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VI - A ERA DO FEUDALISMO
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Já vimos que nas fronteiras da cristandade latina, e pro- '[Iiii.:!! f

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gressivamente para leste e para sul, a existência de ~erraS,I!I~i;
e a sua inteI?-sificação revi~alizaram u~~ economia aseaAdaili~!!,
n~ capt?-ra vlOlent~ e na pI.lhagem,.f~clhtara~ a. transfere~- '~' tt"
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jJJJ À \O#~(}./" era de rrqueza e criaram aSSIm condições favoráveis de cresci- ~' "',:I,i,',",'
mento. No entanto, ao mesmo tempo, e durante décadas antes I r~

e depois do ano 1000, podemos detectar no cerne da Europa ' h""


~ sintomas de uma nova ordenação das relações humanas. Allllilll
esta ordem social, os historiadores têm o hábito de chamar.w :llrl:1 I>

~' ':;'0 sistema feudal», Basicamente, estes aspectos representam -t'IIIV_


a aparência superficial de um~ alteração profunda que. fora ,i:li', li
acelerada pelas mva~oes ~os seculos ~X e X, ~as. que tivera ,!I!! :111,
( o..:'eu po~to de partida am~a no p~r!odo carOllI~gIo.Nas re- li:;:
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gioes mais avançadas, ISto e, na Gália, o feudahsmo chegou ,I', i "

J.;JAA)JuJP à maturidade durante as últimas décadas do século XI, mas ' I'

( só afectou a recém-formada Germânia cerca de um século


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I depois. E no extremo mediterrânico da cristandade, nomeada- ~/ ,,"
mente" em Itália, as instituições feudais dissolveram-se, em L-V1. A..t ,
contacto com outras, mais antigas, que assentavam na vita-

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Uma tal alteração na organização social e política era, em
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lidade urbana e no renascimento nrecoce da circulação:iiiõiie:. 'r·r.

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( parte, resposta às modificações da economia agrária. Esta era u,u,tt~" "1

controlada por uma nobreza cuja posição tinha sido fortale-,./ V


( cida pelas aventuras militares. Mas a nobreza reagiu por sua t;l?-. ~~'-I
( vez e criou um novo ambiente, cujos benefícios actuaram deci- " ' ,
siva~ente sobre o desenvolvimento interno da economia eu- %~C-.
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das estradas e que levavam os homens e as mu- '
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Os, .sintomas deste desenvolvimento sur em
.notono
. que os cronistas que escreviam nagGa'I'
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Ia duran t e a
lheres a comer
- fosse o que fosse - terra
Elas 'por. certo representam
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., e . até carne , humana.
um, desequilíbrio
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temporano entre •

(~,IIL~ ~ pr imerra metade do século XI -homens como Ademar de os nrveis da p~o~uç~o, ~s defICI~nCIastec~llcas duma agricul-
))11"- Chabannes ou Raul Glaber _ não parecem ter consciência tura de sobre~IlVenClaamda muito vulneravel ao mau tempo
( ./ <de qualquer progresso na civilização material à sua volta. É (<<~huvascontll?-uas al~garam ~oda a terra a ponto de durante
( claro que es~es homens foram educados nos mosteiros, e mui- tres anos s~r ~mposslVel abnr ~egos capazes de receber se- ~I :,
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t~s nunca ~alram as suas portas. Para mais, o mundo da carne mente») _e o numero de consumidores que aU!ll~ntava com a
( nao mere~I~ atenção, pois os verdadeiros elementos do mundo populaça? De qualquer modo, o retrato tragíco que Raul 'li ill

(
eram espírítuaís
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A história tal como estes
. "
evia preocupar-se com o destino moral monges a conce-
da humanidade,
Glaber pmta das fomes de 1033 mostra que estes desastres
oco~n~ . num cI'ima que era ja. , a Itamente voI'atu,'1 O,s a.ctos d e l i!111
li!,I;I!11
( a marcha em direcção ao fim dos tempos e à cidade celestial. canl~a~smo que ele condena ocorrer~m numa 'provmcIa o?-de till !'
, ~ao podemos, portanto, esperar que sejam testemunhas fide- os VIajantes se deslocavam ao longo de caI?mho~ e faziam
( d.I&.na~s~br~ assuntos económicos. De qualquer forma, o seu escala nas estalagens; on~e a .carne se ~e?dIa habitualmente
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G silêncio indica que essas mudanças na economia se proces- nos mercados; onde o dinheiro era utilizado normalmente ~iIlt!
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-, savam muito lentamente e não tinham a natureza de uma par~ obter comida (eentâo os ornamentos eram tirados das , I'::
( ruptura. Algumas facetas destas modificações foram postas igrejas par~ serem ven~idos a fa,:o: .dos pobre?») e ~s espe- '111:
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( em relevo por escntores da Igreja porque viram nelas sinais culadores tiravam partido da rmserra generalizada (). Este fiiW,
dos desígnios de Deus. ' era um mundo em mudança e as calamidades que o atIigiam ....,
( Eram sensíveis sobretudo a dois tipos de fenómenos. Por eram, na r~alidade, o preço da'"'e"1'an.sãodem~gráfica: <).uese
~m l~d.o, os desastres, que interpretavam como expressões da dava, possivelmente, a uma cadência demasiado rápida e,
( Ira divina ou das forças do mal que atrasavam o Homem no de qualquer forma, não regulada, mas que pode ser encarada
caminho para a luz. Assim descreveram as grandes epidemias- como um dos primeiros frutos do crescimento económico.
que avassalavam a Europa Ocidental e que' só podiam ser tra- Por outro lado, os cronistas foram impressionados por
( vadas por preces, actos de penitência colectiva e o recurso ao certas inovações. Interpretavam-nas à luz de uma história que
poder protector das relíquias. Não há dúvida que a dissemi- se centrava na salvação da humanidade, mas eles próprios as
(
naç.ao da doença, e sobretudo do «mal dos ardentes», era favo- consideravam fuarcas mdubltâveis de progresso. Depois do
recId~ pelas deficiências alimentares. Um destes escritores milénio da Paixão de Cristo, Raul Glaber regísta as manifes-
tambem chama a atenção para a ligação entre a epidemia tações do que lhe parece ser uma nova aliança, uma nova
( que. devastava o Norte da França em 1045 e a falta de primavera para o mundo cuja floraçao êr"a o resultado da
comida: «Um fogo mortal começou a devorar inúmeras víti- clemência divina. Entre os sinais que o impressionaram, ha-
mas: .. E ao mesmo tempo, a população de quase todo o mundo via três que aparentemente envolviam o jogo das forças eco- f'l
sofna as fomes resultantes da falta de vinho e de cereais.» (1) nómicas. Em primeiro lugar, salienta o tráfego desusado nas
As pessoas descritas nestes -relatos parecem ter vivido sob estradas. Os únicos viajantes a que este homem da Igreja se 'li' I

a ameaça constante da fome. De vez em quando, a subnutrição refere especificamente são os peregrinos, mas parecem-lhe ser'
( cr~Illca agravava-se, causando mortalidade catastrófica' da- mais numerosos do que nunca:
qUI a «maldição penitencial» que, a acreditar em Raul GÍaber,
( flagelou a Europa durante três anos cerca de 1033. «... ninguém podia prever tal multidão: para come-
( . Nã~ e~iste, contudo, nada que ~os impeça de ver verda- çar, havia membros das classes mais baixas; depois, as
deI~<;>s .smaIs de e~pansão nesta forrie permanente e nas crises pessoas das classes médias; e depois os da mais alta
( peno dicas que deixavam pilhas de cadáveres por enterrar nos linhagem, reis ou condes, marqueses ou prelados, e, por
(
( (') Raul Glaber, Les cinq livres de son histoire, livro V, § 1, ed.
M. Prou (Paris 1886), p. 127. (') Ibiâem, livro IV, §§ 4, 5, ed. Prou, pp. 99-106.
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fim, algo que nunca antes~ra, muitas mulheres,
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das mais nobres às mais pobres, faziam o caminho de campo uma parte da sua mão-de-obra para as pedreiras, trans-lu{iA".,. A 1..
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Jerusalém.» (1) porte e tratamento dos materiais. Alguns destes trabalhadores u~
( podiam ser dependentes dos senhores eclesiásticos e compe-
lidos a dar um dia de trabalho sem pagamento, mas muitos

