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In Flávio Gomes (org.), Mocambos de Palmares. História, historiografia e fontes. Rio de Janeiro,
7Letras editora/FAPERJ, 2009.
1
. Agradeço o convite de Flávio Gomes, renovador dos estudos sobre Palmares e sobre o quilombismo, para
integrar este livro.
2
. A meritória edição online dos documentos do projeto Resgate, feita pela Universidade de Brasília, contém um
localizador que permite cruzar a capitania escolhida com um índice toponímico (e o ano) para facilitar a busca
do documento. São relacionadas dezenas de localidades com várias grafias, nomes de navios, nomes de pessoas,
etc. Nenhuma menção se refere à África e em particular à Angola, citada em muitos destes documentos; cf.
http://www.cmd.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp
3
. Como fiz alhures, defino como “brasílicos” os habitantes da América portuguesa -, mesmo oriundos do reino -
, que já manifestavam uma identidade regional mas não possuíam o tirocínio do pertencimento a um agregado
protonacional mais amplo. “Paulistas”e “pernambucanos” são palavras correntes na segunda metade do século
XVII, enquanto a palavra “brasileiro”, no sentido atual, só aparece em 1696 (cf. nota 95) ou em 1706.
4
. Agradeço a Rachel Bertoletti as informações enviadas sobre o andamento do projeto Resgate.
2
sido menos observado que havia gente conhecedora das coisas e das
guerras na África do outro lado da paliçada, nas tropas lançadas contra
Palmares. Em outras palavras, a experiência africana não era exclusiva dos
palmaristas: ela também influenciava milicianos antipalmaristas. 5 Para
melhor discutir o assunto, convém observar a guerra de Palmares no quadro
dos conflitos no Atlântico Meridional e a evolução do estatuto de tais
combates.
5
.Como os documentos da época que utilizam a palavra “palmarista” para definir os habitantes de Palmares, cf.
“Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador D. Pedro de Almeida, de 1675
a 1678”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), t. 22, 1859, pp. 303-329, p. 312. Para
uma discussão sobre o documento, Maria Lêda Oliveira, “A primeira Rellação do último assalto a Palmares”,
Afro-Ásia, v. 33, 2005, pp. 251-324 e Sílvia Hunod Lara, Palmares & Cucaú, o aprendizado da dominação, tese
de professor titular de História do Brasil, Unicamp, Campinas, S.P., 2008, pp.64-75
6
.Mafalda Soares da Cunha e Nuno G.F. Monteiro, « Governadores e capitães-mores do império atlântico
portugues nos séculos XVII e XVIII », in M. Soares da Cunha, N. G.F. Monteiro e Pedro Cardim (orgs.) Optima
Pars- Elites Ibero-americanas do Antigo Regime, Lisboa, 2005, pp.191-252. Intervindo num período de grande
XXem Nenhuma outra ação militar na América portuguesa terá sido tão prestigiosa como a “guerra viva” contra
os holandeses. Na etapa seguinte das guerras da Restauração, a guerra do Alentejo facilita as promoções da
aristocracia de espada reinol. Assim, a participação nas batalhas de Ameixial e Montes Claros (1665), adicionada
a outros méritos e qualidades, deu uma fornada de 9 governadores à Angola entre 1666 e 1697: Tristão da Cunha
(1666-67), Francisco de Távora (1669-76), Pedro César de Menezes (nomeado em 1673, morreu no mar na
viagem para Luanda), Aires de Saldanha de Menezes e Souza (1676-1679) João da Silva e Souza (1680-84),
Luís Lobo da Silva (1684-88), João de Lencastre (1688-91), Gonçalo da Costa Menezes (1691-94), Henrique
Jacques de Magalhães (1694-97), cf. Mercúrio Portuguez, “Extraordinario” e “Relacion Verdadera y Pontual de
...la famosa batalla de Montes Claros”, 1665,op.cit.
3
7
. Pedro Taques de Almeida Paes Leme, “Notícia histórica da expulsão dos jesuítas do Collégio de São Paulo”
(1768). RIHGB, vol. 12, 1849, pp. 5-40, p.18.
8
. J. Cortesão, (org.). Pauliceae Lusitana Monumenta Historica, 3 vols. Lisboa, 1961, v. 2, pp. 520-1.
9
. Pe. J.F. Bettendorf, Crônica dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão (1698). Belém, 1990,
p. 91. Sobre a vida e obra Bettendorf, veja-se o importante livro e primeira biografia completa do jesuíta
luxemburguês por Karl-Heinz Arenz, De l’Alzette à l’Amazonie: Jean-Philippe Bettendorf et les jésuites en
Amérique portugaise 1661-1693, Luxembourg, 2008.
10
. Pe. Antônio Vieira, « Relação da Missão da Serra de Ibiapaba » [c.1660], Obras Escolhidas, Lisboa, 1951, v.
V, p. 82.
4
15
. Doc. 09/12/1673, AHU, Angola, cx. 10/135
16
. Consulta do Cons. Ultramarino, 15/12/1696, Barão Studart, « Documentos para a História do Brasil e
especialmente a do Ceará », Revista Trimensal do Instituto do Ceará (RTIC), t. 37, 1923, pp. 20-145, pp. 67-68.
Como se sabe, Navarro perpetrou em 1699, um massacre nos índios paiacús do rio Jaguaribe. No meio do
antagonismo suscitado pelas pretensões dos paulistas sobre as terras da região – evidenciado com Jorge Velho
em Palmares -, Navarro foi julgado e preso. Sobre todo o episódio, ver o estudo aprofundado de P. Puntoni, « A
guerra...”, pp.241-282.
6
17
. “Carta autografa de D. Jorge Velho...”, 15/7/1694, E. Ennes, Os Palmares- Subsídios para a sua história,
Lisboa, 1938, pp. 66-9
18
. L.F. de Alencastro, « Le versant brésilien de l‟Atlantique Sud 1550-1850 », Annales. Histoire, Sciences
Sociales, v. 61 (2), 2006, pp.339-382, pp. 361-363
19
. Estrategistas utilizam o conceito de "guerra preemptiva" para designar a guerra antecipatória, preventiva,
desencadeada na presunção de que o inimigo levaria inapelavelmente a termo um ataque, segundo tais e tais
paramêtros geográficos. Utilisei noutro lugar a idéia de « ocupação preemptiva » para caracterizar as primeiros
enclaves portugueses na Madeira e alhures, ocupados na presunção de que a Espanha se preparava contava fazer
o mesmo.
