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PUERI DOMUS

ENSINO MÉDIO

GEOGRAFIA

São Paulo • 2011

MÓDULO

9
Diretoria: Guilhermino Figueira Neto
Luis Antonio Laurelli
Gerência editorial: Emília Noriko Ohno
Rosimara Vianna
Secretaria editorial: Deise Cristina Leonardi
Leitura crítica: Felipe Dias de Menezes
Wendel Renato Ferraz
Alexandre Buccini
Edição: Ana Cláudia Dundes
Ana Paula Enes
Rodrygo Martarelli Cerqueira
Preparação de texto: Denis Augusto Fracalossi
Revisão: Ana Maria de Matos Viegas
Maria Cecília Zotelli Pinheiro
Iconografia: Diana Cappuzzo
Cartografia: José Augusto Mota
Kids Produções Gráficas
Mário Yoshida
Vania Gonka
Diagramação: Figurativa Editorial
Projeto gráfico e capa: Figurativa Editorial

Participaram da elaboração:
Eduardo Campos
Marli de Barros
Lilio Alonso Paoliello Junior
Heitor Antônio Paladin Júnior
Henrique Angelo Piovesan Dal Pozzo
Marco Antonio Mitidiero Junior
Silvia Lopes Raimundo
Sonia Maria Munhóes Romano
Wladimir Favro Linares

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Pueri Domus Escolas Associadas Ltda.

www.sistemapueridomus.com.br
A P R E S E N T A Ç Ã O

Caros alunos,

O avanço da ciência, da tecnologia e do conhecimento vem


sendo muito rápido nas últimas décadas. O volume das informações
e a velocidade com que elas circulam pelos meios de comunicação
ganharam dimensões de difícil quantificação. O rádio e a televisão
captam sons e imagens de quase todos os lugares do mundo; as
bancas de jornal vendem publicações de variados segmentos e de
diferentes nacionalidades; novos livros são publicados todos os dias
e as possibilidades advindas com o avanço da internet são tamanhas
que, muitas vezes, nos sentimos tomados pela vertigem deste início
de século XXI. E entender tudo isso não é fácil. O mundo torna-se, a
cada dia, mais complexo, e muitas das explicações para o que está
acontecendo perdem validade rapidamente, em função da
quantidade e da velocidade das transformações. Diante desse
cenário, mais uma vez, nos deparamos com o mito grego da esfinge
que interpelava os viajantes: “Decifra-me, ou devoro-te”.
O campo do conhecimento representado pela Geografia reúne
um universo bastante amplo de temas e conteúdos muito
importantes para a leitura e interpretação do mundo. Ao estudar e
aprender Geografia, vocês ampliam a capacidade de compreender a
sociedade, por meio da análise do espaço.
Na elaboração desta coleção, tomou-se o cuidado de reunir os
principais conteúdos dessa ciência, aplicados a temas atuais, de
modo a possibilitar-lhes construir um repertório conceitual
adequado à vida de estudantes e cidadãos ou cidadãs. Dessa forma,
temos convicção de estar contribuindo para sua formação
intelectual, ajudando-os a lerem e interpretarem corretamente fatos
e fenômenos que se manifestam no espaço. Assim, estarão mais
preparados para decifrar os enigmas das esfinges que enfrentam no
dia a dia.

Equipe Pueri Domus


C O N H E Ç A S E U L I V R O

ABERTURA DE UNIDADE
Texto introdutório que, em geral, anuncia o conteúdo
desenvolvido na unidade e procura contextualizá-lo.
Pode ser acompanhado ou não de imagem.

FAÇA PARTE
Seção que propõe atividades a serem realizadas em grupo.
Em geral, há atividade que requer o desenvolvimento de um
procedimento, como debate, pesquisa, elaboração de painel,
cartaz etc., aplicando conhecimentos assimilados.

SUA PARTE
Seção com atividades a serem realizadas individualmente, propõe
questões envolvendo a elaboração de respostas que articulam
conteúdos e a leitura de imagens (mapas, gráficos, pinturas,
fotos). Nessa seção, ainda encontram-se questões extraídas de
provas do Enem e de diferentes exames vestibulares.

CONEXÃO
Boxe com característica de um hiperlink, apresenta alguma
curiosidade ou algum assunto relacionado ao conteúdo, a
uma palavra (ou expressão), a um conceito ou termo do
texto principal. O símbolo dá a indicação do boxe.

ACERVO
Boxe com informações sistematizadas ou sintetizadas
dos temas desenvolvidos na unidade. O símbolo dá a
indicação do boxe.

4
PERFIL
Boxe com breve biografia de personalidade
que tem papel relevante no contexto do
conteúdo trabalhado. O símbolo dá a
indicação do boxe.

DICA
Boxe que apresenta explicação, conceito,
definição ou outra referência relacionada
ao texto principal ou a atividades. O
símbolo dá a indicação do boxe.

MAPA CONCEITUAL
Seção no final de cada unidade, na qual se propõe
uma atividade que contribui para a sistematização
de conteúdos, podendo servir como ferramenta de
estudos ou promover a aprendizagem significativa.

COMO FAZER
Seção, no final do Módulo, que explica procedimentos
para o desenvolvimento de atividades propostas no
livro. O símbolo dá a indicação da seção.

PARA SABER MAIS


Seção que faz o fechamento do Módulo, apresentando
indicações de leitura, site, música e/ou vídeo
para proporcionar oportunidade de ampliação ou
aprofundamento dos conteúdos abordados.

5
S U M Á R I O

UNIDADE 1
A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL ..................................................................... 7

O NÓ DA QUESTÃO ............................................................................................. 7
A QUESTÃO AGRÁRIA AO LONGO DA HISTÓRIA .................................................... 8
COMO SE CONSTITUI A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA
E QUAIS SÃO AS SUAS ESPECIFICIDADES? .......................................................... 12
Expropriação e exploração: o capitalismo e o campo brasileiro ..................... 17
OS SUJEITOS SOCIAIS DO CAMPO BRASILEIRO ................................................... 37
A ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA............................................................... 51
A FOME NO BRASIL E NO MUNDO..................................................................... 55
REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: UMA PEQUENA HISTÓRIA CRÍTICA ................... 64
A esperança da reforma agrária continua ..................................................... 67
O estopim dos movimentos sociais no campo brasileiro ............................... 74

MAPA CONCEITUAL .......................................................................................... 86


COMO FAZER .................................................................................................... 87
PARA SABER MAIS ............................................................................................ 88

6
A
UNID DE

1 A questão agrária
no Brasil

O NÓ DA QUESTÃO

H
á muito tempo a questão agrária vem sendo um dos principais focos da discussão
sobre o desenvolvimento do Brasil. Dada a importância do tema, neste módulo pro‑
pomos uma reflexão crítica da área rural brasileira. O objetivo é compreender as
relações sociais de produção no campo, ou seja, de que forma ela se estrutura na organiza‑
ção da sociedade, levando em conta as condições técnicas e a caracterização dessa produção
no complexo espaço geográfico brasileiro e os sujeitos sociais diretamente envolvidos.
Para começar a entender o que é a questão agrária no Brasil, vamos pensar nas ações
cotidianas de um típico jovem de classe média de uma cidade brasileira. Ele cumpre obri‑
gações, usufrui seus direitos de cidadão, realiza atividades de lazer e dispõe de diversos bens
de consumo. No entanto, a realidade de grande parte dos jovens brasileiros é bem diferen‑
te, sobretudo no que se refere à alimentação. Muitas famílias, por não fazerem diariamente
sequer uma das três refeições completas recomendadas, não obtêm os nutrientes e calorias
necessários por dia, conforme os padrões definidos pela Organização Mundial de Saúde.
Se, de um lado, atualmente é grande a produção mundial de grãos e cereais, de outro,
muitas pessoas passam fome, como mostram, por exemplo, os dados divulgados pela
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2000: cerca
de 750 milhões de hectares de grãos foram plantados no planeta, gerando uma renda de
300 milhões de dólares, mas existem 760 milhões de pessoas subnutridas em todo o mundo.
Além disso, há milhões de camponeses sem‑terra no Brasil, muitos deles lutando para
conquistar espaço para trabalhar. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem‑Terra
(MST), existem 4 milhões de famílias sem‑terra neste país, o que corresponde a aproxima‑
damente 16 milhões de pessoas. Procuraremos mostrar como se chegou a essa situação e
propor reflexões sobre ações sociais transformadoras e eficazes para a sociedade brasileira
diante da questão agrária.

7
8 Geografia

A QUESTÃO AGRÁRIA AO LONGO DA HISTÓRIA


A expressão “questão agrária”, ou “problema Na Inglaterra, berço da civilização industrial
agrário”, é usada para abordar a entrada do capita‑ durante os séculos XVI e XVII, o aperfeiçoamento
lismo no campo, referindo‑se à forma como esse do maquinário e da tecnologia como forma direta de
modo de produção, com sua lógica de constante busca produção de mercadorias incrementou velozmente
do lucro, altera a propriedade, a posse e a possibili‑ o comércio internacional. A partir desse momento,
dade de acesso à terra. a industrialização, seguida da urbanização, passou a
Com base na atividade industrial, o capitalismo exigir maior quantidade de mão de obra para preen‑
na Europa transformou não apenas as cidades, mas cher as vagas nas fábricas.
também a área rural, alterando, portanto, a vida dos Como consequência, a terra deixou de ser a
camponeses e dos grandes proprietários de terra. Os maior fonte de riqueza do país, levando a um proces‑
acontecimentos no campo tornaram‑se, assim, uma so de expulsão dos camponeses das terras em que
questão. viviam e produziam alimentos ainda segundo o modo
de produção feudal. As terras, no entanto, não ficaram
Museu Condé, Chantilly, França/The Bridgeman Art Library

Foto: Paulo Fridman/Pulsar Imagem

Representação de camponeses trabalhando em um feudo, em


imagem que marca o mês de março, no livro As riquíssimas
horas do duque de Berry, dos irmãos Limbourg, início do Colheita de soja na área rural de Campo Verde,
século XV. Mato Grosso. Foto de 2008
MÓDULO 9 9

disponíveis para todos, muito menos para os traba‑ ocorreu na Inglaterra, dividiram entre si os antigos
lhadores rurais. Elas foram cercadas, transformando‑ feudos ou as antigas grandes fazendas dos senhores.
‑se em grandes fazendas para plantação de monocul‑ Todo esse processo de desenvolvimento do capi‑
turas. Com isso, ao camponês que trabalhava com sua talismo no campo passou a ser discutido pelos histo‑
família em uma pequena parcela de terra cedida pelo riadores e intelectuais a partir da problematização da
senhor feudal restou o caminho da cidade. questão agrária, ou seja, como os países em desenvol‑
Outro exemplo da complexidade imposta pelo vimento capitalista organizaram a estrutura fundiária
desenvolvimento do capitalismo no campo é o caso e a produção de alimentos.
da França. Neste país, até o final do século XVIII, Basta observarmos a contradição da ocupação da
quase toda a propriedade da terra estava em poder área rural na Inglaterra em relação à França. No
da nobreza e da Igreja. Os camponeses pagavam primeiro país, a terra teve de ser tomada dos campo‑
tributos para os senhores da terra, característica do neses e cercada para o capitalismo se desenvolver, e
modo de produção feudal, e a burguesia, apesar de a grande propriedade rural tornou‑se a forma estru‑
estar em ascensão, não possuía nenhum poder polí‑ tural do campo inglês; no segundo, a terra ficou livre
tico. Campesinato e burguesia eram os segmentos da para a ocupação dos camponeses em pequenas pro‑
sociedade francesa mais explorados na época, tendo priedades rurais, graças ao pacto político estabelecido
de pagar impostos e tributos abusivos, o que os impos‑ entre eles e a burguesia. A estrutura fundiária da
sibilitava de se desenvolver socioeconomicamente. França hoje é reflexo direto desses acontecimentos,
Essas duas classes sociais uniram‑se, então, contra a isto é, as pequenas propriedades rurais são a caracte‑
monarquia na Revolução Francesa, em 1789. rística fundamental do campo francês.
Após a revolução, com a derrota da monarquia, Por tais exemplos, podemos perceber que cada
a burguesia adquiriu poder econômico e político, país, com suas particularidades históricas durante o
passando a dirigir o desenvolvimento do capitalismo desenvolvimento desse novo modo de produção,
na França. Os camponeses, diferentemente do que gerou formas distintas de organização do campo e,

Foto: Patrick Ward/Corbis

Vinhas na pequena aldeia de Riquewihr, na Alsácia, França. Foto de 2002


10 Geografia

em consequência, encadeamentos diferentes na cons‑ uma política pública de justa distribuição das terras
tituição e resolução do problema agrário. Podemos a quem delas necessitava, processo que ficou conhe‑
até afirmar que há uma questão agrária para cada cido como reforma agrária . Esses dois países são as
país, mesmo que o desenvolvimento do capitalismo duas maiores potências econômicas do mundo que
apresente traços homogêneos de estruturação. resolveram sua questão agrária no século XIX, o que
Devemos levar em conta, no entanto, que a constituiu o pontapé inicial para seu desenvolvimen‑
questão agrária ainda não foi resolvida em muitos to econômico‑capitalista.
países e que suas características qualitativas mudam Nos Estados Unidos, com a abolição da escravi‑
ao longo do tempo. É o caso do Brasil, onde essa dão em 1862, todos os escravos e camponeses sem‑
questão, que aparece de forma patente na atualidade, ‑terra receberam gratuitamente do Estado 160 acres
apresentou particularidades diferentes durante a de terras – o equivalente a 64 hectares no Brasil –,
história da formação do território brasileiro. uma mula e uma quantia em dinheiro para produzir
Ao alterar a propriedade, a posse e a possibili‑ alimentos. Isso foi possibilitado por uma lei editada
dade de acesso à terra, a questão agrária se torna um ainda em 1862, chamada Homestead Act.
problema econômico, uma vez que a organização No Japão, em 1868, início da era Meiji, o gover‑
fundiária escolhida pelo país pode constituir um no desapropriou as terras dos grandes proprietários
obstáculo à produção de alimentos e ao desenvolvi‑ rurais, conhecidos como samurais, distribuindo‑as
mento do capitalismo, além de ser uma questão em pequenas parcelas para os camponeses, e inves‑
sociopolítica, a ser resolvida pelo governo ou por tiu no desenvolvimento tecnológico da produção
meio de revoltas e revoluções sociais. agrícola.
Em muitos países capitalistas avançados, como Esses países, portanto, iniciaram a modernização
Japão e Estados Unidos, as questões de propriedade, socioeconômica a partir da reestruturação da posse
posse e acesso à terra foram resolvidas por meio de e propriedade da terra.

DICA
• O termo organização fundiária ou estrutura fundiária está relacionado à
organização e distribuição das propriedades rurais pelo território. De maneira
ampla, envolve as relações econômicas existentes no espaço rural, voltadas
principalmente para a forma de acesso à propriedade, sua área e infraestrutura
e as relações de trabalho no campo.
• Reforma agrária é um processo de revisão e modificação da estrutura agrária
de um país, a fim de realizar uma divisão mais equitativa da terra, propiciando
às famílias camponesas o direito à terra para seu trabalho, seu sustento e para
viver de forma digna. Esse processo normalmente é acompanhado de outras
políticas públicas, como créditos e financiamentos que garantam a infraestrutura
necessária para o bom andamento da produção e seu escoamento para as
cidades.
O principal objetivo de uma reforma agrária é a segurança alimentar da
população. Vários países já realizaram essa experiência. Como exemplos, pode‑
mos citar: a distribuição de terras em Samos, em plena guerra do Peloponeso,
segundo relatos gregos de 400 anos antes de Cristo; a mudança da estrutura
fundiária por meio de revoluções, como as verificadas na França (1789), na Rússia
(1917) e em alguns países da América Latina – México (1920), Bolívia (1953),
Cuba (1959) – e da Ásia – China (1949) – ; e a reforma agrária decretada por
iniciativa das elites governamentais em um acordo com os camponeses, sem a
necessidade de processos bruscos de mudança, como no caso dos Estados Unidos.
MÓDULO 9 11

Faça parte

1. Registre as atividades que você realizará nas próximas 24 horas, levando


em conta:
• nas refeições – os alimentos ingeridos;
• nas atividades diárias e de lazer – os espaços e os materiais
utilizados;
• em sua casa – os bens de consumo disponíveis.
a) Organize esses registros em um quadro.
b) Em seguida, junto com alguns colegas, coletem dados e informações
sobre a realidade e o consumo de jovens que pertencem a uma classe
social diferente da de vocês. Uma das possíveis fontes de pesquisa são
os sites de ONGs (organizações não governamentais) que têm um tra‑
balho social ligado a comunidades carentes.
c) Comparem os dados coletados com os registros do quadro de cada um
de vocês. Identifiquem e discutam as diferenças e semelhanças
encontradas.
2. Feiras livres, mercados municipais, quitandas, minimercados, supermer‑
cados, restaurantes e sacolões são lugares que vendem produtos alimen‑
tícios no varejo e se abastecem de compras no atacado em entrepostos
de comercialização. Por exemplo, a rede de abastecimento do estado de
São Paulo é a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do
Estado de São Paulo), que possui dez entrepostos e mais de 6 mil permis‑
sionários distribuídos na capital e no interior, os quais comercializam
mensalmente cerca de 350 toneladas de produtos agrícolas, pescados e
flores. Vinculada ao Ministério da Agricultura, que fiscaliza as práticas
comerciais, faz o controle fitossanitário e classifica os produtos, conta
também com 40 unidades de armazenagem, com capacidade de mais de
1,3 milhão de toneladas de produtos, como grãos, açúcar a granel, farelos
etc. (dados de 2002, segundo a Ceagesp).
Foto: Adriano Vizoni/Folha Imagem

Nas gôndolas dos supermercados encontramos a maioria dos alimentos


que consumimos, produzidos pela pequena propriedade camponesa.
São Paulo, 2009
12 Geografia

Para conhecer os caminhos trilhados pelas mercadorias do campo a nossas


casas, nada melhor do que visitar os locais de comercialização. Assim, uma
parte da turma visitará um estabelecimento de venda no atacado e outra,
um de venda no varejo (um supermercado, por exemplo).
Cada grupo deverá observar no local:
a) a quantidade e qualidade dos produtos comercializados e os municípios
de que provêm;
b) os tipos de clientes (donas de casa, comerciantes etc.);
c) a distribuição do trabalho (permissionários, empregados);
d) a administração do local.
Feito o levantamento, cada grupo deverá elaborar um mapa mostrando a
origem dos produtos, um relatório de sua pesquisa de campo e fazer uma
apresentação para a classe.
3. Embora neste livro se adote uma definição para a expressão “questão
agrária”, existem muitas outras na literatura especializada e principalmente
nos livros didáticos de Geografia e de História.
a) Junto com o seu grupo, pesquise outras interpretações para o termo.
Comparem‑nas com a apresentada neste texto.
b) Definam sua própria posição a respeito da questão agrária.
c) Produzam um texto dissertativo expondo e justificando a posição do
grupo e comparando‑a com as outras que foram pesquisadas.

COMO SE CONSTITUI A QUESTÃO AGRÁRIA


BRASILEIRA E QUAIS SÃO AS SUAS ESPECIFICIDADES?
Existem duas posições a respeito do problema fundiário em nosso país. Uma delas
defende que a questão agrária teve início quando, após chegarem ao nosso território, em
1500, os portugueses resolveram fixar‑se aqui. A organização vigente entre os povos indí‑
genas era a apropriação comunal das terras. Com os europeus, ocorreram grandes
mudanças no que se refere à apropriação, ao uso, à mão de obra e ao trabalho na terra.
A imposição da nova forma de organização provocou a reação dos povos indígenas. Muitos
indígenas foram mortos, outros tornaram‑se escravos dos brancos. Depois, a mão de obra
escrava indígena foi substituída pela mão de obra escrava africana.
De acordo com a segunda posição, a questão agrária nasceu com a Lei de Terras de
1850 e com o fim do tráfico de escravos africanos no mesmo ano. Antes disso, as terras
brasileiras eram de propriedade da Coroa portuguesa, que, com o intuito de ocupar e
explorar o território da colônia, cedeu, em 1532, grandes extensões de terra, denomina‑
das capitanias hereditárias, a homens da corte. As capitanias foram então divididas em
sesmarias, concedidas àqueles que se dispusessem a produzir alimentos e mercadorias
mediante o pagamento de uma sexta parte de toda a produção ao governo (veja A estru-
tura fundiária brasileira ). Como o sesmeiro não tinha o título de propriedade da terra,
a concessão desta podia ser anulada pelo rei se não fosse cultivada. Assim, as terras não
podiam ser compradas nem vendidas. Tudo era propriedade da Coroa portuguesa, a
quem cabia ceder áreas aos aristocratas investidores.
MÓDULO 9 13

A figura do escravo tinha maior importância econômica do que a terra. Antes de


entrar como mão de obra no processo de produção, ele mesmo era uma mercadoria, um
produto que podia ser comprado e vendido. Como um industrial investe hoje seu capital
na compra de máquinas para a produção, os senhores de terra (sesmeiros que plantavam
cana‑de‑açúcar e outras culturas) investiam seu capital na compra de escravos africanos.
Portanto, eram os escravos que constituíam o patrimônio dos senhores.
Quando, depois da abolição, a terra se tornou propriedade privada, a estrutura
fundiária mudou completamente, problema que está na raiz da situação agrária que
vivemos hoje.

As capitanias hereditárias

Cartografia: Figurativa/Acervo da Editora


ITAMARACÁ
Meridiano de Tordesilhas

0 270 N
Quilômetros
Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al.
Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: FAE, 1991.

DICA
Na apropriação comunal das terras, todos são donos da terra em que vivem,
trabalham e produzem, ou seja, não existem divisões de parcelas de terra que se
tornem propriedade privada de uma pessoa ou família.
Era assim a estruturação das terras brasileiras antes de 1500: as tribos indígenas
apoderavam‑se de parcelas de terra e nelas os índios viviam comunalmente, embora
guerreassem com tribos inimigas sempre que houvesse uma tentativa de invasão de
seu território.
14 Geografia

CONEXÃO
A ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA
O sistema de sesmarias adotado desde o início da colonização no Brasil é a gênese da concentração de terras
no país. É importante lembrar que, até meados do século XIX, as terras que não eram destinadas à produção
estavam sujeitas à ocupação aleatória por parte dos colonos (usucapião). Os grandes fazendeiros, possuidores
de muitos escravos, podiam ocupar a quantidade de terra que quisessem ou que seus escravos pudessem
cultivar.
Em 1850, já no Brasil Império, o Estado cria a Lei de Terras, que passa a regulamentar a propriedade das terras
no país. Essa lei determinava que todas as terras pertenciam ao Estado e ele, através de leilão, era o único que
poderia estabelecer a posse sobre uma área. Seu estabelecimento veio ratificar a concentração de terras no país,
já que apenas os grandes proprietários tinham recursos financeiros para tanto. Havia também a intenção de
ocupar terras devolutas no Sul do país, com a entrada de colonos europeus. As terras devolutas são áreas que
não estão formalmente registradas como propriedade privada e, portanto, pertencem ao Estado.
Essa medida perpetuou a posse de terras, já muito concentradas, nas mãos de um pequeno grupo de pro‑
prietários, cerceando a possibilidade de posse aos ex‑escravos e à grande maioria dos imigrantes, que também
não possuíam recursos para a compra das terras.
Um breve histórico de 350 anos
• Até a chegada dos europeus – não existia a propriedade privada da terra no atual território brasileiro. Seus
habitantes a tratavam como um bem comunal.
• Entre 1500 e 1822 – todas as terras pertenciam à Coroa portuguesa, que cedia o direito de uso a pessoas
de sua confiança ou conveniência.
• Entre 1822 (independência política) e 1850 – sistema de posse livre em terras devolutas, em que a terra
só tinha valor de uso. Essa medida deveria beneficiar os pequenos e médios futuros proprietários, mas isso
não se verificou, porque a escravidão ainda existia e os poucos imigrantes que chegavam aqui se dirigiam
às cidades.
• Em 1850 – criada a Lei de Terras. Todas as terras devolutas se tornariam do Estado, e este as venderia em
leilões. O dinheiro arrecadado serviria para trazer mais imigrantes para o Brasil. Houve uma migração de
pobres e ex‑escravos para as cidades, pois estes não poderiam adquirir terras. A estratégia da Lei de Terras
era consolidar a posse da terra nas mãos da elite e preparar uma nova mão de obra (barata) para a lavoura.
A terra passou então a ter valor de uso e de troca.
Foto: Guilherme Gaensly/Instituto Moreira Salles

Colheita de café.
Trabalhadores,
provavelmente
imigrantes europeus, na
colheita de café em
uma fazenda em São
Paulo. A imigração
começou no Brasil na
década de 1850,
chegando a conviver
com o regime de
trabalho escravo
durante certo tempo.
Os imigrantes chegaram
a Araraquara no início
da década de 1870 e
eram, em sua maior
parte, italianos.
MÓDULO 9 15

O escravo, por não ter salário, não era um con‑ ter preço e a ser comercializada em um mercado
sumidor de mercadorias, o que prejudicava o capita‑ imobiliário, isto é, a terra tornou‑se mercadoria, e
lismo como sistema fundado na comercialização. Por uma mercadoria especial, que não envelhece nem
isso, acabar com a escravidão foi um imperativo para morre como o escravo.
os países que queriam desenvolver o capitalismo. Assim nasceu a propriedade privada da terra no
No Brasil, esse processo foi lento, ocorrendo Brasil e, para muitos, as raízes da questão agrária atual
apenas após um pacto da aristocracia com o governo. surgem nesse período, no qual a terra é aprisionada,
A Lei de Terras de 1850 é a materialização desse pacto. ou seja, do escravo cativo para o cativeiro da terra .
Ela transformou a terra em propriedade privada de Só tinha acesso à terra quem possuía capital para
quem tinha seu título, ou seja, a Coroa portuguesa comprá‑la, o que não era o caso dos escravos recém‑
deixou de ser a proprietária de todo o território, e ‑libertos, dos camponeses pobres, dos imigrantes
aqueles que quisessem possuir terra passaram a poder recém‑chegados e muito menos dos índios sobrevi‑
comprá‑la, tendo a propriedade individual e absoluta ventes. Por isso, as terras ficaram nas mãos dos antigos
da terra adquirida e podendo, portanto, fazer dela o senhores de escravos, transformados em fazendeiros
que bem entendesse, inclusive vender. ou latifundiários.
Em termos gerais, a terra reconstituiu o patrimô‑ A Lei de Terras representou uma estratégia para
nio perdido com a abolição dos escravos, passando a a mudança do trabalho escravo para o trabalho livre.

