Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Cadernos PDE
Introdução
1
Professora da Rede Estadual de Educação, formada em Letras Anglo-Portuguesas pela Fundação
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cornélio Procópio e pós-graduada em Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira pela mesma universidade, Participante do Programa de
Desenvolvimento Educacional - PDE – SEED-PR, Turma 2013.
2
Professor Adjunto de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira na Universidade Estadual do Norte
do Paraná – campus de Cornélio Procópio.
Felizmente, com o advento da imprensa, os folhetos de cordéis adquiriram
formato de livreto com imagens na capa, as chamadas xilogravuras: gravuras feitas
manualmente em matrizes talhadas na madeira, técnica esta ensinada pelos
missionários portugueses aos indígenas. Muitos destes cordéis e xilogravuras são
produzidos pelos próprios poetas, tendo sobrevivido às grandes mudanças até
chegar aos nossos dias.
Vivendo numa sociedade capitalista, aonde a exacerbação do individual
chega ao seu ápice, as relações educativas e comunitárias estão perdendo o seu
valor. Cabe à escola resgatar os elementos culturais do bojo da vivência e
experiência que os alunos têm e trazem consigo, paralelamente construindo uma
leitura de mundo, onde todas as culturas orais e populares são inegavelmente
possuídas de valores.
O cordel é uma forma poética rica, complexa e viva, que exprime uma
mentalidade, uma visão de mundo popular. Suas narrativas são histórias
criadas mais para o ouvido do que para os olhos, ou seja, sua recepção
pelo público pressupõe o canto, a recitação ou a leitura em voz alta, feita
por alguém situado no meio de um círculo de ouvintes que acompanham
atenta e coletivamente o desenrolar das aventuras. (ANDRADE, 2004 apud
SILVA, 2007)
A literatura de cordel tem suas raízes na cultura europeia, pois surgiu na Idade
Média, na França, de lá para Portugal e Espanha e depois se espalhando pela América
Latina. Chegando ao Brasil através dos portugueses, e cultivada no Norte, Nordeste e
também na região Sudeste.
Como a península ibérica viveu dominada por durante oito séculos pelos
árabes recebeu grande influência deste povo. Os poetas cantores “medajs”
(seguidores do Islã) apresentavam-se em praça pública, cantando velhos contos de
origem asiática (persas ou hundus) ou ainda celebravam a memória dos feitos
heroicos de seus guerreiros, acompanhados por instrumentos musicais: adufes,
castanholas, alaúdes e rabecas.
De um lado os trovadores, jograis e menestréis e do outro os “medajs”
muçulmanos, ambos, artistas de tradição popular, fundiram-se na tradição da cultura
portuguesa e podem ser considerados os ancestrais desta arte popular, que hoje é
eternizada pelos violeiros repentistas e os poetas populares. (SILVA, 2007 apud
ANDRADE).
A princípio, a literatura de cordel segue o caminho da manufatura, do início ao
fim: o escritor se encarrega em muitos casos da redação, da correção do texto, da
impressão, dos desenhos e da encadernação do livro, feitos em papel tipo jornal,
devido aos parcos recursos a que é submetido, a capa costuma ser de um papel
melhor, do tipo usado para embrulho comum, preocupando-se em baratear a
produção. Os folhetos de cordel são pequenos, medem 11 cm por 16 cm e
obedecem aos números pares: oito, dezesseis, trinta e duas e raramente, 64
páginas e são apresentados ao público pelo próprio autor, que também é
responsável pela sua vendagem.
Com louvável admiração, a capa é uma das coisas que mais chama atenção
nos folhetos, apresenta uma gravura que condiz com o tema do conteúdo do livreto,
feito numa matriz de madeira, que recebe o nome de “xilogravura”. Constituem-se
hoje em dia em um dos itens mais importantes de exportação da arte brasileira.
Sabe-se que há em cada país estrangeiro artistas locais importantes, porém o que
eles não têm são os gravadores populares, com sua linha regional e seus preços
acessíveis. O desejo de ilustrar os folhetos começou com o Mestre Noza, em
Juazeiro do Norte, santeiro conhecido (entalhador de estátuas), que cortou uma
tabuinha para servir de capa para um folheto.
