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ENSINO MÉDIO
GEOGRAFIA
MÓDULO
9
Diretoria: Guilhermino Figueira Neto
Luis Antonio Laurelli
Gerência editorial: Emília Noriko Ohno
Rosimara Vianna
Secretaria editorial: Deise Cristina Leonardi
Leitura crítica: Felipe Dias de Menezes
Wendel Renato Ferraz
Alexandre Buccini
Edição: Ana Cláudia Dundes
Ana Paula Enes
Rodrygo Martarelli Cerqueira
Preparação de texto: Denis Augusto Fracalossi
Revisão: Ana Maria de Matos Viegas
Maria Cecília Zotelli Pinheiro
Iconografia: Diana Cappuzzo
Cartografia: José Augusto Mota
Kids Produções Gráficas
Mário Yoshida
Vania Gonka
Diagramação: Figurativa Editorial
Projeto gráfico e capa: Figurativa Editorial
Participaram da elaboração:
Eduardo Campos
Marli de Barros
Lilio Alonso Paoliello Junior
Heitor Antônio Paladin Júnior
Henrique Angelo Piovesan Dal Pozzo
Marco Antonio Mitidiero Junior
Silvia Lopes Raimundo
Sonia Maria Munhóes Romano
Wladimir Favro Linares
www.sistemapueridomus.com.br
A P R E S E N T A Ç Ã O
Caros alunos,
ABERTURA DE UNIDADE
Texto introdutório que, em geral, anuncia o conteúdo
desenvolvido na unidade e procura contextualizá-lo.
Pode ser acompanhado ou não de imagem.
FAÇA PARTE
Seção que propõe atividades a serem realizadas em grupo.
Em geral, há atividade que requer o desenvolvimento de um
procedimento, como debate, pesquisa, elaboração de painel,
cartaz etc., aplicando conhecimentos assimilados.
SUA PARTE
Seção com atividades a serem realizadas individualmente, propõe
questões envolvendo a elaboração de respostas que articulam
conteúdos e a leitura de imagens (mapas, gráficos, pinturas,
fotos). Nessa seção, ainda encontram-se questões extraídas de
provas do Enem e de diferentes exames vestibulares.
CONEXÃO
Boxe com característica de um hiperlink, apresenta alguma
curiosidade ou algum assunto relacionado ao conteúdo, a
uma palavra (ou expressão), a um conceito ou termo do
texto principal. O símbolo dá a indicação do boxe.
ACERVO
Boxe com informações sistematizadas ou sintetizadas
dos temas desenvolvidos na unidade. O símbolo dá a
indicação do boxe.
4
PERFIL
Boxe com breve biografia de personalidade
que tem papel relevante no contexto do
conteúdo trabalhado. O símbolo dá a
indicação do boxe.
DICA
Boxe que apresenta explicação, conceito,
definição ou outra referência relacionada
ao texto principal ou a atividades. O
símbolo dá a indicação do boxe.
MAPA CONCEITUAL
Seção no final de cada unidade, na qual se propõe
uma atividade que contribui para a sistematização
de conteúdos, podendo servir como ferramenta de
estudos ou promover a aprendizagem significativa.
COMO FAZER
Seção, no final do Módulo, que explica procedimentos
para o desenvolvimento de atividades propostas no
livro. O símbolo dá a indicação da seção.
5
S U M Á R I O
UNIDADE 1
A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL ..................................................................... 7
O NÓ DA QUESTÃO ............................................................................................. 7
A QUESTÃO AGRÁRIA AO LONGO DA HISTÓRIA .................................................... 8
COMO SE CONSTITUI A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA
E QUAIS SÃO AS SUAS ESPECIFICIDADES? .......................................................... 12
Expropriação e exploração: o capitalismo e o campo brasileiro ..................... 17
OS SUJEITOS SOCIAIS DO CAMPO BRASILEIRO ................................................... 37
A ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA............................................................... 51
A FOME NO BRASIL E NO MUNDO..................................................................... 55
REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: UMA PEQUENA HISTÓRIA CRÍTICA ................... 64
A esperança da reforma agrária continua ..................................................... 67
O estopim dos movimentos sociais no campo brasileiro ............................... 74
6
A
UNID DE
1 A questão agrária
no Brasil
O NÓ DA QUESTÃO
H
á muito tempo a questão agrária vem sendo um dos principais focos da discussão
sobre o desenvolvimento do Brasil. Dada a importância do tema, neste módulo pro‑
pomos uma reflexão crítica da área rural brasileira. O objetivo é compreender as
relações sociais de produção no campo, ou seja, de que forma ela se estrutura na organiza‑
ção da sociedade, levando em conta as condições técnicas e a caracterização dessa produção
no complexo espaço geográfico brasileiro e os sujeitos sociais diretamente envolvidos.
Para começar a entender o que é a questão agrária no Brasil, vamos pensar nas ações
cotidianas de um típico jovem de classe média de uma cidade brasileira. Ele cumpre obri‑
gações, usufrui seus direitos de cidadão, realiza atividades de lazer e dispõe de diversos bens
de consumo. No entanto, a realidade de grande parte dos jovens brasileiros é bem diferen‑
te, sobretudo no que se refere à alimentação. Muitas famílias, por não fazerem diariamente
sequer uma das três refeições completas recomendadas, não obtêm os nutrientes e calorias
necessários por dia, conforme os padrões definidos pela Organização Mundial de Saúde.
Se, de um lado, atualmente é grande a produção mundial de grãos e cereais, de outro,
muitas pessoas passam fome, como mostram, por exemplo, os dados divulgados pela
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2000: cerca
de 750 milhões de hectares de grãos foram plantados no planeta, gerando uma renda de
300 milhões de dólares, mas existem 760 milhões de pessoas subnutridas em todo o mundo.
Além disso, há milhões de camponeses sem‑terra no Brasil, muitos deles lutando para
conquistar espaço para trabalhar. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem‑Terra
(MST), existem 4 milhões de famílias sem‑terra neste país, o que corresponde a aproxima‑
damente 16 milhões de pessoas. Procuraremos mostrar como se chegou a essa situação e
propor reflexões sobre ações sociais transformadoras e eficazes para a sociedade brasileira
diante da questão agrária.
7
8 Geografia
disponíveis para todos, muito menos para os traba‑ ocorreu na Inglaterra, dividiram entre si os antigos
lhadores rurais. Elas foram cercadas, transformando‑ feudos ou as antigas grandes fazendas dos senhores.
‑se em grandes fazendas para plantação de monocul‑ Todo esse processo de desenvolvimento do capi‑
turas. Com isso, ao camponês que trabalhava com sua talismo no campo passou a ser discutido pelos histo‑
família em uma pequena parcela de terra cedida pelo riadores e intelectuais a partir da problematização da
senhor feudal restou o caminho da cidade. questão agrária, ou seja, como os países em desenvol‑
Outro exemplo da complexidade imposta pelo vimento capitalista organizaram a estrutura fundiária
desenvolvimento do capitalismo no campo é o caso e a produção de alimentos.
da França. Neste país, até o final do século XVIII, Basta observarmos a contradição da ocupação da
quase toda a propriedade da terra estava em poder área rural na Inglaterra em relação à França. No
da nobreza e da Igreja. Os camponeses pagavam primeiro país, a terra teve de ser tomada dos campo‑
tributos para os senhores da terra, característica do neses e cercada para o capitalismo se desenvolver, e
modo de produção feudal, e a burguesia, apesar de a grande propriedade rural tornou‑se a forma estru‑
estar em ascensão, não possuía nenhum poder polí‑ tural do campo inglês; no segundo, a terra ficou livre
tico. Campesinato e burguesia eram os segmentos da para a ocupação dos camponeses em pequenas pro‑
sociedade francesa mais explorados na época, tendo priedades rurais, graças ao pacto político estabelecido
de pagar impostos e tributos abusivos, o que os impos‑ entre eles e a burguesia. A estrutura fundiária da
sibilitava de se desenvolver socioeconomicamente. França hoje é reflexo direto desses acontecimentos,
Essas duas classes sociais uniram‑se, então, contra a isto é, as pequenas propriedades rurais são a caracte‑
monarquia na Revolução Francesa, em 1789. rística fundamental do campo francês.
Após a revolução, com a derrota da monarquia, Por tais exemplos, podemos perceber que cada
a burguesia adquiriu poder econômico e político, país, com suas particularidades históricas durante o
passando a dirigir o desenvolvimento do capitalismo desenvolvimento desse novo modo de produção,
na França. Os camponeses, diferentemente do que gerou formas distintas de organização do campo e,
em consequência, encadeamentos diferentes na cons‑ uma política pública de justa distribuição das terras
tituição e resolução do problema agrário. Podemos a quem delas necessitava, processo que ficou conhe‑
até afirmar que há uma questão agrária para cada cido como reforma agrária . Esses dois países são as
país, mesmo que o desenvolvimento do capitalismo duas maiores potências econômicas do mundo que
apresente traços homogêneos de estruturação. resolveram sua questão agrária no século XIX, o que
Devemos levar em conta, no entanto, que a constituiu o pontapé inicial para seu desenvolvimen‑
questão agrária ainda não foi resolvida em muitos to econômico‑capitalista.
países e que suas características qualitativas mudam Nos Estados Unidos, com a abolição da escravi‑
ao longo do tempo. É o caso do Brasil, onde essa dão em 1862, todos os escravos e camponeses sem‑
questão, que aparece de forma patente na atualidade, ‑terra receberam gratuitamente do Estado 160 acres
apresentou particularidades diferentes durante a de terras – o equivalente a 64 hectares no Brasil –,
história da formação do território brasileiro. uma mula e uma quantia em dinheiro para produzir
Ao alterar a propriedade, a posse e a possibili‑ alimentos. Isso foi possibilitado por uma lei editada
dade de acesso à terra, a questão agrária se torna um ainda em 1862, chamada Homestead Act.
problema econômico, uma vez que a organização No Japão, em 1868, início da era Meiji, o gover‑
fundiária escolhida pelo país pode constituir um no desapropriou as terras dos grandes proprietários
obstáculo à produção de alimentos e ao desenvolvi‑ rurais, conhecidos como samurais, distribuindo‑as
mento do capitalismo, além de ser uma questão em pequenas parcelas para os camponeses, e inves‑
sociopolítica, a ser resolvida pelo governo ou por tiu no desenvolvimento tecnológico da produção
meio de revoltas e revoluções sociais. agrícola.
Em muitos países capitalistas avançados, como Esses países, portanto, iniciaram a modernização
Japão e Estados Unidos, as questões de propriedade, socioeconômica a partir da reestruturação da posse
posse e acesso à terra foram resolvidas por meio de e propriedade da terra.
DICA
• O termo organização fundiária ou estrutura fundiária está relacionado à
organização e distribuição das propriedades rurais pelo território. De maneira
ampla, envolve as relações econômicas existentes no espaço rural, voltadas
principalmente para a forma de acesso à propriedade, sua área e infraestrutura
e as relações de trabalho no campo.
• Reforma agrária é um processo de revisão e modificação da estrutura agrária
de um país, a fim de realizar uma divisão mais equitativa da terra, propiciando
às famílias camponesas o direito à terra para seu trabalho, seu sustento e para
viver de forma digna. Esse processo normalmente é acompanhado de outras
políticas públicas, como créditos e financiamentos que garantam a infraestrutura
necessária para o bom andamento da produção e seu escoamento para as
cidades.
O principal objetivo de uma reforma agrária é a segurança alimentar da
população. Vários países já realizaram essa experiência. Como exemplos, pode‑
mos citar: a distribuição de terras em Samos, em plena guerra do Peloponeso,
segundo relatos gregos de 400 anos antes de Cristo; a mudança da estrutura
fundiária por meio de revoluções, como as verificadas na França (1789), na Rússia
(1917) e em alguns países da América Latina – México (1920), Bolívia (1953),
Cuba (1959) – e da Ásia – China (1949) – ; e a reforma agrária decretada por
iniciativa das elites governamentais em um acordo com os camponeses, sem a
necessidade de processos bruscos de mudança, como no caso dos Estados Unidos.
MÓDULO 9 11
Faça parte
As capitanias hereditárias
0 270 N
Quilômetros
Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al.
Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: FAE, 1991.
DICA
Na apropriação comunal das terras, todos são donos da terra em que vivem,
trabalham e produzem, ou seja, não existem divisões de parcelas de terra que se
tornem propriedade privada de uma pessoa ou família.