Acervo: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

J. M. Rugendas. Colheita de café, c. 1835


16 Geografia

CONEXÃO

DO ESCRAVO CATIVO PARA O CATIVEIRO DA TERRA


Segundo o sociólogo José de Souza Martins, em 1850 foi promulgada uma política de
imigração de colonos estrangeiros, sobretudo europeus, para produzir uma oferta de traba‑
lhadores livres nas épocas de maior demanda por parte das fazendas de café.
No entanto, a ampla faixa de terras devolutas no país – terras sem nenhuma titulação, nem
mesmo do Estado –, teoricamente sujeitas a simples ocupação pelos interessados, poderia
constituir‑se em um grande entrave não só à libertação dos escravos, como também à entrada
de trabalhadores livres de origem estrangeira.
O governo, então, legislou sobre o assunto, estipulando que a terra devoluta não poderia
ser ocupada por outro título que não fosse o de compra: “num regime de terras livres, o tra‑
balho tinha que ser cativo; num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa” (MARTINS,
J. S. O cativeiro da terra. São Paulo: Ciências Humanas, 1979).

Quando os imigrantes europeus começaram a vir para cá para substituir a mão de obra
escrava, a maioria não tinha livre acesso à terra e eles eram obrigados a trabalhar para o
antigo senhor de escravos. Esse fato histórico mostra que a terra sempre esteve cativa nas
mãos dos detentores do poder político e econômico.
Chegando ao período atual, verificamos que a questão agrária permanece na ordem do
dia. Apesar de possuir dimensões diferentes daquelas do passado – por exemplo, hoje há no
campo grandes empresas agrícolas tecnologicamente avançadas –, sua essência é a mesma:
a terra, em grandes extensões, continua aprisionada por poucos, enquanto muitos anseiam
por um pedaço de terra para poder produzir seu sustento.
Principalmente nos últimos trinta anos, houve uma intensificação na ocupação e no
aprisionamento das terras brasileiras, o que levou ao aumento da concentração fundiária.
Ter terra neste país significa, muitas vezes, possuir um patrimônio ou um investimento que
gera lucro e rendimentos, sem mesmo colocá‑la para cumprir sua principal função, que é a
produção de alimentos. Ou seja, ser dono de grandes extensões de terra sem nada produzir
é uma contradição, mas não elimina a chance de obtenção de lucro. A possibilidade de
valorização dos preços de mercadorias se estende ao preço da terra, tornando lucrativo
comprar para depois revender. Talvez este seja um dos principais fatores que explicam a
existência de inúmeros latifúndios improdutivos no Brasil.
A diminuição da diversidade e da quantidade de alimentos disponíveis na mesa da
maioria dos brasileiros pode ser uma das consequências da concentração de terras em lati‑
fúndios improdutivos, assim como dos progressivos aumentos dos preços dos alimentos. Se
esses latifúndios estivessem produzindo, haveria mais alimentos, provavelmente a um preço
menor.
A todos esses problemas em torno da área rural no Brasil, da propriedade da terra à
produção de alimentos, chamamos de questão agrária brasileira.
MÓDULO 9 17

EXPROPRIAÇÃO E EXPLORAÇÃO: O Tal situação revela alguns problemas. Se obser‑


CAPITALISMO E O CAMPO BRASILEIRO varmos uma típica cidade grande brasileira como um
Vimos anteriormente algumas das consequências todo, perceberemos seu crescimento desordenado,
que a expansão e o fortalecimento da lógica capita‑ o bolsão de pobreza formado ao seu redor, as milha‑
lista acarretaram ao meio rural e são visíveis na situa‑ res de favelas em zonas irregulares tanto no que diz
ção de muitas pessoas que se encontram pelas ruas respeito à propriedade do terreno quanto às regras
das cidades do Brasil, em especial das subempregadas, para a construção de moradias adequadas. Nesses
como camelôs e catadores de papel e de latas de lugares, as políticas públicas dificilmente alcançam
alumínio. todos os moradores. Falta segurança, iluminação,
Hoje em dia, são patentes a diminuição da quan‑ rede de água e esgotos, enfim, a infraestrutura urba‑
tidade de postos de trabalho e o aumento do núme‑ na básica.
ro de desempregados. São as máquinas e os robôs Há três gerações sofremos as consequências de
que causam desemprego? Muitos podem dizer que políticas adotadas pela chamada modernização conser‑
sim, e até concordamos, mas somente em parte. vadora brasileira. O geógrafo e educador paulista
Equipamentos agrícolas, como tratores, colheitadei‑ Bernardo Mançano Fernandes (Reforma agrária e a
ras, máquinas que cortam cana, além da biotecnolo‑ modernização no campo, 1992‑1993) aponta que a princi‑
gia e seus transgênicos , diminuem tanto a mão de pal mazela causada por esse modelo vem do fato de ele
obra quanto os custos e aumentam o lucro de seus ser concebido em bases economicistas e tecnicistas. Para
proprietários. Por esse motivo, várias pessoas saem do o autor, os novos modelos a serem adotados pelo Brasil
campo para morar na cidade, não dispondo, no deverão conceber o processo de modernização em todas
entanto, de habilitações profissionais urbanas. as suas dimensões: social, política e econômica.
Foto: João Wainer/Folha Imagem

O progresso não atinge todos os lugares e pessoas. Vista parcial da favela do Moinho, no bairro da Barra Funda, São Paulo.
Foto de 2009
18 Geografia

CONEXÃO

Transgênicos – Vilões ou mocinhos?


Com os avanços da ciência, principalmente na área passar seu pólen para outra, gerando assim uma dis‑
de genética e nanotecnologia, foi possível criar alimen‑ seminação da variedade geneticamente alterada sem
tos com características incomuns para sua espécie, o controle devido. Além disso, o fato de a planta gene‑
favorecendo sua produção e resistência. Porém, isso ticamente alterada ter maior resistência a interferências
tem dividido os especialistas, devido à complexidade externas faria com que ela se tornasse dominante em
do assunto. relação à comum, gerando assim sua redução e até
Inicialmente, os transgênicos trazem várias vanta‑ extinção se não controlado.
gens, tanto pela sua maior produção, baixo custo com Estudos estão sendo feitos sobre o assunto, e alguns
agrotóxicos, maior resistência etc. Com a maior produ‑ especialistas acreditam que os transgênicos serão a
ção, a lavoura torna‑se menos onerosa ao produtor, grande promessa para o futuro dos alimentos; mas
fazendo com que o alimento se torne mais barato e, grande parte dos países os rejeita e, ainda, proíbe sua
assim, acessível à maior parte da população. produção, como acontece em toda a Europa e no Japão.
Os transgênicos chegaram como a grande promessa Muitos testes ainda deveriam ser feitos com tais
para a erradicação da fome no mundo, porém, anali‑ alimentos, pois, segundo autoridades no assunto, ao
sando a questão mais a fundo, o principal problema se alterar o código genético de determinada planta, ela
gerador da fome não é a escassez de alimentos, mas passa a se desenvolver de forma diferente da original,
sim a má distribuição de renda e recursos. podendo ter menos nutrientes, ou fazer com que nosso
Em contrapartida, alguns especialistas dizem que organismo os absorva em menor (ou maior) quanti‑
alimentos transgênicos, devido à sua maior resistência dade, gerando assim disfunções alimentares, para não
a males da lavoura, podem fazer com que as pragas falar em possíveis doenças.
tenham que se adaptar e assim gerar males ainda mais Países como Estados Unidos, Argentina, Brasil e
intensos, principalmente se atacarem lavouras comuns. China são grandes produtores de transgênicos, e a
Outros problemas apresentados seriam a provável comunidade europeia tem “torcido o nariz” para essa
utilização de quantidades maiores de agrotóxicos para produção, pois, além dos fatores acima citados, a
combater essas pragas, poluindo ainda mais os rios e Europa é grande produtora de agrotóxicos, e isso por
o solo. anos tem movimentado sua economia.
Um importante fator a ser analisado é a chamada Argumentos contra ou a favor da produção de
polinização cruzada, na qual uma plantação pode transgênicos não faltam. Vejamos alguns:

A favor: Contra:
• Maior produtividade • Redução da biodiversidade
• Adaptação a climas e solos • Poluição de rios e solo
• Resistência a pragas • Criar resistência a agrotóxicos
• Menor custo de produção • Criar resistência a antibióticos nos huma‑
• Competitividade com o mercado inter‑ nos
nacional • Polinização cruzada
• Capacidade de aumentar os níveis de • Risco de causar doenças
vitaminas e minerais absorvidos pelos • Erradicação de insetos benéficos para a
alimentos agricultura
• Acessível à maior faixa da população • Não foram feitos devidos estudos sobre
o impacto ambiental
• Aumento do desemprego
• Risco de gerar superpragas
• Capacidade de poucas grandes empre‑
sas monopolizarem o mercado de
sementes
• Não há regulamentação técnica para
responsabilizar os laboratórios por pos‑
síveis incidentes futuros
MÓDULO 9 19

Muito ainda será discutido em torno do assunto, Resta‑nos saber se junto com a produção está
até os transgênicos serem plenamente adotados ou aumentando a fiscalização e as pesquisas de impacto
abandonados, mas ao que tudo indica os transgênicos socioeconômico e ambiental.
vieram para ficar, pois sua produção somente vem Disponível em: <futuroverde.wordpress.com>.
aumentando nos últimos anos. Acesso em: 5 dez. 2009.

A reação da sociedade – a agricultura orgânica


A pesar do grande avanço da biotecnologia, os problemas ambientais e a preocupação cada
vez maior com a qualidade de vida têm estimulado o desenvolvimento da agricultura orgânica.
Esta forma de produção não utiliza produtos químicos, procurando valorizar o controle biológico
de pragas e doenças, e utiliza a adubação orgânica no processo de aumento da produtividade.
Alguns setores da sociedade estimulam esse tipo de plantio, que se assemelha à produção
tradicional, mas conta com o desenvolvimento tecnológico de caráter mais natural e
sustentável.
Outra característica marcante da agricultura orgânica é a preservação dos solos, com técnicas
como a manutenção da vegetação primitiva, a rotatividade e a associação de cultivos, a preser‑
vação da biodiversidade deles.
O grande obstáculo dessa produção é a quantidade, pois geralmente é feita em pequenas
propriedades rurais, com base na agricultura familiar, o que diminui a oferta de produtos e, con‑
sequentemente, eleva o custo.
Mesmo apresentando problemas para competir com as grandes empresas agrícolas, a agri‑
cultura orgânica vem crescendo e se apresenta como uma alternativa à tecnificação predatória
do espaço rural. Seu principal apelo, além da preocupação em preservar o meio ambiente, está
vinculado ao respeito aos animais e ao ritmo da natureza, proporcionando alimentos de melhor
qualidade e sabor.

Área plantada de alimentos orgânicos (em hectares) – 2006

Cartografia: Figurativa/Acervo da Editora


Europa
2000 – 3,7 milhões
2006 – 6,9 milhões

Ásia
América do Norte
2000 – 0,05 milhão Oceania
Círculo Polar 2000 – 1 milhão
Ártico 2006 – 2,9 milhões 2000 – 7,6 milhões
2006 – 2,2 milhões
2006 – 11,8 milhões

América Latina
2000 – 3,3 milhões
2006 – 5,8 milhões
Trópico de Câncer
África
2000 – 0,02 milhão
Equador 2006 – 0,9 milhão

Trópico de Capricórnio

TOTAL
2000 – 15,67 milhões
2006 – 30,5 milhões 0 2 450 N
Quilômetros
Fonte: Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam).
20 Geografia

Essas políticas trouxeram o que se convencionou tindo como assalariados ou pela ocupação e tomada
chamar de desenvolvimento, mas sempre ocultando de posse de pequenas áreas, cada vez mais se embre‑
as consequências sociais delas originadas. O progres‑ nhando para o Centro‑Oeste e a Amazônia, fazendo
so atingiu pequena parte da população, deixando a avançar a fronteira agrícola brasileira.
maioria à margem. Mas quem estimulou e propiciou essas políticas
Todos nós podemos ver os frutos desse progres‑ públicas que geraram e impulsionaram a exclusão e,
so, mas também seu reverso: o processo de exclusão consequentemente, o êxodo rural? Durante 21 anos,
social. A elite que comandou o Brasil desde o desco‑ o Brasil passou por um governo militar, instalado em
brimento traçou planos que não incluíram toda a 1o de abril de 1964 por meio do golpe de Estado
população. A modernização trouxe avanços – surgi‑ comandado pelas Forças Armadas brasileiras e por
ram redes hospitalares e universidades, construíram‑ parte da elite (agora não mais os barões do café, mas
‑se estradas de rodagem ligando várias regiões etc. –, parte dos empresários que investiram em indústrias),
mas foi também conservadora, pois nem todos tiveram com o apoio do governo dos Estados Unidos.
acesso a esses bens. O aspecto conservador está em Acreditando que o presidente João Goulart iria alte‑
preservar o poder de determinados grupos sociais. rar a Constituição e seguir o caminho da Revolução
Se estudarmos a história brasileira com atenção, per‑ Cubana, os Estados Unidos temiam os programas de
ceberemos que essa estratégia das elites, em um reforma agrária e a ameaça de confisco de proprie‑
primeiro momento agrária e depois industrial, quase dades norte‑americanas no país (ver Conexão O
sempre foi a mesma: exclusão do povo das decisões, Estatuto da Terra de 1964 , p. 22). Nesse período, os
particularizando os ganhos e socializando os prejuízos. interesses capitalistas se fortaleceram no Brasil, tra‑
A partir da década de 1960, houve, no campo zendo as consequências que apresentamos desde o
brasileiro, um avanço na produção de alguns setores início deste módulo.
e, ao mesmo tempo, a falta de apoio para a maioria Os projetos de colonização do Centro‑Oeste e
de seus moradores, o que serviu como uma espécie da Amazônia brasileira, de construção de estradas e
de convite para que os camponeses enxergassem a de obras vultosas, como a hidrelétrica de Itaipu, no
cidade como o melhor lugar para viver. estado do Paraná, são exemplos de medidas tomadas
Ao mesmo tempo, havia nos centros urbanos a pelo governo militar que resultaram em grandes
necessidade de criar um exército de trabalhadores transformações no território brasileiro.
de reserva (conhecido pelos economistas como exér‑ O impacto dessas transformações na área rural
cito de reserva) para as grandes indústrias que estavam é interpretado por alguns pesquisadores, entre eles
se instalando no país. Isso incentivava a oferta de José de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de
baixos salários, pois, para cada vaga livre, haveria Oliveira, Octavio Ianni e Carlos Walter Porto Gonça‑
enorme contingente de pessoas para ocupá‑la. lves, como um processo de expropriação e exploração
A decisão de promover e apoiar as grandes plan‑ do homem do campo. Isto é, com a expulsão dos
tações (as monoculturas para exportação nas décadas camponeses de suas terras, dava‑se lugar ao que o
de 1960, 1970 e 1980) e a pecuária extensiva para o governo chamou de modernização.
abate, de realizar os projetos de grandes hidrelétricas, Atrelada a todas essas transformações, adotou‑
entre outras iniciativas, expulsou do campo diversos ‑se no Brasil a ideia de modernização da produção
pequenos proprietários familiares que, sem apoio agrícola relacionada à revolução verde , que pro‑
governamental, foram perdendo suas terras. punha, entre outros objetivos, implantar um mesmo
Apesar do êxodo rural no Brasil ter sido intenso, padrão tecnológico na agricultura em todo o
muitos camponeses permaneceram no campo, resis‑ mundo.
MÓDULO 9 21

Foto: Renata Mello/Olhar Imagem

Projeto Jari Florestal e Agropecuária Ltda., Vila Laranjal do Jari, divisa entre Pará e Amapá. Plano de colonização privada
incentivado pelo governo militar e que possui atualmente mais de 4 milhões de hectares na Amazônia, em sua maioria
improdutivos. Foto de 2002

DICA
A revolução verde é um conjunto de mudanças técnicas na produção agrícola que configuram a grande
articulação entre agricultura e indústria. Essas inovações são o uso de sementes selecionadas, adubos químicos
e agrotóxicos, assim como intensa mecanização no preparo do solo, no plantio e na colheita. O objetivo dessa
revolução, que foi alcançado, era aumentar a produtividade por área cultivada.
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi responsável por esse programa, iniciando sua implantação no
mundo na década de 1960 e gerenciando os interesses das grandes empresas multinacionais envolvidas na
produção agropecuária.
Hoje a ONU faz uma autocrítica sobre as consequências ambientais e econômicas desse modelo agrícola.
Os danos ao meio ambiente passam por poluição do solo e das águas subterrâneas e dos rios, atingindo
animais e seres humanos no que diz respeito à mudança de hábitos alimentares e, em muitos casos, prejudicando
a saúde.
A substituição dos trabalhadores por máquinas gerou desemprego e, portanto, impulsionou o êxodo rural,
desestruturando as economias dos países pouco desenvolvidos que não haviam realizado uma reforma agrária
e que, além disso, se endividaram para implantar esse modelo.
Desde 1980 os movimentos dos camponeses têm apresentado alternativas à revolução verde, propondo, por
exemplo, uma prática voltada para a agricultura orgânica, que respeita o equilíbrio ecológico do solo em sua
ligação com os outros elementos da natureza e busca a reutilização de sementes crioulas. Muitas ONGs ligadas
a questões ecológicas e ambientais divulgam e tentam abrir mercado para os produtos orgânicos.
22 Geografia

CONEXÃO

O ESTATUTO DA TERRA DE 1964


Somente a partir de 1964, já no perío‑ Grau de concentração de terras
do dos governos militares, foi criado um no espaço geográfico brasileiro – 2000
critério para a classificação das proprieda‑ 0 620 N

des rurais. O Estatuto da Terra surgia RR Quilômetros


AP
como uma medida para serenar os ânimos
Equador

no meio rural, pois a grande concentração


da propriedade da terra já provocava AM MA CE
PA RN
intensos embates entre os proprietários PB
PI
rurais e os sem‑terra. Segundo o estatuto, AC AL
PE
RO TO
as propriedades podiam ser classificadas BA
SE
MT
como pequenas, médias e grandes, de
DF
acordo com o módulo rural estabelecido GO
para cada região. Um módulo rural, de MG
ES
acordo com esse documento, é uma área MS
SP
com capacidade de produção adequada pricórnio
RJ
Trópico de Ca
para sustentar uma família de quatro OCEANO
PR
OCEANO ATLÂNTICO
pessoas adultas. PACÍFICO SC Grau de concentração da terra

O Estatuto da Terra previa também o RS baixo


médio
estabelecimento da reforma agrária alto

como uma mostra de modernização da muito alto

área rural no Brasil, o que de fato nunca Fonte: Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
aconteceu, pois a redistribuição das
terras precisa ser acompanhada de uma Grau de modernização
do espaço rural brasileiro – 2000
política agrícola que permita ao peque‑

Cartografias: Figurativa/Acervo da Editora


no produtor comprar sementes, máqui‑ 0 620 N
nas e insumos agrícolas. As políticas RR Quilômetros
Equador
AP
adotadas pelo Estado brasileiro quase
sempre privilegiaram os grandes expor‑
tadores e latifundiários. AM MA CE
PA RN
Muitos autores consideram que o PB
PI
Estatuto da Terra foi uma reforma agrá‑ AC
PE
AL
ria às avessas, pois, além de privilegiar o RO TO SE
MT BA
grande proprietário, dificultou o emprés‑
DF
timo bancário aos pequenos. O incentivo GO
OCEANO
à exportação fez a produção de alimen‑ ATLÂNTICO
MG
tos para consumo interno também MS ES
SP
diminuir e, consequentemente, itens pricórnio
RJ
Trópico de Ca
básicos da alimentação do brasileiro, OCEANO
PR Grau de modernização
dos espaços agrícolas
como arroz, feijão e mandioca, tiveram PACÍFICO SC mais baixo
baixo
seus preços elevados pela menor oferta RS médio
no mercado interno. Observe os mapas alto
muito alto
abaixo, que mostram a distribuição das
terras no Brasil. Fonte: Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
MÓDULO 9 23

O vínculo entre projetos de colonização, cons‑ tendência do Desenvolvimento do Nordeste),


trução de estradas e modernização de latifúndios a Sudam (Superintendência do Desenvolvi‑
foi a tônica do período militar. Os empresários e mento da Amazônia) e outras.
industriais do Centro‑Sul passaram a comprar gran‑ • Financiar a expansão da agricultura para os
des propriedades de terra no cerrado, configuran‑ “espaços vazios” do Brasil, no caso, os cerra‑
do, assim, uma nova face de latifundiários: não dos do Centro ‑Oeste, a Amazônia e o
eram mais os antigos senhores de terra os donos Nordeste.
dos latifúndios improdutivos, mas os industriais • Investir na comercialização e na transforma‑
modernos. ção tecnológica do setor agrícola, com a
A política colocada em ação pelo governo militar construção e o melhoramento de estradas,
consistiu em cinco grandes eixos: portos, barragens para produção de energia
• Viabilizar a internacionalização e a aceleração hidrelétrica e outros investimentos em infra‑
do processo de industrialização do país, o que estrutura e em pesquisas agrícolas.
acabaria refletindo na questão agrária.
• Fornecer crédito bancário de acordo com o O poder público acabou desapropriando várias
tamanho da propriedade. Assim, quem pos‑ famílias com essas iniciativas. Os eixos da política
suía as maiores propriedades obtinha crédito agrária militar mexeram com a sociedade e, eviden‑
com mais facilidade. Como não havia fiscali‑ temente, com o território brasileiro. Foi um plano
zação sobre o uso dos créditos, estes serviam voltado exclusivamente para interesses econômicos,
para adquirir mais propriedades, aumentan‑ que trouxe como consequências o incremento da
do, consequentemente, a expropriação de produção capitalista no campo e o deslocamento de
posseiros e pequenos agricultores. famílias camponesas. Ou seja, o Estado, ao tomar a
• Promover uma política de incentivos fiscais direção de expandir e ocupar as fronteiras agrícolas,
para projetos de colonização e agropecuários, introduziu cada vez mais a lógica capitalista, em
com o objetivo de aumentar a produção. Para detrimento da camponesa, expulsou camponeses e
intermediar os projetos e os incentivos, foram favoreceu a transformação de terra de trabalho em
criadas instituições como a Sudene (Superin‑ terra de exploração .

