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APRESENTAÇÃO
Inicialmente queremos agradecer as gestões anteriores que trilharam um árduo caminho até
aqui. Agradecemos aos companheiros e companheiras da atual gestão que acreditaram na
possibilidade de realização desta II Jornada Científica, com o objetivo de promover a integra-
ção multidisciplinar de conhecimentos possibilitando, assim, o debate de ideias, a sistemati-
zação da prática e a criação de espaços reflexivos de construção de diálogos e do conheci-
mento entre os profissionais do FASP/ES e aqueles que se interessam e estudam o tema.
Também agradecemos imensamente os apoiadores deste evento, sem os quais não terí-
amos condições objetivas de realizá-lo. Agradecemos especialmente a todos e todas que
se debruçaram nesta realidade e escreveram seus trabalhos contribuindo com as comu-
nicações orais. Nosso carinho especial à comissão avaliadora, que analisou de maneira
comprometida estes escritos. Os trabalhos nesta revista, assim como suas apresentações
orais na Jornada, estão divididos em cinco eixos: Gestão do Trabalho; Gênero, Geração e
Etnia; Sistema Penal; Família e Criança e Adolescente.
Começamos esta apresentação com a frase escrita nos muros de Paris, durante as revoltas de
maio de 1848, que dizia: “o que nós queremos, de fato, é que as ideias voltem a ser perigosas.”
Que possamos embarcar nesta jornada inicialmente para re-conhecer a realidade, para modifi-
cá-la, e que saiamos deste encontro potencializados e dispostos a reinventar nossas atuações e
nossas lutas. Que unamos forças, reflexões, empenho e coragem na ultrapassagem da igualdade
formal, jurídica, para a igualdade real, concreta, na busca pela verdadeira emancipação humana.
A Comissão Organizadora/2017
Sumário
1. Introdução
1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense e ex-estagiária do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: gracekelly.moura@gmail.com Telefone: (21)96876-8171/ (21) 98468-9140
2 Apesar de o modelo fordista ter surgido no início do século XIX, apenas após a Segunda Guerra Mundial
ele passou a ser utilizado mais efetivamente. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 87).
Através do uso de esteiras, o modelo fordista buscava eliminar o tempo morto na produção
através da repetição de movimentos por parte dos trabalhadores durante toda a jornada de tra-
balho, o que resulta numa maior exploração da força de trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
Aliado a essa nova forma de produzir, e com o intuito de superar a crise de 1929, surge tam-
bém na Europa um modelo de Estado para atender às demandas do mercado na época, um
Estado mais amplo, com grande investimento em políticas sociais que permitissem o esco-
amento das mercadorias produzidas. Nesse período o Estado torna-se muito importante na
geração de empregos, mas também sob uma grande exploração, muito parecida com o modo
de gestão adotado no âmbito empresarial, isto é, muito parecido com o fordismo (FONSECA,
2002 apud CARVALHO, 2015). Os novos modelos de produção e de Estado (conhecido como
Estado de Bem – Estar Social) posteriormente se espalharam para vários outros países.
Com o surgimento de um novo modelo de produção, o capital exige também um Estado mais
enxuto em suas funções para satisfazer as demandas do mercado, o qual ganha hegemonia
na década de 1980 (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Esse novo Estado, denominado Neoli-
beral, reduz-se e repassa suas funções para a iniciativa privada para tentar superar a crise
do capital. Ele também passa por uma reforma em seu modelo de gestão, adotando uma
administração pautada no novo modelo produtivo, isto é, no modelo Toyotista, que baseia-se
principalmente no trabalho em equipe, no envolvimento com metas, na utilização de novas
tecnologias e no controle do trabalho pelo próprio trabalhador (ANTUNES, 1999).
Por conta do novo comportamento do Estado que deixa de investir em políticas sociais, mui-
tas pessoas – especialmente dos segmentos mais pauperizados – necessitam recorrer ao
3 Além disso, há em 1975 a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Diante disso, muitas empresas
reestruturam sua produção para recuperar suas taxas de lucro e superar a crise. Para isso as empresas necessitam
de um controle ainda maior do trabalho, uma maior racionalidade na gestão e novos consumidores. Isso faz com que
muitas empresas comecem a adentrar países cujas legislações do trabalho são menos rígidas, onde a exploração dos
trabalhadores poderia ser maior. (HARVEY, 2007)
Poder Judiciário para ter acesso a seus direitos de saúde, moradia, entre outros, o que causa
um aumento do volume processual nos Tribunais de Justiça, aumentando consequentemente
a demanda para o Serviço Social sócio jurídico (SIERRA, 2011).
Ocorre que com a Reforma do Estado sob as orientações neoliberais, ocorrida no Brasil a
partir de 1995, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro também passa por uma
reorganização, de modo a também cortar “gastos” e extrair mais trabalho de seus servidores,
que passam a sofrer uma pressão ainda maior quanto a prazos (FGV, 2005). Assim sendo, as
Assistentes Sociais dessa instituição passam a enfrentar um quadro de número reduzido de
profissionais, aumento de cobrança institucional e da demanda de trabalho.
Esse aumento da exploração traz inúmeros impactos ao processo de trabalho dessas profissio-
nais, dentre os quais no compromisso ético-político das Assistentes Sociais que por mais que
tentem realizar um trabalho comprometido com os usuários são impedidas, diante da pressão
por trabalho e da falta de tempo, de realizar algumas atividades mais reflexivas e que extrapo-
lem as demandas institucionais, como por exemplo grupos e supervisão de estágio.
É sobre essa questão que nos debruçaremos no decorrer deste artigo, buscando desvendar
a realidade das Assistentes Sociais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
através de pesquisa bibliográfica e documental. Procuraremos analisar as modificações
ocorridas na forma de produção e no mundo do trabalho, bem como as transformações
Entre 1965 e 1973 o Keynesianismo – Fordismo começa a demonstrar seu esgotamento e sua
insuficiência para manter a reprodução capitalista, uma vez que para manter a produção em
massa era necessário também manter um padrão de consumo. Essa rigidez típica da produ-
ção fordista impedia o aumento da arrecadação tributária para financiar as crescentes políti-
cas públicas que auxiliavam no bom funcionamento do mercado. Harvey (2007) nos esclarece
que diante desse contexto a única solução encontrada pelos Estados Unidos foi aumentar a
impressão de dólares, o que implicou no crescimento da inflação, e que o aumento do preço
do barril de petróleo, feito pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
em 1973, causou modificações na gestão e no uso de tecnologia de diversos segmentos da
economia, com o objetivo de reduzir os gastos com energia, o que intensifica a crise.
Uma questão que causa profundo impacto no processo de trabalho das Assistentes So-
ciais inseridas no contexto judiciário é a judicialização das políticas sociais e da questão
social. Muitos pesquisadores vêm apontando que o comportamento Neoliberal assumi-
do pelo Estado brasileiro na década de 1990 culmina no aumento do desemprego e na
redução da proteção social aos trabalhadores (SIERRA, 2011). Essa judicialização contribui
para o aumento processual no Poder Judiciário, o que por sua vez colabora para o aumento
da demanda para as Assistentes Sociais das instituições do direito, mais especificamente
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Quando se compra o trabalho para o consumir como valor de uso, como serviço, não para
colocar como fator vivo no lugar do valor do capital variável e o incorporar no processo capi-
talista de produção, o trabalho não é produtivo e o trabalhador assalariado não é trabalhador
produtivo. O seu trabalho é consumido por causa do seu valor de uso e não como trabalho que
gera valores de troca; é consumido improdutivamente (MARX, s.d apud AMORIM, 2006, p. 67).