20
. Depois da Restauração, Portugal só assina a paz com a Espanha em 1668 e com a Espanha em 1669. Em
1656, o Ultramarino advertia ser necessário defender Angola, « contra o desejo que os castelhanos, ingleses e
holandeses tem de nos tirarem os negros e os levarem às Índias, às Barbadas e a outras partes », “Representação
do Conselho da Fazenda...”, 23.5.1656, Arq. Nac. da Torre do Tombo, Manuscritos da Livraria, liv. 1146, p. 63.
7
21
. Seguindo José Mathias Delgado, comentador Cadornega, chamo os colonos lusoafricanos enraizados em
Angola de “angolistas” para diferenciá-los dos nativos, os angolanos, e, sobretudo, para bem marcar a
especificidade de seus interesses frente aos reinóis, e brasílicos ali estabelecidos. Considero também como
“historiadores angolistas” os autores portugueses identificados com a tradição lusoangolana (Cadornega no
século XVII, Ralph Delgado, J. Mathias Delgado, Ruella Pombo e Gastão Sousa Dias, no século XX), Antônio de
Oliveira de Cadornega,. História Geral das Guerras Angolanas (1680) (HGGA). 3 vols., ed. anot. J. M. Delgado
(vols. 1 e 2) e Manuel Alves da Cunha (vol. 3). Lisboa, 1972, vol. 1, pp. 322-4, n. 1. Penso que Silva Correa,
marcado pelo pombalismo e pelo Atlântico Sul, não se incluí nesta categoria.
22
. Sobre a discussão sobre “mocambo” e “quilombo” na Serra da Barriga, concordo com Thornton e Sílvia Lara
quanto à distinção entre Palmares e o quilombo dos jágas. E acrescento dois argumentos da minha comunicação
“Quilombos: Dimensão Histórica, África no século XVII” no encontro “Palmares 300 anos”, Fundação Cultural
Palmares, São Paulo, novembro de 1994: a) não há traço do uso pelos palmaristas da machadinha, arma principal
dos jágas/imbangalas b) capitães veteranos de Angola, ex-governadores daquela colonia, como Negreiros e
Fernandes Vieira, ou conselheiros palatinos práticos da África Central, podem ter atribuído verbalmente o nome
“quilombo”a Palmares antes da primeira menção aparecer escrita, em 1687. Como Palmares celebrizou-se, o
substantivo se tornou conhecido, embora “mocambo” continuasse a ser usado no Brasil (em 1757, Loureto do
Couto só fala de « mocambo » em Palmares e alhures). Ou seja, a mudança de designação de « mocambo » para
« quilombo » pode não ter significado particular na evolução de Palmares., S.B. Schwartz, “Rethinking Palmares
- Slave resistance in colonial Brazil”. Slaves, peasants and rebels. Chicago, Ill., 1992, John K. Thornton “Les
États de l‟Angola et la formation de Palmares (Brésil) », Annales. Histoire, Sciences Sociales, v. 63 (4), 2008,
pp. 769-797; Sílvia Lara, op.cit., pp. 233-236.
23
. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, Recife, 1951-1966, 10 vols., v. 4, pp. 44-45; “Relação das guerras
feitas ...” RIHGB, op. cit. pp. 309-310, “Desagravos....”, v. 25, pp.87-8
24
. Nesta segunda governança de Pernambuco, Negreiros será sucedido por Bernardo de Miranda Henriques
(1667-1670) que estivera em Angola entre 1652-53, no governo de seu tio, Rodrigo de Miranda henriques.
25
.Em 1677, Doc. de 28/06/1677, Biblioteca Nacional de Lisboa, Seção de Manuscritos, Codice II - 33, 4, 32, e
em 1679, Pernambuco, 20/08/1679, AHU_ACL_CU_015, Cx. 12, D. 1150
26
. “Carta de Fco. de Távora a el-rei”, Luanda, 27.7.1671, AHU, Angola, cx. 10/43; J. A.. Gonsalves de Mello,
João Fernandes Vieira 1613-1681, Recife, 1967, 2 vols., v. 2, p. 226, Stuart B. Schwartz, A governor and his
8
image in Baroque Brazil - The funereal eulogy of Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça by Juan Lopes
Sierra (1676). Minneapolis, 1979, p.44.
27
. Em 1689, João de Lencastre, governador de Angola que será governador geral do Brasil, escreve ao
arcebispo da Bahia, d. Manuel da Ressurreição, governador-geral do Brasil, pedindo “com toda instância” 200
soldados e 50 cavalos. Por causa de problemas financeiros, apenas 50 soldados e alguns cavalos serão enviados à
Angola, Doc. 28/07/1689, AHU-ACL-N- Bahia , Doc. 35531
28
. Em 1798, um militar portugues escrevia a respeito do Soyo (ou Sonho): “Ali foi derrotado inteiramente, e
inteiramente vencido, e morto todo um grande exército portugues que ali se perdeu, do qual a artiIheria se
conserva ainda no mesmo poder do Sonho”. O oficial sustenta que a posse dos 2 canhões pelo Soyo não tinha
maior significado: “mandando este principe (do Soyo) oferecer ao governador de Angola, Antonio de
Vasconcellos, (que) mandasse buscar a artilharia de S. M. que ali se achava, lhe respondeu (o governador), que
S. M. Tinha muita artilharia, e como aquela tinha sido tomada em campo de batalha, quando S. M. quisesse, ou
tivesse motivo urgente, mandaria outro exercito revendicá-la”. Sua explicação deve ser entendida de outra
maneira: cem anos depois, os portugueses ainda não tinham poder suficiente para recuperar a artilharia perdida
em 1670, e ostentada como troféu de guerra pelo Soyo, “Noticias do Paiz de Quisama e do Exército que foi a
castigar os gentios daquella província, pelos insultos por elles commetidos...aos vassallos de S.M, moradores na
Cidade de S. Paulo, Reino d' Angola, e nos das margens do Rio Quanza” (1798), Annaes Marítimos e Coloniaes,
n° 4, 6ª série, „Parte não Official‟, Docs. Inéditos, Lisboa, 1846, pp. 119-127, p.123.
29
. AHU, Angola, caixa 9/55, doc. de 10/10/1666; Antônio Brásio, Monumenta Missionária Africana. 1a sér.
(África Ocidental central), 15 vols., Lisboa, 1953-88 (MMA¹), v. 13, pp. 44-5. O pagamento foi feito 5 anos
depois quando o governador Francisco de Távora tentava apaziguar Angola depois da expulsão do governador
Tristão da Cunha. Jorge de Albuquerque tinha participado de guerras ultramarinas, tendo ocupado, entre outros
postos, o cargo de capitão geral do Ceilão,
9
30
.Mercúrio Portuguez, Biblioteca Nacional de Lisboa, Res., 111-112 (V), MMA¹, v.12, 575-81, p. 581.