CONEXÃO

TERRA DE TRABALHO E TERRA DE EXPLORAÇÃO


A 18a Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, realizada em 1980, aprovou
o documento A Igreja e os problemas da terra, que mudou a interpretação da questão agrária
brasileira.
Nele os bispos defendem que a terra deve pertencer a quem nela trabalha, e não a quem
a utiliza para especular e explorar os outros, e apresentam os conceitos de “terra de explora‑
ção” e “terra de trabalho”.
“Terra de exploração” é aquela apropriada pelo capital para crescer continuamente, para
gerar sempre novos e crescentes lucros. “Terra de trabalho” está diretamente relacionada com
a propriedade familiar, tribal, comunitária e de posse, formas alternativas à propriedade
capitalista.
O documento expressa, ainda, a ideia de trabalho comunitário e faz uma opção radical
pelos pobres da América Latina.
Há trinta anos, com as consequências da revolução verde, essa era uma possibilidade para
o resgate da cidadania dos camponeses.
24 Geografia

Faça parte

1. Atualmente, existem formas de apropriação comunal da terra diferentes


daquela adotada pelas sociedades indígenas.
Com o seu grupo, pesquise sobre essa forma de apropriação no Brasil e
no mundo hoje. É fundamental que vocês coletem informações sobre os
kibutz de Israel e os faxinais do Sul do Brasil.
Discutam sobre a possibilidade de estender as experiências pesquisadas
para a região em que vocês moram.
Montem um quadro ressaltando os aspectos positivos e negativos dessa
experiência.
2. Como se calcula o preço da terra?
Com o seu grupo, procure descobrir, junto a proprietários rurais, os fatores
que fazem valorizar ou desvalorizar as terras no campo.
Façam um levantamento das terras à venda na região rural do município
em que vocês estão.
Comparem os preços pelos quais estão sendo negociadas com os de terras
de outros municípios, levando em conta as informações obtidas com os
proprietários rurais.
A partir das suas conclusões e das informações obtidas, façam uma repre‑
sentação sobre o valor da terra como bem de consumo e como bem da
humanidade. A representação pode ter a forma de maquete, infográfico,
pôster ou qualquer outra que vocês já conhecem.
3. A turma deve ser dividida em sete grupos, que realizarão uma pesquisa
sobre os problemas e os avanços originados do processo de modernização
crescente pelo qual o Brasil tem passado desde a década de 1950.
Cada grupo se encarregará de um aspecto: ambiental, trabalhista (legisla‑
ção, condições de trabalho etc.), saneamento básico, educação, saúde,
meios e vias de transporte, urbanização (em termos de moradias e quali‑
dade de vida).
Uma importante fonte de dados são os resultados dos censos realizados
pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – www.ibge.gov.
br), comparando as cinco últimas décadas.
Depois de coletar e analisar as informações, cada grupo apresentará em
um seminário suas conclusões.
4. “Zanza daqui,
Zanza pra acolá
Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim
Francisco, Serafim
Vamos embora.”
A música “Assentamento”, de Chico Buarque (1997), faz referência a uma
nova característica das migrações internas no Brasil: se antes observávamos
a saída do homem do campo para a cidade, o contexto atual de formação
de movimentos sociais organizados para lutar pela reforma agrária nos
revela que os sujeitos que incorporam esses movimentos são pessoas que
viveram no campo, migraram para a cidade e agora anseiam voltar ao
campo.
MÓDULO 9 25

Podemos chamar esse fenômeno de “êxodo urbano”, caracterizando‑o


como a inversão dos fluxos migratórios brasileiros? Para responder, faça,
junto com seu grupo, o que se pede a seguir:
a) Pesquisem dados sobre a população rural e urbana do seu estado e do
Brasil com base nos dois últimos censos demográficos realizados pelo
IBGE.
b) Comparem os dados e verifiquem se houve migração da cidade para o
campo ou vice‑versa tanto no seu estado quanto no Brasil e discutam
as possíveis razões para essa migração.
c) Produzam um texto coletivo com as suas conclusões e apresentem‑no
na forma de seminário . (Ver seção Como fazer no final do Módulo.)

5. Organizem um debate. A classe deve ser divida em quatro grupos, e cada


um deve defender os interesses da sua categoria em relação à produção
de transgênicos. Os grupos são estes:
• Grande empresa agrícola
• Pequeno produtor agrícola
• ONG contrária a esse tipo de produção
• Indústria produtora de sementes transgênicas
Cada grupo deverá pesquisar sobre o tema de modo geral e depois apro‑
fundar a pesquisa no segmento que irá representar. Artigos científicos,
estatísticas e declarações de produtores e consumidores serão importan‑
tes para defender cada ponto de vista. O debate terá um mediador que
colocará as regras, elaboradas por ele, no mínimo uma semana antes da
sua realização. Se houver possibilidade, outras classes poderão participar
como ouvintes do debate.

Sua parte

1. O fragmento de texto abaixo, do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho,


apesar de ter sido escrito em meados da década de 1990, não perdeu seu
caráter atual.
“Os dados da produção agrícola mundial mostram que há uma dimi‑
nuição da oferta de alimentos, ao lado de um crescimento da demanda,
que atinge proporções gigantescas. Na maioria dos países desenvolvidos
não mais existem fronteiras agrícolas a expandir. Já o Brasil responde por
uma parcela mínima da produção mundial de grãos, embora detenha pelo
menos 180 milhões de hectares ociosos, segundo dados do Incra. A con‑
centração da propriedade da terra no Brasil é histórica e vergonhosa. [...]
Enquanto [as classes produtoras] impedem que os trabalhadores rurais
possam ter acesso a milhões de hectares improdutivos, o Brasil produz
apenas 70 milhões de toneladas de grãos por safra. O quinto país do
mundo em extensão territorial, privilegiado pela natureza, produz escassos
4% do total mundial de 1,7 bilhão de toneladas [...].”
SOUZA, Herbert de. Terra e fome. In: Folha de S.Paulo, 31 mai. 1996.
26 Geografia

Compare esse texto com o texto inicial da unidade, relacionando o flagelo


da fome, a produção de grãos e as famílias brasileiras à necessidade de
terra para trabalhar.
2. Os termos a seguir referem‑se a momentos e lugares relacionados a três
mercadorias provenientes da atividade agropecuária que são consumidas
na alimentação. Duas delas precisam, antes de chegar à mesa, passar por
transformação e beneficiamento industrial. Identifique essas mercadorias
e elabore um esquema para cada uma delas, indicando o caminho trilhado
desde a origem da produção até a compra para ser usada como alimento
em casa.

feira semanal – caixa de polpa de tomate (tomate e açúcar) longa


vida – pé de alface hidropônico – grande propriedade tecnificada
(monocultura de cana) – usina de cana e álcool – reserva extrativista
(Resex) – pequena propriedade familiar (frutas e hortifrutigranjei‑
ros) – fábrica de papel e celulose – caixa de leite longa vida – peque‑
na propriedade capitalista (atividade hidropônica) – supermercado
– família assentada criadora de seis vacas – fábrica de laticínios –
latifúndio improdutivo – soja transgênica – Embrapa – alqueirão
– legumes orgânicos

DICA
Nem todos os termos serão utilizados para montar o esquema das
três mercadorias e alguns podem ser empregados em mais de um esque‑
ma. Lembre‑se de que certas mercadorias demandam outros produtos e,
por isso, sua produção final pode envolver várias fábricas antes de elas
serem postas à venda (por exemplo, um pacote de 500 gramas de café
moído e torrado possui, além do próprio café, uma embalagem que é
feita de papel).
MÓDULO 9 27

3. Na Inglaterra dos séculos XVI e XVII, a industrialização e a urbanização


foram decorrentes e provocaram grandes transformações no espaço urba‑
no e no rural.
a) Por que os camponeses tiveram de deixar o campo e migrar para as
cidades?

b) Que alteração ocorreu com a propriedade, a posse e o acesso à terra?

4. Compare as diferenças entre o processo de desenvolvimento do capitalismo


na França e na Inglaterra no que diz respeito à estrutura fundiária.

5. Parte dos países capitalistas avançados, como os Estados Unidos e o Japão,


já resolveram a questão de posse, propriedade e acesso à terra. Compare
as políticas de desapropriação e distribuição da terra adotadas por esses
países.

6. Levando em conta as diferentes políticas públicas para a distribuição de


terras e os processos de abolição da escravidão nos Estados Unidos (1862)
e no Brasil (1888), aponte a principal consequência dessas políticas para
as populações negras desses países.
28 Geografia

7. Quais as duas posições apresentadas pelos estudiosos do problema fun‑


diário que possibilitam entendermos a origem da questão agrária no Brasil?

8. A Lei de Terras de 1850 foi um ato importante para a instalação da pro‑


priedade privada da terra no Brasil. Diante desse fato:
a) Quais as principais mudanças, em relação ao período anterior, que essa
lei acarretou?

b) Qual a ligação dessa lei com a política de imigração adotada no país nas
décadas posteriores a ela?

9. Qual comparação entre a posse de escravos e a propriedade de terras é


apresentada neste Módulo?

10. Por que acabar com a escravidão no Brasil e no mundo foi importante para
o capitalismo?
MÓDULO 9 29

11. As muitas tribos indígenas que viviam no Brasil antes do descobrimento


ocupavam determinado território do qual extraíam os recursos necessários
à sua subsistência e onde praticavam diversos rituais sociais. Explique como
era a estrutura da terra desses grupos indígenas.

12. (UFPB) No Brasil, a Lei de Terras de 1850:


a) foi promulgada simultaneamente com a Lei de Sesmarias.
b) tinha por finalidade garantir aos imigrantes europeus e asiáticos o acesso
à terra.
c) possibilitou o acesso à terra mediante a doação de terras devolutas aos
posseiros já residentes no Brasil à época.
d) pretendia estimular a desconcentração fundiária e a agricultura de
subsistência.
e) favoreceu a expansão do latifúndio monocultor baseado no modelo de
plantation.
13. (UFPI) Sobre a estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo
brasileiro, assinale a alternativa correta.
a) A estrutura fundiária apresenta acentuada concentração da proprieda‑
de, decorrente das formas de apropriação das terras, desde o período
colonial.
b) A partir de 1850, com a Lei de Terras, todos os trabalhadores rurais
passaram a ter acesso à terra.
c) A modernização do campo proporcionou a extinção dos contratos de
parceria em todas as regiões brasileiras.
d) Nas áreas de fronteiras agrícolas, todos os trabalhadores rurais possuem
títulos de propriedade da terra.
e) Os boias‑frias são assalariados que trabalham nas propriedades de forma
permanente e com vínculo empregatício.
14. (UERJ) Lei de Terras:
“Art. 1º Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro
título que não seja o de compra. Excetuam‑se as terras situadas nos limites
do Império com países estrangeiros em uma zona de 10 léguas, as quais
poderão ser concedidas gratuitamente.
Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nelas
derrubarem matos ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo [...]
e, demais, sofrerão a pena de dois a seis meses de prisão e multa de cem
mil réis, além da satisfação do dano causado [...].”
Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. In: Coleção das leis do Brasil.

As motivações que originaram a Lei de Terras de 1850 ainda hoje são causa
de conflitos em relação à propriedade rural no Brasil.
Dentre as questões levantadas nos artigos transcritos, aquelas que carac‑
terizam a atual estrutura fundiária no Brasil são:
a) Mercantilização da terra e expulsão de posseiros pobres.
b) Exclusão de grileiros e internacionalização da propriedade.
c) Obrigatoriedade de registro oficial e predomínio de terras devolutas.
d) Instituição de gratuidade nas fronteiras e obrigatoriedade de produção.
30 Geografia

15. (UECE) No Brasil, contemporaneamente, a questão agrária invadiu o debate


popular quotidiano, da mesma forma que os brasileiros aprenderam a
interpretar conceitos anteriormente considerados desconhecidos, tais
como reforma agrária, estrutura fundiária, assentamentos rurais, dentre
outros. Com base na organização do espaço agrário brasileiro, marque a
opção verdadeira.
a) Qualquer discussão sobre a questão da terra no Brasil passa, necessa‑
riamente, pela óbvia constatação de que há, historicamente, uma
desigualdade bastante expressiva na distribuição fundiária do território
nacional.
b) O debate a respeito de projetos políticos, sociais e econômicos no Brasil,
geralmente reservados à elite pensante, priorizou a questão agrária a
tal ponto que, hoje, todas as propostas sobre o desenvolvimento eco‑
nômico e social do país contemplam a distribuição equitativa das terras
entre os trabalhadores rurais.
c) A questão da terra e a imperiosa necessidade de um modelo de reforma
agrária no Brasil fizeram nascer inúmeros movimentos de contestação
da tradicional estrutura fundiária brasileira, a exemplo do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem‑Terra (MST), da União Democrática
Ruralista (UDR) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
d) A constituição de um mercado interno no Brasil na década de 1950,
marcado por atividades econômicas urbano‑industriais, incorreu, neces‑
sariamente, numa mudança de status das classes sociais rurais, todas
inseridas na perspectiva do agronegócio.
e) O governo na Nova República tem respeitado criteriosamente os direitos
do trabalhador rural, executando satisfatoriamente a boa distribuição
das terras, e realizado uma política agrária que privilegia os pequenos
produtores rurais.
16. (Ufes) Identifique a(s) característica(s) comum(ns) aos sistemas agrários
do Japão e dos Estados Unidos:
a) Altos salários, baixa utilização de mão de obra e elevada utilização de
máquinas modernas.
b) Diminuição da produção de hortifrutigranjeiros e intensificação da
pecuária.
c) Predominância de minifúndios cultivados por numerosa mão de obra
familiar.
d) Produção de monoculturas com ampla utilização de tecnologia.
e) Substituição de produtos de exportação por produtos de consumo
interno.
17. (Fuvest) Justifique a seguinte afirmação: “A questão fundiária no Brasil
encontra suas origens no passado e não na falta de terras”.
MÓDULO 9 31

18. Entreviste pessoas com mais de 60 anos sobre como era o Brasil em sua
juventude. Peça‑lhes que comparem a vida daquele tempo com a de hoje.
Pergunte sobre qualidade de vida, as diferenças entre os produtos, as
novidades no que diz respeito aos bens de consumo, transportes públicos
e particulares, lazer, estudos, acesso à informação etc.
Elabore um painel com as respostas mais relevantes de cada entrevista.
Convide algumas dessas pessoas a participar de um debate sobre o tema:
“A qualidade de vida no Brasil ontem e hoje”.
19. A prática da agricultura orgânica ocorre em pequenas propriedades rurais,
com base na agricultura familiar. Como essa proposta pode reduzir o êxodo
rural no Brasil, ajudando a fixar a população no campo?

20. Cite consequências da revolução verde para a transformação da produção


agropecuária brasileira.

21. A relação entre o campesinato e as pequenas propriedades tem sido mar‑


cada por sua expropriação, ou seja, essa parte da população deixa de
possuir a terra na qual trabalha e segue diversos caminhos pelo território
brasileiro. Leia o texto a seguir.
“Vários autores procuram sempre colocar na relação entre os agri‑
cultores e o sistema financeiro a razão fundamental do processo de
expropriação no campo. O motivo para eles é simples: os agricultores não
alcançam preços bons para seus produtos e, portanto, não conseguem o
dinheiro para pagar suas dívidas, o que os leva a ter de vender suas terras
ou entregá‑las ao banco. Esse fato, seguramente, aparece no campo bra‑
sileiro, mas está longe de ser a razão básica da expropriação. Isso ocorre
porque o número de estabelecimentos que conseguem financiamentos
agrícolas é pequeno. [...] Portanto, a realidade nua e crua da agricultura
brasileira é que os camponeses não têm sido contemplados com os finan‑
ciamentos agrícolas do país.”
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Agricultura e transformações recentes.
In: Jurandir L. S. Ross. Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.
32 Geografia

a) Destaque a posição defendida pelo autor.

b) Dentre os cinco eixos de desenvolvimento colocados em prática na


época da ditadura militar no Brasil, qual deles se relaciona com o texto
que você acabou de ler?

22. Há uma polêmica entre autores brasileiros que discutem e apontam alguns
aspectos do atraso em que nosso país se encontra no que se refere aos
avanços proporcionados pela modernização. O que de fato podemos afir‑
mar é que os benefícios da modernização não atingem todos os brasileiros.
Leia o texto a seguir.
“A resistência às forças inovadoras da Revolução Industrial e a causa
fundamental de sua lentidão não se encontram, portanto, no povo ou no
caráter arcaico de sua cultura, mas na resistência das classes dominantes.
Particularmente nos seus interesses e privilégios, fundados numa orde‑
nação estrutural arcaica e num modo infeliz de articulação com a economia
mundial, que atuam como um fator de atraso, mas são defendidos com
todas as suas forças contra qualquer mudança. Esse é o caso da proprie‑
dade fundiária, incompatível com a participação autônoma das massas
rurais nas formas modernas de vida e incapaz de ampliar as oportunidades
de trabalho adequadamente remuneradas oferecidas à população.”
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

a) Em que trechos do texto fica evidente o papel do povo e das classes


dominantes diante da modernização brasileira?

b) Para o autor, quem é responsável pela resistência às mudanças?


MÓDULO 9 33

23. As políticas adotadas para o campo brasileiro nas últimas três décadas,
denominadas por alguns de “modernização conservadora”, tiveram con‑
sequências na vida das pessoas das médias e grandes cidades. De que
maneira essas políticas atingiram a maioria da população brasileira?

24. Com base no exposto no texto desta parte da unidade sobre moderniza‑
ção, é correto afirmar que progresso e desenvolvimento são sinônimos
de benesses? De que maneira desenvolvimento e progresso são apre‑
sentados?

25. Que associação pode ser feita entre a resistência dos camponeses em
deixar a vida no campo e a expansão das fronteiras agrícolas?

26. Quanto à organização do território brasileiro empreendida pelos governos,


que ações ocorridas durante a ditadura militar podem ser equiparadas à
Marcha para o Oeste do período getulista?
34 Geografia

27. (Cefet‑MG) “Atualmente têm sido muitos os debates em torno dos vulgar‑
mente chamados organismos transgênicos. A denominação aceita pela
comunidade científica é organismos geneticamente modificados, também
identificados pela sigla OGMs. A polêmica é mais acirrada no campo dos
alimentos, como a soja e o milho, que são a base de diversos produtos
industrializados.”
BOLIGIAN, Levon; ALVES, Andressa.
Geografia: espaço e vivência. São Paulo: Atual, 2004.

Sobre os alimentos transgênicos, é correto afirmar que:


a) dispensam a adoção de protocolos de biossegurança, porque não trazem
danos ao meio ambiente.
b) permitem solucionar o problema da fome e da subnutrição, a partir do
aumento da produção de alimentos.
c) oferecem maior resistência às pragas naturais, podendo prejudicar
outros elementos vivos do meio ambiente.
d) afastam o perigo da concentração e transnacionalização das indústrias
de sementes, por possuírem baixo valor agregado.
e) são de custo bem menor que os tradicionalmente utilizados.
28. (UFSM) Observe no gráfico os resultados obtidos pela revolução verde.

Arte: Figurativa
Aumento do uso de fertilizantes

Aumento do consumo de cereais

Expansão da superfície cultivada

1960 1970 1980


Fonte: MOREIRA, Igor. O espaço geográfico: geografia geral e do Brasil. São Paulo: Ática, 2002.

A partir de seus conhecimentos e dos resultados demonstrados no gráfico,


é possível afirmar:
I. O principal objetivo proposto pela revolução verde era aumentar a
produção mundial de alimentos e a produtividade agrícola com o uso
intensivo de fertilizantes e de sementes para erradicar a fome no mundo.
II. O aumento do consumo de cereais indica que houve crescimento da
produção agrícola entre 1960 e 1980. Como a superfície cultivada per‑
maneceu estável no mesmo período, é possível concluir que o uso de
fertilizantes resultou no aumento da produtividade.
III. O consumo de fertilizantes deu‑se em ritmo muito mais acelerado que
o consumo de cereais, permitindo concluir que os grandes beneficiários
do processo foram os consumidores e pequenos agricultores.
Está(ão) correta(s):
a) apenas I.
b) apenas I e II.
c) apenas I e III.
d) apenas II e III.
e) I, II e III.
MÓDULO 9 35

29. (UESC) A partir da análise da charge e dos conhecimentos sobre evolução


agrícola mundial, pode‑se concluir que:

COM OS
TRANSGÊNICOS,
ALÉM DOS ... EM BREVE
SEM-TERRA... VAMOS TER OS
SEM-SEMENTES.

a) o aumento da produtividade agrícola, após a Revolução Industrial, está


ligado à ampliação da área de cultivo e ao crescimento da mão de obra
no campo.
b) a revolução verde é responsável pela produção abundante de alimentos
e pelo barateamento dos produtos alimentícios no mercado interno dos
países periféricos.
c) a tecnologia de modificações genéticas em plantas colocou no mercado
grande diversidade de alimentos, erradicando a fome nos países
subdesenvolvidos.
d) a biotecnologia torna os produtos agrícolas mais resistentes aos herbi‑
cidas e pesticidas, fortalecendo o solo e evitando a erosão.
e) a grande produção dos alimentos transgênicos, ou organismos geneti‑
camente modificados (OGMs), aumenta a dependência de insumos
agrícolas, beneficiando os grandes produtores.
30. (UNB‑Modificada) Apesar de o Brasil possuir recursos naturais e humanos
indispensáveis à implantação de uma importante e próspera agricultura,
não faltam distorções, conflitos e degradação ambiental em seu espaço
rural. Com referência à atividade agrícola no país, julgue os itens que se
seguem.
( ) A dimensão de um módulo rural é fixada de acordo com a região e o
tipo de exploração.
( ) A expansão da fronteira agrícola, a partir dos anos 1970, propiciou
uma reforma na estrutura fundiária e uma distribuição mais justa de
terras.
( ) A organização do trabalho nos minifúndios baseia‑se fundamental‑
mente na família, incluindo o proprietário e seus dependentes, que
trabalham sem remuneração.
( ) As grandes propriedades, em geral, orientam as suas atividades para
a produção de gêneros alimentícios como forma de garantir o abaste‑
cimento da maioria da população.
( ) A queimada é uma prática agrícola rudimentar, já erradicada do país.
36 Geografia

31. As características físicas e as condições geográficas do território brasileiro


são extremamente diversas. Para resolver o problema da grande dispari‑
dade existente na adoção de uma unidade fixa de medida para classificação
dos imóveis rurais, foi criada uma medida especial, o módulo rural, deri‑
vado do conceito de propriedade familiar.
Com base nas informações anteriores e em seus conhecimentos, é
correto afirmar que:
a) a área de um imóvel rural próximo a um centro consumidor proporciona
rendimentos menores e exige esforço maior de cultivo, aumentando o
módulo rural.
b) as técnicas tradicionais, como as utilizadas no cultivo da mandioca, por
exemplo, exigem um módulo rural menor, tendo em vista serem ampla‑
mente conhecidas.
c) a propriedade familiar possui dimensões variáveis, dependendo da
localização, da fertilidade do solo, do clima da região e do tipo de pro‑
duto cultivado.
d) a fertilidade do solo é irrelevante para a determinação do módulo rural,
tendo em vista que o clima é o fator mais importante na definição do
cultivo a ser realizado.
e) a agricultura familiar sempre esteve na base das políticas agrícolas
brasileiras, que não estimulam a monocultura e a mecanização.
32. (Vunesp) Examine o mapa a seguir.
Cartografia: Figurativa/Acervo da Editora

Círculo Polar Ártico

Trópico de Câncer

Equador

Trópico de Capricórnio

0 5-000 N
Quilômetros Círculo Polar Antártico

O mapa representa a distribuição das terras férteis do mundo.