Apesar de o trabalho do Assistente Social não ser produtor direto de mais-valia, ele também
depende dos meios oferecidos pelas instituições empregadoras e que também atravessadas
Entre os anos de 1996 e 1998 o Banco Mundial formulou estratégias para remodelar os
países, adequando-os aos padrões neoliberais. Essas estratégias buscavam o alívio da
pobreza, mas também a continuidade da desregulamentação do trabalho e a Reforma do
Estado. Ele estabelece dez iniciativas que os Estados deveriam seguir para uma globaliza-
ção financeira mais eficaz (PEREIRA, 2006):
1) blindagem das agências estatais responsáveis pela condução da política econômica contra
qualquer tipo de pressão ou controle democráticos; 2) quebra dos direitos dos trabalhadores do
setor público; 3) enxugamento e “racionalização gerencial” de todo funcionalismo público, por
meio da adoção de novas tecnologias e formas de controle e concorrência do processo de traba-
lho já utilizadas no setor privado; 4) implementação acelerada da descentralização administrativa
(na prática, muito mais uma desconcentração seletiva de funções do Executivo federal); 5) ex-
pansão de todo tipo de arranjos “público- privados” para a execução de políticas públicas; 6) re-
organização do sistema escolar e do poder judiciário, mediante descentralização administrativa,
padrões de remuneração por produtividade e adoção de formas de concorrência para captação de
recursos; 7)finalização do ciclo de privatizações de empresas e bancos públicos; 8)reestruturação
da seguridade social, aumentando o tempo de contribuição e abrindo espaço para fundos priva-
dos; 9) “modernização” do instrumental jurídico e repressivo necessário à segurança dos direitos
de propriedade; 10) criação de marcos institucionais que garantissem a segurança e a alta renta-
bilidade dos fluxos de capital financeiro, especialmente os de curto prazo (PEREIRA, 2006, p. 15).
VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova or-
dem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero (CFESS, 1993, p. 24).
(...) eu estou um pouco cansada desse trabalho, se eu pudesse eu pediria a minha aposenta-
doria amanhã, assim porque eu acho repetitivo, um trabalho muito repetitivo. E você faz aquilo:
pega o processo, lê, chama a parte ‘pra’ a entrevista e faz relatório. Então, esse trabalho pra
mim, 12 anos no Tribunal, eu ‘tô’ cansada desse trabalho. Eu gostaria de fazer uma coisa dife-
rente, também não sei te dizer o quê, de repente um grupo. Eu acho legal, sabe, trabalhar com
grupo, mas eu também não vejo perspectiva de trabalhar assim aqui dentro, não consigo ver um
trabalho diferente, então eu hoje estou um pouco sem gás, assim, estou desanimada. (Relato de
Assistente Social da ETIC- 2º NUR).
A intensificação da exploração do trabalho também faz com que se torne cada vez mais di-
fícil para as profissionais cumprirem seu compromisso de constante aprimoramento intelec-
tual, pois essas profissionais necessitam extrapolar seu horário de trabalho para conseguir
finalizar suas atividades nos prazos exigidos. É preciso considerar ainda a questão de gênero
que envolve a profissão. Conforme explicita Santos (2013):
A mulher apoderou-se de diversos espaços, principalmente da esfera pública, que outrora lhes
eram recusados. No entanto, nessas conquistas ainda permeiam desigualdades, visto que mes-
mo se deslocando para a esfera pública é subjugada a continuar também na esfera privada,
acabando por exercer uma dupla jornada de trabalho (SANTOS, 2013, p. 7).
As Assistentes Sociais também são sujeitos que vivenciam as mesmas questões que
perpassam todos os outros sujeitos da sociedade capitalista, dentre as quais a questão de
gênero, porquanto essas profissionais além de corresponder às exigências profissionais
também necessitam dedicar-se a outras atividades no âmbito privado, pois muitas são mães,
filhas que cuidam de seus pais, etc. O trabalho no Tribunal de Justiça vem consumindo não
só o horário formal de trabalho, mas também o tempo que essas mulheres deveriam dedicar
a outras atividades, como ao descanso e ao lazer, por exemplo. Das 10 (dez) entrevistadas,
07 (sete) afirmaram que costumam finalizar as atividades laborativas fora do ambiente de
trabalho. Isso aliado à questão de gênero que sobrecarrega também as Assistentes Sociais
faz com que o compromisso de dar continuidade ao aprimoramento intelectual torne-se uma
árdua tarefa, que muitas vezes as profissionais não conseguem cumprir.
E o compromisso com a qualificação não se limita apenas às próprias Assistentes Sociais, mas
também aos graduandos em Serviço Social que necessitam realizar estágio para completar sua
formação, conforme as diretrizes curriculares da ABEPSS, que estabelecem que o estágio em
Serviço Social pressupõe supervisão acadêmica e também supervisão por um Assistente Social
do campo, buscando realizar reflexão, acompanhamento e sistematização das atividades.
6. Considerações finais
Conforme buscou-se analisar, a partir de 1970 os Estados reduzem-se ao máximo suas fun-
ções, passando tudo para as mãos do mercado com vistas a atender suas exigências e com
o objetivo de superar a crise vivenciada à época (THERBORN, 1999). A partir de 1990 essas
modificações e reestruturações se consolidam no Brasil, que passa por uma fase de retirada
de direitos sociais e trabalhistas (DRUCK, 2011, p. 52).
Ainda que as Assistentes Sociais tenham um compromisso com seus usuários e busquem
realizar um trabalho comprometido com o projeto ético-político hegemônico do Serviço So-
cial, as demandas institucionais vêm interferindo na autonomia dos profissionais na escolha
das atividades que serão realizadas, por exemplo, atividades com grupos e supervisão de
estágio. Entretanto, não se deve adotar uma postura pessimista, é necessário resistir às
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imposições que vem sendo feitas dentro do Tribunal de Justiça, como em diversas outras
instituições. Através da união dos profissionais e da luta coletiva é possível resistir e buscar
um Serviço Social cada vez mais comprometido com as demandas de seus usuários.
Referências
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CARVALHO, Mônica Miranda de. Trabalho, ideologia e subjetividade: Uma análise do sofrimento
do trabalho judiciário brasileiro sob a perspectiva da psicodinâmica do trabalho. 2015, 62 f. Mo-
CARVALHO, Mônica Miranda de. Trabalho, ideologia e subjetividade: Uma análise do sofrimento
do trabalho judiciário brasileiro sob a perspectiva da psicodinâmica do trabalho. 2015, 62 f. Mo-
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Petrópolis, RJ: Vozes 1999.
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PROGRAMA DE PREPARAÇÃO
PARA APOSENTADORIA DO PODER
JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO - RELATO DE EXPERIÊNCIA
1. Introdução
1 Assistente Social do TJES. Pós-graduada em Gestão em Saúde pela Universidade do Espírito Santo (UFES),
Gestão Pública pelo IFES e Política Social, Gestão e Controle Social pela Emescam. E-mail: rosysocolott@hotmail.
com. Telefone: (27) 99829-8990
Conforme França (2002) e os autores Zanelli, Silva e Soares (2010), atrelado ao trabalho
estão questões como: a remuneração; o status; as relações no ambiente de trabalho; o
prazer na realização da atividade e o círculo de amizades. Todos esses fatores compõem
um referencial para o viver, sendo difícil o desligamento das atividades do trabalho, prin-
cipalmente quando não se vislumbra outros projetos e possibilidades. Pontuam que não
são poucos, relatos de separação conjugal, doenças psicossomáticas e até suicídio nos
primeiros meses ou anos de aposentadoria.
Todas estas questões são vivenciadas de formas diferentes pelas pessoas, tendo em 19
vista que o envelhecimento é um processo heterogêneo, ou seja, mais que um fenôme-
no natural, biológico e orgânico, é também um fenômeno social, econômico, político e
cultural (CUNHA, 2010).
Segundo França (2008), quanto mais alto o cargo da pessoa, mais difícil será o pro-
cesso de aposentadoria, tendo em vista a “perda” do status. Desta forma, programas
de preparação para aposentadoria tem se revelado espaço de reflexão por excelência
para transição para a nova etapa da vida com planejamento, segurança, tranquilidade e
qualidade. Preparação compreendida no sentido de tomada de consciência ou reflexão,
incentivando a descoberta de potencialidades de ação de vida que não se esgotam com a
consolidação da aposentadoria (ZANELLI, SILVA, SOARES, 2010).
O caráter preventivo do programa não deve ser comparado à terapia de grupo, visto que
este tem por finalidade alcançar estágios “mais profundos dos processos psicológicos
(CASTILHO, 1992), enquanto que o programa estabelece uma oportunidade de reflexão,
aprendizado e crescimento pessoal” (BERNHOEFT, 1991; FRANÇA, 1992; ZANELLI e SIL-
VA, 1996 apud Zanelli, 2000, p. 163).
Dessa forma, este trabalho tem por objetivo apresentar um relato de experiência do Programa de
Preparação para Aposentadoria (PPA) do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo (PJES).