31
. Michelangelo Guattini e Diogini Carli, Viaggio nel Regno del Congo (1668), tradução francesa, La Mission
au Kongo, prefácio de John Thornton, Paris, 2006, p. 129. Frei Carli, que redige esta parte do relato, escreve que
conversou com um soldado portugues que pretendia ter cortado a cabeça de Vita-a-Nkanga em Ambuíla.
32
. Relação da mais glorioza e admirável victoria que alcançarão as armas de ElRey... contra ElRey de Congo
governando o senhor André Vidal de Negreiros, MMA¹, v. 12, pp. 582-591.
33
. Relaçam do Felice successo, que conseguirão as armas ...governadas por Francisco de Távora, Governador,
e Capitão General do Reyno de Angola contra a Rebellião de Dom João Rey das Pedras & Dongo no mez de
Dezembro de 1671, Lisboa, s/d, mas impresso em 1672. MMA¹, XIII, pp. 143-152. Como demonstra uma simples
verificação no catálogo online da Biblioteca Nacional de Lisboa, existem muitas “relações” relativas a
curiosidades ou episódios dramáticos e batalhas sucedidas em Portugal e no ultramar na mesma época.
10
43
. HGGA, vol. I, pp. 13-4.
44
. Coata-coata = kuata-kuata, “agarra-agarra”, ou “pega-pega”, do verbo quimbundo, kikuata = agarrar, HGGA,
vol. II, pp. 105-6, n. 2. Cabe lembrar que Portugal é a único país europeu que organizou –, junto com os
brasílicos -, expedições oficiais de captura de africanos para escravização e fornecimento do tráfico negreiro.
45
. AHU, Angola, cx. 8/128, “Carta da câmara de Luanda”, 7.12.1665.
46
. Maria Lêda de Oliveira, op. cit., p. 268 e nota 47.
13
47
. L.F. de Alencastro, O Trato... , pp. 262-306, 338-340, 369-370; Roquinaldo Ferreira, « O Brasil e a arte da
guerra em Angola (sécs. XVII e XVIII)”, Estudos Históricos, vol. 39, 2007, pp. 1-24;.
48
. Roquinaldo Ferreira, « O Brasil e a arte...”. p.7.
49
. Decretos régios de 21/06/1675, 10/07/1675, 10/03/1680, 16/03/1680, 02/02/1684, 26/02/1684, 22/03/1688,
07/03/1691, 26/01/1694, J. J. de Andrade e Silva, Collecção chronologica da legislação portugueza, 11 vols.
Lisboa, 1854-59.
50
. R. Ferreira estudou o assunto na sua tese e no artigo indicado acima. Ainda que todos os soldados
aquartelados em Luanda soubessem montar a cavalo, nem todos se adaptavam à montarias do Brasil, habituadas
a ser montadas sem sela e jamais ferradas (só se começou a ferrar cavalos no Brasil no século XVIII). Desde
logo, os cavaleiros de Pernambuco e Bahia ganhavam relêvo em Angola. O comércio regular de troca de cavalos
por escravos nunca vingou no Atlântico Sul por uma razão simples: os comanditários de cavalos eram
unicamente o governo e as forças militares de Angola. Irregular e pouco solvável, tal demanda não se equiparava
à dinâmica da demanda de escravos no Brasil.
14
51
. Hebe Mattos, « Guerra Preta / Guerre Noire : Cultures politiques et hierarchies sociales en Atlantique Sud au
XVIIe siècle», communication au colloque « Le Brésil et l‟Atlantique Sud XVIe – XXIe siècle : une histoire
globale à l‟époque moderne et contemporaine », id.,“Black Troops” and Hierarchies of Color in the Portuguese
Atlantic World: The Case of Henrique Dias and His Black Regiment, Luso-Brazilian Review, vol. 45 (1), 2008,
pp. 6-29.
52
. Sobre a infantaria, os mulatos e a « guerra preta » em Angola, ver ainda, R. Ferreira, Transforming Atlantic
Slaving: Trade, warfare and territorial control in Angola, 1650-1800, Ph. D., University of California, Los
Angeles, 2003, pp. 144-182.
53
. A respeito dos “jagas”, seguindo o estudo pioneiro de Joseph C. Miller aceito por todos os especialistas,
considero que se tratava majoritariamente de gente imbangala. Mas continuo usando o denominativo para os
guerreiros nomâdes assim designados nos séculos XVII e XVIII. Efetivamente, para Cadornega “jága” não
indica um povo qualquer, mas uma “profissão” de guerreiro nomâde (HGGA, v. II, p. 179). E Silva Correa
confirma, um século depois; “os jágas...gente belicosa e ambulante que admitem variedade de nações, e debaixo
do mesmo nome se entendem os governadores e os governados que forma este corpo”, E. A.da SILVA
CORREA, História de Angola (1782), 2 vols., Lisboa, 1937, v. II, p. 50. Dois artigos recentes retomam a
discussão, Jan Vansina, “On Ravenstein‟s edition of Battell‟s Adventures in Angola and Loango”, History in
Africa v. 34, 2007, pp. 321–347 e Beatrix Heintze, “The extraordinary journey of the Jaga through the centuries:
critical approaches to precolonial Angolan historical sources”, History in Africa v. 34, 2007, pp. 67–101
54
. Arquivos de Angola, 2ª s., v.I (3-6) 1943-1944, pp. 136-7, 193-4; Livro de patentes do tempo do senhor
Salvador Correia de Sá e Benevides, Arquivo Histórico de Angola, Luanda, 1969, p. 95.
15
55
. Barão Studart, « Documentos para a História do Brasil e especialmente a do Ceará », RTIC, t. 36, 1922. Docs.
de 15/06 e 26/09 de 1684, pp. 112-114, id., ibid., “Documentos para a história do Ceará » t. 42, 1928, pp.103-
105.
56
. id., ibid., RTIC, t. 37, 1923, pp. 134-136.
57
. Stuart B. Schwartz, “A governor and his image ...”, pp. 48, 67, 79, 86-7.
