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Caminhos da Sedução Julianne McClean

Clássicos Históricos
Romances do Século XIX

Caminhos da Sedução
Julianne McClean

Inglaterra, 1884

Ela só tinha olhos para um homem... E faria de tudo para conquistá-lo!

A criação rígida, num lar sem calor humano, não abalou a natureza romântica de Lily
Langdon, nem sua paixão por Edward Wallis, o conde de Whitby, doze anos mais velho
que ela. Mas Edward vê a irmã mais nova de seu melhor amigo como uma menina, sem
perceber que ela se transformou numa mulher linda e fascinante, determinada por todos
os meios a seduzi-lo.
Quando Lily recorre a seu poder de sedução para conquistar o coração de Edward, ele
adoece gravemente. Essa adversidade, no entanto, apenas fortalece sua determinação
de conhecer o êxtase da paixão nos braços daquele homem e de provar a ele que nunca
é tarde demais para se apaixonar e viver o amor em toda a sua plenitude...

Projeto Revisoras 1
Caminhos da Sedução Julianne McClean

Digitalização: Sílvia
Revisão: Cynthia M.
Querida leitora,

Quando Lily e Edward são flagrados numa situação comprometedora, ele é obrigado a
pedi-la em casamento. . Mas Lily sonha com um casamento por amor, não por obrigação.
E será preciso uma surpreendente reviravolta do destino para que o seu sonho se
realize...
Uma história de amor transbordante de sensualidade e emoção, que tocará fundo seu
coração!
Leonice Pomponio Editora

TRADUÇÃO J. Alexandre
Copyright © by Originalmente publicado em pela HarperCollins Publishers
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERS
NY. NY-USA Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Proibida a reprodução, total ou parcial, desta publicação, seja qual for o meio,
eletrônico ou mecânico, sem a permissão expressa da Editora Nova Cultural Ltda.
TÍTULO ORIGINAL: Love According to Lily
EDITORA Leonice Pomponio
ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia Chaves
EDIÇÃO/TEXTO Tradução: J. Alexandre Revisão: Giacomo Leone
ARTE Mônica Maldonado
ILUSTRAÇÃO Hankins + Tegenborg, Ltd.
COMERCIAL/MARKETING Silvia Campos
PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi
PAGINAÇÃO Dany Editora Ltda.

© Editora Nova Cultural Ltda.


Rua Paes Leme, - º andar - CEP - - São Paulo - SP
www.novacultural.com.br
Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley

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Caminhos da Sedução Julianne McClean

Prólogo

Castelo de Wenworth, Yorkshire, Inglaterra, Verão de 1872

Foi aos vinte e um anos que Edward Peter Wallis, conde de Whitby, enquanto levava à
boca uma xícara de café, decidiu seriamente que não queria morrer. Ou melhor, não
queria envelhecer — porque ser jovem era mais divertido e gratificante.
— Aí vem sua irmãzinha, correndo colina acima — disse Whitby a seu amigo James
Langdon, duque de Wenworth, sentado à frente dele à mesa de refeições, que fora trazida
à varanda ensolarada, uma vez que ambos precisavam de luz e ar fresco, após os
excessos alcoólicos da noite anterior.
Quem julgasse isso uma idéia tola não imaginava o prazer de receber o sol na pele e
observar o reflexo do bule de prata na toalha, brilhante a ponto de ofuscar a vista.
— Veja como corre! — Whitby se recostou na cadeira a fim de apreciar Lily, com sua
saia azul e blusa branca de estudante esvoaçando no ar. — Não acredito que ela me
peça para brincar de esconde-esconde.
— Talvez de dominó — retrucou James, meneando a cabeça, pensativo.
Whitby ainda usava os mesmos trajes da véspera, porém o rosto estava macilento e
tinha olhos de ressaca. Apesar da aparência desagradável, não pôde deixar de sorrir para
Lily, quando ela se aproximou com um infantil e franco sorriso estampado no rosto. Havia
acabado de completar nove anos.
O conde se dirigiu a James:
— Em qual idade você acha que ela perceberá que já não podemos segui-la na
escalada da colina? Aos olhos inocentes da menina, somos heróis invencíveis, mesmo
porque a encontramos toda vez que se esconde nos arbustos. Nem imagina que sua
risada a denuncia — disse meneando a cabeça e tomou mais um gole de café.
— Fale por si, Whitby. Você pode estar de ressaca, mas eu ainda sou capaz de
disputar uma corrida com Lily.
Ela finalmente alcançou a varanda, arfante. Seus cabelos negros formavam duas
tranças paralelas, arrematadas com fita azul, que combinava com a cor da saia.
— Lorde Whitby! Sabia que o encontraria aqui.
— E como podia saber, meu anjo? — Ele pousou os cotovelos no tampo, ignorando o
peso na cabeça. — Um passarinho lhe contou? Ou foi a aranha que está em seu ombro?
Assustada, a menina espanou-se toda com a mão. Whitby riu, embora lhe doesse
enganar Lily.
— Você é um fanfarrão, lorde Whitby. Mas os dois precisam tomar banho com
urgência. Cheiram a fumaça de charuto.
— Opinião de criança — o conde retrucou.
— Não sou criança — rebateu Lily. — E sua penalidade pelo insulto será me procurar.
Feche os olhos.
Divertido, e como sempre incapaz de recusar um pedido dela, Whitby obedeceu. As
botas de Lily soaram contra as pedras da trilha.
— Tente me achar! — gritou após alguns segundos. A idéia de erguer-se da cadeira
desanimou o conde.
— Vá você, James. — Ele se recostou no espaldar, inerte. — Afinal, Lily é sua irmã.
— Mas ela convidou você!
— Só porque eu brinco pouco com Lily, a pequena vive me provocando. Você tem
muito a aprender sobre o comportamento das mulheres, meu amigo.
Ciente de que nunca convenceria James, Whitby forçou-se a levantar.
— Já estou indo! — bradou na direção dos arbustos. Logo que desceu os degraus da

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varanda, Edward viu a barra da saia de Lily despontando atrás do bebedouro para
pássaros, que não era largo o bastante para ocultá-la. Claro, a menina se julgava
invisível.
— Creio que está perto das azaléias, Lily. Ou aqui mesmo, debaixo do caramanchão.
Lily emitiu sua habitual risada, o que bastou para que seu perseguidor a encontrasse
em questão de segundos. Gritando, ela fugiu das mãos em garras do conde. Este correu
atrás, até parar de repente e apertar as têmporas com os dedos.
— Deus do céu! Como dói!
— Brincar o cansa muito? — indagou Lily ao se acercar, em socorro de Whitby. — Ou
não me quer por perto? Você está ficando tão velho quanto James.
— James não é velho.
— Talvez, mas sem dúvida é sem graça.
O conde se sentiu obrigado, por questão de honra, a defender o amigo. Ou ajudar Lily
a entender que o irmão era uma pessoa complicada, por motivos justificáveis.
— Ele é sem graça porque não brinca de esconde-esconde?
— James não brinca de nada. É praticamente um ancião, tão desanimado quanto meu
pai.
Whitby estreitou os olhos, preocupado com aquele julgamento. Com seriedade,
repreendeu a menina:
— Não concordo, Lily. Ambos são interessantes sob muitos aspectos.
Ela deu de ombros, mas não lamentou o comentário, porque o pai havia sido um
homem frio e cruel. A comparação com outras pessoas, porém, beirava o exagero.
— Prometo que nunca vou parar de brincar com você, Lily, porque tenho a firme
intenção de não envelhecer.
— Todos envelhecem.
— Não eu. Ficarei jovem para sempre. Ao menos em espírito.
— Então — disse a menina, sorrindo —, eu vou crescer e alcançar você dentro de
alguns anos. Poderemos nos casar.
— Casar! Que idéia maluca... Não sirvo para marido, e você é uma criança.
Ele tocou uma das tranças de Lily e voltou-se a fim de retornar à varanda. Precisava de
mais café. Com a pequena corrida que dera, a enxaqueca voltara como uma espécie de
castigo.
Esfregou a nuca, enquanto andava, alheio ao fato de que Lily, sem dizer palavra, saíra
em disparada na direção oposta.

Capítulo I

Castelo de Wenworth, Yorkshire, Outubro de

Os raios de sol do crepúsculo atravessavam a cortina de renda e mergulhavam o


quarto numa doce claridade. Lily Langdon sentou-se a sua mesa de estudos, batendo o
pé com impaciência no soalho. No mesmo ritmo, tentou terminar a carta que vinha
escrevendo.
Estava ansiosa e irritável naquele dia. Sabia por quê. Seu irmão James patrocinava a
temporada anual de caçadas, e os convidados não paravam de chegar, vestidos com
elegância e exibindo jóias caras.
Lily já havia escolhido o vestido para a noite: o de cetim azul-escuro, com relevos
bordados de flores. Faltava definir o colar e os brincos. Embora decidida a impressionar
os hóspedes, ela não gostava de ver o salão principal repleto de estranhos. Nem todos,
claro. Sua família e amigos estariam ali, e talvez fosse essa a razão da ansiedade.
Ela colocou a pena no tinteiro, frustrada. Uma batida na porta precedeu a mãe de Lily,
Marion, duquesa e viúva. Por meio de um rápido olhar, Marion conferiu se o quarto estava

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em ordem. Sim, exceto pelos papéis de carta espalhados na escrivaninha e o livro aberto
largado sobre a cama.
— Preciso ter uma conversa com você — disse a mãe, e o anúncio pareceu
inadequado a uma pessoa como ela.
Lily fechou o livro esquecido na cama, com o cuidado de deixar a capa e o título
voltados para baixo. A rígida e mal-humorada mulher nunca compreendera a natureza
sonhadora da filha, que a levava a ler muitos romances.
— Como sabe — ela falou, ocupando a poltrona —, os hóspedes já estão chegando.
Entre eles há um jovem garboso e respeitável, e encorajei Sofia a convidá-lo. Trata-se de
lorde Richard, o filho mais moço do conde de Stellerton.
Mais moço? Sentada no sofá, Lily apertou as mãos sobre o colo. Houvera um tempo
em que sua mãe só levava em conta homens mais velhos como candidatos a esposo.
Mas, afinal, ela era filha de um duque e já contava agora vinte e um anos de idade.
Marion devia estar desesperada para casá-la.
— Quantos anos ele tem? — indagou, tentando dar à pergunta um tom inteligente. —
Não quero me sentir pajeada.
Fingiu calma, porque não confiava no próprio julgamento no que se referia a homens.
Havia se apaixonado por um arrogante rapaz francês, Pierre, que se revelara bem dife-
rente do que ela acreditara ser. Por duas semanas, abrira seu coração — e quase seu
corpo — àquela criatura vil.
Depois, Whitby voltara a sua vida. Sempre Whitby. ,Mas ele não via Lily como mulher,
apenas como uma criança ou irmã. Esperar algo mais daquela relação seria fugir da rea-
lidade.
Sim, Lily precisava de orientação na vida amorosa.
— Lorde Richard fez vinte e seis — respondeu a mãe. — E está cada vez mais bonito...
— Ele pretende me cortejar? Foi para isso que veio?
— Como você, ele não gosta de Londres durante a alta temporada, e procura uma
recatada jovem do interior.
Recatada? O namoro com Pierre não fora marcado pelo recato, embora Lily se
mantivesse virgem. De qualquer modo, um flerte com Richard soava promissor.
— O que irá vestir?
— O vestido azul de cetim.
— Mas... — Marion pousou os olhos no pesado guarda-roupa do quarto. — Talvez algo
mais tradicional fique melhor. Que tal o traje verde que usou com seu belo camafeu?
Por certo, era um modelo mais convencional do que o ousado vestido escuro. Tinha
mangas compridas e uma gola de renda que recobria o colo e a base do pescoço.
— Se a senhora julga mais apropriado...
— Acho que sim. Lorde Richard é bem-educado e acaba de tornar-se capelão nas
terras do pai. Todos prevêem um futuro brilhante para ele, na Igreja Anglicana, como
bispo.
— Mas e se descobrir o que aconteceu entre mim e... — Era penoso pronunciar o
nome de Pierre.
— Águas passadas, Lily. Ninguém sabe, com exceção dos membros da família.
— E Whitby.
Marion calou-se por um minuto. Não era segredo que detestava o conde Whitby desde
o instante em que o conhecera. Atribuía a ele, sobretudo, uma má influência sobre James.
— Infelizmente é verdade — falou a mãe, por fim, com voz embargada. — Se você
tivesse me ouvido, três anos atrás... A questão é que precisa seguir em frente. Era jovem
e cometeu um erro, porém, por sorte, não houve efeitos desastrosos.
Marion se referia, certamente, à virgindade da filha, preservada a despeito das tórridas
carícias que trocara com Pierre. A imagem do efêmero namorado cintilou em sua mente.
Revelara-se um mero aproveitador, porém as marcas da volúpia que ele despertara ainda

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vibravam em seu corpo ávido.
— Caso Richard me aprove como esposa, não conseguirei manter segredos perante
meu marido!
— Por que não? — Marion mostrou-se intrigada.
A mistura de confusão e simpatia, que sempre assolava Lily nos contatos com a mãe,
fez-se presente mais uma vez. Pressentia que Marion nunca amara o pai e guardara sigilo
sobre isso, e muitas outras coisas.
No entanto, desde que James desposara Sofia, Lily compreendera que a total
sinceridade era possível dentro de um casamento. Não existia segredo entre eles, que se
amavam a olhos vistos, esbanjando confiança mútua. Era o que gostaria de ter para si:
franqueza e... paixão.
Talvez lorde Richard, severo, não perdoasse seu caso passageiro com o francês.
Talvez jamais ela conseguisse casar-se com qualquer outro. Como às vezes lhe
acontecia, Lily sentiu-se à beira de um precipício. De qual lado cairia? Terminaria sendo
uma mulher fechada e ressentida como Marion, ou aberta e amorosa como Sofia?
Franziu a fronte ante a incerteza que poderia decidir seu futuro. Enquanto Aline, sua
criada de quarto, lhe escovava os cabelos, Lily ponderou que qualquer outro homem
menos conservador que Richard apreciaria o vestido azul-escuro, bem decotado. Whitby,
porém, nem notaria o que ela estaria trajando na festa de gala. Daria atenção às demais
mulheres, menos a ela, razão pela qual tinha de esquecê-lo.
— Sente-se bem, senhora?
— Sim, Aline, obrigada.
A mente de Lily viajou no tempo a fim de reencontrar a criança que havia sido, a
menina que se escondia nos arbustos e não temia assumir suas paixões. Onde se
ocultava agora aquela jovem desinibida? Ainda seria assim? Focalizou, no espelho, o
brilho de seus olhos azuis.
Por volta das quatro da tarde, um homem subiu a pé os degraus da entrada do Castelo
Wenworth, mostrando meias brancas e sapatos bem lustrados. Era o último convidado a
chegar: o conde de Whitby, velho amigo do duque James.
Trajava casaco longo de lã e chapéu elegante. Sorriu para o anfitrião, que emergira da
casa junto com sua mulher, Sofia. O conde removeu as luvas e suspirou.
— Bem, mais um ano se foi, outra caçada nos espera. Não entendo como o tempo
corre tão depressa. — Inclinando-se, Whitby beijou a mão de Sofia. — Duquesa, está
deslumbrante, como sempre.
— Oh, Edward! Pode me abraçar — ela convidou, expansiva, e notou que Whitby havia
emagrecido e parecia exausto.
— James, você também está ótimo.
— Mas você não — retrucou o duque. — O que andou fazendo na noite passada?
— O usual. Fui a uma pequena festa com o pessoal de teatro, voltei esta manhã, de
trem, sem dormir. Estou um pouco cansado, nada mais.
Na verdade, Whitby não havia repousado na volta, preocupado com sua irmã, Anabela.
Mas preferia que o casal amigo não soubesse disso. Seria alvo de muitas perguntas que
não desejava responder.
— Essas festinhas deveriam terminar às dez da noite — comentou Sofia, antes de dar
o braço ao conde e levá-lo à sala.
— Como vão as crianças? Lian e John continuam dando muito trabalho? — ele
indagou.
— Lian cavalgou seu pônei sem nenhum de nós por perto.
— Incrível! Apenas dois anos, e já com uma postura de nobre. Sua mãe, James, deve
ter ficado orgulhosa.
— Não contamos a ela, pois teria uma crise nervosa.
— Sem mais rodeios, lady Stanton já chegou? Sofia apertou-lhe o braço,

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escandalizada.
— Eleanor Stanton é uma mulher casada, Whitby. Não tem vergonha de perguntar por
ela?
— Somos muito amigos — ele se justificou, sorrindo. — E ela veio desacompanhada.
Mas tudo bem. Você me mostra onde estão as solteiras.
Após ouvir alguns nomes femininos, Whitby prometeu dançar com todas elas, até cair
de fadiga no meio do salão. Entrou no quarto de hóspedes reservado a ele sempre que
visitava o castelo. Habituado ao ambiente, gostou de ver ali seu criado pessoal, que
tomara um trem mais cedo do que o patrão.
O empregado lhe tirou o casaco, enquanto Sofia e James observavam tudo da soleira
da porta, anunciando que o deixariam livre para instalar-se. O conde ponderou que
deveria ter comido alguma coisa durante o dia. Combateu a fome com um gole de
conhaque, do frasco portátil que levava no bolso.
— Boca seca, milorde? — questionou o criado.
— Não conte a ninguém, Jenson.
O que Whitby poderia dizer-lhe? Jenson, de sessenta e um anos, era seu serviçal havia
duas décadas. Desde que o conde perdera o pai, aos oito anos, o criado assumira parte
do papel paterno. Só por isso, merecia explicações. Mas o nobre limitou-se a balançar a
cabeça e bebeu o que restara na garrafa de bolso. Às sete e meia, Lily desceu para a sala
de vestir, uma espécie de camarim privativo das mulheres, fartamente iluminado por
velas, repleto de espelhos nas paredes e apinhado de jovens casadoiras. As mães e
criadas de quarto davam os últimos retoques na maquiagem, no penteado e nos vestidos
longos e pesados.
Espiando o salão de festas, Lily viu Sofia e James instalados perto da lareira,
entretendo alguns convidados, e uma senhora sentada ao piano, à espera de ordens para
dar início à música. Ela ponderou se lorde Richard já havia chegado, se conseguiria fugir
de uma apresentação formal. Naquele momento, sentiu a aproximação de alguém, por
trás. Logo uma mão masculina a segurou pelo braço.
— Lily, ainda bem que está atrasada como eu.
Era lorde Whitby, em traje a rigor, sorrindo, bonito como sempre com seus cabelos
claros e cheios de ondas. Lily gostaria de não sentir-se atraída por ele, de considerá-lo
apenas como um amigo. Contudo, o coração pulsava mais forte toda vez que o via.
— Por que está espionando, de longe? Vamos entrar. — Com a mão nas costas dela,
Whitby a guiou gentilmente, fazendo-a lembrar-se de que, até então, ela não havia pro-
nunciado uma só palavra.
Idêntica mudez a acometera em alguns bailes da alta sociedade de Londres, ao
perceber o conde flertando com outras mulheres, especialmente Violet Scott. Agora,
Whitby a cumulava de atenções, enquanto lhe oferecia uma cadeira num canto da sala.
Embora perdida no brilho dos olhos dele, Lily continuou calada.
— Como se sente, Lily? Está com uma aparência ótima, hoje.
— Estou bem. — Tentou sorrir, arfando como se alguém a sufocasse com um
travesseiro apertado contra o rosto.
Os olhos de Whitby cintilaram divertidos, graças à resposta de Lily, o que acrescentou
mais vida e exuberância a sua figura.
Ela foi invadida pela velha e familiar saudade que tinha da antiga convivência com o
lorde. No entanto, percebeu que Whitby a estava zombando. Não merecia um sorriso e
sim um beliscão forte no braço. Lily faria isso de bom grado, caso James e Sofia não se
acercassem, expansivos como de costume.
— Pensamos que tivessem se esquecido de nós — queixou-se o melhor amigo do
conde.
— Isso seria impossível — rebateu Whitby, olhando por cima do ombro de James. — Vi
Spencer por aqui. Soube que ele vem exibindo a todos um rifle para caça, último modelo.

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— É verdade. Vamos cumprimentá-lo e pedir para vermos a arma.
Enquanto os homens se afastavam, Sofia examinou as feições de Lily.
— Você está mesmo bem?
— Por que não deveria estar, Sofia?
— Suas faces estão um pouco coradas.
Mortificada pelo comentário, Lily buscou uma resposta não comprometedora.
— Como estava atrasada, tive de correr para descer em tempo. Talvez Aline, minha
criada, tenha apertado demais os laços do espartilho.
— Venha comigo, querida. — A mãe de Lily se juntou à dupla. — Há alguns hóspedes
que você não conhece.
Ela seguiu a mãe até o lado oposto do salão, ainda humilhada pela insignificância de
seu encontro com Whitby. Infelizmente, sempre que o via, sentia todos os seus pêlos
eriçados. Emoções conflitantes e desejos impossíveis brotavam dentro de si.
E as apresentações continuavam. Um homem em particular, de cabelos negros e
bastante atraente, fixou os olhos em Lily, com inequívoco interesse.
Aquele deve ser lorde Richard, pensou Lily, sorrindo para seu futuro noivo, caso as
maquinações maternas resultassem positivas.
O efeito imediato foi que Lily sentiu-se mais à vontade, com o coração em ritmo normal,
ao começar a conversar com Richard e outros de seu grupo. Desconsiderou as faces
vermelhas, esqueceu-se de Whitby e correspondeu com um meneio de corpo ao exame
visual minucioso que o rapaz procedia.
Soou o gongo para o jantar de gala, e Lily sorriu candidamente na direção de Richard
quando seu antigo vizinho, Sr. Horton, adiantou-se ao visitante e tomou-lhe o braço.
Entraram na vasta e formal sala de refeições, iluminada por dezenas de velas
dispostas em candelabros de prata por todo o teto. Sem demora, a totalidade dos
convivas estava instalada à mesa, ornada de flores, e o extravagante serviço de jantar
principiou.
Lily sentou-se do lado oposto a Richard, em diagonal, e assim não puderam dialogar.
Mas era uma boa oportunidade para observá-lo e ver como se comportava.
Trocaram alguns sorrisos, porém na maior parte do tempo Lily fixou a atenção no
extremo da mesa, onde James, Sofia e Whitby riam muito, engajados em animada
conversa.
Ao lado deles, a bela Eleanor Stanton parecia divertir-se, rindo bastante e também
provocando gargalhadas com as observações que fazia.
A Lily restou concentrar-se no prato e dar um pouco de atenção aos vizinhos de mesa.
Terminado o jantar, as mulheres voltaram ao camarim, para retoques e degustação de
café, enquanto os homens se reuniram na biblioteca, a fim de tomar licores e fumar
charutos.
— É bom ver lorde Richard entre nós — lady Stanton abordou a mãe de Lily dentro da
sala espelhada. — Está mais bonito do que quando o conheci, realmente um grande
partido para uma moça do campo, como sua filha.
Como se tivesse escutado, Lily olhou desconcertada para Sofia, que a acompanhava.
—Nesse particular, creio que minha filha teria de superar muitas rivais.
Sofia tocou no braço da amiga, como que a consolando por seu visível estado de
solidão.
— Houve um tempo, Lily, em que você ansiava por festas. Adorava conhecer gente
nova, rapazes bonitos.
Ela esboçou um sorriso.
— Isso foi quando eu era mais nova e ingênua, ignorante das maldades do mundo.
No entanto, falou em tom tão irônico, bem-humorado, que Sofia riu.
— Então, o que pensa de lorde Richard?
Uma nuvem velou os olhos de Lily, de repente emudecida. Sofia sabia por quê. Desde

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quando? Lily não podia precisar, mas lembrava-se de ter contado a Sofia que, em sua
fase de menina-moça, estivera sinceramente apaixonada por Whitby.
Depois, certas coisas mudaram. Lily passou quase dois anos sem ver o conde, o
período subseqüente a seu namoro com Pierre, quando retirou-se preventivamente da
sociedade, perdendo a alta temporada em Londres.
Num momento de desatino, porém, Lily fugiu para Paris, ao encontro de Pierre. Só
então reviu Whitby, exatamente na noite em que ele, e mais James e Sofia, resgataram-
na do hotel barato em que se hospedara. Colocaram-na numa carruagem, obrigando-a a
retornar ao Castelo Wenworth.
Fora salva da ruína, mas Whitby não a julgara nem condenara, como ela própria fizera,
arrependida. Não podia culpar a mãe pelas fortes reprimendas que recebera ao chegar
em casa. Agora, no íntimo, Lily continuava lutando para esquecer aquela lembrança
amarga. Porém, o conde parecia ter apagado o episódio de sua mente. Jamais o
mencionara.
Sofia tomou carinhosamente a mão de Lily.
— Sabe que pode confiar em mim, não?
Lily confirmou, meneando a cabeça, e Sofia apertou-lhe os dedos com mais vigor.
— Somos muito próximas, amiga, e mesmo assim penso que esconde algo de mim e,
portanto, de todos. Acredito que ainda gosta de lorde Whitby, mas nunca demonstrou isso
para ninguém.
— Você é bastante intuitiva, Sofia. Como percebeu? E há quanto tempo?
— Bem, você mesma confessou sua paixão há três anos, quando eu era recém-
casada. Desde então, pensei que já tinha superado o problema. Até você ir a Londres
sozinha, arrasada com o boato de que o conde iria anunciar seu noivado com Violet Scott.
Era apenas boato, e você nunca perguntou sobre a vida amorosa de Whitby. Mas é
evidente que ainda o ama.
— Sou tão transparente assim?
— Não. Se fosse, sua mãe e Whitby saberiam de seus sentimentos. Ele é bastante
perspicaz para notar o interesse das mulheres.
Sim, de outras mulheres que não Lily. Ela o havia observado e esperado por anos, e
continuava sendo tratada como simples amiga. Whitby nem mesmo se dignava a entreter
uma conversa adulta com a moça.
— James sabe?
— Não, Lily. Por vezes, expressei minhas suspeitas a James, mas ele não acreditou
que pudesse ser verdade. Talvez por você ser sua irmã, ele não consegue imaginá-la
apaixonada ou casada. Muito menos com Whitby, que conhece desde criança e com
quem brincava de esconde-esconde. É provável que meu marido veja vocês dois como
irmãos.
— Mas não somos.
— Isso está claro para mim. Talvez tenha chegado a hora de ver se é possível uma
mudança nessa situação.
Lily exibiu à amiga um olhar intrigado. Fazia tanto tempo que reprimia seu amor por
Whitby que não assimilava a possibilidade de um destino diferente.
— Mamãe o despreza — ela alegou como desculpa.
— James não.
— Mas Whitby é muito mais velho do que eu.
— Doze anos. Qual o impedimento? Já vi casamentos de moças com senhores muito
mais maduros.
— Acha que a diferença de idade não seria obstáculo?
— Claro que não, Lily. A vida é curta, você se fixou em Whitby por tanto tempo que
bloqueou a entrada de qualquer outro em seu coração. Houve Pierre, mas foi uma paixão
passageira, baseada apenas na atração física. Agora, chegou o momento de descobrir se

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você e o conde foram feitos um para o outro.
— Descobrir como? — Lily riu, deliciada com a idéia, porém conteve-se ao ver que
chamava a atenção dos demais convidados. — Perseguindo-o? Declarando-me para ele?
— É, simples assim. — A obstinação era uma característica de Sofia e, nesse terreno,
ela se julgava capaz de dar lições à cunhada.
— Mas Whitby nem repara em mim. Não me vê como mulher.
— Você não tem certeza disso.
— Tenho. Sobretudo quando está cercado de mulheres que sabem flertar. Ele só me
nota se não houver outra por perto. Agora mesmo estava mais interessado num novo rifle
de caça do que em falar comigo. Sinto-me invisível.
— Já tentou fazer com que ele a visse?
— De que maneira? Saltando no meio do salão?
— Não, tolinha. Whitby é homem, você é mulher e bonita. Deve flertar com ele, sem se
mostrar disponível demais. Não é preciso caçá-lo. Ele é que finalmente decidirá caçar
você, quando vir que cresceu e se transformou num belo e desejável troféu.
— Veja só. Esta noite, queria usar meu vestido decotado, mas mamãe me impôs este,
sem graça, porque desejava me apresentar a lorde Richard.
— Lorde Richard... — Sofia ecoou, quase em tom de deboche.
Lily olhou para o convidado especial da festa.
— E bonito e parece ser uma pessoa agradável.
— Mesmo para Richard, você deveria mostrar um pouco de seu corpo. Se Whitby notar
que despertou o interesse de outro homem, talvez venha correndo para o seu lado.
— Não, não faria isso, Sofia. Seria injusto usar Richard com o fim de atrair um segundo
admirador.
— Só estou dizendo que você, como mulher jovem e desimpedida, pode testar seus
atrativos com diferentes homens. Nos próximos dias, acho que deve aproximar-se de
ambos. Consegue fazer isso?
Com o coração acelerado, Lily olhou para Sofia pensativa.
— Você acredita que sou capaz?
— Se não acreditasse, não estaria tendo esta conversa com você, Lily.
Ela sentiu um fluxo maior de sangue nas veias, que a agitou da cabeça aos pés. Sofia
confiava no poder de sedução de Lily. Por que ela própria não confiaria?
— Não tenho nenhum vestido mais ousado do que o azul. Comparado aos que vejo no
salão, pode-se dizer que é recatado.
— Pois eu possuo vários, e minha criada é excelente costureira. Facilmente
ajustaremos uma roupa sensual para você usar no baile de amanhã.
— E quanto a lorde Richard? Ele é religioso, talvez não goste.
— Também é homem, e a Igreja Anglicana não exige o celibato, nem a reclusão social.
Veja como se comporta com as convidadas: cheio de charme.
— Não quero perder minhas chances com ele. Sendo bastante realista, acho remota a
possibilidade de Whitby se apaixonar por mim.
Sofia tocou o braço da cunhada, consolando-a.
— Não se preocupe. Se lorde Richard for como a maioria dos homens, vai aprovar seu
figurino. O conde, muito mais.
No fundo da sala de vestir, Marion ouviu ao longe as conversas do salão principal. Não
gostou de ver Sofia e Lily dialogando em particular e muito baixo. Deveriam estar com as
demais pessoas, falando normalmente.
Espiou com atenção e notou um brilho raro nos olhos da filha. Lily parecia ansiosa e
animada. Marion ficou apreensiva e involuntariamente cerrou os dentes.
— Gostou da festa? — James perguntou a Whitby, que estava esparramado no sofá do
quarto do amigo.
Vestido a caráter para a caçada, o conde esperava que James colocasse o casaco

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cinzento, bem acinturado, que o criado segurava para ele.
— Sim, foi divertida. Acho que Sofia apreciou muito.
— Ela adora essas reuniões festivas. — James mirou-se no espelho e voltou-se para
Whitby. — Perdoe minha franqueza, mas você outra vez parece ter saído do inferno. Pelo
menos tomou o desjejum?
O conde ajeitou o chapéu esportivo enfeitado com pena.
— Creio que sim.
— Incrível! Não sabe se tomou café ou não? Sua cabeça ainda está mergulhada em
conhaque.
Sem defender-se, Whitby recostou-se no sofá. Tinha outras coisas em mente que não
o desjejum.
— Houve uma época em que você também evitava comer após uma noite de
bebedeira.
— Graças a Deus, amadureci e mudei, depois do casamento. — James calçou suas
luvas com o auxílio do criado. — Você, ao contrário, continua agindo como se tivesse
vinte anos.
Whitby olhou espantado para James.
— E por que não? Estou vivo, saudável e cada vez mais jovem de espírito.
— Com licença. — James acercou-se do amigo e recolheu, do bolso dele, o pequeno
frasco de bebida alcoólica. — Tomarei conta disto para você.
James dispensou o criado, e, assim que a porta se fechou, inquiriu o conde:
— Você é meu melhor amigo, Whitby, por isso considero minha obrigação perguntar:
quando foi a última vez que ficou sóbrio por mais de um dia?
O conde estreitou os olhos, irritado. Viera ao castelo em busca de diversão, não para
receber reprimendas.
— Não sou um bêbado contumaz, se é isso o que quer saber.
— Então, explique sua aparência deplorável.
— O quê? Vai prosseguir falando como meu pai? Está ficando velho, meu caro James,
enquanto eu pretendo manter acesa a chama da juventude.
— Para isso, é preciso cuidar melhor da saúde e consultar um médico.
Não era segredo que o pai de Whitby, constantemente embriagado, morrera aos
quarenta e dois anos de cirrose hepática, mas exigira do filho que evitasse o mesmo
destino.
A conversa era desagradável para o conde, porque lhe lembrava suas falhas como
chefe da família, em particular no que tangia a Anabela, a irmã vulnerável ao assédio do
primo Magnus, seu inimigo. Por meio do casamento, Magnus poderia obter o que
desejava — a fortuna do clã —, caso Whitby se descuidasse.
Ele novamente defendeu-se da crítica de James:
— Você não entende. Nos últimos dias, tenho sofrido com a boca amarga e a garganta
seca.
— Garganta seca! Vá ao médico.
— Para seu governo, já fui — Whitby mentiu. — Ele mesmo me recomendou
conhaque.
— Por que não me contou?
— Você é sempre sério e correto. Não quis perturbá-lo, mas agora percebo que Martin,
seu querido irmão mais moço, deve sofrer um bocado em suas mãos.
— Segundo o médico, o problema na garganta vai passar?
— Sim, vai. Talvez fosse melhor eu ficar em casa, cuidando da saúde, mas quem
resiste a uma festa no Castelo de Wenworth, seguida de caça aos patos selvagens?
— Bem, só espero que você consiga atirar direito...
Naquela noite, Lily entrou na sala privativa às sete em ponto. Da porta, passou os olhos
por todas as demais jovens e sentiu-se confiante no efeito produzido pelo vestido verme-

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lho de Sofia, dotado de um generoso decote.
Tocou o colar de rubis que completava o figurino e apreciou o contato frio das pedras
com sua pele, especialmente com o vão entre os seios. Da última vez que usara um traje
tão ousado, contara com a coragem de seus dezoito anos. Já não era tão nova, contudo.
Sua mãe não chegara, e Lily alegrou-se por não ter de explicar-lhe sua nova aparência.
Notou que Whitby também não descera ainda, bem como lorde Richard. Apoiada no piano
do salão, Sofia falava com outras senhoras. Ela viu Lily imediatamente e, desculpando-se,
cruzou o recinto com uma expressão aprovadora.
— Você está deslumbrante — murmurou, ao acercar-se da cunhada. — Whitby não
deixará de notá-la, sobretudo por causa dessa cor.
— Ora, ele só vai me cumprimentar pelo vestido e sair de perto.
— Não. Ficará impressionado e mostrará interesse por você.
Lily duvidava, apesar do encorajamento de Sofia.
— Nenhum homem me assediou, antes. Com exceção de um, e você sabe quem. Viu
no que resultou o namoro.
— Não deve pensar nisso, só em Whitby e em como fará para ele perceber que você
quer ser cortejada.
Sofia a conduziu salão adentro. Lily sentiu as faces coradas. Julgava-se desprovida de
um ar coquete, como se dizia então, sobretudo diante do homem que idolatrava e pratica-
mente transformara em personagem de conto de fadas.
Era ridículo, sabia. Whitby não passava de um ser humano, uma pessoa que ela
conhecera durante toda a sua vida.
Naquele momento, os olhos de Lily voltaram-se para a entrada, e ali estava Whitby, no
esplendor de sua beleza masculina, bebericando uma taça de champanhe.
Ao longo dos anos, ele havia amadurecido e se tornado ainda mais atraente, como se
isso fosse possível. Transmitia autoconfiança até na hora de caminhar. Os ossos da face
eram fortes, bem definidos, e naquela noite seus cabelos desalinhados passavam uma
deliciosa imagem de descontração.
Ela reparou na mão que segurava a delicada taça, onde um anel de esmeralda brilhava
à luz do ambiente. Vestido num smoking formal, Whitby andou até a janela e reuniu-se a
outros cavalheiros, com os quais passou a conversar. À passagem de um garçom, Sofia
serviu-se de champanhe e passou outra taça a Lily. Tocou-lhe o braço e pediu:
— Dê as costas ao conde, para que ele possa ver seu decote de trás.
Lily acatou a sugestão.
— Ele olhou para você! — disse Sofia, empolgada. — Da cabeça aos pés! Céus,
Whitby não tem vergonha de mostrar sua apreciação. Como eu esperava, um vestido
vermelho não falha.
— Tem certeza de que o olhar não foi dirigido a você? Sofia negou. Imediatamente,
pediu a Lily para observar por sobre o próprio ombro, como lhe ensinara.
— Ele está vindo para cá.
— Certeza?
— Deve flertar com Whitby e fazê-lo pensar que ele está se insinuando para você, Lily.
Talvez dure toda a noite, mas não demonstre surpresa. Relaxe, deixe-o falar primeiro.
— Acho que Whitby não precisa ser manipulado para se interessar por uma mulher —
disse Lily, com as faces coradas.
— Apenas sorria e fale algo picante. Os homens adoram isso.
No mesmo instante, Lily sentiu a aproximação de Whitby como uma grande onda a
ponto de arrebentar na praia. Seu estômago entrou em incontrolável contração. Ainda
assim, tentou agir como Sofia aconselhara: fingiu indiferença.
— Boa noite, senhoras. — Ele se inclinou, educado. — Devo dizer que ambas estão
estonteantes, esta noite.
Mas a atenção do cavalheiro concentrou-se em Lily, que, em pânico, julgou que a voz

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lhe falharia. As palavras, no entanto, brotaram normalmente de seus lábios, e não foram
ridículas como ela pensava que seriam:
— Obrigada, Whitby. Como foi a caçada?
Ele demorou-se meio minuto para responder, prazo em que estudou as feições de Lily
e, sobretudo, seu colo desnudo e o belo colar de rubis, que pousava num lugar ainda
mais belo. Pareceu surpreso com a figura dela em geral, e com o vestido vermelho que
lhe dava um ar diferente do habitual.
Formulou a resposta tanto para Lily quanto para Sofia:
— Um tédio, na verdade. Ninguém foi capaz de acertar um só pato. Por certo, amanhã
será melhor, pois pior não poderá ser.
Sofia notou que a cunhada não encontrava nada para dizer e por isso antecipou-se:
— E o tempo? Ensolarado?
— Ventava muito, e suponho que hoje foi um dia de má sorte para os caçadores. —
Prosseguiu enumerando quantos patos haviam escapado dos tiros.
Sofia monopolizou a conversa, enquanto Lily assumiu o papel de observadora. De
repente, ela concluiu que suas esperanças e excitação começavam a se dissipar. Fora
tola em confiar no otimismo de Sofia, pouco realista se levasse em conta que não era a
mulher ideal para Whitby. Ignorava o que e como falar com ele.
Outro hóspede se reuniu ao grupo. Lorde Richard saudou os três, mas obviamente seu
interesse centrou-se em Lily.
— Sua mãe me contou que a senhorita lê muito. Também sou um apreciador de boas
leituras, desde que era menino.
Sob o olhar de todos, ela sorriu para Richard e conseguiu exibir um ar confiante.
— Isso é uma coincidência interessante, milorde. Ainda não terminei de ler O Avanço
dos Peregrinos, mas estou fascinada com a história.
Num diálogo caloroso, Lily e Richard passaram a discutir o conteúdo religioso daquele
livro, e Whitby teve de aguardar uma pausa para pedir licença e afastar-se. Lily viu que
ele cruzava o salão até o canto onde estava a encantadora lady Stanton, que o recebeu
com um largo sorriso.
Voltando a atenção a Richard, Lily teve dificuldade em prosseguir a conversa, pois o
lorde desfiava uma série de nomes de livros e seus temas, indagando se ela os conhecia.
Na verdade, Lily enfrentava uma decepção sentimental. Mais uma vez decepcionara
Whitby, que a substituíra por uma companhia mais agradável. Era tempo, talvez, de es-
quecer os sonhos pueris e começar a agir com maior sensatez.
Whitby estava além de seu alcance. Isso nunca fora segredo.
— Por favor, não desista ainda — Sofia sussurrou para Lily no camarim, após o jantar
de gala.
— Ele não está interessado em mim. Não adianta fingir desconhecer o fato.
— Mas você não pode desistir por causa de um fracasso na primeira tentativa.
Ninguém consegue nada desanimando, mas tentando de novo.
— Duvido. Minhas chances de ser feliz são maiores com lorde Richard.
— Realmente ele pareceu fascinado, mas você sentiu alguma atração?
— Não, mas posso desenvolvê-la sem esforço.
— Suponho que não poderei forçá-la, certo? Lily sorriu e meneou a cabeça.
— Será melhor superar minha fixação por Whitby de uma vez por todas, e pensar em
outros homens. Não posso sonhar o impossível, quando isso me impede de viver.
Sofia beijou a cunhada no rosto.
— Se é o que deseja, eu vou apoiá-la. Só quero vê-la feliz. — Olhou na direção da
escadaria e acrescentou:—Vou subir um pouco para ver se as crianças estão dormindo,
mas volto logo. Você ficará bem?
Lily confirmou e seguiu com o olhar triste o afastamento de Sofia.
Minutos depois, os cavalheiros se deslocaram da biblioteca até o salão de festas,

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cruzando o corredor. James e Whitby lideravam o grupo. Lily contemplou a figura
imponente do conde e sentiu pesar pelo eventual abandono de uma parte de sua vida.
Conhecia Whitby desde criança, brincara com ele, que passara a fazer parte de seu
universo afetivo.
O olhar do conde a avassalou com a usual força hipnótica. O corpo de Lily aqueceu-se
graças a uma reação familiar de desejo. Já havia algum tempo que seus sentidos ardiam
ante a visão de Whitby, e ela empreendia uma luta tenaz, e frustrante, para não se
denunciar.
O preguiçoso sorriso de Whitby se refletia mais nos olhos cintilantes. Ele pediu licença
a James e voltou pelo corredor, na direção de Lily. Ela se empertigou toda, preparando-se
para recebê-lo, embora imaginasse que o conde vinha conversar com outra mulher. Lady
Stanton, talvez? Não, a bela Eleanor estava no canto oposto do salão.
Em segundos, Whitby pôs-se ao lado de Lily, alto, musculoso e magnético.
O coração dela disparou, e a mente lutou arduamente contra a lembrança do voto que
fizera: o de não desejar o impossível.
Durante a infância, Lily adorara a disposição de Whitby para brincar com ela. Agora,
como mulher feita, adorava algo bem diferente: a sedução contida naqueles olhos casta-
nhos, o tamanho e vigor das mãos, a divina perfeição da boca e do nariz.
Prestava atenção ao corpo masculino, o que não fizera quando menina. Queria aquelas
mãos em sua pele e a boca cobrindo a sua. Ele era o mais bonito homem que conhecera,
mas certamente não se dispunha a satisfazer a dolorosa volúpia que ela experimentava.
Mesmo assim, Lily não conseguia tirar os olhos dele, pois Whitby a cativava como alvo de
seu desejo.
Maldito! Ele novamente instigava a chama da paixão, bem no momento em que
decidira esquecê-lo.
Lily engoliu em seco e tentou ocultar seu fascínio por aquele homem.
— Posso? — Ele deu-lhe o braço e conduziu-a até um sofá de dois lugares.
Sentaram-se, mas para Lily foi difícil respirar normalmente.
— Diga-me, Lily, você não está de fato gostando de O Avanço dos Peregrinos, não é?
Se estiver, juro que me levanto daqui e vou embora. — Ele sorriu e inclinou a cabeça, em
desafio.
Lily ficou cismada com a estranha declaração. Esconderia algum ciúme de lorde
Richard? Seria ótimo, caso fosse verdade.
— Não formei uma opinião, pois não acabei de ler o livro — disse ela, nervosa.
Num movimento involuntário, a perna de Whitby roçou a de Lily. Gesto que ela nem
perceberia caso se tratasse de outra pessoa, mas era Whitby! Seus sentidos puseram-se
em alerta, atentos a qualquer mudança de expressão no rosto do conde que indicasse
desejo.
— Você não terminou o livro porque adormece ao fim de cada página. Estou certo?
O sorriso dela transformou-se numa risada que aliviou grande parte da tensão.
—Tudo bem. Eu confesso. Nunca me lembro do que acabei de ler, porque minha
mente vagueia por coisas mais interessantes. Por exemplo, as brasas queimando na
lareira.
Whitby ensaiou um riso. Lily também. Com assombro, ela constatou que não só fazia
companhia ao conde, no sofá, como mantinham um diálogo, uma conversa de verdade.
Além disso, olhavam-se com ternura.
— Toda vez que a vejo lendo, tem nas mãos o último romance de sucesso, Lily. Ou um
texto gótico. Por curiosidade, cheguei a procurá-los a fim de me atualizar.
Lily lembrou-se de ter lido um livro de terror, quatro anos antes, sobre um homem que
celebrava um pacto com o diabo com o intento de prolongar a vida. Era surpreendente
que Whitby se recordasse do fato, ou mesmo que notasse o gênero de leitura que Lily
costumava escolher.

