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Doutor e Livre-Docente pelo departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professor da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco – USP) e da Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.
Doutor pelo departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP). Professor da Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e da Universidade São Judas Tadeu, Brasil.
1
Cf. Mascaro, 2013.
e suas interações, num processo de coesão que não é lógico nem isento de contradições
internas. Há um encontro de formas e relações sociais capitalistas com realidades
históricas, sociais, econômicas, políticas e culturais múltiplas, que não atendem,
necessariamente, a um modelo de linearidade ideal, nem tampouco sendo iguais em
todas as regiões do mundo.
2
“Toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica, seu
elemento mais simples, indecomponível. Por isto começaremos nossa análise pelo sujeito”
(Pachukanis, 1989: 81).
3
Márcio Bilharinho Naves considera “impossível” o direito romano pelo simples fato de que “a
subjetividade no mundo antigo está presa a determinações qualitativas”, que diferem “de um
homem a outro”, criando diferentes condições de expressão da vontade, que em nada se
assemelham às exigências universais de liberdade e igualdade (Naves, 2013: 71).
A forma jurídica, enquanto forma determinada pelas condições sociais do
capitalismo, tem no circuito das trocas mercantis a sua expressão maior. Assim como o
dinheiro promove a equivalência entre as mercadorias tomadas fundamentalmente em
seu valor de troca, o direito, por sua vez, promove a equivalência necessária entre as
diferentes formas da atividade humana, tornando plena a realização da forma valor no
trabalho abstrato4. A condição de sujeitos de direito - portanto, livres, iguais e
potencialmente proprietários – permite que todo trabalho socialmente necessário possa
ser reduzido a trabalho abstrato. “Apenas com o completo desenvolvimento das relações
burguesas é que o direito assumiu um caráter abstrato. Cada homem torna-se um
homem em geral, cada trabalho torna-se trabalho em geram, cada indivíduo torna-se um
sujeito de direito abstrato. Ao mesmo tempo a norma assume, igualmente, a forma
lógica acabada da lei geral abstrata” (Pachukanis, 1989: 94).
4
“A categoria do trabalho está, portanto, vinculada a um determinado modo de produção,
precisamente o capitalista, que é o único modo de produção no qual o trabalho ‘abstratamente
humano’ é a única fonte de valor (...) dispendido na produção. Isso significa dizer que a
mercadoria em sentido próprio, só pode adquirir plena existência em uma formação social
capitalista, pois somente nela o trabalho se reveste desta forma, e é somente nela que a condição
absolutamente essencial para a generalização da forma de mercadoria se verifica: a
transformação da própria força de trabalho em mercadoria” (Naves, 2013: 41; Pachukanis,
1989: 94).
5
“A esfera da circulação ou da troca de mercadorias, em cujos limites se move a compra e a
venda da força de trabalho é, de fato, um verdadeiro Éden de direitos inatos do homem [...]”.
(Marx, 2014: 250).
6
“As doutrinas morais têm a pretensão de mudar o mundo e melhorá-lo, mas, em realidade, não
passam de um reflexo deformado de um aspecto deste mundo verdadeiro precisamente o
aspecto que mostra as relações humanas submetidas à lei do valor [...]” (Pachukanis, 1989: 134.
concepção capitalista do direito7. Seria forçoso concluir que a superação do capitalismo
e suas mazelas dependeriam apenas do fim da propriedade privada, sem que as demais
condições estruturantes do capitalismo - a divisão social do trabalho e a própria
subjetividade jurídica – fossem debeladas. Mantidas e reproduzidas estas condições,
estaria garantida a sociabilidade capitalista, cuja base material desvela-se na circulação
e na produção mercantil.
7
“[...] Mas importa também, retomando numerosas indicações de Marx, distinguir as relações
de produção em si mesmas, que são as únicas tratadas aqui, de sua ‘expressão jurídica’, que não
pertence à estrutura da produção, considerada em sua autonomia relativa. Trata-se de fato de
distinguir claramente a relação que designamos como ‘propriedade’ do direito de propriedade.
Essa análise tem importância fundamental para caracterizar o grau de autonomia relativa da
estrutura econômica em relação à estrutura, igualmente ‘regional’ das ‘formas jurídicas e
políticas’, e portanto para empreender a análise da articulação das estruturas regionais, ou
instâncias, no seio da formação social” (Althusser et al, 1980: 184).
8
Marx conclui que a existência das condições materiais para a acumulação capitalista foi
precedida de uma acumulação primitiva, em que a forma jurídica não desempenhava papel
relevante: “na história real, como se sabe, o papel principal é desempenhado pela conquista, a
subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência. Já na economia política, tão branda,
imperou sempre o idílio. Direito e ‘trabalho’ foram, desde tempos imemoriais, os únicos meios
de enriquecimento, excetuando-se sempre, é claro, “este ano”. (Marx, 2014: 786)
9
“A ordem jurídica se distingue, precisamente, de qualquer outra espécie de ordem social no
que concerne aos sujeitos privados isolados. A norma jurídica deve sua especificidade que a
distingue da massa de outras regras morais, estéticas, utilitárias, etc., precisamente ao fato de
que ela pressupõe uma pessoa munida de direitos, fazendo valer, através deles, ativamente, suas
pretensões” (Pachukanis, 1989: 72).