58
. « Consulta do Conselho Ultramarino sobre Manoel de Inojosa..”. 18/09/1677, AHU_ACL_N_BAHIA,
Doc.34576, Conselho Ultramarino, cód. 245 (1675-1695), doc. 52, 17/11/1677; sobre este ciclo de guerras,
Pedro Puntoni, “A guerra dos bárbaros...”, “ a guerra do Aporá, 1669-1673”, pp.107-116
59
. Sobre este episódio, P. Puntoni, op.cit., pp.120-121
60
. Borges da Fonseca escreve que Manoel era bisneto do sargento-mor Jerônimo de Inojosa, importante
comandate da guerra brasílica. Manoel não alude ao parentesco nas suas petições e numa delas informou que era
„soldado pobre“, AHU_ACL_N_BAHIA, Doc.34576, Conselho Ultramarino, cód. 245, doc. 52, 17/11/1677 e
AHU_ACL_CU_015, Cx. 13, D. 1312, doc. 7/09/1684; A.J.V. Borges da Fonseca, “Nobiliarchia
Pernambucana” (1748), Annaes da Bibliotheca Nacional, vol. 47, 1935, v.1, p. 80. Em O Trato..., p 338, escreví
erradamente que Manoel era filho de Jerônimo de Inojosa.
16
61
.A partir dos relatórios de Inojosa, de J. Fernandes Vieira e de outras pessoas com “inteligência e notícia” sobre
Palmares, decidiu-se dar guerra aos quilombolas, “até se extinguirem ou reduzirem”, Doc. de 28/06/1677,
Biblioteca Nacional de Lisboa, Manuscritos, Cod. II - 33, 4, 32
62
. As expedições de 1679 e 1680 foram comandadas por Manoel Lopes e a de 1681, de novo, por Fernão
Carrilho. Loreto do Couto diz que “Mayoyo” foi capturado por João Martins, sargento mor dos henriques. Sílvia
Lara assinala a captura do chefe palmarista “Moioio”, (para a grafia “Majojo” me reporto ao documento
impresso na revista citada, Barão Studart, « Documentos...», RTIC, t. 36, 1922. Docs. de 15/06 e 26/09 de 1684,
pp. 112-113), Desagravo, v. 25, pp. 107-108, S. H. Lara, op. cit., 198-200. Supondo que a grafia esteja correta,
Majojo é um nome intrigante. Um damel (soberano do Cajor), fantoche dos franceses nos anos 1860 no Senegal,
se chamava Majojo. Mas em Moçambique há uma cidade chamada “Majojo”, e “mujojo” ou “majojo”
designava traficantes muçulmanos de escravos oriundos das ilhas Comores. Haveria gente da África Oriental em
Palmares? É muito improvável, mas não de todo impossível. Há registro de 3 navios chegados com escravos
moçambicanos na Bahia, 1 em 1620, 1 em 1643 e 1 em 1644 (cf. O Trato...p.198, nota 60), e navios da Índia que
às vezes arribavam na Bahia, podem ter trazido gente de Moçambique.
63
. A alegação de Inojosa talvez seja um equívoco: em 1681, ele pode ter matado um chefe tido por Zumbi. Aliás,
Loureto do Couto, menciona a morte de Zumbi em três datas diferentes. A 1 a. no ano de 1680, num ataque de
Domingos Rodrigues Carneiro, mestre de campo dos henriques. A 2 a. no ano de 1681, numa investida do índio
Sebastião Pinheiro Camarão, mestre de campo dos camarões. A 3 a. menção ocorre numa data não indicada,
quando “Zumby”, “Príncipe do Palmar” teria sido morto pelo crioulo Antônio Soares, recompensado com a
alforria em 1697 (na realidade em 1696), fatos que coincidem com o contexto da morte de Zumbi em 1695,
“Desagravo...”, v. 25, pp. 98-99, 106, 108. Em todo o caso, este tipo de alegação contribuia para difundir a idéia
que Zumbi era imortal. Para uma discussão sobre o nome de Zumbi, cf; Robert N. Anderson,” The Quilombo of
Palmares: A New Overview of a Maroon State in Seventeenth-Century Brazil”, Journal of Latin American
Studies, v. 28 (3), 1996, pp. 545-566, sobretudo pp. 560-2.
64
. Barão Studart, « Documentos...”, RTIC, t. 36, 1922, p. 112-113.
65
.AHU, Angola, cx. 13/3 e cx. 14/27, docs. de 26.I.1685 e 18.VII.1690.
66
. O relatório de 1677 é conhecido, teve um resumo publicado por Décio de Freitas, República de Palmares:
Pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVII, Maceio, 2004 e foi analisado, entre outros por
John Thornton, op. cit., pp. 776-8, 781, e Sílvia Lara, op.cit, pp. 25-27. Para o relatório de 1689, a única
referência de que disponho é a matéria da Folha de S. Paulo, mencionada na nota 69. Com tantos pesquisadores
brasileiros presentes na Biblioteca da Ajuda, é curioso que este documento importante para a história do Brasil
não tenha ainda sido -, pelo que sei -, transcrito na sua integralidade.
67
. Consulta do Conselho Ultramarino em 22 de marco de 1688, AHU, cod. 18, fls. 135-135v. Devo esta
referência a Roquinaldo Ferreira.
17
72
. Chamo de « Arquipélago do Capricórnio » a sequência de portos negreiros africanos e enclaves de plantações
sul-americanas dos séculos, os quais, unidos pelas trocas bilateriais em torno do anticiclone de Santa Helena
(também denominado anticiclone de Capricórnio) embasaram a formação social escravista e negreira que
incorpora em seguida outros enclaves fundados no cativeiro indígena (São Paulo e o Estado do Grão Pará e
Maranhão) para dar lugar ao Brasil.
73
. Reconhecendo a “experiencia e possibilidade” de João Fernandes Vieira -, que incluia, como ficou dito, seus
combates no Brasil contra os holandeses e sua governança em Angola – o Conselho decidiu confiar-lhe o
comando de uma grande expedição contra Palmares. Tal não ocorreu, em razão dos conflitos que opunham
Fernandes Vieira ao governador de Pernambuco, Pedro de Almeida, Doc. de 28/06/1677, Biblioteca Nacional de
Lisboa, Seção de Manuscritos, Codice II - 33, 4, 32. Sobre o conflito entre Vieira e o governador, Consulta do
Conselho Ultramarino, 19/10/1677, AHU_ACL_CU_015_Cx. 11, Doc.1093
74
. Documento transcrito pela Revista do Inst. Arq. Histórico e Geográfico Pernambucano (n° 42, 1891) e
reproduzido tal qual, com data errada e palavras truncadas, em Clóvis Moura, Dicionário da escravidão negra
no Brasil, São Paulo, 2004, pp. 109-110. Tirei do documento original a citação acima, cf. AHU, Conselho
Ultramarino, códice 256, Carta ao governador de Pernambuco, de 17/11/1683.