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— Aquela história me aterrorizou — admitiu ela. — Eu lia o livro de noite, no quarto, e a
qualquer ruído na janela, produzido pelo vento, ficava branca de medo.
— É uma obra instigante, sem dúvida. Recordo-me de ter adormecido várias vezes
com a vela acesa, enquanto devorava o livro. — Ele piscou e coçou uma orelha com o
dedo.
Parecia cansado, Lily concluiu, ponderando o que Edward fizera nas noites anteriores
àquela.
— Você impressionou lorde Richard — Whitby afirmou em tom neutro. — Soube que
ele vem dando a você atenções especiais.
Ela baixou os cílios, constrangida.
— Sim, mamãe o convidou. Imagina que Richard seria um bom partido para mim.
— E o que você pensa disso?
A resposta exigia cautela. Para ser franca, Lily diria a Whitby que não gostava da idéia
da mãe, porque era apaixonada por ele, durante toda a vida. Recordou-se, porém, do
conselho de Sofia para atrair os homens: não se mostrar disponível. E mais: conhecendo
Whitby, achava que, se lhe contasse a verdade, ele saltaria do sofá e iria embora.
— Venho considerando a hipótese. Richard é um homem bonito.
Whitby dardejou um olhar para lorde Richard e seu grupo. Lily gostaria de saber o que
o conde estava tramando. Haveria um traço de ciúme no desconforto dele? Estaria
finalmente aceitando o fato de que ela já era uma mulher, pronta para ser amada?
Quando Edward voltou a encará-la, Lily pôs em prática mais um conselho de Sofia.
Sentia-se segura o bastante para isso. Sorriu, provocante, e resolveu falar algo ousado,
mais típico de Eleanor Stanton:
— Suponho que o que quero de verdade, Whitby, é ser seduzida. Qual mulher não
gostaria disso?
Jamais formulara um conceito tão escandaloso, e o primeiro choque foi dela própria,
pela coragem. O conde emudeceu por alguns segundos, mas o canto da boca curvou-se
para cima. Lily o surpreendera, como Sofia tinha previsto, e por certo o impressionara.
Whitby pendeu a cabeça para o lado ao perguntar:
— E você julga Richard disposto a um ato de sedução? Ela ergueu as sobrancelhas, de
modo faceiro. O êxito da encenação a deixara excitada e vibrante. Sentiu-se colhida na
própria farsa, acreditando que poderia passar-se por uma mulher sensual e também
espirituosa, caso fizesse um esforço nesse sentido. O principal, deduziu, era manter a
mente alerta.
— Vamos ver... Como um homem experiente, o que você acha?
Ambos examinaram Richard a distância, procurando desnudar suas intenções. Lily
ficou aflita por causa do braço de Whitby estendido no encosto do sofá, atrás dela. Não
estranharia se ele a colhesse pelo ombro. Afinal, a conversa era novidade. O contato
físico seria mais uma.
— Concordo, Lily. Resta-nos esperar para saber. Richard é educado demais para
portar-se com ousadia.
— Um homem educado não pode ser atrevido, Whitby? Você tem boas maneiras, mas
talvez leve uma vida secreta.
— Talvez...
Uma corrente de sensualidade os percorreu. Trocaram um olhar típico de quem tem
consciência de uma crescente atração. O coração de Lily batia forte, e suas mãos
estavam suadas.
—Acho que vou falar com lorde Richard agora — ela disse, acalorada. — Fiquei
curiosa.
— Está me abandonando?
Lily sorriu, gratificada. O conde nunca reagira daquele modo quando dispensado.
— Não, Whitby. Apenas vou atravessar o salão até outro grupo de convidados. Mais

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tarde, espero que dance comigo, e lhe contarei se lorde Richard foi realmente... educado.
— Aguardarei ansioso — sentenciou o conde, como se ambos fossem secretos
aliados.
Exuberante e excitada, Lily afastou-se, sentindo o doce sabor da vitória. Conseguira
ganhar a atenção de Whitby e mantê-la acesa. Além do mais, ficou latente uma intensa
energia durante a conversa, um clima provocante que se confundia com desejo e
tentação. Lily sabia que havia intrigado o conde. E aquilo era algo digno de celebração.
Teve vontade de gargalhar, mas também sabia que ele observava seus passos. Não
riu, mas também não olhou para trás.
Ainda sentado, Whitby sentia-se estupefato ao reconhecer que flertara com Lily. Céus!
E tinha gostado disso. Seguiu a caminhada dela pelo salão e notou pela primeira vez o
pescoço esguio, a delicada curva dos ombros e... os esplendorosos quadris.
Ela parecia diferente naquela noite. O vestido vermelho e justo não só lhe assentava
bem como destacava seus predicados femininos. Whitby conhecia Lily desde criança,
acompanhara seu crescimento, sabia que ela se transformara numa mulher, porém
simplesmente não tinha reparado em sua beleza. Para ele, além de não fazer seu tipo,
Lily seria sempre a irmã caçula de James, a menina de tranças que brincava entre os
arbustos.
Claro, o nascimento de uma vênus não se devia apenas ao traje ousado. Lily inteira já
existia antes de usá-lo. Naquela noite, mostrava a diferença, e Whitby preocupou-se
quando a viu rir, deliciada com algum comentário de lorde Richard.
Talvez ele estivesse falando de alguma história de terror. Não. Isso não provocaria
risadas em Lily. O conde imaginou resgatá-la do círculo daquele idiota e fasciná-la de
modo a que dançasse somente com ele, pelo resto da noite. Bastaria um pouco de
energia e determinação, em vez de permanecer sentado, escondido das atenções de
qualquer mulher.
Competição? Sim, era isso. Whitby não resistia à idéia de flertar com Lily, descobrir o
que acontecera para ela mudar tanto. Esquecido de quem ela fora antes, estava disposto
a entrar no jogo por sua atenção.
Mistério? Também. O conde ponderou que não conhecia a nova Lily. Desfrutara de
brincadeiras com ela, na infância, mas na adolescência o contato diminuiu. Afinal, o que
um homem de vinte e seis teria a falar com uma menina de catorze?
Na fase adulta, pouco restou da conexão anterior. Já não conversavam mais. Com
exceção do dia em que Whitby ajudara a salvá-la das garras de Pierre, em Paris, a festa
da caçada constituía a primeira oportunidade de trocarem algumas palavras.
E tinha sido bom. Lily era uma linda mulher, que se dignara a flertar com ele.
Superando o cansaço, Whitby até se dispôs a dançar com ela, mas no próximo encontro
trataria de ser mais cuidadoso e não se deslumbrar com a aparência de Lily.
No fundo, ela ainda era sua menininha, apenas não brincava mais de esconde-
esconde. Se a encorajasse e depois a traísse, James o cortaria em pedaços e daria sua
carne aos cães.
Ao menos, pensou, isso colocaria um fim rápido em suas fantasias.

Capítulo II

Não compreendo — Lily queixou-se para Sofia, mais tarde, depois que o baile
começara. — Ele flertou comigo e deu a impressão de que me tiraria para dançar, mas
está me ignorando completamente. É pior do que antes, pois nunca havia me evitado.
Será que fui rápida demais?
Lily e Sofia passeavam pela pista, onde os convidados dançavam alegremente. Não
havia caderneta de baile naquela noite para reservar uma dança com a parceira
escolhida, porque todos ali se conheciam, e a festa era informal.

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Whitby não bailava com ninguém, contudo. Apoiado na parede, a um canto, falava com
alguns cavalheiros.
— Creio que ele a evita porque sentiu alguma coisa e ficou sem jeito. Deve ter reservas
quanto a flertar com a irmã caçula de seu melhor amigo.
Lily suspirou.
— Por que me incomodo? Se Whitby não consegue enfrentar James...
— É cedo para desistir, Lily. Há pouco, você estava feliz e emocionada. É óbvio que
uma centelha de entendimento brilhou entre os dois. Edward só precisa acostumar-se
com a idéia de que você o atrai como mulher, algo que antes lhe parecia impossível.
James nunca será um obstáculo. Estou do seu lado, certo?
— Olhe para o conde. Tem jeito de quem se interessa por mim? Nem virou a cabeça
para cá. Parece completamente entediado.
Sofia olhou, sem responder, porque naquele instante lorde Richard se acercou das
duas.
— Lady Lily, aceita dançar comigo?
— Será um prazer, milorde.
Ele a levou ao meio da pista e passou a balançá-la no ritmo frenético da polca. Todos
os dançarinos riam e gritavam, talvez porque fosse mais de meia-noite e o estoque de
vinho e conhaque já tivesse sido consumido.
Sem fôlego, Lily também riu para Richard, no final da música.
— Quase colidimos com seu pai, na última volta — ela disse.
— É verdade. Que noite! Foi muito divertido.
— Houve tempo em que as festas da temporada de caça eram terrivelmente
enfadonhas. Isso foi antes de James casar-se com Sofia e assumir o comando, que
estava nas mãos de mamãe.
Procuraram Marion com o olhar, e viram que se entretinha com senhoras de sua idade.
— Sua mãe aceitou bem a mudança?—Richard quis saber.
— Acabou aceitando. As amigas dela parecem aborrecidas, não?
Lorde Richard sorriu e concentrou-se na parceira.
— Se toleram o novo estilo das festas, já é muito bom. A pianista, Sra. Carrington,
principiou uma quadrilha, e os convidados se movimentaram a fim de entrar em formação.
— Permita-me dizer, lady Lily, que a senhorita está linda.
— Obrigada.
— Não posso imaginar que sua mãe tenha aprovado seus trajes.
Haveria um traço de vulgaridade no tom de Richard? Lily retomou a consciência de seu
vestido vermelho, especialmente dos decotes na frente e atrás.
— Prefere o que usei ontem à noite? — questionou com firmeza.
— Oh, não! Esse é muito bonito. Detesto quando vejo moças vestidas como suas avós.
Deram-se as mãos e se juntaram aos participantes da quadrilha. Antes que os grupos
de homens e mulheres se separassem em duas fileiras, Richard perguntou, petulante:
— Vestiu-se assim para mim, não?
— Não, coloquei-o porquê eu gostei.
— Mas fiquei surpreso por vê-la numa roupa decotada, depois daquela que usou
durante nossa apresentação, ontem à noite, que julguei parecer um modelo de castidade.
— Por que pensou assim?
— Porque agiu como um ratinho assustado, talvez pela proximidade de sua mãe. Hoje
parece livre e solta, e aprecio bastante isso.
Ao enlaçarem os braços, em meio à dança, Lily pôde sentir o olhar de Richard fixado
em seu pescoço e ombros nus. Por certo, ele fazia força para desviar os olhos da pele
alva, insinuando parte dos seios através do generoso decote da frente.
Quando cruzaram os passos, encarando-se, ela notou-lhe uma desconfortável malícia
contida naqueles olhos escuros. Experimentou um arrepio na pele e julgou que tinha se

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excedido em matéria de flerte.
— Ainda bem que não precisarei estar naquela igreja amanhã.
— Frase estranha para um capelão, milorde. O que diriam os seus paroquianos?
— Para ser franco, não me importa. — O desdém anuviou-lhe a face. — Não ocuparia
o púlpito, não fosse pelo meu pai. Controlador como é, ele me empurrou para a carreira
religiosa.
Espantada, Lily imaginou o que pensaria sua mãe daquela história.
— Só contei para poucas pessoas — ele confessou ao cruzar novamente com Lily. —
Eu me abri com a senhorita porque vi como sua mãe se comporta, e desconfio de que
também quer romper seus grilhões, libertar-se das correntes da família. Nisso, somos
parecidos, talvez almas gêmeas.
Discretamente, Richard roçou um dedo no braço de Lily. Para ela, foi um lembrete do
episódio de três anos antes, quando Pierre a convencera a fugir, indo ao seu encontro em
Paris. Na época, Lily achava-se desesperada por atenção e afeto — viesse de quem
viesse —, e também desejava provar a si mesma que não estava afetivamente presa a
Whitby.
Jamais repetiria o erro. Aprendera na própria carne que viver implica certa dose de
mágoa e sofrimento, e que as coisas ruins precisam ser enfrentadas.
Ficou contente quando a dança terminou. Richard a escoltou para fora da pista, mas
permaneceu a seu lado. Outros hóspedes se juntaram a eles. Enquanto a conversa se
desenvolvia, Lily espiou o salão à procura do conde e o localizou sentado a um canto, na
companhia de lady Stanton. Não havia dançado nenhuma vez, o que era estranho, no
entender de Lily. Edward sempre bailava com quase todas as mulheres disponíveis.
Parte dela temeu que Whitby se mantivera longe de seu caminho porque Lily havia se
comportado como uma tola, simulando uma sensualidade forçada. Mas outra parte pon-
derou, outra vez, que o conde podia estar doente.
No mesmo instante, ele se ergueu e despediu-se de Eleanor Stanton, que foi procurar
outro grupo. Whitby acercou-se de Sofia e James, falou brevemente com eles e rumou até
a porta de saída.
Lily viu tudo do extremo oposto do salão. Notou que James tentava deter o conde,
convencendo-o a ficar, mas Sofia puxou o marido pelo braço. Ninguém mais percebeu a
retirada de Whitby, e Lily precisou disfarçar seu imenso desapontamento.
No dia seguinte, empunhando seus rifles, os homens partiram para o campo, e as
senhoras compensaram os excessos calóricos dos jantares de gala preparando saladas
leves para o almoço. Depois, apanharam suas capas e saíram em conjunto para um
passeio ao redor do lago.
Lily caminhou ao lado de Jennie Carrington, cuja mãe havia tocado piano a fim de
animar o baile. Ocasionalmente, alguém parava junto à vegetação local, na intenção de
identificar as flores vividas que ali brotavam.
Quando chegou ao lago, Lily logo avistou a figura bronzeada de um homem em roupas
claras, sentado num banco de pedra do outro lado da água, debaixo de um carvalho. De
costas, ele não percebeu a presença de nenhum visitante. Estava curvado, com a cabeça
baixa.
— Quem é? — Jennie perguntou. — Pensei que todos os homens tinham ido à caçada.
— É lorde Whitby — informou Lily, que não precisava vê-lo de frente para reconhecê-
lo.
O fato de ele estar sozinho fez com que ela desacelerasse os passos.
Jennie copiou-lhe o ritmo.
—Whitby está decadente, perdendo a boa aparência. Você o viu no baile? Tinha
fundas olheiras no rosto, talvez por dormir pouco. Também emagreceu.
— É verdade — Lily concordou, mas para ela nada daquilo afetava a beleza do conde.
— Pena que seja tão turbulento, sobretudo quando bebe. Não conseguiu sair da cama

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e perdeu a hora da caçada.
Lily preferiu ignorar a implicância de Jennie e concentrar-se na imagem distante do
homem solitário. Pediu à amiga que seguisse em frente e contasse a Sofia que ela
voltaria para casa, por conta de uma forte dor de cabeça.
Sob o vento quente, esperou que Jennie desaparecesse numa curva e percorreu com a
vista a superfície turva do lago, até alcançar Whitby, ainda sentado na mesma posição,
cabisbaixo. Estaria dormindo?
Naquele momento, ele ergueu o rosto, como se alguém, num murmúrio, o informasse
de que Lily estava ali, do outro lado.
Ela acenou. Whitby hesitou um pouco, antes de retribuir o gesto. Lily teve a sensação
de que ele não queria ser perturbado, mas agora era tarde. Impossível fazer meia-volta e
retirar-se.
Assim, Lily fez a única coisa viável naquela situação. Retomou as passadas a fim de
contornar o lago, reunir-se a Whitby e descobrir por que ele estava sozinho ali, parecendo
tão deprimido.
Whitby voltou a sentar-se na pedra fria do banco e engoliu em seco quando viu Lily se
aproximar, segurando o chapéu. O vento abria-lhe o manto e colava a saia nas pernas
bem torneadas.
Formava uma figura pequena e fascinante. Na noite anterior, o conde percebera como
era fina sua cintura, que poderia colher com um só braço. Decididamente, era uma mulher
miúda, e talvez por isso ele deixara de notar como ela se tornara sedutora, desejável.
Lily vacilou na frente de Whitby, à espera de que ele se levantasse para saudá-la. Sem
forças para isso, o conde limitou-se a sorrir com ar inocente.
— Bom dia, milorde. Ou melhor, boa tarde. — Lily notou algo de errado com Whitby. O
olhar vago confirmava tal impressão. — Por que não foi caçar? Está tudo bem?
Ele esticou as pernas e cruzou-as à altura dos tornozelos.
— Claro que sim. Apenas não tive ânimo para sair da cama, esta manhã, por causa de
um resfriado.
— Não acredito. — Ela desviou a vista para o lago. — Você não aparenta estar bem. —
A falta de resposta, Lily ocupou o assento e o encarou.
— Sabe o que falam a seu respeito? Que esse estilo de vida vem acabando com sua
saúde.
— Também me recrimina, Lily? Ontem, tive de ouvir um sermão de James. Ele acha
que vou beber até morrer. Mas só estou com a garganta seca, e o próprio médico
recomendou conhaque.
Lily sabia que Whitby mentia. Ele não consultara um médico e sim seu procurador. A
respeito de sua irmã, Anabela. E de Magnus, claro.
— Por certo nenhum doutor sensato recomenda garrafas e mais garrafas de bebida
alcoólica. Deixe que James chame nosso médico de família.
Mas Whitby recusou a idéia. Não queria uma consulta. Não por enquanto, porque tinha
conhecimento do que estava errado com ele: a mesma doença que seu pai contraíra, uma
cirrose que o levara à morte prematura.
Ainda não estava pronto para ouvir uma confirmação cabal.
— Vai passar, Lily. Esse desânimo passará. Agora, conte-me, lorde Richard foi gentil
com você? Eu os vi dançando.
O véu que toldava os olhos de Whitby desapareceu, e Lily ficou contente com isso,
resolvida a não questionar mais a saúde do conde. Ele também percebeu-a feliz com a
pergunta sobre Richard. Era óbvio que queria falar de seus flertes e intrigar Whitby.
— Foi surpreendente. Ele não só se mostrou eloqüente como um tanto ousado. Disse
que torcia para que fôssemos almas gêmeas.
— Não diga! — Whitby inquietou-se. — E você? Também espera que seja verdade?
— Ainda não sei... — Lily sorriu, para provocá-lo.

Projeto Revisoras 19
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Ah, ela aprendera rápido a praticar o jogo da sedução. Até então recatada, nunca se
dedicara à arte da conquista. Ao contrário, por excesso de inocência, fora conquistada por
um mau-caráter como Pierre.
Whitby sentiu saudade do tempo em que brincava com a menina Lily. Não estava certo,
porém, da natureza das emoções que o assolavam naquele momento. Seria fácil apaixo-
nar-se por ela. Não pela criança de antigamente, mas pela mulher atraente de agora.
— Richard foi agradável com você? Estranhamente, o conde esperava ouvir que
Richard se portara como um bufão. Sua natureza competitiva o impelia para um confronto
com o rival, se bem que ele e Lily não deveriam estar flertando.
— Foi muito simpático, na maior parte do tempo — informou ela, focalizando o
interlocutor com seus olhos azuis bem abertos e demonstrando prazer ante a carícia do
vento em sua pele.
Assombrado, Whitby sentiu fraqueza nos joelhos. Agitou-se, porque preferia não
reconhecer o desejo por Lily, expresso em sua virilha. Precisava admitir, no entanto, que
ela era uma jovem excitante, voluptuosa. Sentada ao lado dele, cheirando a rosas, Lily se
deliciava com as sensações físicas trazidas pela brisa. Ainda bem que o corpo do conde
despertara e respondera a esse estímulo, apesar de seu precário estado de saúde.
— Menos simpático, no entanto, do que outro cavalheiro de meu conhecimento — ela
aduziu, sedutoramente.
Imóvel, Whitby se viu preso pelo choque causado por Lily, da impossível tentação que
ela encarnava. Seus instintos masculinos o deixaram em brasa, daí a urgência de reagir
de maneira pouco fraterna com Lily. Que Deus o ajudasse: havia descoberto a
sexualidade dela!
Controlou o impulso de agarrá-la e desviou a vista. Evitou até mesmo sorrir, porque um
sorriso malicioso sempre o acompanhava nos momentos em que convencia uma mulher a
deitar-se com ele.
Não, não era um sorriso que pudesse dar a Lily.
— Por que saiu cedo do baile, Whitby? Não estava gostando?
Whitby forçou-se a não olhar para a amiga. Seria temerário.
— O resfriado me tirou as forças. Desejei ir logo para a cama.
Quieta por um momento, Lily transmitiu tensão e incômodo, mas o conde não rompeu o
repentino silêncio. Queria fazê-la entender que ele não apreciava cultivar aquele tipo de
atração entre os dois. Tinha de poupá-la de sua pessoa, enfrentando a solidão. Como um
pai zeloso, evitaria que Lily se sentisse atraída por ele.
Mais um estranho minuto se passou, e então ela se ergueu, para alívio de Whitby.
Olhando de viés, o conde viu que Lily esticava a saia com as mãos enluvadas.
— Fiquei preocupada com sua saúde, mas se me diz que é apenas um resfriado... —
Voltou-se a fim de retomar a trilha. — Vou para casa, pois estou com dor de cabeça.
— Se não me sentir melhor amanhã, pedirei para ver o médico de James — prometeu
o conde, no intuito de apaziguá-la.
Lily ergueu os ombros, depois suspirou.
— Eu o procuro amanhã, para fazê-lo cumprir a promessa.
— Ah, Lily, você está parecendo minha irmã Anabela. E me é tão querida quanto ela.
Lily empalideceu, e só então Whitby percebeu a impropriedade da frase. Fora cruel.
Rejeitara Lily abertamente como mulher, nivelando-a à própria irmã. Ela pareceu hu-
milhada. Ou pior, com o coração partido.
Um arrepio de aflição percorreu a espinha do conde. Haveria, naquela reação de
profunda tristeza, mais do que o desfecho do leve flerte empreendido por Lily? Haveria
amor entre os dois desde os anos da meninice? Um amor ao qual ele se mantivera cego?
Ou simplesmente ela tinha perdido o juízo?
Whitby sempre se preocupara com Lily. Mas como deveria tratá-la nos dias
subseqüentes? Ela não era como outra qualquer, que ele poderia desprezar, caso

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necessário.
Contemplou-a de longe, na direção do castelo. Talvez sentisse algo por aquela jovem,
mas devia ser tão-somente o desejo recém-despertado por uma mulher bonita. Como um
lobo, farejava o perfume da pele doce, e sua libido reagia mais depressa do que seu
cérebro. Bem, não se permitiria nada além do que tecer fantasias sexuais com Lily.
Não iria flertar, nem encorajá-la. Detestava a hipótese de magoá-la ou decepcioná-la.
Precisava fazê-la compreender que não tinha interesse nela, o que julgava ser verdade.
Esperou que Lily entrasse, certificando-se de que não retornaria ao lago, e então
respirou fundo, com alívio. Seu problema imediato era a boca seca, por isso apanhou o
frasco de conhaque. Ao abrir a tampa, lembrou-se de que prometera a si próprio não
beber álcool até a hora do chá.
Após uma pausa para examinar a garrafa e meditar, Whitby cedeu a sua fraqueza.
Levou o recipiente aos lábios e o esvaziou.
Naquela noite, Lily sentou-se no salão, junto com os hóspedes, para ver uma
encenação teatral preparada por lady Stanton e seu primo, sir Hatley. Seria uma peça
curta, como recomendava a ocasião.
Whitby escolheu o extremo oposto do recinto, sem dar a impressão de que estava
evitando Lily. Mas estava, e ela sabia. Ele deixara claro que não apreciava o interesse
dela por sua pessoa.
Lily chorara ao voltar do lago e do encontro com o conde. Agora, disfarçava bem sua
mágoa e dispunha-se a rir com toda a platéia, como se não se importasse com a rejeição
de Whitby.
— Você está bem? — perguntou-lhe Sofia, tomando a cadeira vazia ao lado.
Lily nem havia notado sua aproximação.
— Não muito.
Sofia olhou em torno e baixou a voz.
— O que aconteceu? Você parou no meio do passeio ao lago.
Lily gostaria de contornar o assunto, mas supôs que a cunhada tinha o direito de saber.
Nem mesmo se tratava de uma novidade. Sentira idêntica atração pelo conde em di-
versos tipos de encontros, ao longo dos anos, e não suportava vê-lo flertando com outra
mulher a sua frente.
A novidade era que, naquele dia, a rejeição fora mais do que clara.
— Falei com Whitby.
— Foi o que imaginei. Vi o conde sentado à beira da água. O que houve?
— Bem, conversamos um pouco sobre Richard, e eu tentei ser sedutora, como ontem.
Mas hoje Whitby estava frio, indiferente. Tão atribulado que, quando sugeri que
procurasse o médico de James, por causa de sua garganta seca, acusou-me de ser igual
a Anabela, a irmã, na insistência. Claramente, pedia para eu mudar de comportamento.
— Oh, Lily! — Sofia tocou a mão da amiga, desencantada. Empertigada na cadeira,
Lily tentou dominar a urgência
de chorar de novo.
— Senti-me tola. Foi horrível. Passei o dia arrasada e constrangida, e não desceria
esta noite se tivesse certeza de que Whitby não julgaria que eu estaria chorando em meu
quarto. Vou erguer a cabeça e ignorá-lo, para mostrar que não tenho mais interesse por
ele. Só assim poderei encará-lo outra vez, sem me sentir completamente humilhada.
— Ao menos, agora sabe como o conde é — disse Sofia, gentil. — Perdão por tê-la
encorajado. Não devia ter me metido.
— Você não teve culpa, querida. Na verdade, preciso lhe agradecer. A partir de hoje,
posso esquecer Whitby de uma vez por todas.
Sofia olhou de longe para o conde.
— É impossível explicar, mas eu estava certa de que vocês dois foram feitos um para o
outro. Lembro-me de você ter dito que eram parecidos em espírito. Julgo que ainda é

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assim. Espero que Whitby enxergue isso.
— Eu já não acho. Não depois desta manhã. Naquele momento, lady Stanton subiu ao
palco improvisado no salão, provido de uma cortina amarela como cenário.
— Atenção, todos. Atenção. Vamos começar. Eu e sir Hatley representaremos a cena
da morte de Romeu e Julieta.
— Ótimo. — Lily suspirou ao ouvir o anúncio. — Não deveria ser um cena cômica?
Sofia apertou-lhe os dedos, concordando.
A performance acabou sendo realmente cômica, devido ao exagero dos intérpretes nas
expressões faciais, culminando com as línguas de fora no instante da morte de Julieta. A
platéia aplaudiu e assobiou. Alguns gritaram Bravo!
Lily forçou-se a sorrir e bater palmas, pois no íntimo ainda lutava contra as lágrimas.
Quando os aplausos cessaram e todos cumprimentavam os atores, que riam muito, ela
pediu licença a Sofia e levantou-se.
— Estou bem, não se preocupe — garantiu.
Desejava apenas ficar sozinha. Deixou o salão, mas, minutos depois, deparou com
lorde Richard no grande saguão atapetado. Em passos firmes, ele veio a seu encontro e a
abordou.
— Espero que não esteja indo embora. Queria conversar com a senhorita.
— Sobre o quê? — Lily correu os olhos pelo saguão, verificando se mais alguém
estava presente. Não. Os dois se achavam sozinhos ali.
Richard exibiu um olhar de contrariedade, indicando que ela teria de saber o motivo da
conversa. Como Lily nada falou, ele balançou a cabeça.
— Lógico que a senhorita está ciente do fato de que, nestes dias de festa, nós dois
deveríamos formar um par.
— Suponho que sim. — Lily sentia-se cada vez mais constrangida.
— No princípio, pensei em não comparecer, pois conheço o tipo de moças que meu pai
costumava selecionar para mim, no passado. Todas eram detestáveis.
Lily ficou desapontada. Queria de fato gostar de lorde Richard. Sua vida seria mais fácil
se pudesse. Mas o comentário dele o desabonava. Na verdade, à medida que o ouvia,
apreciava-o cada vez menos.
— Mas você é linda e adorável. Meu pai vai se decepcionar quando conhecê-la, ao
constatar que seu inútil filho conseguiu um troféu valioso como esposa.
— Não levo em conta a hipótese de me tornar sua esposa, lorde Richard. — Lily
recuou um passo.
— Ainda não. Mas suspeito que em breve me aceitará.
— Por que parece tão seguro?
— Porque não tem outros pretendentes, talvez por causa dos rumores a seu respeito.
— Que rumores?
— Alguns pensam que a senhorita já foi usada, embora ninguém o afirme com certeza.
Sabe como é, os boatos são um preço que se paga pelo passado. Também não sei
exatamente por que se afastou da sociedade, há alguns anos. Além disso, como uma
bela mulher, com um generoso dote, pode estar solteira até agora?
Ele havia avançado um pouco, porém Lily não quis recuar, pondo-se na defensiva.
— É tudo um absurdo — queixou-se. — E o senhor arruinou qualquer chance de eu
aceitar ser sua noiva. Costuma ser tão desrespeitoso, milorde?
Assim dizendo, Lily quis retornar ao salão, mas Richard segurou-lhe o braço.
— Aonde vai? — perguntou surpreso.
— Estou voltando à festa. Sofia espera por mim.
— Não vá ainda.
— Deixe-me, lorde Richard.
— Eu falei ainda não.
Então, uma terceira pessoa entrou na conversa. Lily conhecia aquela voz como a sua

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própria.
— Tudo bem, Lily?
— Sim, lorde Whitby. Obrigada.
Richard permaneceu onde estava por um momento, observando o par dirigir-se ao
salão. Colou-se na parede a fim de dar espaço aos dois, depois os seguiu. Lily olhou-o de
viés, ao passar. Conteve o sorriso de triunfo sobre o impertinente nobre.
Os três entraram juntos e calados no recinto. Separaram-se ao tomar lugares
diferentes.
Mais tarde, depois da segunda encenação teatral de lady Stanton e sir Hatley, Lily
estava sentada sozinha defronte à lareira. A cadeira vazia a seu lado logo foi ocupada por
Whitby.
— Não sei se fiz bem ao interrompê-la, no saguão. Você poderia ter marcado o
encontro com Richard, e eu atrapalhei.
O coração dela principiou a bater apressado, mas a culpa lhe cabia: após tantas
lágrimas e tantas juras de que esqueceria Whitby, bastava ele falar duas palavras para
ela derreter-se.
— Não, nada marquei. Ele deve ter me seguido.
— E eu segui Richard.
— Por quê?
O conde hesitou um instante antes de responder:
— Porque tive a sensação de que ele não é inteiramente confiável.
— Comentou isso com James?
— Não, pois seu irmão poderia surrar Richard, caso se engraçasse com você.
— Então, quis proteger Richard. — Ela abriu um sorriso enigmático.
— Não Richard, mas você.
A frase bastou para que Lily se sentisse aquecida por dentro.
— Estou bem, Whitby.
— Ótimo. O que pretende fazer quanto a Richard? Posso concluir que você não
apreciou tantas atenções?
— Sim.
Whitby observou o outro de longe.
— Acho que deve considerar um alerta a James. Você certamente não quer ser
pressionada a casar-se com um verme.
A contragosto, Lily riu. Whitby inclinou-se aproximando-se.
— Não posso culpar esse homem por abordá-la. Você está maravilhosa, hoje. Na
certa, Richard perdeu a cabeça.
Lily franziu a testa ao olhar para Whitby. O que ele pensava? Quando dizia palavras
como aquelas, tornava-se impossível superar a paixão recolhida.
— Obrigada pelo elogio. — Ela se zangara por Whitby brincar daquele modo com seus
sentimentos.
— Por nada. — Então, ele se afastou para falar com lady Stanton.
Whitby prestava vagamente atenção ao discurso de lady Stanton sobre as corridas de
cavalos em Ascot. Estava de fato interessado no diálogo de Lily.
Ignorava por que cedera ao impulso de elogiar a sua beleza. Era incontestável que Lily
estava deslumbrante no vestido creme, com o pescoço enfeitado por magníficas pérolas,
porém não havia necessidade de louvá-la.
Mais cedo, Whitby a comparara a Anabela, na intenção de desestimulá-la a alimentar
sentimentos mais profundos por ele. Julgava não ser o homem certo para Lily, mas então,
ao ver o assédio de Richard, esquecera de tudo e adotara uma atitude capaz de produzir
o efeito oposto. Havia feito um cumprimento caloroso, próximo de um flerte.
Arrependido, gostaria de apagar a cena. Não queria que Lily tivesse idéias românticas
a seu respeito. Não queria fomentar as paixões, por mais inocentes que fossem.

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Na verdade, Whitby sentia-se inseguro diante da inocência de Lily, depois do que
acontecera três anos antes, com o maçante francês Pierre. Ela o havia procurado em
Londres e passara uma noite com ele, no hotel sórdido do qual ele a resgatara. Depois do
episódio, todos os amigos e familiares mantiveram as bocas fechadas.
A curiosidade do conde sobre a castidade de Lily se mantinha viva. Ele olhou para Lily
e, por mais estranho que parecesse, não pôde imaginá-la nos braços daquele patife
francês. Ou nos daquele verme, Richard. O simples pensamento o enfurecia a ponto de
querer estrangular os dois pretendentes.
Ante o excesso de agitação que o tomou, Whitby concluiu que não era tão indiferente a
Lily como gostaria de ser. E aquilo não era nada bom.

Capítulo III

Naquela noite, o salão estava enfeitado de flores coloridas e ramos verdes. Cortinas
cor de marfim caíam dos arcos e janelas. Castiçais polidos brilhavam à luz das velas que
sustentavam, e o recinto inteiro acolhia com magnificência os movimentos circulares dos
hóspedes na pista de dança.
Lily trajava um vestido de seda, cor de amora, rendado na barra. Sentia-se tão
apertada dentro do espartilho que mal conseguia respirar. No pescoço, destacava-se a
gargantilha de pérolas que havia emprestado de Sofia. Nos pés, um par de sapatos de
cetim, de salto médio.
Estava mais bonita do que na noite anterior, e dava graças ao fato de que a reunião
festiva no castelo chegaria ao fim no dia seguinte. Assim, veria Whitby pela última vez
antes que o inverno aquartelasse as pessoas em suas casas.
Ansiava por um derradeiro encontro com ele, talvez uma dança ou uma conversa
amistosa, livre de segundas intenções. Tentara um flerte com Whitby, mas falhara.
Alertada sobre os sentimentos do conde, Lily compreendera a mensagem: ele não se
achava atraído por ela. Não queria mais sofrer outra rejeição, por isso tratava de tirá-lo da
cabeça. A louca paixão precisava ser deixada de lado.
Avistou a mãe chegando e foi encontrá-la. A duquesa Marion imediatamente abriu seu
leque de penas, porque fazia calor no salão.
— Filha, você teve alguns dias para conhecer lorde Richard.
O que achou?
— Talvez a senhora me julgue exigente demais, porém...
— Lily, precisa pensar em seu futuro.
— Tenho pensado, sim. Entenda, mamãe, não me interesso por lorde Richard.
Marion guiou a filha até um canto onde poderiam conversar com maior privacidade.
— Estou ficando cansada disso, Lily. Você continua muito romântica, à espera do
príncipe encantado. Mas casar-se é algo sério e seu dever como membro da família. E
filha de um duque e já completou vinte e um anos. Com essa idade, eu já era casada
fazia dois anos.
— Mas não foi feliz.
— Como pode me julgar, depois de tudo o que passei? — Marion ficou pálida. — Acha
que foi fácil?
Tocada em seu íntimo, Lily arrependeu-se das palavras que usara. Tudo o que a mãe
tinha resumia-se a seu orgulho por jamais ter abandonado o posto, por mais horrível que
tivesse sido sua vida. Por vezes, ela devia ter pensado em fugir do marido desagradável,
mas, como um soldado, não abandonara a trincheira.
Marion ressentia-se por Lily não ser tão desprendida, questionando suas ordens,
seguindo o coração e os desejos; o oposto da mãe.
— Lamento muito, mamãe.
A orquestra deu início a um minueto, interrompendo o diálogo, mas não por muito

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tempo.
— Dê-me mais prazo — pediu Lily, desejando aplacar a aflição materna. — Quero ser
obediente e realista, porém não posso me casar com lorde Richard. Na próxima tempo-
rada, terei sucesso. A senhora verá.
Zangada e trêmula, Marion evitou encarar a filha.
— Bem, é óbvio que não posso forçá-la a nada. Aprendi que essa tática apenas causa
mais rebeldia. Agora, preciso sentar-me.
Marion se afastou, deixando Lily em luta com sua dor de não ter recebido carinho na
infância ou a mera aprovação da mãe.
No lado oposto do salão, Whitby viu Lily conversando com Marion. Notou certa
intensidade no diálogo que trocavam, mas procurou não olhar acintosamente. Imaginou
se falavam de Richard.
O conde vasculhou o recinto e deparou com Richard perto de onde Lily estava, talvez
esperando ser tirada para dançar. Whitby relembrou sua promessa feita a James. Ele,
durante a caçada daquela manhã, alertou o amigo sobre Richard, e disse-lhe que
manteria os olhos bem abertos.
Então, lady Stanton, vestida de azul e adornada de pérolas, aproximou-se e tocou o
braço de Whitby com o dedo enluvado.
— Boa noite, Whitby. Espero que dance comigo. É a última noite de festa, e todos vão
embora amanhã. Pouco nos falamos.
Ele voltou-se e sorriu, percebendo o falso pretexto de Eleanor; porém faltava-lhe
energia para fazer charme.
Uma valsa começou, e o conde tomou posição, pois a fraqueza não justificava que
decepcionasse uma dama.
— Está livre para a valsa, milady?
— Creio que sim... Whitby enlaçou-a com um braço, e passaram a deslizar e
circundar suavemente a pista. Dançavam bem, juntos, como sempre acontecera.
— Fiz alguma coisa que o ofendesse?
— O que quer dizer, Eleanor?
— Pensei em passarmos mais tempo juntos. Dormi sozinha noite após noite, pois você
não veio a meu quarto.
Eleanor era, sem dúvida, uma mulher encantadora, digna de admiração. Contudo,
Edward não sentira vontade de freqüentar sua cama.
— Desculpe-me por tê-la decepcionado, Eleanor, mas nada tem a ver com você. Eu é
que tenho passado mal, com tonturas e dor de garganta.
— Isso é tudo? Que alívio! Cheguei a temer que estivesse sofrendo de coração partido,
que alguma mulher o houvesse conquistado e depois abandonado.
— Não, nada disso.
— Sabe que é bem-vindo ao meu quarto, esta noite — disse Eleanor, em tom
provocativo. — Minha porta estará aberta para você, se desejar companhia.
Whitby engoliu em seco, mal ouvindo o que lhe era dito, concentrando-se nos passos
da valsa. Foi quando viu Lily sozinha através da porta que levava à varanda. Procurou
Richard no salão, supondo que ele já saíra dali para segui-la.
De súbito, uma forte tontura apossou-se de Whitby, que foi forçado a parar no meio da
pista.
— Perdão, Eleanor. Creio que não posso continuar. Lady Stanton colocou a mão na
testa dele.
— Por Deus, Whitby, você está ardendo de febre! Por que não me contou?
Whitby enxugou o suor.
— Essa indisposição vem e vai, pegando-me desprevenido. Onde está James?
Eleanor o guiou pelo braço até o canto em que James bebia champanhe e ria junto
com Sofia.

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— Richard seguiu Lily até a varanda — Whitby foi dizendo, como se pedisse
providências que ele era incapaz de prover.
Enquanto o conde lutava para manter-se de pé, James saiu em busca da irmã. Whitby
ficou aos cuidados de Sofia, que lhe apertou o braço.
— Meu Deus! Você se sente bem?
Edward encontrou forças para conferir se James tomava a direção correta. Quando o
viu cruzar a porta certa, relaxou. Dirigiu-se a Eleanor, que acompanhava tudo.
— Peço desculpas antecipadas por não poder ir a seu quarto hoje. Parece que peguei
uma gripe forte e necessito de repouso. — Voltando-se para Sofia, acrescentou: — Pode
chamar um médico?
— Claro. — O rosto de Sofia tornou-se pálido.
Com isso, Whitby deixou o ambiente, subiu a escada e só conseguiu alcançar a porta
de seu quarto um segundo antes de desabar no chão do corredor.
Uma hora depois, o médico encontrou Whitby dormindo pesadamente. O Dr. Trider
colocou sua maleta ao pé da cadeira, retirou o estetoscópio e auscultou o doente.
James e Sofia observavam a cena, cada um de um lado do leito.
— Como ele está? — James quis saber.
O médico ignorou a pergunta por instantes, enquanto movia o aparelho a fim de ouvir o
som do coração e dos pulmões de Whitby. Surpreendentemente, ele não acordou. O Dr.
Trider ergueu suas pálpebras para examinar-lhe as pupilas. Colocou a mão sobre a testa
do enfermo.
— Há quanto tempo ele está assim?
— A febre veio de repente, esta noite — respondeu James. — Mas Edward se queixou
de boca seca a semana inteira e disse que viu um médico antes de chegar aqui.
O doutor pressionou os dois lados do pescoço de Whitby, até o queixo.
— Os gânglios linfáticos estão inchados.
— O que isso significa? — Sofia manifestou-se.
— Pode ser muitas coisas, dependendo dos sintomas.
James deslizou a mão pelos cabelos.
__Ele perdeu algum peso e tem se mostrado exausto. Sem apetite.
— Entendo. — O doutor devolveu o estetoscópio à maleta.
__Houve algum contato com alguém mais que tivesse os mesmos sintomas?
— Não sei. Whitby nada mencionou. Parecia pouco preocupado com a saúde e passou
a beber mais, ultimamente.
— Bebida alcoólica, o senhor quer dizer. — O Dr. Trider apalpou de novo o pescoço do
doente, e este por fim despertou, assustado. — Calma, lorde Whitby. Sou o Dr. Trider.
Sabe o que há de errado com o senhor? Pode me contar se teve contato com pessoas
doentes?
— Não, nenhum. — O conde se sentou na cama. — O que tenho não deve ser
contagioso.
— Como sabe? O que imagina que tem? Edward encarou James.
— Encontrou Lily na varanda?
— Sim, Whitby, agora ela está com mamãe.
— E Richard?
— Ah, esse está tratando do nariz ensangüentado e empacotando seus pertences para
partir.
— James! — protestou Sofia. — Você foi capaz de agredir um hóspede?
— Não bati no rosto dele. Lily é a responsável pelo nariz sangrando; mas Richard
mereceu.
— Boa notícia. — E Whitby, ainda zonzo, tornou a desabar no leito, sucumbindo ao
sono provocado pela febre.
— Espere, meu caro amigo. O doutor precisa lhe fazer mais perguntas.

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Mas ele não acordou.
James voltou a ocupar a cadeira à beira da cama.
— O que pode ser, doutor?
O Dr. Trider moveu as sobrancelhas, em dúvida.
— Não tenho certeza, mas os gânglios inflamados indicam uma gripe forte ou
tuberculose linfática, mas tais males não se desenvolvem tão rápido. Já a febre tifóide...
— Meneou a cabeça. — O paciente afirmou que não sofreu contágio, por isso não
acredito em gripe ou tuberculose.
Parecendo indeciso, o médico tocou de novo a nuca de Whitby, depois passou ao
abdome, que apalpou por sobre a camisa de dormir.
— O baço está dilatado. Há quanto tempo ele se queixa de garganta seca? Uma
semana? Um mês?
— Não sei. — James se sentia frustrado por não poder ajudar.
A solução era perguntar ao criado, Jenson, que, resignado, esperava na sala ao lado.
Os três seguiram para lá, e logo o médico indagou:
— Jenson, há quanto tempo lorde Whitby está com a boca seca?
— A primeira vez foi há cerca de um mês, senhor.
— Devo entender que ele apresentou esse sintoma diversas vezes?
— E possível.
O médico refletiu um pouco e dirigiu-se a James e Sofia:
— Uma doença compatível com tais sintomas e não contagiosa é Hodgkins. Mas como
lorde Whitby saberia disso, se não houve diagnóstico prévio?
— O que é Hodgkins? — A dúvida de Sofia era compartilhada por todos ali.
O doutor guardou uma pausa antes de olhar para Sofia e falar no tom mais gentil que
pôde adotar:
— É um tipo de tumor, senhora.
James e Sofia focalizaram o médico em total assombro.
— Foi a doença que matou o pai dele — informou James.
Lily participava de uma quadrilha, ainda nervosa com o que acontecera na varanda
entre ela e Richard. Notou James e Sofia entrando no salão, após se ausentarem por
algum tempo. Whitby também havia sumido, e Lily se roía de preocupação. Não era como
James e Sofia deixarem seus hóspedes por certo prazo. Algo estava errado.
Logo que a dança terminou, ela agradeceu a seu par e alcançou o grupo ao qual
James e Sofia tinham se reunido. Abriu caminho entre a pequena multidão e em seguida
seu olhar encontrou o da cunhada.
— O que há? Onde você se escondeu?
— Whitby está doente. — Sofia puxou Lily para um canto menos congestionado.
A música da orquestra e o riso dos convidados assumiram um caráter surreal. Para
Lily, a notícia merecia silêncio e consternação.
— Não!
— O médico acaba de vê-lo e não tem certeza do diagnóstico. Mas Whitby está muito
febril e tem algumas glândulas inflamadas.
— Posso ir até ele?
— Sim, mas está dormindo, inconsciente. Devo preveni-la, porém, de que a doença
dele pode ser séria, de acordo com o doutor.
— Mas se não há certeza...
— Não ainda. O Dr. Trider precisa examinar Whitby melhor, quando ele acordar.
As duas saíram do recinto.
— Vou levá-la ao quarto dele, mas tenho de voltar logo e agir como uma anfitriã. É
preferível manter segredo sobre a questão. O assunto deve ficar entre nós e Whitby,
apenas.
— Claro.

Projeto Revisoras 27
Caminhos da Sedução Julianne McClean
Ao tomarem um dos corredores do pavimento superior, Sofia inquiriu Lily a respeito de
Richard:
— Ele a machucou? Foi inconveniente?
— Não. Tentou me beijar e mostrou-se persistente demais quando eu resisti. Richard é
repulsivo.
— James disse que você deu-lhe um soco.
— Não pude me conter.
— Ótimo! Você é fantástica.
Sofia bateu de leve na porta do quarto do conde.
O aposento estava silencioso e pouco iluminado, exceto pelo fogo que estalava na
lareira. Seguindo Sofia, Lily logo deparou com Whitby esparramado na grande cama,
adormecido, banhado em suor e respirando com dificuldade. A camisa de dormir estava
colada à pele úmida. Parecia meio morto.
Lady Stanton estava lá, sentada ao lado do leito, com a mão pousada no peito do
enfermo.
— Veio ver Whitby? — perguntou sem a menor necessidade.
Lily confirmou com um gesto de cabeça.
— Entrei há poucos minutos. Edward sentiu febre enquanto dançávamos, entende?
Sente-se aqui. — Lady Stanton levantou-se e cedeu a cadeira, juntando-se a Sofia perto
da soleira. — Devo retornar ao salão — disse à anfitriã. — Pode me manter informada?
— Sem dúvida. Lily ficará alguns minutos com Whitby, enquanto eu acompanho você
até a escadaria.
Depois de retornar a seu quarto a fim de trocar o vestido de baile por uma roupa
simples, mais confortável, Lily assumiu a vigília noturna; nada a tiraria do lado de Edward
antes que ele melhorasse.
Passou a maior parte do tempo sentada, segurando a mão do enfermo, controlando a
lareira, esperando que Edward reagisse à crise. Ocasionalmente, o conde se movia, batia
as pálpebras e virava a cabeça para o outro lado, com um gemido ou um suspiro. Às duas
da manhã, ainda podia ser ouvida a música no salão de baile. James e Sofia fizeram a
gentileza de aparecer no quarto, a fim de ver se Lily estava bem. Pouco depois, o castelo
caiu em completo silêncio.
Ela cochilou uma vez, por pouco tempo, e passou o resto da noite acordada.
Experimentou abrir a janela, para dar entrada ao ar fresco, mas a brisa era forte e fria, de
modo que Lily desistiu e voltou a sentar-se.
A sensação foi de que a noite era interminável. Devia ser a única pessoa desperta em
toda a casa, e o quarto, o único com velas acesas. Como Lily poderia dormir, com Whitby
naquele estado?
A febre dele não diminuiu, nem mesmo quando o dia clareou e o conde abriu os olhos.
O sol estava apenas despontando no céu, e Lily acordou de um cochilo para ver James
sentado à beira do colchão.
Foi o som das vozes que a despertou. Endireitou-se no assento, sonolenta, mas
permaneceu calada, ouvindo.
— Enviamos um telegrama a Anabela — disse James, com as mãos entrelaçadas.
Whitby umedeceu os lábios ressequidos e, sem mover-se, murmurou:
— Preciso de um drinque, James.
— O médico proibiu. Liberou somente uma colher de conhaque, de seis em seis horas.
— Quer me torturar? Qual o problema?
— O problema é que você tem bebido demais.
— Estou morrendo, meu amigo.
Lily sofreu um sobressalto, seguido de um arrepio gelado. Prestou atenção à resposta
de James.
— Não, não fomos informados disso. Talvez esse mal-estar não signifique nada.