2. Desenvolvimento
O PJES é uma organização autônoma, composta de vários órgãos, sendo o órgão supremo o
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES), com sede na capital e jurisdição em
todo o território do Estado. O quadro funcional é de 4.008 trabalhadores, sendo em torno de
28 desembargadores, 316 magistrados e 3.664 servidores, conforme dados de maio de 2016.
Em agosto de 2012, o TJES implantou o PPA do PJES, aprovado pela Secretaria Geral do
órgão. O Programa é planejado e executado pela Coordenadoria de Serviços Psicossociais e
de Saúde (CSPS) vinculada a Secretaria de Gestão de Pessoas.
Desta forma, no início de 2012, a equipe técnica da CSPS, advinda do último concurso do
PJES, foi solicitada a atender tal demanda. Cabe ressaltar que a equipe não realizou diag-
nóstico com o público-alvo para a implantação do Programa, antes, porém, foram realizadas 20
diversas visitas institucionais a órgãos públicos e empresa privada no Estado do Espírito
Santo, levantamento sobre a experiência do PPA em outros Tribunais de Justiça do país e
pesquisa bibliográfica sobre a temática. Vale destacar que os órgãos públicos estaduais
visitados foram na esfera municipal e um caracterizado por sociedade de economia mista.
O PPA/PJES tem como objetivo geral criar um espaço de reflexão sobre os aspectos que
envolvem a aposentadoria, de forma a estimular o planejamento dessa etapa e contribuir
para a qualidade de vida dos magistrados e servidores. Tem como público-alvo, pessoas que
estejam há 2 (dois) anos da aposentadoria, sendo meta a longo prazo trabalhar a temática
com todos os trabalhadores do órgão desde sua admissão, bem como alcançar os servidores
de todas as comarcas do Estado.
O Atendimento Individual é uma ação alternativa as ações grupais, e visa atender e acompa-
nhar magistrados e servidores que estão próximos à aposentadoria. A demanda é espontânea,
sendo necessário agendamento prévio com a equipe da CSPS, a qual realiza os atendimentos.
O Encontro sobre Aposentadoria é um evento informativo com objetivo de esclarecer dúvidas
sobre as modalidades e o processo de aposentadoria como: averbação de tempo de serviço,
abono permanência, dentre outros benefícios e direitos. O evento é realizado com a parceria
do IPAJM (Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Espírito Santo) e destina-se a
todos os servidores e magistrados, independente do tempo de contribuição e idade. Através
desta atividade, possibilita-se a todos servidores e magistrados da instituição a proximidade
com a temática aposentadoria, não apenas os pré-aposentandos.
O Grupo de PPA é realizado em 4 (quatro) módulos, quais sejam: Projeto de Vida, Finanças
e Orçamento Doméstico, Direito Previdenciário (Balcão de Informações) e Saúde. Inicia-se
o Grupo de PPA, com a realização de um Pré-Encontro, realizado antes da execução dos
módulos, para apresentação da proposta do Grupo, integração dos participantes e levanta-
mento das expectativas. A importância do levantamento de expectativas, se justifica tendo
em vista que os procedimentos adotados devem ser motivadores para o indivíduo, sensíveis
a sua cultura e adaptados às suas necessidades. Consta no escopo do programa aprovado, a
possibilidade de realização de um quinto módulo com temas sugeridos pelos participantes.
O desenvolvimento do Grupo de PPA é caracterizado por ser um trabalho grupal, uma moda-
lidade de intervenção que contribui para a troca de experiência e opiniões sobre a temática
entre os integrantes (MURTA, FRANÇA E SEIDEL, 2014). A metodologia utilizada busca
Cada módulo tem a duração de cerca de 4 horas, com exceção do Módulo Direito Previ-
denciário trabalhado na forma de “Balcão de Informações”, que proporciona atendimento
individualizado aos participantes com os técnicos do IPAJM, a fim de saberem qual sua
real condição funcional e de direitos para aposentadoria. Esta metodologia de trabalhar
com a questão previdenciária, vem corroborando para sanar uma das grandes expectativas
(iniciais) dos participantes, qual seja, sobre a remuneração pós-aposentadoria. A duração
do atendimento são de 15 minutos para cada participantes. Para organização da equipe, o
intervalo entre um atendimento e outro são de 20 minutos.
Para a realização das atividades, o Programa conta com equipe multidisciplinar composta
de assistentes sociais, psicólogos e enfermeira lotados na CSPS. Através da parceria com o
IPAJM e a participação de instrutores (voluntários) convidados, até o momento, foi possível
executar as ações planejadas bem como alcançar o objetivo do programa, comprovado pela
equipe através dos relatos, avaliação dos participantes e Monitoramento do Grupo de PPA.
Conforme França (2002, p.44) “deve ser estudada a hipótese da solicitação de profissionais
de organizações governamentais e não-governamentais para a colaboração no programa”.
Os Encontros sobre Aposentadoria 1º, 2º, 3º e 4º contaram respectivamente, com 108, 98, 48
e 46 participantes. Cabe ressaltar que o 1º e 2º Encontro sobre Aposentadoria foram realiza-
dos em Vitória, e o 3º e 4º em comarcas do interior do Estado, respectivamente, Cachoeiro
de Itapemirim e Colatina. Os Grupos de PPA 1º, 2º, 3º e 4º contaram respectivamente, com
37, 36, 31, 25 participantes. Sempre realizados em Vitória, onde se concentra o maior número
de pessoas próximas a aposentadoria. O 5º Grupo de PPA (em andamento), será realizado
em Linhares e conta com 23 pré-aposentandos inscritos.
Quanto os dados das avaliações dos Encontros sobre Aposentadoria, referente ao item dú-
A maioria dos participantes demostra satisfação e se sentem valorizados pela equipe, que
busca ouvi-los, mantêm contato próximo aos integrantes do grupo, apoia, conforme possibili-
dades, as necessidades do grupo, e organiza os módulos a fim de suprir suas expectativas.
Cabe informar que observa-se uma pequena participação de magistrados nas atividades do 23
Programa, o que merece por parte da equipe, análise e estabelecimento de estratégias para
aumentar a adesão deste público ao Programa.
Porém, sabe-se que é necessário avançar nesta meta, pois segundo Murta, França, Seidl
(2014, p. 70) “é altamente recomendável que pessoas no início ou no meio da carreira tam-
bém participem de ações de educação para aposentadoria, pois este é um processo comple-
xo que pode ser bem-sucedido quanto mais cedo for iniciado”.
Para 2016, está prevista a criação e realização de outra ação do PPA/PJES, com o intuito
de fazer uma nova avaliação do impacto dos Grupos de PPA, possibilitar que os parti-
cipantes troquem experiências acerca do seu processo de aposentadoria, e propiciar
integração dos pré-aposentandos. Tal atividade será realizada com a junção de todos os
pré-aposentandos dos Grupos de PPA (total de 5, até a data prevista no mês de novem-
bro), inicialmente como projeto-piloto.
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Observa-se que para os atendimentos individuais a demanda espontânea é pequena, em-
bora nota-se que o público-alvo do Programa, apresenta questões individuais complexas
de serem abordadas em atividades grupais ou coletivas. Desta forma, está em curso um
projeto-piloto de reestruturação dos atendimentos individuais, em que através de critérios
pré-definidos, haverá uma abordagem (convite) para vinculação aos atendimentos. Tal
atendimento será conforme demanda do atendido, podendo variar desde a orientação
quanto a documentação, a fim de evitar retrabalho do RH/TJES e do IPAJM; quanto ao
acompanhamento das questões psicossociais, a fim de contribuir para o processo decisó-
rio e a qualidade de vida do pré-aposentando.
Referências
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Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, Rio de Janeiro, 2010.
SILVA, H. B. da. Preparação para Aposentadoria: Lições de Ensinar e Aprender Fazendo. Serra:
Companhia Siderúrgica de Tubarão, 2006.
SOARES, D. H. P. S.; COSTA, A. B. Aposent-Ação: Aposentadoria para Ação. 1. ed. São Paulo:
Vetor, 2011.