19
75
. “Relação das guerras...”, op.cit., p. 314.
76
. Carta para a câmara da capitania do Rio Grande, 24/03/1681,“Dezenove documentos sobre os Palmares
pertencentes à Colleção Studart”, RTIC, t. 20, 1906, p. 270.
77 . Sebastião da Rocha Pita, História da América Portuguesa (1730), São Paulo, 1976; pp.213-219.
78
. “Relação das guerras...”, op.cit., p.305. J.K.Thornton, também sublinha as fugas em massa durante a
ocupação holandesa, op.cit., p.775
79
. Francisco de Brito Freyre, Nova Lusitânia, História da Guerra Brasílica (1675), São Paulo, 2001, p. 284.
20
qual resolveu pactuar com o governo do Recife após a captura de sua família
e de familiares de outros chefes quilombolas pela expedição de Fernão
Carrilho, em 1677.80 Dando destaque às relações de parentesco entre o
comando quilombola, A Relação das guerras cita os nomes da mãe, do irmão,
do filho e dos sobrinhos de Zumbi.
Aliás, o tratado de paz (ou melhor dizendo, o “papel”) proposto pelo
governador Souza de Castro a Gangazumba (1678) explicitava a garantia a
liberdade aos nascidos nos Palmares e a alforria de familiares dos chefes
palmaristas que fossem viver em Cucaú. O documento também sublinha que
os familiares de Gangazumba mandados a Recife para negociar o pacto,
engajavam a sua palavra: “vossos filhos e família me prometeram em vosso
nome”. Noutra carta, o governador especificava que Gangazumba “e todos
vossos filhos, parentes, irmãos e capitães”, viveriam em paz em Cucaú.81 Dois
anos depois, na tentativa de levar Zumbí, seus parentes e seguidores à
redução do Cucaú, junto de Gangazumba, o mesmo governador lhes prometia
proteção e liberdade, não só ao dito “capitão Zumbí”, como também “a toda
sua família”.82
Nas etapas iniciais do cerco a Palmares, o deslocamento das famílias
dirigentes revela ao comandante paulista os lugares da concentração da
defesa quilombola. “O negro tem o mulherio consigo fiado na grande
fortificação em que está”.83 Mais tarde, a Rellação Verdadeyra, aponta o
entrave que as famílias causavam aos combatentes palmaristas e ao próprio
Zumbí, no ataque final em fevereiro de 1694: « ...por se ver já ferido..[Zumbí]
largou um filho, que às costas trazia, e sete concubinas, pegadas todas umas
nas cintas das outras. E era ele o que as vinha guiando, pegada uma também
na sua cinta, que logo ali se desmanchou toda esta carruagem. E por ser
muita a quantidade de mulheres e meninos lhes não foi possível tornarem a
voltar para dentro da sua cerca”. 84
Se é certo que a liderança de Gangazumba e Zumbi traduz uma nova
polarização do poder palmarista, também é verdade que o surgimento de
suas famílias no meio dos combates constitui um marco na longa história de
Palmares.
80
. Sílvia H. Lara recapitula negociações anteriores entre quilombolas e autoridades coloniais, observando que a
palavra « tratado » ou « pacto » não consta no documento do governador Souza e Cruz, o qual intitula o acordo
de 1678 como um « papel »., ibid., pp. 41-64. Sobre Carrilho, Fabiano Vilaça dos Santos, « Feitos de Armas e
Efeitos de Recompensa: perfil do sertanista Fernão Carrilho », sítio acessível em abril de 2009, em
http://www.klepsidra.net/klepsidra19/fernaocarrilho.htm
81
. Documento em mal estado, Doc. 04/02/1678, AHU_ACL_CU_015_Cx. 11, Doc.1103, Doc. 22/06/1678,
AHU_ACL_CU_015_Cx. 11, Doc.1116, Doc. 19/07/1678, AHU_ACL_CU_015_Cx. 11, Doc.1124; transcrição
em Sílvia H. Lara, op.cit., Anexo 2, pp. 237-239. Agradeço a Paul Lovejoy e José Curto a discussão que tivemos
sobre este tema nas duas semanas de abril 2009 em que fui professor visitante no Harriet Tubman Institute da
Universidade de York (Toronto) no quadro da convenção Sorbonne-York.
82
. Bando do sargento-mor Manoel Lopes, 26/03/1680,“Dezenove documentos sobre os Palmares..., RTIC, t. 20,
1906, pp.268-9.
83
. Carta de 27/11/1692, RTIC, ibid., pp. 284-6.
84
. “Rellação Verdadeyra...”, op. cit., p 318. Como observa Maria Lêda de Oliveira, esta é a passagem que
originou a lenda do suicídio de Zumbí e de seus guerreiros.
21
85
. Conde da Ericeira, Portugal Restaurado (1679 e 1698), Lisboa, 1751 (1a. parte), 1759 (2a.parte), 1a.parte, pp.
295-296.
86
. A família Távora, citada no começo da Relaçam do Felice successo, estava colecionando títulos. O irmão
mais velho de Francisco de Távora, Luís Álvares de Távora, também companheiro de armas de Ericeira na
guerra do Alentejo, foi elevado a 1º Marquês de Távora em 1699. Francisco de Távora será vice-rei da Índia
(1681-1686), 1° Conde de Alvor (1683) e presidente do Conselho Ultramarino (1686).
87
. Pereira da Costa transcreve o poema separando os versos, sem estrofes, Pereira da Costa, Anais...., v. 4, pp.
27-30.
88
. Luiz Mott, num estudo pioneiro sobre Santo Antônio, patrono dos capitães de mato, cita este poema,
organizando-o em estrofes de cinco versos, que desfazem a décima, e apresentando outra análise do texto.
Diferentemente de Mott, que segue a indicação de Pereira da Costa, penso que o poema parodia uma petição,
mas não era um “requerimento” ao Conselho Ultramarino, L. Mott, « Santo Antônio, o Divino Capitão do
Mato”, in João J. Reis, Flávio dos Santos Gomes, Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil,
Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pp. 110-138. Clóvis Moura também toma os versos como um
requerimento formal ao Ultramarino. Suas observações baseiam-se noutra transcrição do poema, sem estrofes,
mas com rimas decimadas, citada por Pereira da Costa no “Folklore Pernambucano”, onde consta também uma
décima suplementar inserida entre a 1ª. e a 2ª. estrofes:
“Falta um justo conselheiro
Que por comum liberdade
Ante Vossa Majestade
Vá com zêlo verdadeiro
Qual o grande cavaleiro
Egas Moniz em que igual
Foi valor e zêlo tal
22
91
. Para Mott, « bolônio » refere-se aos naturais de Bolonha (uma das cidade onde viveu santo Antônio antes de
ir para Pádua).
