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N.Cham, 341.5466 241J


Autor: Zehr, Howard
Tííulo: Justiça restaurativa
Título original: The Líttle Book of Restorative Justice
Copyright ©2010
Coordenação editorial: Lia Diskin
Capa e projeto gráfico: Vera Rosenthal
Produção e Diagramação: Tony Rodrigues
Preparação de originais: Lídia Angela La Marck
CONTEÚDO
Revisão: Lia Diskin

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Prefácio deLeoberto Brancher .-... 3
Zehr, Howard
Justiça Restauraliva / Howard_Z_ehr; tradução Tônia Van Acker. 1. VISÃO GERAL 13
- São Paulo: Palas Athena, 2012. Por que este livro? 15
Título origina!: The Little Book of Restorative Justice A Justiça Restaurativa não é 18
A Justiça Restaurativa é focada
1. Criminosos-Reabilitação 2. Justiça criminal-Administração 3. Justiça em necessidades e papéis 24
restaurativa 4. Punição-Filosofia 5. Vítimas decrirnes I. Título. "

2. PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS 31
12-04576 CDD-303.Ó8
Os três pilares da Justiça Restaurativa 34
índices^para catálogo sistemático: -. —Q_íquem"-e-o "como" são-importantes 36
1. Justiça restaurativa: Justiça penal: A Justiça Restaurativa visa endireitar as coisas 40
Criminologia; Problemas sociais 364.68
Uma lente restaurativa 44
Definindo Justiça Restaurativa 48
1a edição, junho de 2012 As metas da Justiça Restaurativa 49
Todos os direitos reservados e protegidos
Perguntas balizadoras da Justiça Restaurativa 50
_pela_LeL9610_dejL£Lde_fe.v.ereir_o_deJ.998._ aí i
Ê proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, Indicadores de Justiça Restaurativa 52
sern a autorização prévia, por escrito, da Editora.
PRÁTICAS RESTAURATIVAS 53
Direitos adquiridos para a língua portuguesa por Paias Athena Editora O cerne das abordagens geralmente envolve
Alameda Lorena, 355 - Jardim Paulista
um encontro 55
01424-001- São Paulo, SP - Brasil
Os modelos diferem quanto ao "quem" e ao "como" ....53
Fone [11] 3266-6188
www.palasathena.org.br Os modelos diferem quanto a seus objetivos 63
editora@palasathena.org.br Um continuum restaurativo 66
HOWARD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA

4. ISTO ou AQUILO? .71


Justiça retributiva X Justiça Restaurativa? .71
Justiça criminal X Justiça Restaurativa? ... ,72
A Justiça Restaurativa vista como um rio . .74 PREFÁCIO
ANEXO 1: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
DA JUSTIÇA RESTAURATIVA 77

Notas 83
Leituras Selecionadas 87 l~yaz poucos anos, menos de dez. Embora fôssemos todos já
JL bastante crescidos, mais parecíamos garotos ávidos por
alcançar o final de um conto de literatura juvenil. Assim era
a atmosfera de encantamento e mistério quando os primeiros
"manuscritos" sobre Justiça Restaurativa começaram a apa-
recer entre nós, que sofregamente nos debruçávamos sobre
traduções improvisadas, às vezes confusas, embora nunca o
--suficiente obscuras para nos retirar o entusiasmo, ou para
encobrir a veia latejante da boa nova que traziam.
Entre esses achados, destacavam-se fragmentos de textos
do Prof. Howard Zehr- alguns que, aliás, agora podemos ver
traduzidos neste livro. Não apenas pela mística de serem con-
siderados parte importante dos "originais que deram início à
série" mas, sobretudo, peia capacidade de expressão sintética.
esquemática e visual, pelos recursos de linguagem capazes de
objetivar insights, pela capacidade de transmitir, apesar das
nossas mal traduzidas linhas, a percepção da intensidade das
emoções experimentadas apenas pelas pessoas que convivem
concretamente com a aflição e a dor da violência e do crime,
das algemas e das cadeias que as cercam.
Tabelas comparativas ("isto ou aquilo"); traduções do
intraduzível ("o que a Justiça Restaurativa não á"), fórmulas
HOWARD ZSHR-JUSTIÇA RESTAVBATIVA PREFÁCIO

sintéticas e organizativas, como "princípios fundamentais de que as atribuídas à maioria dos jovens submetidos aos seus
Justiça Restaurativa", que você vai encontrar neste livro, eram mecanismos de controle e poder.
' recebidas e decifradas como fragmentos de um tesouro que • Nosso primeiro teste das ideias sobre Justiça Restaurativa
se insinuava após uma busca até então sem norte e, por isso ocorreria ainda em 2002. Na audiência de instrução, a vítima
mesmo, longa, tormentosa e desnutrida - mas sempre persis- de um roubo a mão armada, uma senhora de 50 anos, foi soli-
tente - em homenagem aos fiapos intuitivos de esperança com citada a fazer o reconhecimento de dois réus menores. Sua
'os quais se costuma tecer o porvir humano. casa fora invadida por três rapazes (o terceiro era um maior,
Foi com matrizes essenciais como as que você vai encon- que conseguiu fugir), mas logo cercada pela polícia, com todos
trar neste pequeno livro que se nutriram os primeiros pas- dentro e, felizmente, o desfecho foi a rendição. Ela fez pouco
sos e encontros do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Justiça caso do vidro espelhado da sala de reconhecimentos. "Claro
Restaurativa da Escola Superior da Magistratura da AJURIS que conheço. Eles moram no mesmo condomínio. Esse aqui
- Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, espaço de ~ disse apontando para um deles - eu conheço desde bebé.
aprendizagem e de reflexão teórica que deu origem ao Projeto Carreguei ele muito no colo quando o ônibus estava lotado,
Justiça para o Século 21 -Instituindo Práticas Restaurativas, pois a mãe dele embarcava umas paradas adiante da minha,
desde o qual passamos a submeter o cotidiano dos processos ela tinha de viajar em pé e então eu levava ele no colo...". A
da Justiça Juvenil de Porto Alegre ao crivo das novas lentes manifestação dessa senhora, feita refém com sua filha de 21
reveladas por Howard Zehr: as lentes restaurativas. anos e o neto de 8 meses dentro da própria casa, serviria de
Não surgia aí apenas mais um espaço de estudos, senão senha.para iniciar o primeiro círculo restaurativo realizado
que, corno diria Huinber-to-Maturanarabria-se-uma nova teia no Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre.
de conversações - inspirada e pautada pelos princípios axio- Apesar da inexperiência e das dificuldades metodológicas,
lógicos da novidade restaurativa, e compartilhada por juizes, os encontros proporcionaram uma confirmação irreversível
promotores de justiça, defensores públicos, policiais (embora, das hipóteses teóricas. Principalmente quando uni dos rapa-
na verdade, não muitos), assistentes sociais, psicólogos, psí- zes, ainda preso, aparentemente resistia às orientações da
quiatras, educadores sociais e_professore_s;__ mediadora para que se desculpasse com as vítimas (o méto-
Além de abarcar diferentes-facetas-do-mesmo objeto de do então era o da mediação da terapia familiar sistémica). O
trabalho - conflitos, violências e infrações penais envolven- rapaz se levantou, pediu para pegar no colo o bebé, também
do crianças e adolescentes ~, esse grupo se identificava por presente ao encontro e, com a criança nos braços, colocou-se
compartilhar um sentimento comum de esgotamento e asfi- de joelhos e, chorando, pediu perdão.
xia diante dos respectivos, sistemas institucionais e reper- Vista de fora, a cena pode parecer excessivamente teatral,
tórios académicos, marcados por hierarquias autoritárias e até mesmo manipulatória. Mas para quem esteve ali, vivendo
suas certezas irredutíveis, na prática, tão arrogantes quanto de dentro a força emotiva e a intimidade do encontro, não
reprodutoras de violências, violências certamente maiores do restaram dúvidas. Quem ali se prostrava e pedia perdão de

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HOWARD ZBHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA PREFÁCIO

joelhos não era mais o ladrão, o assaltante, o réu, o menor internacional, nem teve palco na Nova Zelândia, na Austrália,
infrator. Era de novo aquele menino vizinho que a vítima - no Canadá ou nos Estados Unidos. Foi vivido e escrito no
como ele agora com seu neto - há 17 anos segurara cm seu Brasil. Ocorreu aqui.em casa, conosco, tal como poderia ter
colo. E desde esse nível incomensuravelmente profundo de acontecido na sua casa, com você, na sua instituição, escola ou
.resgate e conexão, um novo futuro se abriria para todos. comarca. Ou talvez aconteçam em breve através da sua ação.
As vítimas puderam sentir-se aliviadas do seu trauma e do Depois de muito estudar e muito refletir a respeito de
seu temor. Afinal, os algozes no fundo não eram tão monstru- nossas práticas de justiça com infrator es menores de idade
osos assim e, com certeza, nunca mais voltariam, eles mesmos, "sob as lentes restaurativas", e de realizar testes eventuais
a tentar novamente assaltá-las. Aliás, uma das propostas de como o relatado acima, em 2005 iniciamos uma aplicação mais
reparação feita pelos rapazes, mas recusada pelas vítimas, sistemática e estruturada. Com subsídios do Governo Federal
• era de que eles viessem todas as noites vigiar seu portão e (Secretaria da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça,
dar-lhes segurança no horário de chegarem em casa. Ora, do e Secretaria Nacional de Direitos Humanos) e de agências
ponto de vista das vítimas, aceitá-los agora como seus "segu- das Nações Unidas (PNUD e UNESCO, esta com recursos
ranças" seria prorrogar excessivamente a vivência traumáti- do Programa Criança Esperança, da Rede Globo), surgiu o
ca do assalto. Mas depois de todo o ocorrido, aqueles dois, Projeto Justiça para o Século 21, com. o objetivo de difundir
com certeza, não as assaltariam outra vez. Ficara evidente a aplicação dos princípios e práticas da Justiça Restaurativa
que cada um desses jovens - agora confrontados com sua na pacificação de conflitos e violências envolvendo crianças,
própria humanidade através do espelho do reconhecimento adolescentes e seu entorno familiar e comunitário,
do sofrimento e dahumanidade_das-V-ítimas,-e-dos próprios " "Ainda que a princípio centrada no Juizado da Infância e da
familiares integrados ao encontro - descera até o inferno do Juventude e nos atos infracionais e correspondentes proces-
crime, mas para reencontrar a raiz da própria identidade e sos judiciais e medidas socioeducativas (modalidade de san-
para dali ressurgir firmado noutro sentido, noutro propósito, ção penal prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente,
noutra perspectiva de vida. A experiência, ao final, por maior aplicável a menores com idades entre 12 e 17 anos), esse foco
que tenha sido o sofinmentgjbld^i^siielt(^_r_esp_oiisabilidade_ -ampliado-do4^i-ojeto-levQU-a-experiêncía_de_aplicacão das
e liberdade. E essa cena.do pedido.de.perdão resume uma práticas restaurativas em outros espaços de atendimento a
vivência cuja intensidade e repercussão em termos de elabo- crianças e jovens, como escolas, abrigos e organizações não
ração psíquica não poderia ser proporcionada por qualquer governamentais.
prisão-nem, talvez, psicanálise «do mundo. Mensurar resultados é difícil quando se trata de avaliar
Vale ressaltar que esse testemunho de resgate das relações um processo que envolve mudanças culturais e, sobretudo,
de humanidade e proximidade, em que um conflito grave, ao quando se atua de forma difusa e capilarizada. Mas importa
ponto de tipificar um crime, acaba dando lugar a ama expe- dizer que a qualidade das ideias que você encontrará resu-
riência de transcendência e enlevo, não faz parte da literatura midas neste livro foi suficiente para gerar um interesse e um

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HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAUKATIVA PREFÁCIO

despertar tão abrangentes que os grupos de leitura iniciais ressalva. Não se iludam os céticos com a falsa ideia de que Justiça
deram lugar a um processo que denominamos "encharca- Restaurativa só funcione restrita à justiça juvenil. De fato, sua
mento de capa citações", dirigido a pessoas e instituições que expansão no inundo vem tendo como carro-chefe essa área da
atuam com foco em crianças e adolescentes na capital gaúcha. jurisdição criminal - a dos crimes praticados por menores de
Entre 2005 e 2011,11.793 pessoas participaram de atividades idade. Aliás, aqui já podemos comemorar a recente introdução
de sensibilização e formação promovidas díretamente pelo dos conceitos essenciais da Justiça Restaurativa nesse campo
Justiça 21. Destas, 1.059 realizaram o Curso de Formação de através da Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que regulamentou
Lideranças em Justiça Restaurativa promovido pela Escola o Sinase - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo -,
Superior da Magistratura e 908 participaram do nosso Curso abrindo as portas para construirmos uma justiça juvenil res-
de Formação de Coordenadores de Círculos Restaurativos. tauratíva para atender nossos adolescentes infratores. Mas essa
Um monitoramento feito pela Faculdade de Serviço Social da vanguarda da justiça juvenil em acolher a Justiça Restaurativa
PUCRS acompanhou 380 casos atendidos no Juizado entre se deve mais a fatores conjunturais do que à natureza em si do
2005 e 2007. Entrevistando os participantes, constatou-se que objeto dessa área jmisdicional.
95% das vítimas e 90% dos ofensores saíram satisfeitos de Entre esses fatores, alinham-se a maior flexibilidade das
sua experiência de contato com a justiça após participarem normas processuais e do próprio sancionamento, a histórica (e
de procedimentos restaurai:vos. (Os índices internacionais de contraproducente, embora muito mais benéfica do que a mera
satisfação no contato com a justiça criminal giram em torno punição] ênfase terapêutica-no tratamento do delinquente, a
de meros 12 a 15% positivos]. Cerca de 90% dos acordos foram afeição a práticas interdisciplínares, a maior abertura e pesso-
julgados cuinpridos—A-reiteraçãe-de-atos4nfracionais-entre "alidade no trato com as partes envolvidas no processo, a maior
os ofensores participantes caiu em 23% comparativamente a benevolência com o infrator menor de idade, a integração de
outros que não participaram de nenhum encontro restaurativo familiares, comunidades e diversos serviços de atendimento,
(a íntegra do relatório da pesquisa está disponível em www. com efeito, que fazem, da justiça juvenil um canteiro fértil para
justica21.org.br]. as sementes restaurativas. Aliás, já bastariam essas carac-
^_s_s_ejes.temunho-tem-por-objetivo-dizer-^seja-bem--v-i-ndo— -ter-ísticas-para-en-sinai;-e-muito,-à-justiça-penal-de_adur£os:-
à Justiça Restaurativa, sinta-se em-casa;-você também pode". precisamos processos e sanções mais flexíveis, intervenções
Porque faz pouco que chegamos por aqui com as mãos vazias, iníerprofissionais, menos automatismo punitivo, maior dis-
a mente assolada por dúvidas, e o coração amargurado diante ponibilidade para a escuta das necessidades dos envolvidos,
de tantos problemas por resolver com ferramentas que sabida- mais humanidade no trato com os infratores, e habilidade e
mente não funcionam, além de_apresentar_em-ter.ríveis efeitos agilidade na articulação de redes.
colaterais, como surrar crianças e aprisionar adolescentes. Mas as ideias da Justiça Restaurativa não se esgotariam
Para nosso alívio, porém, apareceria essa luz no fim do túnel nesse conjunto já conhecido de recomendações. Elas levam ao
do crime. E, a propósito do alcance das luzes restaurativas, uma âmago das próprias concepções do sistema, de modo a fazer

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HOWARD ZERR - JUSTIÇA RESTAURATIVA PREFÁCIO

com que sua aplicação experimental e aparentemente inofen- Tamanha é a abrangência das ideias sintetizadas neste
siva no atendimento a adolescentes infratores seja apenas um pequeno livro que, apesar de não ensinar exatamente o "como"
mote para iluminar e colocar em xeque a improdutividade [tal qual possivelmente ninguém o faça), mostra muito claramen-
dos mais arraigados pressupostos implícitos do sistema penal te "em que" e "por que" uma abordagem restaurativa dos confli-
tradicional, que podem ser resumidos nos conceitos estrutu- tos e do crime pode fazer toda a diferença nessa encruzilhada da
rantes de culpa, perseguição, imposição, castigo e coerção. história em que a violência e a insegurança transbordam e nos
O simples fato de operar ajustiça penal tentando substituir desafiam, transfiguradas em esfinges pós-modernas.
esses conceitos, respectivamente, pelos de responsabilidade, Através de um texto leve, preciso e dinâmico, o decano da
encontro, diálogo, reparação do dano e coesão social, mesmo Justiça Restaurativa nos conduz a um encontro denso, embora
que complexo e trabalhoso, e talvez por ora somente possí- descontraído, com as bases conceituais dessa inovadora pro-
vel de forma-tópica e ocasional, já é por si só atitude capaz posta, ao mesmo tempo em que fornece elementos preciosos
de subverter e colapsar positivamente um sistema obsoleto para fazermos nossos próprios juízos e reflexões sobre tudo o
e oneroso cuja reprodução, definitivamente, não se justifica. que até aqui vimos falando e fazendo em nome da justiça. Aos
Trata-se aqui de uma subversão não apenas penetrante e que estiverem dispostos a um encontro despojado e honesto
capaz de desafiar os núcleos conceituais do sistema, mas tam- com suas crenças, com seus valores, com suas práticas de
bém transversal, ao ponto de nos fazer ver que o sistema insti- poder e, portanto, consigo mesmos, o processo que está por
tucional de justiça não é senão reflexo de um padrão cultural, se iniciar com a leitura deste livro conduzirá a um irreversível
historicamente consensual, pautado pela crença na legitimida- e.emp.olgante resultado.
de do emprego da violênda-Gomo-inst-r-umenta compensatório .^^_Shalom para você e para todos os que possam vir a ajudar
das injustiças e na eficácia pedagógica das estratégias puniti- a libertar das prisões do crime e dos conflitos e, indissociáveis
vas. E essa crença, muito embora-cristalizada-e perfeitamente delas, das prisões do medo, da ignorância e do sofrimento.
visível nos alicerces do sistema jurídico-penal, somente está
ali porque reside insidiosamente incrustada nas nossas mais Leoherto Brancher
sutis e cotidianas relações de poder - desde onde continua se ~ Juiz dê~DTreÍtò
reproduzindo de forma sub-reptícia eJndiscriminada.- - -
É nessa perspectiva que se pode compreender também
porque os princípios e métodos da Justiça Restaurativa, apesar
de emergentes e radicados na justiça penal, possam ter apli-
cação' eficiente ou, no mínimo, produjzi^jflexões_relevantes
quando estendidos à resolução de conflitos sob diferentes
molduras procedimentais ou em contextos ambientais diver-
sos, e não somente no âmbito da justiça formal.