Atualmente a xilogravura é sinônima de arte popular legitimamente brasileira
e seus artistas valorizados fora do país.
Por que o nome cordel?
Com o advento da imprensa, por volta de 1450 na Europa, parte dessa
literatura popular oral são publicadas em pequenos livretos. Nasce a literatura de
folhetos. Em Portugal ganharam outras denominações: folhetos, folhas volantes e
literatura de cegos, por terem sido vendidos somente por cegos em Portugal por
determinação de uma lei que foi reivindicada pela Irmandade do Menino Jesus dos
Cegos de Lisboa. Como eram expostos para venda sobre barbantes ou cordões,
semelhante à roupa no varal, consagrou-se como literatura de cordel.
Segundo Luyten, a classificação da literatura de cordel ocorre em um
verdadeiro atentado ao poeta popular quando não o estuda e dá ênfase a algum
tema, ou divide os folhetos por temas. O escritor de folheto é de origem popular e
escreve para o seu meio adequado - o povo, seu ponto de vista é comum ao seu
meio. Quando trata de religião escreve sobre as coisas da forma como ele e seus
leitores estão habituados a tratar o assunto. Observa-se que o personagem diabo –
o cão, como é normalmente chamado, não costuma ser unicamente a personificação
do mal, mas um elemento que convive com as pessoas do povo. O leitor tradicional
de folhetos é de origem rural e, como tal, sente mais o fatalismo da natureza, como
a chuva, a seca, pestes, etc. e tende a atribuir-lhe como causa: interferência do
sobrenatural.
Padre Cícero Romão Batista “Padim Ciço” e Frei Damião são personagens
frequentes nos folhetos, ambos religiosos tidos como santos pelo povo. Também
aparecem heróis populares nordestinos, como os cangaceiros Lampião e Antônio
Silvino.
Conclui-se que a literatura de cordel é popular, refere-se a assuntos sob o
ponto de vista popular, portanto trata de assuntos que interessam ao povo.
Desde o final do século XIX a literatura de cordel foi produzida por homens e
mulheres com pouca ou quase nenhuma escolaridade, mas que se envolveram
intensamente no mundo das letras sendo autores, leitores, editores e críticos de
composições poéticas. O sucesso dos folhetos deve-se a vários fatores e um deles é
sem dúvida a sua intensa relação com a oralidade.
A transposição da oralidade para a escrita também ocorre neste gênero,
inicialmente aos rapsodos não ocorria a necessidade de moldar a arte poética à
teoria a que ela se submete posteriormente, descreve Silva: Os primeiros repentistas
não tinham muito compromisso com a gramática, com a métrica, com a rima e muito
menos com o número dos versos para compor as estrofes. Alguns versos
alongavam-se muito, outros, eram demasiado breves (SILVA, 2011, p.35).
Apesar de muitos cordelistas não terem instrução e não terem frequentado
uma escola, eram artistas e, como tal, não desistiam de estudar as narrativas e as
poesias, investigando, garimpando, dominando a arte do cordel. Sem dúvida, o
caminho que percorreram resultou em um conhecimento sistemático e elaborado, de
modo a atender a sociedade ávida por informações, ainda quando são contadas
com a beleza de quem sabe narrar com arte, como os repentistas em suas pelejas
orais e os cordelistas com suas poesias. Instruíam-se em casa com os livros que
possuíam em suas pequenas bibliotecas, suficientes para a sua produção.
(HAURÉLIO, 2010, p.24)
“Qualquer texto, seja em prosa, seja em verso, precisa ter graça, harmonia e
compromisso com a gramática e com o enredo”. (SILVA, 2011, p.64), o poeta
trabalha com esmero na execução de seu trabalho, artistas como Leandro Gomes
de Barro, Silvino Piruá de Lima e João Galdino da Silva são extremamente exigentes
na construção de suas poesias, seja em relação às estrofes, ao número de versos
por estrofe, à métrica, ao ritmo, à rima: “esses poetas passaram a dominar com
facilidade a rima, amoldando, também, ao corpo da estrofe, o verso rebelde”.
