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Os astros da degola
Um banho de sangue coroou a campanha
em que o Brasil defrontou o Brasil
Acima, o corpo do
Conselheiro, depois de
desenterrado. Ao lado, o
Conselheiro, o marechal
Bittencourt e a 'Matadeira'
convivem em paz na
Foto: Orlando Brito praça de Monte Santo
"...e a fera ir-se-á abastecendo e devorando até que num assomo de raiva,
ao sentir a falta de ucharia, desse abastecimento de corpos, desgrenhe a
juba e com um arranque de sua pata monstruosa queira esmagar a pátria,
em crepe pela morte dos seus filhos mais amados, pelo massacre do seu
exército glorioso!"
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estamos votados ao sacrifício de que não fugimos para legar à geração
futura uma República honrada, firme e respeitada". Euclides da Cunha, que
nos seus despachos de repórter seguira a sanha patrioteira em voga, mas
que no seu livro "vingador", como dizia, adotou uma postura crítica,
escreve, em Os Sertões: "A paixão patriótica roçava, derrancada, pela
insânia".
Escreve ainda:
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Brasil confunde-se com uma galeria de astros da degola.
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O LEGADO DO
CONSELHEIRO
Cem anos depois, Canudos é uma ferida,
e um emblema do Brasil
Roberto Pompeu de Toledo
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"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o
esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do
termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores,
que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e
uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 000 soldados."
Canudos não existe mais. A vila do Conselheiro, não bastasse ter sido
destruída na guerra, encontra-se submersa, afogada que foi, em 1969, pelas
águas do Açude de Cocorobó. A cidadezinha que hoje toma o nome de
Canudos fica a 10 quilômetros da original. Em volta do açude, qual sentinelas
de uma história que insiste em não morrer, vigiam os morros tornados
nacionalmente conhecidos, à época da campanha, como locais de onde o
Exército disparava seus canhões contra o arraial insurgente, e onde os
rebeldes arriscavam suas escaramuças contra as tropas regulares o Morro
da Favela, o Morro do Mário. O Morro da Favela tornou-se tão famoso que
veio a nomear um morro similar no Rio de Janeiro por causa dos casebres
parecidos com os de Canudos que nele vieram a erigir, segundo uma versão,
ou porque nele se aboletaram os soldados veteranos da campanha, segundo
outra. E a partir daí a palavra "favela" passou a ter um significado tão
simbólico do Brasil quanto as cores verde e amarela.
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tem consciência das ruínas que ele encobre, dos muitos cadáveres e da
cidade duplamente fantasma, destruída pelo fogo e afogada nas águas, um
frêmito pode percorrer o observador. O mistério continua.
Como se informar sobre esse cearense que procurava a paz de Deus mas
acabou joguete dessa obra do Demo que são as guerras fratricidas? Durante
décadas, a fonte capital e sagrada foi o livro de Euclides da Cunha.
Hoje, impossível introduzir-se no assunto sem passar por José Calazans. O
octogenário Calazans é o decano dos canudistas da Bahia, um grupo de
estudiosos voltado à pesquisa das aventuras do Conselheiro, seu arraial e a
guerra. Calazans tem saído a campo, principalmente, em busca da chamada
história oral de Canudos a história recomposta a partir do depoimento dos
sertanejos. Como começou a trabalhar na década de 40, ainda alcançou
vários sobreviventes do arraial do Conselheiro. Por exemplo, Honório
Vilanova, irmão do dono da principal loja de Canudos, Antônio Vilanova, um
dos homens mais próximos do Conselheiro. Honório Vilanova, com o irmão
e as respectivas mulheres, escapou de Canudos nos últimos dias da guerra,
como vários outros conselheiristas. Veio a morrer com mais de 100 anos.
Uma vez, contou a Calazans que quando conheceu Maciel, em Assaré, no
Ceará Honório também era cearense , este era beato. Anos mais tarde,
ao reencontrá-lo na Bahia, já era conselheiro. "E há diferença?", perguntou
Calazans. Honório explicou então que o beato tira rezas, pede esmolas e
ajuda os pobres. O conselheiro vai além: dá conselhos. Qual seja, prega. Na
hierarquia informal do sertão, a hierarquia paraeclesiástica do misticismo
sertanejo, o conselheiro situa-se acima do beato.