10 11
Tjpfr/pip*
Z*BL\nTÍ9$
VISÃO GERAL
m
nquanto sociedade, como devemos reagir às ofensas?
E Quando acontece um crime ou quando é cometida uma
injustiça, o que precisa ser feito? O que pede nosso senso de
justiça?
Para os norte-americanos a premência dessas questões
intensificou-se com os eventos traumáticos de 11 de setembro
de 2001. Mas a discussão é antiga e, na verdade, tem abran-
gência internacional. - - —
.__.Quer_ esteja mós preocupados com. crimes ou outras ofen-
-sasrnossa-reflexão-sobre tais questões foi profundamente mol-
dada pelo sistema jurídico ocidental-não apenas no Ocidente,
mas também em grande parte do outro lado do mundo.
O sistema jurídico ocidental ou, mais especificamente,
v a justiça criminal, tem. importantes qualidades. No entanto,
vem crescendo o rejionhecmientO-de^uasJimítacões-e-car-ên^-
cias. Não raro, vítimas, ofensores e membros da comunidade
sentem que o sistema deixa de atender adequadamente às
suas necessidades. Os profissionais da área da justiça -juizes,
advogados, promotores, oficiais de condicional, funcionários
do sistema prisional - amiúde expressam sua frustração com
o sistema. Muitos sentem que o processo judicial aprofunda
as chagas e os conflitos sociais ao invés de contribuir para
seu saneamento e pacificação.

13
HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA VISÃO GERAL

A Justiça Restaurativa procura tratar de algumas dessas afirma que os círculos são uma modalidade de democracia
necessidades e limitações. Desde os anos 70 vem surgindo participativa que vai um passo além da regra da maioria sim- m
vários programas e abordagens em centenas de comunidades
de vários países do mundo. Com frequência são oferecidos
ples (veja as p. 61-62 para uma explicação mais detalhada dos
círculos no contexto da Justiça Restaurativa}.
m
como alternativas paralelas ou no âmbito mesmo do sistema Nas sociedades onde o sistema jurídico ocidental substi-
jurídico vigente. No entanto, a partir de 1989, a Nova Zelândia tuiu ou suprimiu processos tradicionais de justiça e resolução
fez da Justiça Restaurativa o centro de todo o seu sistema penal de conflitos, a Justiça Restaurativa oferece unia estrutura apta
para a infância e a juventude. a reexaminar e, por vezes, reativar tais tradições.
Atualmente, em muitas localidades, a Justiça Restaurativa Embora o termo "Justiça Restaurativa" abarque uma
i? i
é considerada um sinal de esperança e um rumo para o futuro. ampla gama de programas e práticas, no seu cerne ela é um
Resta saber se conseguiremos realizar suas promessas. conjunto de princípios, uma filosofia, uma série alternativa
A Justiça Restaurativa começou como um esforço para lidar de perguntas paradigmáticas. Em última análise, a Justiça
com assaltos e outros1 crimes patrimoniais que em geral são Restaurativa oferece uma estrutura alternativa para pensar
vistos (em muitos casos incorretamente) como ofensas menores. as ofensas. Examinarei esse arcabouço nas páginas que se
Hoje, contudo, as abordagens restaurativas estão disponíveis seguem, explorando o modo como pode ser utilizado.
em algumas comunidades para aplicação às modalidades mais
violentas de crime: morte causada por embriaguez ao volante, -POR QUE ESTE LIVRO? - - . -
agressão, estupro e mesmo homicídio. Á partir da experiência -Neste.livro não-tentarei defender.a Justiça Restaurativa. -
das Comissões de Verdade-e-ReGoneiliação-na -África do Sul, -Nern-explorarei as muitas impiicações dessa abordagem.
também vêm sendo realizados esforços para aplicar a estrutura Gostaria que ele fosse uma breve descrição ou resumo da
da Justiça Restaurativa a situações de violência generalizada. Justiça Restaurativa. Ainda que apresente abaixo alguns dos
Além disso, tais abordagens e práticas estão ultrapassan- programas e práticas, meu foco recairá principalmente sobre
do o sistema de justiça criminal e chegando a escolas, locais seus princípios ou filosofia.
de trabalho e instituições religiosas. Alguns defendem a ideia Este livro é para as pessoas que ouviram a expressão
de que abordagens restaurativas como-os-"círculos" (prática "Justiça Restaurativa" e estão curiosas sobre suas implica-
específica que nasceu nas comunidades indígenas canaden- ções. Também se destina àqueles que estão trabalhando nesse
ses) podem ser usadas para trabalhar, resolver e transformar campo, mas têm dúvidas, ou estão perdendo a clareza quanto
os conflitos em geral. Outros vêem as "conferências de gru- à sua missão. Espero poder oferecer esclarecimento sobre os
pos familiares" (modalidade com ra_í.zes_jLa_No_ya^ Zelândia e legítimos rumos do comboio da Justiça Restaurativa e, em
Austrália, e também em encontros facilitados entre vítima e alguns casos, levar o trem de volta aos trilhos.
ofensor) como um caminho para construir e sanar comunida- Trata-se de uni empenho importante nos dias de hoje. Como
des. KayPranis, destacada defensora da Justiça Restaurativa, toda tentativa de mudança, a Justiça Restaurativa muitas vezes se

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HowAítD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA VISÃO GEHAL

desencaminhou no curso de seu desenvolvimento e dissemina- poderão acabar produzindo algo muito diferente do que pre-
ção. Na presença de cada vez, mais programas que se intitulam tendiam. De fato, as "emendas" podem acabar sendo muito
"Justiça Restaurativa", não raro o significado desse termo se tor- piores que o "soneto" que planejavam reformar ou substituir.
na rarefeito ou confuso. Devido à inevitável pressão do trabalho Uma das salvaguardas mais importantes contra tais des-
no mundo real, amiúde a JustiçaRestaurativa tem sido sutilmente vios é dar a devida atenção aos princípios fundamentais. Se
desviada ou cooptada, afastando-se dos princípios de origem. estivermos bem conscientes deles, se planejarmos nossos pro-
Essa questão vem preocupando de modo especial os gru- gramas com' esses princípios em mente, se nos deixarmos
pos de defesa dos interesses das vítimas. A Justiça Restaurativa avaliar por esses mesmos princípios, é bem mais provável que
se diz orientada para as vítimas - mas será de fato? Essas nos mantenhamos na trilha correia,
associações de vítimas temem que os esforços para promover A questão é que o campo da Justiça Restaurativa tem cres-
a Justiça Restaurativa sejam com frequência motivados prin- cido com tanta rapidez e em tantas direções que às vezes não
cipalmente pelo desejo de trabalhar de maneira mais positiva é fácil caminhar para o futuro com integridade e criativida-
com os ofensores. Ass"im sendo, a Justiça Restaurativa poderá de. Somente uma visão clara dos princípios e metas poderá
se tornar apenas uma forma de lidar com os ofensores, tal oferecer a bússola de que precisamos para encontrar o norte
como o sistema criminal que procura aprimorar ou substituir. num caminho inevitavelmente tortuoso e incerto.
Outros se perguntam se ela de fato atendeu de modo ade- Este livro é uma contribuição que procura articular os
quado às necessidades dos ofensores e se seus esforços-são conceitos da Justiça Restaurativa em termos bem diretos. No
efetivamente restaurativos. Será que os programas de Justiça entanto, devo admitir-que-existem limitações à estrutura que
Restaurativa oferecemrap"oio-STifiàente-paTa-que os ofensores "^s]30çarei^ãquirSõu"cõhsidèfadõ~pbr muitos como uni dos pri-
cumpram suas obrigações e mudem seus padrões de com- .meiros sistematizadores e divulgadores da Justiça Restaurativa.
portamento? Será que de fato tratam" os nTales que levaram Apesar de ter me esforçado bastante para manter uma abertura
os ofensores a se tornarem quem são? Tais programas não crítica, possuo um viés favorável a esse ideal. Além disso, apesar
estarão se tornando somente uma outra forma de punir os de meu empenho em contrário, escrevo do ponto de.vista de
_-ofeiisoresr^ob-outro-pr-etexto?-E.a.comunidade_como-um.todo?_ -minha-própr-ia—lenteVque-se-formou-a-partirdaquilo~que~sour
Estará suficientemente motivada p ar a-envolver-se e assumir urn homem branco, de classemédia, descendente de europeus e
suas obrigações em relação às vítimas, aos ofensores e a seus cristão menonita. Talbiografia e ainda outros interesses neces-
membros em geral? sariamente modelam minha voz e visão.
Experiências anteriores para promover mudanças no cam- Mesmo havendo certo consenso dentro do campo da
po da justiça nos adyertem-de.gue-desv.ios-e-deformações Justiça Restaurativa quanto às grandes linhas que demarcam
acontecem inevitavelmente, apesar de nossas melhores inten- seus princípios, nem tudo passa sem contestação. Estas pági-
ções. Se os defensores da mudança não estiverem dispostos nas retraíam a minha compreensão da Justiça Restaurativa,
a reconhecer e atacar esses prováveis desvios, seus esforços que deve ser testada pelas vozes de outros.

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HOIVAKD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA VISÃO GERAL

Por fim, escrevi este livro no contexto da América do possibilidade de um encontro facilitado entre vítimas, ofen-
Norte. A terminologia, as questões levantadas, e mesmo o sores e, possivelmente, membros da comunidade. No entan-
modo como o conceito foi formulado refletem em certa medida to, nem sempre se escolhe realizar o encontro, nem seria !p
apropriado. Além disso, as abordagens restaurativas são h
as realidades do meu ambiente. Mas espero que ele seja útil
também para profissionais que atuam em outros contextos, importantes quando o ofensor não foi pego ou quando uma
mesmo que adaptações ou traduções sejam necessárias. das partes não se dispõe ou não pode participar. Portanto,
Tendo em vista esse pano de fundo e essas qualificações, a abordagem restaurativa não se limita a um encontro.
passemos agora à questão: o que é Justiça Restaurativa? Mas, mesmo quando o encontro acontece, o termo "media-
Muitas ideias equivocadas cercam o termo e penso que ê cada ção" não constitui uma descrição adequada daquilo que vai
vez mais importante definir aquilo que a Justiça Restaurativa acontecer. Num conflito mediado se presume que as partes
não é. atuem num mesmo nível ético, muitas vezes com responsa-
bilidades que deverão ser partilhadas. Embora esse conceito
A JUSTIÇA RESTÁURATJVA NÃO É... de culpa partilhada seja válido em certos crimes, na maioria
* A Justiça Restaurativa não tem como objeto principal deles isso não ocorre. As vítimas de estupro ou mesmo de
o perdão ou a reconciliação. roubo não querem ser vistas como "partes de um conflito".
Algumas vítimas e defensores de vítimas reagem negativa- Na realidade, podem estar em meio a uma luta interna contra
mente à Justiça Restaurativa porque imaginam que o obje- a tendência de culparem a si mesmas.
tivo do programa seja o de estimular, ou mesmo forçar, a De-qualquer maneira, para participar de uni encontro de
vítima a perdo"ar ou se reconCÍlisr~cum~o ofensor. -Justiça-Restaurativa, na maioria dos casos o ofensor deve
Como veremos mais adiante, o perdão ou a reconciliação não admitir algum grau de responsabilidade pela ofensa, e um
são o objetivo principal ou o foco da Justiça Restaurativa. É elemento importante de tais programas é que se reconheça
verdade que a Justiça Restaurativa oferece um contexto em e se dê nome a tal ofensa. A linguagem neutra da mediação
quenrn ou ambos podem vir a acontecer. De fato, algum grau pode induzir ao erro, e chega a ser um insulto em certas
- de-perdãorou-mesmo-de-reeoneiliação,-realmente-oeor-re- -situações.
com mais frequência do que no ambiente litigioso do pro- Ainda que o termo "mediação" tenha sido adotado desde
cesso penal. Contudo, esta é urna escolha que fica totalmente o início dentro do campo da Justiça Restaurativa, ele vem
a cargo dos participantes. Não deve haver pressão alguma sendo cada vez mais substituído por termos como "encontro"
no sentido de perdoar ou de buscar reconciliação. ou "diálogo" pelos motivos expostos acima.

A Justiça Restaurativa não é mediação. A Justiça Restaurativa não tem por objetivo principal
Tal como os programas de mediação, muitos progra- reduzir a reincidência ou as ofensas ern série.
mas de Justiça Restaurativa são desenhados em torno da Num esforço para ganhar aceitação, os programas de Justiça

18 19
HOWARD ZEHR ~ JUSTIÇA RESTAURATIVA
VISÃO GERAL

Resíaurativa muitas vezes são promovidos ou avaliados


como maneiras de diminuir a reincidência ou os crimes em
Do mesmo modo, todos os mode-
série.
los estão, em alguma medida,
Há bons motivos para acreditar que tais programas redu- .A Justiça - ,
atrelados à cultura. Portanto a
zem de fato a criminalidade. As pesquisas realizadas Restaurativa é
Justiça Restaurativa deve ser
até o momento - com foco principalmente em ofenso- Tinia,Bússola e
construída de baixo para cima,
rés juvenis-são bastante animadoras em relação a esse na o rum..mapa.''
pelas comunidades, através do
quesito. No entanto, a redução da reincidência não é o Vi. diálogo sobre suas necessidades
motivo pelo qual se devam promover os programas de e recursos, aplicando os princípios às situações que lhes
Justiça Restaurativa. são próprias.
A diminuição da criminalidade é um subproduto da Justiça A Justiça Restaurativa não é um mapa, mas seus princípios
Restaurativa, que deve ser administrada, em primeiro podem ser vistos como uma bússola que aponta na direção
lugar, pelo fato de ser a coisa certa a fazer. As necessidades desejada. No mínimo, a Justiça Restaurativa é um convite
das vítimas precisam ser atendidas, os ofensores devem ao diálogo e à experimentação.
ser estimulados a assumir responsabilidade por seus atos,
e aqueles que foram afetados por seus atos devem estar A Justiça Restaurativa não foi concebida para ser apli-
envolvidos no processo - independente do fato de os ofen- cada a ofensas" comparativamente menores ou ofensores
sores caírem em si e abandonarem seu comportamento - primários; _..._.- ... _ .
transgressor- ———- "Talvez sejãlnTfsTácircõUsegúir d apoio da comunidade a
programas que lidam com os chamados "casos de menor
A Justiça Restaurativa não é um programa, ou projeto gravidade". No entanto, a experiência tem demonstrado
específico. que a Justiça Restaurativa pode produzir maior impacto
Muitos programas adotam a Justiça Restaurativa em todo nos casos de crimes mais graves. Alérn disso, se seus prin-
ou em parte. Contudo, não existe, um modelo puro que
_cíp_i_oJs_f_or_em_Ie_v_ados_a_sério,_a_necessidade-daabor-dagens-
possa ser visto como ideal ou-passível-de implementação restaurativas fica muito clara no tocante aos casos mais
imediata em qualquer comunidade. Estamos ainda nurna graves. As perguntas balizadoras da Justiça Restaurativa
fase de aprendizado muito intenso nesse campo. As práti- (veja p. 50) podem ajudar a criar respostas judiciais a situa-
cas mais interessantes que têm surgido nos últimos anos ções muito difíceis. Á violência doméstica é provavelmente
não passavam pela cabeça daqueles_guedjram início aos a área de aplicação mais problemática e, nesse caso, acon-
primeiros programas, e muitas ideias inovadoras surgirão selho grande cautela.
em virtude do diálogo e experimentação futuros.

