57% Sim Whats App
34%
Whats App e
Facebook
5%

Figura 32: Gráfico de Interesse em Participar das Figura 33: Gráfico de adesão a rede social
redes sociais da feira e receber informações.
Fonte: Pesquisa Fonte: Pesquisa

Além das barracas de comercialização dos produtos, há uma barraca com lanche
que os agricultores e agricultoras trazem para disponibilizar aos consumidores. A
intenção é disponibilizar café da manhã com produtos da culinária nordestina local,
como cuscuz com galinha, bolos variados (de batata, ovos, milho), mugunzá, salgados
como tortas e coxinhas, grude, tapioca, café, e sucos variados. Percebeu-se que os
consumidores que chegam mais cedo, lancham na barraca após a compra, e os
consumidores que chegam por volta das 07:00 em diante, a primeira barraca a ser
visitada é a do café da manhã. No momento em que os consumidores se encontram
nessa barraca, ocorre um encontro para conversas com os agricultores e agricultoras,
assim como com outros consumidores. Havendo nesse momento também, reencontro
entre consumidores que não se viam há algum tempo e, no entanto, foram amigos de
universidade na juventude.
Para a pergunta sobre o tempo de frequência a feira, houve variação por parte
dos consumidores, há pessoas que compram na feira desde o seu início, até clientes que
conheceram essa experiência há apenas poucos meses, conforme mostra a figura 22.

187
TEMPO DE FREQUÊNCIA A FEIRA

Figura 34: Gráfico de tempo de frequência à feira


Fonte: Pesquisa

Durante a realização da feira percebeu-se fluxo intenso nos horários de


04h30min as 06h00min (figura 35) aproximadamente. No início da feira em que o sol
ainda não apareceu, o fluxo de clientes é intenso, e nesse horário a presença maior é de
consumidores que já estão participando da feira há um tempo maior. Ressaltamos ainda
que o valor gasto nesse horário (figura 36) sempre é maior, fato devido a maior
disponibilidade e variedade de produtos; outro aspecto interessante, é a faixa etária,
pois, nessas primeiras horas da feira, encontram-se consumidores na faixa etária de
pessoas na terceira idade. Percebeu-se que acordar cedo e ir a feira para essas pessoas é
um hábito comum, além de ressaltarem que vale o esforço para ter um alimento isento
de agrotóxico, e garantir assim, a segurança alimentar da família.

188
2%

9%

7%
5:00 a 5:30
5:30 a 6:00
12% 6:00 a 6:30
6:30 a 7:00
7:00 em diante
70%

Figura 35: Gráfico do horário de frequência a feira.


Fonte: Pesquisa

14%

36% Acima de R$ 100,00


14% Até R$ 20,00
R$ 20,00 a R$ 50,00
R$ 50,00 a R$ 100,00

36%

Figura 36: Gráfico de gasto médio na feira


Fonte: Pesquisa

No que se refere a frequência a feira, percebeu-se que a maioria dos


consumidores frequenta quase todos os sábados, ao passo que durante a realização das
entrevistas houve consumidores que estavam conhecendo a feira agroecológica pela
primeira vez, conforme figura 37. Quando perguntamos o que os motivou a comprarem
na FAM, responderam:

Fiquei sabendo que era de produtos orgânicos, então vim pela


qualidade, para sair dos alimentos contaminados (Consumidor 1).

189
Gosto da ideia do projeto, ajudar os produtores e, sobretudo, porque
são produtos orgânicos (Consumidor 2).
Estou comprando aqui porque estou em busca de saúde (Consumidor
3).
Tive problemas de saúde, uma urticária muito séria, então, venho para
ter uma alimentação saudável (Consumidor 4).

No que diz respeito a compreensão do alimento em questão, evidenciou-se na


fala dos consumidores a escolha pelo alimento enquanto possibilitador de mais saúde,
ao mesmo tempo, em que esses atores ressaltam os benefícios dos alimentos da freira
em detrimento ao produto vendido no supermercado, denotando a falta de confiança
neste. Assim, a partir das narrativas, a pesquisa vai ao encontro do que Menasche
(2010) evidenciou que os consumidores priorizam os alimentos naturais utilizando
como referência negativa os industrializados e com agrotóxicos.
Para Martins (2000), existe um valor confiança que é nutrido reciprocamente por
produtores e consumidores. E esse valor confiança é fortalecido pelas relações de
dádiva, bem como valores de amizade e solidariedade. Para o autor, é a confiança que
fortalece e valida essas experiências. No que diz respeito ao alimento agroecológico
Ramodsky (2013), evidenciou que o que confere confiabilidade ao produto, é saber da
sua procedência, fato que evidenciamos na experiência da APROFAM.

2%
2% 2%
5% Média de uma vez ao
mês
7%
Quase todos os
sábados
Todos os sábados

Quinzenalmente

Raramente

82% Sem informação

Figura 37: Frequência a FAM


Fonte: Pesquisa

Os produtos comercializados na feira podem ser divididos em três categorias,


hortaliças, carnes/frangos e outros. Para esses produtos, perguntou-se quais se consome

190
e encontra mais facilmente na feira, quais produtos consome e encontra dificilmente,
assim como os produtos que os consumidores consomem e nunca encontram na feira.
Dentre os produtos mais encontrados há o queijo de coalho, doces de leite e mamão,
temperos, mel, óleo de coco, feijão verde, milho, cheiro verde, alface, pimentão, cebola,
quiabo, beterraba, batata doce, jerimum, macaxeira, maxixe. Dentre as frutas tem
banana, laranja, caju, mamão, coco, goiaba, manga, pimenta, castanha, limão, seriguela.
Algumas frutas são disponibilizadas em polpas, como maracujá, cajarana. Produtos que
acabam logo nas primeiras horas de feira, ovo – cenoura, tomate cereja. Dentre as
carnes disponibilizadas, está a de frango e de caprino. Na barraca do lanche encontram-
se cuscuz com galinha, bolos, tapiocas, salgados, café e sucos.
Quando os feirantes chegam ao local para montarem as barracas alguns
consumidores já os aguardam, e nesse momento inicial da feira é comum que os
consumidores os ajudem a montar as barracas e mesmo a vender; pois, ó fluxo é muito
intenso nesse horário e alguns avançam sobre os produtos para disputá-los, o que
provoca tumulto. Nesse sentido, quando perguntou-se aos consumidores quais ações
consideram necessárias para o melhoramento da feira, responderam:

Consumidores mais educados, é interessante ter reunião e palestra


para conscientizar as pessoas que não podem comprar tudo para si. É
preciso trazer produtos em maior quantidade (Consumidora 5).
O horário da feira é muito cedo, deve-se evitar que todo mundo
avance em cima dos produtos (Consumidora 6).
Tem que haver conscientização do consumidor para deixar verdura
para todos (Consumidor 7).
Educar os consumidores para que respeitem a organização dos
produtos da feira. Pois alguns consumidores avançam nos produtos e
nos feirantes, antes destes se quer tirarem a mercadoria (Consumidora
8).
É preciso melhorar a estrutura física para os feirantes, pois o local é
bom. Mas precisa ainda que os Órgãos Municipais deem mais apoio
aos feirantes (Consumidor 9).