(SILVA, 2011, p.115), mesmo o repentista, que se apresenta ao vivo ao som da
viola, não se dispensa o primor da arte.
Portanto, cada autor deve conhecer as regras antes de executá-las, seja em
qualquer modalidade, cumprir com esmero para não incorrer em vexames
desagradáveis, no cordel ou no repente, o que for combinado deve prevalecer sem
fuga do tema e obediência às regras exatas, não se permitindo desvio de conduta do
poeta.
‘”Abecês” e desafios, são duas estruturas de folhetos que chamam a atenção
pela sua apresentação, a primeira pelo fato de cada sílaba começar com uma letra
do alfabeto com uma intenção implícita de tratar de um assunto por inteiro. Como o
“abecê” de Paulo Nunes Batista – poeta nordestino morador em Anápolis, Goiás, um
dos melhores abecedistas do país:
O dentista em ABC
Abrindo a boca (dos outros)
no mundo onde impera a dor
de dentes, o tiradentes,
dentista restaurador –
restaura, trata, obtura:
da boca, da dentadura
é o “nosso mestre”, o doutor.
Boca – aí começa tudo,
pois, sem boca, ninguém come,
e, sem comer, não se vive
porque se morre de fome.
Da boca – o médico-artista
é o nosso amigo, o dentista,
de quem sempre louvo o nome!
(BATISTA, apud LUYTEN, 2005, p.50).
Manoel Camilo:
Correia pergunto a si
qual o significado
de você chegar aqui
p’ra cantar sem ser chamado
porque se veio a propósito
lhe digo, veio enganado.
Correia:
É porque fui informado
que você disse outro dia
que todo mundo lhe teme
na arte da poesia
vim lhe provar que não temo
a ninguém na cantoria.
SANTOS, apud LUYTEN, 2005, p.52)
E assim a luta começa, até que um dos dois desista. O tema pode ser de
sugestão de um dos poetas ou por uma pessoa presente ao debate. É importante
saber que há várias maneiras de ordenar os versos de cordel e que cada uma delas
tem uma forma especial de ser cantada. A possibilidade musical deve estar presente
mesmo que o poema seja apenas para ser declamado.
Os versos de quatro sílabas poéticas, as parcelas, como eram chamados foi
inicialmente a forma mais utilizada na poesia de cordel, ditavam um ritmo ligeiro na
cantoria, em seguida evoluíram para cinco sílabas poéticas.
As quadras são estrofes de quatro versos e sete sílabas, pouco utilizadas
atualmente, como esta de 1904: 14.
Na província da Normandia
O duque Alberto vivia,
Pelo seu nobre caráter
O povo muito lhe queria
(GAYLEY apud HAURÉLIO, 2010, p. 38)
.
Uma das formas mais comuns na arte de ordenar os versos de cordel é a
“sextilha” (estrofes com seis versos) sete sílabas com esquema rítmico abcbdb, são
as preferidas dos brasileiros, usadas pelos repentistas, conferem beleza e dão
fôlego aos cantadores.
Na província da Normandia,
Na remota antiguidade,
Viveu o duque Alberto,
Cheio de fraternidade,
Era ele o soberano
De toda aquela cidade
(ATHAÍDE apud HAURÉLIO, 2010, p. 38).
E/xis/tia /an/ti/ga/men/te
Um /ve/lho /cha/ma/do An/dré,
Ca/sa/do, /e a /sua /es/po/sa.
Se /cha/ma/va /Sa/lo/mé.
Fo/ram /pais /de /dois /fi/lhos,
Que /e/ram /João /e /Jo/sé.
(RESENDE apud SILVA, 2011, p. 52).
Observa-se, que neste estilo aberto os versos pares rimam (André, Salomé,
José) e os ímpares não rimam (antigamente, esposa, filhos).
Outra forma de composição é a septilha, estrofes de sete versos com sete
sílabas, redondilha maior, ou versos com dez sílabas poéticas. Os cordelistas
preferem os versos de sete sílabas, mas os repentistas preferem os versos de dez
sílabas, que são cantados de duas formas, uma natural, como são usadas nas
sextilhas e outra em que os cantadores cantam dividindo entre eles a mesma
estrofe. O primeiro canta dois versos, o segundo canta outros dois versos, e o que
começou arremata cantando os três últimos versos e assim sucessivamente durante
horas de cantoria, sempre usando a “deixa”.
