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Cinema Falado
Quem trabalha com gravação de som em filmagens, como eu, sabe a importância
de um bom registro da voz dos atores na hora da filmagem. A voz dos atores,
juntamente com o corpo, é um dos mais importantes elementos usados para nos
transmitir a emoção pretendida na cena.
Me interessei em assistir ao espetáculo “Hiroshima meu amor falado ao vivo”,
assim, sem vírgula mesmo, encenado no Sesc Pompéia, em São Paulo/SP, nos dias 15,
16 e 17 de julho, porque a proposta era retirar as vozes do áudio do filme “Hiroshima,
meu amor” (Alain Resnais, 1959) e, num processo de mixagem ao vivo, colocar as
vozes dos atores e a música ao vivo (piano e clarinete) no lugar dos sons originais, num
experimento que misturava cinema e teatro.
Longe de se constituir uma dublagem, Paulo Celestino e Letícia Sabatella, atuam
colocando suas vozes nos corpos de Eiji Okada e Emmanuelle Riva, pois assistimos ao
filme projetado em tela grande, mas ao mesmo tempo também assistimos a uma
atuação, pois os atores, cenários, luzes, estão em cena. O que é comum às duas
linguagens utilizadas neste espetáculo incomum é o som, e é através dele que o teatro e
o cinema se interseccionam.
Assisti ao espetáculo duas vezes e depois fui no bate-papo programado como
parte da experiência cênica/cinematográfica.
Como nos relatou Felipe Diniz, programador do Sesc Pompéia presente ao bate-
papo, a proposta nasceu dentro de um grupo de trabalho que desenvolve uma
programação para cinema e artes cênicas no Sesc Pompéia. A base para o começo da
pesquisa foi a arte dos benshis, atores japoneses, que na época do cinema silencioso,
davam voz ao cinema mudo, eles faziam a voz da criança, do velho, do homem e da
mulher, narravam a história, fazendo teatro e cinema ao mesmo tempo. Outra referência
para a pesquisa são os “filmes cantantes”, prática brasileira do começo da década de
1900, quando cantores ficavam atrás da tela, “dublando” números musicais junto com o
acompanhamento da orquestra, também numa mistura de teatro e cinema.
Numa ação integrada à exibição do espetáculo, foram programados minicursos e
bate-papos, apostando em ações formativas e de diálogo com o público. A proposta era
discutir a fala no cinema através de um experimento cênico/cinematográfico.
Como num jogo, foram propostas regras para que o diretor, Luiz Fernando
Marques, levasse a cabo, em alguns meses apenas, esta experiência cênica - o filme teria
que passar na íntegra, respeitando seu roteiro original. Cinema e teatro teriam que seguir
a mesma proposta, não poderiam se antagonizar. Luiz Fernando é formado em
audiovisual pela Universidade Metodista de São Paulo. Ele e o ator Paulo Celestino se
formaram na EAD/USP e fazem parte do Grupo XIX de teatro. Atualmente, Paulo
Celestino também tem exercido o ofício de editor de vídeo. Quer dizer, de alguma
maneira eles já transitavam nos dois universos, teatro e cinema.
Um filme que tivesse poucos personagens era um fator que tornava a realização
do projeto exequível em tão pouco tempo. Não só por isso “Hiroshima, meu amor” se
mostrava uma escolha perfeita, a densidade e potência do roteiro de Marguerite Duras
foram também determinantes.
A escolha de Letícia Sabatella se deu por alguns motivos: acessar um público que
talvez não se interessasse por esse tipo de filme e uma atriz que já tivesse uma relação
com a linguagem audiovisual. O que se demonstrou pelo domínio que Letícia mostrou
do uso da voz através do microfone em cena e em falas gravadas em estúdio.
Chegando neste ponto da realização do espetáculo, precisou-se descobrir como
realiza-lo tecnicamente.
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