Nas figuras 38 trazemos uma das barracas com alguns produtos, na figura 39 a
imagem trata de uma cesta agroecológica que é sorteada no último sábado de cada mês
para os consumidores.

191
Figuras 38 e 39: Barraca com produtos agroecológicos e cesta agroecológica sorteada para os
consumidores.
Fonte: Pesquisa
Na figura 40 apresentamos a dinâmica da feira nos primeiros horários de
funcionamento. A figura 41 trata-se de momento de pós-feira para apresentar para os
consumidores o filme “O veneno está na mesa”. Esse momento decorreu da iniciativa
dos agricultores, agricultoras, alunos e professores e pesquisadores da UFERSA.
Tratou-se ainda de um momento de discussão sobre a importância das Feiras
Agroecológicas como alternativa para uma alimentação saudável e sustentável social e
ambientalmente.

192
Figuras 40 e 41: Momentos iniciais da FAM e Socialização do filme O veneno está na mesa entre
agricultores/ agricultoras e consumidores.
Fonte: Pesquisa

5.2 A Feira Agroecológica do ponto de vista dos consumidores


Em um outro momento da pesquisa, os consumidores da feira foram novamente
entrevistados com a finalidade de serem retomadas questões que para a pesquisa
estavam em aberto. Nessa etapa houve consumidores que estão frequentando a feira há
pouco tempo. Perguntamos aos consumidores, como conheceram a FAM e por que
compram na feira:

Através de outras pessoas que já consomem na feirinha do Museu.


Produtos saudáveis (Consumidor 1)
Passando pela COBAL, comecei a olhar e me interessei. Por ser coisas
muito saudáveis, sem agrotóxico, e o preço é muito bom. Não é
maduro “no pé da parede” (Consumidor 2)
Como sou agrônomo, tive conhecimento. O professor sempre falava.
Porque é orgânico. Os produtos são mais frescos. (Consumidor 3)
Professor Roberto Brígido22 que falou. Porque eu gosto dos produtos,
são saudáveis (Consumidor 4).
Conheci por ouvir falar. Porque o produto é orgânico. (Consumidor
5).

22
O Professor está presente na APROFAM desde o seu início, sendo inclusive o profissional de
assistência técnica mencionado pelos agricultores e agricultoras em seus relatos.

193
Através de amigos. Busca de um alimento saudável e fresco,
valorização da agricultura familiar (Consumidor 6).
Jornal. Procurando bem estar e saúde, fiquei com medo do
transgênico. (Consumidor 7).
Através dos agricultores. É um produto que conhecemos a origem, e
pela questão social, é uma forma de incentivar a agricultura familiar.
(Consumidor 8).
Desde que a feira começou, quando eu soube que a feira iria ser
implementada, eu já inclusive tinha participado de uma experiência
anterior com o pessoal da Rede Xique Xique com as mulheres lá do
Assentamento Mulugunzinho. Então, houve uma certa paralisação, foi
mais ou menos nessa época que surgiu a feira então, na hora que eu
soube que ia acontecer a feirinha imediatamente eu vim, tanto é que
eu acompanho a feirinha desde então (Consumidor 9).

Para Nierdele, Almeida e Vezzani (2013), os circuitos curtos de


comercialização, possibilitam aos atores sociais que as integram um reencantamento
com as relações de consumo alimentar. E Leão (2013, p. 15) ao tratar das escolhas e dos
hábitos alimentares, afirma:

Os fatores que determinam a alimentação e os hábitos alimentares são


muitos e de diferentes naturezas (econômica, psicossocial, ética,
política, cultural). Escolhemos o que comemos de acordo com nosso
gosto individual; com a cultura em que estamos inseridos; com a
qualidade e o preço dos alimentos; com quem compartilhamos nossas
refeições (em grupo, em família ou sozinhos); com o tempo que temos
disponível; com convicções éticas e políticas (como, por exemplo,
algumas pessoas vegetarianas defensoras dos animais e do meio
ambiente); entre outros aspectos. Cada um desses fatores pode
promover a segurança alimentar e nutricional, ou dificultar o seu
alcance, para determinada população.

É válido ressaltar ainda, que não se pode deixar de considerar o papel e o lugar
dos mercados no âmbito da agricultura familiar no contexto atual, conforme Schneider,
Marques e Conterato (2016). Por sua vez, a referida conjuntura em que se fortalecem,
consolidam e surgem as Redes Agroalimentares Alternativas, segundo Renting,
Marsden e Banks (2017), a falta de confiança na qualidade dos alimentos provenientes
da agricultura convencional, está entre as razões para procurar esses espaços
alternativos. É importante ressaltar que é um marco a década de 1990 para a questão
agrícola no país, pois, especificamente nessa década, os pequenos produtores passam a
ser reconhecidos como agricultores familiares, sendo essa categoria fruto da luta pela
terra, bem como a necessidade de reconhecer que embora tenha se intensificado o êxodo
rural nas décadas anteriores, ainda há um percentual de produtores e produtoras que

194
produzem em suas terras, mesmo com um série de dificuldades. Contudo, ressalta
Wilkinson (2008) que embora tenha havido essa mudança, os estudos que se seguiram
para compreender as interfaces dos espaços rurais posteriores a inserção da agricultura
familiar no sistema agroalimentar, não se detiveram as formas dinâmicas de integração
aos mercados em suas diferentes formas.
A experiência da APROFAM pode ser analisada sob o enfoque da sociologia
econômica, uma vez que segundo Wilkinson (2008), esta está ancorada em novas
referências e teorias para compreender a constituição de novos mercados e da vida
econômica. Nesse sentido, compreendo que as experiências de circuito curto na
agricultura familiar assenta-se sob o enfoque da qualidade, essa vista como uma
construção social, ou seja, há outras técnicas, formas e mecanismos utilizados na
contemporaneidade por um coletivo de sujeitos e atores que qualificam os produtos,
bem como suas técnicas. Nesse sentido, considera o autor:

Por outro lado, a sociologia econômica tem oferecido um quadro


analítico de muita relevância para se abordar a persistência e a
vitalidade da economia informal e dos mercados de proximidade,
identificando bases distintas de confiança coletiva e, portanto, de
coordenação nas redes sociais que modelam as transações nesses
mercados. Os aportes da sociologia econômica também mostram
como redes sociais influenciam até mercados classicamente
impessoais, chegando a definir a criação, o seu perfil e o seu alcance
(WILKINSON, 2008, p. 159).

Sobre a confiança no produto adquirido na feira agroecológica e em relação a


qualidade, os consumidores relataram:

Confiança em quem vende. Sim, qualidade, segurança e saúde


(Consumidor 1)
Por ele ser exatamente um produto sem agrotóxico, por ser um
produto totalmente natural. (Consumidor 2)
Porque a feira tem legalidade e faz tempo que a feira existe, vai
adquirindo confiança. Os produtos tem qualidade, só que falta muitos
produtos (Consumidor 3).
Tem qualidade, durabilidade. Você compra um coentro desse, sábado
ele está novinho (Consumidor 4).
Confio, ele tem qualidade.
(Consumidor 5)
Tem qualidade, boa fé, acredito no produtor “a boa fé conta muito
também” (Consumidora 6).
São pessoas do campo, de boa fé. E o produto tem características
naturais (Consumidora 7)
Tenho certeza que não tem veneno “é diferente de comprar no
supermercado, tem qualidade” (Consumidora 8).

