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Esta comunicação não tem por objetivo apresentar resultados que contribuam
para o conhecimento da atuação de artífices e artistas na produção arquitetônica
e artística da Paraíba no século XVIII, mas sim denunciar como permanecem no
anonimato os homens responsáveis pela materialização deste acervo que ainda registra
a história da capitania, bem como por tantos outros exemplares que desapareceram
ao longo do tempo.
É, por demais, desproporcional a relação que há entre o acervo artístico rema-
nescente do século XVIII e o número de artistas identificados como autores de tais
obras. Na verdade, pode-se dizer que apenas são conhecidos os nomes de Policarpo de
Oliveira Bernardes, autor da via sacra do adro da igreja e convento dos franciscanos,
e José Joaquim da Rocha, a quem é atribuída a pintura do forro da nave da igreja
conventual franciscana. Sobre a autoria desta obra, divergiu o Padre Antônio Barbosa,
ao escrever, em 1985: “Infelizmente, até os dias de hoje ainda dorme no anonimato
o artista autor dessa preciosidade. Há quem o atribua ao guarda-mor José Soares de
Araújo, português nascido em Braga”.1
No mais, como salientou o Padre Antônio Barbosa, tudo permanece como fruto
de autores anônimos, embora diversos historiadores já tenham se debruçado sobre
o estudo da arte na Paraíba do século XVIII, a exemplo do Dr. Humberto Nóbrega,
do Cônego Florentino Barbosa, de Glauce Burity, entre outros.2
1 BARBOSA, Antonio Pe. – Relíquias da Paraíba. Guia aos monumentos históricos e barrocos de João Pessoa e Cabedelo.
João Pessoa: Embratur, 1985. p. 24.
2 NÓBREGA, Humberto – Arte Colonial da Paraíba. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 1974. BARBOSA,
Florentino Cônego. Monumentos Históricos e artísticos da Paraíba. João Pessoa: A União, 1953. BURITY, Glauce
Maria Navarro – A presença dos franciscanos na Paraíba, através do Convento de Santo Antônio. Rio de Janeiro: G.
M. N. Burity, 1988.
164 Maria Berthilde Moura FILHA
Fig 1 e 2 – Detalhes da pintura do forro da nave da igreja conventual dos franciscanos
– João Pessoa/Paraíba
Fonte: Acervo Dr. Humberto Nóbrega – UNIPÊ
3 Ver: Primeira visitação do Santo Officio ás partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Denunciações
de Pernambuco 1593-1595. São Paulo: Paulo Prado, 1929.
4 Ver: MOURA FILHA, Maria Berthilde – De Filipéia à Paraíba. Uma cidade na estratégia de colonização do Brasil. Séculos
XVI a XVIII. Porto: Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio da Faculdade de Letras da Universidade
do Porto, 2005. Tese de Doutoramento no ramo da História da Arte.
5 SALVADOR, Frei Vicente do – História do Brasil. In Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XIII.
Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger & Filhos, 1888. p. 125.
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da dita aldeia” que era, então, administrada pelos padres jesuítas. No ano seguinte,
Manuel Gonçalves era ouvido em Pernambuco pelo visitador da Inquisição.6
No século XVII, as capitanias de Pernambuco e Paraíba vivenciaram a invasão
holandesa (1631-1654), período que marcou a história destas duas capitanias, com
uma ruptura que estabelece dois tempos distintos em seus percursos históricos.
Expulsos os holandeses, teve início o largo processo de reconstrução destas capitanias,
fato determinante para que muitas das obras hoje remanescentes – em particular as
arquitetônicas – sejam datadas da segunda metade do século XVII, ou posteriores.
Mas ao observar o produto desta reconstrução da Paraíba, após a expulsão dos holandeses,
depara-se com o anonimato dos artistas e artífices atuantes naquela época. Havendo obras
significativas como as igrejas e conventos das ordens religiosas, todas reconstruídas após o
período holandês, pouco é o conhecimento que se tem sobre os seus artistas.
A partir destas considerações iniciais, chega-se ao questionamento: se há informações
sobre a presença de artistas e artífices na Paraíba desde os primórdios da capitania,
como se justifica o anonimato das obras ali produzidas a partir da segunda metade do
século XVII e no século XVIII? Ao mesmo tempo, a qualidade do que foi produzido
não dá espaço para acreditar que tenha sido resultado do trabalho de leigos, mas
ao contrário, demonstra ter por trás, pessoas que dominavam seus ofícios e com um
nível compatível com a produção artística da vizinha capitania de Pernambuco, onde
são inúmeros os artistas identificados no mesmo período.
Soma-se a estes pontos de reflexão, a provável mobilidade de homens que havia
entre as duas capitanias e coloca-se a hipótese de estabelecer um possível percurso
de identificação dos artistas e artífices que trabalharam na Paraíba, através do conhe-
cimento já existente sobre os profissionais atuantes em Pernambuco. Esta pode vir a
ser uma forma de vencer o desconhecimento sobre os artistas e artífices em atividade
na Paraíba, possibilitando ultrapassar obstáculos difíceis de transpor, como a falta de
documentação, as restritas referências bibliográficas sobre a matéria, etc.