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— Senti a morte chegando. Venho sentindo isso há semanas.
James ficou momentaneamente abalado, o que não era característica de um homem
perito em controlar-se.
— Você se queixou apenas de secura na boca e na garganta. O que disse o médico?
— Eu menti, James. Não consultei médico nenhum. Tentei esquecer que ficava cada
dia mais fraco.
— Por isso bebia tanto?
— Suponho que sim. O conhaque apaga as mágoas. Lily notou o irmão inclinar a
cabeça. Seu coração doeu ante essa visão, pois ele próprio havia tido dificuldades com o
pai, e Whitby era a única pessoa no mundo em que James havia confiado, quando jovem.
Um amigo verdadeiro, na época em que ele não tinha nenhum, nem podia contar com a
mãe para um pouco de afeição.
— Não tem nada a lamentar, Whitby.
O doente oscilou a cabeça no travesseiro, inquieto.
— Permita-me discordar. Eu deveria ter amadurecido há mais tempo e encontrado uma
esposa, como você. Mas pensei que seria jovem para sempre. Agora, se morrer, Anabela
ficará... — Tentou sentar-se na cama. — Preciso vê-la.
James agiu no sentido de manter Whitby deitado.
— Ela vai chegar aqui de trem, esta noite.
— Bom. Providenciei uma renda mensal para minha irmã, assim não precisará
depender de Magnus. Porém, não quero que viva sozinha. Posso contar com você para
acolher minha irmã?
— Claro que sim.
Naquele instante, Lily avaliou que Whitby desconhecia que ela estava no quarto.
Ponderou se a sua presença faria bem ou mal ao conde, e também quem era Magnus.
— Se algo me acontecer, prometa que cuidará de Anabela.
— Cuidarei. Mas nada lhe acontecerá.
Lily tossiu a fim de anunciar-se. Lentamente, ergueu-se da cadeira e esticou as rugas
da roupa, enquanto se acercava do leito.
— Bom dia, Whitby.
O conde pestanejou ao vê-la. Lily diria que ele queria voltar a dormir.
— Bom dia.
— Lily ficou aqui a noite toda — explicou James. — Ela foi sua enfermeira devotada.
Em vez de dizer alguma coisa, Whitby fixou o olhar nela por um longo e doloroso
momento. Lily percebeu de imediato, com chocante clareza, que ele sabia de seu amor.
Então, Lily viu um brilho estranho naqueles olhos...
Piedade? Pena dela por julgar que iria morrer e ela ficaria arrasada, inconsolável? Ou
simplesmente ele não correspondia aos sentimentos de Lily?
Ela baixou o olhar. Parecia que suas desilusões com Whitby nunca chegariam ao fim.
Ou talvez terminassem logo. Essa idéia a aturdiu.
— Obrigado — ele agradeceu, por fim, com a voz cansada e a expressão severa.
O ânimo de Lily, já fragilizado, caiu ainda mais. Seria insuportável perder o conde,
mesmo que ele nunca fosse seu.
— O médico logo virá para verificar seu estado, Whitby. Tem bom renome. Descobrirá
o que há de errado com você.
— Ótimo. Um conhaque está fora de questão?
— Sim — James falou com dureza.
— Isto não é nada agradável — reclamou o enfermo, cerrando as pálpebras.
James fitou Lily, que permanecia de pé à cabeceira. Ela viu a preocupação evidente no
semblante do irmão. James nunca se mostrara tão aflito, inclusive quando nasceram seus
filhos. Os dois partos de Sofia o preocuparam, sim, mas sem tirar-lhe a esperança.
Agora...

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
Agora ele fazia Lily se sentir como se ela morresse junto com Whitby.
Na manhã seguinte, entre o sono e a vigília, Whitby teve sonhos estranhos. Flutuava
no ar e ouvia conversas. Imaginou ter escutado as risadas de Magnus. Mas, quando
acordou de vez, só Jenson estava no quarto, dobrando ou pendurando as camisas do
patrão.
O corpo de Whitby tremia e seus dentes batiam. Não importava o quanto tentasse
acalmar-se e ficar quieto, o tremor não passava. Efeito da febre ou da abstinência de
conhaque, imaginou. Não fazia diferença, porém. Ele amargava uma doença parecida
com a de seu finado pai.
A cada movimento brusco, Jenson se aproximava da cama e erguia as cobertas até o
queixo do conde, dizendo-lhe que procurasse dormir. Assim, Whitby adormeceu de novo,
apenas para experimentar novos delírios. Despertou agitado ao sentir que Jenson
procurava ajudá-lo.
— Que dia é hoje? — indagou logo ao abrir os olhos.
— É domingo, milorde. A festa acabou e a maioria dos hóspedes se foi.
— Exceto nós.
— Tem razão. Iremos embora quando o senhor se recuperar.
— Isso é apenas uma esperança longínqua.
— Não gosto de ouvi-lo falar assim, Eddie — disse o criado num sussurro.
Eddie. O diminutivo de Edward. O som mais ouvido em sua infância, e que lhe trazia
lembranças tristes de um tempo em que ele não tinha título de nobreza, e os pais eram
vivos. Whitby recordava-se bem da mãe rindo e correndo atrás dele pela casa. Sentiu-se
transportado ao passado.
Estranhamente, sempre que pensava na mãe, ela vestia uma camisola branca e estava
descalça. Talvez porque os melhores momentos que desfrutara com ela, na infância, ti-
vessem ocorrido tarde da noite, quando a mãe vinha afagá-lo na cama.
Quando a vira agonizante, ela também usava uma camisola toda branca, a não ser
pelas manchas de sangue decorrentes do parto de John, o irmão de Whitby que vivera na
índia, prestando serviços ao governo britânico, e fora vítima fatal de um acidente de trem.
Por isso, a linha de sucessão do condado não passava por ele nem por Anabela, que era
adotada.
A mãe morrera ao dar à luz John, o segundo filho, e seus gritos aterradores ainda
ressoavam na mente do conde. Com essas imagens, os tremores aumentaram,
impossíveis de serem superados. Tudo o que restava a Whitby era resignar-se ao
sofrimento e esperar que, um dia, o desconforto terminasse. Fosse pela cura ou pela
morte.
Mais tarde, após o Dr. Trider ter reexaminado o paciente, Lily o acompanhou casa
adentro, até o escritório de James. Antes de o médico entrar e a porta ser fechada, ela o
fitou com o coração acelerado, desesperada por informações sobre o estado de saúde de
Whitby. Concluindo que o tempo de timidez havia passado, bateu na porta.
Sofia a abriu e percebeu a expectativa de Lily. Deu espaço para que ela entrasse
também. O doutor estava sentado à frente de James, empunhando sua maleta de couro.
— Acho que Lily gostaria de ouvi-lo tanto quanto nós — disse Sofia, indicando uma
cadeira ao lado do doutor.
Ansiosa e apreensiva, Lily sentou-se, sentindo o estômago revolver-se.
— Ainda não tenho total certeza quanto ao mal que aflige o conde, mas me preocupa
que o pai dele tenha morrido da doença de Hodgkins.
— É hereditário, doutor? — Sofia indagou.
— Houve casos em que a hereditariedade foi citada como possível causa, mas o fato é
que a medicina não conhece bem essa enfermidade. É possível que o conde esteja
sofrendo de alguma outra coisa.
— Se for Hodgkins — interveio James —existe cura? Não há cirurgia?

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— Houve algumas operações bem-sucedidas. Hodgkins é uma espécie de linfoma,
envolvendo o sangue e a medula. — Trider meneou a cabeça. — Temo que o prognóstico
não seja bom, caso se trate de Hodgkins. Do contrário...
— Se for, quanto tempo resta a lorde Whitby? — James quis saber.
— De alguns meses a um ano ou pouco mais, em casos crônicos. Depende do ritmo de
evolução da doença.
— O senhor relatou tudo isso ao conde? — Lily o pressionou.
Então, outra batida na porta soou, e Sofia foi atender.
— Anabela! Graças a Deus! Entre, pois estamos justamente ouvindo o médico sobre o
problema de seu irmão.
Lily escutara falar de Anabela, mas nunca a encontrara. Era alta, de nariz estreito e
levemente arrebitado. Tinha olhos azuis, cabelos cor de mel como os de Whitby, mas tra-
tava-se de uma coincidência, porque Anabela Lawson fora adotada, ainda bebê.
Trajava roupa de viagem, sem prejuízo da elegância. Possuía uma beleza incomum,
embora não parecesse valer-se disso para se destacar. Também se mostrava tímida, e
Lily gostou da recém-chegada de imediato. Estava curiosa de saber por que Whitby se
preocupava tanto com ela.
James indicou uma cadeira a Anabela e apresentou-lhe a irmã, Lily. As duas trocaram
um aperto de mãos, enquanto Anabela confessava-se feliz por conhecê-la, já que ouvia
falar dela desde criança.
Sorridente, Lily apenas pensou no que ela teria escutado e de quem. De Whitby? Seria
um sinal de afeto por parte do conde...
— O Dr. Trider nos explicava o diagnóstico do que há de errado com Whitby, embora
ainda não tenha certeza absoluta — James explicou, ocupando sua cadeira atrás da
mesa de trabalho.
O médico repetiu o que dissera para Anabela, que logo puxou um lenço e começou a
chorar. Lily acercou-se, a fim de tocar-lhe o ombro, em apoio.
— Vamos esperar que melhore — disse.
— Claro que sim — reforçou Sofia. — Não podemos perder a esperança. Ele é jovem e
forte.
Anabela recompôs-se e guardou o lenço.
— Obrigada por tudo o que vocês têm feito por Edward.
Você sabe, James, que ele o considera o melhor amigo do mundo. Quando poderei vê-
lo?
— Imediatamente. Lily pode lhe mostrar onde fica o quarto.
— Sem dúvida.
As duas se ergueram a fim de percorrer os longos corredores. Ao alcançarem o quarto
do conde, encontraram-no dormindo, e Jenson também, esparramado na poltrona.
Anabela e Lily trocaram um olhar, concordando em acordar o criado. Sacudiram
Jenson pelos ombros, e ele despertou assustado.
— O quê? Perdão, milady, não ouvi ninguém chegar.
— Calma, Jenson. — Lily o brindou com um sorriso de gratidão. — E normal, quando
se passa a noite ao lado de um doente. Veja quem está aqui.
— Srta. Lawson! — As feições do criado se tornaram mais relaxadas. — Graças a
Deus! Ele tem perguntado pela senhorita.
— É muito bom poder contar com você, Jenson. Como está meu irmão?
— Já teve melhores dias, senhorita. Não está muito animado e fica alimentando
mágoas e preocupações. Mas decerto isso não a surpreende.
— Não. Por isso vim. — Anabela aproximou-se da cama e tocou a face de Edward. —
Está tão quente! Existe algo que possamos fazer?
Nem Jenson nem Lily responderam, pois não havia resposta. Nenhuma, ao menos, que
Anabela gostasse de escutar.

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De súbito, Lily sentiu-se como uma intrusa ali. Deveria dar espaço aos irmãos.
Anunciou que iria sair e levaria Jenson consigo.
— Não. Fique e me dê detalhes sobre o problema de Edward. Não o vejo há meses,
porque esteve em Londres, e eu não vou à capital. — Anabela pressionou as faces do
enfermo. — Ele está tão magro!
Compreensivo, Jenson retirou-se, e as duas mulheres se sentaram uma de cada lado
do leito. Lily explicou como estranhara a aparência de Whitby no momento da chegada ao
castelo. Parecia extenuado, sem concentração e bebendo muito, mais do que costumava
fazer até então.
Isso despertou um olhar piedoso em Anabela. Talvez ela pensasse no pai adotivo de
Whitby, conhecido por beber demais até morrer. James contara a Lily que aquele homem
pretendera afogar sua dor. Muito jovem para entender, na época, ela guardou a imagem
na mente, como guardava tudo o que se referia a Whitby. Cada lembrança. Cada
experiência. Agora, mais madura, compreendia melhor: certas pessoas preferem passar a
vida esquecendo ressentimentos.
— Sou-lhe grata por ter passado a última noite perto dele. Edward sempre disse que
você é maravilhosa.
— Mesmo?
— Sim. Faz anos, quando ele e James ainda freqüentavam a escola, meu irmão
chegava em casa falando dos jogos que você inventava. Queria praticá-los comigo, mas
eu tinha ciúme de quem ele elogiava tanto... — Anabela exibiu um sorriso encantador. —
Por muito tempo, fugi das oportunidades de conhecê-la.
— Não acredito! — Lily divertiu-se com a confissão, apesar de tudo.
— Eu era apenas uma criança, saudosa do irmão distante e ciumenta de suas
atenções. Então ele cresceu, parou de vir para casa com histórias a seu respeito e
começou a adotar seus próprios jogos. Brincadeiras que nenhuma de nós inventou.
Lily entendeu o que Anabela omitia: falava de jogos que envolviam mulheres e bebida.
Claro, Lily e Whitby cresceram separados e, já na juventude, as brincadeiras inocentes
cessaram.
Era uma surpresa, de qualquer modo, que o conde tivesse falado a seu respeito para a
irmã. Sinal de que Lily continuava na mente de Whitby depois que se separavam.
Edward moveu-se, e Anabela se inclinou, prestativa.
— Estou aqui, querido. É Anabela.
Ele abriu os olhos, examinou a figura da irmã e pronunciou-se:
— Graças! Sinto muito, Anabela. Eu devia ter ouvido você. Como nenhum dos dois
olhou na direção de Lily, ela permaneceu quieta, observando a cena.
— Você não podia prever que isto ia acontecer — Anabela soou conciliadora.
— Tem razão. Sempre julguei que me manteria forte e jovem para sempre.
— Mas vai recuperar-se, logo que a febre passar.
— Talvez... Porém, isso não desculpa meu fracasso em proteger você e a propriedade,
evitando uma grande injustiça.
Mais uma vez Lily se sentiu à parte na conversa. Ouviu o que pareciam ser segredos
de família, como que invisível ao par de irmãos. No entanto, sempre fora invisível para
Whitby; ou não? Um movimento dela chamou a atenção do conde, que a fitou com ar
sonolento.
— Lily, não sabia que você estava aqui.
Ela olhou para Edward com emoção e afeto, murmurando o nome dele, e procurou na
própria mente algumas palavras que o sensibilizassem. Não conseguiu, contudo, pois
tinha sono desde a noite de vigília, e uma forte dor de cabeça. Não era de admirar que
estivesse tão nervosa.
— Não quero me intrometer, Whitby. Já vou sair.
Ele nem pediu para Lily permanecer ali. E ela ficaria feliz se Whitby lhe falasse que

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podia continuar no quarto pelo tempo que desejasse. Mas, para seu infortúnio, ela
conhecia a medida da própria importância na vida dele.
Sorrindo para Anabela, ela deixou o quarto, sentindo-se pior do que quando entrara.
Não se conformava em ficar fora da vida do conde.
Assim, Lily decidiu oferecer-se para uma nova vigília noturna.
— Como ele está passando? — perguntou Sofia, levantando-se do sofá quando
Anabela ingressou na sala.
Lily também mostrou-se ansiosa por notícias recentes.
— Agora dorme — afirmou Anabela.
— E a febre?
— Ainda não cedeu. Meu irmão acorda pedindo conhaque. Lily e Sofia trocaram um
olhar preocupado.
— Ele continua desconfortável — prosseguiu a irmã —, mas não discute quando digo
não.
Sofia indicou uma poltrona à visitante e ofereceu-lhe chá. A expressão cansada
traduzia sua longa viagem desde Bedfordshire, a fim de ver Whitby.
— Vocês duas devem estar pensando por que ele ansiava por falar comigo. Existe uma
parte de sangue ruim em nossa família. Temos problemas com o primo de Whitby,
Magnus.
Sofia serviu o chá trazido pela criada.
— Certa vez, James citou algo sobre um primo irresponsável, mas não deu detalhes.
Você sabia, Lily?
Ela balançou a cabeça negativamente.
— Bem... — Anabela hesitou, prosseguindo após um gole de chá: — O pai de Magnus
foi excluído da família, social e financeiramente desde cedo. Mas, houve motivos. Ele
tinha muito ciúme e ódio no coração, e por diversas vezes tentou agredir o irmão mais
velho, o herdeiro de tudo.
— Não fazia idéia — Sofia declarou, estimulando Anabela a continuar.
— Magnus revelou-se igualmente cruel e amargo. Invejava Whitby da mesma maneira
que seu pai invejara o irmão. Agora, se algo grave acontecer com o conde, Magnus
herdará o título e a casa.
— Ele é realmente malvado? — Lily interpelou. Anabela fez uma pausa antes de
responder:
—Vocês sabem como Whitby é bom. Nunca negaria ajuda a um membro da família.
Mas, nesse caso, seus sentimentos se justificam. Magnus sempre cobiçou o título de
nobreza e é suspeito de ter causado a morte do irmão mais velho de Whitby, o primeiro
conde de nosso clã. Daí vem seu ódio por Magnus.
— Céus! — Sofia exclamou. — Positivamente é uma situação horrível!
— Isso aconteceu muito tempo atrás, quando Whitby tinha dez anos.—Anabela tomou
mais chá, enquanto a tensão pesava nos ombros de Lily.
— Whitby de fato acredita que Magnus matou o irmão dele?
— Ninguém pôde provar, e Magnus nega, claro, mas é um homem odioso.
— Por isso o conde se preocupa tanto com você?—indagou Lily. — Pensa que Magnus
poderia machucá-la? Não entendo, pois você não tem pretensões ao título.
Anabela tardou em responder. Parecia avaliar se devia ou não explicar a situação, mas
enfim falou:
— Magnus me enganou, só para atingir Whitby. Como eu disse, ódio e vingança
correm nas veias daquele homem. — Ela baixou o olhar e escondeu parte do rosto atrás
da xícara. Caiu em silêncio total por mais de um minuto.
— O que ele fez? — Lily atreveu-se a questionar.
— Eu era jovem e ingênua. Magnus me seduziu, há cinco anos, enquanto ocultava sua
real identidade. Depois me abandonou sem pena, tudo para provocar Whitby.

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— Lamento muito. — Sofia tocou o joelho de Anabela, depois fitou Lily com angústia.
— Não é de estranhar que ele perdesse a saúde.
— Como agiu seu irmão, quando soube dos fatos? — foi a nova questão de Lily, após
devolver sua xícara à mesinha. — Ele confrontou Magnus?
— Sim, e Magnus pagou o preço. Não ficou impune pelo mal que me fez.
A xícara de Anabela tremeu em suas mãos. As duas outras mulheres decidiram,
tacitamente, não perguntar mais nada. Todavia, a própria Anabela acrescentou:
— Se ao menos Whitby fosse casado e tivesse um herdeiro... Mesmo que viesse a
morrer, morreria em paz. É triste.
— O pior é não fazermos determinadas coisas quando temos chance — Lily comentou,
como se falasse a si própria. Sabia ter estado sem rumo durante boa parte da vida.
— Você tem razão. — Anabela suspirou, triste. — Tem toda a razão.
No início da noite, Lily postou-se à porta do quarto de Whitby, com um ouvido colado
na madeira, tentando escutar o que o Dr. Trider dizia a James. Pelo que conseguiu
decifrar, o doutor não encontrara mudança no estado do conde, e o futuro dele continuava
incerto.
Pouco depois, o médico saiu corredor afora. Lily o seguiu até o saguão principal,
constatando que aceitava o chapéu e o casaco das mãos do mordomo. Mas, assim que
este fechou a porta, ela correu à varanda e abordou o doutor:
— Dr. Trider! — gritou, quando ele se preparava para subir à carruagem.
— Lady Lily... — cumprimentou-a, admirado com o desespero dela.
— Eu sei... — Lily parou a fim de ganhar fôlego — ...que lorde Whitby não melhorou,
mas preciso perguntar-lhe algo bastante delicado. — Nova pausa, mais nervosismo. —
Um homem no estado dele pode gerar um filho?
Ainda mais espantado, sob a fraca luz de um tocheiro, o médico apertou os lábios e
considerou a questão cautelosamente.
— Acho que sim. A doença de lorde Whitby não afeta sua capacidade reprodutora, a
não ser pela fraqueza que causa.
— E se alguém o... ajudasse?
A própria Lily não sabia direito do que falava, apenas deixava fluir uma torrente de
pensamentos. Também desconhecia como ajudar Whitby na prática de um ato íntimo.
Nada impedia, porém, que se informasse.
Aquilo era muito estranho, e o médico hesitou antes de completar:
— Sim, suponho que seria possível.
— E a criança nasceria saudável?
Já acomodado no assento da carruagem, o Dr. Trider avaliou como desproposital
aquela conversa na penumbra. Sobretudo porque desconhecia as intenções de Lily ao
fazer tais perguntas.
— Nunca há total garantia de que um bebê nasça com saúde, milady. Mas, se quer
saber se a doença de lorde Whitby passaria para a criança, a resposta é não. Até o
momento, não existem provas de que o mal de Hodgkins seja contagioso ou hereditário.
— Então, pensa realmente que o problema de Whitby é Hodgkins, doutor? Pode ser
franco comigo.
Ele focalizou a jovem, com visível desconforto.
— Não posso ter certeza absoluta até que os exames apropriados sejam feitos. Pelos
sintomas, o diagnóstico parece fundamentado.
Lily agradeceu e, suspirando, afastou-se para que a carruagem partisse. Achava que o
médico não sabia por que ela o questionara tanto. Era provável,-porém, que, alguns qui-
lômetros adiante, ele atinasse com seus objetivos.
Ela desejou que quando acontecesse, o doutor não batesse o veículo numa árvore.
À meia-noite, Lily bateu de leve na porta de Whitby e quis substituir Anabela, que
passara o tempo todo ali. A única luz do quarto vinha da lareira e de uma vela no criado-

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mudo.
Na posição em que se encontrava na cama, Whitby não poderia vê-la entrar, porém a
visão do corpo masculino sob a luminosidade da vela fez seu coração bater mais forte,
graças à vontade de permanecer ao lado do amado.
Anabela bocejou e declarou-se exausta.
Acercando-se do leito, Lily viu que Jenson havia lavado e barbeado o patrão, naquela
manhã, e os cabelos embora limpos, estavam desalinhados pela longa estada entre as
cobertas. Continuava dormindo, fazia horas.
O conde vestia uma camisa de linho recém-passada, com alguns botões abertos
revelando-lhe os músculos do peito. Lily extasiou-se com a visão de tórax tão másculo.
Quantas vezes tinha sonhado em vê-lo dormindo?
Desde que lorde Whitby caíra enfermo, ela pudera realizar sua fantasia de viver
momentos de extraordinária proximidade com o conde. Por absurdo, poderia fazer com
ele o que quisesse, e o homem seguiria dormindo. Lily esboçou um sorriso, aliviada, mais
alegre ou menos triste com a situação.
Na verdade, os fatos não valiam nenhum sonho ou fantasia.
Ciente disso, Lily olhou para Anabela, que relutava em sair.
— Você o ama, não? — a outra perguntou inesperadamente.
Qual poderia ser a resposta? O primeiro impulso de Lily foi negar, mesmo porque tinha
se habituado a fazê-lo. Mas o tempo de esconder sentimentos acabara. E sua expressão
dizia tudo.
— Como soube?
— Vejo amor nos seus olhos. — Anabela afagou-lhe a face. — Há quanto tempo?
— Desde sempre.
— Não me surpreende. — Anabela afagou-lhe a mão.
— Não?
— Você foi uma presença constante na vida de Edward.
— É verdade, mas uma presença fraternal.
— O que a levou a pensar assim?
Lily dirigiu seu olhar ao homem acamado.
— Ele mesmo me falou, ainda esta semana, que se interessava por mim como por
você.
Whitby respirou fundo e rolou de lado. Anabela baixou o tom de voz:
— Meu irmão desconhece qualquer relação duradoura com uma mulher, Lily, exceto
comigo. Como conviveram por quase toda a vida, acredito que ele tenha por você
sentimentos mais profundos do que gostaria de admitir. Pode muito bem estar atraído por
você como mulher.
Seguiu-se um demorado silêncio. Lily procurou palavras que expressassem seus
desejos e emoções. Amava Whitby e a nenhum outro. Não se imaginava capaz de trocar,
por exemplo, Whitby por Richard, cujo assédio rejeitara com um soco no nariz. No
entanto, duas novas angústias se desenharam em seu horizonte: a doença do homem
amado e o pouco tempo que restava para concretizarem uma história de amor.
— Anabela, preciso contar-lhe algo importante. Sente-se a meu lado.
Ela obedeceu.
— Falei com o Dr. Trider, e descobri que Whitby pode gerar uma criança, mesmo no
estado em que está.
Os olhos arregalados de Anabela revelaram imediata compreensão dos propósitos de
Lily, mas nada comentou.
— Quero dar-lhe um herdeiro. — A frase soou inacreditável aos próprios ouvidos de
Lily.
Anabela encarou longamente a amiga, até que suas sobrancelhas se arquearam.
— Lily, é uma atitude grandiosa, demonstrando muito desprendimento de sua parte.

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— Pode parecer, mas não estou sendo nem generosa nem egoísta. Quero ajudar
vocês a resolver um problema sério de família, e ao mesmo tempo desfrutar um pouco de
intimidade com o homem que amo. Eu desejo Whitby, entende?
Desejei a vida inteira, e agora receio perdê-lo para sempre. Por isso, quero dar-lhe um
filho enquanto há tempo. Eu o amo, Anabela.
— Compreendo você e sinto que está sofrendo. Quanto a mim, vá em frente. Case-se
com meu irmão e crie o herdeiro, sem medir conseqüências. Mas não sou eu quem
resolve, e sim Whitby. Talvez ele nunca concorde com sua idéia, por detestar usá-la
dessa maneira, especialmente se cismar que não estará presente para cuidar de você e
da criança.
— Ele não estará me usando, mas me presenteando com o que representará a
felicidade pelo resto da vida.
Anabela tocou-lhe o ombro em sinal de solidariedade.
— Não cabe a mim decidir. É a meu irmão que você tem de convencer.
Era verdade, uma temível verdade, mas Lily esperava que, ciente do plano, Anabela
falasse com Whitby, poupando-a de se revelar tão vulnerável, tão apaixonada, e de sofrer
uma brutal rejeição. Não seria a primeira vez.
Talvez tivesse perdido o juízo, pensou Lily, sentindo o coração apertado. Talvez fosse
melhor pedir a Anabela que esquecesse aquela conversa e tirasse da cabeça o projeto
absurdo.
— Preciso ir descansar um pouco, Lily. Dormirei sossegada sabendo que você está
com ele. — Antes de cruzar a porta, Anabela voltou-se e fez um pedido:— Fale com
Whitby esta noite. O que tem a perder?
— Minha dignidade. Meu orgulho.
— Ninguém pode tirar isso de você. Não importa o que aconteça, Whitby a respeitará
por sua coragem e irá venerá-la pelo lindo oferecimento.
Lily imaginou-se passando o plano adiante, e concluiu que pelo menos isso seria uma
chance de conversar com lorde Whitby sobre coisas íntimas, dotadas de alta dose de
comoção e sensibilidade.
Era mais do que havia recebido dele até então.

Capítulo IV

Lily pousou a mão na testa de Whitby. Estava quente, porém menos do que no dia
anterior. Tocou-lhe a face, depois a nuca, com forte emoção. Teria coragem de confessar
seus sentimentos? Lily não precisou elaborar a idéia, pois Whitby abriu os olhos e
umedeceu os lábios com a língua. -Lily?
— Sim, estou aqui.
— Quero água.
Sem demora, ela apanhou a jarra encheu um copo. Whitby se sentou para beber.
— Obrigado. — Sorveu o líquido refrescante, devolvendo-lhe o copo.
— Como se sente hoje?
— Mal. — Whitby tornou a se deitar. — Abomino tudo isso.
— Sei que sim. — Lily ocupou a cadeira e iniciou o diálogo que era de seu interesse: —
Anabela me contou sobre o seu primo Magnus.
Whitby passou a mão pelos cabelos, livrando a testa de fios incômodos.
— Mesmo? É um negócio sujo dentro de uma família trágica. Bom motivo para me
curar logo, não acha?
Lily sorriu.
— Acho. E fico alegre por ouvi-lo falar assim.
— Esperava que eu fosse desistir e morrer? — Ele estreitou os olhos de maneira sutil.
Lily procurou formular uma resposta que não a comprometesse:

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
— Você esteve muito doente, mas já melhorou. A febre cedeu; não por completo, mas
cedeu. — Lily respirou fundo, para ganhar coragem. — Whitby, precisamos conversar so-
bre uma idéia que tive.
Ela desviou a vista, tomada de intensa emoção. Engoliu em seco, receando que a voz
lhe faltasse no momento mais importante.
— De que se trata, Lily?
Não havia como expor o que pretendia. Whitby riria dela. O plano era ridículo. Primeiro,
ele jamais concordaria, e, mesmo se concordasse, não existia garantia de que Lily po-
deria engravidar. Depois, se engravidasse, não haveria como saber se daria à luz um
menino, apto a herdar os bens do conde.
— Conte-me, querida. Sem medo. Ele me chamou de querida!
Não obstante, Lily continuou calada.
— O que foi? O médico trouxe más notícias sobre mim? Percebendo que causara
preocupação em Whitby, ela tomou-lhe a mão num gesto de apoio.
— Não, não é isso.
Lily se valia do fato de estar sozinha ali com ele, o que era raro. Por anos a fio, sentira
falta dessa proximidade. Desejava desesperadamente tocá-lo inteiro.
Ele então bateu a palma na mão dela e sentou-se na cama, exibindo curiosidade nos
olhos.
Ocorreu uma mudança nesse olhar. Whitby parecia adivinhar o que Lily sentia por ele,
e uma certa apreensão toldou-lhe a face como uma brisa fria.
— Não, Lily. — E livrou-se do toque dela.
Edward pedia para que ela não expressasse o que tinha em mente. Mais: para não
expor os próprios sentimentos.
— É impossível evitar... — As lágrimas ameaçaram rolar.
— Não sou o homem certo para você, Lily. Sou um devasso imprestável.
— Eu não acho...
— Nunca fui fiel a nenhuma mulher. Bebo e jogo demais. Gerenciei mal meus
negócios, minha propriedade tornou-se uma confusão, e provavelmente vou morrer em
breve. Você merece coisa melhor.
Lily o encarou.
— Não quero mais ninguém junto de mim. Os dedos dele subiram até o rosto delicado.
— Por que jamais confessou seus sentimentos? — o conde perguntou.
— Porque não pude. Você sempre me considerou uma criança, depois uma irmã. E
sempre estava ocupado com outras mulheres, não notando a minha presença.
— Não é verdade. Sempre gostei de você e me preocupei.
— Como faria com uma irmã. — Lily estava dominada pelo incontrolável calor da
paixão.
— É verdade.
O peito dela se apertou, aumentando a ansiedade.
— Mesmo durante esta semana, quando conversamos? Senti em você algo mais do
que um amor fraterno. Renovei as esperanças...
— Fez mal.
Apesar da postura irredutível de Edward, Lily estava decidida a não esmorecer.
Naquele instante, estava pronta a ser mais uma das mulheres com que o conde vez ou
outra se deitava. Sabia, porém, que ele nunca a trataria dessa forma.
Permitindo que ele lhe acariciasse o braço, não escondendo a pele em arrepios, Lily
estremeceu com apaixonado anseio. Então lembrou-se do que originariamente planejava
dizer a ele. Queria oferecer-se para dar-lhe um herdeiro.
Parecia impossível, agora, que Whitby aceitasse.
Sentindo seu sonho se esvair como uma flor descendo a correnteza, ela pousou os
lábios no dorso da mão masculina. Beijou-a devagar, por várias vezes, até que ouviu o

Projeto Revisoras 37
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som de um suspiro. A própria Lily o produzira: um suave sopro de prazer sensual.
Prosseguiu na carícia traçando uma trilha até o pulso de Whitby, depois saltou para os
músculos do antebraço. Ele não a impediu, o que a surpreendeu, incentivando-a a pros-
seguir com a viagem dos lábios ávidos com estranho contentamento.
-Lily...
Ela recusou-se a ouvir o gentil murmúrio de possível protesto. Amava o conde e
finalmente escancarava o coração. Os lábios quentes alcançaram-lhe a linha do pescoço
másculo, depois que Lily soltou a camisa por inteiro.
Por mais de uma vez, esperou ouvir a ordem para que parasse, mas esta não veio.
Não teria como desobedecer, porque seria contraditório forçá-lo a um ato de total entrega.
No entanto, Whitby nada falou. Sem ser rejeitada, Lily sentiu que recebera uma bênção,
um outro momento marcante em sua felicidade.
Seu corpo quente e macio reagia com sensual deleite ao contato com o de Whitby, um
prazer que só conhecera quando, sozinha em sua cama, sonhava com as carícias
provocantes que poderiam um dia trocar.
Uma vez que decidira levar a idéia de seduzi-lo adiante e os protestos não foram
veementes, Lily despiu-se de medos e pudores, assumindo-se mais ousada. Foi então
que reiniciou o caminho por aquele corpo viril, substituindo os beijos rápidos por
movimentos sensuais com a língua sedenta, deixando-lhe a pele em brasa.
Ouviu Whitby dizendo que devia parar, mas foi apenas um sussurro, que mais indicava
concordância do que recriminação.
Ele fechou os olhos e levantando o queixo, permitiu que ela lhe explorasse o contorno
dos ombros, pescoço, terminando por mordiscar-lhe o lóbulo da orelha. Quando Lily
ergueu o rosto para estudar-lhe as reações, Whitby reabriu os olhos exibindo um brilho
único, capaz de refletir o fogo que o consumia.
Surpresa, atordoada, Lily percebeu o peito do conde arfando por conta do próprio e
irreprimível desejo. Então, tomada por um louco frenesi, ela ofereceu os lábios úmidos ao
conde, com delicadeza mesclada de volúpia.
Com o olhar fixo naquela boca tentadora, Whitby extasiou-se com o presente que
ganhara. E em ritmo lento, mas firme, segurou-lhe o rosto delicado entre as mãos fortes,
tomando-lhe a boca com um beijo ardente.
Com vaga consciência do que fazia, Whitby girou Lily para que se deitasse de costas e
a olhou no fundo dos olhos, assaltado por uma súbita dúvida: ela ainda seria virgem?
— O que de fato aconteceu entre você e Pierre — indagou, sem rodeios. — Entregou-
se a ele?
Por vaidade, gostaria de ouvir um não. Por temor à responsabilidade, preferia escutar
um sim.
Lily negou, freando assim os desejos de Whitby.
— Sou virgem, mas não inocente como a criança com quem você brincava.
— Melhor assim — disse Whitby, terno. — Mas vamos parar agora.
— Não! Estou disposta a tudo. Por favor...
Mais do que surpreso e muito excitado, Edward precisou lutar pelo autocontrole. Queria
agir de maneira responsável, o que era difícil com Lily esbanjando sedução e volúpia
sobre seu corpo também em brasa.
— Acho que não sabe do que está falando.
— Sei, sim. Eu te amo, Whitby.
Respirando fundo, o conde rolou para o lado, recostou-se na cabeceira e cerrou as
pálpebras, imaginando algum sentido lógico para aquela atitude.
Lily se sentou no colchão e ajeitou sua roupa.
— Você ficou zangado de repente.
— Não com você — ele respondeu, sem abrir os olhos. — Censuro a mim mesmo pelo
que estava para acontecer. Você é a irmã de James.

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
— Sou uma mulher, meu caro.
Sem sombra de dúvida!
Lily voltou-se a fim de encará-lo.
— Quando entrei aqui, não pensei em nada disso, Whitby. Eu só desejava conversar
com você sobre algo importante.
Ele esperou que ela falasse de uma vez, com um nervosismo equivalente à ansiedade
que via em Lily.
— É sobre o problema que tem com seu primo.
— Magnus?
— Sim. Anabela me pôs a par da situação, e sei que você anda preocupado com sua
doença, pois não possui herdeiro.
A frustração esfriou o sangue de Whitby. Aonde Lily pretendia chegar? Melhor não
saber. Ele limitou-se a contemplá-la com expectativa e preparou-se para ouvir.
— O que vou dizer parecerá insano, mas não é. Você está preocupado com sua saúde,
seu futuro e o de Anabela. Pois eu posso e quero lhe dar um filho. O médico disse que é
viável e, pelo que pude constatar, ele tem razão.
Santo Deus! A palidez varreu o rosto de Whitby. Um filho de Lily? Ela teria perdido o
juízo?!
Passado o choque, o conde entendeu que a atitude de Lily era corajosa, digna de
admiração. Mas as variáveis contidas na equação poderiam vir a magoá-la. De qualquer
modo, Whitby imaginou que ela também havia se preparado para uma rejeição.
— Lily — ele tentou soar calmo e gentil — não posso aceitar seu bondoso
oferecimento.
— Por quê? Apenas por ser sua amiga de infância?
Mesmo notando nela a determinação de debater o assunto, Whitby só desejava colocar
uma boa distância entre os dois, a qualquer pretexto.
— Não é só isso. — Seu cuidado com as palavras aumentou, pois ela se confessara
apaixonada. — E complicado, e eu teria de me casar com você. Porém, estou muito
doente e não vejo seu engenhoso plano como uma solução. E se eu morrer em breve?
Você não pode casar-se e ficar viúva em seguida.
— Isso não importa. Tenho certeza de que tudo dará certo. Teremos um filho saudável
que será seu herdeiro, e, ainda que não consiga vencer a doença, por algum tempo
seremos mais íntimos um do outro. Você não pode dizer que não gosta da idéia.
Um lado da questão era desejar Lily na cama. Outro, que o plano dela constituía uma
rematada loucura.
— Você é jovem demais para me aceitar como marido. Merece algo melhor: um sujeito
decente e saudável que a ajude a cuidar dos futuros filhos e lhe proporcione uma vida
feliz. — Ele balançou a mão no ar. — Está presumindo que vou morrer, mas e se me
curar? Aí, o mal já estará feito.
— Eu ficaria presa a um casamento sem amor. É o que quer dizer?
— Sim.
— Mas seria sem amor unicamente de sua parte, Whitby. Ela o fez sentir-se um
monstro sem alma.
— Eu nunca a magoaria dessa maneira, Lily.
— Não existe a chance de vir a me amar? — Ela pareceu derrotada.
— Devoto-lhe muito afeto e me preocupo com o seu bem-estar. Sabe disso, não é?
— Sei, porém quero mais. Quero dar-lhe um herdeiro. Whitby ficou sensível à repentina
tristeza dela.
— Você é bonita, e seria fácil eu me apaixonar. Mas deve buscar a felicidade com
outro, Lily. Doente e com problemas financeiros, não sirvo para ser seu marido.
Ele gostaria que ela o fitasse, em vez de manter os olhos baixos. Precisava da certeza
de que Lily ficaria bem. Ergueu-lhe o queixo com a mão.

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— Lamento, querida. — Whitby admitiu ter partido o coração de Lily. Haveria outra
maneira?
Sentira atração física por várias outras, ao longo da vida. Mas com Lily, era algo mais,
no entanto. De novo deu-se conta de que seria fácil amá-la, caso cedesse a seus
impulsos. Ficou contente ao ver o sorriso tímido que ela esboçou, meneando a cabeça.
— Agora, vá — ele pediu. — Ficarei bem. A febre baixou, embora a garganta ainda
esteja dolorida.
— Também ficarei bem, Whitby. — Lily estava aceitando tudo o que ele propunha. —
Talvez minha oferta tenha sido inoportuna, mas tinha de tentar.
O ambiente tenso cedeu, e o conde igualmente ensaiou um sorriso.
— Significa muito para mim que você tenha tido essa idéia. Nunca me esquecerei de
sua generosidade. Ninguém antes nunca se preocupou comigo a ponto de me oferecer
algo tão precioso como um filho.
Ele deu-lhe um beijo suave na boca. Não possuía nenhuma conotação sexual, embora
Lily experimentasse, tal como Whitby, um tremor no ventre.
Piscando os olhos azuis, ela o focalizou, retribuindo o beijo, com o rosto dele entre as
mãos. Foram segundos à margem de qualquer explicação. Edward acabara de explicar
que não podia amá-la, e ainda assim via-se colhido num sonho duradouro de paixão e
felicidade.
— E melhor você sair, Lily.
Só para não magoá-la outra vez? Não. Se ela continuasse ali, tão sedutora e atrevida,
ele acabaria por desonrá-la. Por isso, sentiu-se aliviado quando Lily ergueu-se e cruzou a
porta.
Na manhã seguinte, o Dr. Trider voltou a examinar Whitby. Ele apreciou que a febre
tivesse diminuído, mas mostrou-se preocupado com o fato de a garganta do paciente
continuar inflamada.
Inclinado sobre a cama, o médico apalpou-lhe o pescoço, depois o abdome, e o
auscultou. Pediu ao conde que inspirasse profundamente e soltasse o ar sem pressa. Ao
devolver o instrumento à maleta de couro, afirmou que os pulmões e o coração do doente
estavam bem.
— Mas? — perguntou Whitby, olhando para James, que à janela também aguardava a
opinião do doutor.
— Não é bom que seu baço e seus gânglios estejam dilatados. É difícil explicar, pois
além de aumentados, estão duros.
— Seja franco, doutor — James solicitou.
— Já vi gânglios assim antes. É cada vez maior a semelhança com a doença de
Hodgkins.
Whitby recebeu calma e silenciosamente a notícia, embora sentisse a respiração
dolorosa e difícil. Teve de lutar por um pouco mais de ar.
— Alguma chance de ser outra coisa? — indagou James, e o conde ficou grato à
presença do amigo, capaz de pensar e falar por ele.
— Claro, sempre há esperança.
— Como e quando teremos certeza?
O Dr. Trider puxou a gasta maleta para perto de si.
— Uma biópsia nos trará a resposta. Isso requer uma pequena cirurgia para a retirada
de uma amostra dos gânglios linfáticos. Mas sempre é uma cirurgia, com riscos de
infecção.
— Pode realizá-la? — Whitby reencontrou a voz.
— Prefiro esperar mais alguns dias, para o senhor curar a febre por completo e ganhar
energia.
Fazia mais de um mês que Whitby se sentia fraco.
— Caso se confirme minha enfermidade, será possível prever seu avanço com maior

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precisão?
— Não realmente — replicou o médico. — Prevalece minha opinião original. A doença
pode estacionar ou progredir, entre um mês e um ano. Questão de sorte.
— O senhor disse três meses, antes — queixou-se o conde, pressentindo que seu
tempo de vida se esvaía.
— E uma média. — Trider olhou com desconforto para o paciente.
— Compreendo — Whitby resignou-se.
Da maleta, o doutor retirou um frasco escuro, que passou ao conde.
— Enquanto aguarda a biópsia, tome isto. Uma colher de sopa, duas vezes ao dia. E
óleo de peixe com um composto de ferro, bom para o fígado. Igualmente importante é
manter a esperança. Lembre-se, não temos certeza de nada. Sua doença pode resumir-
se a uma simples infecção.
Whitby não se mostrou convencido.
Pensou em Lily e seu plano. Ali residia a grande oportunidade de deixar um herdeiro no
mundo. Veio-lhe o impulso de aceitar o oferecimento. Engravidar Lily ou qualquer outra
não o salvaria nem lhe traria a imortalidade, mas alguém de seu próprio sangue
continuaria honrando seu nome.
Uma batida na porta precedeu Sofia, que cumprimentou o médico e entregou ao conde
uma carta recém-chegada. Era de seu procurador, George Gallagher, apresentando votos
de todos para o pronto restabelecimento de Whitby e seu breve retorno à fazenda.
Ele assimilou as palavras, mas também leu nas entrelinhas. O texto era mais do que
um voto de boa saúde. Primeiro, Whitby não era um bom fazendeiro, segundo a opinião
geral. Ausentava-se muito tempo da propriedade, buscando entretenimento em Londres.
Não, a carta abrigava um pedido desesperado para que voltasse ao lar e evitasse que
um novo dono, seu temido primo Magnus, conseguisse tomar-lhe as terras.
— O que é? — perguntou James quando o amigo colocou o envelope no criado-mudo.
— Apenas uma nota de Gallagher, com votos de recuperação em nome de todos os
trabalhadores da fazenda.
Os dois trocaram um olhar significativo. Como sempre, James pressentia tudo
corretamente.
— Então — ele concluiu —, é melhor você tratar de ficar bom.
Presumindo que o médico já partira, Anabela foi ao quarto de Whitby e posicionou-se a
seu lado.
— O que disse o doutor?
— Está pouco otimista—informou o doente, em tom grave. Anabela sentiu que um
grande peso a empurrava sobre a
cadeira. Esforçou-se para manter a voz firme:
— A medicina deve encontrar uma saída para o seu problema.
— O Dr. Trider pediu mais esperança — disse Whitby, erguendo as sobrancelhas, e
passou à irmã a carta de Gallagher, que foi lida na hora.
— E um bom homem.
— Sim. E a preocupação dele é evidente. Imagine o que acontece no dormitório dos
lavradores. Provavelmente, todos estão em busca de novos empregos. Ao menos,
Magnus não porá as mãos em tudo.
— Não diga isso. Para mim, é impensável que você não se cure e que o inimigo de
nossa família herde a propriedade, depois das maldades que tem feito. Ele é um demônio,
Whitby, e você precisa ficar bom para assumir a fazenda.
Anabela percebeu que solicitava ao irmão um controle sobre fatos que ele não podia
ter. Somente Deus tinha o poder de mudar o destino de Whitby. Mas não. Isso não era a
verdade absoluta. Ainda restava-lhe algum poder, alguma possibilidade de escolha.
— Lily tomou conta de você, ontem à noite?—ela inquiriu, devolvendo a missiva ao
tampo do criado-mudo.