Era assim a estruturação das terras brasileiras antes de 1500: as tribos indígenas
apoderavam‑se de parcelas de terra e nelas os índios viviam comunalmente, embora
guerreassem com tribos inimigas sempre que houvesse uma tentativa de invasão de
seu território.
14 Geografia
CONEXÃO
A ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA
O sistema de sesmarias adotado desde o início da colonização no Brasil é a gênese da concentração de terras
no país. É importante lembrar que, até meados do século XIX, as terras que não eram destinadas à produção
estavam sujeitas à ocupação aleatória por parte dos colonos (usucapião). Os grandes fazendeiros, possuidores
de muitos escravos, podiam ocupar a quantidade de terra que quisessem ou que seus escravos pudessem
cultivar.
Em 1850, já no Brasil Império, o Estado cria a Lei de Terras, que passa a regulamentar a propriedade das terras
no país. Essa lei determinava que todas as terras pertenciam ao Estado e ele, através de leilão, era o único que
poderia estabelecer a posse sobre uma área. Seu estabelecimento veio ratificar a concentração de terras no país,
já que apenas os grandes proprietários tinham recursos financeiros para tanto. Havia também a intenção de
ocupar terras devolutas no Sul do país, com a entrada de colonos europeus. As terras devolutas são áreas que
não estão formalmente registradas como propriedade privada e, portanto, pertencem ao Estado.
Essa medida perpetuou a posse de terras, já muito concentradas, nas mãos de um pequeno grupo de pro‑
prietários, cerceando a possibilidade de posse aos ex‑escravos e à grande maioria dos imigrantes, que também
não possuíam recursos para a compra das terras.
Um breve histórico de 350 anos
• Até a chegada dos europeus – não existia a propriedade privada da terra no atual território brasileiro. Seus
habitantes a tratavam como um bem comunal.
• Entre 1500 e 1822 – todas as terras pertenciam à Coroa portuguesa, que cedia o direito de uso a pessoas
de sua confiança ou conveniência.
• Entre 1822 (independência política) e 1850 – sistema de posse livre em terras devolutas, em que a terra
só tinha valor de uso. Essa medida deveria beneficiar os pequenos e médios futuros proprietários, mas isso
não se verificou, porque a escravidão ainda existia e os poucos imigrantes que chegavam aqui se dirigiam
às cidades.
• Em 1850 – criada a Lei de Terras. Todas as terras devolutas se tornariam do Estado, e este as venderia em
leilões. O dinheiro arrecadado serviria para trazer mais imigrantes para o Brasil. Houve uma migração de
pobres e ex‑escravos para as cidades, pois estes não poderiam adquirir terras. A estratégia da Lei de Terras
era consolidar a posse da terra nas mãos da elite e preparar uma nova mão de obra (barata) para a lavoura.
A terra passou então a ter valor de uso e de troca.
Foto: Guilherme Gaensly/Instituto Moreira Salles
Colheita de café.
Trabalhadores,
provavelmente
imigrantes europeus, na
colheita de café em
uma fazenda em São
Paulo. A imigração
começou no Brasil na
década de 1850,
chegando a conviver
com o regime de
trabalho escravo
durante certo tempo.
Os imigrantes chegaram
a Araraquara no início
da década de 1870 e
eram, em sua maior
parte, italianos.
MÓDULO 9 15
O escravo, por não ter salário, não era um con‑ ter preço e a ser comercializada em um mercado
sumidor de mercadorias, o que prejudicava o capita‑ imobiliário, isto é, a terra tornou‑se mercadoria, e
lismo como sistema fundado na comercialização. Por uma mercadoria especial, que não envelhece nem
isso, acabar com a escravidão foi um imperativo para morre como o escravo.
os países que queriam desenvolver o capitalismo. Assim nasceu a propriedade privada da terra no
No Brasil, esse processo foi lento, ocorrendo Brasil e, para muitos, as raízes da questão agrária atual
apenas após um pacto da aristocracia com o governo. surgem nesse período, no qual a terra é aprisionada,
A Lei de Terras de 1850 é a materialização desse pacto. ou seja, do escravo cativo para o cativeiro da terra .
Ela transformou a terra em propriedade privada de Só tinha acesso à terra quem possuía capital para
quem tinha seu título, ou seja, a Coroa portuguesa comprá‑la, o que não era o caso dos escravos recém‑
deixou de ser a proprietária de todo o território, e ‑libertos, dos camponeses pobres, dos imigrantes
aqueles que quisessem possuir terra passaram a poder recém‑chegados e muito menos dos índios sobrevi‑
comprá‑la, tendo a propriedade individual e absoluta ventes. Por isso, as terras ficaram nas mãos dos antigos
da terra adquirida e podendo, portanto, fazer dela o senhores de escravos, transformados em fazendeiros
que bem entendesse, inclusive vender. ou latifundiários.
Em termos gerais, a terra reconstituiu o patrimô‑ A Lei de Terras representou uma estratégia para
nio perdido com a abolição dos escravos, passando a a mudança do trabalho escravo para o trabalho livre.
CONEXÃO
Quando os imigrantes europeus começaram a vir para cá para substituir a mão de obra
escrava, a maioria não tinha livre acesso à terra e eles eram obrigados a trabalhar para o
antigo senhor de escravos. Esse fato histórico mostra que a terra sempre esteve cativa nas
mãos dos detentores do poder político e econômico.
Chegando ao período atual, verificamos que a questão agrária permanece na ordem do
dia. Apesar de possuir dimensões diferentes daquelas do passado – por exemplo, hoje há no
campo grandes empresas agrícolas tecnologicamente avançadas –, sua essência é a mesma:
a terra, em grandes extensões, continua aprisionada por poucos, enquanto muitos anseiam
por um pedaço de terra para poder produzir seu sustento.
Principalmente nos últimos trinta anos, houve uma intensificação na ocupação e no
aprisionamento das terras brasileiras, o que levou ao aumento da concentração fundiária.
Ter terra neste país significa, muitas vezes, possuir um patrimônio ou um investimento que
gera lucro e rendimentos, sem mesmo colocá‑la para cumprir sua principal função, que é a
produção de alimentos. Ou seja, ser dono de grandes extensões de terra sem nada produzir
é uma contradição, mas não elimina a chance de obtenção de lucro. A possibilidade de
valorização dos preços de mercadorias se estende ao preço da terra, tornando lucrativo
comprar para depois revender. Talvez este seja um dos principais fatores que explicam a
existência de inúmeros latifúndios improdutivos no Brasil.
A diminuição da diversidade e da quantidade de alimentos disponíveis na mesa da
maioria dos brasileiros pode ser uma das consequências da concentração de terras em lati‑
fúndios improdutivos, assim como dos progressivos aumentos dos preços dos alimentos. Se
esses latifúndios estivessem produzindo, haveria mais alimentos, provavelmente a um preço
menor.
A todos esses problemas em torno da área rural no Brasil, da propriedade da terra à
produção de alimentos, chamamos de questão agrária brasileira.
MÓDULO 9 17
O progresso não atinge todos os lugares e pessoas. Vista parcial da favela do Moinho, no bairro da Barra Funda, São Paulo.
Foto de 2009
18 Geografia
CONEXÃO
A favor: Contra:
• Maior produtividade • Redução da biodiversidade
• Adaptação a climas e solos • Poluição de rios e solo
• Resistência a pragas • Criar resistência a agrotóxicos
• Menor custo de produção • Criar resistência a antibióticos nos huma‑
• Competitividade com o mercado inter‑ nos
nacional • Polinização cruzada
• Capacidade de aumentar os níveis de • Risco de causar doenças
vitaminas e minerais absorvidos pelos • Erradicação de insetos benéficos para a
alimentos agricultura
• Acessível à maior faixa da população • Não foram feitos devidos estudos sobre
o impacto ambiental
• Aumento do desemprego
• Risco de gerar superpragas
• Capacidade de poucas grandes empre‑
sas monopolizarem o mercado de
sementes
• Não há regulamentação técnica para
responsabilizar os laboratórios por pos‑
síveis incidentes futuros
MÓDULO 9 19
Muito ainda será discutido em torno do assunto, Resta‑nos saber se junto com a produção está
até os transgênicos serem plenamente adotados ou aumentando a fiscalização e as pesquisas de impacto
abandonados, mas ao que tudo indica os transgênicos socioeconômico e ambiental.
vieram para ficar, pois sua produção somente vem Disponível em: <futuroverde.wordpress.com>.
aumentando nos últimos anos. Acesso em: 5 dez. 2009.
Ásia
América do Norte
2000 – 0,05 milhão Oceania
Círculo Polar 2000 – 1 milhão
Ártico 2006 – 2,9 milhões 2000 – 7,6 milhões
2006 – 2,2 milhões
2006 – 11,8 milhões
América Latina
2000 – 3,3 milhões
2006 – 5,8 milhões
Trópico de Câncer
África
2000 – 0,02 milhão
Equador 2006 – 0,9 milhão
Trópico de Capricórnio
TOTAL
2000 – 15,67 milhões
2006 – 30,5 milhões 0 2 450 N
Quilômetros
Fonte: Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam).
20 Geografia
Essas políticas trouxeram o que se convencionou tindo como assalariados ou pela ocupação e tomada
chamar de desenvolvimento, mas sempre ocultando de posse de pequenas áreas, cada vez mais se embre‑
as consequências sociais delas originadas. O progres‑ nhando para o Centro‑Oeste e a Amazônia, fazendo
so atingiu pequena parte da população, deixando a avançar a fronteira agrícola brasileira.
maioria à margem. Mas quem estimulou e propiciou essas políticas
Todos nós podemos ver os frutos desse progres‑ públicas que geraram e impulsionaram a exclusão e,
so, mas também seu reverso: o processo de exclusão consequentemente, o êxodo rural? Durante 21 anos,
social. A elite que comandou o Brasil desde o desco‑ o Brasil passou por um governo militar, instalado em
brimento traçou planos que não incluíram toda a 1o de abril de 1964 por meio do golpe de Estado
população. A modernização trouxe avanços – surgi‑ comandado pelas Forças Armadas brasileiras e por
ram redes hospitalares e universidades, construíram‑ parte da elite (agora não mais os barões do café, mas
‑se estradas de rodagem ligando várias regiões etc. –, parte dos empresários que investiram em indústrias),
mas foi também conservadora, pois nem todos tiveram com o apoio do governo dos Estados Unidos.
acesso a esses bens. O aspecto conservador está em Acreditando que o presidente João Goulart iria alte‑
preservar o poder de determinados grupos sociais. rar a Constituição e seguir o caminho da Revolução
Se estudarmos a história brasileira com atenção, per‑ Cubana, os Estados Unidos temiam os programas de
ceberemos que essa estratégia das elites, em um reforma agrária e a ameaça de confisco de proprie‑
primeiro momento agrária e depois industrial, quase dades norte‑americanas no país (ver Conexão O
sempre foi a mesma: exclusão do povo das decisões, Estatuto da Terra de 1964 , p. 22). Nesse período, os
particularizando os ganhos e socializando os prejuízos. interesses capitalistas se fortaleceram no Brasil, tra‑
A partir da década de 1960, houve, no campo zendo as consequências que apresentamos desde o
brasileiro, um avanço na produção de alguns setores início deste módulo.
e, ao mesmo tempo, a falta de apoio para a maioria Os projetos de colonização do Centro‑Oeste e
de seus moradores, o que serviu como uma espécie da Amazônia brasileira, de construção de estradas e
de convite para que os camponeses enxergassem a de obras vultosas, como a hidrelétrica de Itaipu, no
cidade como o melhor lugar para viver. estado do Paraná, são exemplos de medidas tomadas
Ao mesmo tempo, havia nos centros urbanos a pelo governo militar que resultaram em grandes
necessidade de criar um exército de trabalhadores transformações no território brasileiro.
de reserva (conhecido pelos economistas como exér‑ O impacto dessas transformações na área rural
cito de reserva) para as grandes indústrias que estavam é interpretado por alguns pesquisadores, entre eles
se instalando no país. Isso incentivava a oferta de José de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de
baixos salários, pois, para cada vaga livre, haveria Oliveira, Octavio Ianni e Carlos Walter Porto Gonça‑
enorme contingente de pessoas para ocupá‑la. lves, como um processo de expropriação e exploração
A decisão de promover e apoiar as grandes plan‑ do homem do campo. Isto é, com a expulsão dos
tações (as monoculturas para exportação nas décadas camponeses de suas terras, dava‑se lugar ao que o
de 1960, 1970 e 1980) e a pecuária extensiva para o governo chamou de modernização.
abate, de realizar os projetos de grandes hidrelétricas, Atrelada a todas essas transformações, adotou‑
entre outras iniciativas, expulsou do campo diversos ‑se no Brasil a ideia de modernização da produção
pequenos proprietários familiares que, sem apoio agrícola relacionada à revolução verde , que pro‑
governamental, foram perdendo suas terras. punha, entre outros objetivos, implantar um mesmo
Apesar do êxodo rural no Brasil ter sido intenso, padrão tecnológico na agricultura em todo o
muitos camponeses permaneceram no campo, resis‑ mundo.