20 21
HOWARDZEHR -JUSTIÇA RESTAURATIVA VISÃO GERAL

* A Justiça Restaurativa não é algo novo nem se originou A maioria dos defensores da Justiça Restaurativa concor-
nos Estados Unidos. da que o crime tem uma dimensão pública e uma priva-
O moderno campo da Justiça Restaurativa de fato desen- da. Creio que seria mais exato dizer que o crime tem uma
volveu-se nos anos 70 a partir de experiências em comu- dimensão social ao lado de uma mais local e pessoal. O
nidades norte-americanas com uma parte considerável de sistema jurídico se preocupa com a dimensão pública, ou
população menonita. Buscando aplicar sua fé e visão de paz seja, os interesses e obrigações da sociedade representada
ao campo implacável da justiça criminal, os menonitas e pelo Estado. Mas esta ênfase relega ao segundo plano, ou
outros profissionais de Ontário, Canadá, e depois de Indiana, chega a ignorar, os aspectos pessoais e interpessoais do
Estados Unidos, experimentaram encontros entre ofensor e crime. Ao colocar o foco sobre as dimensões privadas do
vítima dando origem a programas, nessas comunidades, que crime, consequentemente valorizando seu papel, a Justiça
depois serviram de modelo "para projetos em outras partes Restaurativa procura oferecer um maior equilíbrio na
do mundo. A teoria da Justiça Restaurativa desenvolveu-se maneira como vivenciamos a justiça.
inicialmente desses empenhes.
Contudo, o movimento deve muito a esforços anteriores e a A Justiça Restaurativa não é necessariamente uma alter-
várias tradições culturais e religiosas. Beneficiou-se enorme- nativa ao aprisionamento.
mente do legado dos povos nativos da América do Norte e A sociedade ocidental, e especialmente os Estados Unidos,
Nova Zelândia. Portanto, suas raízes e precedentes são bem faz uso abusivo-dos presídios. Se a Justiça Restaurativa
mais amplos que a iniciativa menonita dos anos 70. Na verdade, fosse levada a sério, nosso recurso ao aprisionamento seria í
essas raízes sãotãG^antiga^quanto^Mstória da humanidade." -reduzido.. e_a_natureza_dos .estabelecimentos prisionais fl
mudaria significativamente. No entanto, as abordagens
• A Justiça Restaurativa não é Uma~p ária cela nem neces- restaurativas podem também ser usadas em conjunto com
sariamente um substituto para o processo penal. as sentenças de detenção, ou em paralelo a estas. Elas
A Justiça Restaurativa não é, de modo algum, resposta não são necessariamente uma alternativa à privação de
—para-todas-as-situações,-Neni-está-claro-que-deva-substi-- liberdade.
tuir o processo penal, mesmoTiunrmundo ideal. Muitos
entendem que, mesmo que a Justiça Restaurativa pudesse A Justiça Restaurativa não se contrapõe necessariamente
ganhar ampla implementação, algum tipo de sistema jurí- à justiça retributiva.
dico ocidental (idealmente orientado por princípios restau- Apesar de minhas afirmações em obras anteriores, não
vejo mais a Justiça Restaurativa como oposta à justiça i
rativos) ainda seria necessário .como-salvaguarda e defesa
dos direitos humanos fundamentais. De fato, esta é a fun- retributiva. Esta questão será tratada em maior detalhe
ção das varas de infância e juventude no sistema de Justiça nas p. 71-72.
Restaurativa juvenil da Nova Zelândia.

22 23
HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA VISÃO GERAL

A JUSTIÇA RESTAURATIVA E FOCADA de justiça criminal. Não raro as vítimas se sentem ignora-
EM NECESSIDADES E PAPÉIS das, negligenciadas ou até agredidas pelo processo penal.
O movimento de Justiça Restaurativa começou como Isto acontece em parte devido à definição jurídica do crime,
uni esforço de repensar as necessidades que o crime gera que não inclui a vítima. O crime é definido como ato cometido
e os papéis inerentes ao ato lesivo. Os defensores da Justiça contra o Estado, e por isso o Estado toma o lugar da vítima no
Restaurativa examinaram as necessidades que não estavam processo. No entanto, em geral as vítimas têm uma série de
sendo atendidas pelo processo legal corrente. Observaram necessidades a serem atendidas pelo processo judicial.
também que é por demais restritiva a visão prevalente de Devido à definição jurídica de crime e à natureza do pro-
quais são os legítimos participantes ou detentores de interesse cesso penal, quatro tipos de necessidade parecem estar sendo
no processo judicial. especialmente negligenciadas:
A Justiça Restaurativa amplia-o círculo dos interessados
no processo (aqueles que foram afetados ou têm uma posi- 1. Informação. A vítima precisa de respostas às suas dúvidas
ção em relação ao evento ou ao caso) para além do Estado e sobre o ato lesivo - por que aconteceu e o que aconteceu
do ofensor, incluindo também as vítimas e os membros da depois? Precisa de informações reais, não especulações
comunidade.' ou informações oficiais vindas de um julgamento ou dos
Como esta visão de necessidades e papéis marcou a origem autos do processo. Conseguir informações reais em geral
do movimento, e pelo fato de a estrutura de necessidades/ requer que tenhamos acesso direto ou indireto ao ofensor
papéis ser tão inerente ao conceito, é importante começar que detém a.informação. _
nossa revisão desse-ponto^À-medida-que-O-campo da Justiça
Restaurativa se desenvolveu, a análise dos detentores de inte- 2. Falar a verdade. Uni elemento importante no processo de .-*
* ii
resse tornou-se mais complexa e abrangente. A discussão que recuperação ou superação da vivência do crime é a oportu-
segue se limita a algumas das preocupações centrais que já nidade de narrar o acontecido. De fato, na maioria dos casos
se faziam presentes desde o início do movimento e que conti- é importante que a vítima reconte sua história várias vezes.
nuam a desempenhar um papel central. Ela também se limita H á bons motivos terapêuticos para tanto. Parte do trauma
às necessidades "judiciais" - necessidades das vítimas, ofen- acarretado pelo crime advém da forma como ele perturba
sores e membros da comunidade que podem ser atendidas, nossa visão sobre nós mesmos e o mundo, nossa história
ao menos em parte, pelo sistema judicial. de vida. Transcender essa vivência implica em "recontar"
nossa vida, narrando a história em contextos significativos,
Vítimas muitas vezes em situações onde receberá reconhecimento
A Justiça Restaurativa se preocupa em especial, com as público. Com frequência é importante para a vítima contar a
necessidades das vítimas de atos ilícitos, aquelas necessidades história àqueles que causaram o dano, fazendo-os entender
que não estão sendo adequadamente atendidas pelo sistema o impacto de suas ações.

25
HOWARD ZEHR -JUSTIÇA RESTAURATIVA VISÃO GERAL

3. Empoderamento. Em geral as vítimas sentem que a ofensa O sistema de justiça penal se preocupa com responsabilizar
sofrida privou-lhes do controle - controle sobre sua proprie- os ofensores, mas isto significa garantir que recebam a puni-
dade, seu corpo, suas emoções, seus sonhos. Envolver-se ção que merecem. O processo dificilmente estimula o ofensor
com o processo judicial e suas várias fases pode ser uma for- a compreender as consequências de seus atos ou desenvolver
ma significativa de devolver um senso de poder às vítimas. empatia em. relação à vítima. Pelo contrário, o jogo adversaríal
exige que o ofensor defenda os próprios interesses. O ofensor é
4. Restituição patrimonial ou vindicação. A restituição patri- desestimulado a reconhecer sua responsabilidade e tem poucas
monial por parte do ofensor geralmente constitui elemento oportunidades de agir de modo responsável concretamente.
importante para as vítimas, por vezes, em virtude das perdas As estratégias neutralizadoras - estereótipos e raciona-
reais sofridas mas, igualmente, devido ao reconhecimento lizações que os ofensores adotam para se distanciarem das
simbólico que a restituição dos bens representa. Quando pessoas que agrediram-nunca são contestadas. Assim, infe-
um ofensor faz um esforço para corrigir o dano cometido, lizmente, o senso de alienação social do ofensor só aumenta
mesmo que parcialmente, isto é uma forma de dizer "estou ao passar pelo processo penal e pela experiência prisional.
assumindo a responsabilidade, você não é culpado/a pelo Por vários motivos esse processo tende a dês estimula r a res-
que eu fiz". De fato, a restituição de bens é um sintoma ou ponsabilidade e a empatia por parte do ofensor.
sinal que representa uma necessidade mais básica - a de A Justiça Restaurativa tem promovido a conscientização
vindicação. Embora o conceito de vindicação esteja fora sobre os limites e subprodutos negativos da punição. Mais
do escopo deste livro, estou convencido de que se trata de do. que. isto, vem sustentando que a punição não constitui
uma necessidade-básica-q-ue-todos-temos ao sermos tratados -real-responsabilização. A-verdadeira responsabilidade con-
injustamente. A restituição de bens é uma dentre muitas siste em olhar de frente para os atos que praticamos, significa
outras maneiras de atender a essa necessidade de igualar estimular o ofensor a compreender o impacto de seu compor-
o placar. Um pedido de desculpas também pode contribuir tamento, os danos que causou - e instá-lo a adotar medidas
para satisfazer essa necessidade de ter reconhecido o mal para corrigir tudo o que for possível. Sustento que este tipo de
que nos foi infligido. responsabilidade é melhor para as vítimas, para a sociedade
e para os ofensores.
A teoria e a prática da Justiça Restaurativa surgiram e foram Além da sua responsabilidade para com as vítimas e a
fortemente moldadas pelo esforço de levar a sério as necessi- comunidade, o ofensor tem outras necessidades. Dentro dos
dades das vítimas. parâmetros da Justiça Restaurativa, se queremos que assuma
suas responsabilidades, mude de comportamento, torne-se um
Ofensor e s membro que contribua para a comunidade, devemos também
O segundo maior foco de preocupação que motiva a Justiça atender às suas necessidades. O assunto ultrapassa o escopo
Restaurativa é a responsabilidade do ofensor. deste livro, mas as seguintes sugestões esboçam o necessário.

26 27
HQWARD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA VISÃO GERAL
II
ln

Os ofensores precisam que a justiça lhes ofereça: As comunidades precisam que a justiça ofereça:

1. Responsabilização que 1. Atenção às suas preocupações enquanto vítimas.


a. Cuide dos danos resultantes, 2. Oportunidades para construir um senso comunitário e de
b. Estimule a empatia e a responsabilidade e responsabilidade mútua.
c. Transforme a vergonha.2 3. Estímulo para assumir suas obrigações em favor do bem-
2. Estímulo para a experiência de transformação pessoal, -estar de seus membros, inclusive vítimas e ofensores, e
inclusive: fomento das condições que promovam convívio saudável.
a. Cura dos males que contribuíram para o comportamento
lesivo, Muito mais poderia ser escrito - e de fato foi - sobre quem
b. Oportunidades de tratamento para dependências quími- são as partes envolvidas em uni crime e suas necessidades
cas e/ou outros problemas e e papéis. Contudo, as questões básicas esboçadas acima -
c. Aprimoramento de competêncías pessoais. quanto às suas necessidades e aos papéis desempenhados por
3. Estimulo e apoio para reintegração à comunidade. vítimas, ofensores e membros da comunidade - continuam
4. Para alguns, detenção, ao menos temporária. a oferecer o foco central, tanto para a teoria quanto para a
prática da Justiça Kestaurativa.
Comunidade Em resumo, os-serviços do sistema de justiça criminal ou
Os membros da comunidade têm necessidades advindas penal estão centrados nos ofensores e na aplicação do casti-
do crime, e também-papéis-a-desempenhar-.-Defensores da -g.o_±^e_gar_anteni__que_eles.r_eceb_am_o que merecem. A Justiça
Justiça Restaurativa como o juiz Barry Stuart e Kay Pranis Restaurativa está mais centrada nas necessidades da vítima,
argumentam que, quando o Estado assume o lugar do cidadão, das comunidades e dos ofensores.
isso termina por enfraquecer nosso sentido comunitário.3 As
comunidades sofrem o impacto do crime e, em muitos casos,
deveriam ser consideradas partes interessadas pois são víti-
mas secundárias. Os membros da comunidade-também têm
importantes papéis a desempenhar e talvez, ainda, responsa-
bilidades em relação às vítimas, aos ofensores e a si mesmos.
Quando a comunidade se envolve com o processo, poderá
iniciar um fórum para discutir essas questões,..atividade que
vai, ao mesmo tempo, fortalecer a própria comunidade. Este
assunto é igualmente muito vasto. Os itens a seguir sugerem
algumas áreas que merecem atenção.

28 29
PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS

A Justiça Restaurativa parte de uma concepção muito anti-


Z\ga de delito, baseada no senso comum. Mesmo que ela
seja expressa de modo distinto em culturas diferentes, esta
abordagem provavelmente é comum a todas as sociedades
tradicionais. Para a maioria de nós, com raízes europeias,
constitui o modo como muitos de nossos ancestrais (mesmo
pais) compreendiam o comportamento socialmente nocivo:
• O crime-é-uma-violação- de pessoas e relacionamentos
interpessoais.
•—As-violações acarretam obrigações - --
• A principal obrigação é corrigir o mal praticado.

. Subjacente a esta visão do comportamento socialmen-


te nocivo, está um pressuposto sobre a vida social: estamos
todos interligados. Nas escrituras judaicas isto se expressa
no conceito de shalom: viver a vida imerso num sentido de
"retas relações" com os outros, com o Criador e com o meio
ambiente. Muitas culturas possuem uma palavra específica
para representar essa ideia da centralídade dos relacionamen-
tos. Para os maoris isto se expressa pelo termo whakapapa; para
os navajos, hozho; para muitos africanos a palavra ubuntu, do
idioma bantu. Embora o significado específico de cada uma
dessas palavras varie, elas comunicam uma mensagem similar:

31
HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS

todas as coisas estão ligadas umas às outras formando uma foi no sentido de garantir que os ofensores recebam o que
teia de relacionamentos. merecem. A Justiça Restaurativa responde de outra forma,
Dentro dessa cosmovisão, o crime representa uma chaga focalizando em primeiro lugar as necessidades da vítima e
na comunidade, um rompimento da teia de relacionamentos. consequentes obrigações do ofensor.
Significa que vínculos foram desfeitos. E tais situações são
tanto a causa como o efeito do crime. Muitas tradições ofere- Duas Visões Diferentes
cem ditos populares no sentido de que o mal de um é o mal de
Justiça Criminal Justiça Restaurativa
todos. Um mal como o crime provoca ondas de repercussão
e acaba por perturbar a teia como um todo. Além do mais, o O ci ime é uma violação da lei e O crime é uma violação depes-
do Estado. soas e dê relacionamentos.
comportamento socialmente nocivo é, via de regra, sintoma
de que algo está fora de equilíbrio-nessa teia. As violações geram_culpa. As violações geram obiigações
Relações implicam em obrigações e responsabilidades mútu- A justiça exige que o Estado A justiça envolve vítimas, ofen-
as. Assim, não é surpresa que essa visão do comportamento deteimine a culpa e imponha sores e membros dacomunida-
uma punição (sofrimento). de num esforço comum para
socialmente nocivo enfatize a importância de corrigir, consertar, corrigira.situação. •
endireitar as coisas. De fato, tomar medidas para neutralizar o
Foco central: os ofensores •Foco central:'as necessidades
mal cometido é uma obrigação. Conquanto a ênfaseinicial esteja devem rece"ber o que merecem. da vítima e a responsabilidade
nas obrigações do ofensor, o foco na interconexão social abre do ofensor de leparaL o dano
cometido.
a possibilidade de que outros - especialmente a comunidade
ampliada-possam-também-assumir-obrigações. - ----- -
Num nível ainda mais fundamental, esta visão do com- j Três Perguntas Diferentes
portamento socialmente nocivo implica em uma preocupação l-~ Justiça Criminal Justiça Reslaurativa
com todos os envolvidos: as vítimas, sem dúvida alguma, mas
também os ofensores e a comunidade. ! • Quê leis foram infringidas? "j * Quem sofreu danos?
Corno fíca esta visão do crime se comparada àquela do sis- -•-Quem fez-isso?-- —-——^—«-Quais são suas necessidades?——
tema jurídico? As diferenças entre as duas abordagens podem
• O que o ofensor mei ece? " • De quem é a obrigação de
ser condensadas em três questões centrais que surgem na (! suprir essas necessidades?
busca pela justiça.
Numa passagem muito citada das escrituras judaico-cris-
tãs, o profeta Miqueias pergunta: "O que o Senhor exige de No Anexo l (pp. 77-81} o leitor encontrará um enunciado
ti?" E a resposta começa pelas palavras: "Nada mais do que mais extenso dos princípios da Justiça Restaurativa e suas
praticar a justiça". Mas o que é necessário para que haja jus- implicações, baseado diretamente no conceito acima expos-
tiça? Como vimos acima, a resposta da sociedade ocidental to de comportamento socialmente nocivo. Mas, para nossos

32 33
HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS

propósitos imediatos, o conceito de inter-relacionamento 2. Males ou danos resultam em obrigações.