195
Visitei o local de produção, achei interessante, passei a confiar
(Consumidor 9).
Como os produtores têm orientação técnica, eles sabem aplicar as
técnicas para conseguir OCS (Consumidor 10).
Pela constância que frequento o espaço da feira, estabeleu-se uma
relação de confiança e reciprocidade minha com os agricultores-
feirantes (Consumidor 11).
Primeiro é que isento de agrotóxico, qualidade nutricional, ou seja,
valor nutritivo, produto fresco, garantia de higiene, aparência é a
última coisa que importa (Consumidor 12).
Eu venho para cá porque eu priorizo a saúde da minha família eu
quero um produto de boa qualidade e eu não tenho essa qualidade no
supermercado mesmo (Consumidora 13).

No que diz respeito aos laços que são estabelecidos entre produtores e
consumidores, evidenciou-se que se trata também da qualidade dessas relações, laços de
amizade e igualmente de confiança, pois, há uma troca no processo de dar e receber, e o
produto é um elo que liga esses sujeitos, como afirma Sabourin (1999). E a confiança
identificada entre produtor e consumidor, na pesquisa de Cassol (2013), evidenciou-se
que embora a relação mercantil esteja presente, esta se estende para além dessa
condição.
As experiências de circuito curto são fortalecidas por estratégias de organização
social que envolve agricultores, agricultoras e consumidores, além das instituições e
outros atores, como afirmam Souza-Seidl e Billaud (2015). Para Granovetter (2007) a
confiança é fortalecida pelas relações pessoais, pois o constante contato fortalece os
laços, levando assim, aos consumidores acreditarem no que consideram “a boa fé” do
produtor.
Ressalta-se ainda que essa experiência de produção e comercialização
agroecológica, pode ser refletida á luz de Lef (2006). Para o autor, a racionalidade
ambiental consiste na reapropriação social da natureza, e diante da crise ambiental em
que a pessoa humana norteada pela lógica do progresso e do crescimento sem limites
defronta-se com os limites da natureza, resultando assim “na ressignificação do mundo
e na construção de uma racionalidade alternativa”. O que é evidente nas unidades
produtivas são agricultores e agricultoras que em uma diversidade de experiências, têm
pautado sua forma de produzir nessa racionalidade alternativa, que para essas pessoas
consiste na possibilidade de tornarem suas terras produtivas com um modo de produção
que possibilita a relação humana com a natureza em uma perspectiva de
sustentabilidade.

196
Assim, o produto decorrente dessa prática sustentável, é percebido pelos
consumidores como possibilitador de mais saúde, mas também, mais respeito para com
a natureza e o meio ambiente. Para o autor o que possibilita a racionalidade ambiental
são os processos sociais de reapropriação da natureza que entram em jogo. Pois:

Desta maneira, vai se articulando um pensamento e um discurso com


um conjunto de práticas produtivas e processos políticos, onde o
conceito de racionalidade ambiental vai se delineando, adquirindo
substância e atributos, desenrolando-se ao contrastar com os núcleos e
esferas de racionalidade teórica e com processos de racionalização
social da modernidade, e aplicando-se na construção de sociedades e
comunidades sustentáveis (LEFF, 2006, p. 24).

Para Souza-Seidl e Billaud (2015), havia os moradores da cidade assustados com


os riscos alimentares, e os atores sociais do campo que precisavam de alternativas
produtivas e mercados para escoarem a produção. Na experiência em questão,
identificou-se esses elementos por parte dos dois universos, na medida em que
evidenciou-se que a questão ambiental vai fortalecendo esses laços, também nos
espaços rurais, a procura por consumir os alimentos produzidos pelos integrantes da
APROFAM tem se tornado uma busca constante.
Ao perguntar aos consumidores qual a diferença entre comprar na feira e
comprar no supermercado, quería-se entender se para eles os produtos são iguais, ao que
afirmaram:

Não são iguais. Os produtos da feirinha são sem agrotóxicos, direto da


terra (Consumidora 1).
Os produtos do supermercado não vêm direto do plantio, passa por
muitas mãos. Os da feira vem direto da roça (Consumidor 2).
Os produtos são mais fresquinhos, são naturais. Confio mais no
produto da feira no que no do supermercado. Acho que falta
assistência técnica, porque o alface, por exemplo, falta muito
(Consumidor 3).
Tem, eu acho aqui orgânico. Tenho mais confiança nos produtos daqui
no que dos supermercados (Consumidora 4).
Em termos orgânicos, acho que não tem diferença porque lá também é
certificado (Consumidor 5).
Produtos mais frescos, em relação ao orgânico, são colhidos mais
próximo a venda (Consumidora 6).
Sem dúvida, são produtos recentes, mais frescos, passa por uma
cadeia menor (Consumidora 7).
Eu sei da qualidade do produto, os produtos não são iguais
(Consumidora 8).
Um pouco, o preço (Consumidora 9).
A segurança que não terá agrotóxicos, eles tem maturação diretamente
no pé. Sabor e cheiro são indicadores de qualidade (Consumidor 10).

197
Mesmo que no supermercado seja orgânicos, na feira tenho
informações sobre a origem dos produtos. Comprar na feira significa
fortalecer um espaço alternativo na cidade de alimentos
agroecológicos, da agricultura local e familiar (Consumidor 11).

Para Ploeg (2016) entender as experiências de mercados alternativos, é ir ao


encontro da compreensão sobre os mercados aninhados, uma vez que essas experiências
acontecem no interior de mercados alimentares mais abrangentes.
Segundo as narrativas dos consumidores, evidenciou-se que há uma confiança
no produto que parte deste em si, mas também de quem o produz: são esses três
elementos centrais nessa experiência produtiva e de comercialização, a saber, o
produtor, produto e consumidor. Configura-se como uma relação em que a produção e o
produto sustentável são fortalecidos porque estão inseridos em uma rede curta de
comercialização, o fato de os produtos serem mais recentes, terem percorrido uma
cadeira curta, e serem produzidos sem agrotóxicos fortalece os laços de confiança.
Assim, é um desafio entender essas experiências sob outros pressupostos, outra
racionalidade que não seja simplificadora da realidade, nem tão pouco nos leve a
desperdiçar o potencial da diversidade e complexidade. Para tanto, recorreu-se a Leff
que afirma:

A valorização da complexidade ambiental implica transformar a atual


métrica que reduz a diversidade ontológica e axiológica do mundo a
valores objetivos, quantitativos e uniformes do mercado a uma teoria
qualitativa de economia sustentável, capaz de integrar os processos
econômicos, ecológicos e culturais em um pluralismo epistemológico
e axiológico capaz de expressar os antagonismos entre a racionalidade
econômica e a racionalidade ambiental – incluindo a multiplicidade de
racionalidades culturais que a conformam – nos processos de
apropriação da natureza e da incorporação das condições ecológicas
de sustentabilidade dos processos produtivos (LEFF, 2006, p. 61).