MÓDULO 9 21
Projeto Jari Florestal e Agropecuária Ltda., Vila Laranjal do Jari, divisa entre Pará e Amapá. Plano de colonização privada
incentivado pelo governo militar e que possui atualmente mais de 4 milhões de hectares na Amazônia, em sua maioria
improdutivos. Foto de 2002
DICA
A revolução verde é um conjunto de mudanças técnicas na produção agrícola que configuram a grande
articulação entre agricultura e indústria. Essas inovações são o uso de sementes selecionadas, adubos químicos
e agrotóxicos, assim como intensa mecanização no preparo do solo, no plantio e na colheita. O objetivo dessa
revolução, que foi alcançado, era aumentar a produtividade por área cultivada.
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi responsável por esse programa, iniciando sua implantação no
mundo na década de 1960 e gerenciando os interesses das grandes empresas multinacionais envolvidas na
produção agropecuária.
Hoje a ONU faz uma autocrítica sobre as consequências ambientais e econômicas desse modelo agrícola.
Os danos ao meio ambiente passam por poluição do solo e das águas subterrâneas e dos rios, atingindo
animais e seres humanos no que diz respeito à mudança de hábitos alimentares e, em muitos casos, prejudicando
a saúde.
A substituição dos trabalhadores por máquinas gerou desemprego e, portanto, impulsionou o êxodo rural,
desestruturando as economias dos países pouco desenvolvidos que não haviam realizado uma reforma agrária
e que, além disso, se endividaram para implantar esse modelo.
Desde 1980 os movimentos dos camponeses têm apresentado alternativas à revolução verde, propondo, por
exemplo, uma prática voltada para a agricultura orgânica, que respeita o equilíbrio ecológico do solo em sua
ligação com os outros elementos da natureza e busca a reutilização de sementes crioulas. Muitas ONGs ligadas
a questões ecológicas e ambientais divulgam e tentam abrir mercado para os produtos orgânicos.
22 Geografia
CONEXÃO
área rural no Brasil, o que de fato nunca Fonte: Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
aconteceu, pois a redistribuição das
terras precisa ser acompanhada de uma Grau de modernização
do espaço rural brasileiro – 2000
política agrícola que permita ao peque‑
CONEXÃO
Faça parte
Sua parte
DICA
Nem todos os termos serão utilizados para montar o esquema das
três mercadorias e alguns podem ser empregados em mais de um esque‑
ma. Lembre‑se de que certas mercadorias demandam outros produtos e,
por isso, sua produção final pode envolver várias fábricas antes de elas
serem postas à venda (por exemplo, um pacote de 500 gramas de café
moído e torrado possui, além do próprio café, uma embalagem que é
feita de papel).
MÓDULO 9 27
b) Qual a ligação dessa lei com a política de imigração adotada no país nas
décadas posteriores a ela?
10. Por que acabar com a escravidão no Brasil e no mundo foi importante para
o capitalismo?
MÓDULO 9 29
As motivações que originaram a Lei de Terras de 1850 ainda hoje são causa
de conflitos em relação à propriedade rural no Brasil.
Dentre as questões levantadas nos artigos transcritos, aquelas que carac‑
terizam a atual estrutura fundiária no Brasil são:
a) Mercantilização da terra e expulsão de posseiros pobres.
b) Exclusão de grileiros e internacionalização da propriedade.
c) Obrigatoriedade de registro oficial e predomínio de terras devolutas.
d) Instituição de gratuidade nas fronteiras e obrigatoriedade de produção.
30 Geografia
18. Entreviste pessoas com mais de 60 anos sobre como era o Brasil em sua
juventude. Peça‑lhes que comparem a vida daquele tempo com a de hoje.
Pergunte sobre qualidade de vida, as diferenças entre os produtos, as
novidades no que diz respeito aos bens de consumo, transportes públicos
e particulares, lazer, estudos, acesso à informação etc.
Elabore um painel com as respostas mais relevantes de cada entrevista.
Convide algumas dessas pessoas a participar de um debate sobre o tema:
“A qualidade de vida no Brasil ontem e hoje”.
19. A prática da agricultura orgânica ocorre em pequenas propriedades rurais,
com base na agricultura familiar. Como essa proposta pode reduzir o êxodo
rural no Brasil, ajudando a fixar a população no campo?
22. Há uma polêmica entre autores brasileiros que discutem e apontam alguns
aspectos do atraso em que nosso país se encontra no que se refere aos
avanços proporcionados pela modernização. O que de fato podemos afir‑
mar é que os benefícios da modernização não atingem todos os brasileiros.
Leia o texto a seguir.
“A resistência às forças inovadoras da Revolução Industrial e a causa
fundamental de sua lentidão não se encontram, portanto, no povo ou no
caráter arcaico de sua cultura, mas na resistência das classes dominantes.
Particularmente nos seus interesses e privilégios, fundados numa orde‑
nação estrutural arcaica e num modo infeliz de articulação com a economia
mundial, que atuam como um fator de atraso, mas são defendidos com
todas as suas forças contra qualquer mudança. Esse é o caso da proprie‑
dade fundiária, incompatível com a participação autônoma das massas
rurais nas formas modernas de vida e incapaz de ampliar as oportunidades
de trabalho adequadamente remuneradas oferecidas à população.”
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
23. As políticas adotadas para o campo brasileiro nas últimas três décadas,
denominadas por alguns de “modernização conservadora”, tiveram con‑
sequências na vida das pessoas das médias e grandes cidades. De que
maneira essas políticas atingiram a maioria da população brasileira?
24. Com base no exposto no texto desta parte da unidade sobre moderniza‑
ção, é correto afirmar que progresso e desenvolvimento são sinônimos
de benesses? De que maneira desenvolvimento e progresso são apre‑
sentados?
25. Que associação pode ser feita entre a resistência dos camponeses em
deixar a vida no campo e a expansão das fronteiras agrícolas?
27. (Cefet‑MG) “Atualmente têm sido muitos os debates em torno dos vulgar‑
mente chamados organismos transgênicos. A denominação aceita pela
comunidade científica é organismos geneticamente modificados, também
identificados pela sigla OGMs. A polêmica é mais acirrada no campo dos
alimentos, como a soja e o milho, que são a base de diversos produtos
industrializados.”
BOLIGIAN, Levon; ALVES, Andressa.
Geografia: espaço e vivência. São Paulo: Atual, 2004.
Arte: Figurativa
Aumento do uso de fertilizantes
COM OS
TRANSGÊNICOS,
ALÉM DOS ... EM BREVE
SEM-TERRA... VAMOS TER OS
SEM-SEMENTES.
Trópico de Câncer
Equador
Trópico de Capricórnio
0 5-000 N
Quilômetros Círculo Polar Antártico
DICA
A unidade de medida de superfície agrária mais utilizada pelo governo federal é o hectare,
que corresponde a 10 000 metros quadrados, mais ou menos a área de um campo de futebol.
Usa‑se o hectare como convenção para medir as propriedades principalmente na região Sul e
nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
O alqueire equivale a 24 200 metros quadrados e é bastante usado pelos grandes fazendeiros,
sobretudo em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O alqueirão, que corresponde ao dobro do
alqueire, ou seja, 48 400 metros quadrados, é muito empregado em Goiás e na região Norte.
Há tradições culturais em todo o Brasil para mensurar a terra.
Citamos apenas os termos mais usuais nas regiões, mas isso não significa que no Sul não
exista fazendeiro que empregue o termo alqueirão.
38 Geografia
CONEXÃO
MÓDULO RURAL
Derivado do conceito de propriedade familiar, módulo rural é uma unidade de medida, expressa em hectares,
que busca exprimir a interdependência entre a dimensão da área, a situação geográfica dos imóveis rurais e as
condições de seu aproveitamento econômico. O conceito de propriedade familiar é, assim, fundamental para
entender o significado de módulo rural.
Segundo o artigo 4o, inciso II, do Estatuto da Terra (Lei no 4.504/1964), propriedade familiar é “o imóvel rural
que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho,
garantindo‑lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e
tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros” (Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Disponível em: <www.mda.gov.br>. Acesso em: 3 mar. 2010).
O módulo rural representa a dimensão de uma propriedade familiar com capacidade de gerar boas condições
de vida a uma família de quatro pessoas adultas. No entanto, essa dimensão varia, segundo três fatores que
podem privilegiar o proprietário:
• localização: se o imóvel rural se localiza próximo a um centro urbano, em região bem atendida pelo sistema
de transportes, ele proporciona rendimentos maiores do que um imóvel mal localizado e, portanto, terá
uma área menor;
• fertilidade do solo e clima da região: quanto mais propícias as condições naturais da região, menor a área
do módulo;
• tipo de produto cultivado: em uma região onde se cultiva arroz, por exemplo, sem utilização de tecnologias
avançadas, o módulo rural deve ser maior do que o de uma região em que se cultiva o mesmo produto,
mas com condições naturais, geográficas e tecnológicas melhores.
Dessa forma, o módulo rural não é uma unidade de medida precisa, variando de região para região e de
situação para situação. Por exemplo, no estado de São Paulo, sua dimensão oscila, geralmente, entre 8 e 20
hectares e, em algumas regiões do Norte, pode chegar a 100 hectares.
MÓDULO 9 39
Neste ponto, cabe refletir sobre algumas ques‑ listas, que podem estar organizados indivi‑
tões. Até que ponto grandes extensões de terra podem dualmente ou em grupos econômicos, nacio‑
ficar sem produzir alimentos para a sociedade? Se nais ou estrangeiros, de origem comercial,
todas elas estivessem produzindo, haveria maior industrial ou financeira.
quantidade de alimentos e, portanto, a um preço No entanto, é importante estarmos cientes
menor para a população? Então, a sociedade é pena‑ de que essas duas figuras sociais podem
lizada por essa particularidade da questão agrária explorar a terra de diferentes formas, que
brasileira? Se existem muitos documentos oficiais, são: os latifúndios improdutivos, à espera de
inclusive a Constituição federal, que penalizam a especulação imobiliária; a empresa rural
apropriação de terras quando não voltada para a moderna e agroindustrial, com a utilização
produção de alimentos, por que esse quadro não é de alta tecnologia, resultando em elevada
revertido por meio de uma reforma agrária? produtividade; e as grandes fazendas que
Quanto aos sujeitos sociais do campo brasileiro, exploram a terra com o uso moderado de
existe hoje uma complexidade de fatos e situações, tecnologia e com trabalhadores assalariados.
mas procuraremos nomear e caracterizar alguns Alguns desses estabelecimentos muitas vezes
deles. burlam as leis, transformando os trabalha‑
O segmento da sociedade rural que se apropria dores rurais assalariados no segmento da
de forma capitalista da terra pode ser classificado população economicamente ativa brasileira
como se segue: com a menor faixa de renda. Segundo o
• Grande proprietário capitalista – há duas último Censo Agropecuário do IBGE (2006),
categorias. Uma delas é a das oligarquias a estrutura fundiária brasileira se manteve
regionais, representada por famílias tradicio‑ praticamente inalterada, e os grandes pro‑
nais de certas regiões brasileiras que possuem prietários representam uma parte enorme
vastas áreas e grande poder político‑econô‑ das terras rurais cadastradas. O gráfico e a
mico. Esse tipo de apropriação da terra ficou tabela a seguir deixam clara essa concentra‑
conhecido na literatura como coronelismo . ção das grandes propriedades nas mãos
A outra categoria é a dos investidores capita- desses sujeitos sociais.
