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Artigo de conclusão de semestre 1/2019 - Psicologia Social - PUC-SP 

ASPECTOS DA PSICOLOGIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA 


Professora Maria do Carmo Guedes 
Luis Henrique do Nascimento Gonçalves 
 

O que a contemporaneidade pode nos dizer 


sobre o passado e o futuro da humanidade? 

O  contemporâneo  é  compreendido  de  diferentes  formas  por  diferentes  correntes 


teóricas.  Para  alguns,  ele  é  o  resultado  preciso  e  predizível  do  passado,  tal  como  o 
futuro  é  ​a  priori  o  tempo  do  progresso.  Para  outros,  o  contemporâneo  é  o único plano 
temporal  válido,  dado  que  passado  e  futuro  são  resultados  contingenciais, 
desconexos,  factuais.  Por  isso,  as  ações  do  ser  social  são  suficientemente 
indetermináveis  para  que  seja  possível  observarmos  o  movimento  da  totalidade  na 
História.  Há  ainda  os  que  não  problematizam  tanto  tais  dimensões, já que elas são os 
palcos  onde  a  Razão  Universal  e  Soberana  expressa  sua  vontade  e,  dessa  forma, 
estamos  entre  espectadores  e  atores que interpretam os papéis à nós atribuídos pelas 
deidades. 

Mas  o  contemporâneo  também  pode  ser  visto  como  o  resultado  de  múltiplas 
determinações  e  da  unidade  de  contrários que lutaram, na concretude e nos limites do 
real,  pela  realização  de  suas  imanências  no  tempo  passado  e  que  ainda  se 
transformam  mutuamente  no  presente.  O  tempo  histórico  (essa  espécie  de  presente 
estendido)  em  que vivemos e que chamamos de contemporâneo, além de herdeiro das 
lutas  antepassadas,  é  também  o tempo das lutas dos agentes vivos pela realização de 
futuros possíveis. 

Se  entendermos  o  contemporâneo  como  o  resultado  e  a  produção  de  possibilidades 


históricas  postas  ​pela  e  ​na  ​ação recíproca dos homens e mulheres, temos a chance de 
revê-lo  como  algo  muito  mais  rico,  amplo  e  mesmo  generoso.  Quando  figuras 
mitológicas,  acaso,  destino,  meras  moralidades  e  outras  interpretações  da  fértil 
imaginação  humana  sobre  o concreto são postas para o lado, o ser pode explicitar seu 
poder  real  e  sua  "natureza";  heranças  e  sonhos  de  futuro  passam  a  ser  re-percebidos 
como  ingredientes  essenciais  desse  tal  contemporâneo  e  do  seu  único  agente:  o  ser 
social,  aquele  luta  pela  mediação  das  suas  necessidades  com  a  natureza  e  em 
sociedade  –  ato  que  se  desdobra  na  renovação,  ampliação  e  complexificação  dessas 
necessidades e, consequentemente, de si mesmo e dos seus herdeiros. 

Assim,  o  mundo  e  o  contemporâneo  que  merecem  ser  vividos  são  aqueles  em  que 
podemos  tomar  consciência  dos  limites  e  possibilidades  reais  da  humanidade  e  agir 
de  tal  forma;  aqueles  em  que se reconhece não ser possível fugir da vida como drama, 
seja  através  de  ilusões  de  redenção,  ou  de  concessões  desumanizadoras  que 
assegurem  a  um  ou  outro  um  fragmento  de  emancipação  política  –  lutando,  assim, 
uns contra os outros por esses ilusórios privilégios. 

O que o contemporâneo nos diz sobre o passado? 

O  tipo  de  humanismo  aqui  defendido  como  forma  de  ver  o  contemporâneo  muitas 
vezes  pode  ser  interpretado  como  determinista,  pois  ele  persiste  na  busca  pela 
apreensão  do  movimento  geral  do  real,  pela  possibilidade  de  haver  mesmo  um  real  e 
seu  movimento  geral  a  ser apreendido. Mas talvez seja preciso um raso conhecimento 
sobre  esse  humanismo,  ou  mesmo  reconhecimentos  invertidos  e  idealizados  da 
totalidade  para  se  pensar  assim.  Com  os  "óculos"  desse  humanismo  é  possível  nos 
aproximarmos  da  apreensão  do  concreto  em  sua  estrutura  e  dinâmica.  Torna-se 
possível  a  compreensão  (e  a  vivência)  do  contemporâneo  como  elemento  vivo  do 
entrelaçamento  histórico  (passado,  presente  e  futuro)  que  expressa  os  conflitos  de 
sujeitos  que  agem  agrupadamente  segundo  os  interesses  da  suas  posições  comuns 
nas hierarquias das sucessivas formas de organização da reprodução social. 