Ainda para o autor, são os valores subjetivos e objetivos atribuídos à natureza,


que incorrem na construção dessa racionalidade ambiental, sendo essa também
decorrente das novas aproximações que permitem integrar “a valoração das condições
ecológicas de sustentabilidade e os significados e sentidos da natureza construídos a
partir da cultura”, ou seja, há um coletivo de atores empenhados em trabalhar com a
terra uma vez que esse trabalho resulta em melhor qualidade de vida para as famílias,
assim como os consumidores, que claramente reconhecendo as dificuldades desse
processo, apostam no modelo de transição agroecológica e assim delineia-se um
consumo reflexivo, com referência em Giddens (1997).

198
Entende-se assim, que nesse universo alimentar, que é criado e apropriado por
uma diversidade de atores, em uma cadeia curta, o alimento torna-se elemento central
de uma cultura, ao passo que revela uma diversidade de significados. Nesse sentido,
afirma Sahlins (2007, p. 169):

O significado social de um objeto, o que o faz útil a uma certa


categoria de pessoas, é menos visível por suas propriedades físicas
que pelo valor que pode ter na troca. O valor de uso não é menos
simbólico ou menos arbitrário que o valor-mercadoria. Porque a
“utilidade” não é uma qualidade do objeto, mas uma significação das
qualidades objetivas [...] nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem
movimento na sociedade humana, exceto pela significação que os
homens lhe atribuem.

Os locais de produção podem ser visitados pelos consumidores, inclusive, já


houve essas experiências no âmbito da APROFAM. Assim, perguntou-se aos
consumidores se já visitaram o local de produção, e se há relação de amizade,
confiança, negócio, ou nenhuma, ao que consideraram:

Conheço os vendedores. Não visitei o local de produção. Há uma


relação de confiabilidade e amizade (Consumidora 1).
Há uma relação de negócio e confiança. Não visitei nenhum local de
produção, mas pretendo (Consumidor 2).
Conheço pelo nome. Não visitei nenhum local de produção, não sei
onde eles produzem. Há uma relação de confiança e de amizade. Os
feirantes acabam passando confiança para o consumidor (Consumidor
3).
Já visitei, conheço a produção. Há relação de amizade, confiança e
negócio (Consumidora 4).
Conheço, já visitei a produção de Lilio. Há uma relação de amizade.
Como já faz muito tempo, são sempre os mesmos, e a gente acaba de
familiarizando (Consumidor 5).
Compro a todos, e vejo que há colaboração entre eles (Consumidora
6).
Relação de conhecimento e os produtos são bons (Consumidora 7).
Conheço alguns, nunca visitei, só compro (Consumidora 8).
Relação de compra mesmo (Consumidor 9).
Conheço, tenho relação de amizade com alguns (Consumidor 10).
Sim, bastante. Já fiz visitas como espaço didático para minhas aulas
(Consumidor 11).

Para compreender as narrativas dos consumidores, recorremos a teoria da dádiva


defendida por Mauss (2003), pois para o autor, o valor das coisas não se configura como
superior ao valor das relações, possibilitando também a pensar além das relações
econômicas. Do mesmo modo, Sabourin (1999), identificou no sertão nordestino
relações econômicas que não são puramente mercantis.

199
Ademais, uma outra forma de tentar compreender essas experiências, é
deslocando-se dos conceitos de teoria econômica que fundou-se na produtividade do
capital, no capital e na tecnologia, e indo ao encontro de um “novo paradigma baseado
na produtividade ecológica e cultural, em uma produtividade sistêmica que integre o
domínio da natureza e o universo de sujeitos culturais dentro das perspectivas abertas
pela complexidade ambiental” (LEFF, 2006, p. 68).
A racionalidade ambiental leva a repensar a produção a partir das
potencialidades ecológicas da natureza e das significações e sentidos atribuídos à
natureza pela cultura, além dos princípios da “qualidade total” e da “tecnologia limpa da
nova ecoindústria, assim como da qualidade de vida derivada da “soberania do
consumidor”. A racionalidade ambiental que daí emerge se distancia de uma concepção
conservadora e produtivista da natureza para converter-se em uma estratégia para a
reapropriação social da natureza, baseada na valorização cultural, econômica e
tecnológica dos bens e serviços ambientais da natureza. A racionalidade ambiental
desemboca em uma política do ser, da diversidade e da diferença que reformula o valor
da natureza e o sentido da produção (LEFF, 2006, p. 69).
Perguntou-se em que medida essa experiência pode ser considerada importante
para o desenvolvimento local, ao que relataram:

Importante para a saúde da população e desenvolvimento dos


agricultores (Consumidora 1).
Acho que sim, porque as pessoas devem se alimentar com produtos de
qualidade. Isso é importante para a saúde do ser humano (Consumidor
2).
É importante, porém, acho que é pouco divulgado, não sei se é devido
o horário que é muito cedo (Consumidor 3).
Acho que é importante. Porque está na hora das pessoas valorizarem o
pequeno produtor. Está na hora de acabar com as “lojinhas chinesas”
(Consumidora 4).
É importante, e é mais uma opção. É tanto que está dando certo
(Consumidor 5).
Sim, é um incentivo para a pequena produção, manter a tradição e
cultura local (Consumidora 6).
Sim, é importante que vendam a produção sem atravessador
(Consumidora 7).
Sim, é importante. Eles nos proporcionam o melhor deles, eles têm
renda própria (Consumidor 8).
Super importante, principalmente se houvessem mais produtores
(Consumidor 9).
Porque eles não ficam só na produção, eles não ficam presos na
propriedade (Consumidor 10).
Hoje existe um público significativo em que boa parte de que se
alimentam, são adquiridos na feira. É a construção local do

200
conhecimento da produção e comercialização de alimentos
agroecológicos. Contribui para melhorar a renda desses agricultores e
esse recurso “ficar” na economia local (Consumidor 11).

No que diz respeito ao sistema agroalimentar na contemporaneidade, temos que


este é composto por modelos distintos e que dados os índices de insustentabilidade
social, econômica e ambiental do modelo convencional, há que se unir esforços para
fortalecer o modelo de produção que por hora é alternativo, mas que tende a ser
fortalecido pela diversidade de atores e agentes que creditam nessas práticas. Nesse
sentido, afirma Folly (et al., 2017, p. 36):

Há uma batalha entre dois paradigmas do sistema alimentar: O da


soberania alimentar e o modelo de investimento altamente
capitalizado. Esta batalha representa a atual controvérsia ideológica e
política com que a nossa sociedade se depara. Assim sendo, para
enfrentar a crise estrutural dos direitos humanos é preciso questionar a
imposição de um modelo econômico baseado na comercialização do
elemento básico da nossa existência. Caso contrário, os alimentos e
todos os meios necessários para os produzir, como a mão-de-obra, o
trabalho das mulheres, a terra, a água, as sementes, as florestas e
outros recursos naturais continuarão a ser produtos de luxo, e o direito
à alimentação não passará de um discurso filantrópico.