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( . Mesm~ que seja necessário explicar o aumento. ~estas
piedosas viagens por urna alteração das atitudes religiosas, eram certamente trabalhadores livres. Tinham de ser alimen-
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corno sugerem os historiadores desse tempo, é indubitável
~ , que o processo foi facilitado pela cres,Çente circula~ão da ri:
tados enquanto trabalhavam nas construções e como os exce-
dentes normais da produção senhorial não podiam suportar

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~ queza e que ele próprio contribuiu' para esta mobIlI ade. POIS este aumento de consumidores, as provisões tinham de ser tra-
( ""~~ '.para ~nici~rem as suas viagens, os peregrinos tinham de arran- zidas do exterior. Também era necessário pagar salários em
~ jar dmheIro, usã-lo e distribuí-Io. Todas as pessoas de todas denarii. Assim, a restauração dos edifícios eclesiásticos tam-
r as classes podiam beneficiar de alojamento e comida gratuita bém foi favorecida pelo progresso da circulação monetária.
( nas casas religiosas, mas t~I não sucedIa em fo,?"as~s paragen~. Ajudou a movimentar os metais preciosos que se tinham acu-
E corno durante a peregnnação, em regra, nao pilhavam ali- mulado nos cofres das igrejas e dos magnatas que criavam in-
( mentos, pelo menos enquanto se mantinham em território teriores sumptuosos para o ofício divino, através de esmolas
- cristão, tinham de comprar comida e equipamento. Assim em ouro e prata. As informações dispersas nos registos da
~ deixavam por onde passavam um rasto de denarii que era reco- época indicam uma tendência para a riqueza entesourada ser
( lhido pelos produtores e pelos intermediários e que servia de liberta. Nos seus relatos dos melhoramentos feitos nos edifícios
estímulo desde o cruzamento das estradas até ao interior das religiosos, os cronistas referem-se à descoberta e imediata dis-
f províncias. Além disso, estas viagens levavam-nos muitas vezes persão de tesouros escondidos, e frequentemente apresentam- •.•.....,
até às fronteiras' turbulentas do mundo cristão, onde não fal- -nos como milagres. Voltando à construção da catedral de I

( tavam oportunidades de pilhagens lucrativas, a expensas dos Orléans, Raul Glaber escreve:
( infiéis, e muitos peregrinos não regressavam de mãos vazias.
Uma segunda inovação, notada pelos historiadores e tam- «Enquanto o bispo e os seus companheiros traba- I
I
( bém apontada como progresso espiritual, foi a construção de lhavam apressadamente na empresa que começara, de
( igrejas. . modo a completá-Ia magnífica e rapidamente, foi visi- I
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velmente abençoado com o encorajamento divino. Um I
( ~' t I~ «À medida que se aproximava o terceiro ano após o dia, quando os pedreiros experimentavam a solidez dos I
( r 1\1. }J~f milénio, as basílicas das igrejas começaram a ser re~o- terrenos para escolher o sítio dos alicerces da catedral,
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W,~. 1/l vadas sobre quase toda a face da terra, mas especial- encontraram uma quantidade apreciável de ouro. Cal-
( . mente na Itália e na Gália. Embora muitas não precisas- cularam que ele fosse suficiente para pagar todo o tra-
( /'V, sem, por serem de boa construção, a rivalidade entre balho de restauração da catedral, apesar do seu tama-
v as diversas comunidades cristãs levava-as a terem uma nho. Pegaram no ouro e levaram-no todo ao bispo. Este I
( mais sumptuosa do que a dos vizinhos. Era corno. se agradeceu a Deus Todo Poderoso a oferta que lhe fizera
toda a terra se agitasse e, pondo de lado a sua decrepi- e entregou-o aos encarregados da obra, ordenando-lhes
( tude, se vestisse com um manto branco de igrejas. Nessa que o gastassem na construção da igreja ... Assim foi
( altura, quase todas as igrejas das sedes episcopais, que não só os edifícios da catedral, mas também, e por
santuários monásticos dedicados a diversos santos e ordem do bispo, outras igrejas em mau estado, na
( mesmo oratórios de pequenas aldeias foram embele- mesma cidade, consagradas a vários santos, foram re-
( zados pelos fiéís.» (2) construídas de forma mais elegante do que as suas
predecessoras Pouco depois, a própria cidade estava I'i
( cheia de casas »
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(I) Glaber, Les cinq livres, livro IV, § 6, ed. Prou, p. 106. Helgaud de St. Benoit-sur-Loire, biógrafo de Roberto, o
( (2) GIaber, Les cinq livres, livro lU, § 4, ed. Prou, p. 62. Piedoso, de França, relata que a rainha Constança, depois da L

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morte do marido, mandou tirar as sete libras de ornamentos


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tas do exercício da autoridade num mundo rural e bárbaro,


em ouro com que o monarca cobrira o altar de S. Pedro na Ca- "!AV • , onde era difícil comunicar à distância. A organização política
~edr~l de Orléans e ofereceu-as «para a reparação do telhado da ia sendo adaptada às condições da vida material. Mas importa
( IgreJa:» (j frisar que esta mudança só se realizou quando a memóriadas
( ~ma!s de uma terceira inovação, registada pelos cronistas guerras de pilhagem sazonais, anteriormente conduzidas por
dos inícios do século XI, são o testemunho de uma nova todo o corpo de homens livres contra inimigos de outras tri-
,ordem: o estabelecimento das instituições feudais. bos, se apagou da memória dos camponeses. Coincidiu com
a adopção de um novo tipo de guerra e com a criação de um I
( e -

( 2 -: A ordem feud!!!, l ~cLoJM t1;vW )


novo conceito de paz. .
O desenvolvimento da ideologia da «paz de Deus» cami-
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nhou de mãos dadas com ' as óltimas fases da feudãiização.
A utilização da palavra «feudalismo» (féodalisme), adop- Foi pela primeira vez expressa' pouco antes do ano 1000 no I
( tada pelos historiadores marxistas para definir uma das fases Sul da Gália, região onde se deu primeiro o colapso da auto- I I
principais da evolução social e económica, justifica-se pelo ridade real. Lentamente esta ideia foi ganhando uma certa I I
papel do «feudalismo» (féodalité) (no seu sentido mais lato, re- consistência, embora se tenha espalhado por toda a cristan- I i
cobrindo o exercício do poder na Europa Ocidental a partir dade latina sob diversos aspectos. Os seus princípios eram I I
(
do primeiro milénio) na organização de novas relações entre as muitos claros: Deus tinha delegado nos reis ungidos a tan:fa
( forças produtivas e aqueles que delas tiravam proveito. Assim, de manter a 12áze a justiça; os reis já não eram capazes de a I
é essencial examinar em profundidade esta grande alteração levar a cabo' assim Deus tinha-lhes retirado esse oder de co-
que se deu nas estruturas políticas. man ar ue de novo passou ara as suas mãos e investira-o
( O feudalismo caracterizava-se, em primeiro lugar, pela de- noutros seus servidores, os ispos, com a a'u a os dnci e "11: :
..f.adência da autoridade real e vimos já que a incapacidade dos' ocais. SSIm, os cone IOS, convocados pelos prelados, reu- :,;j,"
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CaroIíngIOs para conter os ataques do exterior tinha acele- niam-se em cada distrito, e os magnatas e os seus guerreiros , ~'~"I,
( -c: rado a dispersão do seu poder no decurso do século IX. participavam neles. Estas assembleias, baseando-se em prin- , 1J.liJ).f1:V, .
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A .defesa da terr3;: - a função primeira da realeza - passou cípios de ordem moral e espirituaL procuravam refrear a vio- \IJ)Vll:~l~
( râpida e irreversivelmente para as mãos dos príncipes locais.
Estes assumiram os direitos reais que neles tinham sido dele-
lência e estabelecer regras ãe conduta para todos os que usa- [) ~'l
vam armas: por meio de um juramento colectivo, todos os I n .• Vu}
(~ gados e incorporaram-nos no património duma dinastia cujas guerreiros profissionais se obrigavam a cumprir e respeitar ~Jt,.i1 c:11:
fundações Iam senâo Tançadas como parte do mesmo processo. certas proibições, sob pena de excomunhão. Este sistema não IIJWV/ - U I
Depois, a maior parte dos grandes principados foi-se, por sua se revelou muito eficaz. Durante os séculos XI e XII, os cam- "
vez, desintegrando, tal como os reinos. Os senhores de média pos do Ocidente foram constantemente devastados por grupos
linhagem, primeiro os condes e depois, por volta do ano IODO, desregrados de guerreiros. Mesmo assim, a instituição da Paz
~ "~ os comandantes das fortalezas obtiveram a sua independência
( ~ de Deus teve profundas repercussões sobre o comportamento
dos príncipes. Estes acontecimentos ocuparam todo o sé- dos homens e sobre as bases elementares da vida económica.
culo X na Gália, afectaram a monarquia inglesa e penetraram
Para começar, estabelecia pela primeira vez uma moral
em Itália, embora aqui fossem alterados pela força das cida- "
coerente de guerra. Na primeira sociedade medieval, ãlütã
( des. Foram lentos a chegar à Germânia, onde as instituições
era considerada uma actividade normal e aquela em que a Cft.~" f
políticas carolíngias sobreviveram até ao alvorecer do século
liberdade legal atingia a sua expressão mais elevada. Nenhum
XII. Esta subdivisão em unidades territoriais cada vez mais
pequenas do direito de punir, comandar e assegurar a paz e
ganho era considerado mais justo do que o conseguido pela b'M°f
a justiça constituiu um ajustamento às possibilidades concre-
guerra. De agora em diante, e de acordo com os preceitos dos
concílios de paz, já não era permitido lutar (nem manipular <te,
'~
(') Glaber, Les cinq livres, livro lI, § 5, ed. Prou, p. 36; Helgaud,
Epitoma Vitae Regis Roberti Pii § 22 in J. P. Migne (ed.) Patrologia
I dinheiro, ou ter relações sexuais) a não ser dentro de limites
específicos, Definiram-se campos de acção fora dos ,ql!ais o
recurso as armas era condenado como mal e contrano aos