Ainda  que,  por  certo,  não  se  possa  ver o futuro com esses "óculos", com ele é possível 


observar  o  passado  na  perspectiva  de  ​post  festum​.  Determinações  e  agentes 
fundantes  de  uma  dada  totalidade  posteriormente  vivida  aqui  no  contemporâneo 
podem  ser  mais  evidentemente  reconhecidos;  suas  imanências  podem,  ​post  festum​, 
ter  seu  movimento  de  associação  e  negação  com  outros  agentes  e  determinações 
compreendido;  revela-se  de  que  modo  todos  eles  se  medeiam  entre  si,  com  a 
totalidade  que  integram  e  até  como  tal  totalidade  medeia  a  si  com outras totalidades, 
exponencial  e  infinitamente;  é  possível  observar,  ​post  festum​,  o velho lutando contra o 
novo  –  e  por  vezes,  nessa  luta,  podemos  até  mesmo  ver  como  aquele  persistiu  tão 
longamente  para  não  ceder  o  espaço  para  esse,  que  um  dia  também  reunirá  as 
condições para ser negado e superado. 

O  olhar  ​post  festum  nos  educa  a  perceber  que  o  nosso  objeto  (por  exemplo,  o 
contemporâneo)  existe  na  sua  aparência  e  na  sua  essência.  Mas  nem  o  mundo 
sensível  é  ​todo  o  mundo  (um  mundo  pseudoconcreto);  nem  o  sensível,  o  aparente, 
mente  sobre  a  essência;  nem  aparência  e  essência  vão  coincidir  entre  si  –  o  que 
dispensaria o olhar curioso, persistente e crítico para compreendê-lo. 

Dessa  forma,  para  nos  integrarmos  potentemente  ao  nosso  tempo  e  ao  concreto, 
torna-se  necessário  equiparmos-nos  com  tais  "óculos".  Com eles podemos ​decifrar os 
"borrões"  e  formas  sociais  –  tão  incompreensíveis  quanto  sugestionáveis  (como 
nuvens  que  tomam  formas  humanizadas  no  céu)  –  como  aquilo  que  são  de  fato: 
relações,  interesses,  necessidades  que  lutam  entre  si  pela  sua  eternização  e 
naturalização – custe o que custar. 

Assim,  saltando  do  abstrato  para  o  concreto,  o  que  nosso  contemporâneo  diz  sobre 
nosso  passado?  Este  é  o  tempo  histórico  da  superpopulação  e  da  primazia  humana 
sobre  toda  e  qualquer  forma  de  vida;  é  o  tempo em que essa primazia se impõe como 
dominação  e  ​consumação  (aquilo  que  se  torna  meio  de  satisfação  mediante  sua 
destruição);  é  um  tempo  de  dilaceração  e  negação  do  humano  (esteja  ele  na  sua 
criação  material  e  imaterial,  em  sua  intersubjetividade,  ou  na  natureza  que  ele 
significou  para  si);  é  o  tempo  da  ciência  como  técnica  de  gerenciamento  do  velho 
contra  o  novo,  e  não  como  meio  de  afloramento  do  novo.  Mas  porquê  e  como 
chegamos neste contemporâneo? O que nos diz o passado sobre o presente? 

Efetivação e desefetivação do ser social 

Enquanto  na  natureza  os  outros  animais desenvolviam suas atividades vitais de forma 


imediata  –  como  o  leão que mata um antílope quando está com fome – os humanos o 
aprenderam  a  fazê-lo  ​mediadamente​.  Ou  seja,  satisfazemos  nossas  necessidades 
vitais  criando  os  ​meios  para  isso.  Começamos preparando lanças e flechas, dividimos 
tarefas  de  caça,  caçamos,  preparamos  a  carne.  Enquanto  comíamos  e 
imortalizávamos  a  caçada  pintando-a  nas  paredes  das  cavernas,  olhávamos  para  a 
caça,  para  a lança e, inventando a pergunta, perguntávamos: seu eu posso fazer isso, o 
que mais posso eu fazer? 
Isso  significa  que,  diferente  dos  outros  animais,  nossa  ​atividade  vital  é  ​consciente​.  E, 
quanto  mais  consciente  –  tornando-se  ​práxis  –​,  maior  se  tornou  nosso domínio sobre 
a  natureza.  Portanto,  quanto  maior  o  domínio  sobre  a  natureza, mais o ser humano se 
tornou  ​livre  frente  às  suas  necessidades  vitais.  Por  sua  vez,  essa  ​atividade  vital 
consciente  livre  ​ampliou  o  próprio  sentido  do  que  nos  é  vital.  Então,  além  da 
alimentação,  o  conforto,  a  vida  social,  a  arte,  a  ciência,  a  espiritualidade  são  também 
necessidades  humanas.  Agindo  conscientemente  e  tomando  livremente  a  natureza 
como  a  parte  inorgânica  do  corpo,  nos  ​efetivamos  como  seres  humanos.  Mas  só 
fizemos  tudo isso porque agimos socialmente (ação, tecnologia, linguagem, memória). 
Assim, nos efetivamos como ​seres sociais​. 

