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Contextualização:
Esse texto foi originalmente apresentado no seminário Cultura Popular, uma Conferencia
Interdisciplinar realizado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em outubro de 1992.
Neste texto, o autor identifica cultura popular como pertencente à cultura erudita. Pois suas
práticas estão diretamente subordinadas à uma cultura dominante.
Citações:
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No texto Chartier inicia sua critica com uma polemica afirmação de que a cultura popular é ela
mesma uma categoria erudita, e com isso relembrar que os debates travados em torno desse
termo buscam delimitar, nomear e caracterizar práticas que nunca são designadas pelos seus
próprios autores.
Primeiramente faz uma análise esquemática que reduz as diversas definições da cultura
popular em dois modelos de abordagem e interpretação.
Um que é visto como um sistema simbólico autônomo, e outro o que a entende como
dependente de referência a uma cultura dominante.
Cita que muito dessa dificuldade vem do entendimento do que é cultura popular pela influencia,
do que ele chama, de sábios eruditos (scholars) e, cita comparando tal dificuldade como mais
difícil de ser pensada que a dos mundos “exóticos”.
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E que esses dois modelos de entendimento permearam todas as disciplinas que pesquisam a
cultura popular nos quesitos históricos, antropológicos e sociológicos mesmo tendo suas
estratégias de pesquisa, estilos, e propostas teóricas completamente opostas.
Numa sintetize – uma interpretação enfatiza a autonomia simbólica da cultura popular e outra,
insiste na sua dependência da cultura dominante.
E que os estudos desse contraste têm servido como base de oposição a uma suposta idade de
ouro da cultura popular, mas também em outras situações quando esta é censurada e
desqualificada.
Inicia essa análise na Europa do sec. XVII dizendo que a idade de ouro a cultura popular teria
sido livre, viva, profusa, mas que por outro foi reprimida e subjulgada sobre uma disciplina
rígida eclesial e estatal.
Segundo o autor esse esquema de análise pareceu pertinente para situar a trajetória cultural
da Europa Ocidental, a partir de 1600 ou 1650. (não foi preciso)
E fala que as ações repressivas conjugadas dos Estados Absolutistas com a Igreja Reformista
Protestante e Católica que foram decisivas para abafar uma cultura inventiva do povo, pois lhe
impunha uma disciplina submissiva de novos comportamentos destruindo suas raízes e o
equilíbrio tradicional de ver e viver o mundo dessa classe cultural.
Cita Robert Muchembled para demonstrar como esse período, sobre influência de Luiz XIV, foi
desastroso para cultura popular levando-a perder sua coerência numa análise sistêmica e
filosófica.
Cita Peter Burke, que também descreve os dois movimentos que desenraizaram a cultura
popular. Fala de um lado sobre forma sistemática que a elite e o clero se esforçaram para
mudar as atitudes e valores da população e que tinham intuito de suprimir ou pelo menos
“purificar” vários elementos da cultura popular tradicional. E de outro lado o abandono das
classes superiores de uma cultura que era comum a todos.
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Em 1500 a cultura popular era considerada uma segunda cultura de todas as classes, sendo a
segunda cultura para os instruídos, mas a única para as demais classes. (esse tema foi
abordado na última aula)
Já em 1800 essa mesma classe dominante havia se afastado e em alguns lugares abandonado
a cultura popular devido a profundas diferenças de visão do mundo.
Retorna a 1200 para dar exemplo dessas periodizações de idas e vindas, que chama de
“momentos-chave” na história para mostrar como a cultura erudita se isola e afasta da cultura
popular e de suas tradições folclóricas por influência e imposição de uma ordem teológica,
científica, filosófica e a classificando como supersticiosa e temível a cultura dos humildes.
Nesse sentido, cita Jacques Le Golf que reconhece um crescimento da cultura popular anterior
a 1200 que aproveita o espaço criado pela aristocracia leiga que se mantinha fora do sistema
clerical, mas impregnada de tradições folclóricas.
Segundo Jean-Claude Schmitt: há que se indagar a respeito das influencias das danças
folclóricas na educação religiosa.
Outra reviravolta ocorreu no período entre guerras de 1870 a 1914 onde as culturas populares
tradicionais e camponesas saíram do isolamento se enraizando novamente numa cultura
nacional e republicana.
Outra grande mudança, considerada radical, se situava antes e depois do surgimento de uma
“cultura de massa”, onde se supunha que os novos instrumentos da mídia foram capazes de
destruir uma cultura antiga criadora e folclórica.
E conclui que isso é um indicador que o verdadeiro problema da cultura popular não é datar
seu desaparecimento, sempre irremediável, mas considerar como se deu as relações
complexas entre as formas impostas: uma considerada constrangedora e imperativa e a outra
com identidade afirmada, mas reprimida e abafada em seu desenvolvimento.