ZANELLI, J. C.; SILVA, N.; SOARES, D. H. P. Orientações para aposentadoria nas organizações
de trabalho: construção de projetos no pós-carreira. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Abigail Marinho da Silva1, Júlia Flávia Gomes Pereira2 e Gilead Marchezi Tavares3
1. Introdução
Na PNAS, a assistência social define seu público alvo: os cidadãos e os grupos que se
encontram em situações de vulnerabilidade e riscos. Segundo as Normas Operacionais
Básicas do Sistema Único de Assistência Social (BRASIL, 2005), a vulnerabilidade social é
decorrente da pobreza, da privação (entendida como ausência de renda, precário ou nulo
acesso aos serviços públicos, dentre outros) e/ou fragilização de vínculos afetivos, sejam
eles relacionais ou de pertencimento social, sendo considerada a combinação de diversas
A PNAS tem como funções: proteção social (básica e especial); defesa dos direitos socioa-
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ssistenciais e a vigilância social (BRASIL, 2005). Esta última, em especial, consiste em de-
senvolver meios de gestão para conhecer a presença das formas de vulnerabilidade social e
riscos da população e do território para se reordenar as políticas sociais, ou seja, a produção
de taxas de vulnerabilidade e indicadores de risco.
Como uma política de proteção social, a PNAS tem como princípios a garantia universal dos
direitos dos cidadãos, respeitando sua dignidade e igualdade sem qualquer tipo de discrimina-
ção, a divulgação dos serviços oferecidos e o atendimento às necessidades sociais mediante
sua renda econômica. Seu objetivo principal é a busca pelo protagonismo dos cidadãos para
que possam prover-se de forma própria e sustentável. Para que isso se efetue, a política tem
como diretrizes uma organização descentralizada e participativa, gestão nas três esferas de
governo, e a centralidade nas famílias no que diz respeito à oferta de seus serviços. Assim, os
serviços socioassistenciais são oferecidos pelo governo mediante a matricialidadesociofami-
liar, considerando a família como mediador entre os sujeitos e a sociedade (BRASIL, 2005).
Desse modo, em consonância com a LOAS, os serviços de Proteção Social Básica passam a
ser oferecidos em Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). Localizados em áreas
consideradas de vulnerabilidade social, esses estabelecimentos devem oferecer grupos, pro-
gramas, centros de convivência e informação e serviços de convivência e fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários. O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(SCFV) pode ser oferecido pelo Centro, contudo não é um trabalho exclusivo do CRAS; porém,
se ofertado por outra instância que não seja o CRAS, este deve referenciar esse serviço, ou
seja, acompanhar o trabalho implementado nesse SCFV externo ao CRAS (Brasil, 2016). Com
isso, pode-se dizer que o CRAS se constitui como um dispositivo com diversos serviços, que
serão usufruídos segundo a demanda e a necessidade dos usuários.
Articular Psicologia e Política produz uma série de outros efeitos, como a clareza de que nos-
sas práticas não são neutras, elas produzem efeitos poderosíssimos no mundo; são, portanto,
políticas. Assumir tais questões é estabelecer rupturas com o pensamento hegemônico no oci-
dente: é romper com as ‘verdades’ que estão no mundo e vê-las como temporárias, mutantes,
provisórias, enfim, como produções (COIMBRA, 2002, p. 10).
Haja vista que os serviços da Assistência Social operam em função do risco e da vulnerabili-
dade “decorrentes” da fragilidade dos vínculos familiares e sociais de crianças, adolescentes
e famílias pobres, compreendemos ser fundamental a formação crítica dos profissionais,
permitida pelo acompanhamento e atuação permanente na construção de uma tecnologia
social que faz operar a rede de atenção à infância, à adolescência e às famílias pobres.
Nesse sentido, propomos uma atuação no Sistema Único de Assistência Social a partir da
proposição de Projeto de Extensão compreendido como uma forma comprometida e com-
partilhada de fazeres e saberes exercidos por trabalhadores dos serviços do SUAS, tornando
visíveis técnicas, recursos, estratégias, conhecimentos diversos e processos sociais, que
favoreçam transformações em nível local de situações sociais responsáveis por sofrimentos
ético-políticos. A tentativa configura-se como análise das noções de risco, vínculo e família
que coabitam a Política de assistência social de forma a permitir a emergência de discursos
de verdade que reverberam nos serviços, problematizando eticamente os processos insti-
tucionais presentes nas práticas do SUAS, buscando entender o que tem sido feito na/da
atuação nos serviços frente ao encontro com suas normativas. Busca-se, também, fazer das
análises aqui elencadas uma força (micro)revolucionária para manutenção das políticas pú-
blicas na Assistência Social; força esta a ser desenvolvida diariamente no trabalho assisten-
cial, pois há a percepção de que esse trabalho vem sendo despotencializado constantemente
– de cima (Estado) e de dentro (organização técnica).
Para tais objetivos, durante o ano letivo de 2016, por meio da extensão universitária da Universi-
dade Federal do Espírito Santo (UFES), efetivou-se um acompanhamento semanal (de 8 horas)
da rotina de um CRAS do município de Cariacica4, com ocupações diversas no equipamento. As
análises desenvolvidas acerca desse período de trocas com o corpo técnico compõem este docu-
mento, tendo como base de coleta os diários de campo, utilizados como instrumento principal.
Entende-se aqui o CRAS como dispositivo, isto é, como um agenciamento que articula
e dispõe de diversos processos de produção de subjetivação atravessada por saberes,
30
2. Desenvolvimento
2.1 Acolher - uma ação continuada
Ao participar e observar como o acolhimento acontecia foi possível perceber o quanto esse
nome não fazia jus ao que ocorria todas as semanas.
4 Por demanda do corpo técnico de um CRAS de Cariacica, o projeto de extensão foi proposto e construído
em conjunto com a Gerência de Proteção Básica da Assistência Social de Cariacica e foi consolidado em alguns CRAS
da rede assistencial de Cariacica.
As cadeiras ficavam enfileiradas como em uma sala de aula, a pessoa que conduzia o acolhi-
mento falava sem pausa dos vários benefícios que o CRAS podia oferecer usando jargões e
palavras muito difíceis de compreender por se tratarem de termos muito específicos [...]. O
modo no qual apresentava os benefíciosdava a entender que eram uma caridade do governo e
não um direito que aquelas pessoas tinham. Também havia a impressão que aquele momento
deveria acabar o mais breve possível, pois haviam muitas outras coisas mais importantes a
fazer. (Relato do diário de Campo).
O CRAS não era apresentado como um espaço a ser ocupado por aquelas famílias. Na lógica
mercadológica na qual fazemos parte, os lugares, as coisas e as pessoas são objetos decon-
sumo. Estava mais para uma apresentação, e não acolhimento. O CRAS, assim, era entendido
como uma casa de pegar benefícios. Mas, essa instituição tem uma proposta diferente: o
fortalecimento de vínculo. Assim, não há como fortalecer vínculos num lugar onde apenas se
“consome”. Fortalecer vínculos está diretamente ligado com acolhimento, vivência, eman-
cipação. Acolher, nesse contexto, é mais do que dizer os serviços que existem no CRAS; é
também explicar que ali é um espaço que é da população, no qual é possível ter acesso aos
benefícios a que têm direito, que podem compor com o espaço em suas atividades, que os
profissionais estão a serviço dessa população e que eles podem gerir juntos aquele espaço.
Aqui falamos de práticas e processos institucionais que são construídos historicamente. Essa
ausência de acolhimento (de usuários, de demandas, de técnicos, dentre outros) não acontece
apenas no CRAS vivenciado pela a extensão universitária; não é um problema específico desse
CRAS, e não é nosso objetivo insinuar tal coisa. Essas práticas nos perpassam, pois não há
um sujeito proprietário dessas práticas. Seguimos a análise por esse percurso, por compre-
ender que não é individualizando uma determinada prática que poderemos problematizá-la
(TAVARES, GUIDONI & CAPELINI, 2013). Ao percebermos a atualização de práticas do não aco-
lhimento, compreendemos a importância de analisar os processos institucionais que dificul-
tam a composição de uma rede e de uma grupalidade, que tem no vínculo sua matéria prima.