Entretanto,  com  o  tempo,  alguns  de  nós  perceberam  que  suas  possibilidades  de 
efetivação  poderiam  ser  maiores  tanto  em  relação  à  capacidade  e  criatividade 
produtiva  sua,  quanto a do seu coletivo. Entenderam que o ​meio para essa específica e 
diferenciada  relação  social  de  efetivação  era  a  ​desefetivação  dos  demais.  Alguns  de 
nós  pretenderam  ter  mais  do  que  todos  poderíamos  ter  juntos.  Para  isso,  se  fazia 
necessário  criar  relações  sociais  capazes de ​privar os demais seres sociais dos meios 
produção  da  vida;  dos  produtos  do  trabalho  humano surgidos desses meios; dividir os 
homens  e  mulheres  em  tarefas  separadas  e  cada  vez  mais  específicas  e 
hierarquizadas, evoluindo essas divisões em classes sociais.  

Num  tempo  histórico  chamado  de  Modernidade,  a  propriedade  privada  e  a  divisão 


social  do  trabalho  foram  operadas  numa  escala  jamais  vista,  desdobrando-se  e 
reproduzindo-se  assombrosamente  a  partir  de  inovações  tecnológicas  produtivas 
(máquinas),  das  trocas  (Economia)  e  de  novos  mitos  (progresso,  indivíduo  mônada 
etc.).  O  amálgama  desses  fatores  lançou  a  classe  que  os  impôs  (a  burguesia)  num 
novo  patamar  de  ​efetivação-pela-desefetivação​: o mundo da ​alienação​, onde o trabalho 
social  tomou  a  ​forma  mística  da  mercadoria  e  do  capital.  Alienação  é  retirada, 
transferência;  é  a  separação  do  ser  social  (1)  dos  ​meios  e  (2)  dos  produtos  com  os 
quais  satisfazemos  das  necessidades  vitais;  (3)  de  ​si  mesmo​,  pois  sua  ​atividade  vital 
passa  a  objetivar  a  satisfação  das  necessidades  de  outra  pessoa  e,  por  fim;  (4)  do 
gênero  humano,  do  outro,  pois  passamos  a  interagir  entre  nós  como  dominantes, 
dominados, concorrentes e objetos. 
Desefetivada​,  a  vida  social  retroagiu  à  luta  pela  sobrevivência,  porque  a  atividade  vital 
consciente  deixou  de  ser  ​livre​.  Sem  liberdade,  inventamos  um  tipo  de  dissociação 
chamada  ​estranhamento  –  a  organização  social,  o  outro,  o  trabalho  e  o  seu  produto 
passaram  a  ter  vida  própria  e  a  reinar  sobre  nós;  deixamos  de  construir  socialmente 
quem  poderíamos  ser;  e  o  super-poderes  das  deidades  foram  transportados  para  as 
coisas  –  o  produto  social  alienado  e  tornado  independente  na  forma  fetichizada  de 
mercadoria e valor. 

O contemporâneo e o admirável mundo novo da 4ª Revolução Industrial  

De  volta ao presente, encontramos o contemporâneo com um estranho cheiro de velho 
–  aquele  que  sentimos  quando  abrimos  as  embalagens  dos  nossos  novos 
computadores,  tablets,  celulares  e  carros inteligentes. Depois de ser uma contraditória 
força  criadora  e  civilizacional  (de  um  tipo  particular  de  civilização),  a  forças  da 
Modernidade  fecharam-se  em  si  mesmas  na  sua  luta  contra  o  novo,  contra  tudo  e 
contra todos, pela sua reprodução. 