dd:n;d~~o;;;t;:t;;;fd;~1;g~';liAtIJMv
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I\ PA.iAbf. ~ M-WO ti» Li i; '1MÃ lÃta" ; ~ ~ ~ MtVl
/YJ 3at/J»M; ~)!LWJdribJdMúfUJ
violência militar foi proibida em certas áreas ~"%~ocaIs mem; uns devM.fP!:tf/t;fítp!J1allação ~utros deviam
l.de culto, marcados pelas cruzes ergui das nas estradas), du- lutar para proteger o povo; cabia aos membros do terceiro-
r I~L",rante certos períodos, correspondentes às ocasiões maIs. s~- -estado, de longe o mais numeroso, alimentar, com o seu tra-
( " ~VIJI gradas do calendário litúrgico e contra certos grupos SOCIaIS balho, os homens de religião e da guerra. Este padrão, que
~oJf,. considerados vulneráveis (os clérigos e os «pobres», ou massas rapidamente marcou a consciência colectiva, apresentava uma
( : 111 nJJl populares). Estes princípios morais existiam já em forma ~m- forma simples e em conformidade com o plano divino e assim
.UJ,,·r .brionária nas regras de paz e justiça que os reis carolingios sancionava a desigualdade social e todas as formas de explo-
1 tinham tentado fazer respeitar. Mas por serem agora da ~es- ração económica. No interior de uma estrutura mental tão Iiil:II'j

( ~_ ,:111 ponsabilidade da Igreja latina que as amalgamou num CÓdIgO clara e rígida podiam existir livremente as diversas relações IIII~,
( \)V , uniforme, válido para todos os seguidores de Cristo, e~am de dependência desde há muito estabeleci das entre os traba-
:IIII~
agora muito mais fáceis de impor à comunidade cristã, e IStO lhadores camponeses e os proprietários rurais e que definiam :! !~"
( numa altura em que os grandes Estados recém-formados pela o mecanismo dum sistema económico que na generalidade 1
111 '1~I,'" l,
conquista se desintegravam numa multidão de p~queno~ p?- pode ser apelidado de «feudal». 1 I~
(.
tentados rivais. A fragmentação da Europa em ínumeraveis !lli,II'·I,.
unidades políticas poderi~. ter criado condições para o au- (a) As três ordens. Neste modelo ideológico elaborado por :11,
'11

mento do~ c?nfrontos militares, para o fortalecimento das intelectuais; todos os membros da Igreja desse tempo, os 1(1 11

(.. r '(; guerras tribais e para ,q~e se restaurasse: no coraçao da Eu- especialistas da oração, situavam-se obviamente no cume da q
,'II!'
r. . \ li ~A.. ropa, uma. ord:m econormca baseada na pilhagem perman~n~e. hierarquia das ordens. Não só deviam ficar isentos das mui-
tJ ~"(J ,As determmacoes da Paz de Deus afa~taram do mundo cnstaQ tas exigências a que os homens poderosos podiam submeter
!ri
( k_ as forças a ressivas .'.:. da_ soc,ledade feu~;;tl. Contra o~ os seus dependentes, através da pilhagem ou dos impostos,
1'Ilil'l
1'"
Ir]:
...•.'
' (Y mirmgos e eus, «os infiéis», nao so era permItIdo como ate mas deviam ainda ter direito a uma porção substancial de tudo "II!I
( francame.nte sal~tar pegar e~ armas. Os ho~~ns da guerra o que era produzido, que devia ser oferecido a Deus por seu 'I"
di'

( I er~m aSSIm convId,a?os a praticar as suas actIvIda~es fora da intermédio. Assim, as pessoas eram induzidas a dar preferên- "II!I,',' I II~
~ .W
/ li, cnstandade ..O espI~Ito de cruza~a, que emanava dIrectamente ci,a às actividades económicas relacionadas com a consagra- i,!
, (J\
, , ~'
~f\IJ dUJ?a nova Ideolog}a de paz, l?~llava-osp;;tr~ as guerras no ex-
tenor, para as prosperas regioes .fronteI:"1ÇaSo?de a guerra
ção e o sacrifício. Esta penetração na consciência colectiva
coincidiu com o momento em que os donativos piedosos às
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A )} 'era um estímulo poderoso para a circulação da nqueza. casas religiosas atingiram o ponto mais alto; nunca na história :I!(: ,
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( 1 \'
..J" O roubo de riquezas pertencentes às igrejas e aos campo-
IjfWfleses por meio da violência militar contra o povo de. Deus
da Igreja cristã do Ocidente foram as dádivas dos laicos tão
avultadas como durante as cinco ou seis décadas depois do
tÍ(j1 , I':~A,~,
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,Ili' era assim visto cada vez mais claramente pelos gue tinham ano 1000. Os fiéis davam no dia a dia, para remir os eeados
( IJ' v

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vocação para a luta como um perigo para a salvaçao da alma.
No entanto, a aquisição de riquezas podia-se fazer por out~o.s
9ue acabavam e cometer e que poriam em perigo as suas al-
mas. Davam ainda mais generosamente no IeIÍo de morte
t-~~
(r/ meios, desde que fossem «pacíficos» - e estes e~am permiti- -::::::-mesmocom o risco de deixar os herdeiros em má situa-
l/,JArtMlh
( '~ dos pela instituição do senhorio. Ao condenar a pIlhageJ? pela ção - para o funeral e para obter a intercessão dos santos
, violência, a ética da paz de Deus, em compensação, legItImou antes do dia do juízo. Davam o que podiam, principalmente
( 'JN·~~exp.loração senhorial. Esta era apresentada como <? preço terras, uma vez que estas eram as formas mais valiosas de ri-
( ',IR InllJJr' que tinha de ser pago pela segurança que o novo regime ga- queza, especialmente quando tinham trabalhadores para a
Jj)JI rantia aos trabalhadores. cultivar. Todas as fontes escritas deste período ao dispor dos
(, . A exploração senhorial obedecia a um padrão sociológico historiadores provêm de arquivos eclesiásticos: são na sua
r, que provavelmente se ajustava à realidade das relações eco- maioria escrituras garantindo aquisições das igrejas, fazendo
nómicas e que, ao mesmo tempo, lhes dava uma maior solidez. assim luz sobre este fenómeno e fazendo-nos correr o risco
(, A medida que se afastava o ano 1000, os concílios de paz co- de exagerar a sua importância. Contudo, esta enorme transfe-
.- . meçaram a invocar a teoria das três ordens, que tinha germi- rência de propriedades em terra - de que os mosteirôs berre-
( nado lentamente num estreito círculo de intelectuais: desde a 'CBtinos eram os principais beneficiários, com as igrejas epis-
('\ Criação, Deus tinha distribuído tarefas específicas a cada ho- copais em segundo lugar-era a mudança mais dinâmica que _