CONEXÃO
O “CORONEL”
“Coronel” é o indivíduo que, com sua família, possui grandes extensões de terra em
determinadas regiões. Esse poder econômico representado pela quantidade de terra estende‑
‑se a outros ramos da vida social do lugar, isto é, ele também possui o poder político, social
e jurídico. Político, porque domina os cargos administrativos do município ou dos municípios;
social, porque a maior parte dos moradores da região depende direta ou indiretamente dos
negócios do coronel, respeitando o sobrenome de sua família; jurídico, porque, além de
exercer influência sobre os funcionários da Justiça na região, o coronel “inventa” suas pró‑
prias leis, muitas vezes diretamente opostas às leis institucionais do governo.
O poder do coronel foi muito bem representado pela figura de Sinhozinho Malta na
novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, apresentada em 1985. Uma das frases caracterís‑
ticas dita por essa personagem era “Estou certo ou errado?”, como forma de demonstrar
sutilmente o poder que exercia sobre os moradores do lugar onde se desenvolvia a trama.
Um fragmento da novela pode ser visto no endereço eletrônico www.youtube.com.
Obras da literatura brasileira, como Tieta do Agreste e Gabriela, de Jorge Amado, também
tratam da organização de comunidades sob o poder de um coronel.
40 Geografia
Arte: Figurativa
Número de estabelecimentos rurais Área dos estabelecimentos
1,0% 2,4%
Menos de 10 ha
8,6%
19,1%
10 a 100 ha
44,4%
40,1% 50,3%
100 a 1 000 ha
34,2%
Mais de 1 000 ha
Concentração de terras: 9,6% das propriedades rurais, em número, ocupam uma área de 78,6% das terras brasileiras.
Total 374 924 421 353 611 246 329 941 393
De 100 ha a menos de 1 000 ha 131 432 667 123 541 517 112 696 478
1 000 ha e mais 163 940 667 159 493 949 146 553 218
• Arrendatário capitalista – aluga extensões de nando‑se seu proprietário “legal” com a uti‑
terra de outros proprietários para investir na lização de documentos falsos. As terras geral‑
agropecuária, prática muito comum nos esta‑ mente são negociadas, ou seja, divididas e
dos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, vendidas para outras pessoas. Essa categoria
em que se alugam pastos para pecuária. Não também pode estar representada pela figura
há como o arrendatário capitalista formar um das oligarquias regionais ou dos investidores
latifúndio improdutivo, já que seu objetivo é capitalistas.
produzir para, antes de tudo, pagar o aluguel • Pequeno proprietário capitalista – explora
da área em que investiu seu capital. sua área, que varia de 2 a 100 hectares, de
• Médio proprietário capitalista – dono de forma racional do ponto de vista da utilização
terras com dimensão entre 100 e 1 000 hec‑ de tecnologia e mão de obra assalariada. Pode
tares, pode explorá‑las da forma mais moder‑ produzir principalmente frutas ou produtos
na possível ou, em contraposição, deixá‑las restritos ao consumo das classes com alto
improdutivas, à espera de valorização no poder aquisitivo, processando sua produção
mercado. em pequenas agroindústrias ou explorando
• Grileiro de terra – é o indivíduo que se sua terra com atividades não agrícolas, como
apropria ilegalmente de médias e grandes no caso dos hotéis‑fazenda, pousadas e pes‑
extensões de terra (sobretudo estas), tor‑ queiros (pesque‑pague).
MÓDULO 9 41
CONEXÃO
GRILEIROS DE TERRA
A explicação da palavra “grileiro” ficou imortalizada na descrição feita por Monteiro Lobato em A
onda verde. Neste livro, o grileiro é um sujeito que falsifica documentos de propriedade da terra e coloca‑
‑os em uma gaveta ou caixa de sapato com muitos grilos dentro, deixando‑os aí até ficarem com a apa‑
rência amarelada de velhice por causa da liberação das fezes dos insetos. Ele vai então até a administração
pública e reclama a expulsão de quem está em suas terras apresentando documentos falsos, apossando‑se
delas.
Outra explicação, menos aceita, para o termo “grileiro” está nas artimanhas dos fazendeiros para
roubar pedaços de terra da fazenda vizinha: eles mudavam constantemente as cercas de sua propriedade
invadindo a do outro, como se as cercas fossem dando saltos, como fazem os grilos.
Hoje há também o chamado “grileiro moderno”, que suborna os funcionários dos cartórios de registros
de imóveis responsáveis pela emissão de documentos de propriedade para conseguir títulos “legais” de
propriedade.
Existe atualmente na Justiça um caso de grilagem de cerca de 7 milhões de hectares na Amazônia no
nome de apenas uma pessoa.
outras pessoas, isto é, não utilizam a mão de obra do palavra e na prática do respeito mútuo entre
trabalhador assalariado, gerando a chamada econo‑ as pessoas da comunidade. Por exemplo, a
mia de subsistência familiar. negociação da venda ou compra de produtos
Essa forma de organização econômica lhes pos‑ entre parentes, compadres e vizinhos não é
sibilita uma relativa independência do mercado, uma baseada na lei, mas sim na confiança na pala‑
vez que produzem alguns alimentos necessários à sua vra entre os negociadores (em geral, para
sobrevivência e comercializam o excedente com a efetivar essa relação, é usada a expressão “fio
intenção de obter rendimentos para adquirir outros do bigode”).
produtos de que necessitam. • Manifestações culturais: normalmente, têm
Outro aspecto essencial para caracterizarmos forte conteúdo religioso, como as festas juninas.
esses sujeitos é a sua estrutura interna de organização • Mobilização política: os camponeses costu‑
sociocultural. Geralmente os camponeses residem mam ter grande capacidade de se mobilizar
próximos uns dos outros, formando comunidades ou contra as ações dos grandes proprietários
bairros rurais rodeados de pequenas propriedades, rurais ou dos governos que os prejudicam.
apresentando as seguintes particularidades: Tais características são fundamentais para enten‑
• Relação íntima com a terra: todos têm conhe‑ der as sociedades camponesas não apenas do Brasil,
cimento dos ciclos da natureza e das técnicas mas do mundo.
de produção e consciência de que essa terra Esses sujeitos sociais estão espalhados pelo terri‑
é o lugar de morada, de produção de alimen‑ tório brasileiro em diferentes situações e recebem
tos, de reprodução social e de herança da diversas denominações, como:
família. • Pequeno proprietário familiar – possui o
• Prática da ajuda mútua: em momentos espe‑ título de propriedade da terra onde habita e
cíficos, por exemplo, na época de colheita ou trabalha com sua família na produção.
de construção de uma casa para recém‑ • Parceiro – por não possuir terras para plantar,
‑casados, a comunidade se reúne para ajudar apropria‑se de pequenas parcelas de terra
sem nada cobrar pelo tempo de trabalho com o consentimento do proprietário,
gasto. mediante pagamento. Os parceiros também
• Trabalho acessório: principalmente nos perío‑ podem receber as seguintes denominações:
dos de entressafra e em momentos de crise meeiros, que dividem ao meio toda a sua
financeira, integrantes das famílias se veem produção agropecuária com o proprietário
obrigados a trabalhar em outro lugar, como como forma de pagamento pela terra utiliza‑
forma de manter o sustento de seus familiares. da; porcenteiros, que dividem em porcenta‑
É o caso, por exemplo, dos migrantes tempo‑ gens preestabelecidas toda a produção ou
rários do Sertão nordestino ou do norte de todos os rendimentos provindos da terra
Minas, que deixam seus sítios e sua família cedida pelo proprietário; e rendeiros ou
para trabalhar, no campo ou na cidade, na pequenos arrendatários, que alugam peque‑
região Sudeste. nas áreas de terra e pagam em dinheiro o
• Relações de parentesco, vizinhança e compa- preço combinado com o proprietário da terra
drio: são as relações com os familiares espa‑ assim que obtêm os primeiros rendimentos
lhados na mesma comunidade, os relaciona‑ com a produção.
mentos de amizade na vizinhança e os • Posseiros – são pequenos produtores campo‑
vínculos que ultrapassam a condição de ami‑ neses sem ‑terra que, com sua família, se
zade e vizinhança, ou seja, entre compadres. apropriam de pequenas parcelas de terra sem
• Direito costumeiro: as relações sociais e eco‑ possuir o título de propriedade ou sem a
nômicas fundamentam‑se na confiança da concessão de uso da área pelo proprietário.
MÓDULO 9 43
Costuma‑se chamar de “abertura de posse” Existem outros sujeitos sociais que compõem e
quando o posseiro e sua família ocupam áreas caracterizam o campo, mas não possuem nenhuma
improdutivas de propriedade privada ou do relação com a apropriação da terra. São eles: os
Estado para produzir alimentos para a subsis‑ assalariados rurais, que trabalham em troca de um
tência familiar. Há grande quantidade de salário mensal na fazenda do patrão; os boias‑frias
posseiros na região Norte e nas zonas de (volantes), empregados temporários (diaristas) nas
fronteira agrícola. épocas de colheita; os acampados, contestadores
• Assentados de projetos de reforma agrária sociais pela reforma agrária, que muitas vezes passam
– constituem um segmento específico do anos acampados à espera do assentamento; os jagun‑
campo brasileiro atualmente. Apropriam‑se ços, que, principalmente nas regiões Norte e
de pequenas parcelas de terra com sua famí‑ Nordeste, trabalham para os grandes fazendeiros na
lia após um processo de luta por sua posse, realização de serviços escusos e violentos contra os
obrigando o Estado a desapropriar ou ceder oponentes políticos de seu patrão; e os peões, que
áreas próprias para o assentamento das famí‑ não têm nada a ver com o peão de rodeio, mas sim
lias. Os assentados não possuem o título de com formas de escravidão branca, ou seja, peonagem
propriedade privada da terra, mas sim um é o sistema utilizado por muitos fazendeiros para
termo de concessão de uso expedido pelo transformar, por diversos meios, o trabalhador em
governo federal, com a possibilidade de rece‑ devedor, na medida em que este nunca consegue
berem o título definitivo após o pagamento pagar o patrão, trabalhando apenas em troca de
do lote de reforma agrária, o que pode demo‑ comida, sem nenhuma possibilidade de deixar a
rar até 23 anos. fazenda para tentar obter o dinheiro de outra forma.
• Quilombolas – são famílias de descendentes Há ainda grande quantidade de sujeitos sociais na
de africanos que residem em áreas de antigos área rural que recebem denominações que variam de
quilombos da época da escravidão. acordo com a região ou estado e uma diversidade de
Organizam a produção de forma análoga à situações que os caracterizam, tornando‑se difícil expli‑
produção camponesa: cada família com sua citar todas elas. Acreditamos, no entanto, que todos os
parcela de terra própria, mas vivendo em sujeitos do campo, independentemente de sua denomi‑
comunidade. nação, encaixam‑se nos segmentos aqui representados.
Foto: Douglas Mansur
Faça parte
Sua parte
GO Perolândia 39
MA Miramar do Norte 31
MG Poços de Caldas 46
PA Banach 21
PA Sapucaia 33
* Presença de menores.
Fonte: Comissão Setor de Documentação Pastoral da Terra. Almanaque Abril 2000. São Paulo: Abril,
2000.
A partir da análise das informações, estão corretas as seguintes conclusões
sobre o trabalho escravo ou peonagem no Brasil, exceto:
a) A ocorrência de trabalho escravo está relacionada à necessidade de
mão de obra em grandes projetos agropecuários na Amazônia Legal.
b) Embora concentrada, a ocorrência de trabalho escravo não se limita a
uma região ou estado.
c) O “gato” ou empreiteiro é figura central no aliciamento de trabalhadores,
principalmente sulistas, mediante promessa de trabalho e salários
compensadores.
d) A escravidão do peão se explica pela inexistência de contratos escritos,
o que acaba por torná ‑lo prisioneiro na fazenda pelas dívidas
contraídas.
48 Geografia
o
Capricórni
Trópico de
2
0 570 N
Eixos de expansão
Quilômetros
a) Fronteira agrícola:
1 – para MS/MT e RO.
2 – para o Paraguai, através dos “brasiguaios”.
b) Fronteira de mineração:
1 – para Serra Pelada.
2 – para o rio Madeira e Pantanal.
c) Indústria alimentar:
1 – da região Sul para a região Norte.
2 – da região Sul para o Paraguai.
d) Pecuária intensiva:
1 – do RS para MT e GO.
2 – de MS para a Argentina.
e) Pecuária extensiva:
1 – do RS para RO.