Durante a coleta de dados, a consumidora 12 se dispôs a uma entrevista mais


dialogada, uma vez que ao perguntar sobre do que se tratava a pesquisa, explicou-se e
ela disse que gostaria de conversar mais abertamente, pois participa da feira desde o seu
início, e inclusive, considera que essa experiência tem provocado mudanças em sua vida
nos aspectos alimentar e em sua relação com o meio ambiente. A consumidora 12 tem
40 anos, pós graduação e é professora universitária. Participa semanalmente da feira
desde o seu início. Ela é consumidora de todos os produtos que tem na feira, exceto a
beringela.
Sobre o início da experiência da feira, a consumidora relata:

No início era muito pouco produto, e acabava que quando a gente


começou a frequentar, ou você ia muito cedo, ou se você fosse por
exemplo 06:30, você quase não conseguia nada, e no começo, o que se
tinha de produto era muito básico. Então, você não tinha muita coisa,
você tinha que ficar se dividindo entre a feira e o restante, no caso a
COBAL ou supermercado.

201
A consumidora relatou que desde esse tempo, mesmo com a limitações da feira,
ela se tornou assídua, e no seu caso, a motivação maior para tal foi a busca por mais
saúde através do alimento. Pois, há uma década ela começou a se preocupar mais com a
qualidade de vida, nesse sentido ela afirmou “eu passei a me preocupar mais com o que
a gente está comendo, e principalmente, respeito ao meio ambiente”. Para ela, o
caminho percorrido foi mais estudo sobre a identidade e cultura, uma vez que sua área
de trabalho é a educação. Sobre esse momento ela narra:
Então, nessa busca você vai se deparar com o orgânico, então, como a
gente mora aqui, e a gente não tinha acesso a muita coisa, a feira
acaba sendo uma espécie de oásis no deserto. E quando a feira começa
tem aquela ideia, poxa tem alguém aqui que está fazendo alguma
coisa, é possível, então. E daí quando eu começo a ir para a feira,
porque não é só comprar o alimento, é conversar com os produtores,
saber como eles chegam até ali, quais são as dificuldades que se tem.

Nessa primeira fase, a consumidora relatou que havia poucos clientes, assim
como uma pouca quantidade de produtos, e ela ouvia das pessoas que não adiantava ir
para esse espaço, porque além de acordar cedo, havia poucas opções de produtos. Para a
consumidora, desde esse momento, era melhor comprar na feira do que se dirigir aos
outros espaços de comercialização, uma vez que para ela, a compreensão desse alimento
girava em torno de conceitos que ela considera importante, como a relação direta entre
orgânico, meio ambiente e saúde, nesse sentido ela afirma “E começou a dar retorno, do
ponto de vista da saúde, e do ponto de vista do social”.
Nos últimos três anos, a consumidora ressalta que se tornou mais próxima aos
agricultores e isso a levou a entender a lógica de produção e como essa está relacionada
a presença ou ausência de alimentos e sua relação com os aspectos mais gerais, como
por exemplo:

A questão da água que é muito difícil, e outra coisa, a questão de


quando vai faltando os produtos e a gente vai se perguntando o por
que não tem isso ou aquilo, mas aí você entende, sim, mas por que não
tem? E aí vai abrindo outro universo para a gente entender que não é
época de colher determinado alimento.

Para a consumidora, essa compreensão mais geral sobre a dinâmica da produção,


a levou a compreensões mais amplas que dizem respeito à cultura alimentar, que por sua
vez está relacionada à cultura e identidade regional. Ela tem a prática de visitar os locais
de produção, e esse fato foi motivado também por outras questões, segundo ela “há dois
anos, eu comecei a pensar o que ia fazer quando chegasse a hora de eu sair do

202
magistério, e eu comecei a pensar o que eu ia fazer, porque comecei a pensar que, eu só
me aposento se tiver outro projeto de vida para esse segundo momento da minha vida”.
Em seu relato, ela afirmou que estar mais próxima aos produtores a ajudou a
compreender dimensões da cultura destes, e como esses elementos ajudaram a respeitar
mais essa experiência, sobretudo, pelas dificuldades que esses atores enfrentam, pois
para ela:

Aqui você abre uma torneira e tem água em todo instante, e lá eles não
têm água, como é que essas pessoas produzem, como que elas vivem?
É uma coisa impressionante, e você não tem esta dimensão estando do
lado de cá, você não tem essa dimensão indo a um supermercado,
apenas. Ou indo até mesmo a uma feira mais organizada”.

A consumidora relatou também sobre a experiência de visitar os locais de


produção, nesse sentido ela afirmou:

E quando eu fui fazer a visita junto com Roberto, isso me abriu um


outro caminho, principalmente quando eu conheço de perto as
unidades produtivas do PAIS, e cada pessoa daquela, cada família
daquela, constitui um universo incrível. Eu fiquei admiradíssima com
o papel das mulheres nesse processo, na verdade, as mulheres é que
produzem muito. Os homens vão para outras atividades, e até mesmo
nem estão nas unidades produtivas.

Nesse momento, a consumidora relatou o caso das unidades produtivas que


ficam na Maísa, onde alguns maridos trabalham fora da propriedade, e inclusive em
empresas do agronegócio, voltadas para a produção do melão, para a consumidora
“então, acho que na cabeça deles é uma contradição enorme, porque eles estão lá no
melão, na monocultura, vendo mil coisas, fazendo mil coisas, e lá no quintal deles, na
casa deles, o processo é outro”.
Para ela, essa maior proximidade com os espaços de produção proporciona uma
maior compreensão sobre o produto que se chega à mesa, no sentido de entender como
essa trajetória é construída, e com “quais braços”. Assim, o produto vai assumindo
outros contornos e compreensões, que por sua vez, vai se constituindo com um elo que
liga pessoas e mundos diferente, pois para Sahlins (2007, p. 177):

Ao dar feitio ao produto, o homem não aliena seu trabalho


simplesmente, congelado em forma objetiva, mas, pelas modificações
físicas que efetua, ele sedimenta um pensamento. O objeto fica como

203
um conceito humano fora de si mesmo, como se fosse um homem
falando com homem, usando as coisas como meio de comunicação.

Nesse sentido, refletir as feiras agroecológicas sob a percepção dos


consumidores se constituiu como um caminho possibilitador para entender essas
experiências da “porteira para fora”, sobretudo, porque são os consumidores que
também sinalizam para onde estas práticas estão direcionadas ou mesmo, para onde
direcionam os produtores. Considera-se assim, que o consumo não é uma condição
estanque, mas ator fundamental para fortalecer ou não, essas práticas produtivas,
conforme nos apontam Certeau (1998); Deyan (2010); Canclini (2010); Braudillard
(1995); Barbosa e Campbell (2006).
No que diz respeito a qualidade do produto, a consumidora considera que esta
diz respeito ao sabor, a cor, aparência e durabilidade. Ela relatou que houve momentos
de comprar o produto, e esse apresentar pouca durabilidade, ao voltar para a produtora,
foi informada que na colheita e acondicionamento para a comercialização, o coentro foi
molhado demais. Sobre esse fato, a consumidora nos relatou como se sentiu nesse
diálogo:

Então, quando a gente volta e diz o que acontece, eles já sabem o que
que é, o que é fundamental, porque já sabem que não podem molhar.
Então, eles já têm muito cuidado, o que eu acho muito bacana nisso
também, quer dizer, ninguém fica chateado, e ninguém vai achar que o
consumidor está reclamando, mas é um retorno de como está o
produto.

