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DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO
Lizandra Andrade Nascimento1, Gomercindo Ghiggi2
1
URI-SLG/Ciências Humanas, e-mail: lizandra_a_nascimento@yahoo.com.br
2
UFPel/PPGE-UFPel, e-mail: gghiggi@terra.com.br
1 INTRODUÇÃO
A escola não é o único espaço educativo. Contudo, a partir de seus
compromissos republicanos com a introdução das novas gerações na cultura e
de suas especificidades no que tange à construção do conhecimento, cabe
refletir sobre os desafios do cumprimento destes compromissos e
especificidades em nossos dias. O contexto atual torna-se desafiador para
todas as instâncias, sobretudo para as famílias e para a escola. Isso porque, as
grandes conquistas científicas e tecnológicas, a ampliação do número de
pessoas que chegam ao Ensino Superior e os demais exemplos de avanços da
humanidade em distintas áreas coexistem com a miséria, a injustiça social, a
corrupção e com episódios de violência.
Em um mundo fora do eixo, no qual o bom senso parece ausente em
inúmeras situações, educar pressupõe um esforço significativo para assegurar
a proteção das novas gerações e propiciar-lhes uma orientação consistente.
Estes esforços, entretanto, nem sempre conduzem a bons resultados,
acarretando no descrédito com relação à escola.
2 METODOLOGIA
Este estudo configura-se como uma revisão bibliográfica acerca da
educação e os desafios da escola na contemporaneidade. Para Severino
(2007, p. 122), a pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do
registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos
impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou de categorias
teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados.
Desse modo, buscamos respaldo em diversos autores que tratam da temática
central discutida, para embasar as reflexões expressas no presente texto.
3 RESULTADOS E ANÁLISE
Michael Young (2007, p. 1287-1302), em seu texto “Para que servem as
escolas?”, apresenta uma relevante discussão acerca do sentido da
escolarização. Embora esteja sendo profundamente questionada, sem a escola
“cada geração teria que começar do zero ou, como as sociedades que
existiram antes das escolas, permanecer praticamente inalterada durante
séculos”. O autor aponta a incompletude das considerações sobre a escola
feitas pelos críticos de 1970 e 1980, quando os pesquisadores restringiam suas
análises ao lugar da escola nas sociedades capitalistas, argumentando que seu
papel seria o de ensinar à classe trabalhadora qual era o seu lugar.
Na virada pós-estruturalista nas ciências sociais, sob a influência de
Michel Foucault, passou-se a agrupar escolas com hospitais, prisões e asilos,
enquanto instituições de vigilância e de controle, que disciplinavam alunos e
normatizam o conhecimento em forma de disciplinas escolares. Por seu turno,
os neoliberais argumentavam que o mercado oferecia a melhor solução para a
melhoria dos setores público e privado – e da educação em particular,
buscando-se adequar os resultados escolares às ‘necessidades da economia’.
(YOUNG, 2007, p. 1290).
As escolas são tratadas como um tipo de agência de entregas, que
deve se concentrar em resultados e prestar pouca atenção ao
processo ou ao conteúdo do que é entregue. Como resultado, os
propósitos da escolaridade são definidos em termos cada vez mais
Para além das críticas que, na visão de Young (2007) são incompletas,
por desconsiderarem o esforço das famílias em manter seus filhos na escola
cada vez por mais tempo e por não mencionarem o que é específico da
educação escolar (como no caso de Foucault), o autor procura definir os
propósitos da escolaridade retomando a questão do conhecimento.
Se a escola destina-se à construção do conhecimento, é necessário
definir que conhecimento é este que constitui a especificidade da educação
escolar. Cortella (2011, p. 130) o caracteriza como ferramenta da liberdade e
de um poder como amálgama da convivência igualitária, num espaço em que
se repartem ideias para que todos tenham pão 1.
Tal concepção nos aproxima da noção de emancipação exposta por
Paulo Freire (1979), afirmando que a raiz do processo educativo relaciona-se
com a vocação para ser mais, característica do ser humano. Ao conhecer, os
indivíduos ampliam seus horizontes culturais e podem assumir sua posição de
sujeitos, partilhando significados comuns com os demais, a partir de sua
condição de sujeitos cognoscentes.
[...] assumir-se como educando significa reconhecer-se como sujeito
que é capaz de conhecer e que quer conhecer em relação com outro
sujeito igualmente capaz de conhecer, o educador e, entre os dois,
possibilitando a tarefa de ambos, o objeto do conhecimento. Ensinar e
aprender são assim momentos de um processo maior – o de
conhecer, que implica re-conhecer. No fundo o que eu quero dizer é
que o educando se torna realmente educando quando e na medida
em que conhece, ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos
cognoscíveis, e não na medida em que o educador vai depositando
nele a descrição dos objetos, ou dos conteúdos. [...] o educando
precisa tornar-se educando assumindo-se como sujeito cognoscente
e não como incidência do discurso do educador (FREIRE, 1997, p.
23).