2 – de SP para MS.
6. (Unicamp) “O posseiro operou como desbravador do território, como
amansador da terra [...]. É frequentemente utilizado para deslocar os
grupos indígenas, para avançar sobre a terra deles, desalojado pelo capital
[...]. O capital, amplamente estimulado pelo Estado, já avança sobre as
terras dos posseiros e terras indígenas.”
MARTINS, José de Souza. In: OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de.
Amazônia: monopólio, expropriação e conflito. Campinas: Papirus, 1997.
8. (FGV) Este agricultor brasileiro mora há muito tempo na área rural e cultiva
a terra, mas não pode obter crédito bancário ou qualquer outro tipo de
assistência agronômica que lhe possibilite aumentar a produtividade de
seu cultivo porque não possui o título de propriedade da terra em que
trabalha.
O texto refere‑se ao:
a) agregado a uma fazenda a quem o dono deu um pedaço de terra ao
redor de sua casa para o plantio e a criação de pequenos animais.
b) grileiro que forjou uma documentação para se apropriar de terras
devolutas.
c) grileiro que se apossou de terras solteiras.
d) posseiro que comercializa pequenos excedentes da produção realizada
pela família.
e) meeiro que com o tempo se tornou proprietário das terras empreitadas.
50 Geografia
Estratos de área (ha) Menos de 10 10 – 100 100 – 1 000 Mais de 1 000 Total
1940 654 557 975 438 243 818 27 812 1 901 625
1950 710 934 1 052 557 268 159 32 628 2 064 278
1960 1 495 020 1 491 415 314 746 32 480 3 333 661
1970 2 519 630 1 934 392 414 746 36 874 4 905 642
1975 2 601 860 1 898 949 446 170 41 468 4 988 447
1980 2 598 019 2 016 774 488 521 47 841 5 151 155
1985 3 085 841 2 166 424 518 618 50 105 5 820 988
1995‑1996 2 402 374 1 916 487 469 964 47 358 4 836 183
2006 2 477 071 1 971 577 424 906 46 911 4 920 465
Fonte: IBGE. Dados organizados por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (até 1996). A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1995.
Atualizados a partir do Censo Demográfico de 2006.
52 Geografia
CONEXÃO
Estratos de área (ha) Menos de 10 10 – 100 100 – 1 000 Mais de 1 000 Total
1940 2 893 439 33 112 160 66 184 999 95 529 649 197 720 247
1950 3 025 372 35 562 747 75 520 717 118 102 270 232 211 106
1960 5 952 381 47 566 290 86 029 455 110 314 016 249 862 142
1970 9 083 495 60 069 704 108 742 676 116 249 591 294 145 466
1975 8 892 646 60 171 637 115 923 043 138 818 756 323 896 082
1980 9 004 259 64 494 343 126 799 188 163 556 631 363 854 421
1985 10 029 780 69 678 938 131 893 557 164 684 302 376 286 577
1995‑1996 7 882 194 62 693 585 123 541 517 159 493 949 353 611 246
2006 7 798 607 62 893 091 112 696 478 146 553 218 329 941 393
Fonte: IBGE. Dados organizados por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (até 1996). A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1995.
Atualizados a partir do Censo Demográfico de 2006.
O uso da terra no Brasil, ou melhor, a distribuição territorial de tudo que é produzido pela
agropecuária, revela uma série de desigualdades no nosso espaço rural (ver na página a seguir
o mapa Brasil – Uso da terra). Cada região ou estado possui determinados produtos como o maior
expoente de produtividade, como a soja no Centro‑Oeste e no Sul, a laranja no Sudeste, o arroz
no Sul, a mandioca no Nordeste, o rebanho bovino nos estados de Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais e São Paulo etc.
No passado, podia‑se compreender essa distribuição da produção a partir de dois fato‑
res: da ocupação histórica e das condições climáticas e de fertilidade do solo dos diferentes
locais. Dessa forma, era fácil, por exemplo, entender as grandes colheitas de soja e trigo no
Sul do país, já que é uma região de migrantes europeus que tradicionalmente cultivavam
esses cereais em seus países de origem e, além disso, com condições climáticas favoráveis a
seu desenvolvimento.
MÓDULO 9 53
0 450 N
Quilômetros
Fonte: SIMIELLI, M. E. Geoatlas. São Paulo: Ática, 2000, com base em dados e entrevista de A. U.
Oliveira, 1996‑1999.
Lavoura de soja transgênica no município de Tupanciretã, na região noroeste do Rio Grande do Sul. Foto de 2003
54 Geografia
Mas como explicar, hoje, a veloz expansão do cultivo de soja nas áreas de cerrado (Centro‑
‑Oeste)? O cerrado, com seu solo ácido, pobre em nutrientes, e seu clima quente, seria, a prin‑
cípio, o último lugar em que um produtor rural investiria seu capital para plantar soja. No
entanto, é comum verificarmos elevados índices de produtividade nessa área, entre os mais altos
do mundo, principalmente nas áreas de cerrado do Mato Grosso.
O primeiro ponto para entendermos essa nova face do campo brasileiro é o avanço cada
vez maior da tecnologia e da biotecnologia voltada para a exploração rural, resultando, por
exemplo, em fertilizantes e adubos que corrigem as deficiências do solo e em sementes selecio‑
nadas e geneticamente modificadas que possibilitam à planta desenvolver‑se em lugares em que
isso apresentaria grandes dificuldades.
DICA
A biotecnologia é a aplicação do desenvolvimento laboratorial de material biológico de plantas
e animais para fins comerciais. Nos últimos anos, esta nova tecnologia vem transformando a agri‑
cultura, com a introdução de sementes ou animais geneticamente modificados e o aumento da
fertilidade dos solos, com a introdução de microorganismos, entre outros exemplos.
CONEXÃO
Em 65,2% dos 51,8 milhões de domicílios particulares brasileiros havia segurança alimentar.
Dentre os 18 milhões com insegurança alimentar, 3,4 milhões foram classificados em situação
de insegurança alimentar grave e 1,6 milhão destes domicílios estavam no Nordeste. Das 14
milhões de pessoas que viviam em domicílios com insegurança alimentar grave, perto de 6
milhões moravam naqueles com rendimento mensal domiciliar per capita que não ultrapassava
65 reais por pessoa. Em todas as regiões, a prevalência de insegurança alimentar foi maior
nos domicílios com pessoas de menos de 18 anos de idade.
Por segurança alimentar e nutricional, o IBGE e o Ministério consideram que ela é a rea‑
lização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quan‑
tidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base
práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam
social, econômica e ambientalmente sustentáveis.
Ao aplicar os dados ao mapa do Brasil, podemos regionalizar a insegurança alimentar no
país. A segurança alimentar dos habitantes das regiões Sul e Sudeste é mais garantida e, à medi‑
Essa pesquisa, divulgada pelo IBGE em 17 de maio de 2006, aponta que 14 milhões de brasileiros sofrem com a fome. Este
contigente, de 7,7% da população, vive em estado de insegurança alimentar grave – famílias que passaram fome pelo menos
uma vez em 90 dias.
56 Geografia
da que nos direcionamos para as demais regiões, os indicadores são menos favoráveis, com
destaque para o Nordeste brasileiro, onde três estados (Maranhão, Piauí e Ceará) apresentam
mais de 60% dos domicílios com insegurança alimentar.
Em escala mundial, pesquisas apontam dificuldades em cumprir as metas visando diminuir
a fome, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação).
Apesar da tendência de diminuição do número de pessoas com fome no planeta, ainda
existem e existirão bolsões de pobreza no mundo, como no sul e norte da África e no Oriente
Médio. Um problema a ser considerado pelos líderes e cidadãos mundiais.
Trópico de Câncer
América Latina
e Caribe
6%
Sul da Ásia
Trópico de Capricórnio
12%
Sul da África
23%
0 2 450 N
Quilômetros
O mundo não conseguirá atingir a meta de diminuir a fome pela metade em 2015. Nem mesmo em 2030 esse objetivo deve ser
realizado. A informação é da Organização da Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
200
0
Sul da Ásia Leste da Ásia Sul da África Oriente Médio América Latina
e norte da África e Caribe
Fonte: Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Disponível em: <www.frigoletto.com.br>. Acesso em: 3 mar. 2010.
MÓDULO 9 57
perfil
JOSUÉ DE CASTRO (1908‑1973)
“Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens.”
Josué de Castro
Josué de Castro foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a identificar a fome contemporânea
como fruto de um problema social. Leia os fragmentos abaixo, escritos por ele há mais de 50 anos, e
perceba como o texto pode ser considerado impressionantemente atual.
“Do latifúndio decorre também a existência das grandes massas dos sem‑terra, dos que
trabalham na terra alheia, como assalariados ou como servos explorados por esta
engrenagem econômica de tipo feudal. Por sua vez, o minifúndio significa a exploração
antieconômica da terra, a miséria crônica das culturas de subsistência, que não dão para
matar a fome da família.
O tipo de reforma que julgamos imperativo da hora presente não é um simples expediente
de desapropriação e redistribuição da terra para atender às aspirações dos sem‑terra.
Processo simplista que não traz solução real aos problemas da economia agrária. Concebemos
a reforma agrária como um processo de revisão das relações jurídicas e econômicas, entre
os que detêm a propriedade agrícola e os que trabalham nas atividades rurais.
Precisamos enfrentar o tabu da reforma agrária – assunto proibido, escabroso, perigoso
– com a mesma coragem com que enfrentamos o tabu da fome. Falaremos abertamente
do assunto, esvaziando desta forma o seu conteúdo tabu, mostrando através de uma larga
campanha esclarecedora que a reforma agrária não é nenhum bicho‑papão ou dragão
maléfico que vá engolir toda a riqueza dos proprietários de terra, como pensam os mal
avisados, mas que, ao contrário, será extremamente benéfica para todos os que participam
socialmente da exploração agrícola.
A fome age não apenas sobre os corpos das vítimas da seca, consumindo sua carne,
corroendo seus órgãos e abrindo feridas em sua pele, mas também age sobre seu espírito,
sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta moral. Nenhuma calamidade pode desagregar
a personalidade humana tão profundamente e num sentido tão nocivo quanto a fome,
quando atinge os limites da verdadeira inanição. Excitados pela imperiosa necessidade de
se alimentar, os instintos primários são despertados e o homem, como qualquer outro
animal faminto, demonstra uma conduta mental que pode parecer das mais desconcertantes.
Querer justificar a fome do mundo como um fenômeno natural e inevitável não passa
de uma técnica de mistificação para ocultar as suas verdadeiras causas que foram, no
passado, o tipo de exploração colonial imposto à maioria dos povos do mundo, e, no
presente, o neocolonialismo econômico a que estão submetidos os países de economia
primária, dependentes, subdesenvolvidos, que são também países de fome.”
Faça parte
Sua parte
5. (UFRJ)
Arte: Figurativa
Em descanso
Em cultivo
b) a agricultura empresarial.
Arte: Figurativa
(%) Área dos estabelecimentos rurais (%) Número de estabelecimentos
40 60
35 50
30
25 40
20 30
15 20
10
5 10
0 0
Menos 10 a 100 a 200 a 500 a 2 000 ha Menos 10 a 100 a 200 a 500 a 2 000 ha
de 10 ha menos de menos de menos de menos de e mais de 10 ha menos de menos de menos de menos de e mais
100 ha 200 ha 500 ha 2 000 ha 100 ha 200 ha 500 ha 2 000 ha
Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 1995‑1996. IBGE. Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
9. (Unicamp)
“Apenas quando você tiver cortado a última árvore, pescado o último
peixe e poluído o último rio, vai descobrir que não pode comer
dinheiro.”
Fala de um ancião americano citada em Vandana Shiva,
Ecodesenvolvimento, 1989.
11. (Fatec) Atualmente, tem‑se observado que as nações ricas tendem cada
vez mais a utilizar seu solo arável para a produção de alimentos e deixado
para as nações do Terceiro Mundo o uso de seus melhores solos para a
produção de matérias‑primas destinadas ao processamento industrial. A
leitura do texto e seus conhecimentos sobre a economia mundial permitem
afirmar que essa forma de utilização dos solos nos países pobres:
a) é vantajosa, porque incentiva o comércio mundial e possibilita aos
pobres a formação de superávits na balança comercial e a redução de
suas dívidas externas.
b) mostra seu lado perverso, visto que reduz as áreas de cultivos de sub‑
sistência e acentua os problemas de subnutrição e fome da população.
c) promove uma verdadeira revolução agrícola, com divisão de terras,
mecanização e uso de modernos insumos destinados a aumentar a
produtividade e a renda dos trabalhadores rurais.
d) evidencia uma nova divisão internacional do trabalho, mais favorável
porque possibilita às nações pobres participar do processo de indus‑
trialização dos países ricos.
e) é característica marcante do continente africano, que ainda guarda
vestígios do período colonial, mas não se pode generalizar para outras
áreas subdesenvolvidas do mundo.