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
— Sim. — Ele a olhou com desconfiança. — Mas eu estava bem e disse-lhe que não
precisava ficar.
— Pediu-lhe que saísse do quarto?
Os ombros dele subiram num gesto de descaso.
— Creio que você sabe o que ela pretendia me falar. Por Deus, Anabela, você a
influenciou?!
— Não! Foi tudo idéia de Lily. Como você, também me surpreendi.
— Poderia ao menos tê-la demovido de seu plano maluco.
— Por quê? Ela é uma mulher maravilhosa. Qualquer homem ficaria contente por tê-la
como esposa. Você não encontrará ninguém melhor.
— Sei disso. Mas Lily pode achar um marido melhor, já que estou em meu leito de
morte.
Não seja tão dramático. Irritada, Anabela inclinou-se sobre o irmão.
— Quem é você para decidir isso? Lily é adulta, capaz de saber o que quer. A vida é
dela, e, se o ama, aceite o que lhe oferece. Se rejeitá-la, ela ficará frustrada e infeliz para
sempre.
Whitby desviou a vista da irmã, a fim de ocultar sua contrariedade.
— Vocês perderam o juízo? Não posso usar Lily apenas para manter meu título e
salvar nossa propriedade das mãos do inimigo. Sobretudo se for confirmado que minha
doença é fatal.
— Ela quer dar-lhe um filho. Ficará feliz, mesmo que lhe aconteça o pior.
— Sua motivação é um mistério, Anabela. Não sei se está sendo demasiado romântica.
Como Lily estaria feliz, chorando sobre o meu caixão?
— Whitby! — Anabela o repreendeu pelo pessimismo.
Mas ele prosseguiu:
— Ou você pensa em si mesma e na propriedade? Ficou desesperada para impedir
Magnus de alcançar a maior e mais maligna satisfação da vida dele?
A irmã sopesou aquelas palavras, com desconforto e uma pitada de vergonha.
— Talvez um pouco das duas coisas, admito.
— Nunca superou o que Magnus lhe fez, não é?
— É verdade. — Os olhos dela se encheram de lágrimas.
Não havia superado a indignidade que praticara, deixando-se seduzir por um homem
que não a amava e apenas a usara para atingir Whitby.
Ódio e vingança prevaleciam no coração de Magnus. Anabela só percebeu isso tarde
demais. O remorso a corroía.
— Você já confessou que gostaria de ter se casado antes, meu irmão. Por que rejeitar
a idéia? Talvez ainda tenha um ano de vida. Ou vinte; quem pode saber? Portanto...
Ele contemplou a janela, e Anabela deduziu que o irmão pensava no que acabara de
ouvir. Resignou-se ao fato de que fizera todo o possível para convencê-lo a ter um filho
com Lily.
Whitby acordou e viu Lily sentada mais uma vez a seu lado. Com a cabeça para trás,
parecia dormir. Ele ergueu a mão, desejando afagar aqueles lindos cabelos negros,
depois tocá-la com paixão. Desistiu do gesto, porém, por não querer criar falsas
expectativas.
Mas seriam realmente falsas?
A dura realidade era que Whitby não conseguira tirar Lily da mente, durante o dia
inteiro. Sentira falta dela, lamentava tê-la magoado e pretendia pedir perdão. Pensou nas
intimidades que trocaram, em como tinha sido bom vê-la em sua cama, beijando-a e
mantendo-a próxima de si. Não próxima o bastante, ponderou.
Lembrou-se da conversa que tiveram depois e de muitas outras, ao longo dos anos.
Também recordou as brincadeiras que haviam praticado juntos. Rememorou a figura de
Lily, muito jovem, amarrando o laço do chapéu de palha sob o queixo, lançando sorrisos.

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Sorrisos de compreensão e ternura.
Na juventude Whitby sempre julgou que a compreendia perfeitamente. Era como se
existisse uma profunda conexão de almas.
Agora, ela costumava fitá-lo com os mesmos olhos cheios de malícia e cumplicidade.
Quando jovem, Whitby sentira-se unido a Lily. Parecia que nem um minuto se passara
sem que estivessem estranhamente próximos. Mas na época ele era muito moço, e ela,
uma adolescente sonhadora.
Suspirando, Whitby resistiu à urgência de acariciá-la.
Por fim, deixou a mão correr nos cabelos que lhe cobriam parcialmente os ombros.
Sentiu a maciez dos fios soltos. E então ela despertou. Ajeitou-se na cadeira e
pestanejou.
— Você está bem?
— Ótimo. — Exceto pela garganta ainda inflamada, que o fazia engolir com ruído e dor.
Menos mal que a febre tivesse passado.
Ela respirou fundo para aliviar um pouco a ansiedade, a fim de recuperar a voz normal.
Depois do que havia ocorrido entre os dois, não era surpresa para Whitby que Lily esti-
vesse nervosa. Por sua vez, ele se surpreendera com a presença dela ali no quarto.
— Não esperava que viesse ficar comigo hoje.
— Foi impossível me conter. Precisava saber se você melhorou.
— Sim, Lily, melhorei. Mas e você?
— Sinto-me um pouco embaraçada, pois agi como uma tola.
— Não fique assim. Você não foi tola.
— Agradeço por me animar, mas temo ficar deprimida pelo resto da vida.
— Está sempre se punindo, Lily. — Ele balançou a cabeça.
— Creio que sim. É comum eu me sentir como se fizesse tudo errado.
Porque a mãe incutia conceitos negativos na filha, pensou Whitby sem falar.
— Pare de se torturar, sim? O que houve ontem foi culpa minha também. Você não
estava sozinha na cama.
— Não foi só isso. — Lily baixou o olhar. — Foi o que eu lhe propus. Devia estar
delirando.
— Por quê?
— Oferecer-me para lhe dar um filho... Agora parece uma cena de teatro, e das ruins.
O conde riu, mas era óbvio que não zombava dela.
— Fiquei comovido. Ainda estou.
— Está? — Ela enfim ensaiou um sorriso.
Ele sentiu a velha conexão entre ambos agir de novo, e o calor dessa troca. Avaliou
que ali, naquele momento, se desenrolava um flerte discreto.
—Juro. Pensei em você o dia inteiro. Não consegui dormir.
Confusa, Lily o encarou.
— Sobre o que pensou?
Whitby decidiu que era hora de ser franco e honesto. De que servia, àquela altura,
brincar de esconde-esconde? Talvez não tivesse mais outra chance de lhe contar a
verdade.
— Lembrei-me de nossas brincadeiras, tempos atrás. Conversas, segredos que
partilhamos. Procurei encontrar um sentido em tudo isso.
— E conseguiu?
— Não, ainda me sinto deslocado, à falta de palavra melhor. E também estremecido
pelo choque de sua proposta. Ignorava que você gostasse tanto de mim. Ou talvez
soubesse disso, e você me forçou a admiti-lo, a ver o que significamos um para o outro.
Preciso de algum prazo até aceitar o fato de que agora é uma mulher.
— Sim, é o que sou. — Ela procurou a mão dele para cingi-la.
Examinaram-se com o olhar por longos segundos.

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Whitby estava reconstruindo sua vida, com começo, meio e fim. Lily se encaixava ali
dentro como uma peça principal de um quebra-cabeça. Estivera por perto desde o início,
e agora parecia disposta a cuidar no desfecho da existência do amado.
Whitby experimentou um doloroso desejo de voltar no tempo, até a época em que
adorava viver: sua juventude. Tudo era tão simples e gratificante... Não se cansava de
tanta atividade social, sempre necessitara de um círculo de amigos próximos. Lily era a
única mulher presente e constante nessa vida, embora o tempo a tivesse feito mulher sem
que ele tivesse se dado conta.
Mesmo diante da ciência dos fatos, Whitby não admitira pensar em Lily como mulher
ou amante, duas semanas ou dois dias antes. Esticando o braço, ela carinhosamente
afastou-lhe um tufo de cabelos da testa.
— Você é muito carinhosa — murmurou Whitby. Aquilo soou estranho, diferente do que
diria a uma mulher dentro do próprio quarto. Em geral, ele era mais insinuante, mais
estratégico e não se envolvia tanto.
Contudo estava fora de seu comportamento normal, ou ao contrário, pela primeira vez
estava sendo sincero por isso estranhava as próprias palavras.
Claro, a perspectiva da morte alterava tudo, virando-lhe a existência de ponta-cabeça.
A idéia de uma partida sem volta era capaz de assoprar com a força de um tufão todo o
pó que cobria tesouros escondidos, dissipando a névoa que lhe encobria a visão.
— Vim aqui, Whitby, também para lhe assegurar de que não fiquei zangada.
Compreendo que minha sugestão foi ridícula, e você teve motivo para me rejeitar.
— Pois devo confessar que passei o dia questionando minha recusa.
Já bastaria, para alegrá-la, saber que Whitby lhe destinara alguns pensamentos. Mas
reconsiderar a proposta... Seria verdade?
Lily não disfarçou a ansiedade.
— Parece surpresa — ele emendou, ajeitando-se contra a cabeceira.
— Sem dúvida sua mudança me surpreende. Você pareceu muito firme, ontem à noite.
A boca bem desenhada curvou-se num sorriso maroto, e a cabeça oscilou de leve. Lily
era a mais perfeita tradução do charme e da sensualidade.
— Tão firme quanto agora. — Whitby admirava o corpo feminino à sua frente. Dobrou
uma perna debaixo do lençol e apoiou o braço no joelho.
Ela continuou incrédula, irrequieta em sua cadeira.
— Note bem, Lily. Não estou pronto para mergulhar num casamento e começar a ter
filhos. Mas quero que sabia que fiquei tentado. Você foi persuasiva, e seu plano possui
grande mérito. Anabela certamente reconheceu isso e a apóia totalmente.
— Falou com sua irmã a esse respeito?
— Sim, o que me remete a outra questão: você contou a mais alguém? James? Sofia?
Sua mãe?
— Absolutamente não — replicou Lily, sentindo-se desafiada. — Todos pensariam que
fiquei maluca. Sobretudo minha mãe.
— Não julguei que tivesse contado, mas se perguntasse aos outros, eu é que seria
chamado de louco por recusar a oferta.
Seguiu-se um silêncio demorado, porém intenso, visto que ambos não desviavam o
olhar um do outro. O pulso de Lily acelerou com a dramática necessidade de tocar o
homem amado, tão tranqüilo, mas possivelmente escondendo a excitação sobre o lençol.
Nunca tivera tanta vontade de satisfação instintiva e de plenitude emocional. Não
compreendia bem o que acontecia entre um homem e uma mulher no ato de amor. Com
Pierre, e mesmo com Whitby, ela não havia passado das preliminares. Queria aprender
mais.
— Quero você outra vez — disse Lily, chocando até a si mesma com sua sinceridade.

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Capítulo V

O atrevimento de Lily não impressionou o conde, apenas acendeu-lhe o desejo. O


brilho nos olhos dele denotou mais instinto predatório do que perplexidade. Removeu o
lençol, preparando-se, e viu Lily posicionar-se entre suas pernas, erguendo a saia
comprida até os joelhos.
Whitby passou a respirar mais depressa. O sincronismo dos movimentos criou uma
fricção que fez Lily, embora protegida por sua calçola, acusar a resposta dos próprios
sentidos.
Trêmula, ela manteve os olhos no parceiro, como que o hipnotizando, conduzindo-o
para as novas fronteiras do erotismo que pretendia descobrir. Whitby relutou, porque o
passo seguinte seria se apossar da virgindade de Lily e proporcionar mais prazer a ela.
— Não se preocupe — ela julgou de bom-tom acalmá-lo. — Não estou seduzindo você;
podemos parar quando quiser.
— E se eu não quiser parar? Ou não conseguir?
— É uma possibilidade. Significará que você não foi capaz de resistir a mim.
O sorriso de Lily indicou o quanto ela estava feliz. Whitby passou a acariciá-la e se
inclinou a fim de alcançar o tesouro íntimo de Lily, levando-a às portas do êxtase. Em
retribuição, ela o beijou com fervor, quase devorando sua boca. Mas pensou em dar-lhe
algo mais, já que tudo ali representava um aprendizado.
— Quero tocá-lo também.
— Você me surpreende, querida.
Ele tirou a camisa de dormir pela cabeça e expôs sua anatomia secreta.
Instintivamente, ela soube o que fazer, mesmo sem entender as reações extremadas que
provocava no parceiro.
Pouco depois, Whitby puxou-lhe a calçola, descendo-a até os tornozelos, insinuando-
se entre as pernas bem torneadas. Ela ainda vestia a camisa de baixo, embora tudo
estivesse aberto e acessível. Deitado sobre aquele corpo frágil que se abria em um
silencioso convite, Whitby abriu espaço e procurou o caminho. Sua meta, racional ou não,
prudente ou não, era deflorar Lily.
— Não seja tão cuidadoso — ela se impacientou com a demora.
— Estou feliz por você me aceitar assim. Sinto-me forte e saudável, de repente.
— Talvez eu seja sua cura. — Lily sorriu.
— E é, ao menos para minha excitação.
Ela o beijou com prazer e sentimento, pedindo-lhe que fizesse amor com ela e a
tornasse uma mulher completa. Mas a paixão incontrolável, parecia atrapalhá-lo.
— Terei de me casar com você, Lily.
— Não, a menos que queira.
— Mas estou doente.
Lily tomou-lhe o rosto entre as mãos delicadas, impondo atenção.
— Mais um motivo para aproveitarmos bem o tempo que nos resta. Se você só tiver um
mês de vida, vamos desfrutá-lo juntos. Poderemos fazer amor todos os dias e... Bem, não
se preocupe com o fato de me amar menos do que eu te amo. Apenas quero uma chance
de fazer você feliz.
Whitby retomou a posição e tentou de novo. Lily mostrou algum desconforto, mas ela o
desejava. Também desejava a dor associada ao prazer de recebê-lo dentro de si.
— Isto é insano. — Ele parou. — Perdi a cabeça e estou sendo muito egoísta.
— Então, partilhamos do mesmo defeito — ela o acalmou sorrindo.
Em seguida puxou-o para si pelos quadris, permitindo que ele a possuísse por
completo.
— Case-se comigo. — O pedido foi como que uma desculpa para penetrá-la de novo,

Projeto Revisoras 45
Caminhos da Sedução Julianne McClean
sem muita força.
— Tem certeza de que é esse seu desejo? — Ela respirou fundo, lenta e
profundamente.
— Sim. Diga sim também, Lily. Depressa, porque vou possuí-la.
— Sim... — Foi um murmúrio, quase sem pensar, mas repleto de amor.
Whitby não hesitou mais. Penetrou-a devagar e com firmeza, suspirando de alívio
enquanto Lily gemia numa mistura de prazer e dor.
No entanto, a dor logo se converteu em deleite, na mais intensa e completa experiência
que já passara, acompanhada de alegria e orgulho. Era mulher e pertencia a Whitby,
como sempre sonhara. Ainda lhe daria um filho, e esperava engravidar naquela mesma
noite.
— Você está bem? — ele indagou ao terminar.
— Muito. Nunca senti nada igual.
Envaidecido, Edward se deitou e a observou de viés. Planejava dar-lhe mais prazer,
após um intervalo, agora que já não existiam barreiras.
Lily manteve-se relaxada, envolta naquela névoa de amor tão sincero que seus olhos
marejaram. Abraçou o conde com força. Ambos trocaram um sorriso de cumplicidade.
Permaneceram lado a lado, contemplando o dossel da cama, sentindo agradáveis
vibrações. Mas, quando seu corpo voltou à temperatura normal, Lily tremeu de frio, além
de sentir-se muito exposta. Não procurou cobrir-se, porém.
— Foi uma loucura — disse, com uma ponta de humor.
— Tem razão.
Nada mais falaram, mesmo porque Lily não sabia o que dizer. O que a dama dizia ao
cavalheiro, numa situação como aquela? Whitby aparentava desconforto também. Ou
estaria arrependido do que fizera?
— Você não precisa se casar comigo — ela repetiu. — Não foi para isso que me
entreguei.
Ele acomodou a cabeça no travesseiro, ainda olhando para cima.
— Mas eu quero, Lily, e preciso.
Fechando os olhos, ela tentou entender a mente masculina. Ansiou por acreditar na
boa intenção de Whitby, do modo como ele se exprimira segundos antes de lhe tirar a
castidade. Agora...
E se o conde quisesse apenas sexo, perdendo a cabeça por tal motivo? Pierre também
prometera casamento a Lily, para induzi-la a fugir com ele, mas não perdera a cabeça por
seu amor. Atropelara a moral vigente com suas carícias íntimas, porém não chegara a
desvirginá-la.
— Whitby, não forcei você a nada.
— Não, mas eu lhe perguntei se podia ir até o fim.
— Estávamos pensando com nossos instintos, não com o cérebro.
Ele afastou-se um pouco para sentar-se em seguida. Ainda deitada, Lily admirou os
ombros largos e as costas musculosas do conde. Imaginou que ele gostaria de um toque
manual, talvez uma massagem, como lenitivo à evidente tensão. Mas ela permaneceu
onde estava, pois não pretendia influenciar Whitby de maneira alguma. Já fizera mais do
que o suficiente para isso.
— É uma situação inusitada, Lily. Nunca pedi alguém em casamento. Sabia que um dia
teria de me casar, mas sempre surgia algo que me paralisava. Pânico, talvez. Sensação
de sufocamento. — Whitby virou a Cabeça e a olhou. — Mas também nunca me senti
como hoje. Não tive medo, e acho que minha doença acabou trazendo algo de bom para
mim.
Finalmente ela se pôs de joelhos e alcançou, com os dedos, as costas suadas do
conde e descansou o queixo no ombro largo.
— Você vai se curar, tenho certeza.

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
Ele não tinha. Ergueu-se e cruzou o quarto até a janela, onde parou, nu diante das
cortinas fechadas. Sem fitar Lily, falou com firmeza:
— Vou me casar com você e não permitirei que me convença do contrário. Preocupo-
me com seu bem-estar, Lily, e ainda me resta um pouco de honra. Entregou-se a mim e,
por obra da natureza, talvez já esteja carregando meu filho.
— Não quis prendê-lo em nenhuma armadilha — ela repetiu.
— Claro que não. — Whitby voltou o rosto para ela. — Eu é que, no fundo, desejava
me envolver para acabar com minha solidão. Acima de tudo, não quero morrer sozinho.
Ele escondia mais mistérios do que Lily se dispunha a compreender. Ela rapidamente
saltou da cama e vestiu sua roupa de baixo, caminhando até ele.
— Você não vai morrer!
— Todos vão, um dia.
Argumento irrefutável. Lily tocou-lhe o braço, solidária.
— Você já não está mais sozinho. Estou aqui e teremos um filho. Não me impeça de
amá-lo, Whitby. Receba-me todas as noites. O casamento não é o mais importante agora.
— Mas é melhor casarmos, sobretudo se tivermos um filho.
— Você resolve.
— Se seremos marido e mulher, precisamos nos conhecer melhor. Por exemplo,
gostaria de ver como você fica de cabelos soltos. — Whitby reforçou as palavras
começando a remover as presilhas que Lily tinha no alto da cabeça.
— O que achou?
— Deslumbrante. — Os olhos dele cintilaram. — Agora gostaria de contemplar seu
corpo nu, com calma. Fui impaciente, na cama, e me desculpo por isso.
Ajudou-a a tirar o corpete, a camisa de baixo e a calçola, que Lily acabara de recolocar.
Segundos depois, estavam deitados outra vez, com os corpos deliciosamente quentes e
úmidos, prontos a repetir o ato de amor.
— Mais tarde falaremos sobre nossos interesses e passatempos preferidos — sugeriu
Whitby, exibindo um sorriso de vencedor, sentindo-se viril como antes de cair enfermo.
James,
Solicito um encontro com você esta manhã, às dez horas. Tenho um assunto de
grande importância que preciso discutir. Whitby
Embora extenuado, na manhã seguinte Whitby conseguiu levantar-se e vestir-se
adequadamente para encontrar-se com um duque — o homem que seguramente se
oporia ao casamento de sua amada irmã caçula. Por que concordaria em entregar Lily a
um cavalheiro que, além de possivelmente agonizante, era um conhecido libertino?
E ninguém conhecia melhor a devassidão de Whitby do que James Langdon, seu
melhor amigo e companheiro de noitadas por muitos anos, até se acalmar ao lado de
Sofia.
O conde suspirou ao abotoar seu casaco. A conversa tinha tudo para ser desagradável.
Jenson, o criado, retornou a fim de avisar que o bilhete havia sido entregue. Whitby
enxugou o suor da testa.
Tentou definir a melhor maneira de expressar-se diante de James. Como informar ao
amigo, sem chocá-lo, que tinha deflorado sua irmã e intencionava casar-se com ela o
mais breve possível, em função de seu estado de saúde?
Balançou a cabeça. De fato, ia ser muito desagradável.
Trajando um informal vestido azul e branco, que era o favorito de sua mãe, Lily desceu
à sala de refeições disposta a comunicar as novidades. Sim, iria casar-se com alguém
que a mãe desprezava, um homem com fama de irresponsável e, pior ainda, talvez
condenado à morte.
Estalou os dedos ao aproximar-se da mesa do desjejum. Precisava ser forte, certa da
decisão que tomara. Não havia retorno possível. Encarou Anabela e Sofia, que já
tomavam café defronte a Marion. Sentou-se ao lado da cunhada, onde certamente

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
encontraria apoio.
Saudações trocadas, Lily serviu-se. Ao notar o olhar sempre desafiador da mãe,
experimentou uma ponta de medo, mas logo o superou. Não podia deixar-se intimidar.
Por ninguém. Não naquele dia.
— Gostaria de falar com todas vocês — começou, largando o garfo. — Aconteceu algo
importante comigo, e devem ficar preparadas.
Anabela dirigiu um olhar penetrante a Lily, dando a entender que já desconfiava do que
estava por vir. Sofia pareceu curiosa, mas paciente. Marion franziu o cenho, aflita. Fazia
bastante tempo que a filha não a enfrentava.
— Estou prestes a me casar — disse Lily sem rodeios.
— Claro — a mãe esquivou-se. — É solteira, bonita e tem vários pretendentes, a
começar por lorde Richard, que é um ótimo partido.
— Eu me apaixonei — ela completou, sentindo as faces coradas. — Mas por outro.
Silêncio geral. Anabela sorriu. O rosto de Sofia brilhou de esperança, suspeitando de
quem se tratava. Lily sabia que as duas a apoiariam. Marion, porém, acalorada, não
conteve a expressão de desgosto.
— De quem se trata?
— Alguém que eu amo faz muito tempo. — Ela empertigou-se na cadeira.
— Oh, Lily... — Sofia a abraçou.
— O que está acontecendo? Continuo sem entender — queixou-se a mãe.
— Estou apaixonada por lorde Whitby, mamãe, e ele me propôs casamento.
Sofia e Anabela cobriram a boca com as mãos para abafar um grito de alegria. De novo
um pesado silêncio recaiu sobre o ambiente. Todas se preocuparam com a reação de
Marion, cuja boca continuava aberta, numa expressão de espanto.
— Como assim? Whitby não serve para você. Nunca serviu!, E agora?
— Se eles se amam... — interveio Anabela, vacilante.
— Quando ele a pediu em casamento? — Marion prosseguiu, amargurada.
— Ontem à noite.
— O que foi fazer no quarto dele, ontem à noite? A febre tinha diminuído.
— Queria estar com Whitby.
— Inacreditável! Sozinha com um homem como aquele? Diga que não é verdade, Lily,
que está apenas sonhando com um amor impossível.
— Eu o amo, mamãe, e ele é uma excelente pessoa. Marion dirigiu-se a Anabela:
— Sem ofensa, minha cara, mas precisa reconhecer que seu irmão não tem o perfil do
marido ideal para Lily. Ele não é respeitável. Bebe demais, joga, deixou a propriedade da
família em total desordem. Além disso, tem fama de conquistador barato. Para não
mencionar o fato de que está muito doente.
— Mamãe! — Lily explodiu, contrariada, e ergueu-se da cadeira. — Pare com isso. Eu
o amo e vou me casar com ele, tenha ou não seu consentimento.
O corpo dela tremia em virtude da intensidade de suas emoções. Havia desafiado a
mãe muitas vezes, mas nunca tão ardentemente como naquele instante, nem por uma
causa tão significativa. Tinha pressuposto que esse dia chegaria, quando ela e Marion se
confrontariam sem acordo possível.
Lily temeu de repente que o resultado fosse a completa dissolução do relacionamento
entre mãe e filha, já frágil e desgastado. Um frio desespero atacou-lhe os nervos, mas
logo o raciocínio justo prevaleceu: por que deixar que a mãe tirânica e impertinente
estragasse sua vida? Deveria dizer que sabia cuidar do próprio nariz.
No entanto, não podia fazer isso. Seu coração ainda sentia falta do afeto materno.
Gostaria de ver Marion calma e amorosa, não zangada e intolerante como de costume.
Ansiava pelo apoio da mãe. Aliás esse era o ponto fraco de Lily.
— Ele a tornará infeliz. — Marion estava quase gritando, enfurecida. — De um modo
ou de outro.

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— Mas é Whitby quem eu quero.
— Já perdeu o respeito por minhas vontades?
— Se você não tem pelas minhas... — Lily conseguiu retrucar, gritando.
— James sabe? — indagou Marion.
— Ainda não. Mas creio que, neste exato momento, Whitby esteja contando a ele.
— Pobre Whitby — comentaram Sofia e Anabela quase que ao mesmo tempo,
levantando-se.
— Por que falam assim? — Marion atacou de novo. — Espero que ele receba o que
merece: uma surra de James. Sem. ofensa, Anabela...
— O ponto — Sofia afligiu-se pelo marido também — é se Whitby está mais saudável
para se defender.
— Decerto que sim, e desde ontem à noite, tendo em vista que seduziu Lily.
— Ele não me seduziu, mamãe! Se quer saber, eu seduzi o conde! Amo Whitby, e para
mim não há mais ninguém no mundo. Prefiro morrer solitária a me casar com outro. Por
favor, aceite a verdade.
A censura e o desprazer marcaram as feições de Marion. Por algum tempo, ela
encarou a filha, como se procurasse decifrar o que se passava na mente dela. Lily não
era mais uma criança que se deixaria intimidar pelo seu poder. Mulher feita, tomaria as
próprias decisões, boas ou más.
Ela então admitiu que não teria força para mudar os planos de Lily e, por
conseqüência, esta nunca a faria orgulhosa.
— Nunca terá a minha bênção — Marion falou por entre os dentes.
— Mamãe, não pode tentar ser feliz por mim?
— Feliz? — Um sopro de amargo desdém atravessou os lábios de Marion. — Recuso-
me a discutir o assunto. Vá em frente e case-se com ele. Não me importo mais com o que
você faz.
As palavras feriram o coração de Lily como um punhal afiado.
— Vou passar algum tempo em Londres. — Marion fitou Sofia e Anabela em implícita
repreensão.— Não me esperem de regresso até que Lily e Whitby tenham ido embora
daqui.
E saiu, deixando Lily tentando conter as lágrimas que teimavam em lhe brotar nos
olhos. Ansiara para que, ao menos naquele momento crucial de sua vida, a mãe enten-
desse os caminhos de seu coração. Ainda que fosse para, mais tarde, constatar o erro da
filha.
Embora tivesse enfrentado Marion, a mãe vencera a disputa, abatendo-a com a
mágoa. Justamente naquele que poderia ser o dia mais feliz de sua vida.
Em seu quarto, Marion cerrou as cortinas e desabou na poltrona de couro, diante da
lareira apagada. Suas unhas se cravaram com raiva no revestimento dos braços do
móvel. Por que a filha não escutava a voz da razão? Por que insistia em ser insolente,
ignorando os conselhos dos mais velhos? Será porque julgava-se mais sábia e
experiente?
Por sua vez, Marion jamais se rebelara contra os pais. Eles é que tinham escolhido um
esposo para ela, e nunca lhes contestara a vontade. Não fora fácil suportar um casa-
mento sem amor ou o tempestuoso relacionamento com o marido. Mas era seu dever, e
ela o cumprira.
Jovens como Lily agora se mostravam rebeldes aos costumes da aristocracia.
Esqueciam as obrigações, vivendo prioritariamente para suas paixões e impulsos.
Onde ficava o dever? Respirando fundo, Marion lembrou-se da noite, logo no começo
de sua vida conjugai, em que o marido gritara com ela e batera a porta do quarto ao sair.
Marion havia sentido o perfume de outra mulher na camisa dele. Furiosa, jogara no fogo o
diário de infância do marido, que ele cultuava como relíquia.
Whitby a tornará infeliz, de um modo ou de outro...

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Apesar de cruel, o vaticínio da mãe não era de todo legítimo. Lily tinha personalidade
forte. Se estivesse no lugar de Marion, teria abandonado o duque, marido de Marion.
Também deixaria Whitby antes de sofrer nas mãos dele. Na verdade, nem se casaria com
o conde, caso descobrisse em tempo que ele era perverso e intratável.
A própria Marion teria tido a coragem de recusar o companheiro escolhido pelos pais?
Bem, não era hora de levantar tal questão, nem era possível conviver com essa dúvida.
Ela se casara com o finado duque por ser uma filha obediente, consciente de seu dever.
Fizera a coisa certa. Idéia que não a impediu de irromper em lágrimas.
Às dez da manhã em ponto, Whitby entrou no escritório na casa de James, que
conferia alguns papéis na mesa de trabalho. Em deferência ao amigo, ele levantou-se e
indicou o sofá para que Whitby sentasse, ocupando uma poltrona em frente.
— Você ganhou um pouco de cor nas faces — foi a maneira que encontrou para
saudar o visitante.
Whitby sorriu, agradecido, mas na verdade precisava sentar-se logo, pois estava
exausto.
— A febre se foi.
— Boas novas. Em que posso servi-lo, Whitby?
O conde ignorava a melhor maneira de transmitir a James o que tinha em mente.
Talvez não existisse melhor maneira. O correto seria ser tão direto quanto possível.
— Receio que não será fácil para você acreditar no que tenho a dizer.
— Parece sério. — James empertigou-se, aumentando a atenção. Pensou em algo
referente à doença do conde ou ao seu testamento. Isso não o surpreenderia.
— Lembra-se, James, de que Lily sempre me teve grande afeição?
— Claro, e houve ocasiões em que imaginei que ela, mais crescida, tivesse
desenvolvido uma verdadeira paixão por você.
— Sim, o sentimento dela tornou-se até maior do que isso. Agora é uma mulher e...
— Lily já expressou algum interesse especial?
— Resposta positiva. — Whitby olhou o outro com ar inocente.
De sobrancelhas erguidas, James deixou a poltrona e circulou pelo recinto. O conde
concedeu-lhe esse intervalo de calmaria, que precedia a tempestade.
— Bem, é muito estranho — falou James por fim. — Talvez isso tenha a ver com a
pressão que Lily vem recebendo de nossa mãe, para flertar com lorde Richard e casar-se
com ele. Minha irmã reage com rebeldia a certas situações, e considera você um ouvinte
cativo e confiável. Peço-lhe desculpas se ficou preocupado. Quer que eu fale com ela?
Whitby esfregou com os dedos a ponta do nariz, ganhando tempo e paciência. Seria
realmente penoso explicar tudo.
— Não é necessário, James. Lily e eu já conversamos. Estou aqui para pedir sua
aprovação ao... — Ele imaginou que, encarando o amigo, destravaria a língua com mais
facilidade, porém não conseguia manter a cabeça erguida no ar por muito tempo. — Ao
nosso casamento.
A expressão antes neutra de James se transformou num esgar.
— Será que ouvi direito?
— Sim, ouviu. — Whitby se ergueu, colocando-se defronte a James.
Assim permaneceram como guerreiros em vias de enfrentar-se, mas Whitby, por
fraqueza, não tinha a menor condição de lutar.
— Por que deseja casar-se com minha irmã? — Os olhos de James se estreitaram,
denotando confusão. Ou raiva?
Whitby não se preparara para questões desse gênero.
— Porque a amo. — Boa resposta, mas em tom baixo demais para convencer o amigo.
No fundo, com toda a franqueza, o conde não estava certo de amar Lily. Sem dúvida
era dedicado a ela, sobretudo fisicamente atraído. Amor, porém... Amor estava além de
sua vivência até então, e James sabia disso.

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— Porque me preocupo com ela — completou —, e Lily quer ser minha esposa.
— Muitas mulheres, ao longo dos anos, quiseram o mesmo, e você nunca aceitou
nenhum compromisso sério. Qual a diferença, agora? É porque está doente e tem medo
de perder uma última chance?
Incapaz de mentir a um amigo tão próximo, Whitby admitiu:
— Isso é uma parte do arranjo.
— E a outra parte? Deseja salvar seu título de nobreza, ou sua propriedade, das mãos
de Magnus? Certa vez me disse que o único motivo para casar-se seria a perspectiva de
ter um herdeiro.
Sem responder, Whitby reconheceu que existiam complexas motivações para o
colóquio amoroso com Lily, na cama. De fato, uma parte de si gostaria das graças da
paternidade. Mas não apenas por causa de Magnus.
— Deve compreender — James adotou um tom frio — que eu não permitiria que minha
irmã fosse usada e abandonada. Por ninguém.
— Jamais vou abandoná-la.
— Isso pode estar fora de seu alcance.
Inviável refutar tal argumento, capaz de colocar um fim à discussão. Mas Whitby sentiu
enorme necessidade de assegurar a James que nunca magoaria Lily de propósito.
— Cuidarei bem dela, James. Não sei quanto tempo me resta. Um mês, um ano, talvez
mais. Só sei que pretendo passar todo esse tempo ao lado de sua irmã.
Incrédulo, James retomou o percurso até a janela.
— Não tem noção do que está dizendo. Neste momento, não é você mesmo que fala.
Dentro de alguns dias, cairá em si e pensará no que foi que aconteceu com sua cabeça.
Eu o conheço, Whitby. Como posso aceitá-lo como marido de minha irmã?
— Sinto muito. Pode ser um choque para você, mas realmente quero e vou me casar
com ela.
James girou o corpo e mediu o velho amigo com a vista.
— Nunca foi fiel a nenhuma mulher.
— Para tudo existe uma primeira vez. Você, por exemplo, se tornou fiel a Sofia.
— Estamos falando de Lily. — James empertigou-se.
— Que não é mais uma criança.
— E quando você notou isso?
— Já faz algum tempo.
— Não comentou comigo as mudanças no corpo de Lily.
— Como poderia? Você iria me espancar, indignado, assim como deseja me bater
agora.
Era visível a tensão de James, o eterno protetor da irmã, sobretudo desde o episódio
com Pierre. Ele se culpava pelo incidente e ainda não havia se perdoado completamente.
— Sem dúvida tenho ganas de socá-lo, somente para despertar algum juízo em sua
cabeça. Você está doente, e portanto sem condição de propor casamento a alguém.
Whitby sabia que não poderia evitar o avanço de sua enfermidade, caso fosse grave.
Iria desposar Lily tão logo os proclamas corressem. Ninguém, nem mesmo James,
poderia impedi-lo.
— É um pouco tarde para digressões vazias. Já me ofereci a Lily e ela aceitou. Devo
lembrá-lo de que ela é maior de idade?
James lançou ao conde um olhar duro e demorado. Whitby percebeu que ele analisava
a situação. Não queria que soubesse do que acontecera entre os dois no quarto, fora dos
laços do matrimônio. Esperava que ninguém jamais viesse a saber. Mas James possuía
faro para adivinhar certas coisas.
Se precisasse do consentimento formal de James, Whitby usaria aqueles fatos para
convencê-lo. Antes, não. Faltava-lhe tempo para sondar James ou qualquer outra pessoa
a respeito da posse e entrega de Lily. Gostaria de poder contar com um padre no castelo,

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no prazo de uma semana.
Uma sombra escura de raiva e decepção toldou o rosto de James.
— Diga-me que você não...
Whitby engoliu em seco, com dificuldade devido à garganta inflamada.
— Sinto muito, amigo. Aconteceu.
Choque e inconformismo tomaram conta da fisionomia de James, numa imagem
horrível.
— Nunca tive a intenção de...
Não prosseguiu porque James desabou na poltrona, abalado.
— Você! Foi comigo a Paris a fim de resgatar Lily e trazê-la para casa. Ficamos
preocupados com a hipótese de aquele abominável francês tê-la desonrado. Agora, meu
maior e mais velho amigo hospeda-se em minha propriedade e abusa de minha irmã. Fez
isso sob meu próprio teto, na certa utilizando-se de seu estado de saúde como
chantagem emocional.
Não obstante a repentina irrupção de vergonha e remorso, Whitby centrou-se em
recuperar a confiança do amigo.
— Ao contrário, James. Lily é que me seduziu, subindo à minha cama. Mas eu gosto
dela e serei bom para sua irmã. Eu a farei feliz.
— Por quanto tempo? — James tinha motivos para julgar que o conde não era o
marido que Lily merecia.
Mas ele havia lhe roubado a inocência, de maneira impensada e egoísta, e agora era
tarde para mudar os fatos.
Whitby esquivou-se de responder. Não havia como prever uma das duas coisas: a
morte ou a recuperação.
Calado, ouviu o enervante tique-taque do relógio de carrilhão. Então, endireitou as
costas e tomou uma atitude surpreendente até para ele próprio, pela convicção com que
falou:
— Precisamos cuidar dos preparativos o mais cedo possível. — Que outras
possibilidades existiam, a não ser ir em frente? — Uma cerimônia simples seria a melhor
solução.
James focalizou o amigo com evidente repugnância, mas inclinou-se para a frente, na
poltrona, e ajeitou com os dedos os cabelos revoltos.
— Nunca vou perdoá-lo pelo que fez a Lily.
Com a respiração difícil e a dor no peito, Whitby sentiu que seu fim estava próximo.
Combateu o mal-estar provocado pelas palavras amargas de James pensando na querida
e doce Lily, que só desejava seu amor.
Pena que fosse um homem que jamais tinha vivido para outra pessoa que não ele
mesmo.
Whitby engoliu em seco, com dificuldade. Por nada no mundo queria decepcionar Lily.
Aliás, não a desapontara na cama. Mas James tinha razão. O conde admitiu que sim-
plesmente não era dono de virtudes que tornassem Lily feliz. Por certo, ela sofreria em
suas mãos.
O confronto com James exauriu as derradeiras forças de Whitby. De volta ao quarto,
ele caiu estatelado na cama. Pesavam-lhe duas circunstâncias: o abalo naquela longa
amizade e a suposição de que não tinha competência para realizar os sonhos de Lily.
Deitado de costas, ainda vestido com o casaco para o dia, contemplou o teto e meditou
no que acontecera, sentindo como se estivesse imerso em outra realidade, que não cor-
respondia à sua vida. Era um universo paralelo ao que dominava, um mundo de relações
estranhas sobre o qual não tinha controle.
Nesse terreno rarefeito de vaidades e atribulações, Whitby fizera o que nunca sonhara
fazer: praticamente rompera com James, pedira Lily em casamento depois de deflorá-la e,
talvez, de tê-la engravidado.

Projeto Revisoras 52
Caminhos da Sedução Julianne McClean
Assim, a noite precedente pareceu-lhe um oceano de largura intransponível. A mulher
com quem fizera amor era, sem dúvida, uma pessoa diferente da menina travessa que
conhecera. Nunca a irmã de seu melhor amigo.
Fechou os olhos, com a mão no peito a fim de conferir os batimentos do coração.
Sofreu a nítida sensação de ser arrastado por uma onda enorme, naquele mar que
desconhecia, e parar numa praia ignorada e tornar-se náufrago de si mesmo. Quando as
ondas se aplacassem, talvez encontrasse algum sentido em tudo aquilo.
Em seu mundo real, os problemas terminariam se Whitby desaparecesse numa ilha
deserta, onde não haveria futuro a temer. Um único detalhe ganhou importância, mais do
que a restauração da amizade com James: mergulhado em dúvidas e pesares, ele
ansiava em passar todos os minutos que lhe restavam ao lado de Lily. Também queria
assegurar-se de que ela seria bem cuidada após sua partida. Levantou-se ao ouvir uma
batida na porta.
— Entre.
Era Lily, num vestido de listras azuis e brancas, com renda nas mangas e gola alta.
Whitby preferia outros trajes, pois aquele deixava Lily mais jovem, a lembrar uma colegial.
A diferença de doze anos entre eles se acentuava.
Ela fechou a porta atrás de si, mostrando uma reconhecível agitação. Estava nervosa e
insegura quanto aos acontecimentos daquela manhã, agora que ambos tinham de en-
frentar as conseqüências de seus atos.
Pouco à vontade, Whitby julgou estranho o comportamento de Lily.
— Eu... vim ver como você está passando.
O conde sentiu-se forçado a tranqüilizá-la. Faria isso por afeição a Lily, mesmo que o
resto de seu mundo parecesse cair aos pedaços. Ao menos restava-lhe o poder de
consertar alguma coisa.
— Desconfio de que veio ver se não estou fazendo a mala para fugir. — Ele sorriu,
inclinando a cabeça.
Por sorte, ela percebeu o humor contido na frase, e a tensão deixou-lhe o rosto. Lily
suspirou e sorriu também.
— Venha cá — Edward a chamou para sentar-se no canto da cama. Tomou-lhe a mão
quando ela obedeceu. — Já contou para sua mãe?
— Sim. Ela não ficou feliz, e sim brava comigo. Whitby procurou acalmar os ânimos.
— Qual mãe não ficaria, sabendo que a filha escapou de seu colo e correu para os
braços de um imprestável como eu?
— Você não é imprestável. — Lily forçou um sorriso aprovador.
Whitby meneou a cabeça em gratidão, ainda que os dois conhecessem a dura verdade.
— Você ficará bem? — ele quis saber, após segundos de pesado silêncio.
— Claro. Não me importo mais com o que Marion pensa. Não preciso agradá-la. Ela
partiu às pressas para Londres, toda ofendida, e confesso que fiquei contente com isso.
Edward a contemplou demoradamente, suspeitando de que sua noiva não estivesse
sendo de todo sincera. Afagou-lhe a face com a mão, fitou-a nos olhos até perceber que
Lily não tentava convencer a ele, mas a si mesma. Era óbvio que sofria.
Querida Lily... Desafiara e desiludira a própria mãe, e fizera isso por ele! Um grande
peso desceu sobre os ombros de Whitby. Existiam tantas expectativas com relação a sua
conduta para com ela! Ele gostaria de cumprir todas.
Whitby apostou que o tempo se encarregaria de abrandar a desavença de Lily com a
mãe, mesmo porque outras pessoas iriam interceder nesse sentido. Como Sofia.
— Você também falou com Sofia? O que ela achou?
— Falei. Ela ficou feliz por mim, bem como Anabela.
— E bom ouvir isso.
— E quanto a James, Whitby? Vejo que você continua inteiro, portanto não deve ter
sido tão ruim a conversa.

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Ainda acariciando-lhe o rosto, ele explicou o que ocorrera no escritório de James,
incluindo o que fora obrigado a ouvir.
—Ele não tem o direito de tratá-lo assim! — Lily protestou logo depois do relato. — Não
é perfeito nem puritano. E eu não sou mais criança; posso decidir sozinha os rumos que
dou ao meu coração.
Sentada ao lado de Whitby, Lily ficou pensativa por um momento, até fazer uma
brincadeira para desanuviar o ambiente:
— Ainda bem que James não quebrou suas pernas. Seria difícil carregar você escada
abaixo.
— Certo. Se eu estivesse todo quebrado como iria dizer o sim na hora da cerimônia,
não é? — Ele riu, e a gargalhada contagiou Lily.
— Você só está brincando, espero. — Ela deixou a cabeça pender na mão do conde.
— Evidente.— Whitby afagou-lhe os cabelos. — Ninguém me impedirá de percorrer a
nave da capela, até o altar, e me casar com você, Lily. Ainda que eu precise rastejar.
Ambos sabiam que havia na brincadeira uma pitada de verdade. Casamento fora algo
que incomodara Whitby no passado, e mesmo agora ele sentia um pouco de desconforto
com a idéia. A decisão estava tomada, porém, e não era tão volátil como parecia a
muitos.
— Você parece cansado. — Lily colocou os dedos na testa dele.
— Estou exausto, sim. Necessitado de um bom sono. Lily tomou-lhe a mão e beijou-a,
antes de se erguer da cama e ensaiar a saída.
— Está um tanto febril, também. Vou deixá-lo descansar.
— Sim, obrigado.
— A menos que deseje minha companhia. Posso ficar deitada a seu lado.
— Não seria aconselhável. — Whitby ajeitou os travesseiros só para ele. Suava
bastante. — Sua mãe deve ter providenciado um modo de vigiá-la, antes de partir.
Lily deu de ombros, como a dizer que isso não importava.
O conde removeu o casaco e folgou o colarinho da camisa. Acomodando-se na cama
em posição confortável, de costas, fechou os olhos, passou as palmas pelo rosto e
resmungou:
— Lily, estou mesmo fatigado. Foi uma manhã difícil, e preciso dormir; apenas dormir.
Nada mais conseguiu pensar a fim de poupar-se de um eventual avanço de Lily, em
busca de jogos eróticos.
— Compreendo. Não vou perturbá-lo.
Ele não entendeu por que Lily ainda permanecia no quarto. Por meio de um simples
olhar, detectou insegurança nela.
Afinal, tinha sofrido um baque emocional no confronto com a mãe.
Whitby então admitiu que não vinha se comportando com Lily do modo como gostaria.
Desejou fazê-la sentir-se amada, mas carecia de forças para demonstrar o quanto lhe
apreciava a presença — e a oferta. Estava esgotado, e só dormindo iria recuperar um
pouco de energia.
Tomou a iniciativa de dar a Lily um sorriso compensador.
— Vou sonhar com nossa noite de núpcias.
Sua esperança era de que a promessa fosse suficiente para normalizar as emoções de
Lily e esfriar o fogo que parecia devorá-la. Se ela entrasse na cama e o seduzisse de
novo, ele não teria condições de reagir.
— Também sonharei com isso.
Sorrindo, Lily se foi. Assim que a porta se fechou atrás dela, Whitby adormeceu.