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afect'á~ãv~'ee6'n~ eu~ope1ãTd'esta época e colocou \t ,IgVeja ÚO d esplendor. Certos dos recursos que a generosidade dos fiéis
coritinuava a aumentar, tinham uma única atitude económica:
( do OCIdente numa posição temporal absolutamente impar, I
( Contudo, não tardou a ser alvo de críticas dos que supunham i gastar, para glória de Deus.
compreender melhor a mensagem do Evangelho e, em meados Este ponto de vista era partilhado pelos membros da se-
do século XI come am a levanta - en em i- gunda ordem da sociedade, os especialistas da guerra. Também
bertar os servos de us e reocu õe' dem· mate- eles gastavam, mas no interesse da sua própria glória e pelos
( prazeres da vida. Dando à Igreja todos os seus administrado- :1
,.-!l~lS. nqueza enorme da Igreja criava uma inquietação que
( agia como fermento da propaganda de heresias e um ponto res, monopolizando a força das armas e usando-a com dureza, ,II~
de partida para sucessivas tentativas de reforma. Também não obstante as proibições da ética da Paz de Deus, esta ca- 1I

originou um aumento constante no número de monges e clé- tegoria social constituía a classe dirigente, a despeito do maior
rigos durante os séculos XI e XII. valor atribuído ao clero e da maior riqueza t'; superioridade nu- II!Il
(
(, Estes homens não estavam totalmente afastados dos pro-
mérica deste. Foi nos termos do poder e da conduta destes li
cessos de produção. O clero rural, em maioria, vivia como o laicos que a teoria das três ordens se estabeleceu e que se
formaram as instituições que procuravam estabelecer a paz. llli
campesinato, donde provinha e cujos costumes partilhava. As
Foi a sua posição e comportamento que governaram toda a I!II
igrejas e capelas rurais eram servidas por padres que .traba-
c lhavam no campo com as suas famílias (muitos eram casados),
economia feudal dos séculos XI e XII. Eles eram os donos da
terra, à parte aquela que o medo da morte os obrigava a ceder
illi

( cultivavam os pedaços de terra que lhe eram dados pelos se- !lil

nhores do domínio, em paga dos seus serviços. As comunida- a Deus, aos seus santos e aos que O serviam. Viviam na ocio- i:'
des de monges e cónegos reformados, que se tornaram fre- sidade e consideravam o trabalho uma actividade indigna da
sua linhagem e da liberdade sobranceira com que reclamavam ,",
quentes no século XI, exortavam os seus membros ao trabalho lll!i
manual. Este ascetismo rígido recaía sobretudo nos de origem os seus privilégios. Como a decadência da autoridade real tinha ':;il
!lI:!
rústica, que não participavam inteíramente no ofício litúrgico. acabado por colocar os membros desta ordem numa posição
Nas suas penosas circunstâncias materiais, estes «irmãos lei- de independência e lhes tinha dado uma mentalidade digna
gos» iconversi) assemelhavam-se ao campesinato. No entanto, de reis, não aceitavam restrições à sua liberdade, nem ne- fll
muitos dos prelados mais ricos, como recebedores de ofertas nhum serviço que eles próprios não tivessem escolhido, e que, III1
por não assumir o aspecto de dever material, não lhes pare- !'li
mais substanciais, eram simples consumidores. Os que resi- :1:

diam próximo das catedrais gozavam duma situação social cesse desonroso. Assim, recusavam-se a qualquer pagamento a ';c.
1
i,11
semelhante à dos· seculares mais ricos. Nem lhes ocorria que que não tivessem dado consentimento e só condescendiam a d,
separar-se dos seus bens sob a forma de ofertas e actos de ge-
o seu papel de servidores de Deus pudesse ser cumprido sem
ostentação. Das riquezas que recebiam em quantidade, utili- nerosidade mútua. A sua vocação era combater, e o principal I'.".
I"

Ilil

fim da sua riqueza era adquirir os melhores meios de combate, 1:1


zavam uma parte para assistir aos pobres. A sua hospitalidade
através do treino físico, ao qual dedicavam muito tempo, e de
fazia-se em grande escala. Os pedintes recebiam dinheiro ou
outros investimentos de que só esperavam um lucro - maior :1!1
alimentos às portas das igrejas e estas esmolas rituais eram
força militar. Na economia doméstica dos homens desta classe,
alargadas em tempo de calamidades. Esta função de redistri-
(, uma proporção significativa dos seus rendimentos, e que pa-
buição, cuidadosamente definida nas regras financeiras das
rece ter aumentado durante os séculos XI e XII, destinava-se
grandes fundações monásticas, não era decerto negligenciável;
a aperfeiçoar o equipamento dos guerreiros, melhorar a qua-
contribuía de facto para manter a miséria dentro de limites,
( numa sociedade que era ainda muito subdesenvolvida e con- lidade dos cavalos e obter as melhores armas ofensivas e de-
fensivas. O cavalo tornou-se a arma principal do homem de
( tinha em si uma massa crescente de homens miseráveis e de-
senraizados. Contudo, a caridade vinha em segundo lugar, guerra e o símbolo da sua superioridade; estes. guerreiros
(\ depois do preceito antigo. de celebrar o ofício divino com o passaram a chamar a si próprios «cavaleiros» (milites). Nos
luxo mais aparatoso. A melhor função que os chefes dos mos- fins do século XI, a cota de malha já se tinha tornado tão com-
teiros e catedrais achavam que a riqueza podia ter era a de plexa que valia tanto como uma boa quinta. A ânsia de melho-
decorar, embelezar e reconstruir o local de oração e acumular rar as armaduras esteve na raiz do contínuo progresso do tra-
à roda dos altares e das relíquias dos santos o mais brilhante
i balho do ferro. O rápido progresso da arquitectura militar

(
(
182 I
I
183

(
-I
durante o século XII conduziu à abertura de mais estaleiros guerreiros não correspondia exactamente à que colocava os
de construção de castelos, muitas vezes perto dos das igrejas. senhores dum lado e os que estavam sujeitos à exploração
Havia um segundo motivo para despesas, entre os membros senhorial do outro. Muitos padres, como já vimos, faziam
deste grupo social, governado pelo espírito de emulação e parte da mão-de-obra do domínio. Sob as ordens do senhor
para os quais o mérito pessoal se media não só em termos que utilizava a sua especialização profissional, realizavam ser-
de bravura e habilidade no manejo das armas mas também viços de forma análoga ao que faziam os moleiros ou os que
em termos de luxo, ostentação e extravagância. No ethos a coziam pão. Até ao fim do século XII, muitos cavaleiros, par-
( que se dedicavam estes nobres, uma das virtudes mais preza- ticularmente na Germânia e nos países do litoral do Mar do
das era a generosidade e o prazer do desperdício. Como os anti- Norte, continuavam na situação de dependentes domésticos II
( gos reis, o cavaleiro devia ser sempre generoso, lançando ri- junto dum senhor que os empregava e mantinha. Não pos- J
11,

queza à sua volta. Os banquetes e as festas, ond~ se comia e suindo terras, embora beneficiassem dos lucros do senhor, não lii
( exerciam qualquer autoridade. Em contrapartida, havia cam-
bebia em excesso e onde os frutos da terra eram destruidos co- 11'
lectivamente no meio de orgias em que se competia para ver poneses que tinham conseguido acumular mais terras do que I1

quem se excedia mais, eram, além da guerra, o padrão de vida as que podiam trabalhar sozinhos e que cediam parcelas a vi- li""I
;1,
da nobreza. Do ponto de vista econômico, a cavalaria represen- zinhos menos afortunados a troco de uma renda de tipo se- 1111
tava na sociedade do seu tempo o saque por razões profissio- nhorial. Entre os servos de origem humilde a quem os senho-
nais e o consumo pela prática tradicional. res tinham delegado a administração das propriedades, havia
Resta-nos o terceiro-estado, os trabalhadores, a camada alguns que também enriqueciam - e muito rapidamente.
de base formada pela maioria da população, em que cada Aproveitando-se do poder que lhes fora cedido, podiam explo-
,I,i
membro estava convencido que devia alimentar as duas elites rar os inferiores, criando fora do circuito do seu senhor uma r= .••