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e de liturgia oficial. A pessoa ascendia à condição de beato ou conselheiro,
ainda segundo Costa e Silva, de forma natural, pelo destaque que haviam
obtido na sociedade, em virtude de sua liderança, capacidade de expressão,
piedade e outras qualidades.
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A obra de Travessa
no Alto Alegre: conjunto
de igreja, museu, salão,
cruz e estátua do
Conselheiro. Ao lado:
vista do arraial primitivo
Foto: Flavio de Barros
Ele não foi um destruidor (o Conselheiro). Não foi que nem Lampião.
Ninguém diz que ele matou alguém. Era igual que Assembléia de Deus,
Deus é Amor. Essas cresceram e agora está difícil acabar com essa...
essa... como se diz?... essa religião.
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o povoado chamado Cocorobó mesmo nome do açude , mais tarde
rebatizado de Canudos. Esta é a Canudos atual, a terceira.
O Parque foi uma idéia do professor Renato Ferraz, um dos mais ativos
lutadores pela memória de Canudos pesquisador, organizador de
seminários e eventos sobre o assunto. Ferraz sabe tudo o que é possível
saber de Canudos. Só falta escrever um livro a respeito, algo que promete
vagamente para o futuro.
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o atraente estrangeiro. Ela se ouriça: "Argentino!, argentino!", exclamava,
como uma fã de galã de televisão. Era a dona do hotel, dona Raimunda.
Quando se preparavam para partir da cidade, dona Raimunda pediu uma
carona até Lagarto. Atenderam-lhe ao pedido, e ela viajou no banco de
trás. Quando chegaram a Lagarto, dona Raimunda foi saindo devagar do
carro, esgueirando-se, no difícil movimento de deixar o banco de trás de
um Fusca... e então deu o bote. Numa manobra fulminante, prendeu-se ao
pescoço de Vargas Llosa e pespegou-lhe um beijo na boca.
Manuel Travessa diz que ouviu uma vez do avô que Canudos seria
destruída três vezes.
A primeira vez pelo fogo, a segunda pela água e a terceira pelo pó. Pelo
fogo foi a guerra. Pela água, a represa. Só falta pelo pó.
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O fim do Treme-Terra
A fama, as aventuras, as trapalhadas e o triste
destino do coronel Moreira César
Antônio Moreira César era o seu nome, coronel a sua patente. O oficial
talvez mais celebrado do Exército, a quem se atribuía bravura sem igual.
Era considerado o herdeiro do marechal Floriano Peixoto, falecido havia
dois anos, ídolo dos militares e patrono-mor dos "jacobinos", como eram
chamados os defensores mais intransigentes do regime republicano.
Euclides da Cunha o descreve: "O aspecto reduzia-lhe a fama. De figura
diminuta um tórax desfibrado sobre pernas arcadas em parênteses ,
era organicamente inapto para a carreira que abraçara. (...) Apertado na
farda, que raro deixava, o dólmã feito para ombros de adolescente frágil
agravava-lhe a postura. A fisionomia inexpressiva e mórbida completava-
lhe o porte desgracioso e exíguo".
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O elenco da epopéia do sertão pode ser prolongado ao infinito: coronel
Tamarindo, o segundo de Moreira César; cabo Roque, herói efêmero de
uma bravura que não houve; marechal Bittencourt, o ministro da Guerra.
Do lado dos conselheiristas, a turma dos jagunços valentes, alguns
formados na escola do cangaço antes de se juntar ao Conselheiro e se
tornar os cabeças de seu Exército improvisado: João Abade, o
"comandante da rua", como era conhecido "rua" no sentido de "arraial",
de "cidade", de "área urbana", e comandante porque era o chefe militar
supremo; Pajeú, o temível guerrilheiro das estocadas ardilosas, "forma
retardatária de troglodita sanhudo", segundo Euclides; Pedrão, que veio a
morrer só em 1958, com tanto gosto de lutar que dizia a José Calazans,
quando já nonagenário, e entrevado: "Faz pena um homem como eu
morrer sentado". O mesmo Pedrão, que mais de trinta anos depois de
Canudos seria contratado pelo interventor Juraci Magalhães para
combater Lampião, justificava-se: "O coração pedia para brigar".
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perder de vista, e todo salpicado de capelinhas, como se fosse, como
escreveu Euclides da Cunha, "uma escada para os céus". Lá no alto, no
fim do caminho, há uma igreja maior, a Igreja de Santa Cruz.