Capítulo VI

Projeto Revisoras 54
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Com a mão erguida, Lily demorou a bater na porta do escritório de seu irmão. Decidira
lhe falar porque não suportava ver uma longa amizade destruída por sua causa.
Enquanto criava coragem, deu-se conta de que a verdadeira razão de estar ali era a
própria insegurança: não tinha certeza de conseguir enfrentar o futuro sem a ajuda de
James ou outro parente próximo. Idéia perturbadora. Pouco antes, estava certa de que
seu amor por Whitby iria blindá-la contra as adversidades. Depois, ao sentir algum
estranhamento entre eles, concluiu que o motivo não residia apenas na doença do conde.
Respirando fundo, bateu. Ouviu um rouco Entre do lado de dentro. Um súbito receio a
invadiu. James podia tornar-se temível quando queria. Mas não a proibiria de casar-se
com Whitby, porque ela o faria ver que essa união era inevitável, quer o irmão gostasse,
quer não.
Empurrou a folha da porta e ingressou no recinto. James, à mesa de trabalho, depôs a
pena quando a viu.
— Já era tempo — James afirmou, aborrecido. — Procurei você, mas ninguém sabia
onde estava. Deduzi que fazia companhia a Whitby, no quarto dele.
A intensidade do olhar do irmão acelerou o coração de Lily.
— E quase arrombei a porta — ele ajuntou. — Fiz o mesmo em Paris, lembra? Mas lá
não havia testemunhas para divulgar o escândalo.
Se Lily superara aquele trauma, amargava agora algum remorso por ter excluído a
família de suas decisões pessoais. Sentia necessidade de reparar pelo menos um dos
danos: a primeira e grave rusga entre James e Whitby.
Parecia difícil. Ela se mostrava insegura por diversas razões, e o tratamento recebido
do irmão não ajudava. Primeiro a mãe, agora James...
— O que me dói, Lily, é ter sido o último a saber.
— Não é verdade. — Ela ganhou firmeza na contestação. — Foi um dos primeiros.
— Mas não em tempo de opinar. Pelo que entendi, o casamento é indispensável.
— Uma necessidade que eu desejo mais do que tudo no mundo.
Descansando os cotovelos no tampo, James trançou os dedos. — Você tratou de
garantir que Whitby não lhe escaparia...
— Não planejei nada. Apenas aconteceu. James ficou de pé e avançou até onde ela
estava.
— Isso não me surpreende. Você é jovem, inexperiente, enquanto Whitby sabe como
seduzir uma mulher. Ele tinha consciência do que fazia. No entanto, espanta-me que não
se controlasse, considerando que você é minha irmã. Whitby também tem experiência em
retrair-se na hora certa.
Para tomar alguma distância de James, Lily ocupou a poltrona.
— Não pode culpá-lo. Sei que é difícil você acreditar, James, porque ainda me vê como
criança, mas eu é que comecei tudo. Provoquei e seduzi Whitby.
Ele acusou o golpe. Não esperava ouvir a irmãzinha falando daquela maneira.
— Pode se tornar viúva antes do final do ano, Lily.
— Sei muito bem disso. Não sou tola, James. Pesei cuidadosamente minha decisão.
Prefiro seis meses ou mesmo um mês com Whitby a uma vida sem ele.
— Muito romântico. E se o seu amado sobreviver, mas se revelar um marido infiel e
nem um pouco afetuoso? Você será infeliz pelo resto da vida. E, apesar de tudo, merecia
um destino melhor.
Por Deus, ela não queria escutar tal vaticínio, que lhe embrulhava o estômago! Baixou
o olhar, aterrorizada. Durante um penoso minuto, repassou na mente suas resoluções e
lembrou-se de que sabia dos obstáculos de investir seus sentimentos em Whitby. Sabia
que ele não era um homem fácil de se amar.
Mas amava-o, iria casar-se com ele e nada a impediria de seguir em frente. A
desaprovação de James não a ajudava em nada. Necessitava do apoio do irmão. Para
obtê-lo, provaria que tinha opinião própria e não precisava mais ser resgatada de uma

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ação impensada, como no episódio com Pierre.
— Por que todos assumem que Whitby vai me magoar ou me fazer infeliz? Ninguém
acredita que ele pode guardar amor e honra dentro de si?
— Whitby tem vários conceitos de honra, de fato. Eu não teria sido amigo dele, se
fosse diferente. Mas trata-se de um homem falido, na saúde e nas finanças. Acho que
somente o risco de morte o leva a agir com algum caráter. Para ele, isso também é
romântico. Não precisa se preocupar com o futuro, daí poder afeiçoar-se a você. Sem
demais riscos, entende?
— O que quer dizer com ele estar falido? James meneou a cabeça, tocou o braço da
irmã e sentou-se ao lado dela.
— Os pais de Whitby morreram quando ele era criança. A perda da mãe foi
especialmente traumática. Então, ele teve diversas tutoras e um tio vulgar que o criou
enquanto administrava a fazenda da família.
— Criou? Como assim?
— Nenhuma das tutoras permaneceu muito tempo no cargo, porque o tal tio, a pretexto
de vigiar a educação de Whitby, assediava todas de maneira atroz.
Lily cobriu a boca com a mão, assombrada.
— E Whitby me contou que, muito novo, decidiu não se apegar a nenhuma das
mulheres que cuidavam dele, por saber que logo iriam abandoná-lo.
Lily começou a compreender o âmago da questão: Whitby aprendera a não amar
ninguém. Era o que James tentava dizer-lhe.
— Você pensa que pesou sua decisão com cautela, minha irmã, mas isso era
impossível porque pouco conhecia do passado do conde.
No calor da paixão, ela de fato desenvolvera sentimentos românticos por ele, que
agora se revelavam frágeis. Mas não reagiria com denodo à crença de que sua felicidade
estava fora de alcance. Nunca seria capaz de enfrentar o futuro, se cedesse a tal idéia.
Forçou-se a recordar como se sentira nos braços de Whitby, como ele a amara com
seu corpo. Emoções reais, que ele lhe proporcionara. Não podia duvidar de que escolhera
bem a pessoa com a qual dividir os dias.
De volta ao discurso negativo de James, Lily viu que teria de convencer o irmão da
possibilidade de ser feliz com Whitby.
— Sofia não conhecia tudo sobre você, James, mas isso não evitou que fizessem um
bom casamento. O amor é capaz de curar feridas.
— Continua sendo romântica como sempre, Lily. Julgo um perigo alguém acreditar que
pode modificar outra pessoa.
— Não quero mudar Whitby. Eu o amo da maneira que é.
— E qual seria essa maneira? Conhece o jovem cavalheiro que brincava com você e
ria enquanto a procurava no meio do bosque. Conhece o charme que ele pode exibir num
salão. No entanto, há muito mais. Existe um lado escuro que Whitby raramente mostra. E
uma criatura infeliz. Lily ergueu as sobrancelhas, confusa.
— Se for verdade, eu posso ajudá-lo.
— De novo! É puro romantismo pensar que vai salvá-lo das sombras. Não quero que
saia magoada.
— Como adulta, dispenso sua proteção, James. Vou me casar, sim, com o conde.
Ele baixou a cabeça, derrotado, mas colheu a mão da irmã.
— Você ficou uma mulher bonita e forte, Lily. Saiba que isso me agrada e envaidece.
Ela sorriu de leve, em agradecimento à concessão feita por James, porém no fundo da
alma não se sentia particularmente forte, naquele momento, e sim frágil como um botão
de rosa ao vento. Suas palavras configuravam uma grande farsa, porque não estava tão
confiante no que vinha afirmando ou fazendo.
— Se o ama tanto assim — James comentou, resignado —, suponho que não posso
me colocar em seu caminho.

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— Fala sério, James? Ele fez que sim.
Após outra batida na porta, o Dr. Trider entrou. Saudou os presentes e comunicou que
viera ver o paciente, com a intenção de realizar a biópsia naquele dia.
Lily tremeu de pânico. Ou porque preferia ignorar os resultados do exame ou porque
receava o diagnóstico, mais brando, de simples infecção. Talvez as duas coisas juntas,
presumiu.
— Fique à vontade para examinar o conde aqui em casa, mas infelizmente ele não
poderá ser internado nos próximos dias. Lorde Whitby e lady Lily vão se casar.
Lily arregalou os olhos para James. Agora era oficial, e real.
Ela seria a esposa de Whitby. Até que a morte os separasse. Na saúde e na doença.
Na alegria e na tristeza. E o irmão finalmente a apoiava!
Mas, em instantes, Lily compreendeu que aquele apoio era tênue. James parecia
desgostoso, certo de que a irmã, em curto prazo, iria engrossar o rol das esposas
sofredoras.
De súbito, ela experimentou uma ardência no peito. Não conseguiu mais encarar o
irmão. Então, fez a única coisa possível: desviou a vista do rosto de James e armou um
sorriso, enquanto aceitava os parabéns do Dr. Trider.
A cerimônia nupcial de Lily e Whitby realizou-se na capela do próprio Castelo
Wenworth, com a presença apenas de James, Sofia e Anabela. Em seguida, eles
compartilharam um jantar íntimo, composto de salada de folhas, sopa cremosa e pato
assado. Sim, um bolo, dito de casamento, serviu como sobremesa.
Mais do que celebrar, o casal desejava se recolher ao quarto imediatamente, pois
Whitby queixou-se de cansaço por ficar de pé durante a cerimônia.
Assim que entraram, o calor da lareira acesa acariciou-lhes o rosto. Whitby animou-se
graças à expectativa que alimentava quanto à noite de núpcias. Observou Lily circular
pelo aposento, antes de olhar para ele. Tinha tirado o vestido de noiva antes do jantar e
agora exibia o traje vermelho com o qual chamara a atenção do marido durante a festa
em homenagem à caçada.
Estava igualmente bonita agora, ou ainda mais. A pele lembrava porcelana, as faces
eram coradas, o sorriso causava deslumbramento. Havia prendido os cabelos negros no
alto da cabeça, para comparecer à capela, mas soltara-os na hora do jantar. Mantivera
um coque discreto, sem impedir que as madeixas ondulassem até seus ombros, com
duas fitas escarlate dançando no ar.
A despeito de suas muitas dúvidas, a despeito da fadiga e do receio de ter cometido o
maior erro da vida, Whitby só pensava em possuir Lily, diante da exuberância da esposa.
Simples assim: já poderia tê-la sem ansiedade, sem o perigo de ser flagrado.
Viu amor nos olhos de Lily. Amor e expectativa. Naquela tarde, haviam assinado os
nomes no registro da Igreja, trocado alianças. Estavam casados.
Parecia um sonho, Whitby pensou, dada a rapidez com que tudo fora resolvido. Devia
isso muito mais à perseverança de Lily do que à própria e contumaz vacilação, agravada
por sua doença.
Ainda bendizia a energia vital de sua mulher, quando ela avançou e pousou as mãos
enluvadas em seu peito. Um sorriso provocante acompanhou o ato de desabotoar o
casaco do esposo.
— Quase pulei a mesa para fazer isto logo — ela disse. — Foi o jantar mais longo de
minha vida.
— Realmente tedioso — ele concordou, baixando as mãos para delinear-lhe os
quadris. — Mas suponho que podemos compensar tudo, agora.
Lily continuava em ação. Depois do casaco, removeu a camisa de Whitby e deu-lhe o
mesmo destino: o chão do quarto.
— Tem toda a razão, lorde Whitby — ela assumiu um tom solene. — Desde que não
esteja muito cansado...

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— Cansado? Sim, um pouco, mas deitado vou me sentir melhor.
Ela retirou as luvas, com vagaroso charme, deixando-as tombar no tapete. Retornou ao
peito do marido, desta vez tamborilando os dedos ali e fazendo-o sentir o calor de suas
palmas.
— Lady Whitby, a senhora é irresistível.
— Ah, lady Whitby? — Cerrou as pálpebras e suspirou. — E bom ouvir isso. Não faz
idéia de quantas vezes sonhei em ser chamada assim.
— Já que dispensou sua criada, suponho que eu mesmo deva despi-la.
— Seria um ato de cavalheirismo, milorde.
O conde sentou-a na cama, colocou-se às costas e começou a desabotoar-lhe o
vestido vermelho decotado, levantando os cabelos sedosos. Com isso, desnudou o lindo
pescoço de Lily e não se furtou a beijá-lo em toda a extensão.
— Olhe como fico arrepiada — ela sussurrou, mostrando-lhe o braço.
Ele puxou o vestido pelos ombros. Ao contrário do que Lily fizera com suas roupas, não
o jogou no chão, mas dobrou-o com cuidado sobre uma cadeira. Em seguida, retomou a
tarefa.
O corpete era amarrado na frente, e o conde teve de agachar-se a fim de desfazer
todos os laços. A peça saiu pelas laterais do tronco de Lily. Restava a camisa de baixo,
que foi removida pela cabeça.
Whitby deteve-se por um instante, na admiração dos seios nus de Lily, brilhantes à luz
do fogo da lareira. Surpreendeu-se com o fato de não ter impaciência, ao contrário das
vezes anteriores. Como marido legal de Lily, queria fazer tudo com a máxima lentidão,
provocando o prazer ao extremo.
Eram coisas diferentes: roubar-lhe a virgindade, com pressa, e desfrutar pouco a pouco
a beleza sensual de sua mulher. De olhos fechados, Lily o estimulou, dizendo que
gostava de sentir-lhe as mãos fortes sobre o corpo.
— E eu gosto daquilo que sinto ao tocar você — ele complementou.
Pouco depois, a anágua de seda e a calçola íntima vieram abaixo, aumentando a pilha
de peças que agora se formara sobre o tapete.
Nua na frente de Whitby, usando apenas meias e sapatos pretos, ela submeteu-se
orgulhosa ao livre exame visual do marido. Sabia ser dona de um corpo bonito e que todo
homem adorava espiá-lo.
A ele, agradava saber que Lily lhe pertencia, que era o único a tê-la possuído por
completo. Façanha digna de uma pessoa de sorte.
Pensando que ela poderia sentir frio, Whitby abriu as cobertas para descobrir dúzias de
pétalas de rosas escondidas na roupa de cama. Lily aspirou a fragrância marcante e sus-
pirou.
— Obra de Sofia — concluiu. — Ela estava muito misteriosa, hoje.
Whitby viu a esposa tirar os sapatos e subir ao leito, mostrando uma falsa timidez, e
então removeu o resto dos próprios trajes e foi fazer companhia a Lily. O procedimento de
tirar-lhe as meias ganhou um conteúdo erótico, sobretudo quando ele beijou seus
delicados pés. Já era possível notar a excitação do conde, orgulhoso da reação visível em
sua virilha.
Sem anunciar, ele seguiu beijando Lily corpo acima, até deitar-se ao lado dela.
— Quando iremos ver sua propriedade? — ela o surpreendeu com a questão. —
Gostaria muito de conhecer sua casa. Nunca estive lá.
Whitby deslocou a mecha de cabelos que caía na testa da esposa.
— Nunca? James foi diversas vezes, por isso pensei que você o tivesse acompanhado
pelo menos em uma ocasião.
— Não, nunca.
— Bem, vamos remediar isso. Quando poderia viajar? Ela fez uma pausa, com a
expressão gradativamente mais séria.

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— Depende. Em quantos dias você será liberado, depois da biópsia?
A biópsia. Whitby conseguira esquecer o assunto por algum tempo, mas não podia
postergar o exame para sempre. Afagou o ventre de Lily e a curva suave dos quadris.
— Está ansiosa demais com isso.
— Sim e você não?
— É um procedimento simples. — As carícias prosseguiram no alto das pernas dela. —
Você me deu um motivo forte para superar o incômodo, Lily.
— Então, não se preocupe. Vamos aproveitar a noite.
— Não tenha a menor dúvida disso, minha querida.
Lily e Whitby passaram os três primeiros dias de seu casamento na cama, mas não por
doença ou fraqueza do conde. Ao contrário, quando deitado, ele parecia recuperar toda a
energia e virilidade. Também ganhava apetite para jantar, todas as noites, com James,
Sofia e Anabela.
No quarto dia, após o desjejum, Whitby disse à mulher que gostaria de fazer um
passeio, uma curta caminhada, pelos arredores do castelo. Lily chamou o criado Jenson a
fim de vestir o patrão para sair.
Meia hora depois, protegidos por casacos, o casal atravessou os corredores e desceu
a escada principal, rumo à porta dos fundos.
— Sente-se bem para caminhar? — Lily quis saber, assim que pisaram na varanda, à
luz do sol. O ar era fresco e tonificante.
— Sim, mas a claridade... — Edward sombreou os olhos com a mão em pala.— Acho
que fiquei muito tempo trancado lá dentro.
— Você logo se acostuma. — Ela deu-lhe o braço. Cruzaram os canteiros floridos,
depois a trilha de terra batida. Em alguns minutos, chegaram ao lago, onde pararam com
a intenção de descansar. Circundaram a água até o banco de pedra no qual se sentaram,
à sombra de um grande carvalho.
Fora ali que, pouco tempo antes, Lily avistara Whitby pensativo e amargo. Falhara em
motivá-lo para um diálogo. Dessa vez, permaneceram quietos, respirando a atmosfera
aromatizada pelas folhas de outono que caíam ao redor.
— Lembra-se de quando veio sentar-se comigo aqui? — Whitby indagou, tomando a
mão de Lily entre as suas. — Não fui gentil com você.
— Tudo bem. — Ela olhou compassiva para o marido.
— Não, eu queria que você me deixasse, queria ficar sozinho.
— Mas estava doente.
— Não mais do que agora. Menos, na verdade. — Beijou-a na testa. — Toquei nesse
assunto porque desejo me desculpar com você. Por aquele dia e qualquer outro de minha
vida, quando não percebi a mulher maravilhosa que você era. Estava cego.
Lily encostou a cabeça no ombro dele, emocionada.
— Aconteceu há pouco mais de uma semana, mas já parece um ano.
— Sim, porque não sou a mesma pessoa daquela tarde. Continuaram observando as
folhas carregadas pela brisa.
Um pardal desceu das alturas e voou baixo, perto da superfície do lago. Para Lily, era
como um sonho, um momento perfeito.
— Se for assim, esse novo Whitby me tornou feliz.
No entanto, debaixo de sua inimaginável alegria, jazia o medo de ser abandonada pelo
conde, porque existia a probabilidade de que aquela bem-aventurança não durasse.
— Você também me mostrou a verdadeira felicidade, Lily. Nunca imaginei experimentar
algo assim. É espantoso. Obrigado.
Enquanto Whitby a tocava no rosto e a beijava com ternura, Lily lutou para controlar ou
vencer seus temores. Não desejava estragar o momento intenso que vivenciava.
— Notou como Jenson anda estranho? — ele questionou, soltando sua mulher.
— Não. Qual o motivo?

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— Ele passava a maior parte do tempo cuidando de minhas roupas e me vestindo.
Agora, tudo o que quero é ficar deitado. Com você.
Levantando-se, Lily assumiu um ar de preocupação.
— Será que estamos exagerando? Você sente cansaço?
O conde sorriu.
— Óbvio que exageramos. Mas é tão bom que não me sinto cansado.
Ele exibiu um olhar malicioso, e Lily meneou a cabeça, compreensiva, enquanto
ajudava o marido a erguer-se do banco.
No quinto dia, Lily acordou nua na cama e sorriu, contente. Acreditava ter conquistado
o coração do conde, algo que nunca se imaginara capaz de fazer. Desde o casamento,
passavam juntos todos os minutos de cada dia. Doavam seus corpos um ao outro com
paixão, cada noite.
Em resultado, ele ganhara mais apetite e energia. Não só tinha caminhado até o lago,
na véspera, como no jantar não deixava nenhum prato intocado.
Mas Whitby vinha evitando marcar o dia da biópsia e dispensara o Dr. Trider por toda a
semana, disposto a aproveitar sua breve lua-de-mel. Sabia, porém, que o tempo era seu
inimigo. Não poderia escapar da verdade para sempre. Lily sentou-se na cama
amarfanhada e cobriu-se com o lençol. Ponderou aonde o marido teria ido, praticamente
de madrugada, sem avisá-la. Consultando o relógio, constatou que não era tão cedo,
afinal. Por certo, ele não quisera acordá-la, visto que nenhum dos dois havia dormido
muito, de noite.
Ergueu-se do colchão, chamou a criada e, minutos depois, vestida e penteada, desceu
até a sala de refeições, pensando no farto desjejum. Antes mesmo de entrar, viu Whitby à
mesa, tomando café não só na presença de Sofia e Anabela, mas também ao lado de
James.
A cena, perfeita, causou comoção em Lily. James e o conde não se falavam
amigavelmente desde o dia do casamento, quando seu irmão cedera às boas normas
sociais e apertara a mão de Whitby.
Nos últimos dias, contudo, James vinha dando sinais de ter aceitado a situação. Lily
esperou que o irmão chegasse a compreender que sua união conjugai fora a decisão
correta.
O marido a encarou e brindou-a com um olhar exclusivo para ela — repleto de
sabedoria e compreensão, portador da mensagem de que ele estava tão jubiloso quanto
Lily, naquela manhã, e já saudoso das carícias trocadas no leito.
Com um sorriso encantador, Lily disse bom-dia a todos, e ocupou uma cadeira ao lado
de Anabela e na frente de Whitby. Serviu-se de café e acompanhamentos, notando que
os outros nada consumiam.
— Já terminaram?
— Sim — Sofia dignou-se a responder algo tão evidente. — Dormiu bem, Lily?
— Tanto que me atrasei — ela disse, olhando para o marido.
Ele ergueu as sobrancelhas num gesto de ceticismo. Era um demônio, por denunciar a
intimidade do casal fora de hora. Lily esforçou-se para não enrubescer.
A conversa girou em torno das notícias constantes do jornal que James lia. As pessoas
ali combinavam duas vantagens: faziam companhia a Lily e desfrutavam prazerosos
momentos de lazer e contato social.
Minutos depois, o mordomo anunciou a chegada do Dr. Trider, à espera na sala de
visitas. Lily não sabia que ele viria. Whitby levantou-se a fim de ir saudar o médico.
— É hoje? — ela perguntou, pondo sua xícara no pires.
— Sim.
— Por que não me alertou? — Uma arrepio de tensão perpassou o corpo dela. O olhar
para o marido foi de nervosismo.
— Combinamos a biópsia ontem à noite, querida. Não quis perturbar seu descanso.

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— Entendo. — Apesar da ansiedade, Lily decidiu ser corajosa. Respirou fundo. —
Posso ir com você?
— É melhor que fique com os outros. — Ele a beijou na face. — O médico a avisará
quanto terminar. Não será demorado.
— Claro. — Ela lutou para parecer confiante.
Voltou a sentar-se, mas não conseguiu terminar o desjejum. Impossível engolir
qualquer coisa, quando o medo lhe fechava a garganta. O médico iria cortar a carne de
seu marido com um bisturi. Realmente, não suportaria presenciar o ato.
Após hesitar e observar todos mais uma vez, Whitby saiu da saleta ao encontro do Dr.
Trider.
— Vamos a um exame geral, antes de começarmos.
O conde já se habituara àqueles procedimentos, tanto que foi tirando o casaco e a
camisa logo ao entrar em seu quarto na companhia do médico. Menos mal que, com a
melhora de seu estado, o Dr. Trider resolvera coletar o tecido para a biópsia em casa
mesmo, afastando o incômodo de uma internação hospitalar.
— Sinto-me bem — Whitby foi dizendo. — Meu apetite voltou, ontem mesmo fiz um
passeio a pé com minha esposa. Só posso atribuir isso aos benefícios do casamento.
O Dr. Trider gesticulou, indicando compreensão, e tirou da maleta o estetoscópio.
Auscultou o peito do paciente, olhando para o teto, mas comentou que estava muito bom.
Em seguida, apalpou os gânglios de Whitby no pescoço. Pressionou os dedos até onde
alcançou, e dessa vez a expressão dele foi bem menos positiva. Não era o olhar
desejável num médico diante do paciente. O pulso de Whitby acelerou.
— O que há de errado?
Balançando a cabeça, o Dr. Trider tardou em responder. Repetiu os toques e solicitou
que o paciente se deitasse.
— De costas. Quero verificar seu baço.
O conde reclinou-se e sentiu a mão do doutor em seu abdome. A expressão do
examinador continuou impassível, o que confundiu o paciente. Finalmente, o médico
recuou, dando espaço para Whitby sentar-se na cama. Inspirou fundo e disse:
— As glândulas e o baço parecem ter desinflamado um pouco.
— Significa que estou melhor?
— Não sei lhe dizer — falou o doutor com franqueza. — Períodos de inatividade são
comuns na doença de Hodgkins. Os gânglios diminuem de tamanho sem explicação.
— Então, pode ser apenas um alívio temporário.
— Sim.
Enquanto trocavam olhares tensos, Whitby tentou lembrar-se do que acontecera com
seu pai nos meses finais de vida. Até agora, todos os sintomas eram similares. Mas o pai
teria apresentado alguma remissão no estado de saúde?
— E a biópsia, doutor? — inquiriu, com antecipada aflição.
— No mínimo, pode confirmar ou descartar Hodgkins.
— Vai colher o material agora?
— Vim preparado para tal. — O Dr. Trider apontou a maleta.
— Vamos começar — pediu o conde, observando cada instrumento cortante que o
médico empunhava.
Lily e os outros ficaram aliviados com a notícia de que não tinha havido nenhum
problema durante o procedimento de coleta. Tudo correra tão bem quanto o esperado,
disse o médico, informando também que o resultado só estaria disponível dentro de
alguns dias.
Sem infecção pós-cirúrgica, Whitby não apresentava melhoras significativas, mas
também não sofrera uma recaída.
Usava uma bandagem no pescoço, o que não o impediu de passar todo o tempo com
Lily e tirar o máximo proveito das horas vividas juntos.

Projeto Revisoras 61
Caminhos da Sedução Julianne McClean
Desconhecer o resultado do exame ensejava um intervalo de serenidade e
despreocupação. O casal falava de outros assuntos, incluindo o futuro, e isso ajudava a
manter a mente de Whitby longe das adversidades da vida.
No terceiro dia, o Dr. Trider retornou de Londres com os resultados, contidos no laudo
de um renomado patologista. O médico fez suspense: coçou o queixo e postou-se junto à
janela da sala, enquanto o conde ocupava o sofá, batendo o pé no chão com impaciência.
— Não sei bem o que lhe dizer, milorde. Exceto que o senhor deve ter alguma forma de
gripe ou talvez tuberculose. — Parecendo aturdido, ele encarou o paciente. — Pretendo
relatar o caso a meus colegas em Londres, a fim de descobrir se existem situações
semelhantes.
— Está afirmando que não vou morrer? — Whitby levantou-se, animado.
— Pelo menos, não de Hodgkins. Confesso que estou confuso. Se for gripe, não há
razão para que não continue melhorando. Caso contrário, simplesmente não sei.
O conde notou que focalizava o Dr. Trider com incredulidade, de boca aberta. Como
um profissional daquela categoria podia alegar ignorância?
— Mas vamos prosseguir seu monitoramento regular. Ainda está doente, milorde.
— Claro. Compreendo.
O médico acercou-se e bateu a mão no braço de Whitby.
— Parabéns. A notícia é boa e sua esposa ficará contente. Atordoado, quase em
choque, o conde respondeu:
— Sem a menor dúvida.
O olhar de Lily fixou-se na porta quando o marido entrou na sala de refeições, onde ela
o esperava, na companhia de James, Sofia e Anabela. Seu coração acelerou por conta da
apreensão que a dominava. A despeito da melhora de Whitby, naquela semana, ela havia
se preparado para o pior.
O Dr. Trider explicara que os períodos de pausa na evolução da enfermidade eram
comuns, e por isso Lily não conseguiu deixar de temer que a saúde do marido piorasse de
repente, impondo o risco de morte.
De qualquer modo, ela animou-se diante do bom aspecto de Whitby, ergueu-se da
mesa para abraçá-lo e pediu detalhes sobre a opinião do médico.
Ele a fitou com calma e com um sorriso na face.
— Melhor nos sentarmos.
James, Sofia e Anabela aguardavam em silêncio a explicação do conde.
— Muito bem... — Whitby ganhou tempo, procurando se mostrar informal quanto a tudo
o que tinha para dizer.
— E os resultados? — James o apressou.
— Tenho boas novas — ele começou, olhando um por um em semicírculo.
— Boas novas? — As esperanças de Lily renasceram dentro dela.
Whitby iria sobreviver? Chegava a ser temerário acreditar nisso.
Ele também parecia descrente, ruminando mentalmente o que ouvira.
— O patologista de Londres concluiu que, seja qual for minha enfermidade, não é a
doença de Hodgkins. O Dr. Trider ainda tenta descobrir qual o real problema.
Lily fitou o marido com ar vago, digerindo a notícia, mas logo seu corpo estremeceu de
alegria. Respirou fundo a fim de recompor-se. Whitby iria viver! Não morreria em questão
de meses ou um ano! Ela não se tornaria viúva! Ele veria seus filhos crescerem!
Só então Lily percebeu que arfava e exibia um largo sorriso. Whitby, contudo, mantinha
um sorriso discreto, como que envergonhado. Talvez ainda estivesse em choque. Foi
nessa condição que ele se voltou para James.
— Presumo que eu deva desculpas a todos vocês.
— Desculpas! — Sofia protestou. — Deus do céu, por quê?!
— Por causar preocupações desnecessárias. Fui apressado demais em assumir o pior.
— Nós todos o acompanhamos na pressa — assegurou-lhe Sofia. — Ouvimos o que o

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doutor disse, depois do primeiro exame. Havia razão suficiente para nos afligirmos.
Portanto, não se desculpe, Whitby. Estamos muito contentes por saber que você não
corre riscos.
Pouco à vontade, ele concentrou-se em Lily.
Envergando seu melhor sorriso, ela quis expressar ao marido que também não o
culpava pelo equívoco. Estava comovida por ter se tratado de um erro, extasiada pelo fato
de que ele continuaria vivo.
Estranhamente, Whitby baixou o olhar até a mesa. Ao observá-lo, Lily sentiu que sua
alegria começava a ser drenada como água num pote furado. Um medo trepidante
incursionou por suas veias.
Por que ele não parecia feliz?
Ela engoliu em seco enquanto James e Whitby iniciaram uma conversa sobre a
misteriosa doença e como o Dr. Trider pretendia investigá-la. Lily escutou pela metade,
desatenta. Sentia-se deslocada do próprio corpo. A inexplicável tristeza do marido
significava que tudo era diferente do que ela havia sonhado para a vida conjugai.
Franziu a testa ao recordar como tinha sido gratificante ficar ao lado de Whitby na
semana anterior, na cama ou fora dela. Noites maravilhosas e ao mesmo tempo terríveis,
por imaginar que o marido estivesse a um passo da morte. Ainda assim, ele se mostrara
apaixonado por ela e se entregara ao amor sem reservas. Acreditando que não tinha
futuro, Whitby vivera intensamente o presente.
Mas o futuro acabava de reaparecer no horizonte de suas vidas. E Lily, no entanto,
sentia-se lançada de volta ao passado, quando era apenas a irmã caçula de James e
amava em segredo o homem mais velho que raramente lhe dava atenção. Agora,
estavam casados. Por conveniência social ou impulso, mas casados. Mais ainda, ela já
poderia estar grávida.
Uma forte ansiedade cresceu no íntimo de Lily, que tentou acalmar-se, sentando, e
disfarçou sua agitação ou possível palidez. Não era fácil, devido ao turbilhão que lhe
assolava a alma.
De fato, era tudo muito estranho. Ela não esperava tal reação de si mesma ao tomar
conhecimento de que Whitby não sofria de uma doença fatal. Esperava somente alegria,
nada mais. Mas não podia ter adivinhado a postura negativa do marido diante da notícia.
Para Lily, era impossível imaginar como agiria se visse Whitby evitar novamente seu
olhar.
Lily despertou de um breve cochilo quando uma batida soou na porta. Sentou-se na
cama, um pouco zonza, e imaginou se seria Sofia. Sua cunhada havia manifestado a in-
tenção de conversar com ela sobre as novidades relativas à saúde de Whitby, porém Lily
preferira ficar sozinha. Não se julgava pronta para discutir a situação.
Para sua aflição, não compreendia os verdadeiros sentimentos do marido, e estava
fora de questão especular a respeito do assunto antes de poder falar diretamente com
ele. Naquele momento, restava-lhe se convencer de que tudo corria bem. Talvez por
algum motivo secreto Whitby estivesse deprimido na hora do desjejum, ou sob efeito de
calmantes, e por isso não reagira conforme o esperado diante das boas novas.
O som repetiu-se, e ela autorizou a entrada da pessoa que batia. Não era Sofia, mas
Whitby. Lily sentiu o coração oprimido ao revê-lo.
Sim, ainda era seu marido, ela relembrou. As notícias sobre a doença, boas ou más,
não alteravam tal realidade, ainda que as ocorrências da semana anterior, na intimidade
do casal, não parecessem reais.
Lily o contemplou com desconfiança enquanto ele entrava no quarto e fechava a porta.
Não se aproximou logo do leito. À soleira, fitou sua mulher em silêncio. Lily forçou-se a
manter os olhos fixos nele. Tinha muito medo de que Whitby lhe falasse que o casamento
havia sido um terrível engano.
— Você desapareceu da mesa do café da manhã, antes que pudéssemos conversar —

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
ele se queixou, com um sorriso inesperadamente jovial.
Ali estava de novo o mágico apelo.
Ele veio me ver, Lily pensou enquanto superava seu patético encontro com a
autopiedade e o desespero. Whitby era tão encantador quanto se mostrara noite após
noite, na cama ou no salão principal, quando rodeado de mulheres bonitas. Numa análise
realista, não parecia incomodado pelo que ele e Lily tinham feito em seus momentos
íntimos.
— Eu sabia que você estava ocupado com o doutor — ela justificou-se. — Presumi que
viria me ver logo que ele partisse.
Whitby não precisava saber, segundo Lily, que ela passara um bom tempo lamentando
sua ausência, suspeitando que não a procuraria, talvez nunca mais.
Whitby andou até a cama, onde a mulher se sentara, e suas mãos apertaram a borda
do colchão. Lily estava surpresa com a ternura visível no semblante do marido, quando
ele acariciou-lhe a face e o queixo, fitando-a com firmeza.
Como de hábito, Whitby afastou uma mecha de cabelos para trás da orelha de Lily.
Com o coração disparado, ela não sabia o que esperar dele. Ainda temia que Whitby
decretasse o fim do casamento, ao qual chegara na esteira de uma doença supostamente
incurável. Um filho com Lily lhe daria uma sobrevida na posteridade, depois que se fosse
deste mundo.
— Não se preocupe, querida — ele disse, gentil, e a tensão de Lily se desvaneceu. —
No desjejum, notei sua decepção com o fato de que vou viver.
— Nada disso, Whitby. — Ela suspirou.
— Estava só brincando. — Meneou a cabeça. — Acho que sei por que você ficou tão
séria naquela hora, por que continua séria agora. Você receou que eu me arrependeria de
ter me casado.
Alegria e medo se digladiaram no íntimo de Lily. Alegria por ver que ele a compreendia.
Medo por imaginar que Whitby lhe contaria a verdade: ele se arrependia, sim, daquele
casamento apressado.
Apanhando o rosto dela entre as mãos, o conde pareceu divertido com a situação.
— O que é tão engraçado? — ela quis saber, aborrecida por ele encontrar humor em
sua ansiedade.
Whitby inclinou-se a fim de beijar de leve os lábios de Lily.
— Por que é tão difícil para você acreditar que eu a desejo, e, mais do que isso, que
me preocupo com seu bem-estar? Nunca me aconteceu antes, com nenhuma outra. Não
ficou evidente durante a semana que passou?
Lily o encarou, muda, incapaz de formular uma palavra sequer.
— Nenhuma mulher significou para mim mais do que você, Lily. E jamais me
arrependerei do que fiz quando estava doente. Pelo contrário, sou grato àquele meu
namoro com a morte, porque me forçou a amadurecer e reconhecer como a vida é
preciosa. Nós, humanos, não devíamos perder nem um minuto com ninharias ou aguardar
que as coisas boas nos acontecessem, como se tivéssemos todo o tempo do mundo.
Devemos agir na hora presente, sem esperar pelo amanhã.
— Agora deu para filosofar... Não lamenta nada do que fizemos?
— Claro que não. — Edward colou o rosto no dela, num breve abraço. — Foi a melhor
coisa que me ocorreu. Você é minha mulher, e nada é tão importante para mim quanto
você e nosso futuro filho.
Valendo-se da proximidade que partilhavam, Whitby deu um beijo ardente em Lily,
avançando com a língua pelos lábios entreabertos. Os desejos femininos arderam em
chamas, e ela enlaçou o marido pela nuca.
— Oh, Whitby... — Suspirando, beijou-lhe o pescoço. — Faça amor comigo.
— Essa era minha intenção, ao bater na porta, querida. E sem dizer mais nada, apenas
mantendo-a presa pelo

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olhar intenso, Whitby amoldou-se àquele corpo frágil e perfeito. Ela lhe deu as boas
vinda por intermédio de um sorriso acolhedor, estendendo os braços para enlaçar-lhe as
costas largas.
Enquanto repousava o corpo másculo entre as coxas bem torneadas, Whitby beijava-a
com sofreguidão. Mesmo entorpecida pelos efeitos devastadores daquelas carícias, Lily
conseguiu livrar-se da camisa de baixo, deixando para ele a tarefa de gentilmente tirar-lhe
as calçolas.
Assim que lhe desnudou a feminilidade, ficou hipnotizado com a beleza pueril que
intimava por ser explorada. Enquanto isso, ela experimentava sensações únicas.
Depois de saciados, Lily agradeceu novamente pelo presente que ganhara naquela
tarde: a vida de Whitby. A certeza de que compartilhariam aquele amor pleno por uma
longa existência e não por um curto período.
Pouco depois, Edward saiu, sem fazer ruído, da cama onde Lily adormecera. Recolheu
as roupas deixadas no chão e vestiu-se com cuidado, para não acordá-la. Colocando o
casaco, deixou o aposento e fechou a porta.
Logo que se viu sozinho no corredor, Whitby respirou fundo, diversas vezes. Sentia
grande alívio por ter resolvido um problema difícil. Tinha se assegurado de que Lily não
guardava remorsos, nem julgava estremecido seu relacionamento com ele.
Encostou-se na parede e pendeu a cabeça, apoiando-a. Estava esgotado e ainda um
pouco aflito. Levou a mão à testa a fim de constatar uma possível febre. Podia ter
convencido Lily de seu amor, mas também mentira para ela. Não se achava inteiramente
confortável com tudo o que acontecera. Suspeitava de que, em certo grau, sua mulher
sabia disso.
Seu peito se apertou. O que havia de errado com ele? Agora que escapara das portas
da morte via que seus sentimentos por Lily estavam alterados. A louca paixão inicial arre-
fecera, e Whitby sofria o peso de uma culpa agonizante por essa mudança.
A transformação lhe era inaceitável. Teria interpretado mal o que sentia por ela?
Desejara a oportunidade de ser mais do que um amante para alguém, experimentar como
seria apaixonar-se, amar e ser amado? Deixara-se levar pelas circunstâncias, por uma
realidade distorcida?
Whitby deslizou os dedos pelos cabelos. Em sã consciência, não queria que as coisas
fossem assim, porque de fato sentira amor por Lily durante a semana anterior. Lembrou-
se da noite de núpcias e de como ficara infinitamente feliz ao fazer amor com ela. Fora
um deslumbramento, o mais apaixonante romance de sua vida, e não desejava que
terminasse. Não aceitava, enfim, sentir-se como estava se sentindo naquele momento.
Pressão. Encontrava-se nessa condição por longo prazo. Lily poderia estar grávida
dele, o que selaria uma união duradoura.
Alvo de súbita dor nas entranhas, deslizou as costas pela parede e sentou-se no chão
do corredor, com os braços em torno dos joelhos. Ocorreu-lhe que poderia ter
contaminado Lily com sua doença. O médico alegara desconhecer casos precedentes,
mas quem garantia que a enfermidade de Whitby não era contagiosa? Sobretudo com
tantos contatos íntimos?
Um previsível pavor o tomou, embora lutasse para suprimir pensamentos negativos.
Não lhe cabia preocupar-se com algo que não podia controlar. Era necessário vencer o
temor e focar apenas o lado positivo de seu relacionamento com Lily: finalmente teria um
herdeiro; e seu título, bem como sua propriedade, não passariam a Magnus.
Uma respiração profunda o aliviou, física e mentalmente. Superaria tudo, determinou-
se. Era casado, marido de Lily, e cuidaria da esposa de tal modo que ela nunca se sentiria
desamparada.
Naquele mesmo dia, Whitby fizera o melhor de si para tranqüilizar Lily. Repetiria o feito
a cada dia, até o fim da vida. Na manhã seguinte, deixaria o Castelo Wenworth e rumaria
para a casa de seus ancestrais. Lily então daria início a seus deveres como dona do

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lugar. Edward confiava que o desempenho dela nesse papel seria admirável.
Whitby ainda procurou convencer-se de que não seria penoso o convívio com a mulher,
mesmo longe dos atrativos da alta sociedade. Ele seria o homem que ela julgava que
fosse. Seria fiel e amável com Lily, tratando-a com o respeito e a adoração que merecia.
Faria sexo com tal empenho que ela se julgaria amada. Jamais a magoaria.
Levantando-se do piso, suspirou, espanou a roupa com as mãos e dirigiu-se ao seu
antigo quarto de solteiro, para ordenar a Jenson que preparasse as malas de viagem.
Em Londres, ao colocar o pé para fora da carruagem, Marion sentiu uma fria gota de
chuva atingir sua face. Baixou a cabeça e apressou o passo até a entrada da Mansão
Wenworth.
Aquele fora um dia cansativo, porque a mãe de Lily se ocupara de diversos projetos de
festas de caridade, mais do que o usual naquela época do ano, quando normalmente es-
taria residindo no campo.
Mas, por motivos óbvios, Marion não gostaria de estar no castelo. Não agora que a
filha desobediente se casara com um devasso.
Mal entrou, pediu ao mordomo que lhe preparasse uma xícara de chá, pois estava
gelada. Subiu os degraus e ingressou em seu quarto privativo. A criada Eufêmia, uma
robusta mulher de meia-idade, arrumava alguma coisa na última gaveta do guarda-roupa.
Empertigou-se depressa, parecendo assustada.
— Quero me livrar deste ridículo chapéu — disse Marion, começando a tirar as luvas.
Sentou-se no banquinho da penteadeira.
Assim que viu a patroa instalada ali, Eufêmia acercou-se para remover o alfinete que
prendia o chapéu, mas Marion a impediu com um gesto de mão.
— Deixe que eu mesma tiro. Traga-me o jornal. Vou ler enquanto tomo chá.
— O jornal?
Marion encarou a criada através do espelho da penteadeira.
— Qual o problema?
— Nenhum, milady. — Eufêmia vacilou. — Já vou pegar. Minutos depois, enquanto
saboreava seu chá quente, Marion descobriu a razão da ansiedade da criada. Seu queixo
caiu quando leu, na página de eventos sociais, um comunicado sucinto:

Casamento

Lady Lily Elizabeth Langdon com Edward Peter Wallis, conde de Whitby.

Notícia atrasada, pois o jornal era semanal, mas não menos contundente. Lily e Whitby
mal esperaram que Marion chegasse a Londres para oficializar aquela indesejada união.
Pessoas da alta-roda deviam estar, naquele momento, debochando de sua família,
comentando que seu novo genro podia ser visto, em Londres, na companhia de mulheres
de má fama, cujo leito freqüentava.
Marion depôs a xícara, sustentou a cabeça com a mão aberta e permaneceu à
mesinha do quarto por longos minutos, respirando com dificuldade e apertando os olhos
fechados com raiva descomunal.
Depois, observou o retrato de Lily na parede.
Você não me ouviu. Foi em frente e fez o que queria. E se vier a se arrepender?
Decidida, levantou-se e tirou a moldura da parede. Abriu uma gaveta e guardou ali o
retrato da filha. Não conseguiria olhar o tempo todo para o rosto de Lily.
Bateu a gaveta, furiosa, e sentou-se na beirada da cama. Roeu as unhas, pensando
em Lily e Whitby juntos. Avaliou todos os possíveis aspectos da vida em comum do casal.
Eram felizes? E se fossem? Tomaria isso como afronta pessoal?