Segundo a PNAS (BRASIL, 2005), “a proteção social básica tem como objetivos prevenir situ-
ações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortaleci-
mento de vínculos familiares e comunitários”. O que chama a atenção é o fortalecimento dos
vínculos como um dos objetivos a serem alcançados pelosserviços desenvolvidos nos CRAS,
ao passo que durante nossa chegada ao equipamento, vários técnicos da rede socioassisten-
cial de Cariacica haviam sido demitidos. É característico na Grande Vitória a transitoriedade
dos profissionais na área da Assistência Social. Justamente um serviço que preconiza a vin-
culação como forma de prevenção de situações de risco, percebe-se o rompimento rotineiro
dos vínculos partindo dessa situação de demissão com a qual nos deparamos durante nossa
Vínculo foi à palavra do ano. Foi nosso objetivo e também um dos nossos principais objetos de
estudo. A sua ausência também foi marcante para as análises e discussões do trabalho desen-
volvido na Assistência Social e como ele pode gerir as afetações que emergem no trabalho do
campo assistencial. Para tratar, assim, da noção de vínculo que se mostrou tão medular nesse
32
ano, trazemos para este artigo uma situação assistida como introdutora dessa temática.
Partindo desse relato, muitas questões podem ser frisadas para pensar o vínculo e sua
importância como base de ação para as intervenções necessárias. É notória a clareza da
educadora quanto a um dos principais problemas do campo da Assistência Social, contudo,
ao mesmo tempo em que ela afirma uma defesa pessoal de não se vincular aos usuários, ela
apresenta um caso onde a vinculação foi chave para a luta dos usuários pelos seus desejos.
Protege-se da tristeza de um dia ter que se distanciar daquilo que recebeu seu investimento
afetivo, mas ao mesmo tempo contempla a importância da vinculação de um educador com
as crianças e adolescentes do serviço. É belo perceber o desejo pelo vínculo, mas a esquiva
deste a ninguém protege, na verdade desprotege, vulnerabiliza aquilo que poderia estar “se-
guro” dentro de uma rede de relações quentes – que recebe investimento afetivo.
Urge, assim, defender um trabalho vinculado, ou seja, um trabalho que tem o investimento afetivo
como articulação para o estabelecimento de relaçõesque produzam práticas de lutas – como
os usuários que defenderam seu desejo pelo educador –, práticas não tutelares, nas quais os
usuários entendem seus direitos e lutam por eles e os técnicos entendem o seu trabalho como
produção e transformação de realidades, e práticas de confiança – de co-fiar: fiar junto –,produ-
zindoum trabalho em conjunto/parceria com o outro pela via da engajamento e troca de ideias.
O vínculo estava de alguma maneira presente nesse CRAS. Na mesma reunião relatada,
percebemos como os casos eram discutidos: cada criança e adolescente era chamado pelo
nome e suas vidas eram tratadas a partir da perspectiva de cada educador e técnico que de
4. “...Lá no SCFV.”
Como colocado, nossa chegada ao CRAS se deu num período delicado para todos que lá
estavam e foram perceptíveis as resistências paranos inserirmos em alguma atividade do ex-
pediente da instituição. Prontificamo-nos a tudo: estávamos dispostas a fazer o que nos fosse
demandado, sem prerrogativas a priori de nosso lugar naquela experiência de extensão; nossas
funções se dariam em ato, no encontro com o espaço e com os profissionais daquele Centro.
Com a correria do trabalho a ser terminado e entregue pelos técnicos que deixariam aquele
CRAS, o único lugar que pôde nos acolher, dadas as circunstâncias da dinâmica do trabalho,
foi o SCFV. Contudo, essa situação de “acolhida” das extensionistas ao SCFV se confundia
com o único locus que estava aberto para nossa entrada no CRAS. Locus esse muitas vezes
entendido como um fora do CRAS, como um serviço separado dos demais oferecidos na
instituição; como um “lá” e não um “aqui”. Em outras palavras, percebemos o SCFV como o
que sobra do CRAS, e para lá fomos, haja vista a situação delicada com a qual todos técnicos
se deparavam, bem como esse modo de encarar o SCFV alhures do CRAS.
Como todo início, a extensão procurava o seu lugar no CRAS e o SCFV se configurou durante o
ano de 2016 como o principal serviço que compôs com as extensionistas. Uma de nós conse-
guiu transitar pelos demais serviços oferecidos pelo CRAS, o que enriqueceu muito as trocas
entre nós e os técnicos. Contudo, foi perceptível a separação do CRAS e o SCFV, não apenas
durante o desenvolvimento das atividades com os educadores do serviço, mas também nas
falas dos demais técnicos quando se referiam ao serviço de uma maneira muito distante. Com
exceçãoda técnica de referência do SCFV, os demais técnicos afirmavam não saber o que se
passava entre as quatro paredes que recebiam os grupos de crianças, adolescentes e idosos.
Esse desconhecimento pode possuir inúmeras causas institucionais (como SCFV não ser a
maior prioridade dos CRAS se comparado ao Programa de Atenção Integral à Família -PAIF),
causas profissionais (cada técnico tendo sua função, não cabendo a ele ter que se inteirar
acerca do trabalho do outro, haja vista a já sobrecarga de afazeres diários), causas pessoais
(como não desejar conhecer o SCFV), dentre outras tantas causas. A despeito das causas,
por que não pensar os efeitos desse desconhecimento do serviço de grupos oferecido e no
quanto isso tem influenciado no acompanhamento prestado aos usuários do CRAS?
Pensar efeitos das práticas está diretamente ligado à análise de implicação, um exercício
de pensamento que permite traçar os percursos das práticas e perceber os afetos que elas
podem suscitar. Tal análise auxilia num olhar mais amplo, encarando as circunstâncias como
Posto tudo isso, entendemos que o SCFV é percorrido por variadas forças que o desestabi-
liza constantemente. O mesmo ocorre com cada técnico e profissional do CRAS. A proble-
mática do deslocamento do SCFV para um fora da instituição, para um “lá”, não necessita
de uma apresentação de culpados, daqueles que o tratam como um serviço desconhecido
e aquém do CRAS. Fala da urgência, na verdade, de questionamentos das práticas que
permitem esse afastamento do serviço, evidenciando as forças e suas relações, permitin-
do entender como tem afetado cada técnico e os discursos que tem sido (re)produzidos.
Assim, não se mostra tão importante o ‘quem’ e sim o ‘o que faz funcionar’, pois o ‘quem’ é
circunstancial. Ao se permitir tal análise acusar-se-á a necessidade de análises permanen-
tes do que fazemos funcionar(MACHADO, 2010).
5. Um trabalho “desqualificado”
A correria na realização das tarefas diárias no trabalho do CRAS era constante; era a rotina
daquele Centro. Um trabalho que é desvalorizado pela baixa remuneração e pela sua rotativi-
dade, se comparado às demais áreas, corroboracom o sucateamento das políticas públicas.
Tem-se a sobrecarga de tarefas como o comum na rede Assistencial de Cariacica.
Como todo trabalho técnico, normativas auxiliam o fazer cotidiano dos profissionais do CRAS
que servem de diretriz para o logro dos objetivos da PNAS por meio do trabalho técnico
desenvolvido na Assistência Social. As normativas têm o intuito de apenas auxiliar, o que se
confunde diversas vezes com ditar as práticas profissionais.
Ditar práticas está diretamente ligado com o endurecimento das mesmas: ocorre uma repro-
dução de fazeres, de discursos e de modos de organizar o trabalho. A confusão da função
das normativas e suas diretrizes técnicas é necessária trazer à luz da análise de implicação,
já defendida aqui anteriormente, para entender o que se tem produzido a partir dessa repeti-
ção das práticas, dessa ditadura das normas sobre o trabalho técnico da Assistência Social.
Como dissemos: o que faz funcionar esse modo de gerir o trabalho na Assistência Social de
Cariacica e o que se produz, mostram-se como questionamentos constantes e pertinentes
para o desenvolvimento de outras práticas e outros discursos – podendo reverberar nos
usuários atendidos e suas conquistas pelos seus direitos.
Essa ideia de reprodução é extremamente perigosa para a vida – vida como sinônimo de
criação, invenção e produção de novas normativas. O entorpecimento através das repro- 35
duções, entendidas aqui neste artigo como a reprodução não situada e não localizada das
diretrizes normativas do trabalho na Assistência, paralisa e mortifica o processo inventivo.
Machado(2010) afirma que esse entorpecimento
(...) estanca a vida em seu processo, que a poda em sua expansão, que a paralisa em seus itine-
rários possíveis. Possíveis que inventamos ao experimentarmos o aumento de nossa potência
de ser afetado. (...) entorpece os sentidos, que anestesia a pele que veda seus poros às afec-
ções, que produz formas de vida fatigadas. (...) “Estar cansado, ser indiferente, é sem dúvida a
mesma coisa”. A indiferença é o próprio sentido do cansaço, é a sua verdade cansada (p. 120).