Sobre a tecnologia PAIS, a consumidora informou que para ela foi a grande
descoberta no que diz respeito a APROFAM, pois:

A minha grande descoberta foi com a tecnologia social do PAIS, aí


sim, porque para mim o que está por trás da APROFAM é muito mais
importante, do ponto de vista de você enveredar por esse caminho,
você saber que existe aquela forma de produção para a gente poder
transformar isso em uma associação. Então, o PAIS foi uma coisa
fantástica para mim.

Sobre a adesão e preferência dela por consumir os produtos da FAM, ela


ressalta:
Quando você começa nesse processo (alimentação saudável), é um
caminho que não tem volta, pelo menos para mim não tem volta mais.
Porque, você começa a ter resultado na saúde, você começa a
descobrir os sabores, e aí você não quer mais trocar aquele produto

204
por outro, então, na falta, é melhor ficar sem. Antes eu não tinha essa
dimensão, quando comecei a frequentar a feira, ah, não tinha a
cenoura, eu comprava a outra, agora, não é mais assim. E o que me fez
ficar assim foi o próprio processo de mudança, a descoberta da
alimentação saudável. E você vai vendo os outros fatores que estão
nesse processo, e o fator social e político é muito forte.

Para a consumidora, essa compreensão a partir da sua própria experiência, a


possibilitou um olhar mais amplo, no sentido de entender que essas práticas estão
diretamente relacionadas aos fatores de sustentabilidade “planetária”, além de
possibilitar uma visão crítica do mundo e sobre o mundo.
Esse processo de imersão maior na feira, nos espaços produtivos, e com a
alimentação saudável, levaram a consumidora a pensar em se tornar produtora orgânica,
dentro do seu projeto pessoal de vida de desenvolver algum projeto para o momento da
sua aposentaria. Para tanto, ela contou com a ajuda do agricultor Paulo (Assentamento
Paulo Freire), para auxiliá-la no projeto de produção orgânica urbana.
Perguntada sobre o que acha de comprar no supermercado e na feira, se a relação
é a mesma, ela relatou “Tem muita diferença, a começar pelo ambiente, a feira é muito
melhor, muito mais bonita, muito mais interessante. Tem uma relação forte, em
supermercado não tem relação com nada, tem relação de você com a prateleira,
somente”.
Sobre como ela vê a feira agroecológica, nos afirmou:

Acho que hoje a APROFAM, ela tem um papel muito de educação


para a gente, tanto da educação ambiental, como também da educação
política. Porque eu vejo a feira como um encontro de tantas pessoas, é
um ponto de referência ali. Porque os consumidores da feira
começaram a conversar muito entre si, por exemplo, uns perguntam
aos outros: “como é que você usa tal coisa?” então, não é só chegar,
comprar e sair, mas é chegar, conversar, descobrir coisas e depois ir
embora, é o que são chamadas as prosas da feira.

Os agricultores e agricultoras da APROFAM realizaram em 2016 um encontro


nas dependências da UFERSA com os consumidores. A finalidade desse momento era
apresentar a APROFAM e estabelecer com os consumidores maior relação de
proximidade, de modo que os consumidores entendessem mais sobre a produção
realizada pelo grupo, assim como das suas limitações e impasses. O encontro consistiu
na apresentação realizada pelos agricultores e agricultoras para exposição aos

205
consumidores dos dados levantados mediante aplicação dos referidos questionários
(figura 42).
Nesse primeiro momento do encontro tornou-se evidente através da participação
dos consumidores, em média 30 pessoas, o interesse em compreender a FAM, assim
como, colaborar para o seu fortalecimento. Houve questionamento por parte dos
consumidores sobre a pouca oferta de algumas culturas, como por exemplo, o tomate
cereja, ou mesmo o tomate comum. Nesse momento, os agricultores e agricultoras
expuseram suas dificuldades técnicas de produção, e limitações para a expansão de
maior oferta. Os consumidores presentes demonstraram interesse em contribuir de
forma mais efetiva para maior efetivação da FAM. Alguns, inclusive, já haviam visitado
locais de produção durante as visitas técnicas realizadas pelos agricultores, agricultoras,
consumidores e entidades parceiras. Após os momentos de diálogo, houve a
disponibilidade de um lanche agroecológico para os consumidores (figura 43).

Figuras 42 e 43: Encontro com os consumidores da APROFAM.


Fonte: Pesquisa

Nesse encontro os agricultores e agricultoras falaram da capacitação oferecida


para outros produtores para que se integrem a APROFAM até o final do corrente ano.
Essa capacitação já foi iniciada através de parceria entre a APROFAM e o SEBRAE e
participaram 26 pessoas. Trata-se de uma formação realizada em duas etapas, após esse
momento, os agricultores e agricultoras iniciam a produção.
A APROFAM foi contemplada no ano de 2018 com o financiamento do Banco
do Brasil para investir na produção e comercialização. Para celebrar esse momento, os

206
produtores e produtoras realizaram um café da manhã aberto ao público e contou com a
participação de representantes de diversas instituições (SEBRAE-RN, PMM,
Cooperativas, EMATER-RN, Grupos de Arte Local, Impressa, FBB, UFERSA, IFRN,
Assembleia Legislativa do Estado, Escolas Municipais e Estaduais). Esse momento
aconteceu em um dia de comercialização, então, os consumidores estavam presentes. Na
ocasião, as barracas contaram com uma diversidade de produtos, graças a incidência
maior de chuvas no ano corrente, as figuras 44, 45, 46 e 47 mostram esse momento de
festa na APROFAM.

Figuras 44: Momento de café da manhã e comercialização na feira; Figura 45: Agricultora Sebastiana
na feira.
Fonte: Pesquisa