Alguns aspectos devem ser esclarecidos para sustentar a viabilidade desta inves-
tigação. O primeiro refere-se à existência de alguns núcleos urbanos estabelecidos
entre as sedes das duas capitanias – as atuais cidades de Recife e João Pessoa – que
provavelmente criou um eixo de ligação entre ambas, também sob a ótica da
produção artística. Entre os núcleos urbanos mais significativos deste “percurso de
ligação” – Olinda, Igaraçu, Itamaracá e Goiana – encontram-se, principalmente,
igrejas e conventos que revelam a presença de mão-de-obra qualificada na produção
dos mesmos, a ponto de justificar a classificação de alguns destes exemplares, com
seus respectivos acervos de bens integrados, no Livro das Belas Artes do IPHAN –
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O segundo aspecto que permite o desenvolvimento desta investigação sobre um
suporte sólido é a existência de um trabalho inédito, guardado na biblioteca da 5.ª
Superintendência Regional do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artís-
6 MARTINS, Judith – Dicionário de Artistas e Artífices de Pernambuco. Trabalho inédito sob a guarda da 5ª Superin-
tendência Regional do IPHAN. p. 90.
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tico Nacional – em Recife. Neste trabalho, desenvolvido pela Sra. Judith Martins,
intitulado “Dicionário de artistas e artífices de Pernambuco” estão arrolados 308 homens
que trabalharam em Pernambuco entre os séculos XVI a XIX, relacionando-os com
as obras nas quais colaboraram.7
Este trabalho é de grande valia para o desenvolvimento da investigação que se
propõe, por representar um elevado esforço de identificação e sistematização de todos
estes artistas e artífices, possibilitando galgar uma outra etapa de conhecimento sobre
a matéria, a partir deste trabalho inicial.
7 Cabe aqui um agradecimento ao Eng. Frederico Almeida, superintendente da 5ª Regional do IPHAN, que permitiu
o acesso a este trabalho inédito.
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8 JABOATÃO, Frei Antonio de Santa Maria – Orbe Serafico Novo Brasilico. Lisboa: Officina de Antonio Vicente da
Silva, 1761. p. 236.
9 WILLEKE, Venâncio. Frei – Dois Arquitetos Franciscanos do Brasil Quinhentista. Itinerarium. Ano 13. Nº 55.
11 RICARD, Robert – Algunas Ensenanzas de los documentos inquisitoriales del Brasil 1591-1595. In Anuário de
Estudios Americanos. Tomo V. p. 705-715. Apud. MELLO, José Antônio Gonçalves de – Antônio Fernandes de Matos
1671-1701. Recife: Edição dos Amigos da DPHAN, 1957, p.12.
12 MELLO, José Antônio Gonçalves de – Op. Cit. p.13.
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Uma vez que somente em 1716 foi criado o posto de capitão engenheiro da
Paraíba, até então, era de Pernambuco que estes vinham para assistir, em particular,
as obras de fortificação da capitania.
Em 1681, o Conselho Ultramarino ordenou ao engenheiro João Alves Coutinho
que fosse à Paraíba, reparar a fortaleza do Cabedelo.14 A partir de 1689, surge o nome
do engenheiro José Pais Esteves intervindo na reedificação da mesma fortaleza, sendo
considerável a sua atuação na Paraíba, até o ano de 1692, quando foi remanejado
para a Bahia. Nos últimos anos do século XVII, o sargento-mor engenheiro, Pedro
Correa, passou a assistir as obras da fortaleza do Cabedelo.15
A mesma mobilidade é apontada para os religiosos das ordens monásticas. Já no
século XVI, constata-se que estes religiosos atuavam em casas situadas em diversas
capitanias, fato que continua a ocorrer na centúria seguinte, como demonstra o
quadro abaixo.16
Nome Ofício Data de Natural Lugar onde
referência trabalharam 16
13 MARTINS, Judith – Op. Cit. p. 5-16. Em Pernambuco, Cristóvão Álvares trabalhou na construção do Forte do
mar, em Recife, e na Sé de Olinda, entre outras obras.
14 A.H.U. – ACL_CU_014, Cx. 2, Doc. 114.
15 MOURA FILHA, Maria Berthilde – Op. Cit. p. 290.
16 Para conhecimento sobre estes religiosos são fonte de pesquisa: LEITE, Serafim – Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil.
1549-1760. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1953 e JABOATÃO, Frei Antonio de Santa Maria – Op. Cit.
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Além destes engenheiros e religiosos, a Sra. Judith Martins arrolou em seu dicio-
nário diversos artífices e artistas que trabalharam em Pernambuco, entre a segunda
metade do século XVII e o século XVIII.
Este levantamento nos indica, também, quais eram as obras em que atuavam
estes homens. Trata-se de um dado de grande valia para subsidiar a hipótese aqui
levantada quanto à existência de um “percurso de produção artística” possível de
haver existido entre as capitanias de Pernambuco e Paraíba. Considerando apenas a
participação em obras ligadas à ordem franciscana, estavam estes artífices envolvidos
na construção dos conventos existentes em Recife, Igaraçu, Olinda e Ipojuca, e
também na capela dourada da Ordem 3ª de São Francisco do Recife. Diante disso,
abre-se espaço para pensar na possível circulação destes homens através das obras
em andamento naquele momento, tanto em Pernambuco quanto na Paraíba.
O percurso histórico que estas duas capitanias vivenciavam aquela época reforça
esta possibilidade, observando-se que um grande número de edificações se encontrava
em obras de recuperação, ou em construção, após a retomada do poder português na
região, bem como no século XVIII, o qual foi um período prolífero em obras, segundo
pode-se depreender da relação apresentada a seguir.
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