Enfim, a subjetividade jurídica antecede o surgimento de um direito
subjetivo, o que torna sintomático que, antes mesmo da positivação estatal, as obras dos
mais importantes filósofos modernos já reconheciam a existência da subjetividade como
um “direito natural”. O direito subjetivo é o ponto nodal em que a subjetividade
jurídica, moldada nas práticas sociais estruturadas pelo capitalismo, conforma-se à
norma estatal, ou em outros termos, em que a forma jurídica encontra a forma política
(Mascaro, 2015a).
10
Para uma ampla discussão do Estado no pensamento marxista ver Caldas, 2015.
11
“Sob o termo Estado, compreende-se o ‘Estado moderno’, implantado como aparelho
centralizado de força com o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e – para
citar Max Weber -, ‘reinvidicando com êxito [...] o monopólio da força física legitimada’ sobre
um território delimitado e sobre os indivíduos que ali vivem” (Hirsch, 2010: 22).
trabalho ainda persistem). Portanto, é apenas sob tais “condições materiais, fundadas
nas estruturas da produção social” que o Estado surge como forma específica de
dominação política e como “materialidade institucional” das formas sociais do
capitalismo (Hirsch, 2010: 20-53)12.
Dizer que há uma coerção estrutural sobre todas as relações sociais não
significa que determinadas ações não possam entrar em conflito com as formas sociais
existentes. A complexidade da organização do Estado é derivada destas contradições, ou
melhor, da totalidade contraditória que é o capital. Por isso mesmo, não se pode dizer
que o Estado é o Estado da classe dominante, pois os aparelhos de Estado devem, em
alguma medida, contemplar as classes dominadas, e é essa permeabilidade que permite
ao Estado lidar com as contradições e antagonismos que compõem a dinâmica
capitalista. O funcionamento dos aparelhos de Estado e o eficiente manejo das crises
dependem da capacidade dos Estados de institucionalizar os conflitos, criando
mecanismos de regulação que funcionam mediante a intervenção e o uso efetivo da
força, que pode ou não submeter-se à legalidade, ou ainda, através da formação de
consensos ideológicos capazes de justificar reorientações na ação política e na
organização da produção. Por isso, a regulação estatal não é, necessariamente, a
imposição de normas, mas a imposição de ordem, uma ordem que garanta a reprodução
das condições das práticas capitalistas. Fatores geralmente relacionados com a
“natureza” do liberalismo como democracia, cidadania, republicanismo e, em muitos
casos, até a legalidade, podem ser deixados de lado quando determinados ajustes na
produção capitalista e, consequentemente, na ordem social, forem necessários.14 Basta
12
Sobre o Estado e o direito no capitalismo, diz Pachukanis (1989: 118): “Na medida em que a
sociedade representa um mercado, a máquina do Estado se realiza efetivamente como a vontade
geral e impessoal, como autoridade de direito, etc. No mercado, como já vimos, cada comprador
e cada vendedor é sujeito de direito por excelência. Onde as categorias valor e valor de troca
entram em cena, a vontade autônoma dos trocadores é uma condição indispensável. O valor de
troca deixa de ser valor de troca, a mercadoria deixa de ser mercadoria quando as proporções de
troca são determinadas por uma autoridade situada fora das leis imanentes do mercado. A
coação, enquanto uma função baseada na violência e endereçada por um indivíduo, contradiz as
premissas fundamentais das relações entre proprietários de mercadorias. É por isso que, em uma
sociedade de proprietários de mercadorias e no interior do ato de troca, a função da coação não
pode aparecer como função social., dado que ela não é impessoal e abstrata [...]”.
13
Cf. Almeida, 2015. Também sobre a relação entre capitalismo e formas de discriminação ver
também Balibar et al, 2010; Mascaro, 2013: 63-68.
14
“O Estado como fator de força na política interior e exterior: esta é a correção que a burguesia
deve fazer à sua teoria e à sua prática do ‘estado jurídico’. Quanto mais a dominação da
burguesia for ameaçada, mais estas correções se tornam comprometedoras e mais rapidamente o
lembrar que nos países da América Latina, a construção dos regimes de “liberdade
econômica” foi feita sob violentas ditaduras civis-militares apoiadas pelas democracias
do ocidente desenvolvido.
‘Estado jurídico’ se transforma em uma sombra material, até que a agravação extraordinária da
luta de classes force a burguesia a rasgar inteiramente a máscara do Estado de direito e a revelar
a essência do poder de Estado como a violência organizada de uma classe social contra as
outras” (Pachukanis, 1989:126. Ver também Mascaro, 2008).
acompanhada de uma luta social que também é luta jurídica, na disputa distributiva
dentro dos termos gerais de constituição e compreensão dessa sociabilidade.
BIBLIOGRAFIA