“Os países pobres não se desenvolveram porque tinham extensas áreas
de terras férteis.”
A partir da Revolução Industrial, a afirmação entre aspas pode ser consi‑
derada verdadeira ou falsa? Justifique.
MÓDULO 9 37

OS SUJEITOS SOCIAIS DO CAMPO BRASILEIRO


Os sujeitos sociais da área rural recebem várias de, no entanto, a existência de pequenas propriedades
denominações. Optamos, aqui, por apresentar sua com trabalho assalariado e produção tecnificada e
divisão a partir da forma pela qual a terra é apro‑ voltada para a comercialização no mercado, como
priada: capitalista/empresarial e camponesa/fami‑ nos moldes da grande propriedade.
liar. A apropriação capitalista do campo brasileiro A definição de grande, média e pequena proprie‑
está diretamente ligada à obtenção de grandes e dade, porém, varia de acordo com o módulo rural
médias extensões de terra. Há também os pequenos adotado em cada região ou estado. Por exemplo, as
proprietários capitalistas, embora apareçam como médias propriedades do Sul são consideradas peque‑
exceções. nas no Norte.
Mas o que define a apropriação capitalista da Por fim, outro aspecto a ser levado em conta para
terra? O primeiro ponto fundamental para que a entender a apropriação capitalista do campo, que
produção capitalista se estabeleça é o distanciamento aparece como particularidade da questão agrária
dos trabalhadores dos meios de produção, isto é, eles brasileira, refere‑se à própria palavra “apropriação”,
não têm relação de propriedade com as terras que sem nenhuma relação direta com o termo “produ‑
cultivam. Como não possuem terra, capital e instru‑ ção”, ou seja, é possível apropriar‑se de grandes
mentos para produzir, resta‑lhes vender a força de quantidades de terra sem usá‑las para produzir. A
seu trabalho em troca de um salário pago pelo pro‑ terra improdutiva faz parte de um mercado de espe‑
prietário da fazenda. culação imobiliária, podendo ser vendida a um preço
Outra característica da agricultura capitalista é muito superior ao que o proprietário pagou na com‑
a produção voltada unicamente para a comercializa‑ pra, gerando lucro.
ção no mercado interno ou externo, impulsionada Essas grandes áreas de propriedade particular
pelo desenvolvimento de tecnologias. em que, por opção de seu dono, não se cultiva
A noção de quantidade de terras também é nenhuma espécie de produto alimentício nem se
importante para definir a apropriação capitalista da criam animais são chamadas de terras ociosas. É
terra. As grandes propriedades possuem mais de 1 000 importante ressaltar, no entanto, que não podem
hectares de terras; as médias oscilam entre 100 e ser consideradas terras ociosas as áreas improdutivas
1 000 hectares; e as pequenas, entre 2 e 100 hectares. ou impossibilitadas de produzir por causa da inca‑
Como já vimos, geralmente os investidores capitalistas pacidade da fertilidade do solo ou aquelas sob pro‑
compram grandes e médias fazendas. Isso não impe‑ teção ambiental.

DICA
A unidade de medida de superfície agrária mais utilizada pelo governo federal é o hectare,
que corresponde a 10 000 metros quadrados, mais ou menos a área de um campo de futebol.
Usa‑se o hectare como convenção para medir as propriedades principalmente na região Sul e
nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
O alqueire equivale a 24 200 metros quadrados e é bastante usado pelos grandes fazendeiros,
sobretudo em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O alqueirão, que corresponde ao dobro do
alqueire, ou seja, 48 400 metros quadrados, é muito empregado em Goiás e na região Norte.
Há tradições culturais em todo o Brasil para mensurar a terra.
Citamos apenas os termos mais usuais nas regiões, mas isso não significa que no Sul não
exista fazendeiro que empregue o termo alqueirão.
38 Geografia

Foto: Delfim Martins/Pulsar Imagem


Colheita de café em grande propriedade tecnificada. Matão, São Paulo. Foto de 1996

CONEXÃO

MÓDULO RURAL
Derivado do conceito de propriedade familiar, módulo rural é uma unidade de medida, expressa em hectares,
que busca exprimir a interdependência entre a dimensão da área, a situação geográfica dos imóveis rurais e as
condições de seu aproveitamento econômico. O conceito de propriedade familiar é, assim, fundamental para
entender o significado de módulo rural.
Segundo o artigo 4o, inciso II, do Estatuto da Terra (Lei no 4.504/1964), propriedade familiar é “o imóvel rural
que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho,
garantindo‑lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e
tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros” (Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Disponível em: <www.mda.gov.br>. Acesso em: 3 mar. 2010).
O módulo rural representa a dimensão de uma propriedade familiar com capacidade de gerar boas condições
de vida a uma família de quatro pessoas adultas. No entanto, essa dimensão varia, segundo três fatores que
podem privilegiar o proprietário:
• localização: se o imóvel rural se localiza próximo a um centro urbano, em região bem atendida pelo sistema
de transportes, ele proporciona rendimentos maiores do que um imóvel mal localizado e, portanto, terá
uma área menor;
• fertilidade do solo e clima da região: quanto mais propícias as condições naturais da região, menor a área
do módulo;
• tipo de produto cultivado: em uma região onde se cultiva arroz, por exemplo, sem utilização de tecnologias
avançadas, o módulo rural deve ser maior do que o de uma região em que se cultiva o mesmo produto,
mas com condições naturais, geográficas e tecnológicas melhores.
Dessa forma, o módulo rural não é uma unidade de medida precisa, variando de região para região e de
situação para situação. Por exemplo, no estado de São Paulo, sua dimensão oscila, geralmente, entre 8 e 20
hectares e, em algumas regiões do Norte, pode chegar a 100 hectares.
MÓDULO 9 39

Neste ponto, cabe refletir sobre algumas ques‑ listas, que podem estar organizados indivi‑
tões. Até que ponto grandes extensões de terra podem dualmente ou em grupos econômicos, nacio‑
ficar sem produzir alimentos para a sociedade? Se nais ou estrangeiros, de origem comercial,
todas elas estivessem produzindo, haveria maior industrial ou financeira.
quantidade de alimentos e, portanto, a um preço No entanto, é importante estarmos cientes
menor para a população? Então, a sociedade é pena‑ de que essas duas figuras sociais podem
lizada por essa particularidade da questão agrária explorar a terra de diferentes formas, que
brasileira? Se existem muitos documentos oficiais, são: os latifúndios improdutivos, à espera de
inclusive a Constituição federal, que penalizam a especulação imobiliária; a empresa rural
apropriação de terras quando não voltada para a moderna e agroindustrial, com a utilização
produção de alimentos, por que esse quadro não é de alta tecnologia, resultando em elevada
revertido por meio de uma reforma agrária? produtividade; e as grandes fazendas que
Quanto aos sujeitos sociais do campo brasileiro, exploram a terra com o uso moderado de
existe hoje uma complexidade de fatos e situações, tecnologia e com trabalhadores assalariados.
mas procuraremos nomear e caracterizar alguns Alguns desses estabelecimentos muitas vezes
deles. burlam as leis, transformando os trabalha‑
O segmento da sociedade rural que se apropria dores rurais assalariados no segmento da
de forma capitalista da terra pode ser classificado população economicamente ativa brasileira
como se segue: com a menor faixa de renda. Segundo o
• Grande proprietário capitalista – há duas último Censo Agropecuário do IBGE (2006),
categorias. Uma delas é a das oligarquias a estrutura fundiária brasileira se manteve
regionais, representada por famílias tradicio‑ praticamente inalterada, e os grandes pro‑
nais de certas regiões brasileiras que possuem prietários representam uma parte enorme
vastas áreas e grande poder político‑econô‑ das terras rurais cadastradas. O gráfico e a
mico. Esse tipo de apropriação da terra ficou tabela a seguir deixam clara essa concentra‑
conhecido na literatura como coronelismo . ção das grandes propriedades nas mãos
A outra categoria é a dos investidores capita- desses sujeitos sociais.

CONEXÃO

O “CORONEL”
“Coronel” é o indivíduo que, com sua família, possui grandes extensões de terra em
determinadas regiões. Esse poder econômico representado pela quantidade de terra estende‑
‑se a outros ramos da vida social do lugar, isto é, ele também possui o poder político, social
e jurídico. Político, porque domina os cargos administrativos do município ou dos municípios;
social, porque a maior parte dos moradores da região depende direta ou indiretamente dos
negócios do coronel, respeitando o sobrenome de sua família; jurídico, porque, além de
exercer influência sobre os funcionários da Justiça na região, o coronel “inventa” suas pró‑
prias leis, muitas vezes diretamente opostas às leis institucionais do governo.
O poder do coronel foi muito bem representado pela figura de Sinhozinho Malta na
novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, apresentada em 1985. Uma das frases caracterís‑
ticas dita por essa personagem era “Estou certo ou errado?”, como forma de demonstrar
sutilmente o poder que exercia sobre os moradores do lugar onde se desenvolvia a trama.
Um fragmento da novela pode ser visto no endereço eletrônico www.youtube.com.
Obras da literatura brasileira, como Tieta do Agreste e Gabriela, de Jorge Amado, também
tratam da organização de comunidades sob o poder de um coronel.
40 Geografia

Concentração de terras no Brasil

Arte: Figurativa
Número de estabelecimentos rurais Área dos estabelecimentos

1,0% 2,4%
Menos de 10 ha
8,6%
19,1%
10 a 100 ha
44,4%
40,1% 50,3%
100 a 1 000 ha
34,2%
Mais de 1 000 ha

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 2006.

Concentração de terras: 9,6% das propriedades rurais, em número, ocupam uma área de 78,6% das terras brasileiras.

ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS RURAIS, SEGUNDO O ESTRATO DE ÁREA


Brasil – 1985/2006

Área dos estabelecimentos rurais (ha)

Estrato de área 1985 1995 2006

Total 374 924 421 353 611 246 329 941 393

Menos de 10 ha 9 986 637 7 882 194 7 798 607

De 10 ha a menos de 100 ha 69 565 161 62 693 585 62 893 091

De 100 ha a menos de 1 000 ha 131 432 667 123 541 517 112 696 478

1 000 ha e mais 163 940 667 159 493 949 146 553 218

Fonte: IBGE. Censos Agropecuários 1985/2006.

• Arrendatário capitalista – aluga extensões de nando‑se seu proprietário “legal” com a uti‑
terra de outros proprietários para investir na lização de documentos falsos. As terras geral‑
agropecuária, prática muito comum nos esta‑ mente são negociadas, ou seja, divididas e
dos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, vendidas para outras pessoas. Essa categoria
em que se alugam pastos para pecuária. Não também pode estar representada pela figura
há como o arrendatário capitalista formar um das oligarquias regionais ou dos investidores
latifúndio improdutivo, já que seu objetivo é capitalistas.
produzir para, antes de tudo, pagar o aluguel • Pequeno proprietário capitalista – explora
da área em que investiu seu capital. sua área, que varia de 2 a 100 hectares, de
• Médio proprietário capitalista – dono de forma racional do ponto de vista da utilização
terras com dimensão entre 100 e 1 000 hec‑ de tecnologia e mão de obra assalariada. Pode
tares, pode explorá‑las da forma mais moder‑ produzir principalmente frutas ou produtos
na possível ou, em contraposição, deixá‑las restritos ao consumo das classes com alto
improdutivas, à espera de valorização no poder aquisitivo, processando sua produção
mercado. em pequenas agroindústrias ou explorando
• Grileiro de terra – é o indivíduo que se sua terra com atividades não agrícolas, como
apropria ilegalmente de médias e grandes no caso dos hotéis‑fazenda, pousadas e pes‑
extensões de terra (sobretudo estas), tor‑ queiros (pesque‑pague).
MÓDULO 9 41

CONEXÃO
GRILEIROS DE TERRA
A explicação da palavra “grileiro” ficou imortalizada na descrição feita por Monteiro Lobato em A
onda verde. Neste livro, o grileiro é um sujeito que falsifica documentos de propriedade da terra e coloca‑
‑os em uma gaveta ou caixa de sapato com muitos grilos dentro, deixando‑os aí até ficarem com a apa‑
rência amarelada de velhice por causa da liberação das fezes dos insetos. Ele vai então até a administração
pública e reclama a expulsão de quem está em suas terras apresentando documentos falsos, apossando‑se
delas.
Outra explicação, menos aceita, para o termo “grileiro” está nas artimanhas dos fazendeiros para
roubar pedaços de terra da fazenda vizinha: eles mudavam constantemente as cercas de sua propriedade
invadindo a do outro, como se as cercas fossem dando saltos, como fazem os grilos.
Hoje há também o chamado “grileiro moderno”, que suborna os funcionários dos cartórios de registros
de imóveis responsáveis pela emissão de documentos de propriedade para conseguir títulos “legais” de
propriedade.
Existe atualmente na Justiça um caso de grilagem de cerca de 7 milhões de hectares na Amazônia no
nome de apenas uma pessoa.

A apropriação camponesa (ou familiar) caracte‑ A propriedade ou apropriação da terra é feita


riza‑se pela utilização de pequenas extensões de terra, de forma familiar, ou seja, o proprietário ou o indi‑
que variam de 2 a 100 hectares. A característica prin‑ víduo que aluga uma pequena parcela de terra tem
cipal desse tipo de apropriação do campo, no entan‑ a intenção de colocá‑la para produzir com seu próprio
to, são as formas como os sujeitos sociais se organizam trabalho e o de sua família. Assim, afora algumas
econômica, política e culturalmente. exceções, essas famílias não exploram o trabalho de
Foto: Douglas Mansur

Família de sem‑terra em 1988, no acampamento Inácio Martins, Paraná


42 Geografia

outras pessoas, isto é, não utilizam a mão de obra do palavra e na prática do respeito mútuo entre
trabalhador assalariado, gerando a chamada econo‑ as pessoas da comunidade. Por exemplo, a
mia de subsistência familiar. negociação da venda ou compra de produtos
Essa forma de organização econômica lhes pos‑ entre parentes, compadres e vizinhos não é
sibilita uma relativa independência do mercado, uma baseada na lei, mas sim na confiança na pala‑
vez que produzem alguns alimentos necessários à sua vra entre os negociadores (em geral, para
sobrevivência e comercializam o excedente com a efetivar essa relação, é usada a expressão “fio
intenção de obter rendimentos para adquirir outros do bigode”).
produtos de que necessitam. • Manifestações culturais: normalmente, têm
Outro aspecto essencial para caracterizarmos forte conteúdo religioso, como as festas juninas.
esses sujeitos é a sua estrutura interna de organização • Mobilização política: os camponeses costu‑
sociocultural. Geralmente os camponeses residem mam ter grande capacidade de se mobilizar
próximos uns dos outros, formando comunidades ou contra as ações dos grandes proprietários
bairros rurais rodeados de pequenas propriedades, rurais ou dos governos que os prejudicam.
apresentando as seguintes particularidades: Tais características são fundamentais para enten‑
• Relação íntima com a terra: todos têm conhe‑ der as sociedades camponesas não apenas do Brasil,
cimento dos ciclos da natureza e das técnicas mas do mundo.
de produção e consciência de que essa terra Esses sujeitos sociais estão espalhados pelo terri‑
é o lugar de morada, de produção de alimen‑ tório brasileiro em diferentes situações e recebem
tos, de reprodução social e de herança da diversas denominações, como:
família. • Pequeno proprietário familiar – possui o
• Prática da ajuda mútua: em momentos espe‑ título de propriedade da terra onde habita e
cíficos, por exemplo, na época de colheita ou trabalha com sua família na produção.
de construção de uma casa para recém‑ • Parceiro – por não possuir terras para plantar,
‑casados, a comunidade se reúne para ajudar apropria‑se de pequenas parcelas de terra
sem nada cobrar pelo tempo de trabalho com o consentimento do proprietário,
gasto. mediante pagamento. Os parceiros também
• Trabalho acessório: principalmente nos perío‑ podem receber as seguintes denominações:
dos de entressafra e em momentos de crise meeiros, que dividem ao meio toda a sua
financeira, integrantes das famílias se veem produção agropecuária com o proprietário
obrigados a trabalhar em outro lugar, como como forma de pagamento pela terra utiliza‑
forma de manter o sustento de seus familiares. da; porcenteiros, que dividem em porcenta‑
É o caso, por exemplo, dos migrantes tempo‑ gens preestabelecidas toda a produção ou
rários do Sertão nordestino ou do norte de todos os rendimentos provindos da terra
Minas, que deixam seus sítios e sua família cedida pelo proprietário; e rendeiros ou
para trabalhar, no campo ou na cidade, na pequenos arrendatários, que alugam peque‑
região Sudeste. nas áreas de terra e pagam em dinheiro o
• Relações de parentesco, vizinhança e compa- preço combinado com o proprietário da terra
drio: são as relações com os familiares espa‑ assim que obtêm os primeiros rendimentos
lhados na mesma comunidade, os relaciona‑ com a produção.
mentos de amizade na vizinhança e os • Posseiros – são pequenos produtores campo‑
vínculos que ultrapassam a condição de ami‑ neses sem ‑terra que, com sua família, se
zade e vizinhança, ou seja, entre compadres. apropriam de pequenas parcelas de terra sem
• Direito costumeiro: as relações sociais e eco‑ possuir o título de propriedade ou sem a
nômicas fundamentam‑se na confiança da concessão de uso da área pelo proprietário.
MÓDULO 9 43

Costuma‑se chamar de “abertura de posse” Existem outros sujeitos sociais que compõem e
quando o posseiro e sua família ocupam áreas caracterizam o campo, mas não possuem nenhuma
improdutivas de propriedade privada ou do relação com a apropriação da terra. São eles: os
Estado para produzir alimentos para a subsis‑ assalariados rurais, que trabalham em troca de um
tência familiar. Há grande quantidade de salário mensal na fazenda do patrão; os boias‑frias
posseiros na região Norte e nas zonas de (volantes), empregados temporários (diaristas) nas
fronteira agrícola. épocas de colheita; os acampados, contestadores
• Assentados de projetos de reforma agrária sociais pela reforma agrária, que muitas vezes passam
– constituem um segmento específico do anos acampados à espera do assentamento; os jagun‑
campo brasileiro atualmente. Apropriam‑se ços, que, principalmente nas regiões Norte e
de pequenas parcelas de terra com sua famí‑ Nordeste, trabalham para os grandes fazendeiros na
lia após um processo de luta por sua posse, realização de serviços escusos e violentos contra os
obrigando o Estado a desapropriar ou ceder oponentes políticos de seu patrão; e os peões, que
áreas próprias para o assentamento das famí‑ não têm nada a ver com o peão de rodeio, mas sim
lias. Os assentados não possuem o título de com formas de escravidão branca, ou seja, peonagem
propriedade privada da terra, mas sim um é o sistema utilizado por muitos fazendeiros para
termo de concessão de uso expedido pelo transformar, por diversos meios, o trabalhador em
governo federal, com a possibilidade de rece‑ devedor, na medida em que este nunca consegue
berem o título definitivo após o pagamento pagar o patrão, trabalhando apenas em troca de
do lote de reforma agrária, o que pode demo‑ comida, sem nenhuma possibilidade de deixar a
rar até 23 anos. fazenda para tentar obter o dinheiro de outra forma.
• Quilombolas – são famílias de descendentes Há ainda grande quantidade de sujeitos sociais na
de africanos que residem em áreas de antigos área rural que recebem denominações que variam de
quilombos da época da escravidão. acordo com a região ou estado e uma diversidade de
Organizam a produção de forma análoga à situações que os caracterizam, tornando‑se difícil expli‑
produção camponesa: cada família com sua citar todas elas. Acreditamos, no entanto, que todos os
parcela de terra própria, mas vivendo em sujeitos do campo, independentemente de sua denomi‑
comunidade. nação, encaixam‑se nos segmentos aqui representados.
Foto: Douglas Mansur

A mesma família da foto anterior,


em 2003, agora no assentamento
José Dias, Paraná
44 Geografia

Faça parte

1. Leia o texto a seguir e faça as atividades propostas.


Velhas e novas fronteiras agrícolas
O Brasil tem 850 milhões de hectares de território; destes, calcula‑se
que 350 milhões são agricultáveis. Hoje, temos algo em torno de 63
milhões de hectares com áreas de lavoura, 22 só de soja, um mundo de
soja. Cana deve ter alcançado 8 milhões já em 2007, um crescimento de
25% em menos de dois anos. Entretanto, o mais impressionante é que
temos algo como 211 milhões de hectares em pastagens extensivas. Com
pouco mais de 200 milhões de cabeças, dá um boi por hectare. Um luxo
em qualquer lugar onde a civilização humana tenha se instalado neste
nosso planeta. Produz‑se gado assim porque há terra disponível para isso
e porque o preço da terra, até bem pouco tempo, manteve‑se em níveis
baixos o suficiente.
Aí entra o tema da fronteira agrícola e do desmatamento. A derrubada
da floresta e a ampliação da fronteira têm quatro fatores de estímulo
econômico principais: a madeira, que se extrai e se vende a preços cada
vez mais atraentes; a pecuária, que normalmente entra em seguida à
derrubada para a ocupação da área; a lavoura, que muitas vezes substitui
a pecuária; e a terra, porque ninguém é bobo e continua sendo uma
importante forma de reserva de valor, antes mesmo de ser capital. Explico‑
‑me sobre essa última afirmação. Terra tem funcionado neste país como
reserva de valor, muito mais do que como um recurso produtivo (capital).
Se assim não fosse, não teríamos uma relação de 1/4 de lavoura para 3/4
de pecuária extensiva. Quando a terra se torna atrativa para a produção
agrícola (porque a demanda, os preços e as políticas justificam isso), ela
se valoriza e tende a transitar da condição de patrimônio para a de capital
(terra como meio de produção para a criação de mais valor).
Os 211 milhões de hectares de pastagens são, pelo menos em parte
(e uma parte grande), patrimônio que atua fracamente como capital. A
média de um boi por hectare revela uma muito baixa produtividade dessa
terra. É terra mal empregada, mal aproveitada, e só existe assim porque
a pressão dos preços e a ausência de políticas não promovem a transição
efetiva da terra‑patrimônio para a terra‑capital.
Aqui voltamos para o tema da fronteira agrícola e do desmatamento.
Lá na fronteira, que hoje é basicamente a gigantesca área da Amazônia
Legal, há atrativos econômicos maiores que os atrativos encontrados nos
tais 211 milhões de hectares de pastos (terra, madeira). Pergunta: onde
estão as políticas de estímulo ao melhor uso da imensidão de terra com
produção pecuária de tão baixa produtividade? Por que não atrair o
investimento para essas áreas criando alternativas mais estimulantes para
lavouras e pecuária mais produtivas (produtividade física, por hectare)?
De fato, competir com os atrativos da fronteira não é fácil. Mas o
capital vai para onde lhe parece mais atraente. Evidentemente que difi‑
cilmente o avanço da fronteira na floresta seria evitado pelo estímulo à
reincorporação das áreas de pastagens a uma nova agricultura (incluindo
MÓDULO 9 45

aí a pecuária), mas isso ajuda. Na fronteira agrícola, na derrubada da


floresta, o que falta mesmo é a presença do Estado, que hoje fala e regu‑
lamenta muito, mas infelizmente ainda faz muito pouco.
Há área e tecnologia de sobra no Brasil para ampliarmos a produção
de produtos agrícolas, sejam estes alimentos ou matérias‑primas (inclusive
matéria‑prima para produção de biocombustíveis). A questão da alta
mundial dos preços agrícolas, causada por aumento de demanda por
alimentos e por matérias‑primas (como o caso do milho nos EUA), mas
também por especulação, joga pressão sobre todas as fronteiras agrícolas
do planeta.
É preciso entender que há dois tipos de fronteira: a que ainda não foi
e a que já foi incorporada à produção. Pois é, no nosso caso, temos uma
vasta área pseudo‑ocupada pela pecuária que é, na prática, uma frontei‑
ra. Uma fronteira a ser reocupada, mas desta vez com um uso mais pro‑
dutivo, sustentável e definitivo. A pressão de demanda por alimentos é
uma curva crescente, por vezes inflexionada para baixo, ou para cima. No
longo prazo, ela só cessará de crescer quando a população do planeta se
estabilizar no tamanho e no acesso generalizado e suficiente de todos os
habitantes aos alimentos. Enquanto isso, precisamos usar melhor nosso
precioso recurso chamado terra, não apenas maltratado, como também
mal aproveitado.
Sergio Salles Filho é pesquisador do Departamento de Política Científica e
Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Disponível em:
<www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje>. Acesso em: 15 nov. 2009.

a) Com base no texto apresentado e em outros materiais, defina com seu


grupo o significado de “fronteiras agrícolas”.

b) Hoje, as culturas de caráter comercial, relacionadas a grandes empresas


agrícolas, como as produtoras de soja e de cana‑de‑açúcar, estão pre‑
sentes em diversos municípios do Brasil. Pesquisem as regiões brasileiras
onde tais culturas mais se desenvolvem e relacionem‑nas à noção de
fronteira agrícola.
c) No Brasil, as culturas da soja e da cana‑de‑açúcar vêm ocupando terras
antes ocupadas por pastagens, provocando o avanço da fronteira agrí‑
cola. Discuta com os colegas as consequências das novas fronteiras que
se estabelecem nesse processo.
d) No texto, o autor propõe alternativas para evitar o desmatamento da
Amazônia Legal para a abertura de novas terras. Identifique e analise a
proposição do autor e produza um texto coletivo, discorrendo sobre
sua viabilidade.
46 Geografia

Sua parte

1. Pesquise em jornais e revistas de sua região manifestações políticas de


pequenos produtores, assalariados rurais, posseiros e boias‑frias.
Analise suas reivindicações e a posição do governo e dos empregadores a
respeito da manifestação.
Produza um texto sintetizando as informações da sua pesquisa.
A classe toda, junta, deverá organizar um painel com os trabalhos de todos
os alunos sobre o tema “Mobilização política em torno da questão
agrária”.