92
. Mott interpreta este verso como uma denúncia às crueldades inflingidas aos palmaristas. Penso que o verso
tem um sentido jactancioso, visto que o poema ressalta a valentia de Zebedeu e seus parceiros no combate contra
os palmaristas, considerados como “vis escravos”, pp.124-125
93
. Por ordem de 13/09/1685, do governador de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, abriu-se assento de
praça a santo Antônio a fim de levá-lo para a guerra dos Palmares. O pagamento do soldo e do fardamento do
“soldado” santo Antônio era regularmente entregue ao convento de São Francisco, em Olinda. Trazida pelo
capelão dos expedicionários, o franciscano André da Anunciação, a imagem do santo esteve em Palmares até o
final dos combates, quando regressou com a tropa para Recife, Pereira da Costa, Anais...., v. 4, pp. 27-30. L.
Mott, « Santo Antônio, o Divino Capitão do Mato”, op. cit. Santo Antônio foi também o patrono das milícias dos
bandeirantes e de Manoel de Inojosa que massacraram os índios do rio Paraguaçú.
24
Pernambuco tenham ido até a África Oriental.94 Em todo caso, sua presença
era desejada por lá.
Descrevendo o estado calamitoso daquela parte do ultramar, frei
Antonio da Conceição afirma no seu precioso Tratado dos Rios de
Cuama (1696), que a solução para o “aumento temporal” da conquista de
Moçambique era trazer-se um governador ou capitão general “com trezentos
soldados europeus ou brasileiros, pólvora, balas...”. Pelo que sei, trata-se de
uma das primeira vezes em que a palavra “brasileiro” aparece com o
significado nítido de natural do Brasil, contrastando com a palavra
“europeus”: a identidade coletiva do colonato da América portuguesa,
corporificada em sua prática militar, ressai nos enclaves coloniais
africanos.95 No mesmo registro, Cadornega funda-se na atividade militar dos
colonos em Angola para caracterizar a identidade da « gente portuguesa
angolana”.
No meio disso tudo, os paulistas têm um lugar à parte. E por dois
motivos. Em primeiro lugar, observa-se que nenhum bandeirante conhecido
ou grupo de soldados referido como paulista, engajou-se nas lutas africanas.
Pelo contrário, em abril de 1648, quando Salvador de Sá buscava
ansiosamente homens para sua expedição de Angola, a bandeira de Raposo
Tavares tomava a direção oposta, rumo ao Noroeste sul-americano, à caça
de índios, apartando-se das operações negreiras do Rio de Janeiro. Em
segundo lugar, os paulistas têm uma presença marcante na Serra da Barriga.
Juntando sua prática de reides antiindígenas à experiência dos veteranos de
guerras contra sobados angolanos, índios e quilombos, eles fecharam o
cerco a Palmares.
Na altura em que os gentílicos -, com a exceção do substantivo
“pernambucano” -, eram pouco ou nada utilizados para designar os naturais
das outras capitanias, os paulistas são frequentemente individualizados. Nas
17 páginas que compõem a Rellação Verdadeyra (c.1694), as palavras
“paulista” e “paulistas” aparecem 39 vezes.96 Além do mais, seja na
documentação sobre Palmares, seja nas diatribes do padre Antônio Vieira, o
gentílico “paulista” se apresenta quase sempre associado à escravização de
indígenas ou à tropas que beiram o bandoleirismo. Neste sentido, é
interessante notar um incidente ocorrido no começo de 1691, quando os
paulistas se aproximavam pela primeira vez da Serra da Barriga.
Temendo que iniciativas de Fernão Carrilho, então favorável a um pacto
com os quilombolas, desembocassem numa rendição dos palmaristas,
privando-o do butim de terras e de escravos, Jorge Velho escreveu ao
governador: “Bem lhe consta a V.Sa. que, se os negros pedem ou pedirem
94
. A saudosa Mária de Fátima Gouvea, em comunicação pessoal, havia me indicado a existência de uma
expedição militar saída de Pernambuco e Bahia para Moçambique no final do século XVII. Contudo, o índice
geral da correspondência com a Índia, disponível em linha no sítio (acessível em abril de 2009)
http://www.ippar.pt/sites_externos/bajuda/htm/catalg/india/ind01.htm, não traz referência a tal expedição.
95
. Frei Antonio da Conceição « Tratado dos Rios de Cuama », (1696), in O Chronista de Tissuary, (jornal
mensal editado na Índia portuguesa por J.H. Cunha Rivara) Nova Goa, vol. II, n° 15, 1867, pp.39-45, 63-69, 84-
92, 105-111, p.84. O Houaiss dá o ano de 1706, como data da primeira aparição em Lisboa da palavra
“brasileiro” no sentido atual.
96
. Note-se que em Portugal, Bluteau dava um só significado à palavra “paulista”: eram os padres jesuítas do
célebre Colégio de São Paulo, em Goa.
26
pazes, que é ou será com terror dos paulistas. E eu me vou meter dentro dos
Palmares e morar neles”.97
Parte da caracterização dos paulistas no Brasil e na América do Sul
deriva de uma forma aguda de violência colonial por eles praticada, e
perfeitamente instrumentalizada por Jorge Velho.98 No mesmo timbre, o
governador de Pernambuco, marquês de Montalvão, exprime a ferocidade
antipalmarista que dominava a conjutura. Referindo-se à Serra da Barriga,
ele escreve a Jorge Velho: “...tudo dou por bem empregado na certa
esperança que me fica de que vosmecê haja de fazer a S.Majestade ...um
serviço tão particular e importante como é o de devorar e extinguir esses
bárbaros...”99.
Como ficou dito acima, o discurso e a prática da violência que
campeava na guerra dos bárbaros açambarcou a guerra de Palmares. Volto
já à segunda parte da frase truculenta de Domingos Jorge Velho (“E eu me
vou meter dentro dos Palmares e morar neles”).
97
. Carta de 10/11/1691, ,“Dezenove documentos sobre os Palmares..., RTIC, t. 20, 1906, pp 273-275.
98
. Sabe-se que no Paraguai, ainda nos dias de hoje, « bandeirante » é sinônimo de bandoleiro.