12. (UEL) A cultura de jardinagem é uma forma de agricultura tradicional,
embora com técnicas mais ou menos aprimoradas (irrigação e adubação),
cuidados bastante especiais em relação aos vegetais e ao solo e boa pro‑
dutividade por hectare. Esse sistema agrícola é encontrado principalmente:
a) no Nordeste dos Estados Unidos.
b) nas áreas de cerrado do Brasil Central.
c) nas planícies da Rússia e Ucrânia.
d) no Sul e Sudeste da Ásia de Monções.
e) no leste da Austrália e Nova Zelândia.
64 Geografia
que asseguram os direitos dos trabalhadores, como a exatamente quatro anos após a criação do Incra, o
carteira assinada, o pagamento do décimo terceiro número de assentamentos era de aproximadamente
salário, a assistência médica hospitalar, as férias etc., 500 famílias, de uma população de cerca de 10
não existiam para o trabalhador rural. milhões de famílias aptas a serem assentadas em
Os resultados dessas primeiras ações do governo projetos de reforma agrária. Portanto, mais uma vez,
foram tímidos no que se refere à efetivação dos direi‑ os resultados foram quase nulos.
tos trabalhistas, e quase nulos no que se refere à No início da década de 1980, o governo do gene‑
realização da reforma agrária, embora o decreto de ral João Figueiredo (quinto e último presidente
desapropriação de uma faixa de 10 quilômetros de militar pós‑1964) assistiu a um grande aumento de
terras ao longo das rodovias, ferrovias e açudes cons‑ conflitos relacionados à posse da terra. Na região
truídos pelo Estado no governo de João Goulart tenha Norte, sobretudo no Bico do Papagaio, entre o norte
dado um passo adiante na distribuição das terras, em do atual estado de Tocantins e o sul do Pará e Mara‑
um contexto no qual o debate sobre a reforma agrá‑ nhão, os conflitos, frequentemente sangrentos e trá‑
ria estava na ordem do dia. gicos para o trabalhador rural, colocaram o problema
O golpe militar de 31 de março de 1964 apre‑ da terra em questão. Nesse contexto, novos institutos
sentava fortes indícios de que tinha sido arquitetado foram formados: o Ministério Extraordinário para
e impulsionado para combater o desenvolvimento das Assuntos Fundiários (Meaf), o Grupo Executivo de
teses e ações do governo em prol da reforma agrária. Terras do Araguaia/Tocantins (Getat) e o Grupo
Contraditoriamente a toda a expectativa do novo Executivo do Baixo Amazonas (Gebam), somados ao
governo comandado pelos militares, este definiu Incra, que ficou em uma posição marginal nesse
como uma das prioridades políticas a realização da período. Todos os órgãos tinham praticamente a
reforma agrária. Em 30 de novembro de 1964 foi mesma finalidade: promover a redistribuição de terras
aprovado pelo Congresso Nacional o Estatuto da para a população brasileira, o que não aconteceu.
Terra, que tinha como principais finalidades a reali‑ Com o fim do governo militar, depois de 21 anos
zação da reforma agrária e a modernização do campo. no poder, José Sarney assumiu a presidência da Repú‑
Para cumprir o primeiro objetivo, criou‑se o Instituto blica com o discurso incisivo de realização da reforma
Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra) e, para o segun‑ agrária. Para isso, deixou novamente o Incra em
do, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário segundo plano e criou o Ministério da Reforma e do
(Inda). Desenvolvimento Agrário (Mirad), com praticamente
Tudo levava a crer que dessa vez, e por meio do os mesmos objetivos dos outros órgãos já extintos e
exército e das elites, a tão sonhada reforma agrária com a função de fazer cumprir o Estatuto da Terra,
aconteceria de fato, mas isso não ocorreu. Todo o de 1964.
projeto representado pela homologação do Estatuto Em 1985, instituiu‑se o primeiro Plano Nacional
da Terra nunca saiu do papel, isto é, realizou‑se ape‑ de Reforma Agrária (PNRA), cuja meta era assentar
nas nos discursos e nas intenções políticas e não na 1,4 milhão de famílias sem‑terra em cinco anos.
realidade do campo – o que já era de duvidar, na Paralelamente à elaboração desse plano, forças
medida em que a proposta de redistribuição da estru‑ contrárias à reforma organizaram‑se, representadas
tura fundiária foi feita pela própria elite brasileira. sobretudo por grande parte dos deputados federais
A partir desse momento, passou a ser criada uma e da elite agrária, reunida em torno da União
série de órgãos responsáveis por efetivar a nunca Democrática Ruralista (UDR), formada no mesmo
realizada reforma. Em julho de 1970 foram extintos ano. A redação da política de reforma agrária que
o Ibra e o Inda e criado o Instituto Nacional de Colo‑ entraria como texto básico na nova Constituição da
nização e Reforma Agrária (Incra), subordinado ao República recebeu total influência da bancada
Ministério da Agricultura, que, em termos gerais, ruralista presente no Congresso. Como resultado
tinha a mesma função dos órgãos anteriores. Em 1974, dessa articulação, em 1988 a Câmara dos Deputados
66 Geografia
CONEXÃO
aceitou o texto da reforma agrária, depois de este Em 1990, Fernando Collor de Mello, em seu
ter sido transformado em um instrumento de impe‑ discurso de posse como presidente da República,
dimento jurídico de desapropriação de terras para propôs a realização da reforma agrária a partir do
a reforma. Ou seja, o texto que dispunha as leis assentamento de 500 mil famílias sem‑terra. Ao assu‑
para a reforma continha diversas imprecisões do mir o cargo, extinguiu o Mirad e voltou a subordinar
ponto de vista jurídico, constitucional e até semân‑ o Incra ao Ministério da Agricultura, que se tornou
tico, o que acabou por barrar, em vez de alavancar o Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da
a ainda sonhada reforma agrária. Por exemplo, a Reforma Agrária (Maara). No que diz respeito à
expressão “terra improdutiva” não especifica se a questão agrária, o resultado do breve governo Collor
terra é improdutiva porque o solo não é fértil ou foi a realização de cinco desapropriações, com o
porque, por opção do proprietário, não está pro‑ assentamento de cerca de 300 famílias, número insig‑
duzindo. nificante diante de sua proposta de campanha.
Em 1987, extinguiu‑se o Incra, cujas atribuições O também breve governo do presidente Itamar
passaram a ser de responsabilidade apenas do Mirad, Franco, em uma situação provisória e transitória, após
e criou‑se o Instituto Jurídico de Terras (Inter). Em toda a crise política gerada com o impeachment de
1989, por um problema legislativo, o Incra foi resta‑ Collor, aprovou um programa emergencial para o
belecido com as mesmas funções originais. assentamento de 80 mil famílias, das quais 23 mil
Todo esse contexto controverso levou ao fracas‑ foram atendidas em 152 projetos de reforma agrária.
so o primeiro PNRA, que assentou por volta de 7% Como podemos ver, a reforma agrária na história
do total de famílias proposto. das ações políticas brasileiras sempre esteve distante
MÓDULO 9 67
de ser efetivada. Apenas alguns focos isolados de Os dados divulgados pelo governo, no início de
assentamentos de famílias ocorreram em todo esse 2002, demonstravam o assentamento de um total de
período, na maioria das vezes restringindo‑se a áreas 600 mil famílias. Em maio do mesmo ano, o jornal
em que os conflitos de terra estavam acirrados, como Folha de S.Paulo divulgou aquilo que os movimentos
na região do Bico do Papagaio. Na realidade, a sociais e pesquisadores vinham denunciando havia
partir da década de 1980, a maior parte dos assen‑ muito tempo: as manipulações dos dados da reforma
tamentos surgiu por iniciativa das ocupações das agrária feitas pelo Ministério do Desenvolvimento
famílias sem‑terra. Agrário e pelo Incra, com o objetivo de aumentar o
número de assentados.
A ESPERANÇA DA REFORMA As estratégias adotadas pelo governo para super‑
AGRÁRIA CONTINUA valorizar os números foram: famílias apenas cadastra‑
Devemos tratar com mais atenção esse tema nos das pelo correio no programa de reforma agrária
anos de governo dos presidentes Fernando Henrique eram computadas como assentadas; terrenos vazios
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, pois nesse perío‑ de propriedade do governo federal foram considera‑
do foi assentado o maior número de famílias sem‑terra dos assentamentos; áreas de pré‑assentamento, nas
em projetos de reforma agrária em toda a história do quais as famílias possivelmente seriam assentadas,
país. Então, podemos concluir que, enfim, a reforma foram reconhecidas como assentamentos consolida‑
agrária foi realizada? Antes de esboçar qualquer res‑ dos; assentamentos consolidados pela distribuição dos
posta, vamos reconstituir alguns fatos que marcaram lotes entre as famílias, mas sem nenhuma infraestru‑
o campo brasileiro nos últimos anos. tura para habitação e produção, foram considerados
68 Geografia
assentamentos; antigos assentamentos provindos dos cos) e também por alguns estudiosos do espaço
projetos de colonização da região Norte durante os agrário brasileiro.
governos Figueiredo e Sarney, que não possuíam a Uma possibilidade de verificação do avanço ou
regularização de suas áreas, foram regularizados pelo não na transformação da estrutura fundiária brasilei‑
governo Fernando Henrique Cardoso e computados ra é o índice de Gini, que mede a concentração de
como ações de reforma agrária. Dessa forma, nem os terras. Quanto mais próximo do número 1, maior a
pesquisadores, nem os movimentos sociais, nem o concentração e, quanto mais distante, menor a con‑
restante da sociedade brasileira sabem ao certo quan‑ centração. Em 2006, o mais recente índice de Gini
tas famílias foram assentadas. – 0,854 – foi divulgado pelo censo agropecuário do
O governo do presidente Luiz Inácio Lula IBGE. Em 1985, o índice era de 0,857 e, em 1995‑
da Silva apresenta dados que transformam o Brasil ‑1996, de 0,856. Podemos perceber que, no espaço
no país que mais cedeu uma porção de seu território de tempo apresentado na amostragem, não houve,
a assentamentos agrícolas: 43 milhões de hectares até infelizmente, uma mudança significativa, apesar dos
2008 (ver mapa na página 71). Estes dados são con- números e dos supostos esforços apresentados pelos
testados por segmentos políticos (partidos políti‑ últimos governos.
CONEXÃO
Área (ha)
Até 1994 16 456 608 Após três meses, a Marcha Popular pelo Brasil, realizada
pelos sem‑terra que partiram de Niterói, Rio de Janeiro,
1995 2 621 538 chega a Brasília. As principais reivindicações eram reforma
1996 2 573 426 agrária e justiça social. Banco Central, Brasília, DF. Foto de
1999
1997 4 237 566
Arte: Figurativa
Em mil
1999 2 301 009 140
136,4
2000 2 177 110
120
2001 1 896 317
2002 2.451.819
100
2003 4 604 663
Arte: Figurativa
Pernambuco 106 22
Sergipe 28 12
Alagoas 21 7 6
Ceará 92 89 4
Goiás 63 23 31
Minas Gerais 80 16
Espírito Santo 32 3
Rio de Janeiro 45 3
São Paulo 79 4
Paraná 158 22 4
Santa Catarina 94 62
Sem informações
Fonte: Dataluta.
* Refere‑se aos assentamentos relacionados a uma prévia ocupação de determinadas áreas improdutivas, com o objetivo de
pressionar o poder público para a liberação da área para assentamentos.
** Refere‑se aos assentamentos oriundos de projetos políticos, vinculados normalmente a lideranças políticas que foram
eleitas. Tem como objetivo uma nova reorganização no espaço agrário brasileiro, visando a uma melhor distribuição das
terras.