é básico à compreensão do motivo pelo qual necessidades, Por isso, a Justiça Restaurativa enfatiza a imputação e a res-
papéis e obrigações são tão essenciais à Justiça Restaurativa. ponsabilização do ofensor.

OS TRÊS PILARES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA


Três pilares ou conceitos centrais merecem um exame mais
detido: danos e necessidades, obrigações e engajamento.
1. A Justiça Restaurativa tem foco no dano cometido.
A Justiça Restaurativa vê o crime primordialmente como
um dano causado a pessoas e a comunidades. Nosso sistema
jurídico, com seu-foco em regras e leis e sua visão de que o
Estado é a vítima, muitas vezes perde de vista essa realidade.
Preocupado em dar aos ofensores o que eles merecem, o sis-
tema jurídico considera as vítimas, na melhor das hipóteses,
como preocupação secundária do processo penal. Mas na
Justiça Restauraíiva, ao colocar o foco no dano, surge uma
preocupação inerente com as necessidades da vítima e o seu
papei no processo. No âmbito lega], responsabilizar significa assegurar-se de —i
Portanto, para_a.J_us_tica_Be_s_t_am:ati^a_o.^fa2er-justiça'lcome^. —que-o-ofensor-seja punido. No entanto, se o crime for visto
ca na preocupação com a vítima e suas necessidades. Ela essencialmente como um dano, a responsabilização signi-
procura, tanto quanto possível, reparar o dano - concreta e fica que o ofensor deve ser estimulado a compreender o
simbolicamente. Essa abordagem centrada na vítima requer dano que causou. Os ofensores devem começar a entendei-
que o processo judicial esteja preocupado em atender as as consequências de seu comportamento. Além disso, devem
necessidades da vítima, mesmo quando o ofensor não foi assumir a responsabilidade de corrigir a situação na medida
identificado ou detido. do possível, tanto concreta como simbolicamente.
Embora a primeira preocupação deva ser com o dano sofrido 3. A Justiça Restaurativa promove engajamento ou participação.
pela vítima, a expressão "foco no dano" significa que deve- O princípio do engajamento sugere que as partes afetadas
mos também nos preocupar com o dano vivenciado pelo pelo crime-vítimas, ofensores emembros da comunidade
ofensor e pela comunidade. E isto deve nos levar a contem- - desempenhem papéis significativos no processo judicial.
plar as causas que deram origem ao crime. O objetivo da Tais "detentores de interesses" precisam receber informa-
Justiça Restaurativa é oferecer uma experiência reparadora ções uns sobre os outros e envolver-se na decisão do que é
para todos os envolvidos. necessário para que se faça justiça em cada caso específico.

34 35
HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAUBATIVA PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS

Em alguns casos, isto pode significar diálogo direto entre O Processo - "o como"
as partes, como ocorre nos encontros entre vítima e ofensor. O processo penal é um sistema adversarial conduzido por
Eles partilham seus relatos e chegam a um consenso sobre profissionais que representam o ofensor e o Estado, tendo
o que pode ser feito. Ern outros casos, o processo envolve como árbitro o juiz. O resultado é imposto por instâncias-lei,
trocas indiretas, por intermédio de representantes, ou ainda juizes e júris - alheias ao conflito básico. As vítimas, os mem-
outras formas de envolvimento. bros da comunidade e mesmo os ofensores raramente parti-
cipam do processo de modo substancial.
Portanto, a Justiça Restaurativa se ergue sobre três Embora a Justiça Restaurativa em geral reconheça a neces-
pilares ou elementos simples: os danos e as consequentes sidade de autoridades externas ao caso e, algumas vezes,'deci-
necessidades (de vítimas em primeiro lugar, mas também sões cogentes, ela dá preferência a processos colaborativos
da comunidade e dos ofen-sores); as obrigações (do ofensor, e inclusivos e, na medida do possível, desfechos que tenham
mas também da comunidade) que advêm do dano (e que sido alcançados por consenso, ao invés de decisões impostas.
levaram ao dano); &o engajamento daqueles que detêmlegí- Normalmente a Justiça Restaurativa admite a abordagem
timo interesse no caso e na sua solução (vítimas, ofensores adversarial, reconhece o papel dos profissionais envolvidos
e membros da comunidade). e do Estado. : No entanto, destaca a importância da partici-
Eis, em resumo, um esqueleto sumário da Justiça Restaura- pação daqueles que estão diretamente envolvidos, sofreram
tiva. Apesar de inadequado se considerado isoladamente, ele o impacto, ou têm outro interesse
oferece uma estrutura a partir da qual se pode construir uma legítimo no evento lesivo ou delito.
compreensão mais plena.-.. - — - — - Hyj Um encontro presencial, face
, Restaurativa a face - precedido de preparação,
A Justiça Restaurativa requer, no mínimo, í?fí^efei;^^çtGe"ssos;":^' planejamento e salvaguarda ade-
•;í^tõ:-3r.í;5:.á;:-^-.V.- ' '
que cuidemos dos danos sofridos pela vítima e ^tCmclusiy0S££$H" quados - via de regra constitui o
de suas necessidades; que seja atribuída ao ofensor fórum ideal para a participação
a responsabilidade de corrigir aqueles danos, •'i e~decisões das pessoas diretamente interes-
e que vítimas, ofensores e a comunidade ;: sadas. Como veremos resumida-
sejam envolvidos nesse processo. ; mente mais adiante, este encon-
tro pode assumir diversas formas:
encontro entre vítima e ofensor, conferência de grupos fami-
O "QUEM" E O "COMO" SÃO IMPORTANTES . liares, círculo restaurativo.
As pessoas envolvidas no processo da justiça e o modo O encontro permite que vítima e ofensor ganhem feições,
como se dá esse envolvimento são dois elementos importantes façam perguntas um ao outro diretamente, e negociem um
da Justiça Restaurativa. modo de corrigir a situação. Trata-se de uma oportunidade

36 37
HOWARD ZEHR - JUSTIÇA BESTAURATIVA PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS

para que a vítima conte em primeira mão ao ofensor qual foi controvérsia sobre o significado do termo "comunidade" e
o impacto da ofensa, ou coloque suas perguntas. Ali o ofensor como obter seu efetivo envolvimento nos processos. A questão
ouvirá e começará a compreender os efeitos de seu compor- é especialmente problemática em culturas onde as comuni-
tamento. O encontro oferece a possibilidade de aceitação da dades tradicionais não mais existem, caso de boa parte dos
responsabilidade e de um pedido de desculpas. Muitas vítimas Estados Unidos e grandes centros urbanos ocidentais. Além
e igual número de ofensor es vêm descobrindo que um diálogo disso, o termo "comunidade" pode expressar uni conceito
dessa natureza constitui vivência forte e positiva. abstrato demais para ter utilidade prática. Aliás, a própria
Uni encontro - seja direto ou indireto - nem sempre é comunidade pode ser vítima de abusos. A discussão dessas
possível e, em alguns casos, pode ser indesejável. Em certas questões vai além do escopo deste livro, mas algumas dbser-
culturas uni diálogo presencial poderia ser até inadequado. vações podem ser úteis. 2
Os encontros indiretos,-razoavelmente eficazes sem serem Na prática, a Justiça Restaurativa tem tendido a se con-
ofensivos, poderão tomar a fornia de uma carta, uni vídeo centrar nas "comunidades de cuidado" ou microcomunida- 3
6.JU
gravado, ou ser rea-lisados através de um representante da des. Há comunidades de lugar, nas quais interagem pessoas
vítima. Em todas essas modalidades, devem ser envidados que vivem próximas umas das outras; mas há também redes
esforços para oferecer o máximo de troca de informações e de relacionamentos que não estão definidas geograficamen-
envolvimento entre as partes interessadas. te. Para a Justiça Restaurativa as questões fundamentais são:
1) quem da comunidade se importa com essas pessoas ou
As partes interessadas - "o quem." com a ofensa?, e 2) como envolvê-las no processo?
Os principais mter-essadosí-é-clar.o/-Eão-a vítima e o ofensor - -~—É-iinpor-taiite-dist-mguir-entr-e "comunidade" e "socieda-
imediatos. Membros da comunidade poderão ter sido afetados de". A Justiça Restaurativa tende a se concentrar nas rnicro-
diretamente e, portanto, também têm interesse imediato-no comunidades de lugar ou relacionamento, que são direta-
caso. Além desse primeiro círculo, há outros que guardam mente afetadas pelas ofensas, mas em geral negligenciadas
graus variáveis de envolvimento pela "justiça estatal". Contudo, há preocupações e obriga-
na situação. Dentre esses, temos ções maiores que dizem respeito à sociedade como uni todo,
os membros da família da vítima, transcendendo aquele grupo que tem interesse direto em
"'"Entre.os . • •
seus amigos, as "vítimas secundá- dado evento específico. Dentre estas estão: a preocupação
rias", a família e amigos do ofensor,
/interessados,"
da sociedade com a segurança, os direitos humanos e o bem-
estão: as vítimas,.
e outros membros da comunidade. -estar de seus membros em geral. Muitos sustentam que o
. os ofefisorès e -
Estado desempenha o importante e legítimo papel de cuidar
: "airc omuiiíd ã~des ~
Quem é a comunidade? de tais questões de âmbito social.
de cuidado. . •
Dentro do campo da Justiça
Restaurativa tem havido alguma

•38- 39
PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS
HOWARD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATÍVA

o mal poderá ser um auxílio ao longo do restabelecimento,


A JUSTIÇA RESTAURATIVA VISA mesmo que jamais se chegue à restauração plena do estado
ENDIREITAR AS COISAS
Até agora discutimos as necessidades e o papel dos inte- anterior.
A obrigação de consertar as coisas é, em primeiro lugar,
ressados. Mas devemos dizer algumas palavras sobre os obje- do ofensor, mas a comunidade pode ser responsável também -
tivos da justiça. não só pela vítima, mas inclusive, possivelmente, pelo ofensor.
Para que este tenha sucesso 110 cumprimento de suas obri-
Tratar do ato lesivo gações, poderá precisar do apoio e estímulo da comunidade.
No cerne da Justiça Restaurativa está a ideia de retificar as Alem disso, esta tem responsabilidade pelas situações que
coisas ou, para usar uma frase mais corrente, "endireitar" as ocasionaram ou incentivaram o comportamento criminoso.
coisas. Como vimos acima, isso implica numa responsabilida- Idealmente, os processos de Justiça Restaurativa podem ser-
de por parte do ofensor que-deve; tanto quanto possível, tomar vir como catalisador ou fórum para examinar e definir tais
medidas concretas para reparar o dano causado à vítima (e necessidades, responsabilidades e expectativas.
possivelmente à comunidade afetada). Em casos como os de
assassinato, obviamente, o dano não pode ser reparado, no
Tratar das causas
entanto, passos simbólicos (como o reconhecimento da res- Para endireitar as coisas é preciso cuidar dos danos, mas
ponsabilidade ou a indenização) poderão ajudar as vítimas, também é preciso abordar as causas do crime. A-inaior parte
e são responsabilidade do ofensor. das vítimas deseja exatamenteisso. Elas procuram saber que
"Endireitar" sugere reparação, restauração ou recupera- —medidas-estão-sendo-tomadas para reduzir o perigo para si
ção, mas estas palavras-COin-pcefixo—i-e-frequentemente se
e para os outros.
mostram inadequadas. Quando um ato lesivo grave foi come- • - Nas conferências de grupos familiares da Nova Zelândia,
tido, não há como reparar o mal on voltar atrás no tempo. onde a Justiça Restaurativa é a norma, espera-se que os
Como me disse Lynn Shiner, mãe de duas crianças assassina- participantes desenvolvam um plano consensual que todos
das: "A gente precisa construir, criar uma vida inteiramente apoiarão e que contenha elementos de reparação e preven-
nova. Alguns pedaços da vida anterior eu consegui manter e ção. O plano precisa dar conta das necessidades das vítimas
encaixar na minha vida nova". e das obrigações do ofensor em relação ao atendimento
É possível que a vítima tenha mais probabilidade de res- dessas necessidades. Mas o plano deve também contemplar
tabelecimento se o ofensor se esforçar para endireitar as medidas necessárias para modificar o comportamento do
coisas - seja de fato ou simbolicamente. Muitas vítimas se
ofensor.
mostram ambivalentes quanto ao termo "cura", em virtude de O ofensor tem o ónus de tratar as cansas de seu comporta-
sua conotação de conclusão ou término. Este é um percurso mento, mas em geral não é capaz de fazê-lo sem ajuda. Poderão
que somente a vítima pode trilhar-ninguém pode fazê-lo em existir obrigações mais amplas em jogo além das do ofensor.
seu lugar. Mas urn empenho para de alguma forma corrigir

40
PRINCÍPIOS EESTAURATIVOS
HOWARD ZSHR -JUSTIÇA RESTAURATIVA

por exemplo: injustiças sociais e outras iniquidades que levam Ocasionalmente os ofensores ficam satisfeitos quando sua
percepção de serem vítimas é reconhecida. Outras vezes sua
ao crime ou promovem condições de insegurança. Não raro
outros, além do ofensor, são também responsáveis: as famílias, percepção precisa serquestionada. Em certas ocasiões o dano
a comunidade ampliada e a sociedade como um todo. perpetrado deve ser reparado antes que se possa esperar do
ofensor uma mudança de comportamento.
Estamos diante de um assunto controvertido e é fácil
Para corrigir
entender porque isto constitui algo especialmente difícilpara
a situação é preciso...
muitas vítimas. Com frequência esses argumentos racionais
soam como desculpas. Além do mais, por que algumas'pes-
soas vitimizadas se voltam para o crime e outras não? Estou
convencido de que qualquer tentativa de mitigar as causas do
...tratar dos danos ...tratar das causas. crime exigirá de nós uma análise da vivência de vitimização
dos ofensores.
O ofensor como vítima Nessa análise, ao invés de ^ò^li^s^ií-a.ii;^^^
Se e necessário tratar dos danos e das causas, é preciso utilizar a linguagem da vitimiza- ° ""'
examinar os danos que o próprio ofensor sofreu. cão, talvez seja mais útil falar de
Pesquisas mostram que muitos ofensores foram, eles mes- "trauma". Em seu livro Creating
mos, vítimas de traumas significativos. Muitos deles se perce- Sanctuary [Criando um santuário],
bem como vítimas..0_s majes s_afrjd_osjiu_pei:cebidos podem ter —-a-psiquiatra-Sandra Bloom argu-
contribuído de modo importante para dar origem ao crime. menta que o trauma não resolvi-
do tende a ser reencenado na vida ^~-^;,^í::^-—r---::- -
De fato, o psiquiatra Dr. James Gilligan, professor de Harvard
daqueles que o experimentaram vi^!Ul^-.-.-,--..•,.:.-: •.•/---„-"...;:
e pesquisador do sistema prisional, sustenta que toda vio-
lência é um esforço para conseguir justiça ou desfazer uma nas suas famílias e inclusive nas gerações seguintes.4
O trauma ê uma experiência central, não apenas para as
injustiça.3 Em outras palavras, muitos crimes podem surgir
vítimas, mas também para muitos ofensores. Inúmeros epi-
como resposta a uma sensação de vitirnização e esforço para
sódios de violência podem ser, na realidade, uma reconstitui-
reverter essa situação.
çao de traumas vivenciados anteriormente, aos quais não foi
A percepção de si como vítima não exime da responsa-
possível reagir de modo adequado no passado. A sociedade
bilidade por comportamento socialmente nocivo. Contudo,
tende a reagir infligindo mais traumas na forma de penas
se o Dr. Gilligan está correto em suas conclusões, tampou-
privativas de liberdade. Embora a realidade traumática não
co podemos esperar que tal comportamento cesse sem que
possa ser usada como desculpa para o crime, ela deve ser
tenha sido tratado o sentido de vitímízação. De fato, via de
regra a punição reforça o sentido de vitimização já existente. compreendida e tratada.