99
. Carta de 19/12/1691, “Dezenove documentos ...”, ibid., pp 278-280.
100
. Por causa dos reides dos palmaristas, diz a Relação das guerras“, “se despovoavam os lugares
circunvizinhos e se despejam as capitanias adjacentes”, ibid., p. 307. Tais terras foram prometidas a Jorge Velho
e seus homens. Porém, quando Palmares foi destruídos os proprietários voltaram para suas sesmarias.
101
. Como se sabe, D. Jorge Velho e seus homens não vieram diretamente de São Paulo para Palmares. Na
verdade, eles já estavam estabelecidos, desde 1679 ou 1680, na região situada entre o atual município de
Parambú (CE) e Teresina (PI), onde « tinham feito suas povoações com suas habitações, com suas criações, tanto
dos vacuns como cavalares ou ovelhuns, e cabruns, etc., e faziam suas lavouras », Carta de sesmaria conferida...
a D. Jerônima Cardim Próis viúva do mestre-de-campo D. Jorge Velho... », Recife de Pernambuco, 03/01/1705,
Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, v. 5, pp. 75-80.
102
. “Desagravos....”, v. 25, p. 190
27
103. “Carta autografa de D. Jorge Velho escrita do Outeiro da Barriga”, 15.7.1694, E. Ennes, Os
Palmares..., pp. 66-9, 79-80, 123, 135. J. Thornton reduz todo o contencioso sobre as terras vizinhas de
Palmares ao simples desejo dos paulistas de terem suas mulheres perto de sí, op.cit. p.783, nota 67
104
. HGB, v. 2, t.3°, p. 98.
28
105
. No momento em que a cobiça pelas terras quilombolas volta à ordem do dia, os pesquisadores deveriam dar
mais atenção à questão fundiária aqui abordada no quadro do século XVII. Para isso, é preciso deixar de lado o
anacronismo da discussão sobre a „disponibilidade de terras“ e as teorias de Wakefield concebidas num outro
contexto histórico.
106
.Sobre o uso dos índios nas batalhas coloniais, S. Schwartz, “Tapanhunos, negros da terra e curibocas: causas
comuns e confrontos entre negros e indígenas“, Afro-Ásia, 29/30 (2003), 13-40.
107
. O termo « Angola Janga » e sua tradução por « Angola pequena », aparece numa carta de D. Jorge Velho. A
tradução foi questionada por R.N. Anderson, baseado em dicionários atuais de quicongo e quimbundo, e na
mesma linha, por J.Thornton. Porém, Jorge Velho reproduz o que ouviu na época de gente entendida de dialetos
africanos falados no século XVII em Palmares e alhures em Pernambuco e Alagoas. Não faz sentido contrapor
sua tradução ao entendimento de dicionaristas dos dias de hoje, D. Jorge Velho ao rei, c.1695, E. Ennes, As
guerras nos Palmares, São Paulo, 1938, pp.316-44. R. N. Anderson, « The quilombo...”, op.cit., pp. 545-566,
J.K. Thornton, op.cit., p. 774, n.21.
108
. Malafo, malavo, marufo, maruvo, do kicongo ma-lávu, “vinho de palma”-, extraído, entre outras, da palmeira
mateba ou matebeira (Hiphoene guinensis), da palmeira ditombe ou bordão (Raphia textilis). Também se faz
malafo da Elaeis guineensis - a palmeira de dendê -, depois transplantada da África para o Brasil. Mas não havia
dendezeiro em Palmares nesta época. O coqueiro propriamente dito (Cocos nucifera), trazido com o sucesso que
se vê da Oceania para o Brasil, não existe em larga escala no território angolano. Cadornega distingue o
“malafo”, vinho de palma da terra, do “malufo”, vinho portugues importado, HGGA, v. 3, pp. 357-9. Retomo
aqui parágrafos de O Trato... , pp. 311-2.
29
109
. J. C. Miller, “The Imbangala and the chronology of Early Central African History”. Journal of.African
History v,13I(4), 1972, pp. 549-74, p. 572; Beatrix Heintze, Fontes para a história de Angola do século XVII. 2
vols. Vol. I, Wiesbaden, 1985, vol. II, Sttugart, 1988, v. 1,p. 121; as funções cerimoniais do malafo se perpetuam
até hoje em Angola com a sua distribuição no alembamento (entrega do dote do noivo à família da noiva) e na
maka. Veja-se o tópico maluvo em http://mulongam.blogspot.com/2007/07/maluvo.html
110
. E. G. Ravenstein, The strange adventures of Andrew Battel of Leigh, in Angola and the adjoining regions
(1589). Londres, 1901, p. 30
111
. Anônimo, História do reino do Congo (c. 1625). Publicada por A. Brásio. Lisboa, 1969, p. 40, n. 2.
112
. HGGA, v. 3, pp. 357-9.
113
. Carta do padre Baltasar Afonso, 19/1/1585, MMA¹, v. 3i, pp. 311-3, Anônimo, História..., p. 40; MMA¹, v.
15, p. 476; consulta Co.Uo., 4/9/1655, AHU, Angola, caixa 6/ 25 e caixa 6/27.
30
114
. Várias palmeiras nativas do Brasil, e em particular do Nordeste, são chamadas catulé ou catolé, como por
exemplo, a Rhapis pyramidata, a Attalea humilis, também chamada anajá-mirim e a Attalea oleifera.
115
. “...vinho de palma, da sorte que se usa na Cafraria, de que se pode fazer muita quantidade, por abundar a
terra de semelhantes plantas; também o vinho que se faz dos coqueiros, da seiva que se tira dêles, tão usado na
Índia, do qual os moradores desta terra ainda se não aproveitam... », Ambrósio Fernandes Brandão, Diálogos das
Grandezas do Brasil (1618), Salvador, 1956, “Diálogo quarto”.
116
. “Diário da viagem do capitão João Blaer aos Palmares em 1645”, em L. Dantas Silva. Alguns documentos
para a história da escravidão. Recife, 1988, pp. 23, “Relação das guerras...”,. pp. 303-304
117
. Sílvia Lara relaciona a presença das palmeiras em Cucaú com o significado dos palmerais na África Central,
ibid, p. 195.
118
. Veja-se por exemplo o quilombo de Conceição das Crioulas (PE) alegadamente fundado no início do século
XVIII por mulheres refugiadas de Palmares, cf. www.conceicaodascrioulas.com.br (sítio acessível em abril de
2009). Sem contar o fato de que “catulé” é em Pernambuco uma “dança de roda no final dos pastoris, executada
por dois figurantes tradicionais” (Houaiss). O que deixa pistas para um estudo etnográfico sobre a correlação
palmeira catulé-comunidade rural-festejos, dentro e fora da cultura quilombola.