de oratores e bellatores, os que rezavam e os que combatiam, rede de rendas, que guardavam para si e que constituíam
e dar-lhes meios de sustentar a sua preguiça e prodigalidade. virtualmente o seu domínio pessoal. No entanto, a sociedade
( lil
A sua função específica, segundo os ditames da Providência; feudal estava disposta em duas classes, uma das quais, a dos
( condenava-os inexoravelmente a uma vida de trabalho ma- senhores, compreendia clérigos e cavaleiros. Para eles, parecia
nual, considerado degradante, e privava-os da liberdade plena. escandaloso, para não dizer pecaminoso, que um trabalhador III!
I
Enquanto os últimos elementos da escravatura desapareciam se elevasse da sua classe, a ponto de partilhar os privilégios
(a palavra servus desaparece de quase toda a França no prin- dos clérigos e dos guerreiros, vivendo na ociosidade graças ao 1.,1

cípio do século XII), o campesinato, no seu conjunto, cada trabalho de outros. Durante o período em que as instituições
vez mais sobrecarregado pela pressão dos que monopolizavam feudais atingiam a maturidade, isto é, durante os anos a se-
o poder, parece ter sucumbido à exploração das outras classes guir ao ano 1000,a tensão no interior da estrutura social levou
em virtude da própria situação. Uns propiciavam-lhes a salva- à consolidação da posição senhorial dos clérigos e dos cavalei-
( ção pela prece; outros, em teoria, eram responsáveis pela sua ros e a um alargamento do fosso que os separava das pessoas
segurança e defendiam-nos dos agressores. Como preço destes comuns, no campo das relações económicas. Este processo de
favores, a sua capacidade produtiva estava totalmente subor- consolidação deu-se a dois níveis diferentes.
dinada aos senhores. Primeiro, a unidade das propriedades aristocráticas refor-
çou-se. As que pertenciam aos leigos estavam ameaçadas de
(b) O senhorio. Do ponto de vista económico, o feudalismo dissolução por duas vias ---,dádivas piedosas e herança com
caracterizava-se não só pela hierarquia das condições sociais partilhas. O seu efeito conjunto fazia-se sentir mais poderosa-
que o ordenamento esquemático das três ordens tentava repre- mente quando o património passava de uma geração para
sentar; caracterizava-se também pela instituição do senhoria- outra: uma parte caía nas mãos da Igreja; o restante, de
lismo. Isto não era novo, mas tinha-se modificado lentamente . acordo com os costumes herdados da cultura germânica, era
(\
pelo desenvolvimento do poder político. subdividida em porções iguais, entre filhos e filhas, que esta-
( A despeito da estrutura social racionalizada, cuja simpli- vam em condição de herdar do pai. Por instinto de defesa, e
cidade levou ao seu reconhecimento após o primeiro mi- tirando partido da flexibilidade do costume, na ausência de
lénio, a barreira que separava os trabalhadores do clero e dos códigos escritos, a nobreza laica tentava afastar o perigo duplo

184 185
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que representava a diminuição e fragamentação progressiva vezes menos do que o que persistentemente reclamavam pelos
das suas reservas em terra. Utilizavam o seu poder e as muitas benefícios feitos pelos seus antepassados. Nascia uma era liti-
ligações familiares e de auxílio mútuo que os ligavam aos giosa, marca da por negociações complicadas, em que o di-
chefes das grandes instituições religiosas para obter benefícios nheiro tomava um papel cada vez mais decisivo e ditava o que
compensadores retirados da propriedade eclesiástica. Muitas pode ter sido uma política firme de consolidação de heranças
vezes estas excediam em muito as necessidades das comuni- em terras. .
dades de monges e cónegos, especialmente após o surto de A unidade das propriedades dos nobres também foi pro-
piedade do ano 1000. Para assegurar um tratamento favorável movida pela lenta modificação das relações de parentesco.
por parte dos poderosos do seu tempo, os abades, bispos e Ainda pouco investigada pelos historiadores, esta parece ter
( diáconos dos capítulos não hesitavam em conferir aos seus .acompanhado, em muitas zonas da Europa, a implantação de
familiares e amigos o usufruto de parte das terras oferecidas uma rede de relações feudais. Nas camadas altas da sociedade,
aos santos padroeiros das suas igrejas. Faziam-no normal- as ligações de família começavam a ser ordenadas dentro dum
mente numa base temporária, mas era difícil recuperá-Ias de- quadro rígido destinado a assegurar a unidade de herança
pois dos herdeiros do primeiro beneficiário das propriedades, - numa palavra, a linhagem. Para cada família passa a haver
que estavam agora há muito incorporadas no natrimónio fa- uma linha de descendência masculina. Ao suceder ao pai, o
miliar. Por fim, um usufruto desta natureza podia tornar-se filho mais velho passava a controlar a propriedade comum
indistinguível da propriedade alodial da família, tanto mais deixada pelos antepassados, como garantia da manutenção da
que não envolvia praticamente nenhuma obrigação material, importância da família. Neste esquema aparentemente nítido,
quer, fosse um fendo, requerendo apenas a obrigação das ho- o desejo de contrariar os efeitos das partilhas de terras irn- I

menagens e dos serviços de assistência mútua ou um contrato ___


punha limites à descendência colateral. A família permitia só 'l
precário, ou, como em Itália, um livello estipulando um paga- aum filho, o mais velho, ou no máximo a dois, contrair casa-
mento em dinheiro meramente simbólico. Estas dádivas co- mento legítimo; tanto quanto possível, aos outros era assegu-
meçaram a ser restringidas em finais do século XI. Acabaram rada posição de alto nível no clero superior ou em mosteiros;
( graças aos esforços persistentes dos administradores dos ren- noutras palavras, confiavam nos recursos da Igreja para evitar
dimentos eclesiásticos para recuperar direitos que tinham sido as partilhas. Este mesmo desejo levou à prática de entregar
( assim desviados. No entanto, esta prática tinha durado o tempo um dote em bens móveis às filhas casadoiras, privando-as de
necessário para reduzir parcialmente o desequilíbrio entre a qualquer pretensão à herança em terra. Lentamente foi aceite
riqueza da Igreja e a da nobreza. Além disso, o que pôs fim a idéia de que o filho mais velho devia gozar de tratamento
a esta situação foi o facto da reforma gregoriana condenar a preferencial e receber a parte de leão, quando não a totalidade
(
dependência dos poderes espirituais de poderes temporais, mas da propriedade paterna. As práticas deste tipo, que entraram
também o de a abundância de donativos sob a forma de terras no uso comum quase imperceptivelmente, parecem ter res-
ir cessando lentamente. O conteúdo dos arquivos eclesiásticos tringido com êxito as várias forças tendentes a levar as heran-
mostra claramente a queda gradual do número de documentos ças a dispersar fortunas numa altura de expansão demográ-
de doação, a partir de meados do século XI, e a sua substitui- fica generalizada. Adicione-se a isto a pressão irresistível dos
ção por títulos de dívida sujeitos a pagamento. Este fenómeno constrangimentos sociais, compelindo os magnatas a «encon-
prende-se com a lenta alteração do sentimento religioso, um trar casa» (casare) para a maior parte dos cavaleiros ainda
retrocesso do formalismo a consciência cada vez mais nítida sustentados em suas casas; permitir-lhes casar; garantindo-lhes
( de que a alma podia ser' salva por outros meiós que não a feudos, cujo carácter hereditário. era rapidamente aceite por
compra do perdão divino por uma oferta. Mas parece ter sido causa da força das ligações familiares; e assim garantir-lhes
ainda mais afectada pelo desenvolvimento de uma economia domínios pessoais. Assim, a nobreza ficou mais firmemente
(, monetária, que tornava possível a oferta de bens considerados enraizadanas suas propriedades. A maior parte do século
menos preciosos do que a terra e pelo desejo das famílias de XII foi aparentemente uma época de relativa estabilidade para i

conseguirem uma melhor protecção das suas propriedades. as propriedades, não só da Igreja como da nobreza. Mesmo os
Os cartulários das casas religiosas deixam-nos a impressão. de cavaleiros menos abastados conseguiam manter-se numa posi-
que os membros da nobreza no século XII lhes davam muitas ção distintamente superior ao nível de vida dos camponeses.