2. Com base no entendimento de módulo rural, justifique a seguinte afirma‑


ção: “As propriedades médias do Sul são consideradas pequenas no Norte”.

3. Tanto o segmento dos camponeses como o dos empresários do campo são


formados por vários sujeitos sociais e suas classificações têm relação com
o modo de apropriação da terra. Levando em conta que o campesinato é
classificado pelo viés cultural, responda:
a) Quais as várias denominações dos camponeses no Brasil no que diz
respeito à apropriação da terra?

b) Quais as particularidades socioculturais referentes à estrutura interna


do campesinato?
MÓDULO 9 47

c) Indique os outros sujeitos sociais que são característicos do campo no


Brasil e que não têm relação com a apropriação da terra.

4. (PUC‑MG) Observe os dados a seguir.

TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL: CASOS REGISTRADOS

Estado Município Trabalhadores

AP Porto Grande 199

GO Perolândia 39

GO Santa Rita do Araguaia 8

MA Miramar do Norte 31

MG Poços de Caldas 46

PA Santana do Araguaia 50*

PA Banach 21

PA Santa Maria das Barreiras 62*

PA Sapucaia 33

PA Água Azul do Norte 27

PA Eldorado dos Carajás 30

* Presença de menores.

Fonte: Comissão Setor de Documentação Pastoral da Terra. Almanaque Abril 2000. São Paulo: Abril,
2000.
A partir da análise das informações, estão corretas as seguintes conclusões
sobre o trabalho escravo ou peonagem no Brasil, exceto:
a) A ocorrência de trabalho escravo está relacionada à necessidade de
mão de obra em grandes projetos agropecuários na Amazônia Legal.
b) Embora concentrada, a ocorrência de trabalho escravo não se limita a
uma região ou estado.
c) O “gato” ou empreiteiro é figura central no aliciamento de trabalhadores,
principalmente sulistas, mediante promessa de trabalho e salários
compensadores.
d) A escravidão do peão se explica pela inexistência de contratos escritos,
o que acaba por torná ‑lo prisioneiro na fazenda pelas dívidas
contraídas.
48 Geografia

5. (Fuvest) Assinale a alternativa que indica a atividade e os eixos de expansão


representados pelas setas 1 e 2.

Cartografia: Figurativa/Acervo da Editora


Equador

o
Capricórni
Trópico de
2

0 570 N
Eixos de expansão
Quilômetros

a) Fronteira agrícola:
1 – para MS/MT e RO.
2 – para o Paraguai, através dos “brasiguaios”.
b) Fronteira de mineração:
1 – para Serra Pelada.
2 – para o rio Madeira e Pantanal.
c) Indústria alimentar:
1 – da região Sul para a região Norte.
2 – da região Sul para o Paraguai.
d) Pecuária intensiva:
1 – do RS para MT e GO.
2 – de MS para a Argentina.
e) Pecuária extensiva:
1 – do RS para RO.
2 – de SP para MS.
6. (Unicamp) “O posseiro operou como desbravador do território, como
amansador da terra [...]. É frequentemente utilizado para deslocar os
grupos indígenas, para avançar sobre a terra deles, desalojado pelo capital
[...]. O capital, amplamente estimulado pelo Estado, já avança sobre as
terras dos posseiros e terras indígenas.”
MARTINS, José de Souza. In: OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de.
Amazônia: monopólio, expropriação e conflito. Campinas: Papirus, 1997.

O texto refere‑se às relações entre posseiros, índios e empresas capitalistas


no processo de ocupação territorial que ocorre na Amazônia. Com base
nesse texto, responda:
a) O que é fronteira agrícola?
MÓDULO 9 49

b) Como ocorre a sua expansão?

c) Quais são as consequências dessa expansão?

7. (Fuvest) Relacione a modernização da agricultura brasileira:


a) à infraestrutura de transportes no Brasil.

b) à degradação do solo agrícola e à poluição dos recursos hídricos.

8. (FGV) Este agricultor brasileiro mora há muito tempo na área rural e cultiva
a terra, mas não pode obter crédito bancário ou qualquer outro tipo de
assistência agronômica que lhe possibilite aumentar a produtividade de
seu cultivo porque não possui o título de propriedade da terra em que
trabalha.
O texto refere‑se ao:
a) agregado a uma fazenda a quem o dono deu um pedaço de terra ao
redor de sua casa para o plantio e a criação de pequenos animais.
b) grileiro que forjou uma documentação para se apropriar de terras
devolutas.
c) grileiro que se apossou de terras solteiras.
d) posseiro que comercializa pequenos excedentes da produção realizada
pela família.
e) meeiro que com o tempo se tornou proprietário das terras empreitadas.
50 Geografia

9. (Mackenzie) O processo de grilagem, comum nas áreas de conflitos de


terra, caracteriza‑se:
a) pela luta entre posseiros e grileiros que organizam frentes de trabalho
indicadas pelas autoridades da região.
b) pela contratação de jagunços e pistoleiros encarregados de expulsar
posseiros e índios, patrocinada por fazendeiros ou empresas.
c) por uma relação de trabalho entre proprietários e invasores que termina
em violentas lutas originadas pelo não pagamento dos acertos.
d) pela posse indevida da propriedade pelos peões insatisfeitos com os
baixos salários e as péssimas condições de vida.
e) pela violência dos arrendatários das terras ocupadas, que se organizam
politicamente, passando a exigir uma intervenção policial responsável
pelo agravamento dos conflitos.
10. (Unesp) Assinale a alternativa que apresenta uma característica da agri‑
cultura brasileira que provoca êxodo rural.
a) Com a modernização da agricultura, tem diminuído o número de volan‑
tes, principalmente nas áreas canavieiras.
b) A modernização da agricultura tem ampliado o número de empregos
rurais.
c) Os parceiros, arrendatários e pequenos produtores são os mais bene‑
ficiados pelo capital empregado na aquisição de máquinas, adubos e
corretivos.
d) A maioria da população rural não é proprietária da terra em que
trabalha.
e) A modernização da agricultura brasileira tem provocado a melhor dis‑
tribuição da terra agrícola.
11. (UECE) Sobre o espaço agrário brasileiro, marque o correto.
a) Nas pequenas propriedades cultivam‑se mais os gêneros alimentícios.
b) Atualmente as grandes propriedades se voltam, predominantemente,
à produção de milho, mandioca e feijão.
c) Fumo, uva, cana‑de‑açúcar e sisal são produtos típicos de exportação.
d) Com o apoio dos investimentos governamentais, estão desaparecendo
os trabalhadores “volantes”, “boias‑frias” e “peões” nas diversas regiões
brasileiras.
MÓDULO 9 51

A ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA


Em geral, utilizam‑se duas fontes de dados para a interpretação do campo no Brasil: o
Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que faz o levantamento dos
imóveis rurais registrados para fins fiscais, e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), que pesquisa os estabelecimentos rurais distribuídos pelo Brasil. Ou seja, o primeiro
só leva em conta os imóveis com títulos de propriedade privada, e o segundo, além de utilizar
esses dados, abrange os estabelecimentos (unidades produtivas) sem o título de propriedade,
como os sítios dos posseiros, os arrendamentos e as áreas dos parceiros.
Existe entre os estudiosos um contínuo debate em defesa de uma ou de outra fonte. Opta‑
mos pelo Censo Agropecuário do IBGE (1940‑2006), por julgarmos que seus dados são mais
completos. Assim, as tabelas desta unidade, elaboradas pelo professor Ariovaldo Umbelino de
Oliveira, titular do Departamento de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo, não estão
baseadas em dados de propriedade titulada, mas sim nos de todos os tipos de propriedades e
posses da terra no Brasil.
Esses dados são essenciais para interpretarmos a organização da estrutura fundiária no país
e analisarmos o processo histórico que resultou na configuração da área rural brasileira hoje.
A tabela abaixo refere‑se ao número de estabelecimentos rurais, divididos pelas seguintes
classes de áreas: estabelecimentos com menos de 10 hectares, estabelecimentos com área entre
10 e 100 hectares (pequenas propriedades, geralmente com trabalho camponês/familiar), esta‑
belecimentos com área entre 100 e 1 000 hectares (médias propriedades) e estabelecimentos
com área superior a 1 000 hectares (grandes propriedades).
A tabela da página a seguir traz informações sobre a quantidade de terras ocupadas , em
hectares, pelas diferentes classes de áreas.

BRASIL – ESTRUTURA FUNDIÁRIA POR NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS – 1940‑2006

Estratos de área (ha) Menos de 10 10 – 100 100 – 1 000 Mais de 1 000 Total

1940 654 557 975 438 243 818 27 812 1 901 625

1950 710 934 1 052 557 268 159 32 628 2 064 278

1960 1 495 020 1 491 415 314 746 32 480 3 333 661

1970 2 519 630 1 934 392 414 746 36 874 4 905 642

1975 2 601 860 1 898 949 446 170 41 468 4 988 447

1980 2 598 019 2 016 774 488 521 47 841 5 151 155

1985 3 085 841 2 166 424 518 618 50 105 5 820 988

1995‑1996 2 402 374 1 916 487 469 964 47 358 4 836 183

2006 2 477 071 1 971 577 424 906 46 911 4 920 465

Fonte: IBGE. Dados organizados por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (até 1996). A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1995.
Atualizados a partir do Censo Demográfico de 2006.
52 Geografia

CONEXÃO

QUANTIDADE DE TERRAS OCUPADAS


Você sabia:
• que os 52 maiores latifúndios brasileiros possuem quase 12 milhões de hectares, o equivalente a meio
estado de São Paulo ou a três vezes o tamanho da Dinamarca?
• que somente os 20 maiores proprietários rurais têm, juntos, mais de 20 milhões de hectares, ou seja, 20%
das terras agricultáveis do país?
• que as propriedades com menos de 100 hectares produzem 50% dos produtos agrícolas no Brasil, e as
fazendas com mais de 1 000 hectares, apenas 16%?
Fontes: MST e IBGE.

BRASIL – ESTRUTURA FUNDIÁRIA POR ÁREA OCUPADA – 1940‑2006

Estratos de área (ha) Menos de 10 10 – 100 100 – 1 000 Mais de 1 000 Total

1940 2 893 439 33 112 160 66 184 999 95 529 649 197 720 247

1950 3 025 372 35 562 747 75 520 717 118 102 270 232 211 106

1960 5 952 381 47 566 290 86 029 455 110 314 016 249 862 142

1970 9 083 495 60 069 704 108 742 676 116 249 591 294 145 466

1975 8 892 646 60 171 637 115 923 043 138 818 756 323 896 082

1980 9 004 259 64 494 343 126 799 188 163 556 631 363 854 421

1985 10 029 780 69 678 938 131 893 557 164 684 302 376 286 577

1995‑1996 7 882 194 62 693 585 123 541 517 159 493 949 353 611 246

2006 7 798 607 62 893 091 112 696 478 146 553 218 329 941 393

Fonte: IBGE. Dados organizados por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (até 1996). A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1995.
Atualizados a partir do Censo Demográfico de 2006.

O uso da terra no Brasil, ou melhor, a distribuição territorial de tudo que é produzido pela
agropecuária, revela uma série de desigualdades no nosso espaço rural (ver na página a seguir
o mapa Brasil – Uso da terra). Cada região ou estado possui determinados produtos como o maior
expoente de produtividade, como a soja no Centro‑Oeste e no Sul, a laranja no Sudeste, o arroz
no Sul, a mandioca no Nordeste, o rebanho bovino nos estados de Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais e São Paulo etc.
No passado, podia‑se compreender essa distribuição da produção a partir de dois fato‑
res: da ocupação histórica e das condições climáticas e de fertilidade do solo dos diferentes
locais. Dessa forma, era fácil, por exemplo, entender as grandes colheitas de soja e trigo no
Sul do país, já que é uma região de migrantes europeus que tradicionalmente cultivavam
esses cereais em seus países de origem e, além disso, com condições climáticas favoráveis a
seu desenvolvimento.
MÓDULO 9 53

Brasil – Uso da terra (1999)

Cartografia: Kids Produções Gráficas

0 450 N
Quilômetros

Fonte: SIMIELLI, M. E. Geoatlas. São Paulo: Ática, 2000, com base em dados e entrevista de A. U.
Oliveira, 1996‑1999.

Foto: Sílvio Ávila/Folha Imagem

Lavoura de soja transgênica no município de Tupanciretã, na região noroeste do Rio Grande do Sul. Foto de 2003
54 Geografia

Mas como explicar, hoje, a veloz expansão do cultivo de soja nas áreas de cerrado (Centro‑
‑Oeste)? O cerrado, com seu solo ácido, pobre em nutrientes, e seu clima quente, seria, a prin‑
cípio, o último lugar em que um produtor rural investiria seu capital para plantar soja. No
entanto, é comum verificarmos elevados índices de produtividade nessa área, entre os mais altos
do mundo, principalmente nas áreas de cerrado do Mato Grosso.
O primeiro ponto para entendermos essa nova face do campo brasileiro é o avanço cada
vez maior da tecnologia e da biotecnologia voltada para a exploração rural, resultando, por
exemplo, em fertilizantes e adubos que corrigem as deficiências do solo e em sementes selecio‑
nadas e geneticamente modificadas que possibilitam à planta desenvolver‑se em lugares em que
isso apresentaria grandes dificuldades.

DICA
A biotecnologia é a aplicação do desenvolvimento laboratorial de material biológico de plantas
e animais para fins comerciais. Nos últimos anos, esta nova tecnologia vem transformando a agri‑
cultura, com a introdução de sementes ou animais geneticamente modificados e o aumento da
fertilidade dos solos, com a introdução de microorganismos, entre outros exemplos.

Outro aspecto são os investimentos públicos e privados em pesquisas relacionadas à agri‑


cultura. Instituições públicas como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias)
e empresas privadas multinacionais apresentam, a cada ano, novos estudos e resultados a res‑
peito da produção de alimentos. Portanto, passamos por um período de redistribuição territo‑
rial das áreas de cultivo.
Contudo, não devemos esquecer que, apesar de todas as inovações tecnológicas que per‑
mitem à atividade agrícola expandir‑se por todo o Brasil, existe grande quantidade de terras
ociosas, sobretudo nos chamados latifúndios improdutivos.

CONEXÃO

agronegÓcios e inoVaÇões TecnolÓgicas


Os agronegócios, ou agrobusiness, constituem uma rede articulada entre indústria e agropecuária. Esse
setor produz grande quantidade de alimentos industrializados e itens para exportação, assim como matérias‑
‑primas para as indústrias localizadas na zona urbana (químico‑farmacêutica, de vestuário, entre outras) e
energia extraída da biomassa, como no caso da energia gerada pelo bagaço da cana, utilizada nas grandes
usinas sucroalcooleiras e distribuída a municípios vizinhos. A produção e o beneficiamento da cana‑de‑açúcar,
da laranja, da soja e do café, que são os destaques do setor, respondem por aproximadamente 40% do pro‑
duto interno bruto (PIB) do Brasil.
As inovações tecnológicas na agropecuária ampliam a rede de relações industriais e o saber produzido nas
universidades e grandes laboratórios. Por exemplo, o monitoramento das terras por imagens de satélite, intro‑
duzido na década de 1970, permite melhor planejamento do plantio e da colheita. Com esse método de geren‑
ciamento, conhecido como agricultura de precisão, é possível definir a área a ser cultivada em relação ao uso
racional dos insumos a serem aplicados, o que resulta, portanto, em aumento dos rendimentos e evita
desperdícios.
As imagens de satélite são geradas pelo sistema de posicionamento global (GPS – Global Positioning System),
desenvolvido e administrado pelos Estados Unidos. Essa tecnologia tem custo elevado, exigindo sensores, com‑
putadores etc., e também é cobrada uma taxa mensal pela utilização do serviço de satélite. Por esse motivo,
somente os grandes produtores rurais podem ter acesso a essas inovações.
MÓDULO 9 55

A FOME NO BRASIL E NO MUNDO


As discussões realizadas por Josué de Castro (p. 57), ao longo do século XX, infelizmen‑
te ainda estão presentes no Brasil do século XXI. Os resultados obtidos pelo IBGE, em convênio
com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), na Pesquisa Suplementar
da PNAD 2004 sobre Segurança Alimentar, apresenta a seguinte situação:

Em 65,2% dos 51,8 milhões de domicílios particulares brasileiros havia segurança alimentar.
Dentre os 18 milhões com insegurança alimentar, 3,4 milhões foram classificados em situação
de insegurança alimentar grave e 1,6 milhão destes domicílios estavam no Nordeste. Das 14
milhões de pessoas que viviam em domicílios com insegurança alimentar grave, perto de 6
milhões moravam naqueles com rendimento mensal domiciliar per capita que não ultrapassava
65 reais por pessoa. Em todas as regiões, a prevalência de insegurança alimentar foi maior
nos domicílios com pessoas de menos de 18 anos de idade.

Por segurança alimentar e nutricional, o IBGE e o Ministério consideram que ela é a rea‑
lização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quan‑
tidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base
práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam
social, econômica e ambientalmente sustentáveis.
Ao aplicar os dados ao mapa do Brasil, podemos regionalizar a insegurança alimentar no
país. A segurança alimentar dos habitantes das regiões Sul e Sudeste é mais garantida e, à medi‑

Cartografia: Figurativa/Acervo da Editora


Insegurança alimentar Com
segurança
Com insegurança alimentar

alimentar Total Leve Moderado Grave


Brasil 65,2 34,8 16,0 12,3 6,5
Rondônia 70,0 30,0 15,7 10,5 3,9
Acre 40,5 59,4 24,2 20,4 14,8
Amazonas 67,5 32,4 11,8 11,3 9,4
Roraima 31,3 68,7 20,2 32,6 15,8
Pará 45,7 54,3 20,2 20,9 13,2
Amapá 55,8 44,2 16,9 14,1 13,2
Tocantins 53,3 46,7 24,2 14,5 7,9
Maranhão 30,9 69,1 23,2 27,9 18,0
Piauí 36,5 63,5 27,7 25,1 10,8
Ceará 44,2 55,7 20,9 21,3 13,5
R. G. do Norte 39,6 60,4 19,5 27,0 13,9
Paraíba 46,7 53,2 17,4 20,8 15,1
Pernambuco 48,7 51,2 20,3 20,3 10,6
Alagoas 55,3 44,7 15,0 20,4 9,3
Sergipe 73,8 26,1 10,8 11,5 3,7
Domicílios com
Bahia 49,7 50,2 18,0 20,1 12,1
insegurança alimentar Minas Gerais 68,2 31,7 17,3 9,9 4,5
60% a 69% Espírito Santo 71,7 28,3 15,3 8,7 4,3
Rio de Janeiro 71,7 28,3 15,0 9,5 3,7
50% a 59% São Paulo 75,8 24,2 13,6 7,2 3,4
Paraná 74,1 25,9 13,7 8,5 3,7
40% a 49% Santa Catarina 83,2 16,5 10,0 4,5 2,0
R. G. do Sul 75,2 24,8 13,2 7,6 4,0
30% a 39%
Mato G. do Sul 73,9 26,1 12,8 8,3 5,0
20% a 29% 0 540 N
Mato Grosso 66,9 33,1 18,4 10,4 4,3
Goiás 65,4 34,5 18,0 11,6 4,9
16,5% Quilômetros Distrito Federal 75,1 24,9 12,3 8,5 4,1

Disponível em: <mundopd.wordpress.com>. Acesso em: 19 mar. 2010.

Essa pesquisa, divulgada pelo IBGE em 17 de maio de 2006, aponta que 14 milhões de brasileiros sofrem com a fome. Este
contigente, de 7,7% da população, vive em estado de insegurança alimentar grave – famílias que passaram fome pelo menos
uma vez em 90 dias.
56 Geografia

da que nos direcionamos para as demais regiões, os indicadores são menos favoráveis, com
destaque para o Nordeste brasileiro, onde três estados (Maranhão, Piauí e Ceará) apresentam
mais de 60% dos domicílios com insegurança alimentar.
Em escala mundial, pesquisas apontam dificuldades em cumprir as metas visando diminuir
a fome, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação).
Apesar da tendência de diminuição do número de pessoas com fome no planeta, ainda
existem e existirão bolsões de pobreza no mundo, como no sul e norte da África e no Oriente
Médio. Um problema a ser considerado pelos líderes e cidadãos mundiais.

Percentual de população subnutrida na região, em 2015

Cartografia: Figurativa/Acervo da Editora


Círculo Polar Ártico

Trópico de Câncer

Oriente Médio e Leste da Ásia


Norte da África 6%
7%
Equador

América Latina
e Caribe
6%
Sul da Ásia
Trópico de Capricórnio
12%
Sul da África
23%

0 2 450 N
Quilômetros
O mundo não conseguirá atingir a meta de diminuir a fome pela metade em 2015. Nem mesmo em 2030 esse objetivo deve ser
realizado. A informação é da Organização da Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

Número de pessoas subnutridas por região – 1992 a 2030


Arte: Figurativa

300 1990-92 1997-99


2015 2030
250
Milhões de pessoas

200

150 O número de pessoas com fome em países em


desenvolvimento deve cair de 717 milhões hoje para 440
100 milhões em 2030.
50

0
Sul da Ásia Leste da Ásia Sul da África Oriente Médio América Latina
e norte da África e Caribe
Fonte: Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Disponível em: <www.frigoletto.com.br>. Acesso em: 3 mar. 2010.
MÓDULO 9 57

perfil
JOSUÉ DE CASTRO (1908‑1973)

“Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens.”
Josué de Castro

Josué de Castro foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a identificar a fome contemporânea
como fruto de um problema social. Leia os fragmentos abaixo, escritos por ele há mais de 50 anos, e
perceba como o texto pode ser considerado impressionantemente atual.

“Do latifúndio decorre também a existência das grandes massas dos sem‑terra, dos que
trabalham na terra alheia, como assalariados ou como servos explorados por esta
engrenagem econômica de tipo feudal. Por sua vez, o minifúndio significa a exploração
antieconômica da terra, a miséria crônica das culturas de subsistência, que não dão para
matar a fome da família.
O tipo de reforma que julgamos imperativo da hora presente não é um simples expediente
de desapropriação e redistribuição da terra para atender às aspirações dos sem‑terra.
Processo simplista que não traz solução real aos problemas da economia agrária. Concebemos
a reforma agrária como um processo de revisão das relações jurídicas e econômicas, entre
os que detêm a propriedade agrícola e os que trabalham nas atividades rurais.
Precisamos enfrentar o tabu da reforma agrária – assunto proibido, escabroso, perigoso
– com a mesma coragem com que enfrentamos o tabu da fome. Falaremos abertamente
do assunto, esvaziando desta forma o seu conteúdo tabu, mostrando através de uma larga
campanha esclarecedora que a reforma agrária não é nenhum bicho‑papão ou dragão
maléfico que vá engolir toda a riqueza dos proprietários de terra, como pensam os mal
avisados, mas que, ao contrário, será extremamente benéfica para todos os que participam
socialmente da exploração agrícola.
A fome age não apenas sobre os corpos das vítimas da seca, consumindo sua carne,
corroendo seus órgãos e abrindo feridas em sua pele, mas também age sobre seu espírito,
sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta moral. Nenhuma calamidade pode desagregar
a personalidade humana tão profundamente e num sentido tão nocivo quanto a fome,
quando atinge os limites da verdadeira inanição. Excitados pela imperiosa necessidade de
se alimentar, os instintos primários são despertados e o homem, como qualquer outro
animal faminto, demonstra uma conduta mental que pode parecer das mais desconcertantes.
Querer justificar a fome do mundo como um fenômeno natural e inevitável não passa
de uma técnica de mistificação para ocultar as suas verdadeiras causas que foram, no
passado, o tipo de exploração colonial imposto à maioria dos povos do mundo, e, no
presente, o neocolonialismo econômico a que estão submetidos os países de economia
primária, dependentes, subdesenvolvidos, que são também países de fome.”