207
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As feiras agroecológicas enquanto circuitos curtos de comercialização, têm


constituído para a agricultura familiar na contemporaneidade, fortalecimento e inserção
aos mercados alternativos. A agroecologia tem sido um enfoque sistêmico e científico
importantíssimo para essa categoria social, pois, essas famílias conseguem produzir e a
partir dos quintais de suas casas, fortalecem a condição de Segurança Alimentar e
Nutricional das suas famílias, bem como acessam diretamente o consumidor que hoje
constitui-se como um ator central para os circuitos curtos de comercialização.
Assim, apreende-se que essas experiências de circuito curto tem realmente
valorizado saberes e culturas alimentares tradicionais, e nesse sentido, tem sido
construída outra relação em torno do alimento, além dos territórios onde essas práticas
se dão, serem também redesenhados, com maiores indicativos de sustentabilidade
socioambiental.
Algumas questões que eram centrais para a pesquisa, foram respondidas. No
sentido de que a maior proximidade entre distintos atores em um circuito curto, a saber,
agricultores e consumidores, se configuram como basilares para sustentar essa
experiência, uma vez que o alimento é valorizado inclusive pelo seu valor cultural.
Desse modo, as práticas sócio produtivas identificadas na pesquisa evidenciam
um coletivo de atores que produzem em condições heterogêneas, com limitação de
recursos tecnológicos, além das condições naturais da região onde esta experiência se
dá. Sobre as referidas práticas, evidenciou-se que as limitações tecnológicas e naturais
na maioria das vezes é um empecilho para um fluxo contínuo de produção, o que por
sua vez, não deixa de comprometer a Segurança Alimentar e Nutricional das famílias.
Dentro desse quadro, evidenciou-se que os agricultores e agricultoras se ajudam,
adquirem produtos dos demais produtores, se adaptam ao calendário da produção
agrícola, e muitas vezes sem ter produção em abundância para comercializar,
permanecem assíduos aos espaços de comercialização.
O perfil da população dos agricultores e agricultores consistem em sua maioria
em pessoas que vieram da agricultura, ou seja, viram seus pais e avós produzirem e
viverem da terra, em um contexto bastante distinto, contudo, essa trajetória dos seus
familiares, permitem que essas pessoas reconheçam e valorizem a condição de
agricultores familiares e camponeses na contemporaneidade. Na maioria das famílias
entrevistadas, todos estão envolvidos com a produção agroecológica, bem como com a

208
comercialização. A questão sucessória trata-se de um elemento de fragilidade de
algumas famílias, uma vez que em alguns casos, os filhos não trabalham com os pais, e
esses consideram que não terão a quem passar esse conhecimento acerca da produção. O
significado que os produtores e produtoras têm da produção agroecológica, bem como
da comercialização, é que esta experiência, embora com todos os desafios tem dado
melhores condições para a família, tanto no que diz respeito ao consumo alimentar da
família, bem como no que diz respeito a comercialização, que além de melhorar a renda
da família, tem possibilitado um contato direto com o consumidor que para a maioria,
isso já valida essa experiência.
A transição para a agroecologia não tem sido fácil para os atores sociais ao
longo do tempo, mas, sobretudo para os que já produzem há dez anos, o solo de que
disponibilizam hoje é bem melhor, e produzirem com diversidade para as unidades de
produção tem proporcionado maior rendimento às famílias. O desafio do acesso a água
para produção está presente em quase todas as unidades, para isso, os produtores se
adaptam, e também são abertos a novas tecnologias, bem como há casos em que
precisam comprar água. Com isso contam com um coletivo de instituições (SEBRAE;
UFERSA; Cooperativas; EMATER-RN; PMM, dentre outras) que tem apoiado a
APROFAM. Desse modo, a agroecologia induz a uma visão holística sobre o campo, no
sentido de reconhecer os diversos atores sociais que estão presentes nesse espaço, e
ainda a importância desses atores assumirem sua condição de autonomia frente ao
modelo hegemônico de produção alimentar.
A APROFAM tem hoje espaços de comercialização diversificados, sendo o que
conta com maior fluxo contínuo de consumidores, a comercialização do sábado na praça
do Museu. Embora a maioria dos produtores tenha dificuldade em acessar os outros
locais de comercialização, eles se reúnem e decidem mandar os produtos pelos
produtores, para que não deixem faltar produtos para os consumidores, bem como,
perder a oportunidade de vender. Há também os produtores que vendem à domicilio as
cestas agroecológicas.
A relação agricultor e consumidor tem sido fortalecida no âmbito da
APROFAM, e para a maioria dos produtores, essa relação tem validado e fortalecido
essa experiência criando e estabelecendo laços de confiabilidade e reciprocidade para
ambos os atores. Os produtos já são percebidos pela maioria dos clientes como sendo
distintos dos produtos das prateleiras dos supermercados, nos quesitos de qualidade que
dizem respeito a cheiro, sabor, frescura e durabilidade. A proximidade entre agricultores

209
e consumidores, não diz respeito apenas à aproximação geográfica, pois, é uma
tendência não só no Brasil, mas, por exemplo, igualmente na Europa a abertura de
pequenas lojas para atender a demanda do mercado local, mantendo-se, contudo, o
modelo de produção e distribuição hegemônicos. Por isso, é preciso de fato, atentar para
a relação produtor/agricultor e consumidor.
Na Feira Agroecológica identificou-se um processo de diálogo entre
agricultores, agricultoras e consumidores, além da preocupação dos produtores em estar
aproximando os consumidores para compreender o processo complexo da feira, e assim,
associarem a defesa dessa experiência à manutenção da agricultura camponesa nesse
território. Identificamos ainda que os integrantes da APROFAM são ativos na produção
agroecológica e dividem-se para participarem com assiduidade das capacitações,
congressos e atividades de defesa da agricultura ecológica. Embora, eles interajam com
as outras iniciativas agroecológicas presentes no Estado, essas pessoas têm uma
dinâmica própria de trabalho, em que permitem as confluências na medida em não
interfiram em seus propósitos de fortalecimento do circuito curto em questão.
No que diz respeito ao perfil dos consumidores da APROFAM, evidenciou-se
que em sua maioria trata-se de pessoas com nível de formação superior, pessoas
preocupadas com a saúde em primeiro lugar, e secundariamente com a sustentabilidade
ambiental e social desse modo de produção. Evidenciou-se também laços de confiança e
reciprocidade por parte dos consumidores, uma vez que acreditam que precisam
consumir esse alimento, pois assim estarão fortalecendo a agricultura familiar.
Inclusive, há consumidores que frequentam também, os espaços de produção. Percebeu-
se também que a feira, sobretudo, a que acontece aos sábados, é um momento de
encontro entre os consumidores, é comum ver-se nesse dia, rodas de conversas após as
compras.
Torna-se claro que as pessoas que se tornam fiéis aos dias de comercialização da
feira agroecológica consistem ainda nos que sentem que nas prateleiras e corredores dos
supermercados está a mais clara evidência da dieta moderna, onde espécies estão
desaparecendo, tornando-se extintas da dieta humana, representando um risco para a
saúde, e perda considerável de capital natural, cultural e social, com referência em
Pollan (2008).
É válido ressaltar que esse circuito curto tem permanecido ao longo do tempo
devido a uma série de fatores, tais como, protagonismo dos atores e das suas famílias,
apoio de instituições, confiabilidade e reciprocidade por parte dos consumidores. Ao

210
passo em que reflete-se que suas fragilidades decorrem também de uma série de
elementos que são centrais para o fortalecimento dessa experiência, tais como políticas
públicas construídas em coletivo com esses atores, na perspectiva proposta por Sen
(2010), bem como acesso a tecnologias que estejam pautadas pelos princípios da
Convivência com o Semiárido (Silva, 2006).
Ademais, a prática da agricultura camponesa nessa região apresenta dinamismo
e potencialidade, pois há diversificação de atividades nos aspectos produtivos e de
comercialização. Essa relação pode ser percebida de diversas formas, venda direta dos
produtos agrícolas nas feiras agroecológicas, pequenos circuitos de distribuição, dentre
outros. É mister salientar que essas atividades estão sempre relacionadas à essência da
condição camponesa, além de valorizar o espaço rural, renovando também as relações
sociais entre campo e cidade, como ressaltam Bové e Dufour (2001).
Apreende-se dessa experiência que a inserção da agricultura familiar nos
circuitos curtos trata-se de uma realidade que tem sido fortalecida nas últimas décadas, e
por isso, faz-se necessário mais estudos e pesquisas que possam compreender essas
experiências em sua essência, captando também, seus limites e possibilidades.