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Capítulo VII

Lily estava ao lado de Whitby na carruagem fechada. Conduzido por Jenson, o veículo
balançou mais que o normal ao atravessar uma ponte de pedra no meio da floresta, a
caminho da casa dele. A Mansão Century situava-se em Bedfordshire, a três horas de
trem a partir de Londres.
No segundo banco, à frente do casal, Anabela prestava atenção às árvores brilhantes e
coloridas com folhas em matizes de vermelho, laranja e amarelo. Lily sentia o aroma da
vegetação, sobretudo da parte que já caíra ao solo sob os ventos de outono.
A carruagem ultrapassou a ponte, e Lily inclinou-se para mais perto da janela, a fim de
ver o que vinha pela frente.
— Estamos quase chegando — informou Whitby, saboreando a infantil agitação da
esposa.
Vencendo a floresta ensombrecida, o veículo alcançou a estrada que cruzava um
campo de grama verde. O sol ardia quando subiram uma colina, e enfim, no topo, viram
uma casa grande como se fosse guardiã do imenso vale esverdeado.
— Aí está — disse Whitby, dobrando-se junto com Lily para apreciar a vista.
Era uma construção extraordinária, em forma de "U", perfeitamente simétrica com alas
idênticas em cada lado. Um imponente arco-do-triunfo destacava-se no limite do terreno.
À medida que se aproximavam, a trilha poeirenta converteu-se em trilha cascalhada, e as
patas dos cavalos soaram ruidosamente de encontro aos pedregulhos. Lily emocionou-se
quando a carruagem passou pelo arco e reduziu a velocidade até parar por completo, ao
lado da porta principal da mansão. Um serviçal veio baixar os degraus retráteis do
veículo.
Whitby foi o primeiro a descer, com o objetivo de oferecer a mão tanto a Lily como a
Anabela. As duas detiveram-se na contemplação da residência, mas só Lily não a
conhecia.
— É bom voltar para casa—comentou Anabela.— Melhor ainda quando se pode
retornar com um irmão saudável e uma nova cunhada.
Tocada, Lily a beijou na face.
Subindo os degraus de pedra até a porta aberta da mansão, os três foram saudados
por Clarke, o mordomo, que apresentou a Lily a Sra. Harrington, a governanta.
Os outros serviçais estavam formalmente enfileirados, esperando para conhecer a
nova condessa. Lily foi simpática com todos, sorrindo e falando com cada um. Sentiu que
eles gostaram dela, e muitos pareciam aliviados. Talvez não contassem com a
recuperação de Whitby, e porque lhe faltava um herdeiro tudo tendia a piorar na casa e na
fazenda.
Não, ela pensou, não haveria decadência, nem a propriedade seria passada ao primo
do conde, Magnus. Chegando ao final da fila da criadagem, Lily concluiu que isso
explicava o alívio. Para todos os efeitos, Magnus tinha fama de pessoa má e perigosa.
A Sra. Harrington informou aos recém-chegados que os quartos estavam preparados e
que o jantar seria servido às oito. Assim que tomaram o rumo da escada, o mordomo
pediu uma palavra em particular com Whitby. Polidamente, o conde desculpou-se com
Lily, que olhou os dois homens com curiosidade e depois acompanhou Anabela e a
governanta ao pavimento superior.
Whitby ingressou em seu escritório e aguardou que Clarke fechasse as duas folhas da
porta de carvalho. A expressão do mordomo, como sempre, denotava preocupação. Ele
mantinha as mãos paradas ao longo do corpo.
— De que se trata, Clarke? Algum problema sério enquanto estive fora?
— Sim, milorde. É meu dever informá-lo de que lorde Magnus esteve aqui três dias
atrás, insistindo para ver a Srta. Lawson.

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Whitby sentiu o humor azedar. Magnus e o pai já eram barrados nos eventos familiares
havia muitos anos. O primo não tinha o direito de vir à Mansão Century, sobretudo para
falar com Anabela.
— Ele devia saber que eu não estava aqui — disse o conde, com repulsa. — Senão,
jamais faria um pedido desses. Você o deixou entrar?
— Não, milorde.
— E o que alegou Magnus? Alguma explicação para desejar ver Anabela?
— Não no princípio, senhor. Ele apenas solicitou o encontro, mas parecia tão confiante
que me causou dúvidas. Quando lhe falei que a Srta. Lawson não estava, ele não
acreditou e me acusou de cometer um grave erro. Disse que, quando obtivesse o título de
conde, eu seria o primeiro a ser despedido daqui.
— Quando obtivesse o meu título de conde?!
— Sim, milorde. Sou da opinião de que Magnus sabia de sua doença, mas não do
casamento.
Whitby sentiu uma repentina tontura e teve de sentar-se. Não se achava totalmente
recuperado e, às vezes, ao se manter de pé por longo tempo, ficava exausto. O relato de
Clarke não o ajudou em nada.
— Como ele pôde ter tomado conhecimento de minha enfermidade? Ninguém sábia,
salvo os trabalhadores desta propriedade e alguns dos hóspedes do duque.
— Ignoro como, milorde. Talvez Magnus tenha conexão com uma das pessoas que
mencionou.
— Isso é preocupante. — Whitby tensionou o maxilar e tamborilou os dedos na
escrivaninha.
— Sente-se bem, senhor? Não me parece bem.
O conde acenou com a mão a fim de afastar os receios de Clarke. Suava muito, e
respirou fundo tentando se acalmar. O mordomo permanecia a sua frente, pouco à
vontade.
— Gostaria que eu inquirisse os membros da criadagem? Magnus pode ter subornado
alguém...
— O quê? Ele mal tem dinheiro para tratar de seu cavalo... Mas imagino que, se soube
da doença, deve também ter sido informado de meu casamento.
— Sim, milorde.
Whitby abriu e fechou o punho, lutando para manter a raiva sob controle. Lembrou-se
de que não podia perder a calma. Não permitiria que Magnus tivesse tal efeito sobre ele,
como acontecera antes.
Sua prioridade agora era amparar Lily e também proteger Anabela de um assédio
interesseiro por parte de Magnus. Dentro do otimismo que caracterizava o primo com
relação à cadeia hereditária, o matrimônio de Whitby representava um forte golpe.
Magnus poderia agir impelido pela raiva, como fizera no passado com o irmão do conde,
John.
Edward detestou a idéia de rever Magnus nas condições do momento, mas precisava
esclarecer-lhe que o título de nobreza não estaria ao alcance dele num futuro previsível.
Whitby também desejava demonstrar que, apesar das aparências, ainda era mais do
que capaz de proteger a esposa e a irmã.
Cerrando o punho de novo, fitou Clarke e pediu-lhe que preparasse a carruagem. O
mordomo não ocultou a curiosidade, e o conde concedeu-lhe a explicação:
— Pretendo proteger minha família, Clarke, e colocar um ponto final nessa discórdia.
Vou a Londres esta noite e verei Magnus pela manhã. Com sorte, me livrarei dele de uma
vez por todas.
Magnus Wallis morava com a mãe numa casa de tijolos aparentes, nos arredores de
Londres e num bairro incompatível com o neto de um conde. Às dez da manhã, Whitby
chegou ali na carruagem preta e fechada. Desceu enquanto o cocheiro ainda puxava os

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degraus do veículo. Estava impaciente.
Talvez a ansiedade fosse produto da recuperação de uma doença que, segundo a
crença inicial, o condenava à morte. Ao rememorar o fato; Whitby sentiu-se compelido a
resolver seus problemas de uma maneira definitiva, sem deixar nada por conta da sorte.
Tinha aprendido que a vida nem sempre é generosa a ponto de dar uma segunda chance.
— Não vou demorar — disse ao cocheiro, e então cruzou o pequeno jardim fronteiriço,
passando por um bode preto, amarrado num poste.
O cheiro de galinhas à solta feriu-lhe as narinas.
Foi uma amostra de que a visita seria desagradável. Bateu na porta e foi atendido por
Carolyn, a mãe de Magnus. Trajava um gasto vestido marrom com a bainha suja de terra,
e acabava de envolver os ombros com um xale de lã. Envelhecera bastante desde que
Whitby a vira, cinco anos antes. Aquela também tinha sido uma visita desagradável.
Carolyn mostrou-se chocada com a presença do conde, que teve de colocar o pé,
calçado com uma bota brilhante, na fresta da porta para que a senhora não a batesse em
seu nariz.
— Quero falar com seu filho.
— Ele não está. E, mesmo se estivesse, eu não o chamaria.
Whitby manteve a bota onde a colocara. Olhou para a mulher com um misto de pena e
espanto.
— Achei que você já tinha morrido, Edward.
— Achou ou torceu?
— Sim, "torcer" é o termo certo.
— Sinto desapontá-la, senhora. Onde está seu filho?
— Já disse que saiu. — Ela forçou a porta, tentando fechá-la.
Whitby colocou mais peso no pé. De repente, a porta se escancarou, e Carolyn olhou
por sobre o ombro. A figura imponente de Magnus estava logo atrás.
Whitby tinha cabelos castanho-dourados e olhos castanhos, enquanto Magnus era
moreno, com olhos e cabelos negros como a noite. Whitby sabia sorrir e encantar em
qualquer reunião social ou profissional, mas Magnus costumava franzir a testa e adotar
um olhar altaneiro, como se visse o mundo com desdém. Nunca se registrara uma risada
na vida de Magnus, a menos que esmagasse um inseto sob o sapato.
Ambos se encararam. Diante da visível hostilidade do primo, Whitby procurou discernir
o que se passava na mente dele. Estaria surpreso por ver o conde vivo e bem, ou já sabia
de sua cura, além do fato de que escolhera uma esposa?
Por fim, Magnus recuou, permitindo que Whitby entrasse. A mãe pareceu aborrecida,
porém sua opinião evidentemente não pesava nas decisões do filho.
— Vá para a cozinha, mamãe — ele pediu, sem tirar os olhos do visitante.
Carolyn obedeceu, e os dois homens ficaram sozinhos na modesta sala. Magnus
fechou a porta.
— Da última vez em que esteve aqui, você me bateu até meu rosto sangrar. Não sei
por que o deixei entrar.
— Você mereceu a surra, pelo que fez a Anabela. Um brilho de satisfação perpassou o
semblante de Magnus.
— Ao contrário do que possa pensar, Anabela gostou muito. Antes de formular
qualquer resposta, Whitby o esmurrou, mas Magnus não se deslocou do lugar. Levou a
mão ao queixo atingido e mexeu-o de um lado a outro para conferir se não quebrara.
Ele sorriu para Whitby, aparentando prazer em ter provocado tal reação no desafeto. O
soco custou mais ao conde, porque seu movimento súbito lhe roubou o equilíbrio. Teve de
disfarçar a falta de firmeza nas pernas.
Whitby sentou-se em um sofá próximo, enquanto que Magnus ocupou uma poltrona.
Nada havia mudado na residência, nos últimos cinco anos. Móveis gastos, tapetes rotos,
pintura manchada pela fuligem do carvão usado para aquecimento. Mas o pior era a

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impressão de desordem e sujeira geral.
Encarando o primo, o conde disse em tom vigoroso:
— Você imaginou que o condado já era seu, e veio a minha casa para ver Anabela,
depois de me prometer que nunca entraria em contato com ela de novo. Quais são suas
intenções?
— Propor casamento, claro. Quando eu tomar posse da fazenda, a fazendeira estará
incluída, não?
Whitby teve de engolir todo aquele cinismo.
— Espera que eu acredite nisso?
— É a verdade.
— Você seduziu Anabela cinco anos atrás, apenas para me ofender.
— Sim, foi isso. E funcionou. Aliás, ainda está dando certo, o que me alegra muito.
Whitby se ergueu e andou até a lareira. Contemplou por um momento o quadro de um
pescador num bote. A neblina pairava sobre as águas calmas. A pintura transmitia uma
singular serenidade, que inexistia naquele encontro pouco amistoso. Por isso mesmo, o
quadro destoava do ambiente, merecendo melhor destino.
De qualquer modo, Whitby acalmou-se um pouco após avistar a pintura. Ouviu os
passos de Magnus no pavimento de madeira, acercando-se dele para uma nova
provocação.
— Se eu me casar com Anabela, você irá se revirar no túmulo, não?
— Como pode ver, ainda não morri.
— Salvou-se, infelizmente. E, pelo que escutei, é agora um homem casado.
Ele poupou-se de responder.
— Filha de um duque — Magnus emendou. — Dizem que é bonita. Gostaria de
conhecê-la.
Bem, já bastava. Whitby não tinha sangue de barata para agüentar as insinuações do
primo. Tomaria alguma iniciativa destinada a pôr fim à situação. Adiantou-se um passo a
fim de encarar Magnus a centímetros do rosto. O inimigo não recuou, permanecendo
firme e rijo no lugar.
— De fato eu me casei, primo, e esperamos um bebê no berço antes do final do ano.
Logo você se verá afastado da posição de meu herdeiro; portanto, lhe peço, como
cavalheiro, que deixe minha família em paz e concentre suas ambições em qualquer outra
parte do mundo.
Magnus cruzou a sala até o canto oposto.
— Para onde gostaria que eu fosse?
— Para onde quiser. Por anos, você foi afastado da família, tanto financeira como
socialmente. Jamais lhe pedirei desculpas por tal medida, apenas preventiva. Mas agora
prefiro pensar no futuro, em vez do passado. Gostaria de zerar a conta e garantir-lhe um
certo rendimento, o que seria justo, caso seu pai não tivesse causado tanta decepção ao
nosso avô. A condição é apenas uma: saia da Inglaterra.
— Em troca de quanto?
— Cinco mil libras por ano.
— É pouco.
— Dez mil. — Whitby fechou a questão, odiando negociar com aquele homem imoral,
debochado, uma verdadeira serpente venenosa.
Um mês antes, jamais admitiria tal hipótese. Pensou em retirar a proposta e declarar
guerra aberta a Magnus.
Mas não conseguia. Agora, tinha Lily e um possível filho a demandar cuidados, além da
própria saúde. Abominava a idéia de um conflito insolúvel nos bastidores de seu clã. A
guerra contra Magnus já fizera por afastar seu irmão John da Inglaterra.
Queria somente que Magnus desaparecesse.
Marchando pela sala, coçando o queixo de maneira irritante, Magnus comentou,

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
debochado:
— Dez mil? É tentador. Mamãe e eu sempre quisemos conhecer Roma.
De punho cerrado, Whitby fez força para lembrar-se do que costumava repetir para si:
que a segurança de Lily, de Anabela e do futuro herdeiro era a única coisa que realmente
interessava.
— Tentador, eu disse. Mas não é o suficiente.
— Quanto seria o bastante para eu me livrar de você?
— Cinco mil por ano são uma boa cifra, portanto aqui vão minhas condições. Você fica
com os cinco mil e pode conservar o título e a propriedade, porque a lei o autoriza. Mas
eu vou administrar a fazenda, morando na sua mansão, e você sairá da Inglaterra.— Um
sorriso insuportável frisou a petulância dele. — Mais um detalhe: Anabela será minha.
O aposento pareceu girar antes que Whitby concentrasse sua raiva em Magnus. Havia
se disposto a esquecer o passado e dar a Magnus uma fatia do que fora tirado dele e do
pai, anos antes. A ligação financeira com a família seria restabelecida, embora ela tivesse
sido rompida por bons motivos.
Magnus fingira apreciar a proposta do conde e cuspira em sua face.
Estava finda a fase de negociação pacífica. Ou de qualquer negociação. O deboche de
Magnus equivalia a uma declaração de guerra.
O conde respirou fundo e, com duas passadas largas, aproximou-se do primo.
— Vim aqui, hoje, com a intenção de pôr um fim em nossas rusgas, mas entendo que
você não deseja isso. A escolha foi sua. Fique certo de uma coisa: se chegar perto de
minha mulher e meu futuro herdeiro, eu o mato.
— E eu ficaria grato pela oportunidade de matar você em legítima defesa.
Com sabedoria, Whitby compreendeu o que o separava do parente renegado. Ele não
se alegrava com o antagonismo, com a batalha. Magnus, sim.
O conde deixou a casa do desafeto e abrigou-se no interior da carruagem. Assim que a
porta do veículo foi fechada pelo condutor, ele desabou no assento de couro, esgotado e
com a violenta sensação de que sua cabeça girava.
— Leve-me para a mansão — sussurrou ao cocheiro, que de imediato empunhou as
rédeas dos dois cavalos. — E obrigado por evitar que eu caísse na rua.
Lily fizera votos de ingressar na Mansão Century com otimismo e altas esperanças. Em
sua opinião, fora bem-sucedida. Sentia orgulho de si mesma. Na véspera, conhecera o
quarto do casal, gostara dele e prometera que tudo andaria muito bem naquela casa.
Ao vestir-se para o jantar, lembrou-se das palavras de Whitby, assegurando-lhe que
não se arrependia de tê-la desposado. Portanto, nada havia a temer. Os dois viveriam
gloriosamente felizes juntos.
Mas, quando despertou da primeira noite no quarto novo, estranhando a cama e os
cobertores pouco quentes, ficou intrigada com o que teria acontecido ao marido. Ele havia
perdido o jantar, sem explicar a ausência. Tudo o que Lily e Anabela sabiam era que
Whitby partira para Londres para resolver um problema pessoal.
Em conseqüência, Lily não dormiu até as duas da madrugada, decepcionada com a
brusca partida do marido sem justificativa. Justo quando havia boas novas para Whitby:
seu fluxo menstrual completava três dias de atraso, o que nunca ocorrera.
Lily não se deixou levar pela idéia de que o marido fosse à capital com o intuito de
retomar seus entretenimentos noturnos. Ela afastava tal pensamento de imediato, sempre
que ele teimava em rondar-lhe o cérebro.
No final da tarde, sentada na sala à espera de Anabela para acompanhá-la no chá das
cinco, Lily foi à janela em busca de ar fresco e então viu que uma carruagem se apro-
ximava.
Era ele!
Emocionada e apreensiva, levantou a saia longa no braço e correu até o saguão de
entrada, desejosa de recepcionar o marido. Perguntaria onde ele estivera e o que fizera

Projeto Revisoras 71
Caminhos da Sedução Julianne McClean
na rápida viagem.
Não. O conde poderia julgar sufocante essa atitude. Lily simplesmente o enlaçaria pelo
pescoço e o beijaria dezenas de vezes. Claro, depois contaria a suspeita de gravidez.
Seus pés lentos, porém, a deixaram no meio do corredor de entrada quando Clarke
abriu a porta e saudou o conde, que lhe passou o casaco e o chapéu. Os dois
conversaram um pouco, em voz baixa, e Whitby tomou o rumo de seu escritório caseiro
no pavimento superior, mas estacou ao deparar com Lily no caminho. Hesitou antes de
sorrir-lhe.
Ela devolveu o sorriso, sentindo-o forçado. Alguma coisa lhe despertava medo, pois o
marido não parecia bem.
— Venha — ele disse, segurando sua mão.
Lily obedeceu, tentando parecer relaxada. Quando emparelhou com Whitby, ele colheu
seu rosto com as mãos e fitou-a demoradamente. Beijou-a de leve nos lábios.
— Senti sua falta — confessou Lily.
Era verdade, mas também verdadeira foi a sensação de estranheza que experimentou.
Edward não lembrava um autêntico marido. Não era como Lily se sentira enquanto faziam
amor em Wenworth. Naquela oportunidade, ela julgara conhecer tudo o que o parceiro
queria, e não apenas os desejos e necessidades do corpo. Pareciam partilhar a alma,
vivendo momentos maravilhosos. Agora, ao contrário, estavam tropeçando na falta de
assunto.
— Onde esteve? — Lily preencheu o silêncio com uma pergunta típica de cobrança.
Arrependeu-se e pediu desculpas. — Desculpe, não é da minha conta.
— Claro que é. Você é minha mulher, e tem todo o direito de saber. Fui a Londres
porque precisava resolver um assunto... difícil.
— Difícil? O que houve?
— Um antigo escândalo familiar.
— Não gosto disso.
— Não é o que está pensando. Fui falar com meu primo Magnus.
— Para contar-lhe do nosso casamento?
— Sim, e garantir que se mantenha longe de nós.
Lily ignorava que Magnus ainda constituísse uma ameaça. Teve medo.
— Entrou na casa dele? Sozinho?
— De algum modo, ele soube de minha doença, e sem dúvida estava contando com
assumir a propriedade e o título de conde após minha morte. Julguei necessário informar
de que logo, graças a um herdeiro, ele teria de desistir de suas pretensões. Além disso,
eu queria me assegurar de que ele jamais olharia em sua direção.
Lily compreendeu as bases do desassossego, pois sabia o que Magnus havia feito com
o irmão de Whitby, John, e como magoara Anabela. Só não gostava da idéia de ter o
marido ocupando o mesmo espaço daquele canalha.
— Não deve ter sido fácil.
— É verdade. — Uma sombra toldou as feições de Whitby.
— Nunca me perdoei pelo que aconteceu a Anabela, e jurei que jamais deixaria
acontecer de novo.
Nervosa, Lily clareou a garganta antes de prosseguir:
— Bem, Magnus poderá ser obrigado a esquecer suas ambições dentro de pouco
tempo. Eu queria contar-lhe ainda ontem, mas você saiu correndo...
Suspeitando do que iria escutar, Whitby experimentou intensa emoção.
— Está grávida?!
— Há fortes probabilidades. Sempre tive regras muito regulares, e agora elas estão
atrasadas há três dias. Não são boas novas?
Ele guardou um momento antes de responder. Tornou-se pálido, trêmulo.
Lily também experimentou um tremor: o da dúvida. Pensara que um filho era tudo o

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
que o conde desejava, mas agora estava insegura, com o coração batendo num ritmo
incômodo.
— Claro que são boas novas! — Whitby disse por fim, levando os dedos ao rosto da
esposa e atritando o polegar na face corada. — Se você puder ficar na companhia de
Anabela, vou descansar. A viagem e a discussão com Magnus me exauriram. Suponho
que não estou plenamente recuperado; quase caí na calçada por conta de uma forte
tontura.
— Ficarei bem. Vá repousar, e não se preocupe comigo. Mas Whitby deveria
preocupar-se, porque o coração de
Lily lhe pesava no peito. Embora o conde repetisse que não se arrependia do
casamento, Lily tinha de admitir o fato de que não acreditava muito nisso.
Sentia que ali poderia residir uma mentira; e, pior, vinha mentindo para si própria. Suas
desmedidas esperanças e seu amor ardente por Whitby talvez a tivessem tornado cega à
verdade: ele não gostava de ficar perto dela na mesma medida em que ela apreciava a
companhia do marido.
Tomada de ceticismo, Lily avaliou se Whitby de fato quisera ter um filho com ela.
Na poltrona do escritório, Whitby esticou as pernas e fechou os olhos. Experimentara
fortes emoções demais nas últimas horas, para poder dormir. Tudo indicava que Lily
estava grávida, mas ele só conseguia pensar em sua mulher, tão bonita, esticada na
cama com o lençol cobrindo seu belo corpo.
O coração bateu descontrolado. Tudo havia acontecido depressa demais. Ele achara
que iria morrer. Depois, soubera que não. Agora, sentia-se despertar de um sonho — ou
pesadelo — para descobrir que estava casado com Lily e a engravidara.
Entre todas as mulheres do mundo, por que tinha de ser ela?
Por Cristo, ele mal tivera a chance de acostumar-se a essa idéia e aprumar-se na vida!
Abrindo os olhos, que ardiam de sono, o conde focalizou a ampla janela, clareada pelo
sol. Precisava encontrar uma maneira de superar o impasse e viver sua nova realidade.
Tinha de fazer isso por Lily, Anabela e o filho a caminho. Não podia continuar encarando
a vida como ela era antes de cair enfermo, quando nenhum problema ou cuidado o as-
soberbavam.
Edward não era aquele homem. Enfrentava preocupações, e das mais graves. Isso o
assustava além do normal.
No dia seguinte, sob o peso de sua infelicidade, Lily meditou no que fazer para salvar
sua união conjugai. Quase a rotulou de casamento sem amor, no momento em que pas-
seava com Anabela nos jardins da mansão. Mas não era inteiramente correto. Havia
muito amor entre ela e Whitby. Só que todo ele vinha apenas de seu lado.
Seria possível que uma só pessoa levasse adiante uma relação estreita entre duas
pessoas? Tinha dúvidas. Retornou ao quarto já desabotoando o casaco. Sentiu que podia
fazê-lo, pois daria tudo por Whitby. Até mesmo lhe afirmara que não se importava em não
ser amada tanto quanto amava. Agora, haveria de conviver com isso, caso significasse
partilhar a existência com ele.
Naquele momento, Lily percebeu que talvez não suportasse o auto-sacrifício, como
imaginara. Não quando a situação envolvia Whitby e a dependência emocional dela.
Lembrou-se da mãe, Marion, e de como fora frustrante e dolorosa sua relação com ela.
Ainda era. Por toda a sua vida, Lily tinha buscado a conciliação e o afeto materno, mas
sempre fora deixada sozinha com sua sede de amor. Talvez decorresse daí a facilidade
com que se apaixonava.
Não acreditara que passaria outra vez por isso, ao lado de Whitby. Havia ponderado
que, ao casar-se com ele, escaparia de uma existência feita de desamor. Era de cortar o
coração admitir que ele era o mesmo de antes, exatamente o mesmo.
Então, o que poderia fazer?
Tirou o chapéu, que colocou sobre a cama ao lado do casaco. Sentou-se na poltrona,

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
descansou o queixo na mão e imaginou como Sofia agiria em iguais circunstâncias. Lily
sabia que sua cunhada sofrera um bocado nas mãos de James, nos primeiros meses de
seu casamento. James vivia, em menor grau, a mesma vida dissoluta de Whitby. Não
alimentava a intenção de amar Sofia e expusera sua posição com toda a clareza.
Mas Sofia não aceitara as reticências de James. Nunca desistira de perseguir seu
sonho de amor. Com paciência, acabou ganhando o coração do marido, e agora
formavam um casal exemplar, cúmplice em tudo, principalmente nas demonstrações de
afeto.
Por isso, Lily via na cunhada um modelo de mulher. Sendo ela mais jovem e mais
bonita, por que não lograria êxito em converter Whitby à intensidade de sua paixão?
Escreveu a palavra paciência num pedaço de papel, dobrou-o e decidiu usá-lo como
marcador de páginas de livros, de maneira a recordar-se de que havia uma esperança de
felicidade no futuro próximo.
Tinha esperado por Whitby bastante tempo, poderia investir mais algum prazo em sua
realização como esposa. Afinal, tudo ainda era novidade. E eles contavam com a vida
inteira à frente. Seguramente, as horas que passavam juntos fomentariam uma intimidade
mais profunda.
Em conseqüência, Lily empenhou-se, na semana que se seguiu, em demonstrar
contentamento com sua nova vida na Mansão Century. Anabela tornou-se uma amiga
muito querida. As duas conversavam sobre livros e música, e Anabela, que adorava
pintar, passou a ensinar a Lily os princípios dessa arte. Trabalhavam juntas no pátio
externo, com dois cavaletes dispostos lado a lado, e a tentativa de Lily para pintar a
paisagem vista dali tornou-se promissora, embora, na verdade, a cena pintada não
pudesse ser bem definida.
Whitby ficava mais forte a cada dia e, logo que se sentiu capaz de cavalgar, começou a
percorrer sua extensa propriedade, a fim de envolver-se cada vez mais na administração
das terras.
Certa tarde em particular ele conduziu seu cavalo até onde Lily e Anabela pintavam.
Pareceu genuinamente impressionado com o esforço da mulher para se transformar em
artista. Elogiou-a. Sorrindo, ela disse a Whitby que ele deveria tentar o teatro.
No alto da sela, Whitby franziu o cenho e galopou para longe. Basicamente, era assim
que as coisas transcorriam entre eles. Ele, sempre charmoso e galanteador. Ela, sempre
feliz e sorridente. Durante o dia, procuravam divertir um ao outro. À noite, partilhavam na
cama um prazer mútuo e voluptuoso.
Diante disso, seria difícil alguém tomá-los por um casal infeliz. Mas Lily continuava
sonhando com o amor irrestrito do marido, talvez impossível no mundo real.
Nunca conversavam sobre nada de muita importância, além de relatarem suas
atividades separadas durante o dia. Por outro lado, eram ousados ao fazer sexo e
honestos na intenção de se satisfazerem fisicamente. Ao menos por isso, Lily tinha de ser
grata.
Como a gravidez ainda não era evidente, Lily apegou-se à secreta esperança de que a
vinda de um filho uniria o casal em definitivo. Chamou o médico quando a menstruação
falhou mais uma semana. Chocada, descobriu que começava a sofrer de uma inflamação
na garganta.
A confirmação da gravidez de Lily não foi comemorada, pois o médico anunciou um
segundo diagnóstico: pelo visto, ela desenvolvia a mesma doença misteriosa que
acometera Whitby no Castelo Wenworth.
Naquela noite, após a despedida do médico, o conde sentou-se sozinho em seu
escritório. Por uma hora, não se moveu da poltrona junto à lareira. Ficou contemplando as
chamas crepitantes, recordando os dias de Lily como menina. Ele assumira o papel de
protetor da jovenzinha cheia de energia. Ainda se sentia assim, pois ela era agora sua
esposa.

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
Mais tarde, quando o fogo praticamente se extinguiu, Whitby permaneceu de olhos
fixos num toco de lenha que pulsava com um hipnotizante brilho vermelho. Ele ergueu-se
a fim de ver Lily. Estava ficando tarde.
A porta do quarto dela, o conde sentiu-se triste ao bater. Não podia desprezar o fato de
que aquele tinha sido o aposento de sua mãe. Mais do que a expectativa de momentos de
volúpia, que costumava experimentar quando visitava Lily na cama, um terror torturante
lhe invadiu os sentidos. Não pretendia fazer amor com a mulher, naquela noite, apenas
verificar como ela passava. Queria evitar cansá-la.
Lily autorizou a entrada do marido, enquanto se reclinava no leito, contra a cabeceira.
Pelos cabelos despenteados e os lençóis desfeitos, Whitby concluiu que Lily estivera
dormindo. Agora, sorria para ele, disfarçando o fato de que tinha sido perturbada em seu
descanso.
Como anjo ou demônio, o velho instinto protetor do conde pesou-lhe nos ombros e o
condicionou a ser prudente com Lily e consigo mesmo, sobretudo agora que ela estava
grávida e doente.
— Acordei você... — ele se lamentou, ocupando a beirada da cama.
— Não, não. Só estava repousando.
Whitby colheu sua mão e quis saber como ela se sentia.
— Melhor. — Economizou palavras e sentimentos, que seguiam confusos.
Edward entreviu como seriam as semanas seguintes. Pensou na febre, na fadiga e na
luta que a esposa precisaria empreender para curar-se, tal como ele mesmo fizera. Por
certo, valera-se da imensa colaboração dela, ao doar-se de corpo e alma. Conseguiria
retribuir?
— Gostaria que eu mandasse um aviso a sua mãe?
— Não. — A hostilidade era reconhecível na voz de Lily.
— Tem certeza? Seria uma boa oportunidade de...
— Não preciso dela, Whitby. Além disso, duvido que viesse cuidar de mim.
Meneando a cabeça, o conde decidiu deixar por isso mesmo. Talvez Lily tivesse razão
a respeito desse assunto, e não desejava submetê-la a uma nova rejeição por parte de
Marton.
— Como está sua garganta?
— Dolorida. Não tenho vontade de jantar.
— Também foi assim comigo, querida, mas tente se alimentar, por mais que lhe seja
incômodo engolir. Você precisa de toda a sua energia.
— Realmente. — O rosto se iluminou num sorriso, e ela colocou a mão sobre o ventre.
Whitby observou o abdome ainda plano. Julgou-se incapaz de compreender como um
bebê — o filho deles — cresceria naquele espaço limitado. O nascimento do herdeiro,
porém, representava um futuro diferente de tudo o que ele conhecera na vida. Era
assombroso, maravilhoso e aterrador ao mesmo tempo.
— Nós fomos bastante eficientes... — Edward sorriu.
— E eu sabia que seria assim. — Ela ergueu as sobrancelhas de maneira jocosa. —
Somos bons nessas atividades...
Embora gostando de ouvir isso, o conde firmou sua intenção de não fazer amor com
Lily naquela noite. Não obstante, sentiu-se excitado pela lasciva ultimação contida no tom
dela, no brilho provocante do olhar. A camisola desabotoada deixava à mostra a curva
superior dos seios, o que tornou mais difícil a Whitby ater-se à decisão de não ser
egoísta, nem irresponsável.
Ele queria privilegiar o bem-estar de Lily. Mas era escandaloso o fato de não poder
afastar as mãos do corpo da mulher. Desejava-a com toda a força e paixão de um surto
de loucura. Somente serenava quando a possuía, ancorado no porto seguro de sua
intimidade.
Pelo menos naquela noite, Whitby se absteve. Não suportava a idéia de perder Lily,

Projeto Revisoras 75
Caminhos da Sedução Julianne McClean
embora fosse difícil resistir aos sinais de que ela o desejava.
— É importante você descansar o mais que puder, Lily. Agora que descobrimos que a
doença é contagiosa, não devo tocá-la. Deixarei de procurá-la na cama por algum tempo.
— Oh! — A expressão maliciosa nos olhos dela desapareceu, o sorriso matreiro se
transformou em careta.
— Quero apenas ajudá-la a se recuperar. — Era a mais pura verdade.
Lily fixou no conde um olhar decepcionado.
— Whitby, se não pudermos ficar juntos de noite, receio que nós...
Ela baixou a vista. As palavras certas lhe fugiam.
— Você tem se mostrado distante desde que chegamos aqui. Em Wenworth, era
diferente.
Ele engoliu em seco, também sem encontrar resposta. O que iria dizer?
Instintivamente, quis falar que Lily estava sendo tola. Claro que entre os dois tudo andava
muito bem.
Aliás, era assim que pretendia comportar-se na vida conjugai. Faria todo o necessário
para tornar Lily feliz, sentindo-se amada e desejada. Mesmo que tal meta não fosse in-
teiramente real. Ao menos naquele instante, ele se esforçava por ser galante e fazer a
mulher sorrir.
Mas veio-lhe a incompreensível compulsão de revelar-se a ela — talvez dentro do
mesmo objetivo —, assegurando-lhe seu amor e sua busca diária da felicidade.
Tal conduta achava-se fora da experiência normal de Whitby com qualquer mulher,
antes de Lily. Quando finalmente falou, sentiu que o mundo girava em outra direção.
— Pensei que estava morrendo, em Wenworth. Tomar consciência de que iria
sobreviver e que passaríamos juntos o resto de nossos dias tornou as coisas... mais
complicadas. Precisei me ajustar à realidade.
Lily o encarou.
— Você tinha reservas quanto ao nosso casamento — afirmou.
Lily tinha razão, mas ele não confirmou o comentário com gestos ou palavras, porque
sabia que poderia magoá-la. Não obstante, Lily sabia estar certa, como se o próprio
Whitby o tivesse admitido em voz alta. Ela sempre parecia saber ou pressentir o que ia no
íntimo do conde, fato que chegava a ser perturbador. Com isso, o plano dele de passar a
vida tentando convencê-la de que estava feliz representava uma tola perda de tempo.
— Disse-me que não se arrependera de termos casado, mas ainda não fui capaz de
acreditar completamente em você. — Ela esfregou as mãos, ansiosa. — Acredito que em
parte você quer que a vida seja igual à que tinha antes de viajar a Wenworth e cair
doente. Não é isso?
Whitby não reconhecia tal anseio como sendo real. No entanto, fitando os olhos
preocupados de Lily, admitiu que ela estava correta. É verdade que sentira-se frustrado,
mas que não configurava uma vontade de mudança, de retomada da rotina anterior do
casamento. Indiscutivelmente, outra parte de Whitby amava Lily, sobretudo agora que ela
estava enferma.
— Não, não é isso. Nunca vou querer me separar de você.
— Porque, se quisesse, eu lhe concederia a anulação do matrimônio — ela declarou
com repentina firmeza, como se Whitby não tivesse se defendido nem ela carregasse um
filho dele no ventre. — Desejo ser sua mulher mais do que tudo na vida. Sempre quis,
desde criança. Mas não aceito ser um peso para você, e começo a temer que não possa
ficar em sua casa, se verdadeiramente preferir me evitar.
Ele aprisionou-lhe o rosto entre as mãos.
— Quero agradá-la e satisfazê-la, Lily.
O olhar não se suavizou, e Whitby percebeu que Lily vinha enfrentando uma forte
ansiedade, por muitos dias, e podia explodir a qualquer momento.
— Na cama? — ela perguntou. — É prazeroso, porém você nunca conversa sobre

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outras coisas que lhe sejam importantes. Não me conta o que sente, quais problemas o
incomodam. Por exemplo, gostaria de saber sobre sua infância e seus pais.
— Nada disso tem a ver com o nosso casamento.
— Tem tudo a ver. James me falou a respeito das babás que teve.
Ele lhe dirigiu um olhar de alerta capaz de gelar o sangue nas veias. Lily continuou
fitando o marido, com desalento. Após alguns segundos, baixou a cabeça, derrotada.
— Sinto como se os seus sorrisos e galanteios, nestas últimas semanas, tivessem sido
uma farsa. Procurei ser paciente e aceitar a situação, mas agora acho que não posso
mais, ainda mais se eliminarmos nosso único laço intenso: a cama. Sei que não é culpa
sua, minha doença é contagiosa, mas o melhor remédio para mim será a verdade,
Whitby. Cansei de fingir que tudo vai bem em nosso relacionamento.
— De que verdade você fala? Não entendo o que quer de mim. Está pretendendo dizer
que eu preferiria não ter me casado com você? Porque nunca falei isso.
— Mesmo que seja verdadeiro?
Sem resposta, Whitby ergueu-se e caminhou até a janela. Lily recolheu a coberta das
pernas e também levantou-se.
— Nós dois sabemos que você não se casaria comigo se não pensasse que tinha os
dias contados. Eu conhecia esse detalhe, e casei-me com você do mesmo modo, portanto
não há motivo para negar os fatos. Entramos juntos numa nova fase, de olhos abertos.
Mas agora talvez se sinta enganado, por precisar cuidar de mim como sendo seu dever
conjugai, quando o que de fato deseja é tornar-se um homem livre de novo.
Ele notou que seu humor esvaiu-se pela janela.
— De onde vem tudo isso, Lily? Não almejo ser um homem livre!
Nenhuma mulher o instigara tão duramente. O que menos queria era ser pressionado,
depois de ter dado tanto de si. Desistira da liberdade, por Lily. Fizera votos de fidelidade
perante o altar, e colocara a semente de um filho no ventre da esposa.
Não era suficiente?
— A questão — ele afirmou, sem esconder a raiva — é que desposei você, e não
importa como ou por quê. Isso é passado. O que conta agora é que você se tornou minha
mulher e espera um filho meu. Droga! Fiz tudo para deixá-la feliz e ser o marido com o
qual sonhou. Estivemos na cama todas as noites.
Ao focalizá-lo com insistência, Lily exprimiu nos olhos a frustração que também era
dela.
— Aí está. Você fez tudo isso por julgar que eu queria, não porque igualmente
desejasse. Repito: meu maior sonho é que fale comigo e diga o que está sentindo no dia-
a-dia.
Vendo Whitby calado, ela saiu da frente dele, dirigiu o olhar para o chão e completou
em voz suave:
— Entramos juntos em uma situação difícil. Você ficou atrelado a uma mulher que
nunca almejou, e eu à consciência de que fui ingênua, fingindo não enxergar onde pisava.
Todos tentaram me alertar, mas não acreditei em ninguém, somente nos meus próprios
desejos. Quis você a qualquer preço, e agora não estou certa de ter agido bem.
— Não está certa?! — ele esbravejou, inconformado. Lily havia confessado que o
amava. E, ao contrário do que
ela pensava, ele a tinha amado também. Tinha, sim! Amara Lily da única maneira que
sabia. Casara-se com ela. E agora decidira sugerir que estava mudando de idéia?!
Whitby tomou sua raiva como justa. Não pedira por nada daquilo. Não queria magoar
Lily, mas...
— Foi você que veio me procurar com a idéia de concebermos um herdeiro.
— Tem razão, mas você era diferente na ocasião. A maneira como me agarrava, como
me elogiava... Julguei que poderia me amar de fato, porém me apaixonei por um homem
que não mais existe, que morreu quando descobriu que iria viver.

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Deus do céu! Ele não merecia tanto azedume, tanto raciocínio tortuoso.
— Estamos casados há menos de um mês, Lily. Você esperou demais de mim. Não
posso mudar da noite para o dia. Gostaria de poder, mas não consigo.
— É por minha causa? Não sou o tipo de mulher que você acha interessante?
Aquilo se transformava rápido num pesadelo total.
— Claro que a considero interessante. Apenas não compreendo o que deseja de mim.
Estou lhe dando tudo o que posso. Fiz amor com você todas as noites. Dei-lhe o título de
condessa. Tenho sido gentil. Será que não quer demais, Lily? Ela permaneceu aturdida, o
peito subia e descia em respiração apressada. Receosa de sofrer uma crise, largou-se na
poltrona.
— Sim, quero. Sei disso e quero mais, Whitby, porque falta algo. O pior é que ignoro do
que se trata, pois nunca tive isso.
Whitby diligenciou para ocultar sua surpresa. Sabia ser incapaz de fazer Lily
verdadeiramente feliz, intimamente realizada. Ignorava, porém, como mudar os fatos e
amá-la da maneira que ela almejava.
— Durma um pouco. Você precisa descansar. — Ele girou o corpo e rumou até a porta.
— Está saindo? — Sem mais nada a dizer, ela o observou, desiludida.
O conde notou o tom magoado da pergunta, mas algo muito intenso o compelia a
deixar o quarto de Lily. Não conseguia evitar a sensação de que o teto desabava sobre
sua cabeça. Já não sabia o que falar à esposa, nem consertar o que existia de errado.
Simplesmente tinha de partir.
— Não há mais nada a dizer. — A frase valeu por uma despedida, ao menos naquela
noite aziaga.
— Engano seu. Existe um detalhe.
Whitby parou junto à porta, com a mão na maçaneta, e deu atenção a Lily.
— Pelo menos, quando você parecia estar morrendo, não senti que mentia para mim.
Mais uma pausa torturante, e ele a encarou com uma última palavra:
— Lily, você disse, naquela ocasião, que qualquer coisa que eu lhe desse seria o
bastante para alegrá-la. Portanto, parece que não fui o único a mentir.
Decidido, Whitby saiu do quarto privativo da mulher. Pouco avançou, todavia. Após
alguns passos, parou e pousou a mão sobre o peito, alvo de insondável dor.
Pela primeira vez, ao contrário do que pensava Lily, arrependia-se da união conjugai
com ela. Pela primeira vez, queria de volta sua velha vida de solteiro.
Nos dias subseqüentes, Whitby deu uma folga à mulher. Aumentou seu envolvimento
nos assuntos da propriedade rural, descobriu-se obcecado por tomar conta dos negócios
que havia negligenciado por longo tempo.
Passou muitas horas com George Gallagher, seu procurador e braço direito, visitando
os arrendatários de terras, contando os trabalhadores que aravam os campos e final-
mente aprendendo de onde vinham os lucros. Insistiu em conhecer o conteúdo dos livros
contábeis e examinava-os de noite, com todo o cuidado, depois que Gallagher ia embora,
até certificar-se de que tudo fazia sentido e tinha lógica.
Whitby percebeu que sua fixação nos deveres como proprietário rural era um resultado
direto de sua discussão com Lily. Desenvolvera uma repentina consciência das próprias
falhas, de como havia decepcionado aqueles que dependiam dele para viver. Tinha sido
um senhor de terras assustadoramente incompetente. Agora, podia introduzir medidas de
saneamento. Já em matéria de vida conjugai, ignorava como melhorar seu convívio com
Lily. Livros de contabilidade eram mais fáceis de entender.
Após vistoriar algumas mudanças na fazenda e pesar as próprias deficiências, chegou
em casa numa tarde fria, cansado da longa cavalgada através da propriedade. Entregan-
do o cavalo a um serviçal, cruzou o jardim até a entrada dos fundos da Mansão Century.
Esfregou as mãos ainda enluvadas, suspeitando de que a neve de inverno cairia dentro
de uma ou duas semanas. Sentia seu cheiro no ar. Foi quando, ao alcançar a varanda

Projeto Revisoras 78
Caminhos da Sedução Julianne McClean
atrás da casa, deparou com Anabela sozinha ali, abrigada num casaco com capuz.
Permanecia de costas, mas ele pôde adivinhar seu olhar contemplativo.
Whitby tirou o chapéu e aproximou-se da irmã.
— Anabela...
Ela voltou-se com um estranho ar de esperança no rosto, que desapareceu em seguida
ao encontro dos olhares. Baixou o capuz e sorriu.
— Você voltou.
— Sim. — Edward removeu as luvas. — Tive um dia bastante produtivo.
— Fico feliz em ouvir isso. — Anabela deslocou-se até onde estava Whitby e juntos
caminharam, devagar, pela extensão da varanda. — Todos estão impressionados com
seu novo interesse pelas terras. Minha criada contou que você foi o centro da conversa à
mesa de jantar dos serviçais.
— Ah, é assim? — O conde ergueu as sobrancelhas. — Suponho que não estão
habituados a me ver de pé antes do meio-dia.
— Não, e nem eu. — Ela riu. — Estou orgulhosa de você, Whitby, contente por ter
finalmente resolvido dedicar-se a suas responsabilidades.
Um vago sorriso foi seu agradecimento ao elogio. O conde focalizou o longínquo
horizonte, pensativo como sua irmã no momento em que a encontrara.
— Como vai Lily?
— Tão bem quanto se pode esperar. — Anabela encolheu os ombros. — Tem dormido
bastante, mais que o normal. Sabia que ela passa mal todas as manhãs? O médico diz
que é assim mesmo.
Ele fitou a irmã por alguns segundos antes de responder:
— Não, não sabia disso.
— Por que não a procura e conversa com ela? O médico limitou seu contato com Lily
por causa da doença, mas acho que isso não significa que precise evitá-la totalmente.
Você a vê só durante o jantar, e mal se falam porque se colocam nos dois extremos da
mesa.
Whitby inclinou-se sobre a grade de ferro trabalhado, onde pôs as duas mãos.
— Não tenho certeza de que seria uma boa idéia.
— O que quer dizer? Claro que é. Ele mudou a direção do olhar.
— Nossas relações estão estremecidas, no momento.
— Isso porque você não fala com ela. Lily pensa que lamenta o casamento e que não
gosta dela, meu irmão.
— Comentou isso com você?
— Não. Ela é muito leal, Whitby. Nunca diria nada contra você, às suas costas, nem
mesmo para mim. Mas eu a compreendo com clareza. Lily não se casou por posição
social ou dinheiro, mas porque o ama. Portanto, é indispensável assegurar-lhe que não se
arrepende do casamento e que se preocupa com ela.
Suspirando, Whitby soltou todo o seu peso na grade da varanda.
— Garanto, Anabela, que essa tem sido minha intenção, o tempo inteiro. E eu tentei.
Ela estreitou os olhos, surpreendida.
— Então, qual o problema?
— Lily não acredita em mim. Parece que consegue ver dentro de minha alma.
— O quê? — Anabela suspirou em desalento. — Está me dizendo que suas
declarações de amor a Lily são mentirosas? Que você lamenta ter se casado com ela?
— Não. — Tocado, ele baixou a cabeça. — Eu precisava e queria me casar. Ansiava
por um herdeiro, e a doença que tive não me impedia de procriar. Mas gostava muito de
Lily. Nós nos entendíamos bem na... intimidade, se é que me entende. Portanto, não
lamento inteiramente nossa união. Julgo-me feliz por ter sido forçado a isso. Talvez não
me casasse com ninguém, em outras circunstâncias.
— Forçado? Deus do céu, jamais diga isso a Lily! É o tipo de coisa que nenhuma