Como pôde o coronel acabar desse jeito? Ele vinha tão confiante... Ao se
aproximar de Canudos, ordenou que se disparassem dois tiros de um de
seus quatro canhões Krupp. "Lá vão dois cartões de visita ao
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Conselheiro", disse. Ao longo da marcha, sua preocupação maior era que
os conselheiristas abandonassem o arraial, privando-o da glória de
derrotá-los. À medida que se aproximava, o otimismo aumentava: "Vamos
tomar o arraial sem disparar mais um tiro, a baioneta". Ocorre que
Moreira César tinha outro adversário, tão difícil de vencer quanto o
Conselheiro ele próprio. Era epilético, num tempo em que não se tinha
como conter a doença. Sofreu dois ataques, durante a campanha de
Canudos. Além disso, apresentava um temperamento instável e impulsivo.
Certa vez, navegando para o Rio de volta da campanha de Santa
Catarina, com seus soldados, mandou prender o capitão do navio, por
suspeitar de uma traição para a qual não havia evidência alguma. Em
Canudos, da mesma forma como lhe sobrava confiança, faltou-lhe
previdência. Mandou seus homens ao ataque depois de longo dia de
marcha penosa, sem descanso. Fê-los avançar até para dentro do arraial e
entrar numa luta corpo-a-corpo com os conselheiristas o que, além de
facilitar a movimentação do adversário, familiarizado com o labirinto de
ruelas, inutilizou a artilharia, que não podia disparar sob pena de atingir os
próprios companheiros. A situação se complicava. Moreira César
ordenou um ataque de cavalaria, mais desastroso ainda, em se tratando
não de uma planície aberta, mas de um inimigo entrincheirado num reduto
cheio de barreiras. Com a situação cada vez mais feia, o coronel deixou
seu posto de comando, endireitou o cavalo em direção ao arraial e
avançou, dizendo: "Vou dar brio àquela gente". Não foi muito além.
Atingido no ventre por uma bala, vergou-se, largando as rédeas. Os
companheiros cercaram-no. "Não foi nada, um ferimento leve", disse.
Morreu naquela noite.
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De boca em boca
Mais excertos de um diário do sertão: histórias
que atravessam gerações, a sujeira da igreja...
Ioiô da
Professora,
ao balcão de
seu botequim, e
João de Régis,
em sua casa:
depositários de
histórias da
guerra que ouvem
desde crianças
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Mas havia outros também insatisfeitos:
O povo não queria mais obedecer os coronéis. Até para emprego, era
com o Conselheiro.
Não, não cabe dizer "se fosse um espetáculo"... Seu Ioiô da Professora é
um espetáculo.
Ioiô da Professora, João de Régis. João de Régis quer dizer: João, filho de
Régis, assim como Ioiô da Professora quer dizer Ioiô, filho da professora.
Entre o povo do sertão, em vez de sobrenome, usa-se a forma ancestral
de identificar as pessoas pelo pai ou pela mãe. Outros exemplos: Joana de
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Manuel Eliseu, Maria de Sidrônio. Há casos em que um "de" não basta, e
então usam-se dois: Maria de Totonho de Silvano. Qual seja: Maria, filha
de Totonho, filho de Silvano.
Não é bem que a atual Canudos não tenha nada que lembre o
Conselheiro, como se afirmou páginas atrás. Tem. Mas é preciso procurar
bem, porque está escondido. Vai-se à casa onde fica um "centro de
convivência" da Igreja Católica, um local para reuniões e festinhas.
Procura-se pela irmã Cirila, que veio do Rio Grande do Sul. Pede-se para
abrir a sala na qual ela guarda os livros sobre a guerra, alguns objetos do
período... e pronto, lá está: a cruz de Antônio Conselheiro. Sim, aquele
cruzeiro que se encontrava em frente da igreja velha e que foi transportado
para esta nova Canudos quando a velha foi afogada. A cruz está deitada
no chão. A madeira, escura e cheia de fendas, necessita cuidados, para
não apodrecer. É a mais importante relíquia que se tem do arraial. Ao lado
da cruz repousa uma lápide, onde se lê: "Edificado em 1893 por
A.M.M.C.". As iniciais referem-se a Antônio Mendes Maciel Conselheiro,
e a lápide costumava ficar ao pé do cruzeiro. Irmã Cirila guardará a
preciosa relíquia em sua sala quase secreta enquanto não se construir um
local adequado para exibi-la.
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