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In: MENASCHE, R. (org.). Saber e sabores da colônia: alimentação e cultura como
abordagem para o estudo rural. Porto Alegre: UFRGS, 2015.

222
APÊNDICES

223
APÊNDICE I
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
CIRCUITOS CURTOS COMO ESTRATÉGIA DE MANUTENÇÃO DA
AGRICULTURA CAMPONESA: O CASO DA FEIRA AGROECOLÓGICA DE
MOSSORÓ-RN
QUESTIONÁRIO: PRODUTORES

1) IDENTIFICAÇÃO:
Nome:
Localidade:
Município:
Dados da família:
2) PROPRIEDADES SOCIAIS DO PESQUISADO (A):
História, origem, tempo de moradia
Relações externas e as experiências com o mundo urbano:
Nível tecnológico na produção:
Perfil socioeconômico:
Questão sucessória no estabelecimento familiar:
Participação em movimentos sociais, associações e organizações:
Posição de liderança local na comunidade ou no empreendimento:
3) DADOS DO EMPREENDIMENTO FAMILIAR
Estrutura fundiária:
Atividades agrícolas e não-agrícolas:
Há quanto tempo pratica a produção agroecológica:
Processamento de produtos:
Nível das instalações e benfeitorias:
Força de trabalho: familiar/contratada:
Todos da família trabalham na produção agroecológica?
Trabalham fora? Qual atividade?
Instituições que assistem a propriedade?
Acessa outros mercados?
4) SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E SOCIAL: PRODUÇÃO
AGROECOLÓGICA
Como era a produção antes da agroecologia?
De que forma produz?
O que produz?
Dispõe de água para a produção?
Dispõe de assistência técnica?
Como é feito o controle de pragas?
O que motivou a produzir dessa forma?
Quais dificuldades tem encontrado para produzir?
Se a feira parar de funcionar, o que faria?
5) SEGURANÇA ALIMENTAR
Como era a alimentação da família antes da produção agroecológica?
A alimentação da família provém produção agroecológica?
O que é comprado fora?

224
6) RESGATE HISTÓRICO DA INICIATIVA

1. Atores e instituições iniciadoras da atividade


2. Principais estágios e marcos
3. Apoio de políticas públicas/ parceiros e agentes envolvidos
6.1 ANÁLISE DO PROCESSO E TRAJETÓRIA NO TEMPO E NO ESPAÇO
1. Evidenciar o processo e a trajetória de constituição da Feira, procurando responder o
que foi feito, como e por quem;
2. Evidenciar a evolução no tempo e espaço, se houve mudanças de atores sociais e por
que;
3. Evidenciar se há outros canais de comercialização atuais
4. Como passou a integrar a feira e há quanto tempo
6.2 CARACTERIZAÇÃO DO PRODUTO/EMPREENDIMENTO
1. Familiar/vizinhança
2. Valores associados ao produto/qualidade
3. Recursos sociais, culturais, da natureza e locais mobilizados
4. Tempo dedicado ao empreendimento
5. Matéria-prima utilizada própria? Vizinhos? Quantos?
6. Quem comercializa? Quem coordena? Divisão de tarefas?
7. Canais de comercialização
8. Capacitação? Cursos?
10. O que acha do valor comercializado na feira?
11. Como avalia a comercialização em outros espaços?
7) GRAU DE GOVERNANÇA
1. Governança do empreendimento (como se dá a mobilização de recursos, como se dá a
organização referente aos aspectos estruturais);
2. Aprendizagem e circulação das informações;

8) IMPACTOS E EFEITOS PARA A FAMÍLIA AGRICULTORA E A


LOCALIDADE

1. Efeitos e resultados dessa experiência: para a família, para a localidade;


2. Agregação de valor pelos agricultores/agricultoras envolvidos na Feira;
3. Receita do empreendimento; impactos na renda familiar e na qualidade de vida;

9) LIMITES E DESAFIOS
1. Quais são os principais limites para o desenvolvimento e sustentabilidade dessa
experiência;

225
APÊNDICE II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
CIRCUITOS CURTOS COMO ESTRATÉGIA DE MANUTENÇÃO DA
AGRICULTURA CAMPONESA: O CASO DA FEIRA AGROECOLÓGICA DE
MOSSORÓ-RNQUESTIONÁRIO:
CONSUMIDORES

Nome:
Contato/E-mail:
Idade:
Profissão/Ocupação:
Há quanto tempo frequenta a feira:
Frequência:
( ) Quase todos os sábados
( ) Quinzenalmente
( ) Média de uma vez ao mês
( ) Raramente
Em que horário:
( ) 5 -5:30 ( ) 6:30-7h
( ) 5:30 – 6h ( ) 7h – 7:30
( ) 6h – 6:30 ( ) 7h em diante
Gasto médio na FAM:
( ) Até R$ 20,00 ( ) De R$ 50,00 a R$ 100,00
( ) De R$ 20,00 a R$ 50,00 ( ) Acima de R$ 100,00
Como conheceu a APROFAM?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Por que você compra na APROFAM?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Por que você confia nesse produto? Ele tem qualidade?

226
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Qual a diferença entre comprar na feira e comprar no supermercado? Você acha que os
produtos são iguais?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Você conhece os produtores? Já visitou algum local de produção? Há relação de
amizade, confiança, negócio, ou nenhuma?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Como você se sente nessa relação produtor e consumidor? Você compra sempre do
mesmo agricultor (a)? Por que?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Você acha o preço justo? Pede desconto?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Tem conhecimento do modo de fazer utilizado pelo agricultor(a) para a produção dos
alimentos comercializados na APROFAM?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
O agricultor/feirante deve comercializar o que produz, ou pouco importa?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Em que medida você considera que essa experiência é importante para o
desenvolvimento local?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________

O alimento que você adquire na APROFAM é importante para você e sua família? De
que forma?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________

227
Se a feira deixar de acontecer, isso representa alguma mudança para a alimentação da
sua família?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Quais desses produtos você consome:

HORTALIÇAS FREQUÊNCIA CARNES FREQUÊNCIA OUTROS


Tomate Cereja Frango Castanha
Alface Ovino Polpa de Fruta
Rúcula Caprino Prod. Medicinais
Cheiro Verde Prod. Apícolas
Pimentão Temperos
Espinafre Queijo
Cenoura Doces
Beterraba Ovos
Macaxeira Bolos
Batata Doce Sucos
Jerimum Salgados
Maxixe
Quiabo

Tem algum produto que você adquire, mas não está listado acima?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________

Produtos que gostaria de adquirir, mas não estão listados acima:


______________________________________________________________________
______________________________________________________________________

228

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