O quadrão é a estrofe com oito versos (duas vezes quatro). Os três primeiros
versos têm a mesma rima, o quarto e o oitavo verso rimam entre si, o quinto, o sexto
e sétimo versos apresentam também a mesma rima. A décima é a estrofe com dez
versos distribuídos em duas partes, que podem ser uma quadra mais uma sextilha,
ou duas quintilhas. Percebe-se com relativa facilidade a formação da poesia pela
distribuição das rimas em cada estrofe.
A) Décima composta de uma quadra e uma sextilha:
Sebastião Marinho:
No martelo eu me sinto um campeão, 17.
Pouca gente acompanha o meu traçado,
Pois conduzo esse mundo em minhas mãos,
Edifico no centro o meu reinado...
Nesse campo eu fui, sou e serei fera,
Vivo alegre porque ninguém supera
Meu martelo de aço temperado.
Andorinha:
É melhor o senhor tomar cuidado,
Pois comigo o negócio é diferente.
Cada verso que faço é bem medido,
Cada estrofe que canto o povo sente;
Minha marca de grande vencedor
Desmorona qualquer competidor
Que ousar pôr os pés na minha frente.
(apud SILVA, 2011, p.108).
Como estratégia de prender o leitor para a leitura de outro livreto, o poeta não
o termina. Convida-o a acompanhar a saga de algum personagem como em “o rei
do cangaço” ou outra narrativa similar:
O cordel no Brasil
Método Recepcional
Ao final das etapas o aluno terá uma leitura mais exigente que a da fase
inicial, tanto em termos estéticos e ideológicos, fundamentando-se num movimento
espiral, procurando novas leituras necessárias para que o aluno leia textos de forma
significativa, posto que a literatura de cordel seja uma forma de cultura popular que
nunca se deteriora, devido ao fato de ser escrita em forma poética e ser escrita para
ser declamada.
Este gênero possibilita o desenvolvimento de todas as práticas discursivas:
leitura, oralidade, escrita e reflexões linguísticas decorrentes de sua composição.
Cordelizando
Considerações Finais
Com o objetivo de tornar nossa prática mais eficiente, dando aos alunos
oportunidade de alcançarem êxito na aprendizagem de forma a alterar seus
comportamentos e compreensão de mundo como sujeitos críticos, conscientes e
atuantes, o trabalho com a literatura de cordel pode ser efetivado em qualquer série,
pois está tão ligado à Cultura Popular do imaginário de cada um.
O leitor terá maior disposição à leitura ao reconhecer-se no texto lido. A
literatura é o encontro com o outro, com os mundos possíveis, é a arte da palavra
escrita, recriação da realidade, sob o olhar de quem escreve e de quem vai ler esse
mesmo texto em outros espaços e outros tempos, de modo diverso do autor que o
escreveu, pois o texto ganha vida própria.
Em todas as práticas promovidas durante a implementação do Projeto de
Intervenção Pedagógica O mundo imaginário do cordel buscou-se a promoção e
valorização desta literatura de cordel. Com certeza este trabalho foi o marco inicial
para futuras abordagens e futuras leituras, pois este gênero constitui-se em fonte
riquíssima e inesgotável para o aprendizado escolar.
Como apregoa o Método Recepcional um movimento espiral, de contínuo
reinicio, foi apresentado aos alunos a obra do grande poeta Patativa do Assaré:
Cante lá, que eu canto cá.
Referências
SUASSUNA, Ariano, 1927- Auto da Compadecida. 14. ed., Rio de Janeiro: Agir,
2004.
BORDINI, Maria Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor
- alternativas metodológicas. 2. ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
SOUSA, José Ednardo Soares Costa. Pavão Mysteriozo. Intérprete: Ednardo. In:
EDNARDO. O Romance do Pavão Mysteriozo. Sony Music, p1974. 1CD. Faixa12.
LUYTEN, Maria Joseph. O que é literatura de cordel. São Paulo: Brasiliense, 2005.