43
HowAfto ZEHR -JUSTIÇA RESTAURATIVA PRINCÍPÍOS RESTAUBATIVOS

Em resumo, o esforço para corrigir os males é o cerne e 4. Envolver a todos que tenham legítimo interesse na situ-
o eixo da Justiça Restaurativa. A retificação dos males tem ação, incluindo vítimas, ofensores, membros da comunidade
duas dimensões: 1) tratar dos danos cometidos, e 2} tratar e da sociedade.
suas causas, inclusive os fatores negativos que contribuíram 5. Corrigir os males.
para o comportamento socialmente nocivo. " É possível esquematizar a Justiça Restaurativa como uma
Já que a justiça deveria procurar endireitar as coisas, e roda. No centro está o foco principal: corrigir os danos e
uma vez que as vítimas sofreram os danos, a abordagem res- males. Cada um dos raios representa um dos elementos essen-
taurativa deve começar pelas vítimas. ciais citados acima: focar o dano e as necessidades, tratar das
No entanto, a Justiça Restaurativa se preocupa, em últi- obrigações que envolvem os interessados (vítimas, ofensores
ma instância, com a restauração e reintegração de ambos: e comunidades de apoio) e, na medida do possível, fazê-lo
vítima e ofensor, além-do-bem-estar-da comunidade como através de um processo cooperativo e inclusivo. Tudo isto, é
um todo. Portanto, ela procura tratar de todas as partes claro, numa atitude de respeito por todos os envolvidos.
equilibradamente. -

A Justiça Restaurativa estimula


decisões que promovam responsabilidade,
reparação e restabelecimento para todos.

UMA LENTE RESTAURATIVA


A Justiça Restaurativa oferece uma estrutura alternativa Corrigindo
para pensar o crime e a justiça.
danos e
males
Princípios
A lente ou filosofia restaurativa traz cinco princípios ou
ações-chave:
1. Focar os danos e consequentes necessidades da vítima,
e também da comunidade e do ofensor.
2. Tratar das obrigações que resultam daqueles danos
(as obrigações dos ofensores, bem como da comunidade e
da sociedade).
3. Utilizar processos inclusivos, cooperativos.

44 45
HOWAJÍD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA PRINCÍPIOS RESTAURATIVQS

Para utilizar uma imagem mais orgânica, podemos tam- Valores


bém imaginar a Justiça Restaurativa como uma flor. No cen- Os princípios da Justiça Restaurativa são úteis apenas se
tro está o foco principal: endireitar as coisas. Cada uma das estiverem enraizados eni certos valores subjacentes. Muitas
pétalas representa um dos princípios necessários para se obter vezes esses valores não são claramente enumerados e as pes-
sucesso no propósito central. soas presumem conhecê-los. Contudo, para aplicar os princí-
pios de modo coerente com seu espírito e propósito, devemos
ser explícitos em relação a esses valores. Caso contrário, por
I
exemplo, pode acontecer de utilizarmos um processo baseado
na Justiça Restaurativa, mas acabarmos chegando a decisões
focar nos danos tratar das
obrigações não restaurativas.
e necessidades— Para que funcionem adequadamente, os princípios da
Justiça Restaurativa (o centro e os raios) devem ser cercados
Endireitai por um cinturão de valores.
as coisas Para que floresçam, os princípios que constituem a flor da
Justiça Restaurativa devem estar enraizados em certos valores.
. Subjacente à Justiça Restaurativa está a visão de inter-
usar envolver os
processos interessados, conexão mencionada acima. Estamos todos ligados uns aos
inclusivos e vítimas, outros e ao mundo em geral através de uma teia de relacio-
cooperativos ofensores e -namentosrQuando-essa-teia-se-ronipertodos são afetados.
comunidades
Os elementos fundamentais da Justiça Restaurativa (dano e
necessidades, obrigações e participação) advêm dessa visão.
Mas este valor da interconexão deve ser equilibrado por um
apreço pela particularidade de cada um. Ainda que estejamos
todos ligados, não somos todos iguais.5 A particularidade é a
riqueza da diversidade. Isto significa respeitar a individua-
lidade e o valor de cada pessoa, e tratar com consideração e
seriedade os contextos e situações específicos nos quais ela
se insere.
A justiça deve reconhecer tanto nossa condição de interco-
nexão quanto a nossa individualidade. O valor da particulari-
dade nos adverte que o contexto, a cultura e a personalidade
são fatores importantes que devem ser respeitados.

47
HowArtD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATÍVA PRINCÍPIOS RESTAURATIVOS

Muito ainda poderia e deveria ser dito sobre os valores ine- mente, ofereço a sugestão abaixo a título de definição para
rentes à Justiça Restaurativa. De fato, talvez um dos maiores fins operacionais:
operacionais:G
atributos dessa modalidade de justiça seja o modo como ela
nos incentiva a explorar nossos valores junto com os outros.
.,„...„-..;.-...-._______-,-,., Entretanto, no final das contas, um Justiça Restaurativa é um processo para envolver,
único valor básico é de suprema impor- tanto quanto possível, todos aqueles que têm inte-
tãncia: o respeito. Se me fosse pedido resse em determinada ofensa, num processo que
para resumir a Justiça Restaurativa em coletivamente identifica e trata os danos, necessi-
-Restaurativa
uma palavra, escolheria "respeito" -res- dades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de
-'"'ê respeito. --
peito p0r todos, mesmo por aqueles que promover o restabelecimento das pessoas e endi-
-u-:. , —-_~..-,---------- - são"~diferente"S"denós, mesmo por aque- reitar as coisas, na medida do possível.
les que parecem ser nossos inimigos.
O respeito nos remete à nossa interconexão, mas também a
nossas diferenças. O respeito exige que tenhamos uma preo- AS METAS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
cupação equilibrada com todas as partes envolvidas. Em seu excelente manual Restorative Justice: A Vision for
Se praticarmos a justiça como forma de respeito, estare- HeaUng and Change, Susan Sharpe 7 resume assim as metas
mos sempre fazendo Justiça Restaurativa. e tarefas da Justiça Restaurativa:
Quando não respeitamos os outros, não há Justiça Restau- Os programas de Justiça Restaurativa objetívam:
rativa, mesmo se adotarmos-fielrnente-os-seus-princípiosr- - - - "•"~"Cdlo"car~a"s"decisÕes-clTáve"nãs"itiãos daqueles "que" foram
O valor do respeito permeia os princípios da Justiça mais afetados pelo crime,
Restaurativa e deve orientar e dar forma à sua aplicação, • Fazer da justiça um processo mais curativo e, idealmente,
mais transformador, e
DEFININDO JUSTIÇA RESTAURATIVA • Reduzir a probabilidade de futuras ofensas.
Como, então, devemos definir Justiça Restaurativa?
Embora haja um entendimento geral sobre seus contornos Para atingir estas metas é necessário:
básicos, os profissionais do ramo não conseguiram chegar • Que as vítimas estejam envolvidas no processo e saiam dele
a um consenso quanto a seu significado específico. Alguns satisfeitas,
de nós questionam a utilidade de uma definição, ou mesmo • Que os ofensores compreendam como suas ações afetaram
duvidam da sabedoria de se fixar uma tal definição..Mesmo outras pessoas e assumam a responsabilidade por tais ações,
reconhecendo a necessidade de princípios e critérios de qua- • Que o resultado final do processo ajude a reparar os danos e
lidade, preocupa-nos a arrogância e a finalidade de estabe- trate das razões que levaram à ofensa (planos especiais que
lecer uma conceituação rígida. Com estas preocupações em atendam às necessidades específicas de vítima e ofensor), e

49
HOWARD ZEIÍR-JUSTIÇA RESTAURATIVA PRINCÍPIOS RESTAVRATIVQS

• Que vítima e ofensor cheguem a uma sensação de "conclu- e obrigações nos casos de pena de morte. O "Apoio a Vítimas
são"8 ou "resolução" e sejam reintegrados à comunidade. Baseado na Defesa" surgiu como esforço para levar em consi-
deração as necessidades e preocupações dos sobreviventes no
PERGUNTAS BALIZADORÁS DA contexto dos julgamentos e sentenças, e dando a eles acesso
JUSTIÇA RESTAUR ATIVA aos profissionais encarregados da defesa e da acusação. Essa
Em última análise a Justiça Restauratíva se resume a uma abordagem também visa estimular os advogados de defesa a
série de perguntas que precisam ser feitas ao nos depararmos assumirem a devida responsabilidade nesses casos. Muitos
com o ato lesivo. acordos foram conseguidos visando atender as necessidades
Perguntas balizadoras da Justiça Restaurativa: das vítimas, e permitindo que os ofensor es aceitassem suas
• Quem sofreu o dano? responsabilidades.*
• Quais são suas necessid"ãcles?~~"~~ Em casos de violência doméstica, os advogados das víti-
• De quem é a obrigação de atendê-las? mas mostram grande preocupação em relação ao perigo de um
• Quem são os legítimos interessados no caso? encontro entre vítima e ofensor. Trata-se de uma preocupação
• Qual o processo adequado para envolver os interessados legítima em face do grande perigo desse encontro se trans-
num esforço para consertar a situação? formar em ocasião que perpetue o padrão de violência, ou um
processo sem o devido monitoramento por pessoas treinadas
Se pensarmos na Justiça Restaurativa como um programa para lidar com violência doméstica. Alguns dirão que nesses
específico, ou conjunto de programas, logo veremos que é difícil casos um encontro nunca é a estratégia apropriada. Outros,
aplicar programas já existentes~aTmra~aTnpla~gania"de situações. "~ínx:lusiveralgiim:as~7Ítimas "de violência" domes ticarsus tentam
Por exemplo, usar as formas de encontro entre vítima e ofensor que os encontros são importantes e poderosos se forem feitos
para crimes "comuns" pode ser difícil em casos de violência dentro "de condições adequadas e com as devidas salvaguardas.
coletiva ou social. Sem as devidas salvaguardas, os modelos de Sejam esses encontros adequados ou não aos casos de
Justiça Restaurativa que hoje praticamos podem ser perigosos violência doméstica, as perguntas balizadoras da Justiça
se utilizados em casos de violência doméstica. Restaurativa ainda podem nos ajudar a entender o que precisa
Mas se, ao contrário, partirmos das perguntas balizadoras ser feito sem que nos vejamos limitados - e presos - à pergun-
que dão forma à Justiça Restaurativa, veremos que elas são ta: "Que castigo merece esse ofensor?". Quando defrontado
aplicáveis a uma grande variedade de circunstâncias. Estas com uma nova situação ou aplicação, frequentemente me volto
perguntas podem nos ajudar a reenquadrar as situações, a para as perguntas balizadoras a fim de encontrar um norte.
pensar além dos estreitos limites que o sistema jurídico criou
* N.T. No sistema norte-americano o advogado de defesa negocia com o pro-
para a sociedade.
motor um acordo quanto à declaração que fará diante da acusação em juízo.
Essas perguntas balizadoras estão levando alguns advoga- Caso se declare culpado de um crime de pena menor, o réu poderá ficar livre
dos de defesa dos Estados Unidos a repensarem seus papéis do julgamento pelo tribunal do júri.

50 51
HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA

De fato, essas perguntas podem ser vistas como um sumá-


rio da Justiça Restaurativa.

INDICADORES DE JUSTIÇA RESTAURATIVA


Quando começamos a pensar nas aplicações práticas da PRÁTICAS RESTAURATIVAS
Justiça Restaurativa, outras balizas são oferecidas pelos dez
princípios ou indicadores abaixo. Esses princípios são espe-
cialmente úteis para projetar ou avaliar programas. Assim
como as perguntas balizadoras, eles podem servir para con-
ceber respostas a casos ou situações específicos. conceito e a filosofia da Justiça Restaurativa surgiram
Indicadores de Justiça" Kêstãurãtív ã i durante as décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos e
1. Foco nos danos causados pelo crime ao invés de nas leis Canadá, junto com a prática então chamada Programa de
que foram infringidas. Reconciliação Vítima-Ofensor (Víctim Offenderífeconciíiatjor)
2. Ter igual preocupação e compromisso com vítimas e ofen- Program - VOfíPJ. Desde então, este programa foi modificado
sores, envolvendo a ambos no processo de fazer justiça. e novas formas de prática apareceram. Metodologias antigas
3. Trabalhar pela recuperação das vítimas, empoderando-as foram remodeladas e ganharam o nome de "restaurativas".
e atendendo às necessidades que elas manifestam. Quais são as principais abordagens ou práticas em uso cor- "l
4. Apoiar os ofensores e ao mesmo tempo encorajá-los a com- rente no campo da justiça criminal ocidental? Devemos ter
preender, aceitar e cumprirsuasT)brigações.~ -em-mente que as aplicações que-menciono abaixo de modo J
5. Reconhecer que, embora difíceis, as obrigações do ofensor não algum abrangem a totalidade do cenário.
devem ser impostas como castigo, e precisam ser exequíveis. As escolas têm se tornado um local importante de apli-
6. Oferecer oportunidades de diálogo, direto ou indireto, entre cação das práticas restaurativas. Apesar de terem muitas
vitima e ofensor, conforme parecer adequado à situação. semelhanças com os programas de Justiça Restaurativa no
7. Encontrar um modo significativo para envolver a comuni- âmbito criminal, as abordagens utilizadas no contexto peda-
dade e tratar as causas comunitárias do crime. gógico devem necessariamente se amoldar aos contornos do
8. Estimular a colaboração e reintegração de vítimas e ofen- ambiente escolar.
sores, ao invés de impor coerção e isolamento. Abordagens restaurativas também estão sendo adaptadas
9. Dar atenção às consequências não intencionais e indeseja- para utilização no local de trabalho e em questões e processos
das das ações e programas de Justiça Restaurativa. comunitários mais amplos. Nesse caso, também há afinidades
10. Mostrar respeito por todas as partes envolvidas: vítimas, com os modelos descritos abaixo, mas, novamente, importan-
ofensores e colegas da área jurídica. tes diferenças. A Justiça Restaurativa tem aparecido, ainda,
Harry Mika eHoward Zehr 9 nas reflexões e debates sobre como fazer justiça após conflitos

52 53
-JVSTÍÇA RESTAURATIVA PRÁTICAS RESTAURATIVAS

ou comportamentos sociais nocivos d.e larga escala, muito Mennonite University (em Harrisonburg, Virgínia), voltaram
embora essa discussão seja mais teórica do que prática. para Gana a fim de trabalharem no conflito que ali se arras-
Para as sociedades que ainda mantêm um vínculo mais tava. Utilizando a estrutura conceituai da Justiça Restaurativa
próximo com os costumes tradicionais - como a africana, foram capazes de, pela primeira vez, abordar as questões de
ou as comunidades indígenas norte-americanas - a Justiça justiça presentes no conflito através de seu processo tradi-
Restaurativa serve de catalisador para reavaliar, ressuscitar, cional de justiça comunitária. Como resultado, os esforços de
legitimar e adaptar abordagens consuetudinárias antigas. paz saíram do marasmo e começaram a progredir.
Durante o período colonial o modelo jurídico ocidental muitas O campo da Justiça Restaurativa tornou-se diversificado
vezes condenou e reprimiu as formas tradicionais de justiça demais para ser retratado em qualquer classificação. O que
que, ainda quenão fossem perfeitas, funcionavam muito bem se segue é uma tentativa de oferecer uma breve visão geral
para aquelas comunidadesr~ • de algumas das práticas que vêm surgindo dentro do campo
A Justiça Restaurativa pode oferecer uma estrutura da justiça criminal ocidental,
conceituai capaz dB afirmar e legitimar o que havia de bom
naquelas tradições e, em alguns casos, desenvolver modelos O CERNE DAS ABORDAGENS GERALMENTE
adaptados que operem dentro da realidade do sistema jurí- ENVOLVE UM ENCONTRO
dico moderno. De fato, duas das mais importantes formas de Três modelos distintos tendem a dominar a prática da
Justiça Restaurativa - as conferências familiares e os círculos Justiça Restaurativa: os encontros vítima-ofensor, as conferên-
de construção de paz-são"adaptações (sem serem réplicas) cias de grupos familiares, e os círculos de Justiça Restaurativa.
de processos tradicionais— —-—-—- - - ----- -No-entanto,-cada-vez mais esses modelos têm sido mesclados.
A Justiça Restaurativa proporciona, ainda, uma forma con- As conferências de grupos familiares por vezes utilizam um
creta de pensar sobre a justiça no âmbito da teoria e prática círculo, e novas formas que aproveitam elementos de cada um
da transformação de conflitos e construção da paz. De fato, dos modelos acima têm sido desenvolvidas para circunstân-
a maioria dos conflitos orbita em torno de uma percepção de cias específicas. Em alguns casos, vários modelos são utiliza-
injustiça, ou ao menos implica tal percepção. Mesmo que o dos num mesmo caso ou situação. Por exemplo, um encontro
campo da resolução de conflitos ou transformação de conflitos entre vítima e ofensor pode ser promovido antes de um círculo
tenha, em certa medida, reconhecido esse fato, o conceito e a de sentenciamento, e a título de preparação.
prática da justiça nessa área permanecem um tanto vagos. Os No entanto, todos esses modelos possuem elementos impor-
princípios da Justiça Restaurativa oferecem unia estrutura con- tantes em comum. Por causa de suas semelhanças, são às vezes
creta para tratar as questões de injustiça presentes no conflito. .agrupados como fornias distintas de Justiça Restaurativa.
Como exemplo, cito a experiência de vários profissionais Cada um desses modelos implica um encontro entre inte-
africanos que, depois de fazer o curso de Justiça Restaurativa ressados-chave - no mínimo, entre vítima e ofensor, e talvez
do Programa de Transformação de Conflitos da Eastern incluindo outras pessoas da comunidade ou do meio jurídico.