31
119
. O Brasil devia ser defendido “não só contra os holandeses, mas contra as nações que conhecem a utilidade
que de si dá, porquanto a ilha de São Domingos e as Barbadas, que os ingleses procuram, não são tão boas”,
explica o Conselho Ultramarino em 1656, Consulta de 12.2.1656, MMA¹, v.12, p. 7.
120
. A expressão «partido continental» para caracterizar a aliança franco-espanhola é de Borges de Macedo,
citado por Isabel Cluny. Em contraste, caracterizo a aliança entre a Inglaterra e a Holanda (e ainda a Dinamarca e
Noruega) como “partido marítimo”, cf. Isabel Cluny, “A guerra de Sucessão de Espanha e a diplomacia
portuguesa”, Penélope, n° 26, 2002, pp. 63-92, p. 80. Leonor Freire Costa, “Relações econômicas com o
exterior”, in Pedro Lains a Álvaro Ferreira da Silva (orgs), História Econômica de Portugal 1700-2000, Lisboa,
2004, 3 vols., v. 1, pp. 263-291.
121
. Isabel Cluny, op.cit., pp. 72-74 .
122
. Atacam Benguela vindos do Oceano Indico 3 navios integrados à Compagnie des Indes, Jean-Michel Roche,
Dictionnaire des bâtiments de la flotte de guerre française de Colbert à nos jours, Toulon, 2005, 2 vols, v. 1, pp.
10 e 41. Sobre o ataque ao Rio, Maria Fernanda Bicalho, A Cidade e o império, o Rio de Janeiro no século
XVIII, Rio de Janeiro, 2003, pp. 51-80.
32
123
. Entre 1650-1700 desembarcaram no Brasil 464.050 africanos de um total de 994.000 traficados no Atlântico,
entre 1700-1800, os números foram respectivamente 1.989.017 e 5.609.869, database
http://www.slavevoyages.org.
124
. RTIC, t.37,1923, pp.101-102,104, 114-123.
125
. Pernambuco, 12/0/ 1778, AHU_ACL_CU_015, Cx. 128, D. 9724.
126
. Sebastião da Rocha Pita História da América...; pp.213-219.
127
. “Desagravos do Brazil...”, no livro Oitavo “Pernambuco constante, valeroso e fiel nas calamidades”, cap. 4
“Das guerras servís do Palmar” (o índice dos Annaes escreve “das guerras civís do Palmar”, o que dá um sentido
inteiramente diferente ao capítulo”), v. 25, pp.187-194.
128
. Oliveira Martins, O Brazil e as colonias portuguezas (1880), 3ª ed., Lisboa, p. 64. Andressa Merces Barbosa
dos Reis faz uma uma aguda análise crítica da historiografia brasileira sobre Zumbi, cf., Zumbi: historiografia e
imagens, dissertação de mestrado em História, UNESP, Franca, S.P., 2004.
33
129
. “De muitos índios de Pernambuco que floresceram em santidade”, “Pessoas oriundas de Pernambuco que
compuseram [livros e poemas] e [os] imprimiram”, “Pessoas oriundas de Pernambuco que compuseram e não
imprimiram”, “Santas obras de muitas matronas que no estado de casadas e viúvas floresceram em virtudes”,
“Memórias de alguns varões muito ilustres... que sendo educados em Pernambuco e morando nele muitos anos,
foram morrer em outra província”, Desagravos..., v. 25, pp. 68-9 e 85-6.
130
. Diário da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil (1823), Brasilia, D.F., 1973, vol.
II, p. 677.
34
131
. Anais..., v. 5, pp. 56-7, Pereira da Costa cita a frase de José Bernardo Fernandes Gama para concordar com a
afirmação.
132
. F. A. Varnhagen e J.C.C. de Chelmicki, Corografia Cabo-Verdiana, ou descripção geograficohistórica da
provincia das Ilhas de Cabo-Verde e Guiné. Lisboa, 1841. 2 vols. Varnhagen viveu em Portugal dos 9 aos 24
anos. Escreveu a parte referente à história cabo-verdiana, enquanto Chelmicki escrevia a seção de geografia,
Temístocles Cesar, «Varnhagen in movement a brief anthology of an existence », Topoi, vol.3, 2007, pp. 1-24.
133
. A 2a. edição da obra foi feita por Varnhagen, a 3 a. começou a ser realizada por Capistrano de Abreu e foi
terminada por Rodolfo Garcia. Numa das etapas suprimiu-se a subparte da seção 33 do t. 2° intitulada “Vieira e
Vidal em Angola”, localizada na página 37 da 1a. edição. Outras modificações e adendos sobre outros temas
foram introduzidos na segunda e na terceira edição. Um estudo sistemático da obra mostraria o significado
dessas supressões e adições.
134
. A frase deve visar Loureto do Couto, o qual escrevera : « Como o fundamento, conservação e aumento das
repúblicas consiste nas leis, e justiça, formaram [os palmaristas] sua república, ao seu modo bem ordenada »
prosseguindo na descrição do bom ordenamento político e social de Palmares, Desagravos, v. 25, p.188-9.
135
. Pensamento que prenuncia a frase atribuída ao historiador-presidente Washington Luiz no final dos anos
1920: a “questão social é caso de polícia.”
136
. Na verdade, Capistrano inclui no capítulo 9 uma citação de Antonil onde a palavra Angola aparece
incidentemente uma vez. Fato raro nas edições universitárias americanas, Capítulos de História Colonial (1907)
35
foi traduzido e publicado pela primeira vez em inglês em 1998, quase um século após sua edição original, cf.
Capistrano de Abreu, Chapters in Brazil's Colonial History 1500-1800, Stuart Schwartz e Fernando Novais
(orgs.), Oxford University Press, 1998. Na apresentação, Novais e Schwartz não se detém sobre a ausência do
sistema sul-atlântico na obra e sublinham, a justo título, o papel importante de Capistrano como autor,
pesquisador, crítico e fundador da moderna historiografia sobre o Brasil.
137
. Braudel -, que defendera no ano anterior sua tése sobre o Mediterrâneo pensado como uma coisa só -,
resenhava Formação do Brasil Contemporâneo e História Econômica do Brasil, Fernand Braudel, « Deux livres
de Caio Prado », Annales, E.S.C., 1948, v. 3 (1),pp 99 – 103.