(, 186 187

( ,

-< ) ---
( sado, vigiava os pesos e medidas. Também podia cunhar
A um segundo nível, o processo de consolidação foi aju-
dado pelo desenvolvimento dum sistema fiscal, cujo peso era moeda. Por todas as formas ao seu alcance, usava a autori-
inteiramente suportado pelos «pobres» ou «trabalhadores». dade por tal forma que, por fim, o bannum assumiu o aspecto
Estes impostos não eram novos, mas sim organizados de uma de uma rede de extorsões, imposta de variadas maneiras, sobre
nova forma. Provinham em linha directa da autoridade (ban- o produto excedentário dos camponeses e sobre os lucros do
num) detida pelos reis da Alta Idade Média. Todavia, podem comércio. .
notar-se duas alterações de grande importância. Em primeiro O comandante local era o primeiro a deitar mão das eco-
lugar, enquanto todos os homens livres haviam estado sujeitos nomias dos trabalhadores, uma vez que era ele o detentor
ao bannum real, a divisão da sociedade em três ordens intro- do poder militar. Também era para ele a maior porção. Mas
duziu um fosso no seio da massa populacional. Um novo con- quase todos os habitantes do território do castelo eram eco-
ceito de liberdade, que daqui em diante foi considerada um nomicamente dependentes .de outros senhores, cujas terras
r privilégio, ode não estar sujeito a obrigações humilhantes e, cultivavam, ou de quem eram súbditos pessoais porque des-
sobretudo, a exigências fiscais, veio a libertar completamente cendiam de escravos ou se tinham submetido voluntariamente.
os cavaleiros e os clérigos da pressão exercida por aqueles que Estes senhores faziam os possíveis por libertar os seus súbdi-
detinham a autoridade. Inversamente, colocou numa posição tos e rendeiros da influência dos que detinham o bannum. Os
de subordinado qualquer pessoa que não fizesse parte das impostos que este colectava, chamados «exacções» (exationes)
duas ordens privilegiadas. Juntava num único grupo homens ou «costumes» ( consuetudines) nos documentos da época,
( .cujos antepassados eram livres e os descendentes de escravos. eram colhidos nas reservas de riquezas e de trabalho de que·
Reunia todos numa classe homogénea, obrigada a prestar ser- eles próprios se queriam apropriar, para seu usufruto exclu-
(
viços idênticos. Nesta classe, as características da antiga es- sivo. Normalmente falhavam e tinham de partilhar o poder
( cravatura foram rapidamente assimiladas. económico sobre os camponeses nas suas terras e sobre a sua
Em segundo lugar, o exercício dobannum e a colecta de criadagem (jamiliae) com o senhor da justiça e da paz. Alguns,
impostos que este sancionava estavam agora confinados a uma no, entanto, conseguiam ver. o seu monopólio reconhecido e o
área restrita, um districtus (o termo vem de uma palavra distrito que compreendia a castelania era permeado de en-
que significa penhorar), cujos limites raramente excediam claves, por vezes pequenos, compreendendo unicamente a re-
( meio dia a cavalo a partir de qualquer ponto central, invaria- sidência de um cavaleiro, outras vezes maiores, do tamanho de
velmente um local fortificado. O comandante da guarnição do uma aldeia, sobretudo quando uma instituição religiosa con-
castelo tomava sobre si a responsabilidade de manter a paz e seguia ver reconhecido o antigo privilégio de imunidade que
a justiça no território - noutras palavras, as funções da rea- outrora obtivera dos carolíngios. No entanto, os habitantes
leza. Na parte da Europa cristã onde a fundação de reinos e destes enclaves não conseguiam de modo algum fugir aos
principados tinha tido maior força - em Inglaterra e no No- impostos. Estavam expostos a exigências semelhantes vindas
roeste europeu - o castelão ainda era dependente de um se- do dono das suas terras ou das suas pessoas, qUe se arrogava
ele próprio do direito de as julgar e delas extorquir o dinheiro
nhor, agindo em seu nome e entregando-lhe uma parte do ren-
da protecção, exactamente como o senhor' banal (1) fazia nou-
dimento derivado do exercício do poder. Noutros lados, era
independente e ele próprio era a lei. Em toda a parte, tomava tros lugares.
(
jurisdição sobre quem vivesse no território da fortaleza e que Resumindo: o poder banal, intacto ou fragmentado, esta-
não fosse clérigo, monge ou cavaleiro. Impunha multas e, em beleceu-se em linhas uniformes e actuou como factor determi-
caso de grave ofensa, confiscava bens, móveis e imóveis. A sua nante nos processos económicos por duas formas específicas.
(
acção judicial e social era considerada forte ou sábia na me-
dida em que era lucrativa na prática. Podia obrigar os cam-
poneses a trabalhar na manutenção das fortificações e a abas- (') Uma vez que o Dicionário de Oxford dá como primeiro signi-
tecer alimentos frescos para os soldados. Exigia pagamentos ficado do adjectivo «banal»: «do ou pertencendo compulsivamente ao
serviço feudal» parece justificar-se a ressurreição deste termo. Por
aos forasteiros que passavam pelo distrito - mercadores, pe- outro lado, a palavra «banho» nunca adquiriu o significado da palavra
regrinos e qualquer indivíduo que frequentasse as feiras - a latina medieval bannum, e que foi portanto preferida para traduzir a
troco da protecção que lhes assegurava. Como os reis do pas- palavra francesa bano (Nota do tradutor inglês)
( ,

188 189
(i
(
I,

Primeiro, o exercício deste poder exigia um número grande de o conjunto doméstico das pessoas que rodeavam quem quer
assistentes como, por exemplo, os sargentos (servientes) que que tivesse um mínimo de poder - uma dessas formas pode
mantinham a ordem nos domínios, os bailios ou prebostes ser designada por «senhorio doméstico» (seigneurie domesti-
(prepositi) que presidiam às assembleias de aldeia, os guardas que). Representa a transferência de direitos que punha o corpo
(, florestais (forestarii) que perseguiam os ofensores de direitos de um ser humano à disposição de outro. Era a tenaz sobre-
consuetudinários nos bosques ou nos baldios, e os colectores . vivência da escravatura. Sob a pressão do poder banal, a
de impostos, assentes nas feiras ou nos pontos de passagem servidão do tipo antigo fora, em geral, reduzida, mas em cer-
nos rios principais. Todos estes ministeriales, como são cha- tos sítios tornou a ser imposta. Noutras zonas tornou a fazer
mados nos registos, especialmente na Germânia, eram recru- progressos a expensas da população anteriormente livre, atra-
tados pelos senhores entre os seus servidores mais dedicados. vés da «recomendação» (commendatio) e pela necessidade que
O problema era mantê-Ios sob controlo. Como estes assistentes levava tantos pobres e fracos a colocar-se sob a patronagem
participavam directamente nos lucros dos «costumes» e obti- de um protector, para assim evitar a fome e a opressão dos
nham comissões sobre os impostos e multas que colectavam, sargentos do castelão, ou simplesmente com medo do futuro.
mostravam-se naturalmente implacáveis na exploração dos di- Estas ligações não tinham sido quebradas; na realidade, ti-
reitos do bannum; aumentavam o mais que podiam os en- nham-se transformado naquilo a que é normalmente chamado
cargos e amassavam as suas fortunas pessoais a partir do ren- «servidão». Na maioria das aldeias da Europa, havia campo-
dimento daqueles. Em segundo lugar, esta forma de explora- neses a quem o senhor se referia como «os seus homens»
ção era altamente rentável quando levada às suas últimas (homines proprii). O seu número variava: às vezes, toda a
consequências, embora não fosse ilimitada. Como os nomes aldeia cabia nesta categoria. Realmente pertenciam-lhe desde
sugerem, estes impostos colectados sob pretexto de manuten- que nasciam, bem como QS seus descendentes; podia vendê-los
ção da paz e da justiça eram «costumes», isto é, a memória ou oferecê-los: podia castigá-Ios: em teoria, deviam-lhe tudo.
colectiva punha limites ao seu lançamento. Também era neces- No entanto, era principalmente dó seu trabalho que se apro-
(
sário dar particular atenção à resistência dos camponeses, às priava, em casa e nos campos, e o «serviço» (obsequium) que
(" fraudes, evasões e a todas formas e-- tácticas de não paga- esperava deles não tinha limites. Eles contribuíam para a sua
mento. Mesmo assim, o costume era maleável. Oferecia pouca economia doméstica com uma fonte de trabalho permanente,
resistência à pressão dos que brandiam a autoridade. Os agen- cujo preço era apenas o do seu sustento. Esta forma de de-
tes dos impostos banais estavam em toda a parte, avarentos e pendência podia ser também uma fonte de receita. Na prática
bem equipados de reforços, A quem podiam as vítimas queixar- nem todos estes indivíduos habitavam a casa do amo. Longe
( -se das suas malfeitorias? Por este motivo, a máquina fiscal da sua presença, instalados em terras suas ou de outrem,
(
funcionava bem. Era capaz de roubar o campesinato da maior continuavam ligados ao seu senhor. Esta ligação era repre-
parte daquilo que produzia e que excedesse as suas necessida- . sentada não só pelas corveias, que a distância e a prática
des de subsistência. E, portanto, retardava consideravelmente iam limitando, mas também por três tipos de pagamento: uma
qualquer tendência de melhoria do nível de vida dos pobres. renda anual em dinheiro, uma multa para comprar ao senhor
(
Estreitava o fosso entre os rendeiros e os lavradores indepen- o direito de tomar esposa fora da casa deste e uma dedução
( dentes. Estabilizava a situação camponesa. Mas reduzia-os e, na herança, feita pelo senhor. Até ao fim do século XII, o cul-
como resultado, alargava, sem remissão possível, o fosso que tivo de propriedades de qualquer tamanho dependia deste
separava a classe trabalhadora da classe senhorial. tipo de senhorio que estava muito generalizado e era comparti-
lhado por toda a nobreza, além de alguns camponeses ricos.
A classe senhorial estava longe de ser homogénea: os Este processo restringia significativamente o recurso ao tra-
nobres não eram todos socialmente iguais nem podiam explo- balho pago. Pela grande reserva de mão-de-obra que fornecia,
rar o trabalho dos outros da mesma forma. Intrincadamente o senhorio doméstico constituía uma das duas bases funda-
misturadas umas com as outras e confundidas nas mentes mentais de poder económico.
dos seus contemporâneos, havia no entanto três formas dis- A outra era o que podia ser chamado «senhorio da terra»
tintas de exploração senhorial. Como era muitas vezes asso- (seigneurie [onciêre) porque era consequência da posse não
ciada com aquilo que era então designado pela palavra familia, de pessoas mas da terra. As suas características são uma con-
(