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mulher gosta de ouvir.
— Concordo. Apesar disso, em nada influiria se eu dissesse ou não. Ela sabe. Esse é o
problema quando você se casa com alguém que conhece desde criança. Suas mentiras
são muito previsíveis.
Anabela foi até o irmão e tocou-lhe o braço com a mão enluvada.
—Whitby, não tem mentido para Lily, certo? Você se preocupa com ela.
— Claro que sim.
— Então, por que a evita? E triste vê-la sozinha quase o tempo todo, grávida e doente.
Se você estiver feliz, ela sentirá isso e ficará bem.
— Onde aprendeu tanto sobre o amor? — desafiou-a o conde.
Anabela ficou muda por instantes, e não foi porque um vento frio atingiu-lhe as pernas.
— Certa vez, fui tola o bastante para me apaixonar. Ainda sinto remorsos. Tive anos
para refletir sobre o episódio e imaginar como minha experiência de amor deveria ter sido.
Whitby rememorou o dia em que soubera da breve ligação entre Anabela e Magnus.
— Acho estranho o uso da palavra amor. Você o odiava. Ela tirou as luvas a fim de
entrelaçar os dedos nos de
Whitby. O gesto lhe trouxe calor e apoio.
— Agora odeio Magnus, depois de conhecer a verdade sobre ele. Mas por algum
tempo, antes de descobrir o patife que ele é, eu o amei muito, e lembro-me de como isso
era bom.
Whitby olhou para a irmã, com melancolia. Anabela girou o corpo para apreciar o
jardim, descansando as mãos no peitoril da grade.
— Ele partiu meu coração, mas você não precisa temer essa mágoa por parte de Lily.
Ela é maravilhosa, completamente devotada a você. Aprecie o que já tem, Whitby. Não
imagina como a sorte o brindou.
O conde pensou bastante antes de retrucar:
— Há muitos tipos diferentes de sorte e de azar, Anabela. Ela estudou o semblante do
irmão, tentando decifrar o sentido da frase.
— Está preocupado com a gestação e o parto?
Como Whitby deu de ombros, Anabela emendou, convicta:
— Ela é forte e saudável.
— Infelizmente, não é.
Com relutância,- Anabela aquiesceu, mas só por um momento, antes de retomar seu
ponto de vista:
— Mas estará bem na hora de dar à luz seu herdeiro.
— Talvez.
— É esse o problema? Porque, se for, você devia contar a Lily. Ela vai compreender
seu distanciamento e creio que também sentirá um grande alívio no coração, sabendo
que você se preocupa de verdade.
— Não posso dizer-lhe isso. Não quero que me veja preocupado, nem que passe nove
meses angustiada com o parto.
— Lily já vem se estressando com o que você não faz, e acredito que a situação tende
a piorar. Confie em mim a respeito disso.
Whitby captou uma expressão sombria na face da irmã. Era o semblante de uma
mulher que tinha vivido intensamente, no passado próximo, mas agora apenas bracejava
por uma existência sem amor e sem graça, rumo ao fim.
Ele recuou da grade, colheu a mão de Anabela e beijou-a, comovido.
— Obrigado por tentar me ajudar. Entendi tudo o que me falou, e pensarei no assunto.
Prometo.
Anabela reagiu com um gesto de cabeça e um sorriso triste.
Não havia prato ou talheres dispostos no lugar de Lily à mesa do jantar. Ela informara
sua criada que estava sem fome e continuaria no quarto, repousando. Whitby viu-se co-

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mendo em silêncio, refletindo sobre o que ouvira de Anabela naquele final de tarde.
Fitando a cadeira vazia da esposa, deu-se conta de que Anabela tinha razão.
Precisava falar com Lily e aplacar os crescentes problemas entre eles. Ademais, sentia
falta dela. Saudoso, decidiu procurá-la no quarto e pedir perdão.
Quando a sobremesa chegou, o conde a recusou e desculpou-se com a irmã por deixá-
la a sós. Anabela não só compreendeu como ficou satisfeita ao vê-lo subir a escada.
Diante do quarto de Lily, Whitby ponderou se ela declinara do jantar por ainda estar
furiosa com ele. Ou será que se sentira fraca demais para erguer-se da cama e desfrutar
da companhia de outras pessoas, ainda que por alguns instantes?
A possibilidade de Lily ter piorado o assustou. Apressou-se em bater na porta, porém
não recebeu resposta. Tentou uma segunda vez, sem êxito. Então, empurrou a folha de
madeira e entrou.
O quarto se mostrou tranqüilo, iluminado apenas por um lampião. Lily estava sozinha,
adormecida, com o corpo virado para a janela. Whitby deu passos lentos e suaves para
não acordá-la. Ao alcançar o pé do leito, deparou com um rosto pálido e cabelos úmidos
grudados na testa.
Dirigiu-se ao lado da cama e a sacudiu.
— Lily...
Como ela não se moveu, ele tocou-lhe a face, a fim de sentir-lhe a temperatura. O calor
da pele molhada o fez recuar, assustado.
— Lily... — repetiu, sacudindo-a com mais vigor, e ainda assim não houve reação.
Edward disparou quarto afora, venceu o corredor e os degraus até a ala da criadagem.
Chamou Clarke, que na sala de estar escrevia uma carta.
— Precisamos de um médico! — Whitby quase gritou. — Mande um mensageiro no
cavalo mais rápido. Diga-lhe para trazer antitérmicos. Lady Whitby está com febre alta.
Clarke se pôs de pé de imediato, a fim de cumprir as instruções do conde, enquanto ele
saía em busca de Anabela. Por sorte, ela permanecia na sala de jantar, saboreando a
sobremesa. Girou na cadeira e ergueu-se depressa, diante da comoção de Whitby.
— Venha rápido — ele pediu. — É Lily. Suspendendo a saia, ela correu atrás do irmão,
escada acima.
O relógio parecia não andar. Todos esperavam pela chegada do Dr. Benjamin, que era
quem atendia a família. Aguardavam o médico nos aposentos de Lily, onde Anabela se
ocupava em aplicar compressas frias na testa da cunhada e, depois, trocar-lhe a roupa
encharcada para que recebesse o doutor com certa compostura.
Por fim, a carruagem do Dr. Benjamin chegou, escoltada pelo rapaz a cavalo que
Clarke encarregara de trazê-lo. Impaciente, Whitby erguia-se da cadeira e ia à janela, ver
se o médico aparecia.
— Finalmente!
Whitby foi recebê-lo, e sem demora o conduziu ao pavimento superior, onde Lily jazia
inerte.
Ele lembrou-se de quando naquela mesma cama sua mãe falecera, vinte e seis anos
antes. Whitby contava apenas sete anos e ganhara um irmão de sangue. Havia
testemunhado toda a agonia dela.
O doutor deu início ao exame da paciente. O diagnóstico de Lily tardou, mas veio sem
surpresa: a doença estava avançando e nada podia ser feito, exceto rezar para que ela
reagisse e a enfermidade não fosse mais grave que a de Whitby.
— E quanto ao bebê? — perguntou o conde, aflito.
— Ela é jovem e forte, milorde. — O Dr. Benjamin, devolvendo os instrumentos à
maleta. — Não vejo motivo para que sua esposa e o bebê não ganhem bastante saúde.
Mas o médico estava apenas conjeturando. Whitby percebeu isso no tom de voz do
profissional. Ignorava tudo sobre sua doença e respectiva evolução. Desconhecia como
ou por que havia se curado. Ficara tão confuso quanto o próprio médico.

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No entanto, Whitby perdoou o Dr. Benjamin pela resposta, ciente de que não existia
outra. Talvez ele usasse aquelas palavras com todos os que possuíam entes queridos
acamados, enfermos ou agonizantes.
Mas o conde não nutria o mesmo otimismo esperançoso de pessoas comuns. Já
sofrera perdas demais para acreditar que tudo terminaria bem.
O médico acercou-se dele e o tocou no ombro.
— Recomendo que vá para o seu quarto, esta noite. O senhor precisa descansar.
Considere ainda, milorde, que a enfermidade de sua senhora é contagiosa.
Whitby havia considerado. De fato, pensara muito no assunto. Ninguém, exceto Lily,
pegara dele a doença, embora outras pessoas tivessem estado em contato com o conde
no Castelo Wenworth. Por isso, suspeitava de que o problema não passava de um a outro
por mero convívio social.
Antes de despedir-se, o médico deixou instruções para que Lily continuasse recebendo
compressas frias e trocando as roupas úmidas por outras, secas, periodicamente.
Whitby o acompanhou até a porta, quando ele avisou que voltaria pela manhã.
Retornou ao quarto de Lily e disse a Anabela que passaria a noite ali, em claro. Insistiu
com a irmã para que fosse dormir em seus aposentos, substituindo-o pela manhã na
vigília a Lily.
Ele era genuinamente sincero ao desejar que Anabela não se cansasse além da conta,
mas a verdadeira base de seu pedido residia no fato de que queria ficar sozinho com Lily,
como a pessoa mais adequada para cuidar da esposa.
Em questão de minutos, Anabela retirou-se, e o conde sentou-se na beira da cama. O
relógio badalava a cada hora exata, e numa delas ele se ergueu para trocar o pano úmido
na testa de Lily e atiçar o fogo da lareira.
Passou a noite sentado na poltrona, mas perto o bastante do leito para avaliar a febre
da mulher ou definir o melhor momento de trocá-la.
Rezou como não fazia havia tempos, apertando a cabeça entre as mãos. Pediu a Deus
que olhasse por Lily e a ajudasse a se curar. Também suplicou o perdão divino a seus
pecados. Fez promessas de diversos tipos e tamanhos.
Foi inevitável, contemplando a parede em frente, recordar as mágoas de sua infância.
Lembrou-se da parteira enxugando o sangue do piso quando ele fora levado a ver a mãe
em seu leito de morte. Reviu na mente a fila de carruagens que seguira o féretro até o
cemitério, onde a família possuía um jazigo perpétuo. Idêntico cortejo se formara no
enterro do pai e, pouco tempo depois, no do irmão, John.
Estranho, porém não incomum. Nessas ocasiões, enquanto outros choravam, Whitby
fora incapaz de verter uma só lágrima. Achava-se atordoado demais para sentir o que
quer que fosse. Ainda se portava assim na maior parte do tempo, embora experimentasse
mais do que uma simples sensação naquela noite: o perturbador, chocante sentimento de
medo, o familiar temor de um golpe de tristeza em perspectiva.
Desejava não sofrer a mesma coisa outra vez. Em algum escaninho da consciência, o
conde só queria recuar ou fugir, bater em retirada.
Quando a madrugada chegou, banhando de luz natural o quarto sombrio, Whitby
alcançou a mão de Lily. Exausto física e mentalmente, inclinou a cabeça na intenção de
beijar-lhe os dedos. Mas resistiu.
Bem naquele momento, ele testemunhou o milagre do corpo dela esticando-se na
cama e ouviu o doce murmúrio da voz. Ergueu-se depressa a fim de ficar mais visível à
paciente.
— Estou aqui, querida.
Os olhos de Lily se abriram e focalizaram o marido.
— Estive doente?
Whitby sorriu e tornou a segurar-lhe a mão.
— Sim, esteve. Mas agora já está melhor. Em breve, o médico virá examiná-la de novo.

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Ela olhou em torno de si e tentou sentar-se contra a cabeceira. Whitby a ajudou,
colocando travesseiros às costas.
— Tenho sede — Lily declarou.
O conde encheu um copo com a água disponível na jarra sobre a mesinha. Auxiliou-a a
empunhar o copo e beber alguns goles. A ação tão simples a cansou, pois fechou os
olhos e apoiou-se no encosto. Whitby tirou a temperatura de Lily. Ela não estava tão
quente. A febre baixara.
Anabela entrou, pedindo notícias, mas Whitby não conseguiu exprimir-se. Somente
engoliu em seco, experimentando um nó na garganta. Dessa maneira, ganhava tempo
para ordenar seus pensamentos e traduzi-los em palavras.
— Estou bem — Lily antecipou-se na resposta a Anabela. Depois, virou-se para o lado
oposto, saindo do campo de visão do marido e da cunhada. — Acho que só preciso
descansar mais um pouco...
Anabela posicionou-se para tocar a testa de Lily. Arregalou os olhos em
contentamento, na direção de Whitby.
— Ela está muito melhor — confirmou.
— Sim, é verdade. Se você puder ficar um pouco com Lily, verei se consigo dormir por
algumas horas.
— Deve fazer isso, Whitby. Parece bastante cansado. Ele não duvidava de que sua
aparência estivesse terrível.
Afinal, passara a noite em claro, após um dia estafante. Agradeceu à irmã por vir
rendê-lo tão cedo, garantiu a Lily que voltaria mais tarde para vê-la e fechou-se no próprio
quarto.
Então, chorou copiosamente.

Capítulo VIII

Três meses depois

Lily instalou-se junto à janela da sala de visitas, com uma xícara e um pires na mão.
Mais ausente do que curiosa, observou a manhã nublada. Não havia cor na floresta
distante, apenas o cinzento das árvores dormentes e a fina camada de neve no solo. O
inverno finalmente descera sobre elas.
Tomou um gole de chá e focalizou as nuvens baixas que cobriam a região, anunciando
uma precipitação de neve ainda naquela tarde. Com a mão pousada no ventre crescido,
imaginou quando sentiria o bebê mexer-se ou chutar. Logo, se sua vontade fosse
atendida. Ao menos, os enjôos matinais haviam dado uma trégua, aos quatro meses de
gravidez.
Recuperara-se por completo de sua misteriosa moléstia. Recobrara o apetite; apenas
ainda acusava um certo cansaço. O médico assegurara-lhe que a fadiga era parte normal
da gestação, e assim Lily não se preocupou mais com o sono que a envolvia após o
almoço, forçando-a a longos cochilos.
Embora sua vida estivesse longe de ser perfeita, adaptara-se à rotina da casa durante
a convalescença, e sentia-se agora mais serena e confortável. Escrevia cartas com fre-
qüência a Sofia e James, sempre omitindo sua infelicidade.
Talvez por orgulho. Lembrava-se bem da dura disputa com o irmão e a mãe a fim de
impor sua vontade e casar-se com Whitby.
Também recebia bastante correspondência, nenhuma proveniente da mãe. Marion era
o tipo de mulher que jamais se dobrava ou baixava a cabeça. Lily tentara conduzir-se
como se isso não lhe importasse. Mas importava, porque ela odiava aquele estado de
animosidade com a mãe, a silenciosa e sutil punição que Marion lhe aplicava. Se esta

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cedesse apenas um pouco, Lily achava-se disposta a ceder também.
No entanto, sabia que a mãe era teimosa, e a reconciliação nunca ocorreria, nem após
o nascimento de mais um neto. Lily afastou aquela esperança para o mais longe possível
de suas cogitações.
Com Anabela, graças aos céus, era diferente. A cunhada se tornara inestimável como
amiga, chamando a si os deveres de Lily enquanto estava doente e, mesmo depois,
cuidando da casa de modo a não sobrecarregar a gestante. Lily passou a depender de
Anabela, mas uma gostava da companhia da outra, sobretudo quando discutiam os
detalhes do cardápio para o jantar ou devoravam juntas os capítulos de um romance
escandaloso.
Whitby havia tratado de ver Lily com regularidade, todas as tardes, durante a demorada
recuperação. Lia para ela ou jogava cartas. A rotina entre ambos tornou-se tranqüila.
Nunca falavam de suas velhas diferenças. Por respeito ou necessidade de poupar a
esposa, Whitby cessou de levantar problemas que aparentemente não tinham solução.
Ela percebeu que o marido não queria importuná-la e, para ser franca, não desejava ser
aborrecida.
Cansara-se de discutir por tudo o que era fugidio em sua vida, e começara a acreditar
que encontraria a felicidade se aceitasse os fatos como eles eram. Libertou-se de sua
teimosia e, talvez, do ambicioso desejo por algo mais — algo que não compreendia,
porque jamais o possuíra.
E a vida já não era tão frustrante.
Como resultado prático, Lily adotou com facilidade uma rotina agradável, dentro da
qual passava a maior parte do tempo esperando. Esperando o bebê ficar pronto para
nascer, esperando a chegada da primavera após o inverno, esperando o fim da
embaraçosa distância entre ela e o marido. A situação era constrangedora, sim, pois o
casal não mais fizera amor desde que Lily caíra doente.
Mesmo depois de ela reaver as forças, Whitby não reclamara seu lugar de direito, ao
lado dela na cama. Converteram-se em meros amigos, vendo-se somente na sala,
durante o jantar ou nos finais de tarde, quando ele manipulava documentos, e Lily e Sofia
liam um livro juntas no sofá ou se revezavam ao piano.
Ultimamente, porém, e a contragosto de Lily, seu corpo vinha manifestando as marcas
indeléveis dos prazeres partilhados com Whitby. Do nada, surgiam-lhe lembranças fortes
das primeiras noites de casada e mesmo das anteriores. Lily sentia-se faminta do ato
físico do sexo, e ponderou se a gravidez seria a causa de tal excitação.
Naquele dia, ela estava especialmente motivada.
Respirou fundo, imaginando onde o marido estaria. Em geral, ele saía com Gallagher
durante as manhãs ou permanecia em seu escritório em casa, estudando números e
papéis relativos à propriedade. Como o dia era frio, talvez Whitby estivesse mesmo em
casa.
Ela levou a xícara aos lábios e constatou que o chá havia esfriado. Recolocou-a no
pires, com um tinido, e colocou tudo na mesa. Sentindo-se muito ansiosa, deixou a sala e
foi ao estúdio de Whitby, batendo com firmeza na porta até ouvir, do outro lado, a ordem
de entrar.
Ao abrir a porta, Lily deparou com o marido sentado à escrivaninha, cabisbaixo,
escrevendo algo. Ele levantou um dedo para pedir que ela esperasse, mas só olhou
quando terminou de escrever.
No encontro dos olhares, Whitby ficou surpreso ao vê-la ali. Para Lily não foi um grande
choque, todavia, pois ela se proibira de procurá-lo desde aquela horrível noite em que
haviam discutido pesadamente. Seu orgulho a fizera aguardar que o conde viesse a seu
encontro.
Naquele dia, porém, acontecera de Lily não poder mais esperar. Seus instintos
vibravam, seu corpo pedia pelo dele, e nada mais parecia importar: nem o orgulho, nem a

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solidão.
Fechando a porta atrás de si, Lily apenas olhou para Whitby. Ele a fitou por um
instante, depois largou a pena de escrever sobre o tampo. Afastou a cadeira e ergueu-se,
enquanto que Lily mantinha-se apoiada à parede. Talvez se tratasse de uma atitude
defensiva. Ela não disse nem pediu nada.
Conforme Whitby se acercava, seus olhos cintilaram graças a uma clara certeza sobre
o que ela viera fazer ali. Como soubera? Estampado no rosto marcante, a confiança
absoluta de que poderia satisfazê-la, pelo menos naquele tipo de pedido.
Ele aproximou-se devagar, sem emitir som algum, impondo sua presença sensual. Lily
o esperou, parada e quieta, disponível e desfrutável. Prevaleceu a calorosa intensidade
dos olhares, a sutil, mas sólida conexão entre os dois corpos. Ela prendeu a respiração,
em seu peito o coração bateu com força. Sem tirar os olhos dela, Whitby trancou a porta e
então posicionou-se diante da esposa.
— Bom dia — disse, em tom rouco.
Ah, era aquilo que Lily almejava: restabelecer um elo com tudo o que haviam partilhado
antes, o prazer de deduzir que ele ainda a desejava como fêmea. Um exame visual sóbrio
a devassou, e ela sentiu como se o marido não a tivesse visto nem uma só vez nos
últimos três meses, o que era falso.
Lily experimentou a urgência de perguntar por que ele não viera até seu quarto para
fazerem amor. Resistiu, porém. Estava predisposta ao sexo, não à conversas ou discus-
sões e podia ver nos olhos de Whitby que ele queria o mesmo.
Fazendo pender a cabeça, ela deslizou ao longo da parede. Ele fingiu deixá-la escapar,
então a segurou pelos braços, prendendo-a contra si. Ele manteve o ar sóbrio quando
deslizou os lábios pela a pele alva da nuca de Lily, para depois cobri-la com beijos
molhados.
Ela sentiu-lhe o hálito e o perfume másculo e deixou-se percorrer pelas carícias
insinuantes.
Como que ansiando por provar-lhe a força de seu desejo, Whitby pressionou-lhe os
quadris com seu membro intumescido. Seu rosto tornou-se afogueado em reação a esse
jogo sensual.
— Ah, Lily! Como tive saudade!
Aquele terno sentimento, confessado tão sincera e suavemente, soou aos ouvidos de
Lily como um coro de anjos.
— Teve mesmo?
Ele confirmou, meneando a cabeça, e tocou com os lábios a lateral da nuca.
— Sim. Os últimos meses foram para mim um verdadeiro inferno.
Só podia ser um sonho. Whitby admitira e afirmara que tinha sentido saudade!
— Também senti sua falta. Mas quero que saiba que lamento muito.
— Pelo quê? — Whitby pareceu um tanto perplexo.
— Pelo que lhe disse antes de eu ficar doente. Lembra? Afirmei que gostava mais de
você quando corria o risco de perder a vida.
Ele a fez girar e a beijou novamente, provando-lhe que o forte sentimento que os unia
era maior do que qualquer acontecimento passado.
— Do mesmo modo eu lamento, Lily. E estou contente que esteja melhor.
— Vou tentar não adoecer de novo, sobretudo por causa da gravidez.
— Fazer amor não é perigoso para o bebê?
— Claro que não. Faz tempo que a medicina liberou as gestantes para a prática de
sexo, até uma semana antes do parto.
Whitby sorriu, malicioso.
— Essa, sim, é uma grande notícia.
— Chega de conversa, Whitby.
— Seu desejo é uma ordem, senhora...

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
Em curtíssimo prazo, Lily e Whitby reacenderam a paixão sensual que os unia, e tudo
correu debaixo dos lençóis da cama dela. Lily não se conformava com o costume de
marido e mulher terem quartos separados. Com o tempo, lutaria por uma reforma na
mansão, exigindo um dormitório único para o casal.
O problema maior consistia na idéia fixa de Whitby quanto aos riscos do parto. Sempre
que Lily tocava no tema, o conde dizia que preferia não discuti-lo, assim como evitava
falar da perda de sua mãe.
Nessas ocasiões, ele mudava de conversa, como se houvesse algo muito mais
interessante a debater com a esposa. Ou então, mesmo calado, expressava seu
aborrecimento.
Em conseqüência, Lily cessou de mencionar o bebê que gestava e o futuro
nascimento, porque não queria perder Whitby de novo. Outro resultado daquela
desconfortável tentativa de diálogo foi que Lily percebeu o fato de ainda não ser a
companheira incondicional do marido, pois ele continuava fechado em algum ponto
distante e inatingível.
Muitas vezes, Lily sentiu-se triste por Whitby, ao pensar que o conde nunca desfrutara
um grande amor na vida. Casara-se para gerar um herdeiro.
Também a incomodou a idéia de que, se não era o grande amor de Whitby, então outra
mulher, em algum outro lugar, devia ser. Talvez ele tivesse alguém com quem conversar
com franqueza e abrir o coração a respeito de detalhes que lhe causavam infelicidade.
Talvez ainda não, mas era provável que encontrasse essa companheira ideal e quisesse
estar com ela. Lily teria de calar-se e recuar até sua pouca significância, tal como faziam
as demais esposas quando descobriam que os maridos tinham amantes.
Mas não tinha certeza de que conseguiria distanciar-se dessa situação, que teria sobre
ela um efeito devastador.
A despeito de tudo, Lily amava Whitby profundamente. Era o único, nunca haveria
outro. Restava-lhe agarrar-se ao sonho de que, após o nascimento do herdeiro e ao
constatar que um parto nem sempre era trágico, como fora o de John, Edward parasse de
se preocupar e se permitisse amá-la.
Estava sentada em seu quarto, ponderando sobre tudo isso, enquanto fechava uma
carta para Sofia e James. Uma batida na porta anunciou a entrada de Whitby. Ele chegou,
vestindo camisa branca e um colete de lã cor de chocolate, tão elegante que Lily ficou
sem fala, admirando a aparência marcante do marido.
O conde sorriu-lhe misteriosamente, trancou a porta e acercou-se da esposa,
descansando um dos ombros na sólida cabeceira da cama.
— Ocupada?
Retribuindo o sorriso, Lily colocou a carta numa bandeja de prata, para ser enviada
pelo criado. Ergueu-se da cadeira e, já próxima do marido, começou a desabotoar-lhe o
colete, com a intenção de chegar à camisa e, em seguida, o tórax musculoso que tanto a
excitava.
— Estamos no meio do dia, Whitby. Ainda tem trabalho a fazer?
— Na verdade, existe um certo número de coisas que preciso averiguar... para você. —
Sem aviso, ele puxou a mulher pela nuca e deu-lhe um longo beijo, estimulante como
poucos até então.
Quando a soltou, ela sentiu-se maravilhosamente zonza, e uma onda quente lhe
invadiu o corpo. Os olhos permaneceram fechados, o rosto, erguido para alcançar-lhe a
boca sedutora. Tentou descerrar as pálpebras pesadas.
— Você é bem-vindo para fazer o que quiser comigo esta tarde, desde que prometa
calçar meus sapatos depois. Não agüento mais meus pés inchados.
O conde fez um muxoxo e passou a abrir os botões do corpete. Trouxe-a até a cama,
onde a deitou de costas.
— Logo não será mais possível escalar sua barriga, Lily.

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— Existem outras maneiras, como sabe...
— Vamos ver se é difícil.
Ele introduziu a mão quente sob a camisa de baixo de Lily e ao longo do ventre
crescido. Esmerou-se em toques leves como uma pena, empenhado em não machucá-la.
Beijou-a de novo, dessa vez dando espaço ao encontro das línguas.
— Temos várias opções que podemos ensaiar — disse ao recuar um pouco.
— Você é bom nisso — ela sussurrou, enquanto se arrepiava com uma trilha de beijos
no pescoço.
— Só nisso? Vou lhe mostrar.
Mais tarde, com os sentidos saciados e os corpos agradavelmente drenados de sua
energia, ambos permaneceram abraçados sobre a cama, entrelaçando ora as pernas, ora
os braços ou as mãos.
— Acho que vou deixá-la terminar as cartas — ele disse por fim, beijando a testa da
esposa.
— Não, não vá embora ainda. Aliás, já terminei de escrever uma longa carta a Sofia e
James, contando sobre o novo quadro a óleo que estou pintando com Anabela.
— Mandou alguma mensagem para sua mãe? — ele indagou após um silêncio de
segundos.
—Não. Mas ela também não me enviou uma linha sequer.
— Não acha que devia escrever, agora que o bebê está chegando?
Ela repousou a cabeça naqueles ombros largos como se pedisse apoio, contemplando-
o no fundo dos olhos.
— Já não importa, Whitby. Comecei uma vida nova e não preciso da aprovação de
mamãe. Entendi que ela nunca mereceu o meu aval. Sem mágoa, não sinto nada por
Marion.
Era a mais absoluta verdade.
— Só não sei por que me sinto assim. Nunca pensei em me afastar tanto de minha
mãe.
Whitby acariciou-lhe os cabelos, demorando-se em desembaraçar fio a fio, revoltos por
obra do ato de amor.
— Você agora está mais forte. Desafiou sua mãe e sobreviveu. Tudo deu certo. Ao
menos espero que sim.
Lily entendeu que o conde buscava alguma reação sua. Talvez saber que as palavras
trocadas na noite em que discutiram não faziam sentido. Talvez ter certeza de que Lily era
feliz com ele.
— Sim, está tudo bem — ela afirmou, guardando uma dose de reserva.
Aquele momento tornou-se o melhor dentro de seu estranho casamento. Whitby, enfim,
falara com ela sobre algo importante. Importante e pessoal. Não ousaria estragar o
primeiro encontro de duas almas.
Com o filho Lian em seu colo, Sofia entrou na sala principal do Castelo Wenworth.
Sentada à frente de James, perto da lareira aquecida apenas por brasas, Marion levantou
a vista do bordado que elaborava.
Sofia colocou Lian no chão, que correu até a janela, subindo numa cadeira estofada
para observar o lado de fora.
— Está nevando, mamãe! — empolgou-se, a tocar com seu dedo roliço a vidraça
enevoada.
— Vejam só! — Sofia olhou para o menino com um sorriso radiante. — Você tem
razão, Lian.
A seguir, ela voltou-se para James e entregou-lhe uma carta.
— É de Lily — explicou, centrando-se na reação de Marion. — Diz que está tudo bem,
que ela e a cunhada vêm pintando cada vez melhor e começaram um novo quadro a óleo.
— Ah, minha irmã artista! — exclamou James, sorridente ao aceitar a missiva e

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principiar a ler.
Marion sentiu o olhar de Sofia sobre si. Sabia que a nora esperava dela um pedido
para ler a carta também, mas jamais faria isso.
Imaginou se Lily ainda sofria de enjôos matinais. Marion lembrava-se bem de como
era. Enfrentara ânsias fortes durante a gravidez de James.
Retomou o bordado com total atenção, mas levou um susto com um forte barulho que
fez seu coração quase saltar do peito.
— Lian! — gritou Sofia, correndo pela sala junto com James, antes que Marion
chegasse a compreender o que tinha ocorrido: o garotinho subira pelo espaldar da
cadeira, que com o peso foi ao chão.
Marion ergueu-se de sua poltrona, largando o bordado e o material de trabalho no piso
de madeira. Sentiu-se pregada ao chão, incapaz de qualquer movimento, paralisada por
uma lembrança apavorante: James fazendo a mesma coisa, naquela mesma sala,
quando não era muito mais velho do que Lian. Seus primeiros dentes haviam pulado para
fora da boca ensangüentada.
Ela recordava-se bem da cena, como se acontecesse de novo naquele instante. Reviu
o marido escutando o ruído da queda e cruzando a sala a fim de levantar James do chão
e fazê-lo equilibrar-se nos seus pequenos pés. Assim que percebeu o sangue, o pai deu
uma bofetada no rosto do menino.
Marion respirou fundo, sentindo dor ao respirar fundo. Acompanhou com os olhos a
ação de James ao pegar o filho e erguê-lo nos próprios pés. Engoliu em seco, com
ansiedade, o corpo retesado de pânico. Lian chorava e gritava. Receberia do pai uma
punição proporcional à travessura?
— Você está bem? — James afagou a cabeça do filho, em vez de bater nele.
— Eu caí... — gemeu Lian, agora abraçado fortemente pelo pai.
Marion ficou trêmula. Aliviada, porém enojada graças ao súbito desfile de lembranças
que lhe atravessou a memória. Rememorou muitos momentos como aquele, quando o
marido se mostrara cruel com ela e os filhos.
Havia se casado com o primeiro duque de Wenworth porque seus pais a obrigaram. E
agora, onde estavam os pais, tão tirânicos quanto o marido que escolheram para a filha?
Já tinham morrido, mas Marion não conservava nenhuma boa lembrança deles. Nunca
fora abraçada do modo como James enlaçava Lian, logo amparado por Sofia. Qual a im-
portância, naquele instante, do dever maternal que supostamente ela deveria ter?
Sofia, por exemplo, não se preocupara em recolocar a cadeira em pé e arrumar os
estragos feitos ao redor. Só tinha olhos e mãos e carinhos para o filho acidentado.
Pousando a mão no peito, pela primeira vez na vida Marion pensou alto:
Cometi um erro, cometi um terrível engano!
O choque provocado por tal aceitação manteve Marion imóvel, fitando vagamente o
assoalho. Então seu olhar subiu, e ela notou que a carta de Lily havia ficado esquecida
numa cadeira próxima. Uma carta da filha rebelde e corajosa, que desejava apenas ser
feliz com o homem que acreditava amar, a despeito de todas as falhas de caráter apon-
tadas nele.
Um profundo pesar assolou Marion, quando lentamente inclinou-se para apanhar a
missiva.
Foi surpreendente para Lily constatar que, ao contrário do que havia sentido no
começo de seu casamento — quando pensava não conseguir viver sem a devoção total
de Whitby —, estava feliz nos meses anteriores ao parto.
Decidira focar o lado mais luminoso da vida. Embora o marido continuasse avesso a
falar dos próprios sentimentos, ele tratava Lily com gentileza, generosidade e respeito.
Nunca pronunciava uma palavra que pudesse magoá-la, ou criticava seu empenho dela
na arrumação da casa.
Elogiava a aparência da esposa, ria de seus comentários engraçados, seguia sendo

Projeto Revisoras 88
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um amante magnífico e incansável. Subia à cama de Lily sempre que ela desejasse, sem
precisar pedir. Whitby possuía especial habilidade para reconhecer quando a mulher
estava sexualmente excitada, mas também era sensível aos momentos em que ela não
queria fazer amor.
Por via de conseqüência, o casal aprendera a aceitar cada dia tal como ele vinha.
Passavam pouco tempo juntos, pois o conde se convertera num dedicado proprietário de
terras e bom administrador, planejando pequenos ou grandes melhoramentos na fazenda.
Com isso, ganhara o respeito dos arrendatários, dos trabalhadores rurais e mesmo da
criadagem. Lily estava orgulhosa do marido.
Por tudo e em tudo, era uma vida confortável, serena. Prevalecia o entendimento e a
polidez entre Lily e Whitby, e, embora a relação não fosse perfeita, era muito melhor do
que Marion previra para aquela união. Lily se esforçava no sentido de não se esquecer
disso.
Anabela também vivia seus dias mais felizes. Ela e Lily continuavam pintando quadros
juntas. Lily sabia que não tinha nem nunca teria o talento natural da cunhada, e não
obstante tornara-se uma artista competente, tendo elaborado algumas paisagens e
naturezas-mortas de fino acabamento.
Lily ainda convenceu Anabela a levar em conta as atenções que lhe eram prestadas
pelo Sr. Macintosh, um cavalheiro simpático, residente num pequeno solar do outro lado
do vilarejo. Maduro, com filhos crescidos, tinha perdido a mulher, por doença, alguns anos
antes. Estava bem financeiramente e era tido por homem íntegro e respeitado por todos
os que o conheciam. Faltava-lhe beleza, mas possuía certo apelo viril e atraentes olhos
azuis.
Anabela gostava de Macintosh e desmanchava-se lisonjeada pelas gentilezas que
recebia. Parecia disposta a acreditar na viabilidade de um futuro em comum com o viúvo,
o que influía positivamente em seu ânimo no dia-a-dia.
E assim chegou a primavera, trazendo chuva, cores e fragrâncias novas nas flores que
se multiplicavam por toda a parte. Lily já beirava o final da gestação e do conseqüente
confinamento.
Poucas semanas antes da data prevista para o parto, Lily tratou de arrumar o berçário
da mansão. Era um quarto amplo, no qual Whitby tinha vivido seus primeiros anos, mas
os tapetes e cortinas datavam daquela época e nem haviam sido limpos adequadamente.
Comandando um batalhão de criadas, ela começou a reforma com obsessiva e
inexplicável determinação. Quando tinha uma idéia para decorar o quarto do bebê, queria
colocá-la em prática imediatamente.
Whitby pareceu divertir-se com o novo passatempo da esposa, porém afligiu-se com o
esforço físico dela e alertou-a de que, segundo o médico, deveria evitar excessos. Na ver-
dade, tal comportamento era considerado normal em mulheres na fase final da gestação.
Numa tarde ensolarada de maio, Lily sentiu-se desesperada para sair de casa e
procurar, nas lojas do vilarejo, alguns tecidos na forma de amostras, a fim de costurá-los e
cobrir o novo berço, confeccionado em madeira nobre por um dos melhores artesãos da
Inglaterra.
Ela e sua criada, Aline, foram de carruagem fechada até o povoado, quase em
segredo, ao encontro de madame Dubois, a costureira e modista local, que havia
separado um bom número de amostras para Lily examinar.
Escolhidos os panos, ela saiu pela porta dos fundos da loja a fim de voltar à
carruagem, quando ouviu alguém chamá-la pelo nome.
— Lady Whitby...
Voltou-se após parar, e viu um homem apoiado na parede externa do estabelecimento.
Ele a mediu da cabeça aos pés, detendo-se no ventre estufado, e depois ensaiou alguns
passos em sua direção.
Lily fez uma breve pausa, incerta quanto a responder ao chamado ou autorizar o

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homem a falar com ela, porque estava segura de que não o conhecia. Nesse caso, seria
impróprio que ele a abordasse de maneira tão informal, sobretudo em sua condição de
grávida. Mais impróprio ainda seria aceder à tentativa de aproximação. Ela não tinha
certeza das intenções do desconhecido. Precisava de um momento para julgar o caráter
dele e decidir.
Primeiro, Lily esquadrinhou o rosto, no qual se salientavam os cabelos muito negros e
os olhos castanho-escuros, e avaliou a expressão dele como não ameaçadora. Parecia
mais expectante do que confrontador. Trajava um casaco preto e um chapéu modesto se
comparado aos elegantes artigos para homem que madame Dubois também
comercializava. Lily deduziu que não se tratava de uma pessoa de grandes posses.
Por fim, decidiu confiar nos instintos. Estes a levavam a crer que o estranho não lhe
causaria mal algum. Assim, sinalizou ao cocheiro e a Aline que a aguardassem, mas
prontos para partir, enquanto falava com o homem.
— Boa tarde — disse, tímida, ao mesmo tempo em que avançava um passo na direção
do desconhecido.
Ele aproximou-se e removeu o chapéu. Parado à frente de Lily, vasculhou de novo a
face. dela, como se também necessitasse fazer um julgamento moral. Ela permitiu-lhe
essa liberdade, mas enervou-se com a insistência do olhar para sua barriga. Reagiu
estreitando a capa com as duas mãos sobre o ventre de gestante. Talvez tivesse
cometido um grave engano ao assumir que o estranho era inofensivo.
— O que deseja, senhor? — Lily ergueu o queixo com altivez. — Tenho pressa.
— Sou o primo de seu marido.
— Magnus? — Lily o fitou perplexa.
— Eu mesmo.
Ela umedeceu os lábios e recuperou a pose, fazendo um esforço consciente para
manter-se empertigada, com a cabeça alta. Não queria que Magnus pensasse que estava
intimidada ou receosa — embora, em definitivo, estivesse.
No entanto, Lily também sentiu raiva dele, por saber o quanto havia prejudicado a
família de Whitby e o que fizera a Anabela em particular. Magnus arruinara a confiança da
jovem nos homens, destruindo a vida de Anabela.
— O senhor tem audácia, falando comigo dessa maneira. Conheço tudo sobre a sua
pessoa e, assim, sei que meu marido lhe pediu para ficar longe daqui.
Uma sombra escura de aversão toldou a vista de Magnus. Nada disse, e relanceou o
olhar para a rua, como se procurasse algo, e por um momento Lily imaginou se ele
simplesmente colocaria seu chapéu e sairia de cena.
Ele não fez isso, contudo, e sim baixou a cabeça. Surpresa, Lily esperou que Magnus a
olhasse de novo e dissesse a que tinha vindo.
— Seu marido, há pouco tempo, me ofereceu uma compensação por minha saída da
Inglaterra. Na ocasião, declinei da proposta, mas agora tive tempo de pensar no assunto
e reconsiderar. Ficaria grato se a senhora o informasse dessa decisão.
Ansiosa, ela voltou a manipular a capa com as mãos.
— Por que me pede para avisar Whitby? Por que não lhe diz pessoalmente?
— Porque eu queria conhecer melhor a senhora.
Lily encolheu-se sob a inelutável intensidade do olhar de Magnus. Ele a estava
julgando!
— Espero que tenha satisfeito sua curiosidade. Magnus ponderou por um instante.
— Suponho que sim. E por isso sinto pena da senhora. Lily rilhou os dentes para
reprimir a raiva.
— Por que, se me permite perguntar?
— Porque casou-se com meu primo. — Recuando, ele curvou-se num leve galanteio.
— Por favor, diga a seu marido que estarei na taverna King's Arms, esta tarde. E obrigado
por seu tempo, lady Whitby.

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Ela permaneceu hirta no lugar, assombrada pelo atrevimento de Magnus e trêmula por
seu quase tangível rancor. Girou o corpo a fim de entrar na carruagem, porém foi cha-
mada de novo.
— Ah, lady Whitby...
Gelou. Pretendeu ignorar Magnus de uma vez por todas, mas algo — talvez a
curiosidade — a fez voltar-se para ele.
— Dê lembranças a Anabela — foi o que escutou. Nova ousadia, que ganhava força
por ser inesperada.
O conde teria um ataque de fúria quando ela lhe repetisse as palavras do primo.
Estranhamente, porém, Lily manteve-se fora do veículo e encarou Magnus, ponderando
se ele era sincero ou lançava uma seta envenenada.
Por um momento, ele suportou o escrutínio sem demonstrar incômodo. Lily ficou na
dúvida sobre se estava sendo envolvida ou se sofria o impulso de perdoar Magnus.
— Darei — confirmou, aceitando que os instintos a guiassem. Tirou um minuto para
meditar, antes de escalar o degrau até a cabine da carruagem.
Mais tarde, a caminho de casa, Lily reconstituiu na mente sua conversa com Magnus,
que a aborrecera muito. Pensava em como explicaria aquele encontro ao marido e como
este reagiria a tamanha audácia.
A carruagem bateu numa pedra da estrada e Lily saltou do assento. Sentada defronte
da patroa, Aline conseguiu segurar-se e ajudou Lily a firmar-se outra vez no banco.
Um segundo depois, o veículo balançou perigosamente e saiu da trilha, sem controle.
Rodou sobre pedras cada vez maiores e por fim tombou. A cabine foi ao solo numa
colisão violenta e ruidosa. Lily sentiu um calafrio subir-lhe pela espinha.
O coração disparou também, enquanto o pânico avançava por suas veias e ela era
jogada como uma boneca para o lado, batendo a cabeça na janela. Aline gritava de medo.
O mundo girou e estremeceu aos olhos de Lily, enquanto a carruagem jazia sobre a
trilha num ângulo perigoso. O cocheiro desfez as amarras e os pinos da canga que
prendia os cavalos. Em seguida, incentivou-os a se afastar da trilha, até a sombra de uma
árvore.
Os animais estavam assustados, mas não feridos, pois não tinham sofrido nem mesmo
uma queda. Já na cabine, a situação era diferente. E pior.
De olhos fechados, Lily perdera a consciência.
Como o acidente se dera perto da mansão, quando Lily ergueu as pálpebras deparou
com o rosto do marido, que batia de leve em suas faces, tentando despertá-la.
Ela pestanejou mais de uma vez, lutando para restabelecer o raciocínio, pois no
primeiro momento ignorava por que Whitby parecia tão preocupado. Então, lembrou-se da
carruagem saindo do prumo e tombando.
— O bebê! — gritou assim que teve forças, tocando o ventre. — Ele está bem?
Ajoelhado junto à esposa, Whitby respondeu:
— Precisa ficar calma, Lily. O médico já está a caminho. É importante que você fique
bem, certo?
Ela procurou sentar-se, com dificuldade porque a barriga atrapalhava. Lily a segurou
com uma das mãos, enquanto o marido a puxava para cima, pelos ombros, e aguardava
resposta.
— Certo... — ela disse num fio de voz, tocando a testa. — Não sinto dor em nenhuma
parte. O que aconteceu?
— A carruagem resvalou nas pedras e perdeu uma roda, daí a queda.
Lily examinou o interior da cabine. As cortinas e tudo o mais estavam pendurados num
ângulo bizarro.
— E Aline? Ela se feriu?
— Não, nem um arranhão. Foi quem correu à mansão em busca de socorro. O
cocheiro também nada sofreu. Minha preocupação é com você. Tem certeza de que...