Assim, o afã do trabalho percebido no CRAS vivenciado se mostra apenas como um sintoma
de algo muito maior: um trabalho entorpecido pelas normativas; na verdade, entorpecido pelo
modo de lançar mão das normativas, atribuindo a elas a regra máxima no Centro, não poden-
do ser infringida por nenhum técnico independentemente das situações colocadas. Tem-se
assim um CRAS com profissionais fatigados pela repetição e com os sentidos entorpecidos
para criar outras práticas que permitam a sensação de realização e mudança de realidade.
Faz-se mais do que urgente e necessário um rompimento dessa ideia de reprodução não
situada das normativas técnicas. Seu papel é apenas auxiliar o trabalho e não endurecê-lo
e engessá-lo. Apostar num trabalho que percebe os fluxos e o percorre como um artesão
segue o fluxo das fibras da madeira para seu entalhe. Há a necessidade, para um bom
entalhe, de deixar a ferramenta seguir o fluxo e ambos se direcionando para que ao fim,
alguma bela forma apareça (DELEUZE & GUATTARI, 2012). Enveredar-se por espaços nunca
pisados e arados é importante para outros afetos e outras normas serem construídas.
Assim, entender-se-á que o trabalho antes de ser separado e atribuída a sua função, é um
trabalho desqualificado, que não recebeu atribuições e qualidades. Antes, porém, ele se
deixou percorrer por territórios, fluxos, fibras, para então estabelecer seus sentidos e suas
funções – e suas normativas (DELEUZE & GUATTARI, 2012).
Nossa proposta aqui, assim, é mostrar que um trabalho antes desqualificado, no sentido de
que não recebeu funções máximas a priori, pode permitir outras qualificações que se darão
em ato. As técnicas e ferramentas a serem utilizadas também se constituirão articuladas a
esse trabalho antes desqualificado. As ferramentas são consequências e não são elas que
ditam o trabalho; é exatamente o contrário: é pela relação com o trabalho que a ferramenta
vai se constituindo (DELEUZE & GUATTARI, 2012). Entendemos, então, as normativas como
ferramentas de trabalho que auxiliam no manejo da matéria tanto para qualificar tal trabalho,
quanto para produzir e criar novas formas. Temos, assim, não um trabalho no CRAS pressu-
posto pelas normativas (ferramenta), mas um trabalho que supõe e que produz normativas.
Assim, é importante afirmar, que mesmo diante desse cenário caótico, o maior recurso ainda
são os afetos. Diante de um trabalho no qual o objetivo é fortalecer vínculos, vincular-se é 36
algo indispensável. Mesmo com a grande demanda dentro do CRAS, a equipe técnica neces-
sita de (re) pensar sobre os rumos do seu trabalho, entendendo que momentos de parada e
acolhimento mútuo também se configuram em trabalho.
Como já foi dito, o trabalho na Assistência Social se realiza com muitos fatores que o
enfraquecem: falta de recursos, rotatividade de profissionais, dificuldades de gestão, entre
outros. O trabalho aparece sempre como algo a se fazer (como se nenhum trabalhofosse
feito), devido a curta permanência dos funcionários, tanto na gestão quanto na ponta.
É necessário que seja articulada um tipo de tecnologia social para que esse trabalho
não se perca tão facilmente, e tenha que ser feito do zero a cada mudança do quadro de
trabalhadores. A tecnologia social é compreendida tradicionalmente como “produtos,
técnicas ou metodologias replicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que
representem efetivas soluções de transformação social” (FUNDAÇÃO BANCO DO BRA-
SIL, 2004). Mas, nesse caso, nos apropriamos desse conceito compreendendo que não é
possível replicar fórmulas estáticas e prontas, pois as composições mudam a cada tempo
e momento e é necessário estar aberto para o que se faz de novo nas relações (sempre
locais e situadas). Estar disponível para o novo, não significa partir do nada, mas sim
criar estratégias que possam dar continuidade a um trabalho já realizado. Desse modo, é
possível evidenciar a grande demanda de trabalho, mostrando as articulações feitas, o que
foi possível e o que não foi possível. Assim, o profissional que chega pode situar-se melhor
no campo de trabalho, apoiado a outros que também passaram por ali.
Tudo isso pode possibilitar o avanço do trabalho e abrir outros caminhos para que outros
pontos avancem, como por exemplo: um maior contato do equipamento com a comunidade.
Pensar junto com quem já esteve nesse trabalho e junto com a equipe que o compõe permite
que esse passo seja dado. O trabalho não começará do zero, pois ele já vem sendo pensado;
pensar o CRAS como um equipamento que seja vivo no território, atingindo seus usuários de
muitas formas, dentro e além das paredes do CRAS
Referências
BRASIL, Lei Federal nº 8742. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Brasília: DF, 7de de-
zembro de 1993.
DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Vol 5, 2 ed. São Paulo:
Editora 34, 2012.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1977.
FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL (FBB). Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvi-
mento. Rio de Janeiro: 2004.
TAVARES, G. M.; GUIDONI, J. P.; CAPELINI, T. C. As práticas que compõem a educação integral
em Vitória (ES): Uma análise da relação infância/pobreza/risco. In: CRUZ, L. R.; RODRIGUES,
L.; GUARESCHI, N. M. F. Interlocuções entre aPsicologia e a Política Nacional de Assistência
Social. Santa Cruz do sul: EDUNISC, 2013. P. 43-58.
38
GERAÇÃO
GÊNERO,
E ETNIA
PROTEÇÃO SOCIAL E LEI MARIA
DA PENHA
39
1. Introdução
1 Especialista em Gênero e Sexualidade pela UERJ, mestre em Política Social pela UFES. Assistente social
do TJES. E-mail: emillypmarques@gmail.com; telefones: (27) 996184116/ (27) 3161-7050.
Metodologicamente realizamos pesquisa documental em processos de requisição de MPUs,
indicadas por informantes-chave2 da vara especializada da capital (servidor/a do cartório,
equipe técnica, juiz/a) com a intenção de identificar o direcionamento dado às medidas.
Durante a pesquisa de campo na vara selecionada, a 1ª Vara Especializada em Violência
Doméstica e Familiar da Comarca da Capital, Vitória/ES, embora a mais estruturada dentre
as varas especializadas do Poder Judiciário do Espírito Santo, pudemos identificar que não
há os requisitos sugeridos pelo CNJ, o que dificulta a promoção articulada dos três eixos
sistematizados na Lei Maria da Penha.
A vara estudada possui 5994 processos, dentre esses 3154 são requisições de medidas de
proteção de urgência3. A vara possui um/a magistrado/a e em seu gabinete trabalham um/a
assessor/a e um/a estagiário/a voluntário/a. A equipe do cartório é formada por quatro
servidores/as efetivos/as e quatro estagiários/as, dentre esses três são voluntários/as. A
equipe técnica é composta por dois/duas assistentes sociais e dois/duas psicólogos/as,
sendo estes/as lotados/as na vara por resolução4.
O objetivo principal foi compreender a lógica de atuação desse poder e a direção das medi-
das e não analisar condutas específicas de determinados sujeitos, bem mesmo por causa
das questões éticas de sigilo e preservação da identidade de todos/as envolvidos/as. Dessa
forma, estudamos algumas solicitações de medidas de proteção de urgência (MPU) e o
direcionamento dado aos casos, já que tal instância situa-se entre a “polícia”, que representa
40
o ponto de partida de recebimento e registro das denúncias, e as “políticas”, a depender da
compreensão que possuem de proteção dessas mulheres.
Na maioria das situações estudadas (quinze), a violência envolvia indivíduos que têm ou ti-
nham uma relação afetiva (namorados/as, companheiros/as, cônjuges), o que está de acordo
2 De acordo com nosso tempo, recursos e objetivos de pesquisa, seguimos o trabalho com uma amostragem
formada a partir da indicação de informantes-chave. Flick (2004, p. 83) aborda que tal amostra nos traz possibilidades
de acessar estrategicamente “casos típicos, caso críticos, casos delicados ou politicamente importantes ou até
mesmo [utilizar] o critério da conveniência (casos mais fáceis de serem acessados) ”.