54 55
l HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA
PRATICAS RESTAURATIVAS

Quando é impossível ou inapropriado promover um encontro Em todos os modelos a participação da vítima deve ser intei-
da vítima específica com seu ofensor específico, represen- ramente voluntária. Da mesma forma, existe o pré-requisito
tantes ou substitutos entram em seus lugares. Muitas vezes de que o ofensor reconheça, em alguma medida, sua respon-
utilizam-se cartas ou vídeos como preparação ou em substi- sabilidade. Normalmente, não se Faz uma conferência quando
tuição a um encontro face a face. Mas todos esses modelos o ofensor nega sua culpa ou responsabilidade. São envidados
implicam algum tipo de encontro, de preferência, presencial. esforços para estimular a participação voluntária do ofensor.
Os encontros são liderados por facilitadores que super- Sem dúvida, o encontro não deve acontecer quando o ofensor
visionam e orientam o processo, equilibrando o foco dado às está recalcitrante. Na realidade, há sempre uma certa pres-
partes envolvidas. Diferente de árbitros, os facilitadores de são sobre o ofensor no sentido de escolher o mal menor. Nas
círculos ou encontros não impõem acordos. Todos os mode- entrevistas preliminares os ofensores em geral manifestam
los abrem oportunidade-par-a-que-os-participantes explorem que é difícil e assustador encarar aqueles a quem lesaram. De
fatos, sentimentos e resoluções. Eles são estimulados a contar fato, a maioria de nós preferiria evitar esse tipo de obrigação
suas histórias, fazer perguntas, expressar seus sentimentos e sempre que possível.
trabalhar a fim de chegar a uma decisão consensual. Salvo pelas conferências de grupos familiares da Nova
Ron Classen, um profissional veterano da Justiça Zelândia, os modelos descritos abaixo são aplicados discri-
Restaurativa, coloca a questão da seguinte fornia: para resol- cionariamente e por encaminhamento. Para ofensas menores
ver qualquer tipo de comportamento socialmente nocivo, três o encaminhamento em geral vem da comunidade, da escola m--
coisas precisam acontecer: - ou instituição religiosa. Por vezes a Iniciativa surge das pró-
1. O mal cometido precisa_ser_.i:e.c.onhecido,— —- --
—prias-par-tes .._..__ _._ . .-_... -. .-.
2. A equidade precisa ser restaurada,
Mas a maioria vem do sistema judiciário, sendo que o agente
3. É preciso tratar das intenções futuras.1
encaminhador varia segundo o caso e a comunidade. Este pode
ser a polícia, ou o promotor de justiça, o oficial da condicio-
O encontro oferece a oportunidade para que as vítimas nal, o tribunal ou a vara criminal, ou até a penitenciária. No
falem do mal sofrido, e para que os ofensores o reconheçam caso dos tribunais, em geral a indicação da prática restaurativa
como tal. Decisões como restituição de bens ou pedidos de vem depois da instrução e alegações finais e antes da sentença.
desculpas ajudam a igualar o placar, ou seja, a restaurar a Nesses casos, o juiz leva o resultado da conferência em consi-
equidade. Em geral é necessário também falar do futuro. O deração ao sentenciar. Em alguns casos ou varas, o juiz ordena
ofensor fará isso de novo? Como viveremos juntos na mes- a restituição dos bens e pede que o valor devido seja decidido
ma comunidade? Como tocaremos a vida adiante? Todos os através de um encontro restaurativo, que passa a fazer parte da
modelos de encontro restaurativo abrem espaço para que tais sentença e/ou concessão do livramento condicional.
Os programas de encontro vítima-ofensor hoje em fun-
questões sejam abordadas através de um encontro sob orien-
cionamento nos casos de violência grave são, na sua maioria,
tação de facilitadores.

57
56
PRATICAS RESTAURATIVAS
HOWAHD ZEHR-JUSTIÇA RESTAVRATIVA

externos ao sistema judiciário formal e concebidos para serem, do ofensor e/ou pessoas relevantes da comunidade são muito
ativados por iniciativa das partes, em geral a pedido das vítimas. importantes. No entanto, a família da vítima também deve ser
envolvida no processo. Em alguns casos, especialmente quando
OS MODELOS DIFEREM QUANTO o encontro tem o poder de afetar o desenlace do processo penal,
AO "QUEM" E AO "COMO" um representante do Estado (como, por exemplo, um policial)
Embora semelhantes em linhas gerais, os modelos de prá- poderá também estar presente.
tica restaurativa diferem quanto ao número e tipo de parti- Duas modalidades de conferência de grupos familiares
cipantes e, em alguns casos, quanto ao estilo de facilitação. ganharam especial destaque. "Um dos modelos que vem rece-
bendo bastante atenção nos Estados Unidos foi desenvolvido
Encontros entre vítima e ofensor inicialmente pela polícia australiana, com base em uma moda-
Os encontros entre-vít-ima-e-ofensor-envolvembasicamente lidade nascida na Nova Zelândia. Geralmente essa abordagem
vítimas e ofensores. Nos casos em que for indicado, trabalha- adota um modelo de facilitação padronizado ou "roteiriza-
-se com a vítima e Q ofensor em separado e, depois, havendo do". Os facilitadores podem ser autoridades, como policiais
consentimento para que continue o processo, acontece um especialmente treinados para essa tarefa. Essa tradição ou
encontro ou diálogo entre os dois, organizado e conduzido abordagem deu especial destaque à dinâmica da vergonha, e
por um facilitador treinado que orienta o processo de maneira trabalha ativamente para usar a vergonha de modo positivo.
equilibrada. O outro modelo de conferência de grupos familiares, com
Em geral o resultado é-a-assinatura de um acordo de resti- o qual estou mais familiarizado, nasceu na Nova Zelândia e
tuição de bens, salvonos.casos_dej/-iolència grave, quando isto -hoje s entornou-O-pr o cê d i mento normativo .para as .ofensas, sob
não costuma acontecer. Membros da família da vítima e do a jurisdição das varas da infância e juventude daquele país.
ofensor poderão participar, mas normalmente essas pessoas Como essa abordagem é menos conhecida nos Estados Unidos
têm papéis de apoio secundários. Pessoas que representam do que o diálogo entre vítima e ofensor e do que os círculos
a comunidade poderão ser envolvidas como facilítadoras ou restaurativos (ver p. 61-62), eu a descreverei em mais detalhe.
supervisoras do acordo selado, mas via de regra não partici- O governo da Nova Zelândia revolucionou seu sistema de
justiça para a infância e juventude em 1989. Esta ação foi uma
pam do encontro.
reação à crise vivida então na área do bem-estar do menor, e
também às críticas, por parte da população indígena maori,
Conferências de grupos familiares
Nesta prática temos a ampliação do círculo básico de parti- de que as autoridades utilizavam um sistema colonial impos-
cipantes, quepassa a incluir os familiares ou outras pessoas sig- to e alheio à cultura local. Muito embora o sistema judicial
tenha sido mantido como retaguarda, o procedimento padrão
nificativas para as partes diretamente envolvidas. Esse modelo
vem se concentrando no apoio ao ofensor, para que ele assuma a para a maioria dos crimes mais graves cometidos por meno-
res na Nova Zelândia é a conferência de grupos familiares,2
responsabilidade e mude seu comportamento, epor isso a família

58 59
PRÁTICAS RESTAUBATIVAS
HOWABD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATÍVA

Em consequência, na Nova Zelândia estas conferências podem presente um procurador especial da vara da infância e da
ser consideradas tanto um processo judicial quanto um encon- juventude, e também outros profissionais assistenciais. Além
tro informal. disso, e visto que a polícia desempenha o papel de acusa-
Elas são organizadas e facilitadas por assistentes sociais dor no processo penal neozelandês, também ela deve estar
pagos pelo Estado, chamados de Coordenadores de Justiça do representada.
Adolescente, Juntamente às famílias, é sua função ajudar os As conferências de grupos.familiares ao estilo neoze-
participantes a determinarem quem deve estar presente no landês não são concebidas simplesmente como oportunida-
encontro, e a criar o processo mais apropriado para aquele gru- de de expressar fatos e sentimentos e desenvolver acordos
po em particular. Um dos objetivos do processo é sua adequa- de restituição de bens ou reparação moral. Em virtude de
ção cultural, e a forma do encontro precisa estar adaptada às normalmente fazerem o papel do tribunal, elas têm a função
necessidades e à cultura das vit.ím.as_e_das famílias envolvidas. de desenvolver um plano completo para o ofensor, um pla-
Nesse caso, a facilitação não é roteirizada. Embora haja no que, além de reparações, inclua elementos de prevenção
uma progressão comum às conferências em geral, cada uma e, por vezes, punição. Até mesmo as acusações podem ser
sofre adaptações em função das partes envolvidas. Um dos negociadas nessa reunião. Ê importante notar que o plano
elementos comuns à maioria delas é a reunião de família que precisa obter a concordância de todos os presentes. A vítima,
acontece em dada altura do processo. O ofensor e a família o ofensor, ou a polícia poderão vetar a decisão se algum deles
do ofensor se retiram para outra sala a fim de discutir o que estiver insatisfeito.
aconteceu até então, e desenvolver uma proposta que será Portanto, as conferências de grupos familiares podem
apresentada à vítima no restante da conferência^ —Snifíliâlp. círculo.departicipantes, incluindo familiares ou pes-
Assim como os mediadores de encontros entre vítima e soas significativas e, às vezes, funcionários do poder judiciário.
ofensor, o coordenador da conferência de grupos familiares Ao menos na forma adotada na Nova Zelândia, a conferência
procura ser imparcial, equilibrando os interesses e necessi- poderá incluir uma reunião familiar a portas fechadas, e um
dades das duas partes. No entanto, ele tern a incumbência de papel ampliado para o facilitador, que talvez pareça menos
garantir a elaboração de um plano que contemple as causas "neutro" se comparado ao do facilitador dos encontros vítinia-
e também a reparação, que responsabilize o ofensor e, por -ofensor. Ocasionalmente intituladas "conferências comuni-
fim, que seja realista. tárias ou de responsabilização", esses encontros estão sendo
Mesmo que a comunidade não esteja explicitamente incluí- adaptados e utilizados experimentalmente em vários países.
da, esses colóquios são mais inclusivos que os encontros entre
vítima e ofensor. Os familiares do ofensor são partes essen- Círculos
ciais e desempenham papéis importantes - de fato, o processo As abordagens circulares surgiram nas comunidades abo-
é visto como modelo de empoderamento familiar. As vítimas rígínes do Canadá. Para descrever o processo, o juiz Barry
podem trazer membros da família ou advogados. Poderá estar Stuart, em cuja vara um desses círculos foi reconhecido pela

60 61
PRÁTICAS RESTAURATIVAS
HQWARD ZEHK - JUSTIÇA RESTAURATIVA

primeira vez através de sentença judicial, escolheu o termo necessidades de vítimas e ofensores, das responsabilidades
"Círculos de Construção de Paz". Hoje os círculos têm inú- que a comunidade possa ter, das normas comunitárias, ou
meras aplicações. Além dos círculos de sentenciamento, que outros assuntos relevantes para a comunidade.
objetívam determinar sentenças para processos criminais, há Embora os círculos tenham surgido em comunidades
círculos de apoio [em preparação a círculos de sentenciamen- pequenas e homogéneas, hoje passaram a ser utilizados em
to), círculos para lidar com conflitos no ambiente de trabalho, inúmeros contextos, inclusive nas grandes áreas urbanas e
e até círculos como forma de diálogo comunitário. para situações variadas fora do âmbito criminal.
Nessa modalidade restaurativa os participantes se acomo- Este livro não é o meio adequado para discutir as mui-
dam em círculo. Um objeto chamado "bastão de fala" vai pas- tas formas ou os méritos relativos dos inúmeros modelos
sando de mão em mão para que todos tenham a oportunidade de Justiça Restaurativa. O que, sim, devemos frisar aqui é
de falar, um de cada_vez,_na_or_dem_em que estão sentados. que todos os modelos acima são formas de encontro. Eles
Faz parte do processo uma declaração inicial em que são podem se diferenciar pelo número e tipo de participantes
explicitados certo s, valo r es, ou mesmo urna filosofia, que enfa- ou interessados envolvidos, ou por seu método de facilita-
tiza o respeito, o valor de cada participante, a integridade, a ção. No entanto, quanto mais essas modalidades vão sendo
importância de se expressar com sinceridade, etc. mescladas, cada vez menos significativas vão se mostrando
Um ou dois "guardiães do círculo" servem de facilita dor es. suas diferenças.
Nas comunidades indígenas, os anciãos desempenham impor- É digno de nota que nem todas as abordagens restaurati-
tante papel como líderes dos círculos, ou como conselheiros, vas envolvem um encontro direto, e que nem todas as neces-
ou ainda trazendo percep^ões^ejnsjsrhts^ "SÍdades-podem-ser atendidas através de um encontro. Mesmo
Os círculos ampliam intencionalmente o rol de seus parti- que as vítimas tenham algumas necessidades que envolvam
cipantes. Vítimas, ofensores, familiares, e às vezes profissio- o ofensor, também apresentam outras que independem dele.
nais do judiciário são incluídos, mas os membros da comu- Da mesma forma, os ofensores têm necessidades e obrigações
nidade são partes essenciais. Eles podem ser convidados em que não guardam qualquer relação com a vítima. Portanto, a
função de sua ligação ou interesse em uma infração específica, tipologia que se segue inclui tanto os programas com encontro
ou por iniciativa da vítima ou do ofensor. Muitas vezes os quanto aqueles sem encontro,
membros são partes de um círculo permanente de voluntários
da comunidade. OS MODELOS DIFEREM QUANTO
Em virtude do envolvimento da comunidade, os diálo- A SEUS OBJETIVOS
gos dentro do círculo são em geral mais abrangentes do que — O.utro_modo de compreender as diferenças entre as várias
em outros modelos de Justiça Restaurativa. Os participan- abordagens restaurativas é examinar seus objetivos, que
tes podem abordar circunstâncias comunitárias que tal- podem ser separados em três categorias:
vez estejam propiciando violações, podem falar do apoio a