( 190 191
(
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I"

tinuação das que os polípticos carolíngios já nos deram a co-


rei. Contudo, a riqueza que tinham e as funções que desem-
nhecer. Era muito raro os ricos explorarem toda a terra que
penhavam mantinham-nos afastados do solo e dos camponeses
possuíam através dos seus dependentes. Muitas vezes cediam
que o cultivavam. Os senhores olhavam-nos de uma posição
uma parte substancial a rendeiros, que podiam ser «seus ho- excessivamente alta. Entre tais senhores e os trabalhadores,
mens» ou «homens» de outros, ou homens completamente li- portanto, colocavam-se. intermediários que actuavam como
vres de servidão pessoal. Ceder terra significava obter poder- intérpretes das suas ordens e que detinham as alavancas do
- o poder de explorar os recursos domésticos do rendeiro. poder económico. Os próprios magnatas eram geralmente
Em sentido estrito, estas exigências não eram ilimitadas, como rentiers. Como a sua verdadeira preocupação era a de serem
as que recaíam sobre a servidão. Eram definidas com precisão, regularmente abastecidos de todo o necessário ao seu aparato
( ou em termos de um acordo, em países como a Itália, onde o e à manutenção do seu prestígio familiar, cediam uma parte
uso da escrita fora preservado, ou então por normas consue- substancial do seu poder a outros, que tomavam directamente
tudinárias igualmente rígidas. Estas envolviam sempre, ou responsáveis pelo exercício desse mesmo poder, em seu nome.
quase sempre, uma percentagem sobre a produção da terra,
Do outro lado, existiam muitos outros senhores - simples
paga em géneros ou em dinheiro. Frequentemente, também
cavaleiros, cônegos que detinham como «prebendas» (preben-
envolviam pagamentos em serviços prestados pela família
dae) uma parte dos rendimentos duma catedral, monges encar-
r; camponesa, cujos membros eram obrigados a prestar um
regados de uma paróquia rural- bem como os representantes
certo número de serviços (corvées). dos magnatas. Também estes tinham níveis de vida variáveis
A terceira forma de exploração feudal nasceu, como vi- mas tinham, em comum, o controlo directo do trabalho quoti-
r mos, do exercício dos direitos derivados do bannum (seigneu-
r~~~anale). A autoridade banal podia nermitir aos seus benefi-
diano de uma propriedade compacta, cujo tamanho não ul-
trapassava a sua capacidade de organização. Eram vizinhos
( ciartos tomar tudo o que pudesse ser levado da casa do cam- dos camponeses; conheciam-nos pelo nome; partilhavam as
ponês - dinheiro, colheitas, animais domésticos e até mão- suas preocupações; sabiam quanto produziam e quanto lhes
-de-obra (através de requisição para reconstrução do castelo podiam extorquir. Tentavam copiar o estilo de vida dos «ho-
ou para transporte de provisões). Não passava, realmente, de mens ricos», cujas cortes frequentavam, e procuravam aumen-
(, uma pilhagem legitimada e organizada, unicamente temperada tar os lucros do senhorio. Como viviam em contacto com a
pela resistência tenaz das comunidades aldeãs. Esta forma de terra e as pessoas que a trabalhavam, podemos considerá-los
exploração económica coincidia com as outras duas, e muitas os agentes mais activos da vitalidade económica e do cresci-
vezes ultrapassava-as; mas 'era muito mais concentrada, uma mento que os documentos do século XII tão claramente nos
vez que poucos senhores beneficiavam dêsse privilégio. revelam.
( A desigual distribuição da autoridade banal criou a prin-
cipal divisão económica no seio da classe senhorial. De um
lado, havia os que os documentos chamam «magnates» (optima- 3 - As sementes do crescimento
tes, principes) no século XI, e «ricos homens» (ric oms) no
século XII. Individualmente o título de «senhor» (dominus) Em última análise, o ímpeto por detrás da expansão in-
acompanha os seus nomes nas escrituras. Eram realmente a terna agora experimentada pela economia europeia deve ter
classe dominante e por isso eram os mais ricos. Fossem os tido origem na pressão do poder senhorial sobre as forças
mais altos dignitários eclesiásticos (bispos, abades de mostei- produtivas. Esta pressão crescente nasceu do desejo, comum
( ros) ou homens que detinham o poder militar - príncipes ter- ao clero e aos guerreiros, de realizar mais completamente um
ritoriais, condes, «barões» (barones) - comandantes de caste- ideal de consumo, um benefício de Deus ou do seu amor pró-
los que exploravam as prerrogativas ligadas a esses pilares, prio.Durante os séculos XI e XII, os limites deste desejo alar-
da ordem pública, estavam mais ou menos bem fornecidos. gavam-se à medida que as aventuras da cristandade latina se
O seu senhorio doméstico e o seu senhorio em terras esten- estendiam em profundidade pelo Mediterrâneo. O fascínio que
diam-se muito longe, pelo território que controlavam. Como os modelos da Antiguidade romana exerciam na aristocracia
herdeiros de direitos régios, podiam apoderar-se das vastas do início da Idade Média foi substituído pelas recordações que
áreas incultas, antes dependentes do proprietário supremo, o traziam os aventureiros que voltavam de Espanha e do Sul de
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Itália após a captura de Barbastro ou Toledo, Palermo ou cia popular, cuja memória selectiva sabia muito bem lançar
Bari, ou adquiridas pelos peregrinos da Terra Santa ao passar no esquecimento qualquer mudança intolerável. A segunda li-
por Constantinopla ou Antioquia. Estas recordações implan- mitação era estritamente econômica. Nenhum homem podia
taram na mentalidade senhorial uma determinação fixa de explorar excessivamente os seus trabalhadores sem ver dimi-
recusar um estilo de vida rústico e de adoptar o dos habitan- nuir a sua produtividade ou forçá-los a fugir, num mundo
tes das cidades do Sul. Este desejo ia ganhando terreno à me- onde havia muito lugar para os emigrantes. É esta a razão pela
dida que os senhores emergiam do seu isolamento, que aumen- qual o desejo de aumentar os lucros da exploração senhorial
tavam as oportunidades de se encontrarem uns com os outros formulou gradualmente nas mentes dos senhores e dos seus
e crescia o poder de atracção das cortes dos príncipes. Nestas agentes a ideia -de «melhoria» na produtividade dos campone-
reuniões elegantes iam-se criando modelos de comportamento ses dependentes, e a palavra latina meliorare encontra-se fre-
aristocrático e exibiam-se as riquezas trazidas do Oriente. quentemente nos documentos econômicos da época. Os cam-
Na distante Europa bárbara, os príncipes eslavos sonhavam poneses eram encorajados a ter mais filhos e davam-se-lhes
imitar as maneiras dos príncipes germânicos que, por sua oportunidades de expandir as suas capacidades produtivas. Em
vez, eram atraídos pelo maior requinte da Gália e de Itália. A parte consciente em parte contrariado por outras influências e
predisposição para a vida de fausto acentuou-se por toda a atitudes mentais menos elaboradas, este objectivo estimulou
parte. o progresso dentro do novo ambiente feudal.
Para satisfazer gostos cada vez mais faustosos, era neces- Os sintomas deste progresso são detectáveis já no ano