4 Cabe deixar nítido que, na realidade, nenhuma vara especializada possui equipe técnica exclusiva para
atendimento às demandas da Lei 11.340/2006, porém o TJES instaurou a Resolução 013/2012, determinando que
as Centrais de Apoio Multidisciplinares se subdividissem para o atendimento desta matéria nas comarcas da Grande
Vitória. Inicialmente, todas as equipes assim procederam, porém com o acúmulo de processos, todas as equipes
retornaram à configuração original, exceto a CAM de Vitória, que já funcionava inclusive em outro espaço físico, o que
facilitou a manutenção da medida e que também não possui outras comarcas integrantes em sua região judiciária.
com os elementos trazidos pelo Mapa da Violência de 2015, que as agressões cujas vítimas
são mulheres preponderam os parceiros e ex-parceiros na taxa 35,1% (WAISELFISZ, 2015).
Em menor número (quatro), no universo estudado, tratava-se de outras relações de parentes-
co (mãe/filho, madrasta, pai/avô e enteada/filha e neta), além do caso de uma idosa, em que
as filhas que requereram a medida para a mãe, mas ela manifestou que não sofreu nenhum
tipo de violência no relacionamento conjugal.
Quando abordamos a violência contra a mulher (VCM), em uma análise materialista, o ponto
de partida de análise situa-se nas desigualdades existentes entre homens e mulheres em
francesas, coaduna melhor com os objetivos deste trabalho e suas lentes de análise para
compreensão da opressão, exploração e apropriação das mulheres, apesar de não podermos
nos aprofundar sobre ela nesse breve artigo. Sinalizamos apenas que a mulher é considerada
como sujeito político coletivo e seus principais elementos de análise são a centralidade do
trabalho, sua divisão sexual e o trabalho não pago articulado com outras desigualdades es-
truturantes, como raça/etnia, classe, sexo [e sexualidade], não hierarquizando e nem segmen-
tando opressões, que baseadas nas conceituações de Daniéle Kergoat, são coextensivas,
consubstanciais, enoveladas (CISNE, 2014).
Portanto, pensar na VCM, vai além de abordar uma legislação específica para enfrentá-la.
É compreender a lei forjada em uma totalidade, numa realidade em que treze mulheres são
assassinadas por dia no Brasil. A taxa de homicídios entre mulheres cresceu 11,6% em dez
anos (2014 a 2014) e 18 estados apresentaram taxa de mortalidade por homicídio de mulhe-
5 Nesta teorização, diferencia-se as relações pessoais, intersubjetivas, das relações sociais, estruturais. As
relações intersubjetivas são próprias dos indivíduos concretos entre os quais as estabelecem. As relações sociais, por
sua vez são abstratas e opõem grupos sociais em torno de uma disputa [enjeu]” (KERGOAT, 2010, p.95). A superação
da unidade dialética entre “as subestruturas básicas de poder da sociedade capitalista” de sexo, raça e classe só
podem ser alcançadas coletivamente, não havendo saídas individuais (CISNE, 2014).
res acima da média nacional, dentre eles o Espírito Santo (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURAN-
ÇA..., 2016, p. 26-27). Cabe destacar, desde já, que entendemos a violência e outras formas
de opressão como fenômenos estruturais desta sociedade e não apenas culturais, a partir de
uma perspectiva materialista histórica-dialética, que não se propõe a separar a esfera da es-
trutura, da superestrutura, tendo em vista que as mesmas estão dialeticamente articuladas.
Para pensarmos a proteção social das mulheres em um cenário machista, racista e desigual,
precisamos compreender também o espaço jurídico, seus limites e tensões, para posterior-
mente refletirmos sobre a dificuldade de atribuir a ele uma pretensa proteção social. A LMP
prevê um tripé em sua operacionalização, contenção, prevenção e assistência (CAMPOS,
2011; CAMPOS; CARVALHO, 2011). Tradicionalmente, o judiciário tem atuado, principalmen-
te no Direito Penal, com o viés coercitivo, punitivo. Porém, com as inovações legais da Lei
11.340/2006, novas atribuições são exigidas desta esfera (BRASIL, 2006).
Santos (2005, p. 79) destaca, conforme as premissas lukacsianas, que o Direito é um com-
plexo social parcial que tem uma certa dependência/autonomia frente à totalidade da vida
social, mas que não se constitui “numa dimensão insuprimível do ser social, mas responde e
justifica uma determinada configuração societária que, ao se tornar cada vez mais complexa
encontra-se submetida às tensões e contradições classistas”.
Produz fetichização por aparecer desconectado da realidade e com isso possui um espe-
Sua lógica jurídica, técnica, demonstra coesão teórica, sem contradições, porém ao tentar
homogeneizar a realidade concreta apresenta seu caráter arbitrário e por fazer-se neces- 42
sário uma técnica de manipulação bem própria, “esse complexo só é capaz de se repro-
duzir se a sociedade renovar constantemente a produção dos ‘especialistas’ (de juízes e
advogados até policiais e carrascos) ” (LUKÁCS ([1981] 2013, p. 247). O funcionamento
do direito positivo está baseado em:
manipular um turbilhão de contradições de tal maneira que disso surja não só um sistema unitá-
rio, mas um sistema capaz de regular na prática o acontecer social contraditório, tendendo para
sua otimização, capaz de mover-se elasticamente entre polos antinômicos – por exemplo, entre
a pura força e a persuasão que chega às raias da moralidade -, visando implementar, no curso
das constantes variações do equilíbrio dentro de uma dominação de classes que se modifica de
modo lento ou mais acelerado, as decisões em cada caso mais favoráveis para essa sociedade,
que exerçam as influências mais favoráveis sobre a práxis social (LUKÁCS, [1981] 2013, p. 247).
Vaisman (2010) expõe que antes da esfera ideológica do direito, toda a comunidade era
responsável por dirimir os conflitos, não necessitando de um grupo de especialistas
para sua manutenção, reprodução e transformação. É uma ideologia específica, pois
não nasce espontaneamente, como os costumes, mas deles se alimentam. O interesse
burguês aparece como interesse universal, restrito a uma igualdade formal. Desta forma,
percebemos que a desigualdade não está no campo jurídico e sim nas relações econômi-
cas de produção (SARTORI, 2014).
Nossa preocupação é que a utilização restrita ao direito burguês positivado com a expec-
tativa de superação da violência contra a mulher, pode ao mesmo tempo, trazer passivação
das reivindicações feministas, individualizar as saídas da violência, sem abalar ou modifi-
car estruturalmente o sistema:
Cisne (2015) reafirma a importância da luta por direitos humanos, e, portanto, pelos legítimos
Enredadas nestas contradições, não nos é possível alcançar a emancipação feminina, o que
será melhor analisado no próximo tópico, ao fornecermos tratamento analítico à própria
lei Maria da Penha. Por outro lado, a luta por direitos constitui uma pauta que impulsiona
grandes mobilizações, podendo ser estratégica nos limites deste sistema e auxiliando na 43
formação da consciência militante feminista6. Nessa direção, Cisne (2015) defende que os
direitos humanos sejam uma tática que também permite expor tais desigualdades.