A escola configura-se, então, como espaço de aprendizagem e de
formação, em que professor e alunos interagem, a partir de sua incompletude e
1
Mário Sérgio Cortella (2011) discute a especificidade da escola na construção do
conhecimento, considerando que a educação relaciona-se com a “paixão pelo humano que
habita, de forma convulsiva, a tensão articulada entre o epistemológico e o político”, trazendo a
noção de partilha a partir do ditado chinês que diz que, se dois homens vêm andando por uma
estrada, cada um carregando um pão, e, ao, se encontrarem, eles trocam os pães, cada
homem vai embora com um; porém, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um
carregando uma ideia, e, ao se encontrarem, eles trocam as ideias, cada homem vai embora
com duas ideias.
sua admiração e respeito pelo que foi produzido de bom e de belo pelas
gerações antecedentes, bem como demonstrando a contrariedade diante dos
fatos contrários ao bom senso marcantes na história da humanidade. Assim, o
professor insere os estudantes nesse enredo, fazendo com que se percebam
parte desse mundo que é comum a todos que nele habitam, sensibilizando-os
para que valorizem o legado recebido e responsabilizem-se por sua
continuidade, renovando-o.
Isso requer do educador a reconciliação com o mundo, pois é preciso
manter um mínimo de amor por ele para que possa convidar seus alunos a
também amá-lo, e este convite precisa ser atraente na medida análoga e
compulsória. Esta é a fonte da autoridade docente (no sentido concebido pelos
romanos): a capacidade de responder pelo mundo, para além das qualificações
técnicas.
Considerando a educação como “um ato de amor”, Freire (1987, p. 79-
80) salienta que “não há diálogo [...] se não há um profundo amor ao mundo e
aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e
recriação, se não há amor que o funda [...]. Sendo fundamento do diálogo, o
amor é, também, diálogo”.
A relação pedagógica quando perpassada pela afetividade, pela
amorosidade e pela dialogicidade, oportuniza o desenvolvimento da educação
como prática de liberdade e de humanização. O processo educativo pode ser
definido como “o encontro amoroso entre os homens que, mediatizados pelo
mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam, e, transformando-o, o
humanizam para a humanização de todos” (FREIRE, 1992, p. 43).
Amorosidade e diálogo oportunizam aos indivíduos viver em plenitude o
processo de humanização e de estabelecimento de sua presença no mundo e
na teia de relações com os demais. Isso porque, segundo Freire (1987, p. 79-
80), a pronúncia do mundo só é possível quando existe amor, na condição de
fundante e decisiva para que a ação humana seja comprometida com o outro.
Nas palavras de Correia (2013, p. 6), a fonte dessa responsabilidade é
política na mais larga medida, pois é o próprio amor mundi, sem o qual a
própria possibilidade da política é vedada.
Educar por amor ao mundo supõe, portanto, testemunhar diante dos
alunos que este mundo vale a pena e merece ser cuidado por todos, a fim de
que este espaço torne-se, cada vez mais, o cenário para a vivência coletiva da
cidadania participativa e para a partilha de significados comuns. Aí reside a
politicidade da educação escolar, no fato de que a escola existe para
possibilitar a todos o acesso ao conhecimento e à assunção do papel de
sujeito, capaz de interagir criticamente com os demais e pautar suas ações no
pensamento.
Obviamente, não se trata de uma garantia. A construção de
conhecimentos, por si só, não garante a formação para a cidadania. Como
argumenta Arendt (1998, p. 145-146):
Não me resulta difícil imaginar que algum deles [seus alunos] será
republicano e que outro se converterá em liberal ou sabe Deus o que.
Mas, esperaria que aquelas coisas extremas que são a consequência
concreta da falta de pensamento [...] não possam (aflorar). A questão
é como atuarão quando a sorte esteja lançada. E há que se ter em
conta a ideia de que eu examino meus pressupostos, que, em
qualquer caso, penso “criticamente” [...] e não me permito evadir-me
repetindo os clichês do que isso leva. Diria que qualquer sociedade
que tenha perdido o respeito por isto não está em bom estado.
4 CONCLUSÕES
Apostamos na possibilidade de a escola, articulada às demais esferas
da sociedade, constituir, cada vez mais, o espaço em que crianças e jovens
contem com professores qualificados, que ensinem os conteúdos com
convicção e entusiasmo, demonstrando aos educandos a relevância daquilo
que estudam; que testemunhem o desejo de que o mundo se transforme em
um lugar adequado à existência humana plena de sentido; e, que convençam
por suas opiniões e ações que esta mudança é possível. Nesta experiência, as
novas gerações são orientadas e protegidas para que possam desenvolver
suas potencialidades, ampliar seus horizontes culturais e assumir com
responsabilidade a cidadania num mundo comum.
Trata-se de uma concepção de escola comprometida com o mundo e
com as novas gerações, que busca inspirar nas crianças e jovens o apreço
pelo mundo, de modo que passem a assumir responsabilidades pela
preservação e renovação deste espaço compartilhado. Isso implica constituir
um espaço que propicia a aprendizagem e a convivência de pessoas que se
conhecem e se expressam/revelam por atos e palavras, pela partilha de
significados comuns.
Nesta concepção de escola, reafirmam-se os compromissos das
gerações adultas para com as crianças e os jovens, a partir da sua acolhida
com responsabilidade e amorosidade, ensinando-os a respeitar e compreender
5 REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Vanessa Sievers. Amor mundi e educação. Reflexões sobre o
pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: USP, 2009.
_____. Educação, histórias e sentido em Hannah Arendt. Texto apresentado
no GT-17: Filosofia da Educação. ANPED. Disponível em:
www.anped.org.br/reunioes/31ra/trabalho/GT-17-4307. Acesso em 24/02/2014.
YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? Educ. Soc., Campinas, vol.
28, n. 101, p. 1287-1302, set./dez. 2007.