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— Tudo bem, acho... — Ela conservava os dedos firmes e protetores sobre a barriga.
Sentar-se toda torta era apenas o primeiro passo para sair da cabine acidentada.
Whitby queria ajudá-la a vencer a porta do lado oposto, mas era necessária ajuda
adicional.
— Thompson! — Whitby chamou o capataz. — Venha até aqui.
Em segundos, houve um barulho fora do veículo, e o rosto do capataz surgiu à porta,
que estava na horizontal, recortado pelo céu azul logo acima. Thompson baixou os braços
para o lado de dentro.
Whitby improvisou um estribo com as mãos.
— Pise aqui, Lily, e eu a empurro para cima.
— Sério? Devo estar pesando uma tonelada!
— Não se preocupe. Estou preparado para sair atrás de você. — Ele sorriu a fim de
tranqüilizar Lily, mas ela pôde ler uma certa aflição nos olhos do marido.
Experimentando mais do que uma certa aflição, porque não sentira o bebê chutar ou
mover-se desde que abrira os olhos, Lily seguiu as instruções. Em meio a alguns
resmungos e gemidos, foi devidamente empurrada por Whitby e puxada pelo capataz.
Suspirou ao colocar os pés no chão firme.
Só então teve a visão exata da carruagem tombada. O acidente poderia ter sido mais
grave.
— Quanto tempo fiquei inconsciente? — ela questionou Whitby, que acabava de
dispensar Thompson, desmanchando-se em agradecimentos.
— Cerca de vinte minutos. E está com um calombo na testa. Deve ter batido a cabeça
na janela. — Ele tocou o ferimento com a máxima leveza.
— Ai! — Lily protestou mesmo assim.
— Minhas sinceras desculpas. Preciso levá-la para casa. Lily desabou nos braços do
marido, ciente de que ele a conduziria em segurança à Mansão Century, no coche aberto
que se aproximava do local, trazido para o uso do conde. Só então Lily lembrou-se da
conversa mantida com Magnus.
Conhecendo o que os outros diziam sobre o seu caráter maldoso e vingativo, ela não
se furtou a refletir na coincidência de a roda ter se soltado uma hora depois do encontro
com ele.
Franzindo a testa, Lily tocou a perna de Whitby.
— O que foi? — Ele notou a apreensão da esposa.
— Encontrei Magnus hoje.
O chicote estalou acima do lombo dos cavalos, depois que o conde o ergueu no ar com
feroz hostilidade. A surpresa da notícia logo se transformou em fúria. Ele parou o veículo
e inclinou-se com os cotovelos nas pernas e a cabeça entre as mãos.
Por um longo e tenso momento, Whitby permaneceu assim, em silêncio. Depois, virou-
se para Lily e pediu:
— Conte-me o que houve.
Meticulosamente, o Dr. Benjamin examinou Lily auscultando, com o estetoscópio,
várias regiões do corpo, e em especial a barriga de grávida. Dando por encerrado o
exame, assegurou ao casal que o bebê estava respirando bem e nada sofrera com o
acidente.
Lily teria alívio completo se não visse Whitby partir, logo depois do médico. O conde ia
ao vilarejo, à taverna indicada por Magnus, ao encontro do desafeto. Era preocupante,
pois ninguém podia antecipar o que iria acontecer. Lily temeu um conflito sério, com o
saldo de um morto e um ferido. Quem seria um, quem seria outro?
Whitby lhe garantira que sua única intenção era discutir a oferta feita meses antes, que
Magnus agora alegava reconsiderar. Mas podia haver mais do que um diálogo áspero no
confronto entre os dois homens. Para piorar, o conde desconfiava de que Magnus tramara
o suposto acidente com a carruagem, sabotando uma roda por meio do afrouxamento dos

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parafusos. Whitby vinha visivelmente lutando contra a própria ira.
Lily escutou alguém entrar na sala e afastou-se da janela pela qual observava a partida
do marido. Era Anabela, de cenho franzido.
— O que disse o médico? — ela quis saber. Cruzando a sala, Lily colheu as mãos da
cunhada.
— Tudo perfeito. O bebê voltou a chutar e o calombo na testa vai sumir em poucos
dias.
Os ombros de Anabela se distenderam, ao mesmo tempo em que ela emitia um suspiro
de alívio.
— Graças a Deus! — Os olhos lacrimejaram. — Estou muito contente por você não ter
se machucado, nem o bebê. Mas agora deve ter cautela e não andar mais de carruagem.
Distraída, Lily concordou com um gesto de cabeça.
— O que há? — insistiu Anabela, depois de ver a amiga apreensiva.
— É melhor nos sentarmos.
Juntas ocuparam o sofá da sala, ainda de mãos dadas.
— Preciso lhe contar o que ocorreu esta manhã, Anabela, e explicar aonde Whitby foi.
— Você parece tão séria...
— Acredito que é de fato preocupante. Encontrei uma certa pessoa no vilarejo:
Magnus.
Anabela recostou-se no espaldar e olhou para o teto.
— Então... Isso só poderia ser desagradável. Estudando os olhos da cunhada, Lily
tentou decifrar como ela se sentia com relação a Magnus, depois de terem sido tão
próximos. Lily esperava que Anabela fosse capaz de jogar alguma luz naquela relação,
jamais discutida entre elas.
— O encontro não foi tão terrível assim, comparado ao tombamento do veículo.
Anabela tomou a franzir o cenho, com uma dose de cinismo.
— Pensa que Magnus foi o responsável, não? Conhecendo a pessoa, é bastante
provável. Por isso Whitby saiu apressado? Para reunir-se a ele?
— Sim, Whitby foi até o vilarejo.
— Os dois podem se matar um ao outro! — Anabela demonstrou pavor, deixando Lily
alarmada, mas sua frieza de raciocínio voltou.
— Não, Whitby foi falar com ele sobre outra coisa. Na minha conversa com Magnus,
ele disse que o motivo de estar aqui era pedir-me para avisar Whitby que havia mudado
de opinião quanto à oferta.
— Que oferta?
— Logo depois de nossa vinda para cá, após o casamento, Whitby ofereceu a Magnus
uma renda mensal, com a condição de que deixasse o país.
Anabela exalou o ar que prendia, por ansiedade.
— Ele queria proteger você, Lily. Bela atitude. Mas o primo rejeitou a proposta, certo?
— Sim. Talvez por orgulho ou por simples maldade.
— E por que teria mudado de idéia agora?
— É o que tenho tentado entender. Imagino que seja por causa do nascimento de um
filho de Whitby. Dentro de poucas semanas, Magnus não será mais candidato a herdar o
título de conde. O que você acha?
Anabela remoeu a questão por alguns segundos.
— Suponho que tem razão.
— Acredita que Magnus sairá da Inglaterra logo? Depois do que aconteceu hoje, estou
temerosa pela segurança do bebê.
Anabela meneou a cabeça, com lágrimas nos olhos.
— Não sei. O ódio de Magnus por esta família sempre foi a força propulsora da vida
dele. Tudo o que fez serviu apenas para ofender e magoar Whitby, procurando tirá-lo do
caminho.

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Lily notou a trepidação na voz da cunhada e começou a sentir o mesmo medo. Se
fosse verdade, o que sucederia caso Magnus pensasse que o conde não tinha a intenção
de negociar uma compensação financeira? Se soubesse que Whitby desejava encerrar a
discórdia de um modo ou de outro, faria uma declaração de guerra?
— Por que Magnus alimenta tanto ódio pelos parentes? Não sabe que o pai dele foi um
homem perigoso? Não compreende que existiam bons motivos para ser afastado do con-
vívio familiar e social?
— Magnus vê o mundo do ângulo das vantagens pessoais— afirmou Anabela, com
aparente conhecimento de causa.
— Creio que o pai incutiu nele, desde criança, o próprio ódio. Ele pensa que nós somos
os vilões.
— Mas isso não pode mudar? Magnus não conseguiria ouvir a voz da razão?
— Muitos tentaram transformá-lo, em vão. Ele nunca age racionalmente, apenas culpa
os outros por suas dificuldades.
Erguendo-se, Lily caminhou até a janela. Em sua mente, repassou a conversa com
Magnus, lembrando o brilho malévolo nos olhos e a maneira como a havia abordado. Não
sentia medo dele; não muito. Estava precavida em virtude do que conhecia sobre
Magnus, porém alguma coisa em sua pessoa não configurava uma atitude ameaçadora.
— Espero que Magnus não provoque Whitby. Espero que de fato queira chegar a um
acordo.
—Mas Whitby já foi provocado, Lily. Você e o bebê podiam ter morrido, hoje de manhã.
Lily retornou ao sofá, ainda sem livrar-se da ansiedade.
— Gostaria de crer que nada é o que parece.
—Não vejo como poderia fazer isso—sentenciou Anabela, enquanto Lily colhia outra
vez sua mão.
— Acho que devo dizer mais uma coisa. Quando Magnus já se despedia, pediu-me
para dar lembranças a você.
Anabela pareceu ter sido apunhalada no coração. Baixou a cabeça.
— Ele é mesmo um homem vingativo.
— Não, não foi assim. — Lily estranhou que saísse em defesa de Magnus, mas
precisava ser honesta com a cunhada. — Achei que ele foi sincero. Arrisco-me a dizer
que havia uma ponta de... — Fez uma pausa, incerta da palavra correta a utilizar, a fim de
descrever o olhar que identificara — ...remorso. Ele não estava zombando de você. Disso
tenho certeza.
Anabela tornou a se recostar no sofá.
— Remorso...
— Sim, e é isso o que me dá esperanças de que hoje tudo se resolva bem.
Após desviar a vista, Anabela ergueu-se devagar e caminhou rumo à janela. A luz
natural clareou sua face, enquanto ela dirigia o olhar para o horizonte.
— Compreendo que você necessite de esperanças, Lily. Mas seja cautelosa e não
permita que elas se tornem pouco realistas. Magnus é uma pessoa odiosa, e ponto final.
Lily suspirou profundamente, na tentativa de dissipar sua ansiedade. Sabia muito bem
que, em se tratando de esperanças, ela nunca fora realista.
Na taverna King's Arms, o conde avistou Magnus a uma mesa de canto, nos fundos do
salão, já servida de uma garrafa de cerveja que estava pela metade. Ele descansava a
cabeça contra a parede, de olhos fechados.
Whitby tirou um minuto para respirar forte, a fim de acalmar-se. Mas a adrenalina
continuou correndo em suas veias, conforme se aproximava do primo. A frente dele, não
quis chamá-lo, e aguardou que erguesse as pálpebras. Isso demorou. Magnus seguiu
cochilando, em esplêndido esquecimento.
O que surpreendeu Whitby, que esperava encontrar o primo preparado para um
confronto sério. Mas ele parecia totalmente vulnerável a um ataque.

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O conde inclinou-se, apanhou a garrafa e bateu-a no tampo, a fim de anunciar sua
presença. Viu que um pouco de bebida já estava espalhada ali. Magnus descerrou os
olhos devagar, serenamente, e fitou Whitby sem expressão. Apontou a cadeira a sua
frente, e o conde sentou-se.
— Bebida? — Magnus ofereceu.
— Não.
Magnus encheu o copo com a cerveja restante na garrafa e consumiu-a de um só gole.
Levantou o braço na direção do balcão, pedindo outra. Whitby tamborilou os dedos na
mesa, enquanto aguardava que uma garçonete viesse atender o cliente. Ela trouxe um
copo a mais, porém o conde o recusou. Assim que a moça se afastou, Whitby focalizou o
semblante de Magnus por quase um minuto. Depois começou:
— Minha mulher me informou que você queria falar comigo.
— Sim, tive esperança de que ela fizesse isso.
— Lily me falou que você mudou de idéia quanto a minha oferta de... um subsídio
vitalício.
— Mudei, sim. — Ele enxugou a boca com o dorso da mão, embora não faltassem
guardanapos de papel a seu dispor.
Estava bêbado, Whitby constatou, o que tornaria difícil a negociação. Quanto mais
sóbrio, mais facilmente chegariam a bom termo, sem armadilhas nem mal-entendidos.
— Resta apenas um problema—disse o conde, com frieza. — É penoso para mim
oferecer-lhe dinheiro, no mesmo dia em que você tentou matar minha esposa e meu
herdeiro.
Magnus contorceu as feições até que formassem um esgar.
— Matar sua esposa? Eu só conversei um pouco com ela.
— O que está dizendo soa bastante familiar.
— Como assim? Familiar?
Whitby leu nos olhos do primo que ele sabia o que responder. Mesmo assim, desejava
ouvi-lo de sua própria boca.
— Você também negou ter tido participação na morte de meu irmão, John.
Balançando a cabeça em óbvio desgosto, Magnus exultou-se:
— De volta ao velho assunto? Por Deus, você está fora de seu juízo perfeito. John foi
vítima de um acidente de trem, na índia, e só por coincidência eu estava por lá. Não matei
seu irmão, nem tentei eliminar sua mulher. Fiquei sentado aqui a tarde toda, olhando para
a parede e me embriagando, para esquecer meus problemas.
Carrancudo, Whitby estreitou os olhos.
— Espera que eu acredite que foi uma coincidência?
— O que chama de coincidência?
— Como soube que lady Whitby viria ao vilarejo, e no horário em que a abordou?
— Não é difícil obter alguma informação sobre pessoas de destaque na comunidade.
Veja, não tentei matar Lily. Nem mesmo sei o que houve para você me acusar. — Ele
bateu a mão de leve no tampo e ingeriu mais um copo de cerveja. Depois reforçou: — O
que aconteceu?
Impaciente, sentindo que talvez estivesse de fato fora de seu juízo, Whitby acabou por
responder:
— A carruagem perdeu uma roda e tombou, a caminho da mansão.
— Ela está bem?
Estaria perguntando por perguntar? Ou para despistar Whitby de um ato criminoso? De
novo o conde encarou Magnus.
— Sim. Assim como o bebê, sobre o qual você não quis saber nada, e que poderia ter
morrido no acidente, dentro do ventre da mãe.
Acidente? Whitby não podia afirmar com certeza que Magnus sabotara uma roda da
carruagem. E ainda havia algo inusitado a respeito do comportamento dele, naquele final

Projeto Revisoras 95
Caminhos da Sedução Julianne McClean
de tarde. O conde sentiu o primo cordato, nem um pouco agressivo.
Recostado na cadeira, ele seguiu estudando as feições de Magnus, sua linguagem
corporal. Amável ou não, somente importava a Whitby o fato de que tais encontros não se
repetiriam, no futuro, e que Lily e Anabela poderiam estar em segurança.
— Vamos falar de negócios — o conde propôs, enfim.
— Gostaria de ir para a América: Estados Unidos. Dez mil por ano, e me instalo lá.
— Por que mudou de opinião?
— Não é da sua conta, mas houve uma época em que acreditei que herdaria o
condado, tanto o título como a propriedade. Vi você bebendo a ponto de desmaiar e se
recusando a escolher uma esposa. Para mim, terminaria sua vida numa cova prematura,
Edward, tal como seu pai e John.
Enraivecido, Whitby cerrou os punhos.
— Mas agora você tem uma esposa adorável — prosseguiu Magnus —, e que espera
um filho seu. Para muito breve, de acordo com as aparências. Caso não saiba, perdi
minha mãe há duas semanas. Assim, meus laços com a Inglaterra acabaram.
A raiva de Whitby amainou ante a notícia do falecimento de Carolyn. Não tivera afeição
por ela, mas, apesar de tudo, fora uma mulher forte perante os desafios de uma vida
pobre e infeliz.
— Meus sentimentos, Magnus. Carolyn era bastante devotada a você. — Nada mais
encontrou para falar.
Magnus baixou o olhar e serviu-se de mais bebida. Nem se incomodou em agradecer
as condolências do conde.
— Sua mãe estava doente?
— Coração.
— Lamento.
— Então, tratemos do nosso acordo. Aprova a quantia que solicitei? Pertenceria a mim
por direito, caso meu pai não tivesse sido excluído da família. Vou embora da Inglaterra, e
você por fim se livrará de mim.
Era algo que o conde desejava havia muito tempo: ver-se livre de Magnus e da ameaça
que ele representava. Contudo, diante daquela criatura amarga, que ele desprezara por
toda a vida, não sentiu a satisfação que esperava. A sua frente estava um homem
deprimido, que não conhecera nenhuma alegria. Nada lhe restava senão embriagar-se.
Mas Whitby sacudiu tais idéias para fora da mente e lembrou-se das ações censuráveis
que o primo praticara, como ter agredido John e quebrado o nariz dele, no quintal de sua
casa em Londres; e principalmente o que fizera com Anabela, seduzida e abandonada.
Com o corpo, o conde empurrou a cadeira para trás e ergueu-se.
— Combinado. Providenciarei um pagamento mensal, o primeiro a ser depositado
imediatamente. Mas terei de redigir um contrato particular entre nós, assinado por você,
estipulando que, se algum dia retornar à Inglaterra, os pagamentos cessam na mesma
hora.
— É justo. — Magnus fixou o olhar vago no primo. — No entanto, também é
dispensável. Não pretendo voltar.
— Apesar disso, vamos assinar. — E Whitby saiu da taverna.
Quando chegou em casa, o conde mal desceu da carruagem e viu Clarke correndo em
sua direção. Uma grande aflição tomou conta de Whitby, pois o mordomo não costumava
correr daquela maneira pela entrada da mansão, a fim de encontrar-se com alguém.
Sempre aguardava junto à porta.
— O que foi? — indagou o conde, retirando o chapéu que, por hábito, passou às mãos
de Clarke.
— É lady Whitby, milorde. Entrou em trabalho de parto.

Projeto Revisoras 96
Caminhos da Sedução Julianne McClean
Capítulo IX

Diante da porta fechada do quarto da esposa, Whitby hesitou antes de bater. Sabia que
precisava ser forte. Veria a mulher que amava — sim, amava — sofrendo dores em cima
da cama, pálida e exausta.
— Entre! — Lily gritou do lado de dentro, ao escutar a batida.
Whitby ficou surpreso pelo tom alegre da voz dela. Girou a maçaneta e deparou com o
quarto brilhante de claridade. As cortinas abertas franqueavam o ingresso da luz
crepuscular. Lily não estava deitada, e sim caminhando na direção do marido, com os
braços esticados num gesto carinhoso e vibrante de expectativa. Usava uma colorida
camisola cor-de-rosa.
— Graças a Deus que voltou! — ela disse, colhendo as mãos dele e beijando-o na
face. — Fiquei preocupada. Como foi a reunião com Magnus?
As sobrancelhas do conde sinalizaram sua descrença.
— Como consegue pensar nisso agora?
— Apenas começou — Lily declarou, sorrindo. — São as primeiras contrações. Não é
maravilhoso?
Ela descalçou as sapatilhas, e Whitby deixou-se admirar o rosto bonito da mulher, os
olhos azuis e as madeixas negras, sua pele cremosa e seus lábios bem vermelhos.
Nunca lhe parecera tão adorável, tão viva. Talvez não houvesse motivo para se preocupar
com o parto. Talvez tudo decorresse suavemente, sem complicações.
— Você me surpreende, Lily. Não imaginava encontrá-la de pé, sorrindo jovialmente
para mim. Sempre tive a impressão de que dar à luz fosse um processo doloroso.
Lily sorriu de novo, na tentativa de derrubar a sombria aflição do marido.
— Dói um pouco, sim. A cada cinco ou dez minutos, minha barriga lateja, e nada
consegue me distrair da dor. Mas isso não dura muito, e então a dor vai embora e me
sinto bem, leve como agora.
Naquele instante, a expressão de Lily mudou e ela pousou a mão no ventre abaulado.
Desviou a vista de Whitby e dobrou-se sobre si mesma. Em seguida, colocou-se de
cócoras.
— Está vindo de novo... Está vindo... Nosso filho...
De olhos fechados, ela respirou devagar e profundamente, enquanto o coração do
marido pulsava acelerado. Ele acercou-se da mulher, disposto a prestar socorro,
pensando que o bebê iria nascer ali mesmo, naquele momento, sobre o tapete. Alguém
precisava proteger-lhe a cabeça...
— Venha deitar-se, por favor.
Lily gesticulou negativamente, sem olhá-lo ou falar com Whitby. Focalizou um
determinado ponto no solo, e então cerrou as pálpebras. Alarmado, o conde permaneceu
ao lado dela, até ver de volta o sorriso e o olhar brilhante da esposa.
— Já passou. Viu? Nada com que se preocupar.
Ele exalou um longo suspiro, que nem percebera estar retendo.
— Tem certeza de que não é melhor deitar-se, Lily? Outra vez ela balançou a cabeça.
— A Sra. Hanson, a parteira, aconselhou que eu me mantivesse em movimento,
porque andar acelera o processo.
— Entendo, mas onde foi parar a parteira? Já não devia estar aqui?
— Foi buscar alguma coisa na cozinha. O médico está avisado, mas teve de atender a
outra emergência. Virá daqui a pouco, com certeza. Escute, poderia caminhar comigo?
Não vamos longe. — Ela riu com gosto. — Apenas até o corredor, para um lado e para o
outro. E você ainda não me contou como se deu com Magnus. Bem ou mal?
Ainda tenso, Whitby ofereceu o braço à mulher e juntos saíram ao corredor. O ritmo
lento da caminhada permitiu-lhe contar em detalhes tudo o que houvera na taverna. Co-
municou a Lily que Magnus parecia diferente, mais cordial, e que a mãe dele havia

Projeto Revisoras 97
Caminhos da Sedução Julianne McClean
falecido. Lily sentiu ouvir isso, mas de qualquer modo experimentou um grande alívio ao
saber que Magnus concordara em deixar o país.
— Assim, é menos um peso que você tem de carregar — comentou com o marido.
— Sim — replicou Whitby.
Embora existissem outros pesos a carregar, naquele dia, ele poupou a mulher de
novos comentários sobre o parto.
Acabaram por descer e subir várias vezes as escadas para o saguão principal, e isso
lhes tomou uma hora, durante a qual a Sra. Hanson esperou, paciente, por Lily, no quarto.
A intervalos, a grávida parava, levava a mão ao ventre e respirava fundo, observando o
chão. Retomavam o circuito pouco tempo depois, conversando sobre nomes para o bebê
e a data de batismo. Por absurdo que fosse, chegaram a mencionar as universidades que
o herdeiro poderia freqüentar, no devido prazo. Whitby percebeu que estavam pondo o
carro na frente dos bois, mas o diálogo mostrou-se muito útil para distrair Lily de suas
crescentes dores.
Cansada, ela sugeriu que retornassem ao quarto. Decidira deitar-se, como o marido
preferia.
— Você pode voltar e me escoltar pelo corredor, daqui a uma hora?
Estavam à entrada do aposento, e Whitby sabia que Lily descansaria melhor se ficasse
sozinha. Ou apenas com a parteira.
— Supondo, claro, que o bebê não tenha nascido antes.
— Evidente, querida. — Ele a beijou no rosto e aguardou que entrasse. Viu a Sra.
Hanson levantar-se da cadeira de balanço e vir ajudar Lily a alcançar o leito.
— Não sou inválida — ela protestou, recusando o braço da parteira. Manobrou o corpo
em diversos sentidos até descobrir a melhor posição para deitar-se.
Whitby retirou-se antes de se irritar com o excesso de independência da esposa. Era
impressionante a disposição dela, considerando seu desconforto com a barriga e o peso
enormes.
Corajosa Lily! Cruzando o corredor, Whitby viu-se mais do que nunca desejando
abraçar a mulher e o filho, devotar-se completamente a eles. Essa percepção surgiu como
uma grande onda que engolfou seu pensamento, algo que nunca havia experimentado e
quase lhe roubou o fôlego.
Jamais imaginara ou alimentara uma esperança tão grandiosa. Sentira medo de pensar
na cena do abraço em família. Porque sentira medo de perder Lily.
Mas não a perdera. Chegara perto desse drama por duas vezes: quando Lily caíra
doente e quando a carruagem fora sabotada. Ela sobrevivera aos dois eventos, e ele
junto.
Em seu quarto, o conde sentou-se ria cama e consultou o relógio de carrilhão, torcendo
para que a próxima hora passasse bem depressa.
O Dr. Benjamin só chegou de noite e entrou no quarto de Lily com uma expressão
simpática na fisionomia e um tom alegre na voz.
— Então, o bebê está pronto para anunciar, com seu choro, que hoje é o nascimento
dele.
Reclinada na cama, Lily sorriu ao doutor quando ele se aproximou. Whitby fechou o
livro que lia e pôs-se de pé.
— O senhor tem razão — ele comentou —, mas parece que a criança está sem pressa.
— Verdade? — O médico depôs sua maleta de lado e empunhou o estetoscópio. —
Então precisamos descobrir a causa do atraso desse menino.
— Ou menina — Lily atalhou.
— Certamente. — O Dr. Benjamin sorriu sem graça e auscultou a barriga da gestante,
movendo o instrumento para diferentes posições. Depois, retirou as peças do ouvido e
pendurou o estetoscópio ao redor do pescoço. — Tudo me parece muito bem.
Whitby soltou o ar que prendia, aliviado.

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
— Quando começaram as dores? — perguntou o médico, apalpando o ventre de Lily.
— Mais ou menos à uma hora da tarde. — Ela explicou que o incômodo surgia
regularmente a cada cinco ou dez minutos.
— Em algum momento a dor se tornou mais intensa?
— Não. Foi quase igual durante todo o tempo.
— Ah! Preciso fazer um exame íntimo. — O médico voltou-se para Whitby. — O senhor
nos dá licença?
— Claro. — Edward beijou Lily na testa e curvou-se num vênia ao doutor. — Ficarei
aguardando notícias.
Vinte minutos depois, o médico deparou com Whitby e Anabela sentados na sala,
diante da lareira. O conde convidou o Dr. Benjamin a sentar-se à frente deles.
— Como ela está passando?
—Aparenta ótimo estado, milorde, como gestante no final da gravidez. Por certo lady
Whitby conserva o bom humor, mas isso pode mudar nas próximas horas, quando as
dores aumentarem.
— Faz parte do quadro normal, não? Confesso que me surpreendi com a facilidade do
parto, até agora. É diferente do que eu imaginava.
O médico inclinou-se para a frente e juntou as mãos diante de Whitby.
— Devo ser franco com o senhor, milorde. A aparente facilidade decorre do reduzido
avanço da criança pelo canal interno de sua esposa.
O conde entendeu a explicação, assim como Anabela, mas sentiu um sopro gelado no
estômago. O médico prosseguiu:
— Lady Whitby me relatou que sua bolsa d'água rompeu-se nesta manhã, mas,
quando eu a examinei, ela apresentou pouca dilatação.
— Dilatação? Esclareça-me, doutor.
Anabela sabia do que se tratava, mas se manteve quieta, preocupada.
— O canal pélvico, por onde o feto sai, deve abrir-se o suficiente para a criança passar.
O de lady Whitby ainda se acha fechado.
— Mas vai se distender e dar passagem ao bebê?
— Esses detalhes são pouco previsíveis. É o primeiro filho dela e, assim, pode tratar-se
simplesmente de uma lentidão natural. Por outro lado, preocupa-me a possibilidade de o
acidente de hoje ter antecipado o rompimento da bolsa, o que seria um complicador. Mas,
volto a dizer, é imprevisível. Posso retornar ao quarto daqui a cinco minutos e encontrar o
bebê já nascendo.
— E se não houver a dilatação do colo uterino? — perguntou Anabela.
—Existem meios de intervir a fim de ajudar uma gestante no trabalho de parto —
declarou o Dr. Benjamin.
— Costuma dar certo? — Anabela insistiu.
O médico não respondeu logo. Levantou a mão de modo a interromper a conversa.
— Essa discussão é prematura — sentenciou.
Isso apenas aumentou a aflição de Whitby. Ele sabia muito bem o que podia acontecer.
Sua mãe morrera sob o bisturi do médico, numa derradeira tentativa de salvar o bebê.
O pomo-de-adão do Dr. Benjamin moveu-se quando ele engoliu em seco.
— O fato é, milorde, que uma vez estourada a bolsa o bebê deve descer e sair, ou a
vida dele estará em risco.
— E a mãe? — O conde mexeu-se na poltrona, irrequieto.
— A dela também. Mas, na verdade, não há motivo sério para pensarmos nessa
hipótese. Tudo se resolverá com tranqüilidade.
Terrivelmente entristecido, Whitby olhou para a irmã e esfregou as mãos no rosto.
— Cristo!
—Milorde, com bastante probabilidade, lady Whitby dará à luz em segurança, no
devido tempo.

Projeto Revisoras 99
Caminhos da Sedução Julianne McClean
O médico tinha razão. Era o primeiro parto de Lily e ela poderia estar atuando dentro
de seu próprio ritmo. Havia se recuperado integralmente da doença misteriosa que a
acometera, e agora esbanjava saúde, disposição e alegria. Preocupar-se demais não
levaria a nada. Era forçoso ter esperança.
Mas esperança não combinava com alguém como Whitby, que perdera tantos entes
queridos durante a existência. Sentia-se um homem marcado pela desgraça. Por isso, só
conseguia esperar o pior.
No meio da manhã do dia seguinte, Lily perdera o bom humor, e Whitby não sabia o
que dizer à esposa, pois também se encontrava em total desassossego. Não ocorrera
nenhum progresso no trabalho de parto.
As dores haviam aumentado e ela passara uma noite árdua. A parteira lhe dera um
banho quente, tentando estimular o bebê a nascer. Sem efeito, além disso estava caindo
de sono, pois não pudera dormir em conseqüência das dores que vinham em curtos
intervalos de cinco minutos.
Por insistência da esposa, Whitby havia cochilado algumas vezes, na poltrona
estofada. Na verdade, Lily o encorajara a ir descansar no quarto dele, pois o aposento de
uma parturiente não era lugar para um homem. O conde negou-se a sair, ciente de que
Lily sofria com as pontadas, mas, ao contrário de sua própria mãe, permanecia quieta,
sem gritar. Ele prometeu afastar-se quando o bebê estivesse pronto para vir ao mundo.
As horas se escoaram e isso não aconteceu. À tarde, o Dr. Benjamin voltou, disposto a
intervir no processo. Ministrou a Lily três doses de cloral, um líquido oleoso, que não
surtiu outro efeito além de intensificar as dores. Depois aplicou pressão manual sobre o
abdome da gestante, também em vão. Então deu-lhe quinino, tido como estimulante geral
e utilizado em partos demorados como aquele. Observando a cena, Whitby sentiu que o
médico igualmente entrava em desespero.
Ao cair da noite, não havia mudanças no quadro. O doutor reexaminou Lily e sua
angústia principiou a aparecer.
— São mais de trinta horas, milorde — ele falou a Whitby na sala, aonde viera
alimentar-se — e sua esposa está exausta. Não quero ser pessimista, mas, se a dilatação
não vier logo, prefiro tomar outras medidas. Antes cedo do que tarde.
— Que medidas?
— Cirurgia.
— Foi como minha mãe morreu — alertou o conde. O Dr. Benjamin respirou fundo e
exibiu compaixão.
— Sei disso, pelos relatórios que li na época. A meu ver, o cirurgião esperou demais.
Aterrorizado, Whitby lutou para manter a cabeça fria.
— Avisou minha mulher? Ela conhece os riscos?
— Nada disse, porque a ansiedade resultante só iria exacerbar o problema. Contei
apenas ao senhor. E à Sra. Hanson, claro, que pressentiu o procedimento cirúrgico, por
experiência.
Embora não tivesse bebido um drinque em nove meses, o conde encheu para si um
copo de conhaque. Andou até o lado oposto da sala a fim de tomá-lo, na esperança de
que o álcool mitigasse a pressão sobre seus nervos. Por fim, desistiu após o primeiro
gole. Com melancolia, deu-se conta de que não seria bom ficar entorpecido. Não naquele
dia. Ao contrário, precisava estar alerta e atento a tudo o que se relacionasse a Lily e ao
filho.
— Vou lhe pedir, Dr. Benjamin, que aguarde mais um pouco. — Ele encarou o médico,
com o semblante desfeito. — Não sei que decisão tomar.
— Sim, lógico. Mas sua esposa não pode continuar assim para sempre.
— Há algum paliativo?
— Se a dor se tornar insuportável, posso usar clorofórmio. É seguro, se ministrado
adequadamente. Mas, repito, caso a cirurgia se confirme como necessária, quanto antes

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melhor, e maiores as chances de sucesso.
Whitby esfregou a ponta do nariz. Seria forçado a tomar uma decisão que poderia
resultar na morte de Lily e do bebê? Se agisse com antecedência e não com atraso, como
sugeria o médico, carregaria para sempre a culpa por não ter aguardado o suficiente?
Nunca iria atinar com as respostas. Enlouqueceria caso continuasse torturando-se com
tantas dúvidas. Só lhe restava torcer para que Lily, por sua conta, desse à luz em
segurança. Decidiu esperar mais uma hora. Então, faria a mais difícil escolha de sua vida.
Mais tarde, Whitby acordou na cadeira ao lado do leito de Lily. Estava todo dobrado,
com a testa pousada na mão da mulher. Ela chorava. Imediatamente motivado, ele
chamou a Sra. Hanson, que dormia numa cama estreita, no vestiário. A parteira veio
correndo.
— É a dor — disse Lily em meio a soluços. — Venho tentando ser corajosa, mas não
suporto mais! Quase dois dias de sofrimento, e o bebê não nasce. Por quê?
— A dor aumentou, lady Whitby? — indagou a parteira, postada junto dela.
— Sim. Não. Já não sei. Talvez a dor pareça mais forte porque minha tolerância se
esgotou.
— Pode fazer alguma coisa, Sra. Hanson? — Whitby falou com os dentes rilhados de
raiva diante de sua incapacidade de resolver o problema.
— Posso repetir o exame íntimo — disse a parteira, aparentando afobação. — Talvez
tenha havido algum progresso na dilatação.
Ele beijou a face de Lily e, depois, sua mão pequena, sabendo que deveria abandonar
o quarto. Era infernal a combinação de desespero e impotência.
Minutos depois, à soleira, Whitby ouviu Lily gritar. Com o coração a ponto de explodir,
ele invadiu o quarto. A parteira estava cobrindo com o lençol as partes sensíveis da
gestante.
— Nenhum avanço, milorde. O colo do útero mantém-se estreito.
Lily se encolheu, com mais uma contração.
— Chame o Dr. Benjamin — ordenou o conde. — Ele descansa em meu escritório.
Diga-lhe para trazer clorofórmio.
— Clorofórmio? — ecoou Lily, vendo a Sra. Hanson sair. — Tem certeza de que não
vai prejudicar o bebê?
— A rainha usou, querida. Ajudará a aliviar as dores e a ganhar tempo para você ter
um parto natural.
Ela esticou o braço a fim de alcançar o do marido.
— Avise minha mãe em Londres — solicitou Lily com frio desespero.
Tornou-se dispensável que Whitby a prevenisse de uma possível cirurgia. Lily havia
deduzido tudo e antecipava o pior. Por isso queria rever a mãe.
Marion chegou de trem no final da manhã do dia seguinte.
Lily permanecia no mesmo estado, sofrendo as dores do parto, mas sem dilatação. O
clorofórmio lhe proporcionara algum alívio. O Dr. Benjamin insistira fortemente na cirurgia,
e Lily concordara. Conhecia os riscos do procedimento com relação à própria vida, porém
queria, acima de tudo, salvar a do bebê.
Devastado, Whitby não conseguia comer. Mal podia falar. Em sombrio silêncio,
escoltou Marion até o quarto de Lily. Pretendia deixá-las a sós, claro. Porém, antes de
abrir a porta para a sogra entrar, sentiu-se no dever de apresentar-lhe algumas
explicações:
— Sei que a senhora nunca me aprovou, talvez por boas razões. Mas amo Lily do
fundo do coração, como jamais amei alguém. Eu morreria por ela, se pudesse. Neste
mesmo instante.
Whitby jamais imaginara que, um dia, chegaria a pronunciar tais palavras. No entanto,
eram verdadeiras. Amava Lily e já não podia negar ou lutar contra esse sentimento.
Marion dirigiu-lhe um olhar indecifrável. Talvez o culpasse pela sentença de morte que

Projeto Revisoras 101


Caminhos da Sedução Julianne McClean
estava infringindo a sua filha. Atitude previsível, já que Whitby tinha roubado James e
depois Lily do controle dela. Sabia o que Marion pensava disso, porém não era o pior. O
pior ainda estava por acontecer, e o conde não podia mudar os fatos.
No entanto, Marion não o repreendeu. Pousou a mão no ombro do genro e meneou a
cabeça indicando que era grata àquela declaração afetuosa. Um segundo depois, ela
entrou, e Whitby girou o corpo a fim de alcançar o próprio quarto e ficar sozinho ali,
meditando e rezando.
Sentiu arrependimento pelo amor que tinha desperdiçado, pelas alegrias que perdera.
Agora era tarde. Impossível fazer o tempo voltar, o longo tempo em que ele havia se
negado a Lily. A si próprio, enfim.
O rosto de Lily já não era uma máscara de dor. Ela jazia na cama, sentindo-se como se
flutuasse no ar. O clorofórmio suprimira boa parte da dolência, permitindo-lhe relaxar e até
dormir ocasionalmente.
Sem idéia de quantos minutos passara a cochilar, Lily abriu os olhos para deparar com
sua mãe sentada no leito, observando-a com ar compassivo.
Estaria sonhando?
Não, mas temeu de Marion uma postura de raiva e decepção, tal como da última vez
em que haviam se falado.
Modulou a voz:
— Que surpresa, mamãe! Achei que não viria. Um novo espasmo dominou Lily,
levando Marion a colher a mão da filha e afagá-la com carinho.
— Sinto muito por tê-la desapontado. Sei que não queria que me casasse com Whitby,
mas eu precisava viver a minha vida.
A mãe continuou calada, porém as rugas na testa indicavam um zelo imprevisto.
— Não vim para ouvir suas desculpas, filha. Nem para discutir o que é certo ou errado.
Estou aqui para ver o que posso fazer por você.
Outra pontada seguiu-se ao olhar frio e descrente que Lily exibiu. Marion levantou-se
da cadeira e, inclinada, tocou o ventre e depois a cabeça da filha. Vacilante, Lily tinha difi-
culdade em aceitar a situação.
— Se alguém deve lamentar-se — afirmou Marion —, esse alguém sou eu.
Dessa vez, a perplexidade venceu a hesitação. E Lily ouviu da mãe:
— Fui teimosa, intransigente, porque só queria que você me obedecesse.
Lily removeu uma mecha de cabelos da face suada. O clorofórmio a deixara confusa.
Marion estava mesmo arrependida?
— Tentei escutá-la, mamãe, mas a senhora tampouco me deu atenção.
— Sim, porque era fraca e não havia conseguido fazer o que eu queria. Não contestei
meus pais, quando escolheram um marido para mim, e fui terrivelmente infeliz no
casamento. Parece que Whitby revelou-se um ótimo companheiro...
Presa de um contentamento pouco usual quando se tratava de seu relacionamento
com Marion, Lily suspirou de alívio. Logo depois, sofreu mais um surto de dor.
— Está pior? — a mãe indagou.
— Quero salvar o bebê — ela resumiu.
— Com uma intervenção cirúrgica? É perigoso, filha.
—Já me decidi. Amo Whitby e desejo dar-lhe um herdeiro. Não partirei deixando-o de
mãos vazias.
— Como assim? Você lhe deu todo o amor de que era capaz. Lily nunca ouvira Marion
falar assim, o que fazia tudo
parecer irreal e ilusório. Ela respirou fundo novamente.
— É verdade, mas ele jamais me deu o amor dele.
— Deu sim. Ele a ama. Acaba de me confessar isso. Lily procurou encontrar um
sentido naquela informação.
— Por amá-lo tanto, quis lhe dar filhos. — Ela focalizou a mãe debaixo de um véu de

Projeto Revisoras 102


Caminhos da Sedução Julianne McClean
lágrimas. — Por favor, não o culpe se...
—Não há do que culpá-lo, Lily.— Conscientemente, Marion era breve e firme com a
filha.
— Whitby é um bom homem, mamãe. Não chamarei o doutor antes que compreenda
por que me casei com ele, ou antes que nós duas nos perdoemos uma à outra.
— Compreendo. Mas também não existe nada a perdoar, entre nós. Cada qual agiu de
acordo com o momento.
Uma batida na porta, e o conde entrou.
— O médico está esperando para começar. Lamento muito causar-lhe sofrimento,
minha amada.
Parecia que o sonho continuava. De olhos fechados, Lily sentiu os lábios e a respiração
do marido sobre suas mãos e boca.
— Resista, Lily — ele conclamou. — Não posso viver sem você. Às suas lágrimas
somaram-se as dele, que lhe molharam os pulsos. Debateu-se sobre a cama, consciente
de que gemia de dor. O som tornou-se distante, embora intensificado pela movimentação
de pessoas em torno de si. Estavam tirando o bebê de dentro dela? As vozes do doutor e
da parteira se revezaram, ligeiramente audíveis.
— Empurre, milady! Empurre!
Se existissem milagres, aquele era um deles. Sentado na cadeira ao lado da mulher,
Whitby ninava nos braços seu filho, nascido de parto natural, todo enrolado em panos. O
rostinho, visível, lembrava o de um anjo. O conde chorava ao abraçar a vida preciosa que
ele e Lily haviam criado.
Exaurida pelo esforço, Lily ainda era bonita e estava viva! Whitby mal conseguia
respirar, de tanta euforia. Viva! Tão viva que, coberta de suor, sorria para ele,
murmurando que tudo se resolvera bem.
O conde recompôs-se e articulou suas primeiras palavras desde o nascimento.
Entregou o bebê à mãe, com o rosto voltado para ela.
— Veja o que você fez, lady Whitby.
Lily meneou a cabeça e sorriu com mais intensidade.
— O que nós fizemos juntos, lorde Whitby. Ele é bonito, não?
— Quase tanto quanto a mãe.
— Por que não tão simpático como o pai?
— Toda a beleza da vida vem de você, Lily. — Ele inclinou-se a fim de lhe dar um beijo
na testa. — Sem você, eu nada conheceria sobre esse assunto.
De repente insegura do amor do marido, Lily o encarou.
— Apenas me casei com você. Outras mulheres certamente desejaram fazer o mesmo.
Era uma provocação. Após dois dias de trabalho de parto, Lily ainda encontrava humor
para mostrar-se jocosa. No íntimo, porém, guardava antigas preocupações e alguma inse-
gurança.
— Não me casaria com ninguém, exceto você — ele afirmou, muito sério. — Por certo
tempo, não quis admitir que a amava. Desesperadamente.
A expressão de Lily suavizou-se. Por fim, ouvia aquilo por que sempre esperara. Sorriu
com ternura para o marido. Um tom rosado insinuou-se por suas faces, e duas lágrimas
rolaram de seus olhos.
— É a primeira vez que você me diz isso.
— Falei muitas vezes, aqui neste quarto, mas você estava... — Ele balançou a cabeça.
— Não importa. Deveria ter feito você saber a mais tempo...
Ela avaliou como eram sinceras as palavras dele. Porque as merecia.
— Temos uma família, agora — disse Lily, compreendendo que as mágicas noites de
amor com Whitby seriam um pouco diferentes, doravante.
Ele sem dúvida a amaria do mesmo modo, ou mais. Ela e o bebê tinham sobrevivido a
condições adversas, e Whitby vivera um inferno ao cogitar a morte de Lily. Pelo resto da

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
vida, daria graças a Deus por tê-la poupado, assim como o bebê.
— Um dia, você me contará mais sobre sua mãe e sobre as babás que cuidaram de
você quando rapazinho.
— Já me pediu isso antes, Lily, e eu não a atendi. Juro que não farei mais isso. Vou lhe
explicar tudo.
— Claro, e quanto ao futuro? Preocupa-se com a possibilidade de ter mais filhos?
— Sim, é evidente. Você teve um parto difícil, mas, depois da dor e do risco, a beleza
da vida prevaleceu. Conversaremos bastante sobre novas gestações e pediremos
orientação ao Dr. Benjamin.
— Minha mãe ainda está na casa?
— Sim. E chorou bastante. Quer que eu peça a ela para entrar?
— Ainda não, pois estou muito cansada. Mas pretendo vê-la em breve. Aqui ou em
Wenworth.
— Aliás, James e Sofia ficarão felizes com a notícia do nascimento. Que tal convidá-los
para padrinhos?
O casal aquietou-se dentro do quarto, repousando da dura batalha, com a certeza de
que haveria outros momentos sublimes como aquele, por muitos e muitos anos.

Epílogo

Verão de 1887

Dois filhos em dois anos. Impressionante, lady Whitby. Sentada sobre a toalha de
piquenique, Lily ergueu os ombros e bateu os cílios para seu marido.
— O que posso fazer? Tenho o dom.
Rindo, o conde a alcançou e derrubou-a no solo, de modo a incrementar o beijo que lhe
deu na boca. Ele envolveu a cabeça de Lily com sua grande mão, puxando-a até o
gramado.
— Tem mesmo — comentou.
Naquela tarde, como sempre acontecia, Lily rendeu-se ao apelo erótico dos lábios de
Whitby, mas somente por segundos. Os dois precisavam estar atentos ao pequeno Eddie,
que brincava com seu trenzinho de madeira, agachado na grama. O filho mais novo,
James, de oito meses, dormia no cesto forrado, perto da toalha.
— Você é um selvagem — Lily disse ao conde, simulando estapeá-lo no braço e
empurrando-o para que saísse de cima dela. — Se continuar assim, logo teremos três
filhos.
Ela voltou a sentar-se, enquanto Whitby se deitava de costas, com as mãos em sua
nuca, cruzando no ar as longas pernas.
— Você gosta de me fazer esperar — ele queixou-se, de brincadeira, pois aquele era
um delicioso momento em família.
— Apenas lhe dou um motivo para sonhar.
— E sonharei. Com você e mais um filho.
Lily o beijou, depois remexeu na cesta de piquenique a fim de apanhar biscoitos
amanteigados, mas olhou para cima quando Eddie ficou em pé, de um salto, e disparou
correndo pelo terreno. Os pais dele se ergueram, aflitos.
—Volte aqui, danadinho! — Whitby gritou, atrás do filho, que, deliciado com a
traquinagem, ria alto.
O pai o alcançou sem dificuldade e ergueu-o nos braços, instalando Eddie nos ombros,
ao lado da cabeça.
— Esconde-esconde! — O menino pediu, vendo que a mãe também ria da situação.
— Está bem — Whitby concordou. — Você e Lily vão se esconder, enquanto eu fecho
os olhos e conto até dez.

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Caminhos da Sedução Julianne McClean
Lily segurou a mão de Eddie e conduziu-o até uma árvore de tronco largo, onde se
agacharam, contendo o riso. Ela sabia, por experiência própria de sua infância, que o
marido logo a descobriria, pela barra saliente da saia. Gratas lembranças, que elevaram o
ânimo de Lily.
De fato, Whitby vasculhou a clareira e, em minutos, encontrou os dois. Ele e Lily, um de
cada lado, beijaram ao mesmo tempo as bochechas de Eddie. O momento de alegria foi
abençoado pela brisa suave que soprava do sul. De olhos fechados, ela desfrutou o
vento, pensando nos prazeres que a vida lhe dera. Tinha amor, paixão e riso, depois de
muito tempo sem nada disso. Agradeceu a Deus por haver lhe incutido a coragem de
buscar sua felicidade e não desistir.
Pouco mais tarde, Eddie brincava de novo com seu trenzinho e Whitby admirava a
mulher, bela e despenteada sob o sol, maravilhosamente sedutora. Lily recostou-se numa
árvore e estendeu as mãos ao marido, ansiando por seu toque.
Whitby não tardou a fazer-lhe a vontade. Alcançou-a e a agarrou pela cintura,
deslizando os dedos pelos quadris de Lily. Distraído com seu brinquedo, Eddie não
percebeu.
— Acho que vou lhe roubar um beijo, enquanto o garoto não está olhando — disse
Whitby.
— Não é preciso roubar nada de mim, querido. Sou toda sua.
— E eu nunca conseguirei louvar o suficiente minha sorte — ele acrescentou, meigo,
fixando o olhar de Lily com profundo amor e afeto, antes de colar seus lábios nos dela.
Nota da Autora:
A misteriosa doença que afetou Whitby, e depois Lily, chama-se mononucleose e,
atualmente, é detectada por meio de um simples exame de sangue.
Esse não era o caso em . Embora a moléstia já se manifestasse por séculos, só foi
identificada como mononucleose infecciosa ou glandular em torno de . Na época em que
transcorre a história deste livro, os médicos incluíam a mononucleose no espectro mais
amplo de infecções como a gripe ou a tuberculose.
É sabido também que pessoas diferentes experimentam graus diferentes da doença,
de uma inflamação na garganta a infecções mais graves, como as que Whitby e Lily
tiveram. Era um desafio identificar e dar nome à mononucleose, antes do advento dos
modernos métodos de pesquisa.
Infelizmente para Whitby, os sintomas da mononucleose confundiam-se com os da
doença de Hodgkins, que foi descrita pelo médico britânico Thomas Hodgkins em 1832.
Biópsias já eram praticadas, mas representavam sério risco de infecção, por causa da
falta de higiene pessoal e hospitalar.

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