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Cita Lawrence W. Levine para falar a respeito da “cultura bifurcada” que se caracteriza pelo
contraste de um momento onde a cultura é partilhada e misturada e outro, do tempo moderno
caracterizado pela separação do que é público como espaços, gêneros e estilos.
Isso influencia toda a sociedade a partir da metade do séc. XIX e paralelamente a cultura
americana estava fragmentada proporcionando o aparecimento de uma série de culturas
específicas que não estavam relacionadas entre si.
Como consequência o público que era misturado nos ambientes como teatros museus etc.
estava sendo filtrado por meio de programação diferenciado para evitar uma clientela que não
possuía o mesmo espectro social e econômico.
Seria a transição da “cultura pública compartilhada” para a “cultura bifurcada”.
A consequência disso é o que se chamou de “cultura erudita” e “cultura popular”.
Nessa mesma época essa separação cultural culminou com o isolamento da cultura popular
pela elite ocasionando uma destruição na sua base ancestral comum, como a cultura
Bakhtiniana, folclórica, festiva e carnavalesca.
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Cita 3 ideias da cultura popular na concepção das classes dominantes na Europa:
A cultura popular podia ser definida por contraste com a cultura letrada e dominante;
Que era possível caracterizar como popular o público de certas produções culturais;
Que as expressões culturais podem ser tidas como socialmente puras e intrinsecamente
populares.
Foram esses três postulados que fundamentaram os trabalhos clássicos realizados na França,
entre outros lugares sobre a “literatura popular” mais a “littérature de colportage” (literatura de
cordel) e sobre a “religião popular” que seria um conjunto das crenças e gestuais próprios da
religiosidade de todos.
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E cita que ambas (“literatura popular” e “religião popular”) não são tão radicalmente diferentes
da literatura da elite ou da religião do clero e são compartilhadas por meios sociais diferentes,
alem dos populares. Elas são ao mesmo tempo aculturadas e aculturantes.
Chartier julga inútil querer identificar a cultura popular a partir da distribuição supostamente
específica de certos objetos ou modelos culturais, o importante estaria na sua apropriação
pelos grupos ou indivíduos.
O popular não está contido em conjuntos de elementos, ele é um tipo de relação um modo de
utilizar objetos e normas que circular na sociedade. Tal constatação importa em
necessariamente ver a cultura popular, não como conjuntos culturais tidos como “populares”,
mas sim como modalidades diferenciadas pelas quais esses conjuntos culturais são
apropriados.
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De acordo com Chartier, são nos modos de usar, como práticas sociais, que se deve encontrar
o “popular”.
Compreender a cultura popular significa transitar nas relações e tensões que unem os dois
conjuntos de dispositivos:
Para pensar essa tensão o autor cita a distinção entre estratégias e táticas Michel Certeau para
evitar a oscilação entre as abordagens que insistem no caráter dependente da cultura popular
e aquelas que exaltam sua autonomia.
As táticas, são desprovidas de lugar próprio e de domínio do tempo, são “modos de fazer”.
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Chartier acha importante a apropriação da literatura dominante, como do repertório da
Bibliothèque Bleue de origem letrada e gêneros diversos, atingir novos clientes de classes não
dominantes por meio de edições baratas e ao modo de distribuição de venda ambulante.
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Para Chartier são precisos dois tipos complementares de procedimentos para analisar a
relação entre os textos da littérature de colportage e o mundo social das sociedades do antigo
regime:
Outra focaliza a pluralidade e a mobilidade das significações que públicos diferentes atribuem
ao mesmo texto.
É preciso reconhecer uma tensão importante entre as intenções explicitas ou implícitas que
levam a propor um texto a um grande numero de leitores e as formas de recepção desse texto.
Na Europa dos sec. XVI e XVII s impressos tinham uma ampla gama de intenções de diversas
origens como:
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Para Chartier na conjuntura intelectual atual dois obstáculos ameaçam a abordagem
supracitadas de cultura popular:
O primeiro seria o Linguistic Turn (virada linguística ou giro linguístico) com seus três
fundamentos:
(virada linguística foi um importante desenvolvimento da filosofia ocidental no sec. XX cujo foco
principal era estudar a relação humanística entre a filosofia e linguagem)
A segunda reside nas definições implícitas de uma categoria como a da “cultura popular” que é
tão autônoma quanto as culturas mais antigas e podendo ser equiparada a cultura dominante,
letrada e elitista com a qual forma um par.
Finaliza falando que de um lado as culturas populares estão sempre inscritas numa ordem de
legitimidade cultural que lhes impõe uma representação da sua própria dependência. E que de
outro lado, a dominação simbólica ou não nunca é simétrica, pois uma cultura dominante não
se define por aquilo a que renuncia, enquanto os dominados sempre se confrontam com aquilo
que lhes é recusado.