sário intensificar a pilhagem, o que ainda era possível fazer, 1000, mas tornam-se mais evidentes a partir de cerca de 1075.
por meios violentos nas fronteiras da cristandade devastadas A generalidade das fontes sugere que esta data marca um mo-
pela guerra; na Europa feudal estabelecera-se uma forma de mento decisivo duma cronologia que é ainda muito imprecisa,
(
lei e de ordem, que limitava o campo aberto à aventura mi- por causa do laconismo e da natureza extremamente fragmen-
litar à medida que as estruturas do poder se consolidavam. tada e sempre indirecta da documentação. É este o período em
A principal necessidade consistia em obter rendimentos da ex- que os tesouros começam a ser gastos e as moedas de pouco
ploração senhorial, mas contra isso levantavam-se dois obstá- valor se espalham pela Europa oriental. Mais para ocidente,
culos. O primeiro era o costume. O senhor podia, em teoria, o ritmo de mudança intensificara-se. Durante as últimas três
pedir tudo aos seus servos pessoais e o deteritor do bannum décadas do século começou a construção de novas igrejas, em
estava em posição de tomar quase tudo aos camponeses que maior número e maiores do que antes. Os cavaleiros do Oci-
habitavam a sua castelania. Os aldeãos eram perseguidos pelo dente envolviam-se em actos de agressão cada vez mais am-
mais pequeno motivo e explorados através do direito senhorial biciosos, culminando no lançamento da Primeira Cruzada, em
de hospitalidade (droit de gite). O poder económico conferido 1095. Novas comunidades monásticas floresciam, recrutando
pelas diversas formas de senhorio era ainda maior quando incontáveis membros vindos de todas as classes sociais, entu-
aliado à autoridade judicial. Os próprios proprietários presi- siasmados pela ânsia de ascetismo e pela condenação da ri-
diam aos tribunais, que julgavam disputas sobre encargos de queza. Este fenômeno só se pode explicar pela realização,
rendas e penalizavam as faltas dos rendeiros. As decisões des- num ambiente econômico menos estático, de um desejo posi-
tes tribunais eram geralmente sem apelo. Assim, os senhores tivo, embora considerado perverso, de crescimento econômico
julgavam os casos em que estavam envolvidos os seus próprios - por outras palavras, a descoberta dos primeiros acessos da
interesses. No entanto, todas as assembleias judiciais no domí- doença do lucro. Além disto podemos ver a infiltração das
nio eram compostas pelos próprios trabalhadores; era sobre o actividades econômicas nas zonas rurais, no mesmo período.
r seu parecer que o juiz dava a sentença. Ao enfrentá-lo, as pes- Assim, por exemplo, os valores respectivos das diferentes
soas do povo sentiam-se solidárias entre si, formando uma moedas começaram a ser especificados nas cartas da região
fortaleza da defesa dos costumes. Nada se podia fazer contra do Maconnais a partir de 1080, o que indica a crescente in-
( o costume. Eram eles os seus garantes; era obrigatório chamá- fluência do dinheiro no mundo rural, a diversificação da
-los quando se fazia um inquérito e se o senhor usasse o seu cunhagem e o aparecimento de uma nova noção - o câmbio.
( poder senhorial para tentar introduzir nos costumes altera- Ao mesmo tempo, os senhores banais decidiram aproveitar a
( ções que o favorecessem, esbarrava com a obstinada consciên- I passagem mais frequente de mercadores carregados de objec-
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tos preciosos. A partir de agora, há mais referências às porta-
gens, um tipo de colecta cujo valor se multiplicava rapida-
VII - os CAMPONESES
mente: o papa conseguiu isenção de impostos para os merca-
dores de Asti que atravessavam a Ilha de França e que o rei
Filipe I se preparava para lhes impor: o abade de Cluny re-
preendeu um castelão vizinho por este deter uma caravana
de mercadores de Langres e tentar obrigá-los a pagar-lhe di-
nheiro de protecção. As regras de portagem estabeIecidas pelos
monges de St. Aubin de Angers, em 1080-1082,mostram clara-
mente que o comércio não era apenas uma actividade para
profissionais. Os camponeses compravam e vendiam gado;
í faziam acordos de pastoreio com forasteiros; levavam cera,
( mel, carne de porco, couros e lã às feiras vizinhas, «carregan-
do-as à volta do pescoço». Faziam mesmo sociedades para
( vender a maiores distâncias, de início carregando os seus ani-
(, mais de carga com comida, e ocasionalmente, também, «bens A intensificação dos empreendimentos agrícolas está na
estrangeiros de alto preço». Cerca de 1075, o abade de Reiche- raiz desta nova vitalidade. Nasceu em larga medida da pressão
nau concedeu a todos os «camponeses» (rustici) de uma das dos senhores, ansiosos de ver crescer o produto excedentário
suas aldeias «o direito de comerciar ... para que eles próprios do trabalho dos seus dependentes, para poderem apropriar-se
e os seus descendentes pudessem vir a ser mercadores». Nesta dele. l\!as;.o caminho fora aberto há muito por duas modifica-
altura, torna-se aparente pela primeira vez uma vitalidade con- ções relacionadas entre si. Em primeiro lugar, parece ter
tagiosa. A sua causa residia no facto de os homens se irem len- havido uma melhoria das condições ecológicas, uma vez que
( tamente familiarizando com as moedas, que começavam a ser existem indicações de que os campos da Europa tinham be-
( emitidas em maior número e mais regularmente. No coração neficiado durante séculos de um clima mais clemente e seco,
dos 'iampos ocidentais, a circulação do dinheiro estimulava as portanto mais favorável às actividades agrícolas. Em segundo
( activldades cujo crescimento fora quase imperceptível no sé- lugar, há o factor indiscutível do crescimento demográfico.
culo anterior, excepto nas fronteiras da cristandade, onde a
guerra mantinha a riqueza em movimento. A vitalidade co-
mercial e monetária observável daí em diante no Ocidente 1- O factor humano
nasceu da vitalidade de elementos mais básicos da economia.
Este dinamismo é o seu aspecto exterior, mas" os elementos
combinavam-se entre si para gerar maior vitalidade. Nas três Referimo-nos a uma corrente subterrânea que é virtual-
( mente impossível observar, mas que adivinhamos ser há
últimas décadas do século XI podemos detectar os alvores de
uma nova fase na história económica da Europa: a de um de- muito activa, especialmente na Inglaterra e na Alemanha. Na
(
senvolvimento constante e rápido, cujos factores iremos agora Gália, no entanto, foi temporariamente atrasada pela rigidez
( analisar. da estrutura senhorial carolíngia. A tendência para o cresci-
mento demográfico torna-se aparente a partir do momento
(
em que as instituições feudais se estabeleceram e no decurso
( dos séculos XI e XII. A natureza da documentação faz falhar
qualquer tentativa para medir a escala deste fenómeno. :É certo
que, para a maior parte da Inglaterra durante o último terço
( do século XI, o Domesday Book fornece dados estatísticos de
valor excepcional, se bem que de difícil interpretação. Mas
( esta fonte é única. Para obtermos números posteriores compa-
( ráveis, teremos de esperar que os métodos fiscais melhorem,
de modo a produzir inquirições sistemáticas. E vamos encon-

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