Em  troca  de  comida,  vídeos, música e sexo trazidos até o pseudo-mônada por meio de 


novos  aplicativos  embarcados  em  novos  celulares;  em  troca  de  novas  TVs,  carros, 
videogames,  remédios,  casas,  roupas,  identidades,  armas  e  foguetes;  em  seu  tempo 
tardio​,  a  Modernidade  e  sua  religião  (o  capital)  transbordam  das  fábricas  e  seguem 
privando  –  ​tornando  privada  –  qualquer  atividade  humana  que  lhes  possa  produzir 
valor.  

Com  sua  inteligência  artificial,  big  data,  telecomunicação  ultrarrápida  e  seus  mitos  de 
empreendedorismo,  a  4ª  Revolução  Industrial  desmembrou,  precarizou  e  espalhou  a 
linha de produção por todo o mundo globalizado. Com isso, enfraqueceu ainda mais os 
laços  de  solidariedade  entre  os  desefetivados.  As  barreiras  da  segurança  ambiental 
foram  literalmente  rompidas  em  nome  do  lucro,  alterando  o  clima,  o  ciclo  de  chuvas, 
extinguindo  rios  e  outros  sítios  de  vida.  E  os  sofrimentos  do  estranhamento, 
intensificados  nesses  tempos  vertiginosos,  são  tratados  como  patologias  para  as 
quais há diagnósticos, médicos, remédios, aplicativos e o que mais puder ser vendido. 

Adeus à sociabilidade livre? – redes sociais e mais valia 2.0 

Arrastados  por  essa  "fábrica  social",  subsumidos  pela  necessidade  cada  vez  mais 
exigente  e  insaciável  do  velho  em  reproduzir  as  condições  sociais  da  sua 
sobre-vivência​, agora é a ​sociabilidade que é externalizada do ser social. A nossa forma 
de  construção  identitária  individual  e  coletiva,  nossa  capacidade  humana  de 
colaboração  e  de  produção  de  cultura  têm  sido  cada  vez  mais  alienadas  do  social  e 
reificadas  através  dos  "jardins  murados"  – as redes sociais. Cada vez mais aspectos e 
dimensões  da  sociabilidade  só  podem  ser  realizados  lá  dentro.  Nos  jardins  murados 
do  Facebook,  Instagram,  Tinder e similares, a sociabilidade se torna ​coisa​, valor de uso 
–  e  causal  e  simultaneamente,  valor  de  troca,  mercadoria.  Então,  para  se  viver  a 
sociabilidade-mercadoria  é  preciso  consumi-la.  Mas para consumi-la é preciso trocá-la 
por algo que interesse ao seu dono.  

Porque  se  tornou  ​coisa  imaterial  útil  –  ​uma  abstração  real  –,  a 
sociabilidade-mercadoria  só  pode  ter  seu  valor  de  uso  consumido  enquanto  ela  é 
produzida  pelo  seu  próprio  consumidor.  Ao  ingressar  nos  jardins  murados,  o  que  o 
consumidor  recebe  é  o  direito  de  usar  os  meios  para  produzir  a  sua  mercadoria  ao 
mesmo tempo que ele a consome.  

Mas  o  que  o  dono  da  sociabilidade-mercadoria  se  apropria,  se  na  sua  aparência,  a 
troca  ​não  se  dá  pela  cessão  da  forma-dinheiro  em  posse  do  "cliente"?  ​Para  e  ​ao 
realizar  o  consumo,  os  "clientes"  precisam  produzir  (e  ceder  o  direito  econômico 
sobre)  cópias  digitais  de  suas  experiências  de  vida  –  além  de  outros  marcadores  do 
seu  comportamento  e  da  sua  subjetividade,  que assumem a forma dos dados que são 
coletados  nos  nossos  novos  dispositivos  digitais.  Fotos,  vídeos,  textos,  como 
movemos  os  olhos  e  o  mouse,  nossa  localização,  o  jeito  como  andamos  quando 
estamos  com  o  celular  no  bolso,  onde  clicamos,  o  que  compramos,  como  digitamos, 
ouvimos,  assistimos,  ​tudo  é  transformado  em  dados​.  Estes  dados  são  organizados 
pela inteligência artificial, que nos agrega em perfis psicométricos, que por sua vez são 
alugados  a  outros  portadores  de  mercadorias  que  precisam  ser  trocadas  pela 
forma-dinheiro,  como  meio  de  realização  do  seu  capital.  Esses  mercadores  podem 
assim  nos  oferecer  mercadorias  que,  sabidamente  por  eles,  se  colam  a  desejos, 
medos, expectativas que podemos até mesmo desconhecer sobre nós.  