62 63
HOWARD ZEHR-JUSTIÇA RESTAURATIVA
PHATICAS RESTAURATIVAS

Programas alternativos Nem todos os programas desta categoria envolvem, encon-


Tais programas em geral têm por objetivo redirecionar, ou tro direto entre a vítima e seu ofensor. Alguns programas fun-
oferecer uma via alternativa para parte dos processos crimi- cionam como uma forma de reabilitação do ofensor através do
nais, ou para a etapa de sentencianiento. Os promotores fazem foco na vítima. Como parte de seu tratamento, estimulam-se
o encaminhamento, postergando a denúncia e, eventualmente, os ofensores a compreender o que fizeram e a se responsa-
dlspensam-na, se o caso for satisfatoriamente resolvido no bilizarem por isso. Esta fase do processo pode ser realizada
âmbito restaurativo. Também o juiz poderá encaminhar o caso através de painéis que abordem o impacto das ofensas, onde
para um encontro restaurativo a fim de que sejam trabalhadas as vítimas têm a oportunidade de relatar suas histórias para
partes da sentença, como a restituição de bens. Em alguns grupos de ofensores. Outros programas oferecem seminários
processos circulares o promotor e o juiz poderão juntar-se nas prisões, em formato de sessões múltiplas, onde vítimas,
à comunidade no círculo-a-f-i-m-de-desenvolver uma sentença ofensores e, por vezes, membros da comunidade se reúnem
sob medida para as necessidades da vítima, do ofensor e da para explorar vários tópicos e questões de proveito para todos
comunidade. EmBatavia, Nova York, um programa já tradicio- os envolvidos.
nal de Justiça Restaurativa trabalha primeiro com as vítimas
de crimes graves, depois com os ofensores, com o intuito de Programas de transição
desenvolver a denúncia, a sentença e, por vezes, os acordos Uma área relativamente nova dentre os programas restau-
de fiança alternativos. Na Nova Zelândia, como se sabe, as rativos é aquela que trata da reintegração do prisioneiro recém-
conferências são a regra e o-tribunal é a via alternativa. -libertado. Tanto nas casas de transição quanto nas prisões,
~~desenvolven>se-programas-sobre danos sofridos por vítimas
Programas terapêuticos e responsabilização de ofensores a fim de ajudar as vítimas e
Cada vez mais programas restaurativos, como as confe- os ofensores quando estes voltam para a comunidade.
rências, estão sendo desenvolvidos para os casos de crimes Um dos modelos mais interessantes é o Círculo de Apoio
mais graves: assalto a mão armada, e mesmo estupro e homi- e Responsabilização desenvolvido no Canadá para trabalhar
cídio. Em tais casos, muitas vezes o ofensor já está preso e com perpetradores de crimes sexuais. Em boa parte dos
o encontro não tem o propósito de influenciar o desfecho Estados Unidos e do Canadá, depois de cumprirem suas sen-
do processo judicial. Na verdade, em geral os ofensores con- tenças, as pessoas que cometeram crimes sexuais retornam
cordam explicitamente em não utilizar a participação nesse às suas comunidades, que oferecem pouco apoio ao ofensor.
processo para obter liberdade condicional ou clemência. Com Ali vítima e comunidade estão muito temerosas. Esses ofen-
a devida preparação e estrutura, tais encontros produzem sores (que se espera sejam ex-ofensores) são estigmatizados
resultados impressionantes, experiências positivas tanto para pela comunidade de origem, e acabam procurando se instalar
vítimas quanto para ofensores, independente de quem tenha em outra comunidade. Nessas circunstâncias, a reincidência
partido a iniciativa. tende a ser elevada.

64 65
PRATICAS RESTAURATIVAS
HOWARD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA

É importante ver os modelos de Justiça "Restaurativa den-


Os círculos de apoio e responsabilização reúnem um cír-
tro de um continuum, que vai do totalmente restaurativo até
culo de pessoas - ex-ofensores, membros da comunidade, e
o não restaurativo, com vários graus entre esses extremos. 3
até vítimas de ofensas similares - não apenas para dar apoio
Seis perguntas-chave nos ajudam a analisar tanto a efi-
aos ofensores, mas para mante-los responsáveis. No início a
cácia quanto o alinhamento dos vários modelos concebidos
interação é intensa, com encontros diários e regras estritas
para situações específicas com os princípios restaurativo s:
quanto ao que a pessoa pode fazer e lugares que pode fre-
1. O modelo dá .conta de danos, necessidades e causas?
quentar. Estes círculos, quetrabalham.com ex-ofensores para
2. Ê adequadamente voltado para a vítima?
que se responsabilizem por seu comportamento, ao mesmo
3. Os ofensores são estimulados a assumir responsabilidad.es?
tempo oferecendo o devido apoio, têm tido sucesso na reinte-
4. Os interessados relevantes estão sendo envolvidos?
gração de ex-ofensores, simultaneamente aplacando o temor
5. Há oportunidade para diálogo e decisões participativas?
da comunidade.
6. Todas as partes estão sendo respeitadas?

UM CONTINUUM RESTAURATIVO
Embora os modelos de conferência e encontro sejam total-
A maior parte dos modelos de encontro descritos acima
mente restaurativo s, há situações em que esses modelos não
pode ser considerada totalmente restaurativa. Atendem a
podem ser totalmente, nem mesmo parcialmente, aplicados.
todos os critérios que definem a Justiça Restaurativa expostos
Como proceder nos casos em que o ofensor não é pego, ou
no Início deste livro. Mas o que dizer de outras abordagens
não está disposto a assumir a responsabilidade?
que se dizem restaurativas? Existem outras opções dentro da
-Num-sistema-restaurativo os -procedinientos.comecar.iam
estrutura restaurativa? —--• • —- ** ^ I j ^ ^ - . — J^
logo depois do crime a fim de atender às necessidades da
vítima e envolvê-la no processo, independente do fato de o
r Graus entre as Práticas de
ofensor ter sido preso ou não. Portanto, a assistência à vítima,
apesar de não poder ser considerada totalmente restaurativa,
Justiça Restaurativa; um contimmm ê um elemento importante dentro do sistema restaurativo
e deve ser vista como uma prática ao menos parcialmente
v re o restaurativa.
£ .£
ICC
O Os painéis sobre o impacto das ofensas, embora não reu-
v £
ra
Ert ^ nam a vítima com seu ofensor, permitem às vítimas contar
S s ? O
*B •O suas histórias e estimulam os ofensores a compreender o que
£H «d) 3
fizeram. Estes são elementos importantes da abordagem res-
P.
taurativa, e o modelo pode ser visto como parcial ou maiori-
tariamente restaurativo.

67
66
HOWARD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA PRÁTICAS RESTAURATIVAS

De modo análogo, o que acontece quando o ofensor se hipóteses, uma pena alternativa sem nenhuma relação com
mostra disposto a compreender as consequências de seus a Justiça Restaurativa. Na Nova Zelândia, contudo, o servi-
atos e assumir responsabilidades, mas a vítima está ausente ço comunitário em geral faz parte do acordo que resulta da
ou recalcitrante? Desenvolveram-se alguns programas para conferência de grupos familiares. Todos os envolvidos parti-
tais circunstâncias (que oferecem oportunidades para apren- ciparam do desenvolvimento do acordo, o serviço escolhido
der com as vítimas e realizar atos simbólicos de restituição), tem ligação com a ofensa cometida, e o acordo tem detalhes
no entanto, deveríamos oferecer mais. Ainda que não sejam específicos sobre como a comunidade e a família oferecerão
totalmente restauratívos, esses programas desempenham, um apoio e monitorarão o cumprimento dos termos desse mes-
papel importante dentro do sistema judicial como um todo. mo acordo. Nesse caso, ele pode ser visto como reparação ou
Será que os programas de tratamento e reabilitação para contribuição à comunidade, aceitas pela mesma em virtude da
ofensores podem ser..chamados-de-práticas restaurativas? O concordância de todos os participantes. Dentro dessa estru-
tratamento para ofensores pode ser visto como parte do traba- tura, o serviço comunitário poderá ter um importante papel
lho preventivo e, junto com os esforços para sua reintegração, no contexto da abordagem restaurativa.
tem alguma afinidade com a Justiça Restaurativa. No entanto, Por fim, temos a categoria dos procedimentos pseudor-
do modo como estão sendo administrados, muitos programas -restaurativos ou não restaurativo s. A Justiça Restaurativa
de tratamento e reabilitação oferecem poucos elementos res- tornou-se tão popular que muitas ações e programas têm
taurativas. Todavia, poderiam funcionar restaurativamente, e sido rotulados de""restauratívos" sem defato o serem. Alguns
alguns de fato funcionam assim, visto que organizam o trata- podem ser aproveitados, outros não. A pena de morte, que
mento dos ofensores ]evandq^os_a_compreender.o-qiíe fizeram "causa~danos -adicionais-e-irreparáveis, recai nessa última
e a assumir responsabilidade pelos danos, ao mesmo tempo - categoria.
dando o máximo de atenção às necessidades das vítimas.
Dependendo da forma como for realizado, o tratamento
do ofensor poderá recair nas categorias "potencialmente" ou

"majoritariamente''restaurativo.
Da mesma forma, os programas de defesa dos ofensores
e readmissão de presidiários, ou o ensino religioso nas pri-
sões, não são em si restauratívos, mas podem desempenhar
um importante papel no sistema restaurativo, especialmente
se forem remodelados para incluir a estrutura restaurativa.
A rneu ver, as penas de serviço comunitário entram na
categoria das práticas "potencialmente" restaurativas. Da for-
ma como são aplicadas hoje essas penas são, na melhor das

68 69
ISTO ou AQUILO?

m minhas primeiras obras, reiteradamente fiz uma distin-


J—j cão bem marcada entre a estrutura retributiva do sistema
jurídico ou de justiça penal e uma abordagem mais restau-
ratíva de justiça. Mais recentemente, entretanto, comecei a
acreditar que tal polarização pode ser um tanto enganadora.
Embora as tabelas que apontam as características contras-
tantes ilustrem elementos importantes que diferenciam as
duas abordagens, também ocultam importantes semelhanças
e áreas de possível colaboração.

JUSTIÇA BETRIBUTIVA X
JUSTIÇA- RESTAURATIVA?
Gostaria de citar como exemplo o argumento do filósofo
do Direito Conrad Brunk no sentido de que teórica e filosofi-
camente a retribuição e a restauração não são poios opostos
como em geral se presume. ^ Na verdade, as duas modalidades
têm muito em comum. Um dos objetivos primários de ambas
as teorias - a retributiva e a restaurativa - é o de acertar as
contas através da reciprocidade, ou seja, igualar o placar. Elas
diferem nas suas propostas quanto ao que será eficaz para
equilibrar abalança.
Tanto a teoria retributiva quanto a teoria restaurativa
reconhecem a intuição ética básica de que o comportamento

71
ISTO ou AQUILO?
HOWARD ZSHR -JUSTIÇA RESTAURATIVA

socialmente nocivo desequilibra abalança. Consequentemente, simplesmente muito complexos ou hediondos para serem
a vítima merece algo e o ofensor deve algo. As duas aborda- resolvidos por aqueles diretamente envolvidos no caso. E
gens sustentam que deve haver uma proporcionalidade entre preciso haver um processo que atenda às necessidades e
o ato lesivo e a reação a ele. Contudo, as teorias diferem no obrigações da sociedade, interesses que vão além daqueles
tocante à "moeda" que vai pagar as obrigações e equilibrar dos detentores de interesse direto no caso. Não se pode per-
a balança. der de vista as qualidades que o melhor do sistema jurídico
Ajustíça retributiva postula que a dor é o elemento capaz representa: o estado de direito, a imparcialidade procedimen-
de acertar as contas, mas na prática ela vem se mostrando tal, o respeito pelos direitos humanos e o desenvolvimento
contraproducente, tanto para a vítima quanto para o ofensor. ordenado da lei.
Por outro lado, a teoria da Justiça Restaurativa sustenta que Também a justiça do mundo real pode ser mais bem com-
o único elemento apto.p a r a-realm ente- acertar as contas é a preendida como um contimium. Num dos poios está o sistema
conjugação do reconhecimento dos danos sofridos pela vítima jurídico ou penal ocidental com suas substanciais qualidades,
e suas necessidades ao esforço ativo para estimular o ofensor como o fomento dos direitos humanos. Mas há também seus
a assumir a responsabilidade, corrigir os males e tratar as gritantes defeitos. No outro polo se encontra a alternativa res-
causas daquele comportamento. Ao lidar de modo positivo taurativa. Também ela tem importantes atributos e limitações,
com esta necessidade de vindicação ou acerto de contas a ao menos na forma como hoje a concebemos e praticamos.
Justiça Restaurativa tem o potencial de dar segurança a vítima
e ofensor, ajudando-os a transformar-suas vidas.

JUSTIÇA CRIMINAL X JUSTIÇA RESTAURATIVA?


Os defensores da Justiça Resíaurativa acalentam o sonho
de chegar um dia em que a justiça será totalmente restauratí-
va. O realismo desse sonho é discutível, ao menos num futuro
próximo. Talvez seja mais plausível pensar num amanhã em
que a Justiça Restaurativa seja a norma, enquanto alguma Talvez .uma meta realista seja avançarmos tanto quanto
forma de justiça criminal ou sistema judicial ofereça uma reta- possível na direção de um processo restaurativo. Em alguns
guarda ou alternativa. É bem possível que cheguemos a um casos ou situações pode ser que não se consiga chegar muito
tempo em que todos os nossos procedimentos judiciais serão longe. Em outros, chegaremos a processos e soluções verda-
orientados por princípios restaurativos. deiramente restaurativos. Entre um extremo e outro haverá
A sociedade precisa de um sistema para descobrir a muitas instâncias e situações em que os dois sistemas deverão
"verdade" da melhor forma possível nos casos em que as ser utilizados, e a justiça será feita de modo apenas parcial-
pessoas negam suas responsabllidades. Alguns casos são mente restaurativo.

72 73
c/
HBL
HowAítoZsHR-JUSTIÇA RESTAURATÍVA ISTO ou AQUILO?

Enquanto isso, podemos sonhar com o dia em que este Por algum tempo o riacho da Justiça Restaurativa foi
continuum não mais será relevante porque suas duas pontas mantido no .subterrâneo pelos modernos sistemas judiciais.
terão fundamento na Justiça Restaurativa. Mas nos últimos 25 anos esse riacho reapareceu e cresceu
tornando-se um rio cada vez, maior. Hoje a Justiça Kestaurativa
A JUSTIÇA RESTAURATIVA VISTA COMO UM RIO é reconhecida mundialmente por governos e comunidades
Alguns anos atrás, quando vivia na Pensilvânia, minha preocupados com o crime. Milhares de pessoas em todo o
esposa e eu saímos para encontrar a nascente do Rio planeta trazem, sua experiência e conhecimentos para esserio.
Susquehanna, que atravessa o estado. Seguimos por um E, como todos os rios, ele existe porque está sendo alimentado
de seus dois braços até chegarmos atrás do celeiro de uma por incontáveis afluentes que nele desaguam vindos de todas
fazenda, onde encontramos um cano enferrujado espetado no as partes do mundo.
sopé de uma montanhaJ&nda-de-imia-fonte, a água safa pelo Alguns desses afluentes são programas práticos que estão
cano e caía numa banheira que servia de bebedouro para o sendo implementados em numerosos países. O rio está sendo
gado. Ela transbordava da banheira, se espalhava pelo chão, alimentado também por várias tradições indígenas e formas
e formava um riachinho, que bem mais adiante se torna um contemporâneas baseadas nessas tradições: as conferências
portentoso rio. de grupos familiares adaptadas das tradições maori da Nova
É claro que não se pode afirmar peremptoriamente que Zelândia, por exemplo; os círculos de sentenciamento das
aquela é a nascente do rio. Há outras bicas na vizinhança comunidades aborígines do norte do Canadá; os tribunais
que poderiam se candidatar a- esse título tão formidável. E de construção de paz dos navajos; a lei consuetudinária afri-
por certo essa bica não se transformarLa_emj:Jo.se-não fosse. ~""c~an~arou-a-prática-afegãchamada-jirga. O campo da media-
alimentada por centenas de outras fontes. No entanto, esse rio ção e resolução de conflitos também alimenta esse caudal,
e essa fonte tornaram-se minha metáfora para o movimento da mesma forma os movimentos pelos direitos das vítimas e
de Justiça Restaurativa. os movimentos por penas alternativas que vimos surgir nas
O campo da Justiça Restaurativa que conhecemos hoje últimas décadas. Igualmente, uma ampla gama de tradições
começou como um fio de água nos anos 80, uma iniciativa religiosas verte suas águas nesse rio.
de um punhado de pessoas que sonhavam em fazer justiça Conquanto possamos aprender com experiências, práticas
de um jeito diferente. Nasceu da prática e da experimenta- e costumes de inúmeras comunidades e culturas, nenhum
ção e não de abstrações. A teoria, o conceito, tudo isso veio deles deve ou mesmo pode ser copiado e simplesmente implan-
depois. Mas enquanto as fontes imediatas do rio atual da tado em outra comunidade ou sociedade. Ao contrário, devem
Justiça Restaurativa são recentes, tanto o conceito quanto a ser vistos enquanto exemplos de como diferentes comunida-
prática recebem aportes de tradições primevas tão antigas des e sociedades encontraram no seu contexto particular uma
como a história da humanidade, e tão abrangentes como a forma apropriada de fazer justiça e reagir ao comportamento
comunidade mundial. socialmente nocivo. Tais abordagens oferecem inspiração e