Disponível em: <http://semiaridobahia.wordpress.com/a‑pobreza>.


Acesso em: 3 set. 2010.
58 Geografia

Faça parte

1. A classe deve organizar‑se em duplas. Cada dupla deverá recolher dados


sobre a produção agropecuária de um ou mais estados brasileiros. Todos
os estados devem ser pesquisados. A pesquisa poderá ser feita nos sites
do IBGE (www.ibge.gov.br) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agro‑
pecuária (Embrapa – www.embrapa.br), em páginas referentes ao estado
e demais endereços eletrônicos encontrados na internet.
Cada dupla sintetizará os dados do estado escolhido, com base nas seguin‑
tes perguntas:
a) Quais são os produtos voltados para abastecer o mercado interno? E
para suprir o mercado externo?
b) Como o capitalismo se instala no meio rural desse estado?
c) O que os camponeses produzem que os diferencia dos produtores
capitalistas?
Coletem imagens dos produtos, das produções e dos sujeitos sociais que
vivem no estado.
Feito isso, os grupos montarão um grande painel do mapa do Brasil com
as informações sobre as produções camponesa e capitalista do campo em
cada estado e com as imagens coletadas. O painel poderá ser exposto para
toda a escola.
2. O avanço tecnológico promoveu o aumento da produção de grãos, mas
não evitou o aumento dos preços dos alimentos. Pesquisem em jornais e
revistas diferentes opiniões a respeito das causas desse aumento. Ao final,
cada grupo deve apresentar os resultados para os demais e discutir os
diferentes pontos de vista.

Sua parte

1. Analisando as tabelas Brasil – Estrutura fundiária por número de estabe‑


lecimentos – 1940‑2006 e Brasil – Estrutura fundiária por área ocupada
– 1940‑2006, relacione o aumento do número de estabelecimentos entre
1940‑2006 ao desenvolvimento da ocupação das terras no território
nacional.
MÓDULO 9 59

2. Comparando apenas os dados dos últimos três censos agropecuários (1980,


1985 e 1995‑1996), o que se pode concluir sobre o número de estabele‑
cimentos e a área ocupada por explorações rurais no Brasil?

3. Nesta parte do Módulo foram utilizados dados de dois institutos ligados


ao Estado brasileiro para interpretar e entender o campo no país.
a) Quais são eles?

b) Quais os critérios usados por esses institutos para levantar as fontes


sobre o campo?

c) Aponte os limites e as dificuldades entre as fontes de dados apresenta‑


das por esses institutos.

4. (UFPE‑Modificado) Leia o trecho abaixo:


“É um tipo de sistema agrícola primitivo, adotado historicamente nos
ecossistemas de floresta tropical, em que o ser humano derruba trecho
da floresta, queimando‑o como preparo da terra para o cultivo de subsis‑
tência, obtendo durante poucos anos (quatro a seis) alimento e, poste‑
riormente, abandonando essa área que se tornou improdutiva. Passa,
então, a ocupar novo trecho de floresta e assim por diante. A área inicial
abandonada, onde se estabeleceu vegetação secundária, após cerca de
vinte anos poderá ser novamente utilizada para o cultivo.”
Essa é a definição do:
a) sistema de plantation.
b) sistema intensivo.
c) sistema de agricultura vazante.
d) sistema de agricultura itinerante.
e) sistema de rotação de culturas.
60 Geografia

5. (UFRJ)

Arte: Figurativa
Em descanso

Em cultivo

Agricultura itinerante Agricultura empresarial

Os esquemas representam dois sistemas agrícolas.


Apresente duas características, uma quanto ao uso da terra, outra quanto
ao objetivo da produção, para:
a) a agricultura itinerante;

b) a agricultura empresarial.

6. (UFG) Observe os gráficos a seguir.


Brasil – Estabelecimentos rurais – 1995‑1996

Arte: Figurativa
(%) Área dos estabelecimentos rurais (%) Número de estabelecimentos
40 60
35 50
30
25 40
20 30
15 20
10
5 10
0 0
Menos 10 a 100 a 200 a 500 a 2 000 ha Menos 10 a 100 a 200 a 500 a 2 000 ha
de 10 ha menos de menos de menos de menos de e mais de 10 ha menos de menos de menos de menos de e mais
100 ha 200 ha 500 ha 2 000 ha 100 ha 200 ha 500 ha 2 000 ha

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 1995‑1996. IBGE. Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

As recentes transformações no espaço agrário brasileiro têm possibilitado


um aumento significativo dos movimentos sociais. Com base na interpre‑
tação dos gráficos, explique a relação existente entre o número e a área
dos estabelecimentos rurais com os movimentos sociais no campo.
MÓDULO 9 61

7. (UFSM) Leia o fragmento a seguir.


“[...] Ênfase na especialização de produtos e práticas agrícolas padro‑
nizadas [...], tecnologias voltadas principalmente à redução das necessi‑
dades de mão de obra; forte dependência de insumos comprados; forte
concentração de renda.” (FAO, 1995)
Assinale a alternativa que não se refere às características do sistema agrí‑
cola descrito.
a) O emprego maciço de adubos, fertilizantes e agrotóxicos contamina o
ar, a água e os solos e torna as pragas mais resistentes, o que tem gerado
grandes desequilíbrios ao meio ambiente.
b) A tecnologia empregada na atividade agrícola aumenta a dependência
com relação à indústria, além de contribuir para os elevados custos de
produção, que inviabilizam sua prática pelos agricultores descapitali‑
zados.
c) O trabalho é realizado pelos membros da família, que, além de produ‑
zirem para o próprio consumo, comercializam o excedente, dinamizando
a economia local e regional.
d) A substituição do trabalho pelo capital, além de desempregar a mão de
obra, é responsável pela concentração da terra, contribuindo para o
êxodo rural e o aumento dos índices de pobreza.
e) A elevada produtividade por área cultivada tem contribuído para aumen‑
tar a oferta de matérias‑primas agroindustriais voltadas sobretudo para
o mercado internacional, o qual é controlado pelas grandes empresas
do setor.
8. (UFRGS) A produção agrícola é diversificada em nível mundial em razão
das distintas condições físicas, econômicas, tecnológicas e culturais das
regiões geográficas. A seguir, no primeiro bloco, são citados quatro sistemas
agrícolas. No segundo bloco, são apresentadas as caracterizações de três
deles. Associe adequadamente as caracterizações aos respectivos
sistemas.
1. Agricultura de jardinagem
2. Agricultura de plantation
3. Agricultura moderna
4. Agricultura ecológica
( ) Predomínio de pequenas ou médias propriedades especializadas na
rizicultura, que adotam técnicas milenares de cultivo e utilizam mão
de obra familiar.
( ) Produção obtida em médias e grandes propriedades altamente capi‑
talizadas, que apresentam alta produtividade em decorrência, entre
outros fatores, da seleção de sementes e da mecanização intensiva.
( ) Produção obtida em pequenas e médias propriedades com mão de
obra familiar, com uso de técnicas de controle biológico e informacio‑
nal, fertilizantes orgânicos e rotação de culturas.
A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para
baixo, é:
a) 4 – 1 – 2.
b) 2 – 4 – 1.
c) 1 – 3 – 4.
d) 1 – 3 – 2.
e) 2 – 1 – 4.
62 Geografia

9. (Unicamp)
“Apenas quando você tiver cortado a última árvore, pescado o último
peixe e poluído o último rio, vai descobrir que não pode comer
dinheiro.”
Fala de um ancião americano citada em Vandana Shiva,
Ecodesenvolvimento, 1989.

Esse texto permite‑nos refletir sobre a necessidade de revisão do atual


modelo de desenvolvimento econômico, mesmo considerando as soluções
técnicas que já foram encontradas na tentativa de superar os problemas
advindos do esgotamento dos recursos naturais.
Com base nessas considerações, responda:
a) Por que o desenvolvimento econômico capitalista está em contradição
com a concepção de preservação dos recursos naturais?

b) Qual é a diferença entre conservação e preservação dos ecossistemas


naturais?

10. Leia o texto a seguir.


“O sistema de produção agrícola estadunidense é um dos mais pro‑
dutivos do planeta, com alto rendimento e exploração intensiva das áreas
agricultáveis. É um sistema que conta com grande aporte de capital, além
de ser tecnologicamente bastante apoiado, o que torna possível aos
Estados Unidos tal desempenho no setor.”
Como é denominado esse sistema de produção? Defina‑o e dê exemplos.
MÓDULO 9 63

11. (Fatec) Atualmente, tem‑se observado que as nações ricas tendem cada
vez mais a utilizar seu solo arável para a produção de alimentos e deixado
para as nações do Terceiro Mundo o uso de seus melhores solos para a
produção de matérias‑primas destinadas ao processamento industrial. A
leitura do texto e seus conhecimentos sobre a economia mundial permitem
afirmar que essa forma de utilização dos solos nos países pobres:
a) é vantajosa, porque incentiva o comércio mundial e possibilita aos
pobres a formação de superávits na balança comercial e a redução de
suas dívidas externas.
b) mostra seu lado perverso, visto que reduz as áreas de cultivos de sub‑
sistência e acentua os problemas de subnutrição e fome da população.
c) promove uma verdadeira revolução agrícola, com divisão de terras,
mecanização e uso de modernos insumos destinados a aumentar a
produtividade e a renda dos trabalhadores rurais.
d) evidencia uma nova divisão internacional do trabalho, mais favorável
porque possibilita às nações pobres participar do processo de indus‑
trialização dos países ricos.
e) é característica marcante do continente africano, que ainda guarda
vestígios do período colonial, mas não se pode generalizar para outras
áreas subdesenvolvidas do mundo.
12. (UEL) A cultura de jardinagem é uma forma de agricultura tradicional,
embora com técnicas mais ou menos aprimoradas (irrigação e adubação),
cuidados bastante especiais em relação aos vegetais e ao solo e boa pro‑
dutividade por hectare. Esse sistema agrícola é encontrado principalmente:
a) no Nordeste dos Estados Unidos.
b) nas áreas de cerrado do Brasil Central.
c) nas planícies da Rússia e Ucrânia.
d) no Sul e Sudeste da Ásia de Monções.
e) no leste da Austrália e Nova Zelândia.
64 Geografia

REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL:


UMA PEQUENA HISTÓRIA CRÍTICA
Como vimos, os problemas da área rural brasi‑ o estabelecimento dessas leis, cada cidadão brasileiro
leira arrastam‑se por várias décadas. Por isso, a reivin‑ poderia possuir no máximo 10 mil hectares de terra,
dicação para a realização da reforma agrária e a o que limitava a extensão das propriedades. Nesse
produção de um discurso a seu favor têm estado período, a questão agrária começou a ser colocada
presentes no cenário político brasileiro, principal‑ com ênfase cada vez maior e como obstáculo ao
mente a partir da primeira metade do século XX. Ao desenvolvimento do capitalismo no campo, já que a
mesmo tempo, as ações de parte da sociedade – no maioria das grandes propriedades era improdutiva.
caso, os proprietários rurais e políticos envolvidos No final dos anos 1950, com o surgimento das
com os negócios da terra – vêm representando uma chamadas Ligas Camponesas, movimento de campo‑
barreira para impedir a redistribuição e a reestrutu‑ neses em luta pela reforma do campo, realizou‑se
ração fundiária. uma série de debates em torno da questão. Como
Mas nunca ocorreu uma reforma agrária no efeito direto dessa mobilização, o governo brasileiro
Brasil? Para respondermos a tal pergunta, devemos fundou, em 1962, a Superintendência de Política
reconstituir, mesmo que brevemente, as ações políti‑ Agrária (Supra), com as atribuições de: colaborar na
cas do governo brasileiro a respeito dessa questão. formulação da política agrária do país; planejar, pro‑
Para isso, faremos um recorte no tempo, começando mover e executar a reforma agrária e, em caráter
pela Constituição federal de 1946. Reconhecida como supletivo, as medidas complementares de assistência
“nova”, por modernizar as relações políticas brasilei‑ técnica, financeira, educacional e sanitária.
ras depois do fim da ditadura do governo de Getúlio Ao lado dessas inovações no tratamento da área
Vargas, essa Constituição trouxe à tona um ponto rural, em 1963 foi aprovado o Estatuto do Trabalhador
essencial para o desenvolvimento do campo: a limi‑ Rural, que tinha como objetivo normatizar as relações
tação da propriedade privada da terra, ou seja, com de trabalho no campo, uma vez que as leis trabalhistas

Foto: Acervo UH/Folha Imagem/Folhapress


Francisco Julião durante
comício na praça da Sé, em
São Paulo. A Frente da
Juventude de Esquerda
lançou, oficialmente, a
campanha “Um trator para
as ligas camponesas”.
Falando aos trabalhadores
ali concentrados, o
deputado pernambucano,
sob prolongados aplausos,
afirmou que “esta data
constitui um marco na
cruzada de libertação do
Brasil da miséria que se
abate sobre a massa de 40
milhões de camponeses”.
Mais adiante, disse o criador
e presidente de honra das
Ligas que “uma aliança de
aço São Paulo‑Pernambuco
conduzirá o país à reforma
agrária, à sua independência
econômica”. Foto de 1961
MÓDULO 9 65

que asseguram os direitos dos trabalhadores, como a exatamente quatro anos após a criação do Incra, o
carteira assinada, o pagamento do décimo terceiro número de assentamentos era de aproximadamente
salário, a assistência médica hospitalar, as férias etc., 500 famílias, de uma população de cerca de 10
não existiam para o trabalhador rural. milhões de famílias aptas a serem assentadas em
Os resultados dessas primeiras ações do governo projetos de reforma agrária. Portanto, mais uma vez,
foram tímidos no que se refere à efetivação dos direi‑ os resultados foram quase nulos.
tos trabalhistas, e quase nulos no que se refere à No início da década de 1980, o governo do gene‑
realização da reforma agrária, embora o decreto de ral João Figueiredo (quinto e último presidente
desapropriação de uma faixa de 10 quilômetros de militar pós‑1964) assistiu a um grande aumento de
terras ao longo das rodovias, ferrovias e açudes cons‑ conflitos relacionados à posse da terra. Na região
truídos pelo Estado no governo de João Goulart tenha Norte, sobretudo no Bico do Papagaio, entre o norte
dado um passo adiante na distribuição das terras, em do atual estado de Tocantins e o sul do Pará e Mara‑
um contexto no qual o debate sobre a reforma agrá‑ nhão, os conflitos, frequentemente sangrentos e trá‑
ria estava na ordem do dia. gicos para o trabalhador rural, colocaram o problema
O golpe militar de 31 de março de 1964 apre‑ da terra em questão. Nesse contexto, novos institutos
sentava fortes indícios de que tinha sido arquitetado foram formados: o Ministério Extraordinário para
e impulsionado para combater o desenvolvimento das Assuntos Fundiários (Meaf), o Grupo Executivo de
teses e ações do governo em prol da reforma agrária. Terras do Araguaia/Tocantins (Getat) e o Grupo
Contraditoriamente a toda a expectativa do novo Executivo do Baixo Amazonas (Gebam), somados ao
governo comandado pelos militares, este definiu Incra, que ficou em uma posição marginal nesse
como uma das prioridades políticas a realização da período. Todos os órgãos tinham praticamente a
reforma agrária. Em 30 de novembro de 1964 foi mesma finalidade: promover a redistribuição de terras
aprovado pelo Congresso Nacional o Estatuto da para a população brasileira, o que não aconteceu.
Terra, que tinha como principais finalidades a reali‑ Com o fim do governo militar, depois de 21 anos
zação da reforma agrária e a modernização do campo. no poder, José Sarney assumiu a presidência da Repú‑
Para cumprir o primeiro objetivo, criou‑se o Instituto blica com o discurso incisivo de realização da reforma
Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra) e, para o segun‑ agrária. Para isso, deixou novamente o Incra em
do, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário segundo plano e criou o Ministério da Reforma e do
(Inda). Desenvolvimento Agrário (Mirad), com praticamente
Tudo levava a crer que dessa vez, e por meio do os mesmos objetivos dos outros órgãos já extintos e
exército e das elites, a tão sonhada reforma agrária com a função de fazer cumprir o Estatuto da Terra,
aconteceria de fato, mas isso não ocorreu. Todo o de 1964.
projeto representado pela homologação do Estatuto Em 1985, instituiu‑se o primeiro Plano Nacional
da Terra nunca saiu do papel, isto é, realizou‑se ape‑ de Reforma Agrária (PNRA), cuja meta era assentar
nas nos discursos e nas intenções políticas e não na 1,4 milhão de famílias sem‑terra em cinco anos.
realidade do campo – o que já era de duvidar, na Paralelamente à elaboração desse plano, forças
medida em que a proposta de redistribuição da estru‑ contrárias à reforma organizaram‑se, representadas
tura fundiária foi feita pela própria elite brasileira. sobretudo por grande parte dos deputados federais
A partir desse momento, passou a ser criada uma e da elite agrária, reunida em torno da União
série de órgãos responsáveis por efetivar a nunca Democrática Ruralista (UDR), formada no mesmo
realizada reforma. Em julho de 1970 foram extintos ano. A redação da política de reforma agrária que
o Ibra e o Inda e criado o Instituto Nacional de Colo‑ entraria como texto básico na nova Constituição da
nização e Reforma Agrária (Incra), subordinado ao República recebeu total influência da bancada
Ministério da Agricultura, que, em termos gerais, ruralista presente no Congresso. Como resultado
tinha a mesma função dos órgãos anteriores. Em 1974, dessa articulação, em 1988 a Câmara dos Deputados
66 Geografia

CONEXÃO

REFORMA AGRÁRIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988


Como termo de comparação com as atuais políticas públicas em relação à questão agrária, reproduzimos a
seguir alguns trechos da Constituição de 1988 para que se possa entender a situação real à luz da lei maior que
rege a nação brasileira:
“Art. 184 – Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural
que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária,
com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de
sua emissão, e cuja utilização será prevista em lei.
Parágrafo 1o – As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
[...]
Art. 185 – São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva.
[...]
Art. 186 – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo cri‑
térios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem‑estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[...]
Art. 188 – A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o
plano nacional de reforma agrária.”
Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1988.

aceitou o texto da reforma agrária, depois de este Em 1990, Fernando Collor de Mello, em seu
ter sido transformado em um instrumento de impe‑ discurso de posse como presidente da República,
dimento jurídico de desapropriação de terras para propôs a realização da reforma agrária a partir do
a reforma. Ou seja, o texto que dispunha as leis assentamento de 500 mil famílias sem‑terra. Ao assu‑
para a reforma continha diversas imprecisões do mir o cargo, extinguiu o Mirad e voltou a subordinar
ponto de vista jurídico, constitucional e até semân‑ o Incra ao Ministério da Agricultura, que se tornou
tico, o que acabou por barrar, em vez de alavancar o Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da
a ainda sonhada reforma agrária. Por exemplo, a Reforma Agrária (Maara). No que diz respeito à
expressão “terra improdutiva” não especifica se a questão agrária, o resultado do breve governo Collor
terra é improdutiva porque o solo não é fértil ou foi a realização de cinco desapropriações, com o
porque, por opção do proprietário, não está pro‑ assentamento de cerca de 300 famílias, número insig‑
duzindo. nificante diante de sua proposta de campanha.
Em 1987, extinguiu‑se o Incra, cujas atribuições O também breve governo do presidente Itamar
passaram a ser de responsabilidade apenas do Mirad, Franco, em uma situação provisória e transitória, após
e criou‑se o Instituto Jurídico de Terras (Inter). Em toda a crise política gerada com o impeachment de
1989, por um problema legislativo, o Incra foi resta‑ Collor, aprovou um programa emergencial para o
belecido com as mesmas funções originais. assentamento de 80 mil famílias, das quais 23 mil
Todo esse contexto controverso levou ao fracas‑ foram atendidas em 152 projetos de reforma agrária.
so o primeiro PNRA, que assentou por volta de 7% Como podemos ver, a reforma agrária na história
do total de famílias proposto. das ações políticas brasileiras sempre esteve distante
MÓDULO 9 67

Foto: J. L. Bulcão/Pulsar Imagem

Acampamento de sem‑terra em Rio Bonito do Iguaçu, Paraná. Foto de 1996

de ser efetivada. Apenas alguns focos isolados de Os dados divulgados pelo governo, no início de
assentamentos de famílias ocorreram em todo esse 2002, demonstravam o assentamento de um total de
período, na maioria das vezes restringindo‑se a áreas 600 mil famílias. Em maio do mesmo ano, o jornal
em que os conflitos de terra estavam acirrados, como Folha de S.Paulo divulgou aquilo que os movimentos
na região do Bico do Papagaio. Na realidade, a sociais e pesquisadores vinham denunciando havia
partir da década de 1980, a maior parte dos assen‑ muito tempo: as manipulações dos dados da reforma
tamentos surgiu por iniciativa das ocupações das agrária feitas pelo Ministério do Desenvolvimento
famílias sem‑terra. Agrário e pelo Incra, com o objetivo de aumentar o
número de assentados.
A ESPERANÇA DA REFORMA As estratégias adotadas pelo governo para super‑
AGRÁRIA CONTINUA valorizar os números foram: famílias apenas cadastra‑
Devemos tratar com mais atenção esse tema nos das pelo correio no programa de reforma agrária
anos de governo dos presidentes Fernando Henrique eram computadas como assentadas; terrenos vazios
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, pois nesse perío‑ de propriedade do governo federal foram considera‑
do foi assentado o maior número de famílias sem‑terra dos assentamentos; áreas de pré‑assentamento, nas
em projetos de reforma agrária em toda a história do quais as famílias possivelmente seriam assentadas,
país. Então, podemos concluir que, enfim, a reforma foram reconhecidas como assentamentos consolida‑
agrária foi realizada? Antes de esboçar qualquer res‑ dos; assentamentos consolidados pela distribuição dos
posta, vamos reconstituir alguns fatos que marcaram lotes entre as famílias, mas sem nenhuma infraestru‑
o campo brasileiro nos últimos anos. tura para habitação e produção, foram considerados
68 Geografia

assentamentos; antigos assentamentos provindos dos cos) e também por alguns estudiosos do espaço
projetos de colonização da região Norte durante os agrário brasileiro.
governos Figueiredo e Sarney, que não possuíam a Uma possibilidade de verificação do avanço ou
regularização de suas áreas, foram regularizados pelo não na transformação da estrutura fundiária brasilei‑
governo Fernando Henrique Cardoso e computados ra é o índice de Gini, que mede a concentração de
como ações de reforma agrária. Dessa forma, nem os terras. Quanto mais próximo do número 1, maior a
pesquisadores, nem os movimentos sociais, nem o concentração e, quanto mais distante, menor a con‑
restante da sociedade brasileira sabem ao certo quan‑ centração. Em 2006, o mais recente índice de Gini
tas famílias foram assentadas. – 0,854 – foi divulgado pelo censo agropecuário do
O governo do presidente Luiz Inácio Lula IBGE. Em 1985, o índice era de 0,857 e, em 1995‑
da Silva apresenta dados que transformam o Brasil ‑1996, de 0,856. Podemos perceber que, no espaço
no país que mais cedeu uma porção de seu território de tempo apresentado na amostragem, não houve,
a assentamentos agrícolas: 43 milhões de hectares até infelizmente, uma mudança significativa, apesar dos
2008 (ver mapa na página 71). Estes dados são con- números e dos supostos esforços apresentados pelos
testados por segmentos políticos (partidos políti‑ últimos governos.