Assim,  mais  uma  vez,  objetivamos  no  mundo  produtos  que  estranhamos  e  que 
assumem  as  formas fetichizadas da mercadorias e do valor (a sociabilidade reificada); 
não  possuímos  e  não  controlamos  os  meios  de  produção  dessas  mercadorias  que 
passamos  a  precisar  consumir  (as  redes  sociais);  ao  estranharmos  essa  relações 
produtivas  (sequer  suspeitamos  que  existem!),  estranhamos  também  o  gênero 
humano,  agora  na  forma  de  curtidores,  fãs,  ​haters​,  concorrentes;  e,  com  isso, 
estranhamos  a  nós  mesmos,  pois  para  sorver  essa  sociabilidade  e  se  realizar  nela, 
precisamos  ser  ​outro​,  aquele  a  quem  os  algoritmos  podem  (ou  não)  nos  privilegiar 
com um l​ ike​, uma visualização, um ​match​. 

Como  num  contrato  de  trabalho  contemporâneo,  essa  relação  produtiva  é 


juridicamente  acordada  quando  aceitamos  os  termos  de  privacidade  e  direitos de uso 
de  dados  impostos  para  o  direito  ao  acesso  ao  jardim  murado  –  enquanto  pensamos 
que  se  trata  apenas  de  mais  uma  "dádiva"  do  admirável  mundo  novo  da  revolução 
tecnológica. 

Se  essa  nova  outra  forma  tardia  de  relação  social  é  uma  forma  de  alienação,  disso 
resulta  que,  para  viver  nela,  produzimos  também  uma  (inter)subjetividade  alienada, 
mistificada,  castradora,  sublimada  em  novos  fetiches;  produzimos  o  insaciável  ​desejo 
de  desejar não apenas as mercadorias, mas também e principalmente o direito de viver 
no​ e ​sob​ o reino das coisas que têm vida própria. 

Outro contemporâneo é possível? 

Esta  parece  ser  a  última  (até  então)  fronteira  de  disputa  entre  o  velho  e  o  novo  pelo 
direito  de  se  realizar  nos  contemporâneos  construídos  socialmente  por  todos  nós. 
Último,  porque  está  além  de  outras  capturas,  como  os  genes,  o  bioma,  o  nano  e  o 
cósmico,  pois  passa  a  colonizar  e  moldar  a  forma  de  darmos  sentidos  pessoais  aos 
significados sociais dessas dimensões da totalidade até então desconhecidas. 

Para  concluir,  entretanto,  é  preciso  –  graças  àqueles  "óculos"!  –  revelar  que  o  ser 
social  não  é  e  não  pode  ser  plenamente  subsumido,  impedido  de  desconfiar  e,  ainda 
que  subversivamente, desejar sua reefetivação, reconciliar-se com seus produtos, seus 
meios  de  produção,  consigo  e  com  seu  gênero  –  elevar-se como ser antropocósmico! 
Não  somos  –  nunca  fomos  –  vítimas  indefesas  e  incapacitadas  para  atravessar  essa 
velha contemporaneidade. 

O  sofrimento  físico  e  psíquico  causado  pela solidão do estranhamento historicamente 


só  pôde  e  só  pode  ser  curado  pela  ação  solidária  dos  desefetivados  ​quando  agem 
produzindo a consciência​ (​práxis​, novamente) de si e para si.  
Não  se  trata  de  um  desejo  proferido  e  deixado  à  deriva,  um  protesto,  um  suspiro,  um 
post  –  ​ilusão  de  privilégio  de  quem  acha  que  pode  achar  seu  "cantinho"  na  barbárie. 
Não  se  trata  de  ​esperança  no  seu  sentido  etimológico  –  ​ficar  esperando​,  pois  só  se 
espera aquilo que não se é capaz de realizar. 

Trata-se  da  necessidade  de  uma  ​práxis  revolucionária.  Aquela  capaz  de  descobrir 
como  os  operários  da  fábrica  social  em  que  se  tornou  a  contemporaneidade  –  tão 
distintos  daqueles  dos  séculos  XIX e XX –, podem se reconhecer como comuns; como 
podem,  em  meio  à  sua  diversidade,  agir  como  comuns;  como  podem  resistir,  criar, 
aprender,  ressignificar,  criar  forças  para  a  única  tarefa  que  pode  nos  apresentar  ao 
novo: destruir o velho. 

Novos proletários de todo mundo, uní-vos! 

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