74 75
HOWARD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA

um ponto de partida. Embora não sendo um modelo pronta-


mente aplicável, servem como catalisadores para formarmos
ideias e metas próprias.
Essa abordagem de justiça voltada para o contexto traz à
nossa consciência que a verdadeira justiça nasce do diálogo PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
e leva em conta as necessidades e tradições locais. Eís o moti-
vo por que devemos ser muito cautelosos quanto a estraté- DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
gias impostas de cima para baixo na implantação da Justiça
Restaurativa. Howard Zebre Harry Mika1
O argumento que apresento aqui é bem simples: não haverá
justiça enquanto mantivermos-nossirfoca exclusivamente nas
questões que têm orientado o atual sistema judicial: Que leis
foram infringidas? Quem fez isso? O que merecem em troca? 1. O Crime é fundamentalmente uma violação de pessoas e de
Para que haja.verdadeira justiça é preciso que façamos a relacionamentos interpessoais.
nós mesmos as perguntas: Quem foi prejudicado? Quais são as 1.1. As vítimas e a comunidade foram lesadas e precisam ser
suas necessidades? Quem tem obrigação e quem é responsável recompostas.
por atender tais necessidades? Quem tem interesse legítimo 1.1.1. As vítimas primárias são aquelas afetadas mais dire-
na situação? Que processo conseguirá envolver os interessa- tamente pela ofensa, mas outros, como familiares das
dos a fim de encontrar-uma-solução?-A-Justiça-Restaurativa~ "" ~~vítimas~ê"Sõs"Õ"fénsÕf és",~féstemurihas" ê membros da
requer que troquemos não apenas nossas lentes, mas também comunidade atingidos, são vítimas também.
nossas perguntas. í.1.2. Os relacionamentos afetados (e ref letidos) pelo crime
Acima de tudo, a Justiça Restaurativa é um convite ao precisam ser tratados,
diálogo, para que possamos apoiar um ao outro e aprender 1.1.3. A restauração é um continuum de reações à gama de
í-
uns com os outros. É um lembrete de que estamos todos inter- necessidades e danos vivenciados por vítimas, ofen-
ligados de fato. sores e pela comunidade.
1.2. Vítimas, ofensores e as comunidades afetadas são basica-
mente os detentores de interesse na justiça.
1.2.1. O processo de Justiça Restaurativa enfatiza a con-
- - tribuição e a participação dessas partes - mas espe-
cialmente das vítimas primárias e dos ofensores - em
busca de restauração, superação, responsabilização
e prevenção.

76 77
- JUSTIÇA R ESTAUH ATI VA ANEXO i

1.2.2. Os papéis dessas partes variarão segundo a natureza 2.1.7. Os ofensores têm a obrigação de participar ativamente
da ofensa, bem como as capacidades e preferências do esforço para atender às suas próprias necessidades.
das partes. 2.2. A comunidade tem obrigações diante das vítimas e dos ofen-
1.2.3. O Estado tem papel delimitado, como o de investigar sores e também em relação ao bem-estar de seus membros
os fatos, facilitar os processos e garantir a segurança, em geral.
mas o Estado não é uma vítima primária. 2.2.1. A comunidade tem obrigação de dar apoio e prestar
2. A violação cria obrigações e ónus. ajuda às vítimas de crimes a fim de que sejam aten-
2.1. A obrigação dos ofensores é corrigir as coisas tanto quanto didas suas necessidades.
possível. 2.2.2. A comunidade é responsável pelo bem-estar de'seus
2.1.1. Uma vez que a obrigação primária é para com as víti- membros e pelas condições e relacionamentos sociais
mas, um processo d¥Justíçã~Restaurativa empodera que levam ao crime ou à paz na comunidade.
as vítimas para que de fato participem da definição 2.2.3. A comunidade tem a responsabilidade de apoiar os
de obrigações. esforços para reintegrar ofensores à comunidade, de
2.1.2. Os ofensores recebem oportunidade e estímulo envolver-se ativamente na definição das obrigações
para compreender o mal que causaram às vítimas e do ofensor e de garantir que o ofensor tenha a opor-
à comunidade, e desenvolver umplano para cumprir tunidade de corrigir o seu erro.
suas obrigações de modo adequado. 3. A Justiça "Restauratíva busca restabelecer pessoas e corrigir
2.1.3. Estimula-se a participação voluntária dos ofenso- os males.
res, enquanto sê niimm'izá~a~~c~o~erçãoê"a~exclusãd." 3=1.- As necessidades dasvítimas de informação, validação, vin--
Contudo, caso não o façam voluntariamente, poderá dicação, restituição de bens, testemunho, segurança e apoio
se exigir dos ofensores que assumam suas obrigações. são os pontos de partida da justiça.
2.1.4. As obrigações que advém do dano infligido devem 3.1.1. A segurança das vítimas é prioridade imediata.
guardar uma relação com o empenho em corrigir a 3.1.2. O processo de fazer justiça fornece a estrutura para
situação. que se desenvolva o trabalho de recuperação e res-
2.1.5. As obrigações podem ser vivenciadas como difíceis, e tabelecimento, que em última instância é domínio da
mesmo dolorosas, mas não são impostas com o obje- vítima individual.
tivo de punição, vingança ou retaliação. 3.1.3. As vítimas são empoderadas através da valorização
2.1.6. As obrigações em relação às vítimas, como a restitui- de sua contribuição e participação na definição de
ção de bens ou a promoção de seu restabelecimento, necessidades e resultados ou decisões.
são prioritárias em relação a outras sanções ou obri- 3.1.4. Os ofensores estão envolvidos na reparação do mal
gações diante do Estado, como as multas. tanto quanto possível.

78 79
HOWÂRDZEHR~ JUSTIÇA RESTAURATIVA ANEXO

3.2.0 processo de fazer justiça amplia oportunidades para tro- imediata a fim de atender as necessidades das vítimas
ca de informações, participação, diálogo e consentimento e promover a responsabilização dos ofensores.
mútuo entre vítima e ofensor. 3.5. Ajustiça está consciente dos resultados intencionais e não
3.2.1. Encontros presenciais são apropriados em alguns intencionais de suas respostas ao crime e à vitimízação.
casos, enquanto formas alternativas de troca são mais 3.5.1. Ajustiça monitora e incentiva o acompanhamento
apropriadas em outros. dos acordos resultantes do processo já que restabele-
3.2.2. As vítimas desempenham o papel principal na defi- cimento, recuperação, responsabilização e mudança
nição e direção dos termos e condições do encontro. se amplificam quando tais acordos são cumpridos.
3.2.3. O consentimento mútuo tem precedência sobre as 3.5.2. Ajustiça é assegurada não pela uniformidade das
decisões impostas. decisões, mas por disponibilizar apoio e oportuni-
3.2.4. Há oportunidade-para-remorso, perdão e reconci- dades a todas as partes, evitando-se a discriminação
liação. baseada em etnia, classe e sexo.
3.3. As necessidades e aptidões dos ofensores são levadas em 3.5.3. Decisões que são predominantemente coercitivas ou
conta. privativas de liberdade deveriam ser adotadas como
3.3.1. Reconhecendo que os próprios ofensores sofreram último recurso, utilizando-se o menos possível as
um dano, o restabelecimento e integração dos ofen- intervenções restritivas e, ao mesmo tempo, buscando
sores à comunidade são enfatizados. a restauração das partes envolvidas.
3.3.2. Os ofensores recebem apoio e tratamento respeitoso 3.5.4. Consequências imprevistas e não intencionais, como
ao longo do processo. - -— -- - --•- -a-CQoptação-de-processos restaurativos para fins
3.3.3. A perda de liberdade e o confinamento forçado dos coercitivos ou punitivos, orientação indevida a ofen-
ofensores se limitam ao mínimo necessário. sores, ou a expansão do controle social, devem ser
3.3.4. A justiça valoriza mudanças pessoais mais do que rechaçadas.
comportamento obediente.
3.4. O processo de fazer justiça pertence à comunidade.
3.4.1. Os membros da comunidade participam ativamente
do processo de fazer justiça.
3.4.2. O processo enriquece com os recursos comunitários
e, por sua vez, contribui para a construção e fortale-
cimento dessa mesma comunidade.
3.4.3. O processo procura promover mudanças na comuni-
dade, tanto para evitar que males semelhantes atinjam
outras pessoas, como para fomentar a intervenção

81
Notas

Capítulo l
1. A linguagem pode constituir um problema. Os termos
"vítima" e "ofensor" em geral se mostram simplistas e estere-
otipados. Mas como este livro é dirigido a pessoas que atuam
na área criminal, e pelo fato de as alternativas serem um tanto
inadequadas, mantive essa terminologia.
2. A teoria da vergonha, embora controversa, surgiu como ele-
mento importante dentro da Justiça Restaurativa. John Braithwaite,
em seu livro pioneiro Crime, Shame, and feintegration [Crime,
~Vergonha-e-Reintegração] (Gambridge;-Reino Unido, 1989), sustenta
que a vergonha estigmatisante leva as pessoas para o crime, mas
que a vergonha pode também ser "reíntegratíva" quando denuncia
a ofensa mas não o ofensor, e quando oferece oportunidades para
que seja removida ou transformada.
3. Veja, por exemplo, seus capítulos em Community Justice:
Eepairwg Harm and Transforrníng Communítíes [Justiça Comu-
nitária: reparando o ato lesivo e transformando comunidades]
(Anderson, EUA, 2001).

Capítulo 2
1. O papel do Estado vem sendo mais contestado nas situa-
ções em que grupos minoritários se sentem sistematicamente
oprimidos pelo governo (corno na Irlanda do Norte), ou quando

83
HOWARD ZEHR - JUSTIÇA RESTAURATIVA NOTAS

o Estado é visto como tendo cooptado a Justiça Restaurativa, quer sugerir a capacidade de levar a vida adiante, que é o que a
implementando-a de cima para baixo. Esta situação tornou-se Justiça Restaurativa visa.
uma grande preocupação, por exemplo, no contexto dos grupos 9. Esses indicadores foram originalmente publicados em
indígenas na Nova Zelândia e no Canadá. versão um pouco diferente num folheto do Mennonite Central
2. Uma visão geral desse debate pode ser obtida no livro Committee, em Akron, Pennsylvania, 1997.
de Gerry Johnstone, Restorative Justice: Ideas, Values, Debates
[Justiça Restaurativa: ideias, valores, debates] (Willan Publishing, Capítulo 3
Reino Unido, 2002), p. 136 e seguintes. Este livro oferece um 1. http://www.fresno.edu/pacs/docs/model.shtml
sumário elucidativo e uma análise dos debates e questões críticas 2. As varas da infância e juventude da Nova Zelândia são con-
no campo da Justiça Restaurativa. cebidas para tirar do sistema judiciário e do processo criminal os
3. James Gilligan/VíõlêTIc^Jíêfíecífoírsoii a National Epidemic indivíduos que cometeram delitos menos graves. Às vezes isto se dá
[Violência: reflexões sobre uma epidemia nacional] (Random através de uma parceria com encontros vítima-ofensor informais.
House, New York, 1936). 3. Veja Paul McCold, "Toward a Holistic Vision of Restorative
4. Sandra Bloom, Creating Sanctuary: Toward the Evolution Juveníle Justice, A Reply to the Maximalist Model" ["Em direção
ofSane Societies [Criando um santuário: em prol da evolução de a uma Visão Holistica da Justiça Restaurativa Juvenil. Resposta
sociedades saudáveis] (Routledge, EUA, 1997). ao Modelo Maximalista"], em Contemporary Justice Eeview, 2000,
5. Agradeço a Jarem Sawatsky por sua importante obra [ainda vol. 3(4), p. 357-414, onde temos uma discussão sobre questões de
não publicada) sobre os valores inerentes à Justiça Restaurativa. definição e critérios de Justiça Restaurativa. A visão de McCold
6. Esta éuma adaptação da-defmição-dada-porTony-M-arshail: - se-baseia-na-definição deTony Marshall citada acima.
"Justiça Restaurativa é um processo através do qual todas as par-
tes interessadas numa ofensa específica se reúnem para decidir Capítulo 4"
coletivamente como lidar com as consequências da ofensa e suas 1. Conrad Brunk "Restorative Justice and Lhe Philosophical
implicações para o futuro". Theories of Criminal Punishment" ["Justiça Restaurativa e as
7. S usa n Sharp e, Restorative Justice: A Vision for Healing and Teorias Filosóficas da Punição Criminal"], em The Spírituaí Roots
Change [Justiça Restaurativa: uma visão de cura e mudança] foi of Restorative Justice, Michael L. Hadley, editor. (Albany, NY:
publicado pelo Mediation and Restorative Justice Centre, nc 430, State Universityof New York Press, 2001), p. 31-56.
9810-11.1 St. Edmonton, AB, Canadá, T5K IKl. www.edmonton-
mediation.com Anexo l
8. A palavra "conclusão" muitas vezes soa ofensiva para as 1. Howard Zehr e Harry Mika, "Fundamental Principies
vítimas, especialmente em casos de crimes graves. Parece suge- of Restorative Justice" ["Princípios Fundamentais de Justiça
rir que tudo pode ser esquecido e que o livro pode ser fechado, Restaurativa"], em The Contemporary Justice fíevíew, vol. l, nc l
quando na realidade isso é impossível. Mas a palavra de fato (1998), p. 47-55.

85
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Introdução Geral à Justiça Restaurativa


Carley, David. The Expanding Prison: The Crisis in Crime
and Punishment and the Searoh for Alternatives [A prisão em
expansão: a crise no crime e na punição e a busca de alternativas]
(House of Anasi Press, Canadá, 1998].
Consedine, Jim. Restorative Justice; Healing the Effects
of Crime [Justiça Restaurativa: curando os efeitos do crime]
(Plowshares, Nova Zelândia, 2. ed.J.
Johnston, Gerry. Restorative Justice: Ideas, Vaíues, Debates
[Justiça Restaurativa: ideias, valores, debates] (Willan Publishing,
-Reino-Unido; 2002). - - - - - - -
Ross, Rupert. Returníng to íhe Teachings: ExploringAh origina l
Justice [De volta aos ensinamentos: explorando ajustiça aborígine]
[Penguin, Canadá, 1996).
Sharpe, Susan, ííestorative Justice; A Vision for Healing and
Change [Justiça Restaurativa: uma visão de cura e mudança]
(Edmonton Victim OffenderMediation Society, #205, 10711-107
Ave. Edmonton, AlbertaT5H OWG, Canadá, 1998)..
Van Ness, Dan e Karen Heetderks Stron, Restoring Justice
[Restaurando ajustiça] (Anderson, EUA, 2. ed., 2001).
Wright, Martin. Justice for Victims and Offenders [Justiça para
vítimas e ofensores] [Waterside Press, Reino Unido, Z, ed., 1996).
Para sites sobre Justiça RestauraLiva e maior bibliografia
visite http://www.restorativejustice.org

87
HOWAIÍD ZE/ÍR-JUST/ÇA RESTAVRATIVA

Outros livros sobre o tema de autoria de Howard Zehr


Trocando as Jeníes, um novo foco sobre a justiça e sobre o
crime e a justiça-Justiça. Restaurativa. São Paulo: Palas Athena
Editora, 2008.
Doing Life: Reflections of Men and Women Serving Life
Sentences [Prisão Perpétua: reflexões de homens e mulheres
cumprindo prisão perpétua] (Intercourse, Peiinsylvania: Good
Books,199G).
Transcending:Refiections of Crime Victinis [Transcendência:
reflexões de vítimas de crimes] (Intercourse, Pennsylvania; Good
Books, 2001]. — ^~

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