A maioria dos assentamentos realizados nos Outros problemas encontrados nas políticas
estados apresentados no gráfico tem origem nas ocu‑ públicas para o campo levam‑nos a pensar sobre a
pações de terra e nos projetos de assentamento do realização ou não da reforma agrária. Desde 1994
governo. vem ocorrendo uma intensa burocratização da refor‑
Dessa forma, podemos constatar que o que vem ma, indicando que inúmeras ações de apoio à rees‑
ocorrendo é o aumento da organização da luta pela truturação fundiária brasileira foram criadas, mas não
terra no campo brasileiro, e não a reforma agrária contribuíram para a realização desse objetivo. Foram
impulsionada pelo governo. Ou seja, o governo age gerados: o Programa Especial de Crédito da Reforma
a partir das ações dos sem‑terra. Agrária (Procera), o Programa Nacional de Fortaleci‑
MÓDULO 9 71
CONEXÃO
CONFLITOS NO CAMPO: DOIS MASSACRES NO NORTE DO PAÍS
Os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás foram manchete de jornais do mundo todo, causando
constrangimento ao país. Em 14 de julho de 1995, cerca de 600 famílias ocuparam a fazenda Santa Elina, no
município de Corumbiara, Rondônia. A Justiça expediu liminar de manutenção de posse em favor do fazendeiro
e encaminhou ofício ao comando da Polícia Militar exigindo a retirada dos posseiros. Em 9 de agosto, a liminar
foi cumprida, resultando em um dos maiores massacres do país: foram mortos dez trabalhadores rurais e a menina
Vanessa, de apenas 7 anos.
As mortes, segundo os legistas, foram feitas de forma sumária, com tiros na cabeça. A Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) processou o governo brasileiro por esse
massacre.
Já em setembro de 1995, em torno de 2 mil famílias acamparam na beira da rodovia PA‑275, em Curionópolis,
Pará, visando à fazenda Macaxeira, de 42 448 hectares, que já havia sido considerada improdutiva pelo Incra.
Após cinco meses sem resposta do governo, as famílias ocuparam a fazenda.
Em seu artigo no livro A história da luta pela terra e o MST, Bernardo Mançano Fernandes relata os aconte‑
cimentos do dia 17 de abril de 1996. Os camponeses bloquearam a rodovia de acesso a Eldorado dos Carajás
como forma de reivindicação. Houve confronto e a Polícia Militar disparou suas metralhadoras. Segundo os
laudos, houve execuções: 13 trabalhadores receberam tiros depois de rendidos. O saldo foi de 19 mortos, 69
feridos e pelo menos 7 desaparecidos.
Os movimentos sociais rurais de todo o mundo consideram essa data o Dia Internacional de Luta pela Terra.
As castanheiras de Eldorado dos Carajás: escultura comunitária realizada pelos assentados do sul do Pará, sob
coordenação do educador Dan Baron Cohen, da Universidade de Glamorgan, País de Gales.
A escultura, construída em abril de 1999, representa os sem‑terra vítimas do massacre executado pela Polícia Militar
do estado do Pará, em 17 de abril de 1996. Foto de 1999
MÓDULO 9 73
perfil
DOROTHY STANG
A missionária Dorothy Stang, mais conhecida como irmã Dorothy, foi outra vítima da violência do campo
brasileiro. Após várias ameaças, foi assassinada a tiros e seu corpo foi encontrado em uma estrada de
difícil acesso a 53 quilômetros da sede do município de Anapu, estado do Pará.
O perfil dessa líder missionária foi elaborado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT:
“Nasceu em 7 de junho de 1931 nos Estados no ano seguinte. O resultado demonstrou que
Unidos da América. Aos 20 anos, já freira da todos os lotes pleiteados eram improdutivos.
congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, Entre os 45 lotes reivindicados, 21 já haviam sido
se dedicou ao ensino em Chicago. Anos depois, revertidos para o patrimônio da União. Diante
começou a atuar junto a migrantes latinos que desta realidade, ainda em 1998, cerca de 80
trabalhavam em plantações de uva, tomate e famílias de agricultores ocuparam três lotes da
alface no estado do Arizona. Em 1966 decide se Gleba Belo Monte. Em 1999, em uma assembleia
mudar para o Brasil. Morou, primeiramente, em dos movimentos, o Incra apresentou um novo
Coroatá, Maranhão, onde se dedicou às comuni‑ modelo de reforma agrária: os projetos de Desen‑
dades eclesiais de base. Em novembro de 1974, volvimento Sustentável (PDSs), que combinam o
irmã Dorothy muda‑se para o Pará, onde ajuda desenvolvimento de atividades produtivas –
a estabelecer a Comissão Pastoral da Terra na incluindo produtos nativos, como andiroba – com
diocese de Marabá. A região sofria muita influ‑ o assentamento humano de populações tradicio‑
ência do Exército por causa da Guerrilha do nais ou não. Só que a implantação nunca foi
Araguaia. Inicialmente Dorothy deu assistência tranquila por causa do alto índice de grilagem.
às famílias de agricultores que moravam em Neste mesmo período, a Sudam (Superintendên‑
comunidades na beira da PA‑70. Logo depois, cia de Desenvolvimento da Amazônia) destinou
Dorothy muda‑se para Jacundá. Em 1982, vai 100 milhões de reais para projetos na região,
para Anapu, onde quase 90% do município é fazendo com que grileiros invadissem os PDSs.
formado por terras pertencentes à União. Na Denúncias de violência cometida por fazendeiros
década de 1970, o território foi dividido em gle‑ e madeireiros contra agricultores eram constan‑
bas, que se tornaram objeto de contratos de temente feitas por irmã Dorothy juntamente com
Alienação de Terras Públicas, celebrados entre o entidades e organizações. Em 12 de fevereiro de
Incra e particulares. O beneficiado teria cinco 2005, Dorothy é brutalmente assassinada com
anos para tornar a área produtiva; caso isto não seis tiros à queima‑roupa. Seu corpo foi encon‑
acontecesse, a terra voltaria para a União e seria trado no PDS Esperança, em Anapu. Ela foi morta
destinada à reforma agrária. Só que os contra‑ a mando de grileiros e madeireiros da região que
tantes iniciais começaram a vender as terras, já vinham ameaçando ‑a há algum tempo. Nos
dando origem a um grave processo de grilagem. dias 9 e 10 de dezembro de 2005, os dois pisto‑
Os camponeses organizados começaram a reivin‑ leiros acusados pela morte da irmã foram julga‑
dicar as terras públicas. O resultado desta luta dos e condenados. Rayfran das Neves Sales, o
veio em 1997, quando foi registrado no Incra o Fogoió, ficará 27 anos na prisão, e Clodoaldo
pedido de lotes em duas áreas para os agriculto‑ Carlos Batista, o Eduardo, 17 anos. Os mandan‑
res: Gleba Belo Monte (24 lotes) e Gleba Bacajá tes, os fazendeiros Vitalmiro Bastos, o Bida,
(21 lotes). Em 1998 o Incra solicitou um reca‑ Regivaldo Pereira, o Taradão, e Amair Feijoli, o
dastramento das terras de Anapu, que aconteceu Tato, ainda não foram julgados.
A emocionante história de irmã Dorothy foi transformada em filme pelo cineasta norte‑americano Daniel
Junge. O documentário Mataram irmã Dorothy, com cerca de uma hora e meia de duração, é narrado pelo
ator Wagner Moura e apresenta ao telespectador imagens fortes, como da cena do crime que matou a mis‑
sionária. O trailer do documentário está disponível no endereço: www.youtube.com/watch?v=RFVXtvNZpA4.”
74 Geografia
Rebeldes do grupo do Contestado, liderados por Alemãozinho, após a sua rendição em 1915. À esquerda, junto ao grupo de
moças, Henrique Wolland, o Alemãozinho
MÓDULO 9 75
Até o cangaço no Nordeste pode ser denomina‑ (1950‑1964) e muitos outros esquecidos pela história
do de luta pela terra. Os cangaceiros mais conhecidos oficial brasileira.
em nossa história são Antônio Silvino e Lampião, ao O movimento que teve mais repercussão na
lado de Maria Bonita. O bando de Antônio Silvino política brasileira, na metade do século passado,
desenvolveu ações no Sertão nordestino entre 1914 foram as Ligas Camponesas. Revoltados com sua
e 1937 e o de Lampião, entre 1917 e 1938, quando situação miserável, os camponeses passaram a ques‑
foi morto. O grupo de Lampião era composto de tionar o pagamento do foro (aluguel) das terras onde
ex‑jagunços ou ex‑camponeses agregados das fazendas viviam para os antigos senhores de engenho. Sua
dos poderosos coronéis nordestinos que se rebelaram situação financeira estava tão crítica que eles não
contra a autoridade e as injustiças por eles praticadas. tinham dinheiro nem para enterrar seus parentes em
Apesar de, em geral, protegerem as terras dos cam‑ caixões, o que os levou a fundar uma sociedade de
poneses posseiros contra a expropriação pelo latifún‑ apoio mútuo em caso de falecimentos. A partir dessa
dio, os bandos de cangaceiros também foram respon‑ associação, os camponeses começaram a discutir as
sáveis por saques e mortes nas cidades. injustiças das quais eram vítimas, formando as Ligas
Outros conflitos importantes que marcaram a Camponesas em 1955. O movimento ganhou expres‑
história do campo no Brasil foram: o de Trombas e são nacional quando o advogado e deputado Fran‑
Formoso, em Goiás (1948‑1973); o de Porecatu, no cisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro, se tornou
Paraná (1950‑1951); o de Pidaré‑Mirim, no sudoeste líder desses camponeses. Embora as Ligas Campone‑
do Maranhão (década de 1950); o Movimento Arranca‑ sas não tenham gerado uma guerra entre camponeses
‑Capim, em Santa Fé do Sul, estado de São Paulo e Exército, suas ações provocaram a morte de muitos
(1950‑1960); os ocorridos no estado do Rio de Janeiro trabalhadores rurais. O movimento foi extinto com
o golpe militar de 1964.
Foto: Benjamim Abraão/Coleção particular
Outras organizações também vêm sendo forma‑ expulsão do pequeno produtor rural de suas terras;
das para agir contra os sem‑terra. Por exemplo, em 3) o fracasso dos projetos de colonização na Ama‑
março de 2003, foi criado no Paraná o Primeiro zônia Legal – com estes projetos, o governo militar
Comando Rural (PCR), milícia armada com o obje‑ incentivou a migração de sulistas para o Norte do
tivo de proteger, “a bala”, as propriedades dos país, não disponibilizando, entretanto, infraestrutu‑
fazendeiros. ra para esses migrantes, que, por isso, retornaram
A formação do MST ocorreu de 1979 a 1985, ao Sul, formando acampamentos e reivindicando
partindo de três raízes principais: 1) a não realização terras em suas regiões de origem. Esses acon‑
da reforma agrária pelos sucessivos governos; 2) a tecimentos aglutinaram os movimentos de luta pela
expansão do capitalismo no campo com o aumento terra espalhados por todo o Brasil em apenas um:
da concentração fundiária e, consequentemente, a o MST.
Foto: Lalo de Almeida/Folha Imagem
Arte: Figurativa
SP
12
BA
11
PA AC
10
MG
9
8
Número de organizações
PB MA DF MS
5
AM ES RS
4
CE PE RN AL SE PI GO MT RO AP PR
3
TO RJ SC
2
0
NE CO NO SE S
Fonte: Dados do Incra/Itesp, 2001, organizados por M. A. Mitidiero Jr.
78 Geografia
CONEXÃO
inVasões VERSUS ocuPaÇões
As ações dos sem‑terra são nomeadas de acordo com duas posições. Uma delas as chama de “invasões”, já
que os sem‑terra estariam invadindo as propriedades privadas e os prédios da administração pública. Esse termo
é usado pelos proprietários e empresários rurais, pelos governos, pela mídia e por grande parte da sociedade. A
outra intitula essas ações de “ocupações”, na medida em que considera a entrada dos sem‑terra em grandes
propriedades improdutivas um ato de ocupar uma terra que, segundo a Constituição de 1988, obrigatoriamente
deveria ser desapropriada para fins sociais. Os sem‑terra também chamam de ocupações as manifestações internas
nos prédios públicos, por considerarem que a “coisa” pública é de todos, do povo, e, dessa forma, não estariam
invadindo.
ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS
Os acampamentos são gerados após a ocupação ou invasão de fazendas pelos sem‑terra. As famílias montam
barracos de lona dentro da propriedade pretendida ou nas estradas próximas a ela, onde permanecem, em média,
por dois ou três anos, até serem contempladas nos projetos de reforma agrária. Assim, o acampamento, como
produto da espacialização dos sem‑terra, lhes permite a conquista dos assentamentos.
Os assentamentos representam a materialização dos resultados da luta pela terra no território. Por isso, usa‑se
o conceito de territorialização. Atualmente, os assentados passam por difíceis condições financeiras, em razão
da falta de apoio dos órgãos governamentais, o que os leva a continuar na luta, constituindo formas de mani‑
festação que podemos denominar de luta “na” terra, e não luta “pela” terra, como fazem os acampados.
L
atifúndios e pequenas propriedades; sem-terra, grileiros, posseiros e
latifundiários; terras produtivas e improdutivas; agricultura de subsistên-
cia e agronegócios, agricultura orgânica e transgênicos; movimentos
sociais e políticas de reforma agrária, superprodução de alimentos e fome foram
alguns dos temas tratados neste Módulo que permitem entender a extensão dos
problemas originados da estrutura fundiária existente no país desde o início de
sua colonização.
A extensão e a dificuldade de resolução desses problemas constituem o
que se costuma chamar de questão agrária. Este é um tema que remonta, em
nível mundial, ao princípio e ao avanço do capitalismo, que transformou a
terra, antes um bem comunal, em propriedade privada.
No Brasil, os problemas agrários são herança do tipo de colonização sofri-
da, que, desde o início da formação de seu território, impôs a divisão das
terras em grandes extensões, nas chamadas sesmarias. A concentração de terras,
portanto, é a marca da estrutura fundiária brasileira e a grande responsável pela
eclosão de conflitos derivados da luta pela terra.
No mundo temos alguns exemplos de que a reforma agrária contribui para
o desenvolvimento socioeconômico de um país, mas no Brasil esse é um pro-
jeto ainda a ser perseguido. Ao longo do século XX e início do século XXI, até
mesmo durante as gestões militares, a reforma agrária foi projeto de governo.
No entanto, somente nas últimas administrações democráticas de Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva é que ocorreu um maior número
de assentamentos de famílias em terras desapropriadas. Grande parte desses
assentamentos foi resultado da luta de movimentos como o MST e de outras
organizações espalhadas pelo território nacional. Apesar dessas conquistas, as
terras ainda permanecem concentradas nas mãos de poucos. Há muito a ser
feito para mudar a estrutura fundiária que se definiu ao longo de cinco séculos
de existência do país.
Um dos grandes impasses para a efetivação de um projeto de reforma
agrária é, sem dúvida, de natureza política. Os órgãos e legislações criados
para resolução dos problemas fundiários esbarram em questões como a defini-
ção de quais terras devem ser desapropriadas e divididas.
Enquanto a fronteira agrícola avança rumo à Amazônia, devastando flores-
tas para a abertura de novas áreas de pastagens, temos terras subaproveitadas,
terras improdutivas que poderiam ser utilizadas para o cultivo de alimentos.
Como vimos, o desafio para alcançar uma justa distribuição de terra que
permita a produção de alimentos para extirpar a fome do país ainda está posto.
80 Geografia
Faça parte
4. Várias manifestações artísticas através dos séculos têm unido a arte à vida
dos moradores do campo e aos problemas por eles enfrentados.
São muitas as linguagens artísticas que apresentam esse envolvimento:
• cinema – Viva Zapata!, de Elia Kazan (Estados Unidos, 1952, Fox
Vídeo); Quilombo, de Carlos Diegues (Brasil, 1984, Globo Vídeo);
Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho (Brasil, 1986,
Globo Vídeo) etc.;
• pintura – no México, os murais de Diego Rivera, os quadros de Frida
Khalo e as esculturas e quadros de Andrés Peraza e seus filhos (Jesus
e José), que retratam os camponeses maias; no Brasil, vários trabalhos
de Cândido Portinari;
• poesia – poemas do chileno Pablo Neruda e dos brasileiros Patativa
do Assaré, Thiago de Melo, Cora Coralina, entre tantos outros;
• romances ou ensaios – O tempo e o vento, de Érico Veríssimo; Os
parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido; Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda; Vidas secas, de Graciliano Ramos;
Fazenda modelo, de Chico Buarque; As veias abertas da América
Latina, de Eduardo Galeano; Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa;
• música – canções das duplas sertanejas de raiz e de Chico Buarque,
João do Valle, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Quinteto Violado,
Elomar, Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Gonzaguinha, Victor Jara,
Violeta Parra etc.
A classe toda, junta, poderá organizar uma mostra artístico‑cultural que
relacione arte e questão agrária. Pesquisem na internet, em bibliotecas,
locadoras etc. sobre essas manifestações artísticas no Brasil e no mundo.
Conversem também com pessoas próximas a vocês (pais, professores,
vizinhos).
Para a realização da mostra, vocês podem usar murais com trechos de
livros, fac‑símiles de quadros, fotos de esculturas, sessões de vídeo, decla‑
mações de poemas e apresentações musicais.
Sua parte
Essa citação foi retirada de um texto que surgiu das reflexões da autora
sobre uma pesquisa interdisciplinar intitulada “Qualidade de vida nos
assentamentos rurais paraibanos”, em um convênio entre a Universidade
Federal da Paraíba, o Incra/PB e a Comissão Pastoral da Terra daquele
estado. Outras pesquisas, porém, confirmam que essa é uma realidade de
diversos assentamentos espalhados pelo Brasil. Fica evidente que, depois
que as famílias camponesas são assentadas, a luta pela terra não acaba.
Podemos afirmar que a luta pela terra muda de característica e passa a ser
vivida como luta na terra, como explica o texto da Conexão Acampamentos
e assentamentos.
Aponte os principais problemas enfrentados pelas famílias assentadas que
fazem com que elas reivindiquem melhorias aos governos.
84 Geografia
7. Em nosso país, as famílias que se envolvem na luta pela terra passam por
dois processos para conquistar um lote: acampamento e assentamento.
Explique as diferenças entre essas manifestações espacializadas da luta
pela terra.
11. (UERJ) “A maior notícia que neste momento o governo pode dar ao país
[...]: trata‑se dos 50 milhões de hectares que, até o começo de dezembro,
serão tomados de grileiros no Amazonas. É quase um terço do estado, que
tem 153 milhões de hectares. Mas só um quarto maior do que os 39,6
milhões de hectares cancelados até a semana passada, sem qualquer
anúncio oficial. [...]
A desembargadora Marinildes Costeira de Mendonça Lima encontrou
municípios em que havia mais grilagem do que terras.”
CORRÊA, Marcos Sá. In: Jornal do Brasil, 28 out. 2001.
Mapa conceitual
MÓDULO 9 87
TEXTO COLETIVO
A produção de texto coletivo é um recurso de escrita que deve ser entendido como espaço comum
de conversação e de aprendizagem. Se a palavra “texto” sugere tecido, propõe‑se que esse tecido seja
urdido por pessoas, opiniões e fatos. Cria‑se, para isso, um espaço relacional de discussão e múltiplas
contribuições. É importante que o texto coletivo se mostre como discurso aberto, interativo, em que a
escrita possa ser livremente reorganizada. Para que ele seja bem‑sucedido, seguem‑se algumas dicas:
• Pode‑se escolher um redator para garantir a uniformidade de estilo da escrita.
• O grupo todo deve participar da discussão inicial, da qual retirará informações para a construção de
um mapa conceitual, que será o plano do texto a ser escrito.
• O texto coletivo corre o risco de se tornar polissêmico (ter vários sentidos) e, portanto, assumir
significações diferentes do que se pretende. Isso ocorre em razão do estilo da linguagem do redator
na transcrição da fala para a escrita. É preciso que o grupo esteja atento para que o texto se man‑
tenha fiel à discussão.
• O grupo deve se dispor a “saber ouvir”. O autoritarismo pode levar ao fracasso do texto.
• Assim como um texto dissertativo, um novo parágrafo pode se contrapor ao anterior, dando maior
sustentação às ideias no grupo.
SEMINÁRIO
Você provavelmente já apresentou um seminário. Foi bom? Muitas vezes não é. Os colegas não
entendem, não prestam atenção, o grupo parece falar de forma decorada... Para que ele dê certo, alguns
cuidados são necessários.
1. Depois de escolhido o tema, o grupo deve se reunir e definir tarefas: quem pesquisa onde e o quê. Muitas
coisas podem ser pesquisadas: contexto histórico, trajetória dos personagens envolvidos, literatura, artes
plásticas ou música que tenha relação com o tema. Quanto mais caminhos de pesquisa o grupo abrir,
melhor: o seminário apresentará resultados mais variados e manterá a atenção dos colegas.
2. A pesquisa tem de ser cuidadosa e o grupo deve se reunir periodicamente para que uns mostrem aos
outros o que encontraram. Muitas vezes o que destrói um seminário é o fato de alguns não saberem nada
do que os outros estudaram e, portanto, não conseguirem estabelecer relações entre as várias partes.
3. Quando a pesquisa estiver encerrada, o grupo deve preparar a apresentação. Ela deve ser muito
bem planejada: quem fala o quê, em que ordem, durante quanto tempo, que materiais visuais serão
usados (transparências, slides, vídeos, fotografias), que sons serão apresentados. O sucesso do
seminário depende, muitas vezes, da agilidade na apresentação: deve‑se evitar falar muito tempo
ou passar um vídeo muito longo.
4. Todo planejamento, mesmo que seja bem‑feito, precisa de ensaio (até para evitar o nervosismo na
hora H!). O grupo pode pedir que alguém (parentes, amigos) assista ao ensaio e dê sugestões.
5. É sempre bom que os colegas recebam algum material (um resumo ou um esquema do que vai ser
apresentado, por exemplo). Facilita para quem vai seguir a exposição. Esse material deve ser sintético
e bem elaborado.
6. Depois da apresentação, o grupo pode conversar entre si, com o professor e com os colegas e fazer
uma avaliação. Sempre se pode aproveitar a experiência e aprender com os erros cometidos: o
próximo será melhor!
88 Geografia
VÍDEOS
• TERRA para Rose. Direção de Tetê Moraes. Produção: Brasil, 1987. 84 min.
O documentário se baseia na história de Rose, uma agricultora/posseira que ocupa a fazenda Anoni,
no Rio Grande do Sul. O filme contribui para desmistificar a ideia de atividades inconsequentes vinculada
por parte da grande mídia aos posseiros sem terra. A rotina do grupo de que Rose faz parte aparece em
vários detalhes, apresentando as dificuldades e o desrespeito que o grupo sofre durante a ocupação da
fazenda e uma marcha que realiza para Porto Alegre.
• CABRA marcado pra morrer. Direção de Eduardo Coutinho. Produção: Brasil, 1985. 119 min.
Filme/documentário que conta a história de um líder camponês paraibano, João Pedro Teixeira, assas‑
sinado em 1962. A filmagem, que teve início em 1963, foi interrompida pelo golpe militar e o diretor
retomou o projeto 17 anos depois. O tema do filme, além da morte de João Pedro, passa a ser a trajetória
dos filhos órfãos.
MÚSICAS
• Cidadão
Compositor: Lúcio Barbosa
Intérprete: Zé Ramalho (entre outros)
A música retrata os sentimentos de um migrante nordestino na cidade grande.
LEITURAS
• Morte e vida Severina. João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Alfaguara Brasil, 2007.
Auto de natal pernambucano (1954‑1955). Narra a travessia de Severino, um retirante da Serra da
Costela, até a cidade de Recife, seguindo o curso do rio Capiberibe. Durante o percurso, Severino enfrenta
situações e sentimentos vinculados ao sofrimento do nordestino.
• Questão agrária no Brasil. João Pedro Stédile. São Paulo: Atual, 1997. Coleção Espaço e debate.
Dividido em três partes o livro faz uma introdução à história do problema agrário do Brasil, apresenta
dados estatísticos sobre a situação e finaliza com uma reportagem sobre a experiência de um assentamen‑
to bem‑sucedido.
• Geografia da fome. Josué de Castro. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Antares Achiamé, 1980.
A obra é um clássico sobre o tema. Publicada há mais de seis décadas, retrata a insegurança alimentar
do Norte e Nordeste do país.
Aponta entre as causas da deficiência alimentar as características climáticas, as culturais, do solo e a
concentração de terra na mão de poucas pessoas.