CONEXÃO

DADOS CONTESTADOS: O GOVERNO LULA DÁ ADEUS à REFORMA AGRÁRIA


Por Ariovaldo Umbelino de Oliveira. 22 de dezembro de 2008

[...] Infelizmente, o MDA/Incra (Ministério do Desenvolvimento Agrário/Instituto Nacional de Colonização e


Reforma Agrária) insiste em tentar confundir a todos divulgando que assentou, nos cinco anos do II PNRA (Plano
Nacional de Reforma Agrária), um total de 448 954 famílias. Tenho escrito que esses dados divulgados pelo
governo Lula sobre a reforma agrária referem‑se à relação de beneficiários, as “famosas” RBs. Assim, continuo
a tarefa de esclarecer a todos que as RBs não se referem apenas aos assentamentos novos, elas são emitidas
também para os assentamentos relativos à regularização fundiária (Resex, PAE etc.). As RBs são também emitidas
para regularizar situações das famílias dos assentamentos antigos reconhecidos pelo Incra para que os já assen‑
tados tenham acesso às políticas públicas. Elas são inclusive emitidas para regularizar a situação de assentados
em decorrência de herança, daqueles que compraram lotes de boa‑fé, e daqueles que foram substituídos nos
assentamentos antigos por abandono ou outros motivos permitidos por lei etc.
Assim, mesmo com muitos limites, é possível começar a fazer o balanço do II PNRA. Mas os dados das RBs
divulgados pelo Incra, em decorrência dos motivos apontados anteriormente, precisam ser desagregados. Feita
esta desagregação, entre 2003 e 2007 o governo Lula assentou apenas 163 mil famílias referentes à meta 1 –
novos assentamentos. Portanto, cumpriu somente 30% da meta de 550 mil famílias que ele tinha prometido
assentar. Não cumpriu também a meta 2, que se referia à regularização fundiária de 500 mil posses, pois regu‑
larizou apenas a situação de 113 mil famílias, ou seja, atingiu apenas 23% da meta. Entre os dados restantes
estão 171 mil famílias referentes à reordenação fundiária, ou seja, a situação de regularização em assentamentos
antigos, e o que é mais absurdo: a inclusão de cerca de 2 mil famílias referentes a reassentamentos de atingidos
por barragens, que em absoluto se trata de reforma agrária.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira é professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP).
Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasileira, é autor, entre outros livros, de Modo
capitalista de produção (Ática, 1995) e Agricultura camponesa no Brasil (Contexto, 1997).
Disponível em: <www.radioagencianp.com.br>.
Acesso em: 15 jan. 2010.
MÓDULO 9 69

Outra evidência que poderia negar a ideia de

Foto: Sérgio Lima/Folha Imagem


realização da reforma agrária está na espacialização
do MST e de outras organizações de luta pela terra
por todo o Brasil.
Na década de 1990, esses grupos realizaram, em
quase todos os estados da Federação, exceto no
Amazonas, em Roraima e em Rondônia, uma intensa
ação política, com ocupações de terra, marchas,
caminhadas e manifestações nos órgãos públicos do
governo (prefeituras, ministérios etc.). Com toda essa
organização, os sem‑terra foram conquistando espaços
(assentamentos), o que nos leva a refletir que os
assentamentos realizados pelo governo federal não
foram provenientes de uma ação governamental por
meio do projeto de reforma agrária, mas aconteceram
de forma pontual onde os conflitos e ocupações de
terra ocorreriam. É isso que podemos constatar obser‑
vando o gráfico da página a seguir: Brasil – Número de
assentamentos segundo a origem – 1986‑1997.

BRASIL – ÁREA INCORPORADA AO


PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA

Área (ha)

Até 1994 16 456 608 Após três meses, a Marcha Popular pelo Brasil, realizada
pelos sem‑terra que partiram de Niterói, Rio de Janeiro,
1995 2 621 538 chega a Brasília. As principais reivindicações eram reforma
1996 2 573 426 agrária e justiça social. Banco Central, Brasília, DF. Foto de
1999
1997 4 237 566

1998 3 002 785 Brasil – Metas e famílias assentadas ano a ano

Arte: Figurativa
Em mil
1999 2 301 009 140
136,4
2000 2 177 110
120
2001 1 896 317

2002 2.451.819
100
2003 4 604 663

2004 4 677 027 80


75
2005 13 913 921
60
55,5
2006 9 449 596

2007 6 399 998 40


36,3
2008 4 121 797
20
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: Incra. Disponível em: <www.incra.gov.br>. Metas de assentamentos (em famílias)


Acesso em: 20 mar. 2010.
Famílias assentadas
70 Geografia

Brasil – Número de assentamentos segundo a origem – 1986‑1997

Arte: Figurativa
Pernambuco 106 22

Sergipe 28 12

Alagoas 21 7 6

Ceará 92 89 4

Goiás 63 23 31

Mato Grosso do Sul 22 25 7

Minas Gerais 80 16

Espírito Santo 32 3

Rio de Janeiro 45 3

São Paulo 79 4

Paraná 158 22 4

Santa Catarina 94 62

Rio Grande do Sul 159

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200

Assentamentos obtidos por pressão popular, referente à ocupação de terras*

Assentamentos obtidos por projetos políticos**

Sem informações
Fonte: Dataluta.

* Refere‑se aos assentamentos relacionados a uma prévia ocupação de determinadas áreas improdutivas, com o objetivo de
pressionar o poder público para a liberação da área para assentamentos.
** Refere‑se aos assentamentos oriundos de projetos políticos, vinculados normalmente a lideranças políticas que foram
eleitas. Tem como objetivo uma nova reorganização no espaço agrário brasileiro, visando a uma melhor distribuição das
terras.

A maioria dos assentamentos realizados nos Outros problemas encontrados nas políticas
estados apresentados no gráfico tem origem nas ocu‑ públicas para o campo levam‑nos a pensar sobre a
pações de terra e nos projetos de assentamento do realização ou não da reforma agrária. Desde 1994
governo. vem ocorrendo uma intensa burocratização da refor‑
Dessa forma, podemos constatar que o que vem ma, indicando que inúmeras ações de apoio à rees‑
ocorrendo é o aumento da organização da luta pela truturação fundiária brasileira foram criadas, mas não
terra no campo brasileiro, e não a reforma agrária contribuíram para a realização desse objetivo. Foram
impulsionada pelo governo. Ou seja, o governo age gerados: o Programa Especial de Crédito da Reforma
a partir das ações dos sem‑terra. Agrária (Procera), o Programa Nacional de Fortaleci‑
MÓDULO 9 71

Brasil – Famílias assentadas na 122 588 foram reformadas; 21 021 quilômetros de


gestão de Lula (2003 a 2009) estradas foram construídos e 16 900 quilômetros

Cartografia: Figurativa/Acervo da Editora


foram recuperados, contribuindo para o melhor
acesso aos assentamentos e, consequentemente, para
o melhor escoamento da produção; a luz elétrica
chegou a cerca de 200 mil novas famílias no meio
rural e o fornecimento de água, a 108 780 famílias.
Norte Nordeste Certamente, os fatos relacionados à questão
271 290 175 653
agrária que mais marcaram a sociedade brasileira e
o mundo nos anos 1990 foram os dois massacres
Centro-Oeste
90 601 realizados pela Polícia Militar: o de Corumbiara, em
Sudeste Rondônia (1995), e o de Eldorado dos Carajás, no
Total: 574 609 22 629
Pará (1996). Os pesquisadores chamam essa fase de
67% das 574 609 famílias “remilitarização da questão agrária”, já que a milita‑
foram assentadas na Sul
Amazônia Legal 14 436 rização havia ocorrido durante o período militar. E,
(estados do Norte,
0 570 N em 2005, o brutal assassinato da missionária Dorothy
Mato Grosso e Maranhão)
Quilômetros Stang (ver Perfil, p. 73) também chocou o mundo
Fonte: Folha de S.Paulo, 12 fev. 2010.
e, infelizmente, ratifica o fato de que a violência ainda
persiste no campo brasileiro.
mento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera),

Foto: Luiz Castello/Folha Imagem


o Projeto Lumiar, o Projeto Casulo, o Programa de
Geração de Renda na Área Rural (Proger), o novo
Imposto Territorial Rural (ITR), a Lei do Rito
Sumário, o Programa Nacional de Crédito Fundiário
(PNCF), o Projeto Dom Helder e o Projeto Terra
Legal.
Todos esses projetos teriam, a princípio, o pro‑
pósito de conduzir um amplo processo de reforma
agrária. Vários deles não saíram do papel, cabendo
aos movimentos sociais de sem‑terra reivindicar a
realização de assentamentos. Muitas vezes, os próprios
assentados participam de manifestações, em razão do
descaso do governo, por vários motivos: os créditos
para a construção das casas e início do plantio não
são liberados; redes de água e esgotos, energia elétri‑
ca e transporte para levar as crianças à escola dificil‑
mente são disponibilizados; postos de saúde são
raridade; a assistência técnica é muito deficitária etc.
Segundo dados do Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária) de 2009, entre os
anos de 2003 e 2009, algumas ações se mostraram Reintegração de posse pela Polícia Militar, por
mais eficazes, contribuindo para a melhoria da qua‑ determinação judicial, na fazenda Chão de Estrelas, em
lidade de vida dos moradores dos assentamentos. Aurora do Pará, ocupada por 350 famílias ligadas ao MST.
Foto de 2001
Nesse período foram construídas 144 407 casas e
72 Geografia

CONEXÃO
CONFLITOS NO CAMPO: DOIS MASSACRES NO NORTE DO PAÍS
Os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás foram manchete de jornais do mundo todo, causando
constrangimento ao país. Em 14 de julho de 1995, cerca de 600 famílias ocuparam a fazenda Santa Elina, no
município de Corumbiara, Rondônia. A Justiça expediu liminar de manutenção de posse em favor do fazendeiro
e encaminhou ofício ao comando da Polícia Militar exigindo a retirada dos posseiros. Em 9 de agosto, a liminar
foi cumprida, resultando em um dos maiores massacres do país: foram mortos dez trabalhadores rurais e a menina
Vanessa, de apenas 7 anos.
As mortes, segundo os legistas, foram feitas de forma sumária, com tiros na cabeça. A Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) processou o governo brasileiro por esse
massacre.
Já em setembro de 1995, em torno de 2 mil famílias acamparam na beira da rodovia PA‑275, em Curionópolis,
Pará, visando à fazenda Macaxeira, de 42 448 hectares, que já havia sido considerada improdutiva pelo Incra.
Após cinco meses sem resposta do governo, as famílias ocuparam a fazenda.
Em seu artigo no livro A história da luta pela terra e o MST, Bernardo Mançano Fernandes relata os aconte‑
cimentos do dia 17 de abril de 1996. Os camponeses bloquearam a rodovia de acesso a Eldorado dos Carajás
como forma de reivindicação. Houve confronto e a Polícia Militar disparou suas metralhadoras. Segundo os
laudos, houve execuções: 13 trabalhadores receberam tiros depois de rendidos. O saldo foi de 19 mortos, 69
feridos e pelo menos 7 desaparecidos.
Os movimentos sociais rurais de todo o mundo consideram essa data o Dia Internacional de Luta pela Terra.

Foto: Ricardo Azoury/Pulsar Imagem

As castanheiras de Eldorado dos Carajás: escultura comunitária realizada pelos assentados do sul do Pará, sob
coordenação do educador Dan Baron Cohen, da Universidade de Glamorgan, País de Gales.
A escultura, construída em abril de 1999, representa os sem‑terra vítimas do massacre executado pela Polícia Militar
do estado do Pará, em 17 de abril de 1996. Foto de 1999
MÓDULO 9 73

perfil
DOROTHY STANG
A missionária Dorothy Stang, mais conhecida como irmã Dorothy, foi outra vítima da violência do campo
brasileiro. Após várias ameaças, foi assassinada a tiros e seu corpo foi encontrado em uma estrada de
difícil acesso a 53 quilômetros da sede do município de Anapu, estado do Pará.
O perfil dessa líder missionária foi elaborado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT:

“Nasceu em 7 de junho de 1931 nos Estados no ano seguinte. O resultado demonstrou que
Unidos da América. Aos 20 anos, já freira da todos os lotes pleiteados eram improdutivos.
congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, Entre os 45 lotes reivindicados, 21 já haviam sido
se dedicou ao ensino em Chicago. Anos depois, revertidos para o patrimônio da União. Diante
começou a atuar junto a migrantes latinos que desta realidade, ainda em 1998, cerca de 80
trabalhavam em plantações de uva, tomate e famílias de agricultores ocuparam três lotes da
alface no estado do Arizona. Em 1966 decide se Gleba Belo Monte. Em 1999, em uma assembleia
mudar para o Brasil. Morou, primeiramente, em dos movimentos, o Incra apresentou um novo
Coroatá, Maranhão, onde se dedicou às comuni‑ modelo de reforma agrária: os projetos de Desen‑
dades eclesiais de base. Em novembro de 1974, volvimento Sustentável (PDSs), que combinam o
irmã Dorothy muda‑se para o Pará, onde ajuda desenvolvimento de atividades produtivas –
a estabelecer a Comissão Pastoral da Terra na incluindo produtos nativos, como andiroba – com
diocese de Marabá. A região sofria muita influ‑ o assentamento humano de populações tradicio‑
ência do Exército por causa da Guerrilha do nais ou não. Só que a implantação nunca foi
Araguaia. Inicialmente Dorothy deu assistência tranquila por causa do alto índice de grilagem.
às famílias de agricultores que moravam em Neste mesmo período, a Sudam (Superintendên‑
comunidades na beira da PA‑70. Logo depois, cia de Desenvolvimento da Amazônia) destinou
Dorothy muda‑se para Jacundá. Em 1982, vai 100 milhões de reais para projetos na região,
para Anapu, onde quase 90% do município é fazendo com que grileiros invadissem os PDSs.
formado por terras pertencentes à União. Na Denúncias de violência cometida por fazendeiros
década de 1970, o território foi dividido em gle‑ e madeireiros contra agricultores eram constan‑
bas, que se tornaram objeto de contratos de temente feitas por irmã Dorothy juntamente com
Alienação de Terras Públicas, celebrados entre o entidades e organizações. Em 12 de fevereiro de
Incra e particulares. O beneficiado teria cinco 2005, Dorothy é brutalmente assassinada com
anos para tornar a área produtiva; caso isto não seis tiros à queima‑roupa. Seu corpo foi encon‑
acontecesse, a terra voltaria para a União e seria trado no PDS Esperança, em Anapu. Ela foi morta
destinada à reforma agrária. Só que os contra‑ a mando de grileiros e madeireiros da região que
tantes iniciais começaram a vender as terras, já vinham ameaçando ‑a há algum tempo. Nos
dando origem a um grave processo de grilagem. dias 9 e 10 de dezembro de 2005, os dois pisto‑
Os camponeses organizados começaram a reivin‑ leiros acusados pela morte da irmã foram julga‑
dicar as terras públicas. O resultado desta luta dos e condenados. Rayfran das Neves Sales, o
veio em 1997, quando foi registrado no Incra o Fogoió, ficará 27 anos na prisão, e Clodoaldo
pedido de lotes em duas áreas para os agriculto‑ Carlos Batista, o Eduardo, 17 anos. Os mandan‑
res: Gleba Belo Monte (24 lotes) e Gleba Bacajá tes, os fazendeiros Vitalmiro Bastos, o Bida,
(21 lotes). Em 1998 o Incra solicitou um reca‑ Regivaldo Pereira, o Taradão, e Amair Feijoli, o
dastramento das terras de Anapu, que aconteceu Tato, ainda não foram julgados.

A emocionante história de irmã Dorothy foi transformada em filme pelo cineasta norte‑americano Daniel
Junge. O documentário Mataram irmã Dorothy, com cerca de uma hora e meia de duração, é narrado pelo
ator Wagner Moura e apresenta ao telespectador imagens fortes, como da cena do crime que matou a mis‑
sionária. O trailer do documentário está disponível no endereço: www.youtube.com/watch?v=RFVXtvNZpA4.”
74 Geografia

O ESTOPIM DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO BRASILEIRO


Muitos se enganam ao pensar que os movimen‑ 10 mil pessoas não agradou ao governo, que exigiu
tos de luta pela terra são características contemporâ‑ seu fim. Foi nessa região que o exército brasileiro
neas da área rural brasileira. Os conflitos no campo sofreu as primeiras derrotas e que, pela primeira vez
permeiam grande parte da história do Brasil. na história, usou seus canhões de guerra. Canudos
Um bom exemplo são as lutas messiânicas dos foi destruída em outubro de 1897.
camponeses no final do século XIX e início do XX, Já a Guerra do Contestado (1912‑1916) foi emi‑
cuja principal característica era a figura do líder – nentemente camponesa. Expulsos pelo governo fede‑
beatos, profetas e monges messiânicos. ral de suas terras na região de fronteira entre o Paraná
A Guerra de Canudos (1893‑1897) constituiu‑se e Santa Catarina, os camponeses, seguindo o monge
na união de trabalhadores rurais e ex‑escravos que José Maria, se rebelaram contra o Estado. Este enviou
peregrinavam, sob a liderança do beato Antônio grandes efetivos do Exército, que, no lugar de canhões,
Conselheiro, em busca da terra prometida, até se utilizaram, também pela primeira vez na história,
estabelecerem em uma área no Sertão baiano chama‑ aviões de guerra contra 20 mil camponeses. Destes,
da de Arraial de Canudos. Essa organização de quase apenas 3 mil sobreviveram, rendendo‑se em 1916.

Foto: Claro Gustavo Jansen/Coleção particular

Rebeldes do grupo do Contestado, liderados por Alemãozinho, após a sua rendição em 1915. À esquerda, junto ao grupo de
moças, Henrique Wolland, o Alemãozinho
MÓDULO 9 75

Até o cangaço no Nordeste pode ser denomina‑ (1950‑1964) e muitos outros esquecidos pela história
do de luta pela terra. Os cangaceiros mais conhecidos oficial brasileira.
em nossa história são Antônio Silvino e Lampião, ao O movimento que teve mais repercussão na
lado de Maria Bonita. O bando de Antônio Silvino política brasileira, na metade do século passado,
desenvolveu ações no Sertão nordestino entre 1914 foram as Ligas Camponesas. Revoltados com sua
e 1937 e o de Lampião, entre 1917 e 1938, quando situação miserável, os camponeses passaram a ques‑
foi morto. O grupo de Lampião era composto de tionar o pagamento do foro (aluguel) das terras onde
ex‑jagunços ou ex‑camponeses agregados das fazendas viviam para os antigos senhores de engenho. Sua
dos poderosos coronéis nordestinos que se rebelaram situação financeira estava tão crítica que eles não
contra a autoridade e as injustiças por eles praticadas. tinham dinheiro nem para enterrar seus parentes em
Apesar de, em geral, protegerem as terras dos cam‑ caixões, o que os levou a fundar uma sociedade de
poneses posseiros contra a expropriação pelo latifún‑ apoio mútuo em caso de falecimentos. A partir dessa
dio, os bandos de cangaceiros também foram respon‑ associação, os camponeses começaram a discutir as
sáveis por saques e mortes nas cidades. injustiças das quais eram vítimas, formando as Ligas
Outros conflitos importantes que marcaram a Camponesas em 1955. O movimento ganhou expres‑
história do campo no Brasil foram: o de Trombas e são nacional quando o advogado e deputado Fran‑
Formoso, em Goiás (1948‑1973); o de Porecatu, no cisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro, se tornou
Paraná (1950‑1951); o de Pidaré‑Mirim, no sudoeste líder desses camponeses. Embora as Ligas Campone‑
do Maranhão (década de 1950); o Movimento Arranca‑ sas não tenham gerado uma guerra entre camponeses
‑Capim, em Santa Fé do Sul, estado de São Paulo e Exército, suas ações provocaram a morte de muitos
(1950‑1960); os ocorridos no estado do Rio de Janeiro trabalhadores rurais. O movimento foi extinto com
o golpe militar de 1964.
Foto: Benjamim Abraão/Coleção particular

Entre 1964 e meados da década de 1980, todos


os movimentos sociais, rurais ou urbanos foram seve‑
ramente combatidos, o que não impediu, no entanto,
que continuassem a existir. Os principais movimentos
que hoje lutam contra o governo tiveram sua gênese
no período da ditadura militar. São eles: o movimen‑
to dos posseiros da Amazônia, o dos camponeses
atingidos por barragens no Sul do país, os de lutas
indígenas, os de greve dos assalariados rurais e boias‑
‑frias, o dos pequenos produtores rurais (estes dois
últimos espalhados por todo o Brasil) e o dos sem‑
‑terra, que ganharia maior expressão na década
de 1990.
Como contrapartida direta à espacialização dos
movimentos de luta no campo no Brasil, os grandes
latifundiários, liderados pelo fazendeiro e deputado
Ronaldo Caiado, formaram, em 1985, a União
Democrática Ruralista (UDR). Desde sua fundação,
a UDR tem articulado várias associações rurais em
todo o país para proteger seus latifúndios e, princi‑
palmente, constituído um considerável grupo de
Maria Bonita e Lampião. Foto de 1936 políticos no Congresso Nacional para barrar qualquer
tentativa de realização da reforma agrária.
76 Geografia

Outras organizações também vêm sendo forma‑ expulsão do pequeno produtor rural de suas terras;
das para agir contra os sem‑terra. Por exemplo, em 3) o fracasso dos projetos de colonização na Ama‑
março de 2003, foi criado no Paraná o Primeiro zônia Legal – com estes projetos, o governo militar
Comando Rural (PCR), milícia armada com o obje‑ incentivou a migração de sulistas para o Norte do
tivo de proteger, “a bala”, as propriedades dos país, não disponibilizando, entretanto, infraestrutu‑
fazendeiros. ra para esses migrantes, que, por isso, retornaram
A formação do MST ocorreu de 1979 a 1985, ao Sul, formando acampamentos e reivindicando
partindo de três raízes principais: 1) a não realização terras em suas regiões de origem. Esses acon‑
da reforma agrária pelos sucessivos governos; 2) a tecimentos aglutinaram os movimentos de luta pela
expansão do capitalismo no campo com o aumento terra espalhados por todo o Brasil em apenas um:
da concentração fundiária e, consequentemente, a o MST.
Foto: Lalo de Almeida/Folha Imagem

O acampamento é o resultado direto da ocupação de terras pelos movimentos de sem‑terra.


Eldorado dos Carajás, Pará. Foto de 2004
MÓDULO 9 77

Principalmente a partir de 1995, o MST organizou ocupações de terra de norte


a sul do Brasil, levando os intelectuais a interpretar esse processo como a espacializa‑
ção e territorialização dos camponeses e movimentos sociais. Atualmente, o MST é
responsável pela maior parte dos acampamentos e assentamentos do país. O maior
e mais bem organizado movimento social da história do Brasil, o MST expõe, hoje, o
histórico e patente problema rural. Esse movimento atua em todo o território nacio‑
nal, organizando lutas e formas diversificadas de reivindicação de terra para quem
dela necessita.
Há ainda muitos outros movimentos sociais e organizações independentes pro‑
duzindo formas de luta a favor da reforma agrária, caracterizando o que chamamos
de “o estopim dos movimentos sociais no campo”, como está expresso no gráfi‑
co abaixo.
Dessa forma, constatamos que os conflitos no campo deste país têm raízes histó‑
ricas longínquas e, assim, podemos compreender melhor a questão agrária atual.

Brasil – Número de movimentos/organizações/instituições sociais de luta pela terra (2001)

Arte: Figurativa
SP
12

BA
11

PA AC
10

MG
9

8
Número de organizações

PB MA DF MS
5

AM ES RS
4

CE PE RN AL SE PI GO MT RO AP PR
3

TO RJ SC
2

0
NE CO NO SE S
Fonte: Dados do Incra/Itesp, 2001, organizados por M. A. Mitidiero Jr.
78 Geografia

CONEXÃO
inVasões VERSUS ocuPaÇões
As ações dos sem‑terra são nomeadas de acordo com duas posições. Uma delas as chama de “invasões”, já
que os sem‑terra estariam invadindo as propriedades privadas e os prédios da administração pública. Esse termo
é usado pelos proprietários e empresários rurais, pelos governos, pela mídia e por grande parte da sociedade. A
outra intitula essas ações de “ocupações”, na medida em que considera a entrada dos sem‑terra em grandes
propriedades improdutivas um ato de ocupar uma terra que, segundo a Constituição de 1988, obrigatoriamente
deveria ser desapropriada para fins sociais. Os sem‑terra também chamam de ocupações as manifestações internas
nos prédios públicos, por considerarem que a “coisa” pública é de todos, do povo, e, dessa forma, não estariam
invadindo.

ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS
Os acampamentos são gerados após a ocupação ou invasão de fazendas pelos sem‑terra. As famílias montam
barracos de lona dentro da propriedade pretendida ou nas estradas próximas a ela, onde permanecem, em média,
por dois ou três anos, até serem contempladas nos projetos de reforma agrária. Assim, o acampamento, como
produto da espacialização dos sem‑terra, lhes permite a conquista dos assentamentos.
Os assentamentos representam a materialização dos resultados da luta pela terra no território. Por isso, usa‑se
o conceito de territorialização. Atualmente, os assentados passam por difíceis condições financeiras, em razão
da falta de apoio dos órgãos governamentais, o que os leva a continuar na luta, constituindo formas de mani‑
festação que podemos denominar de luta “na” terra, e não luta “pela” terra, como fazem os acampados.

Foto: João Prudente/Pulsar Imagem

Assentamento dos sem‑terra na região de Pirunga, Sergipe. Foto de 2009


79

Foto: Lalo de Almeida/Folha Imagem


Questão agrária

L
atifúndios e pequenas propriedades; sem-terra, grileiros, posseiros e
latifundiários; terras produtivas e improdutivas; agricultura de subsistên-
cia e agronegócios, agricultura orgânica e transgênicos; movimentos
sociais e políticas de reforma agrária, superprodução de alimentos e fome foram
alguns dos temas tratados neste Módulo que permitem entender a extensão dos
problemas originados da estrutura fundiária existente no país desde o início de
sua colonização.
A extensão e a dificuldade de resolução desses problemas constituem o
que se costuma chamar de questão agrária. Este é um tema que remonta, em
nível mundial, ao princípio e ao avanço do capitalismo, que transformou a
terra, antes um bem comunal, em propriedade privada.
No Brasil, os problemas agrários são herança do tipo de colonização sofri-
da, que, desde o início da formação de seu território, impôs a divisão das
terras em grandes extensões, nas chamadas sesmarias. A concentração de terras,
portanto, é a marca da estrutura fundiária brasileira e a grande responsável pela
eclosão de conflitos derivados da luta pela terra.
No mundo temos alguns exemplos de que a reforma agrária contribui para
o desenvolvimento socioeconômico de um país, mas no Brasil esse é um pro-
jeto ainda a ser perseguido. Ao longo do século XX e início do século XXI, até
mesmo durante as gestões militares, a reforma agrária foi projeto de governo.
No entanto, somente nas últimas administrações democráticas de Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva é que ocorreu um maior número
de assentamentos de famílias em terras desapropriadas. Grande parte desses
assentamentos foi resultado da luta de movimentos como o MST e de outras
organizações espalhadas pelo território nacional. Apesar dessas conquistas, as
terras ainda permanecem concentradas nas mãos de poucos. Há muito a ser
feito para mudar a estrutura fundiária que se definiu ao longo de cinco séculos
de existência do país.
Um dos grandes impasses para a efetivação de um projeto de reforma
agrária é, sem dúvida, de natureza política. Os órgãos e legislações criados
para resolução dos problemas fundiários esbarram em questões como a defini-
ção de quais terras devem ser desapropriadas e divididas.
Enquanto a fronteira agrícola avança rumo à Amazônia, devastando flores-
tas para a abertura de novas áreas de pastagens, temos terras subaproveitadas,
terras improdutivas que poderiam ser utilizadas para o cultivo de alimentos.
Como vimos, o desafio para alcançar uma justa distribuição de terra que
permita a produção de alimentos para extirpar a fome do país ainda está posto.
80 Geografia

Faça parte

1. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)


é o único programa de distribuição de créditos para o pequeno produtor
rural, inclusive o recém‑assentado.
A classe deve organizar‑se em dois grupos. Um grupo pesquisará sobre o
Pronaf e o outro, sobre programas de crédito que já existiram no Brasil.
Devem ser coletadas as seguintes informações:
a) como funciona a distribuição de créditos de cada programa;
b) os valores dos créditos cedidos para cada família e as formas de
pagamento;
c) possibilidades de utilização de crédito pelas famílias.
Sites indicados para a pesquisa:
• Ministério do Desenvolvimento Agrário (www.mda.gov.br);
• Incra (www.incra.gov.br);
• MST (www.mst.org.br);
• Central Única dos Trabalhadores (CUT – www.cut.org.br);
• Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag –
www.contag.org.br).
Uma vez coletadas e organizadas as informações, aqueles que realizaram
a pesquisa do Pronaf dialogam, em duplas, com os que pesquisaram sobre
outros programas de crédito que já existiram, identificam as diferenças e
semelhanças entre eles, elaboram e preparam um relatório. As duplas
poderão apresentar esse relatório para a turma toda, propiciando um
debate sobre o tema.
2. A classe deverá organizar‑se em grupos. Realizem uma ampla pesquisa
para conhecer, compreender e discutir os projetos de reforma agrária do
atual governo federal.
Pesquisem em diversos jornais e revistas, assim como na internet, matérias
a respeito dos encaminhamentos do Ministério do Desenvolvimento
Agrário.
Procurem informações sobre as posições a favor e contra a atual política
de reforma agrária em sites dos movimentos sociais no campo, do
Ministério do Desenvolvimento Agrário e das associações dos grandes
agropecuaristas (www.boibao.com.br; www.ruralnet.com.br; www.bole‑
timpecuario.com.br; www.centrorural.com.br). Busquem caracterizar a
posição de cada grupo envolvido nessa questão.
Comparem a atual política de reforma agrária com as dos governos anterio‑
res apresentadas no texto, discutindo as semelhanças e diferenças entre elas.
Montem um júri simulado sobre a política brasileira para o setor agrário
hoje.
3. Muitos fatos importantes ocorridos durante a formação do território bra‑
sileiro parecem ter sido esquecidos pela história oficial. Acontecimentos
marcantes, como a maior guerra civil do país, a Guerra do Contestado,
sequer aparecem como tema em muitos livros de história.
Junto com o seu grupo, façam uma pesquisa para compilar informações sobre
os acontecimentos na região do Contestado, em Santa Catarina e no Paraná.
Elaborem, junto com os outros grupos, um painel sobre o tema.
MÓDULO 9 81

4. Várias manifestações artísticas através dos séculos têm unido a arte à vida
dos moradores do campo e aos problemas por eles enfrentados.
São muitas as linguagens artísticas que apresentam esse envolvimento:
• cinema – Viva Zapata!, de Elia Kazan (Estados Unidos, 1952, Fox
Vídeo); Quilombo, de Carlos Diegues (Brasil, 1984, Globo Vídeo);
Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho (Brasil, 1986,
Globo Vídeo) etc.;
• pintura – no México, os murais de Diego Rivera, os quadros de Frida
Khalo e as esculturas e quadros de Andrés Peraza e seus filhos (Jesus
e José), que retratam os camponeses maias; no Brasil, vários trabalhos
de Cândido Portinari;
• poesia – poemas do chileno Pablo Neruda e dos brasileiros Patativa
do Assaré, Thiago de Melo, Cora Coralina, entre tantos outros;
• romances ou ensaios – O tempo e o vento, de Érico Veríssimo; Os
parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido; Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda; Vidas secas, de Graciliano Ramos;
Fazenda modelo, de Chico Buarque; As veias abertas da América
Latina, de Eduardo Galeano; Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa;
• música – canções das duplas sertanejas de raiz e de Chico Buarque,
João do Valle, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Quinteto Violado,
Elomar, Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Gonzaguinha, Victor Jara,
Violeta Parra etc.
A classe toda, junta, poderá organizar uma mostra artístico‑cultural que
relacione arte e questão agrária. Pesquisem na internet, em bibliotecas,
locadoras etc. sobre essas manifestações artísticas no Brasil e no mundo.
Conversem também com pessoas próximas a vocês (pais, professores,
vizinhos).
Para a realização da mostra, vocês podem usar murais com trechos de
livros, fac‑símiles de quadros, fotos de esculturas, sessões de vídeo, decla‑
mações de poemas e apresentações musicais.

Sua parte

1. Como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto Territorial


Rural (ITR) deve ser pago todo ano pelos proprietários de imóveis rurais.
Historicamente, verifica‑se baixa arrecadação do ITR, o que significa alta
sonegação pelos proprietários. Pesquise:
a) as leis que regem o ITR;
b) as formas de arrecadação;
c) se existe alguma categoria de proprietários rurais isenta desse
imposto;
d) que tipo de estabelecimento rural paga em dia esse imposto (oriente‑se
pela divisão em classes de áreas oferecidas nas tabelas desta
unidade).
82 Geografia

Você pode pesquisar nos sites do Incra e do Ministério do Desenvolvimento


Agrário, assim como as notícias veiculadas nos últimos anos em jornais
e revistas de alcance nacional. Por exemplo:
• Folha de S.Paulo (www.uol.com.br/bibliot/arqfolha.htm);
• Revista Veja (www.uol.com.br/veja/arquivo.html);
• O Estado de S. Paulo (www.agestado.com.br);
• Jornal Mundo Jovem (www.mundojovem.pucrs.br);
• Revista e programa Globo Rural (revistagloborural.globo.com e rede‑
globo.globo.com/globorural);
• Revista Caros Amigos (carosamigos.terra.com.br).
2. Qual a contribuição da Constituição Federal de 1946 para a questão agrária
brasileira?

3. Em 1964, a ditadura militar criou dois institutos para implementar os


ditames do Estatuto da Terra. Quais foram esses institutos e quais os seus
respectivos papéis?

4. Com o fim do regime militar, em 1985, houve uma retomada do movimento


pela reforma agrária em nosso país. Durante os 21 anos de ditadura, foram
criados, extintos e recriados institutos, órgãos e ministérios relacionados
à questão agrária. No período pós‑ditadura, as relações institucionais não
se deram de outra forma, porém outros sujeitos sociais puderam se mani‑
festar de maneira mais contundente.
Aponte quais ações foram realizadas em relação a essa política no primeiro
governo pós‑regime militar, identificando o papel dos sujeitos sociais
(governo federal, movimentos sociais e elite agrária) que colaboraram para
os avanços e limites do processo.

5. Segundo a Constituição de 1988, quais são os requisitos necessários ao


cumprimento da função social das propriedades rurais?
MÓDULO 9 83

6. Leia o texto sobre a situação das famílias assentadas no estado da Paraíba.


“Detendo‑nos um pouco mais sobre as áreas de assentamentos em
estudo. Lá encontramos camponeses vivendo em condições precárias, em
geral em casas de taipa ou palha, ou ainda agrupados nas antigas instala‑
ções da fazenda. Enquanto isso, aguardam o parcelamento das terras. São
poucos os casos daqueles que já estão instalados em casas de alvenaria,
organizados em agrovilas ou não. Em geral não possuem saneamento
básico e a água que consomem é proveniente de cacimbas, barreiros ou,
quando mais organizados, de açudes ou poços, todas elas, porém, sem o
devido tratamento. Mais de 60% desses camponeses, em alguns casos
mais de 70% deles, não sabem ler nem escrever e, entre eles, poucos
sabem sequer assinar o nome. Usufruindo de poucos recursos e de uma
experiência acumulada do tempo em que eram cativos [...] com poucas e
rudimentares ferramentas de trabalho [...] temos a política adotada pelo
Estado neoliberal no que diz respeito às áreas de assentamentos rurais,
que inicia oferecendo alguns parcos recursos e uma assistência técnica
insatisfatória para, em seguida, exigir‑lhes que caminhem por conta pró‑
pria. O resultado não poderia ser outro que não a reprodução da miséria
a que estavam nos tempos de cativeiro, não raro em escala cada vez maior.
[...] Privados de condições dignas de sobrevivência, os filhos sem terras
dos camponeses assentados são empurrados para as cidades, onde a
situação é ainda pior, sobretudo naquelas de maior porte. Sem a qualifi‑
cação necessária para enfrentar a competição do mercado de trabalho
[...] esse exército de sem nada se vê mais uma vez privado de reproduzir‑se
com dignidade [...].”
MARCOS, Valéria de. A (u)topia da produção comunitária camponesa na
atualidade. In: SANTOS, Milton. Cidadania e globalização.
Bauru/São Paulo: AGB‑Bauru/Saraiva, 1998.

Essa citação foi retirada de um texto que surgiu das reflexões da autora
sobre uma pesquisa interdisciplinar intitulada “Qualidade de vida nos
assentamentos rurais paraibanos”, em um convênio entre a Universidade
Federal da Paraíba, o Incra/PB e a Comissão Pastoral da Terra daquele
estado. Outras pesquisas, porém, confirmam que essa é uma realidade de
diversos assentamentos espalhados pelo Brasil. Fica evidente que, depois
que as famílias camponesas são assentadas, a luta pela terra não acaba.
Podemos afirmar que a luta pela terra muda de característica e passa a ser
vivida como luta na terra, como explica o texto da Conexão Acampamentos
e assentamentos.
Aponte os principais problemas enfrentados pelas famílias assentadas que
fazem com que elas reivindiquem melhorias aos governos.
84 Geografia

7. Em nosso país, as famílias que se envolvem na luta pela terra passam por
dois processos para conquistar um lote: acampamento e assentamento.
Explique as diferenças entre essas manifestações espacializadas da luta
pela terra.

8. Territorialização e espacialização são conceitos importantes para explicar


o problema agrário no nosso país. Aponte o significado apresentado no
texto para esses dois conceitos no que diz respeito aos movimentos
socioterritoriais.

9. Comente sobre a Guerra de Canudos e a Guerra do Contestado, levando


em conta o papel dos camponeses e do Exército brasileiro nessas
contendas.

10. (PUC‑SP) Na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC),


realizada em Cancún (México) no ano de 2003, o Brasil e mais 19 países
em desenvolvimento protagonizaram um movimento contra a política de
subsídios agrícolas desenvolvida pelos países europeus e pelos Estados
Unidos que beneficia os agricultores desses países desenvolvidos.
A respeito desse desacordo no comércio mundial, é correto afirmar que:
a) a reivindicação do fim dos subsídios pretende fazer valer no mercado
internacional a maior produtividade nos negócios agropecuários dos
países em desenvolvimento, o que se deve à tecnologia mais avançada
empregada no processo produtivo.
b) os países em desenvolvimento optaram por ser exportadores de com‑
modities (produtos agropecuários, minérios, madeiras etc.) em razão
de esse comércio ser mais valorizado no mercado internacional, por
causa da escassez de terras agrícolas nos países desenvolvidos.
c) o combate aos subsídios agrícolas vem de setores cada vez mais mino‑
ritários no interior dos países em desenvolvimento, visto que a maioria
deles, o Brasil inclusive, está abrindo mão das commodities,
especializando‑se em bens industriais, com alto valor agregado.
d) os enormes subsídios agrícolas aos agricultores dos países desenvolvidos
são uma forma de protecionismo (“fechamento”) de seus mercados
internos, o que contraria a abertura muitas vezes exigida dos mercados
dos países em desenvolvimento.
e) a participação modesta (e cada vez menor) dos países em desenvolvi‑
mento no mercado internacional não está relacionada às políticas
protecionistas dos países desenvolvidos, mas sim à grande ineficiência
produtiva, o que os torna isolados no contexto da globalização.
MÓDULO 9 85

11. (UERJ) “A maior notícia que neste momento o governo pode dar ao país
[...]: trata‑se dos 50 milhões de hectares que, até o começo de dezembro,
serão tomados de grileiros no Amazonas. É quase um terço do estado, que
tem 153 milhões de hectares. Mas só um quarto maior do que os 39,6
milhões de hectares cancelados até a semana passada, sem qualquer
anúncio oficial. [...]
A desembargadora Marinildes Costeira de Mendonça Lima encontrou
municípios em que havia mais grilagem do que terras.”
CORRÊA, Marcos Sá. In: Jornal do Brasil, 28 out. 2001.

Em contraponto à grande disponibilidade de terras, o processo de grilagem


na Amazônia avança associado à seguinte situação:
a) especulação fundiária, buscando maior lucratividade.
b) demanda acentuada por terra, determinando novas invasões.
c) procura de terras devolutas, ampliando a produção agrícola extensiva.
d) ausência da fiscalização do Estado, propiciando o aumento de
latifúndios.
12. (Fuvest) Pode‑se caracterizar parte da complexidade socioeconômica do
Brasil pela:
a) elevada dívida externa, usada para financiar o alto índice de desenvol‑
vimento humano do país.
b) elevada concentração de terras que são utilizadas como reserva de valor
e para agronegócios.
c) exportação de produtos tecnológicos, principal componente da balança
comercial brasileira.
d) concentração da renda no eixo Sul‑Sudeste, em virtude da presença de
imigrantes europeus.
e) queda da produção agrícola para exportação, devido ao protecionismo
de países centrais.
13. (UFRJ) No Brasil, uma parte importante do agronegócio conta com peque‑
nos produtores para o fornecimento de bens de origem vegetal e animal
(fumo, uva, tomate, aves, suínos, entre outros). Essa articulação entre
pequeno produtor e grande empresa contradiz a antiga crença no desa‑
parecimento da agricultura familiar pouco capitalizada diante do avanço
das grandes empresas agroindustriais.
a) Dê uma razão para o pequeno produtor familiar integrar‑se à grande
empresa agroindustrial.

b) Dê uma razão para a grande empresa agroindustrial vincular os peque‑


nos agricultores a sua cadeia produtiva.
86 Geografia

14. (PUC‑MG) A agricultura brasileira apresenta grandes discrepâncias em


relação à modernização do setor, sendo incorreto afirmar:
a) A mecanização reduziu a necessidade do trabalho no campo, agravando
os conflitos pela posse da terra.
b) A modernização favorece a diversificação e qualificação da produção,
de acordo com os interesses dos principais mercados.
c) A modernização contribuiu para amenizar as disparidades regionais e
fundiárias no país.
d) As novas técnicas de manejo estimularam a necessidade de qualificar
a força de trabalho.
15. (UFG) Os movimentos de luta pela terra no Brasil, oriundos da concentração
da propriedade da terra, intensificaram‑se na década de 1980 na porção
sul do país, por causa:
a) do grande número de minifúndios.
b) do intenso processo de modernização da agricultura.
c) da expansão da fronteira agrícola.
d) da tradição camponesa dos imigrantes europeus.
e) das ações organizadas pelas Ligas Camponesas.

Mapa conceitual
MÓDULO 9 87

TEXTO COLETIVO
A produção de texto coletivo é um recurso de escrita que deve ser entendido como espaço comum
de conversação e de aprendizagem. Se a palavra “texto” sugere tecido, propõe‑se que esse tecido seja
urdido por pessoas, opiniões e fatos. Cria‑se, para isso, um espaço relacional de discussão e múltiplas
contribuições. É importante que o texto coletivo se mostre como discurso aberto, interativo, em que a
escrita possa ser livremente reorganizada. Para que ele seja bem‑sucedido, seguem‑se algumas dicas:
• Pode‑se escolher um redator para garantir a uniformidade de estilo da escrita.
• O grupo todo deve participar da discussão inicial, da qual retirará informações para a construção de
um mapa conceitual, que será o plano do texto a ser escrito.
• O texto coletivo corre o risco de se tornar polissêmico (ter vários sentidos) e, portanto, assumir
significações diferentes do que se pretende. Isso ocorre em razão do estilo da linguagem do redator
na transcrição da fala para a escrita. É preciso que o grupo esteja atento para que o texto se man‑
tenha fiel à discussão.
• O grupo deve se dispor a “saber ouvir”. O autoritarismo pode levar ao fracasso do texto.
• Assim como um texto dissertativo, um novo parágrafo pode se contrapor ao anterior, dando maior
sustentação às ideias no grupo.

SEMINÁRIO
Você provavelmente já apresentou um seminário. Foi bom? Muitas vezes não é. Os colegas não
entendem, não prestam atenção, o grupo parece falar de forma decorada... Para que ele dê certo, alguns
cuidados são necessários.
1. Depois de escolhido o tema, o grupo deve se reunir e definir tarefas: quem pesquisa onde e o quê. Muitas
coisas podem ser pesquisadas: contexto histórico, trajetória dos personagens envolvidos, literatura, artes
plásticas ou música que tenha relação com o tema. Quanto mais caminhos de pesquisa o grupo abrir,
melhor: o seminário apresentará resultados mais variados e manterá a atenção dos colegas.
2. A pesquisa tem de ser cuidadosa e o grupo deve se reunir periodicamente para que uns mostrem aos
outros o que encontraram. Muitas vezes o que destrói um seminário é o fato de alguns não saberem nada
do que os outros estudaram e, portanto, não conseguirem estabelecer relações entre as várias partes.
3. Quando a pesquisa estiver encerrada, o grupo deve preparar a apresentação. Ela deve ser muito
bem planejada: quem fala o quê, em que ordem, durante quanto tempo, que materiais visuais serão
usados (transparências, slides, vídeos, fotografias), que sons serão apresentados. O sucesso do
seminário depende, muitas vezes, da agilidade na apresentação: deve‑se evitar falar muito tempo
ou passar um vídeo muito longo.
4. Todo planejamento, mesmo que seja bem‑feito, precisa de ensaio (até para evitar o nervosismo na
hora H!). O grupo pode pedir que alguém (parentes, amigos) assista ao ensaio e dê sugestões.
5. É sempre bom que os colegas recebam algum material (um resumo ou um esquema do que vai ser
apresentado, por exemplo). Facilita para quem vai seguir a exposição. Esse material deve ser sintético
e bem elaborado.
6. Depois da apresentação, o grupo pode conversar entre si, com o professor e com os colegas e fazer
uma avaliação. Sempre se pode aproveitar a experiência e aprender com os erros cometidos: o
próximo será melhor!
88 Geografia

PARA SABER MAIS

VÍDEOS
• TERRA para Rose. Direção de Tetê Moraes. Produção: Brasil, 1987. 84 min.
O documentário se baseia na história de Rose, uma agricultora/posseira que ocupa a fazenda Anoni,
no Rio Grande do Sul. O filme contribui para desmistificar a ideia de atividades inconsequentes vinculada
por parte da grande mídia aos posseiros sem terra. A rotina do grupo de que Rose faz parte aparece em
vários detalhes, apresentando as dificuldades e o desrespeito que o grupo sofre durante a ocupação da
fazenda e uma marcha que realiza para Porto Alegre.
• CABRA marcado pra morrer. Direção de Eduardo Coutinho. Produção: Brasil, 1985. 119 min.
Filme/documentário que conta a história de um líder camponês paraibano, João Pedro Teixeira, assas‑
sinado em 1962. A filmagem, que teve início em 1963, foi interrompida pelo golpe militar e o diretor
retomou o projeto 17 anos depois. O tema do filme, além da morte de João Pedro, passa a ser a trajetória
dos filhos órfãos.

MÚSICAS
• Cidadão
Compositor: Lúcio Barbosa
Intérprete: Zé Ramalho (entre outros)
A música retrata os sentimentos de um migrante nordestino na cidade grande.

LEITURAS
• Morte e vida Severina. João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Alfaguara Brasil, 2007.
Auto de natal pernambucano (1954‑1955). Narra a travessia de Severino, um retirante da Serra da
Costela, até a cidade de Recife, seguindo o curso do rio Capiberibe. Durante o percurso, Severino enfrenta
situações e sentimentos vinculados ao sofrimento do nordestino.
• Questão agrária no Brasil. João Pedro Stédile. São Paulo: Atual, 1997. Coleção Espaço e debate.
Dividido em três partes o livro faz uma introdução à história do problema agrário do Brasil, apresenta
dados estatísticos sobre a situação e finaliza com uma reportagem sobre a experiência de um assentamen‑
to bem‑sucedido.
• Geografia da fome. Josué de Castro. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Antares Achiamé, 1980.
A obra é um clássico sobre o tema. Publicada há mais de seis décadas, retrata a insegurança alimentar
do Norte e Nordeste do país.
Aponta entre as causas da deficiência alimentar as características climáticas, as culturais, do solo e a
concentração de terra na mão de poucas pessoas.

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