Melo (2011) destaca este caráter ambíguo do Direito, pois se ele exerce um papel de con-
formação e arrefecimento da sociedade de classes, através de soluções ilusórias, dialeti-
camente, sua arena também promove resistências, como espaço de lutas políticas, tendo
em vista que as soluções individuais oferecidas por estes fracassam, abrindo espaço para
busca de alternativas efetivas. Apesar do Direito ser este complexo parcial técnico-manipu-
lador, Lukács pontua que ele:
[...] pode adquirir até mesmo uma autonomia relativa considerável com relação ao regime vi-
gente em cada caso [...] os espaços de manobra que surgem desse modo baseiam-se, por sua
6 De acordo com Cisne (2014) a consciência feminista se refere à percepção da mulher como sujeito de
sua vida, o que demanda a ruptura com as mais variadas formas de apropriação sobre o nosso corpo, tempo e
trabalho, bem como a superação da ideologia de naturalização da subalternidade feminina. Já a consciência militante
é uma consciência associada voltada para transformação social. Essa consciência necessariamente se associa à
perspectiva da classe trabalhadora e se expressa na formação de movimentos de mulheres e nas lutas que os mesmos
pautam. A consciência militante feminista, portanto, não resulta apenas de uma simples reação às opressões. Ela é
um continuum que envolve um movimento dialético entre formação política, organização e lutas, que vão da dimensão
individual, da ruptura com o “privado” à dimensão coletiva, de organização política voltada para a transformação
social.
vez, nas relações de forças reais entre as classes, o que não anula essa condição do direito de
ser uma espécie de Estado dentro do Estado, mas apenas determina concretamente seu caráter
e seus limites (LUKÁCS ([1981] 2013, p. 247)
Para Melo (2011), não basta negar o direito, já que a maioria das pautas das lutas sociais são
transformar suas demandas políticas em direito positivado, em leis escritas. A autora reflete
que um dos problemas é quando a luta política se transforma apenas em um direito, em uma
lei, perdendo seu caráter coletivo e reivindicatório. Portanto, o direito é útil para o capitalismo
não apenas em virtude das regras que legitima, principalmente vinculadas aos bens patrimo-
niais, às trocas e à propriedade privada, mas pela sua aceitação como forma de organizar a
vida em sociedade, como se abrigasse o interesse de todos e todas. Desta forma, além de
seu braço coercitivo, possui um importante papel na formação da consciência social.
A LMP foi fruto de pressão de organizações internacionais e sua legislação foi constru-
ída de forma coletiva com instituições e ONGs feministas, após o país ser denunciado
junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA) pelo caso de Maria da Penha Fernandes, mulher que sofreu várias vio-
lências físicas e tentativas de homicídio no casamento, ficando paraplégica após levar
um tiro, na coluna, disparado pelo marido.
Lage e Nader (2013) expõem que, historicamente, no Brasil, a violência contra mulher foi vis-
ta como questão da ordem privada e, por isso, não necessitaria de intervenção estatal, já que
os atos de violência seriam justificáveis quando cometido por pais e maridos contra filhas
e esposas. Anterior à lei nº 11.340/2006, a violência contra a mulher não constituía figura
jurídica, sendo encaminhada à justiça dependendo da tipificação interpretativa da queixa da
vítima. A LMP, trouxe inovações jurídicas com a tentativa de uma celeridade processual e a
possibilidade de solicitar medidas de proteção baseadas apenas na demanda apresentada
pela mulher, com indícios de materialidade.
Embora nosso objetivo não seja priorizar os aspectos processuais técnico-jurídicos da LMP,
sinalizamos que, de acordo com Fernandes (2015, p. 140) a aplicação das medidas de prote-
ção possui controvérsias, pois a lei silenciou quanto “a necessidade de estarem vinculadas
a um procedimento, duração das medidas, rito, recursos cabíveis e outros”. Dessa forma,
pode-se haver divergências quanto a operacionalização e aplicação das MPUs pelo judiciário
altamente centrado nesses aspectos ritualísticos. Retomamos que o presente artigo, preten-
de fazer alguns apontamentos sobre a conceituação de proteção social e a operacionaliza-
ção das medidas de proteção.
Salientamos que ao pensarmos quanto à proteção social das mulheres, precisamos, nos
limites desta sociedade, voltar-nos realmente para a proteção da mulher e, para nós, o en-
carceramento não pode ser tido como uma política preventiva. Lotar cadeias não transforma
a realidade e as medidas protetivas de urgência não podem servir de antessala da prisão.
Muitas mulheres requisitam alguma forma de proteção, mas não desejam representam crimi-
nalmente ou querem uma responsabilização diferenciada da prisão.
Dentre os casos estudados, apenas nove desejaram representar criminalmente, sendo que
dentre essas, uma desiste tanto das MPU, quanto da representação e retorna ao convívio
com o marido, uma situação ambas se representam mutuamente e tem seus casos posterior-
mente arquivados, e sete seguiram com a representação criminal, mas as ações penais não
Debater proteção social não é um tema pacificado, o que traz dificuldades em sua conceitua-
ção, pois “proteção” pode ter diferentes significados a partir de teorias e ideologias diferen-
tes. Assim como a luta por direitos humanos também traz diversas tensões e conflitos na es-
querda. Tais dificuldades, em nossa opinião, persistem, ao debatermos medidas de proteção
para mulheres, já que não há consenso de que proteção é essa e nem em como efetuá-la ou
quais direitos e como devem ser garantidos.
Primeiro, porque elas são sujeitas que tem histórias, desejos e expectativas diferenciadas,
crenças, opiniões, raças/etnias, orientações sexuais, idades, dentre tantos outros mar-
cadores de diferenças, mas que são arroladas e encaixadas em procedimentos jurídicos
padronizados. Segundo, porque concepções diferentes de proteção levam a planejamento,
avaliação e execução de políticas de forma diferenciada, porque também compreendem
diferentemente quais necessidades devem ser atendidas pelo Estado. Sendo assim,
podemos considerar uma política como residual e precária e outro/a considerá-la como
suficiente e “empoderadora”.
Destacamos, desde já, que, em nossa perspectiva, “a proteção social no capitalismo não está
exclusivamente comprometida com as necessidades sociais” e ainda que “o termo proteção
encerra em si um ardil ideológico, a ser teoricamente desmontado, visto que ele falseia a
realidade por se expressar semanticamente como sendo sempre positivo” (PEREIRA 2013,
p. 24). Por analogia, podemos também pensar sobre as medidas de proteção de urgência
sempre como positivas, mas veremos nos casos concretos trazidos pela pesquisa de campo,
Adotamos nesta pesquisa, a partir de categorização nossa da própria lei, que as decisões
de contenção são aquelas que englobam ações repressivas, de afastamento, privação
de direitos e de responsabilização; as de assistência aquelas que fortalecem a rede de
atendimento, deferem ações assistenciais e garantia de outros direitos, ademais, contem-
plam encaminhamento a benefícios, políticas e serviços públicos, assistência judiciária,
acolhimento institucional e abrangem decisões cíveis, como separação, guarda e alimen-
46
tos e as de prevenção aquelas que contemplam ações educativas que interferem nos
padrões sexistas, orientações aos atendidos ou inserção em grupos reflexivos e serviços
de acompanhamento/ “tratamento”.
Percebemos, a partir dos casos analisados que as principais decisões referentes a re-
quisição das medidas de proteção de urgência, restringem-se às ações de contenção: à
proibição de afastamento e de contato e, quando há coabitação, também se defere afas-
tamento do lar. Notamos que, mesmo após o deferimento judicial, majoritariamente há
relatos de descumprimento das medidas, resultando ora em advertências em audiência,
ora em decretações de prisões preventivas. Ainda havia casos de descumprimento das
MPUs, no qual o abrigamento e a concessão do DSP7 foram acionadas e que, se situam
nas ações de assistência/prevenção.
7 O Dispositivo de Segurança Preventiva (DSP), conhecido como ‘botão do pânico”, consiste na distribuição
de dispositivos equipados com GPS e interligado à guarda municipal de Vitória entregues às mulheres que possuíam
medida protetiva de urgência. Ao acionar o botão, a guarda possui sua localização e o áudio ambiente começa a ser
gravado (BRASIL, 2013). Uma análise inicial sobre a experiência pode ser encontrada em Peixoto; Taufner; Garcia
(2016).
É possível, eventualmente, a realização de audiência para ouvir as partes ou até testemunhas
com o fim exclusivo de se verificar se há situação de risco e quais as medidas pertinentes,
bem como tentar conciliar as partes quanto a questões familiares como guarda, visitas, ali-
mentos. Obviamente, não deve o juiz tentar conciliar vítima e autor para que ela desista do
processo.
A necessidade de analisar as requisições que vem nos boletins de ocorrência podem ser
para analisar quais as medidas realmente necessárias de acordo com cada situação. Nas
requisições vindas da delegacia, em alguns casos, percebemos certa padronização dos pe-
didos, independentemente da realidade apresentada no depoimento prestado pela mulher.
Percebemos que a “proteção social” ofertada à mulher no judiciário são as mais imediatis-
tas, gira em torno de medidas de restrição de direitos dos homens (medidas de afastamen-
to e proibição de contato), pouco promovendo inserção em políticas públicas de prevenção
ou acompanhamento para os/as envolvidos/as, trazendo um reducionismo ao próprio
espírito da lei e conservando o tradicional papel punitivista8 do direito.
A Lei 11.340/2006 não prevê obrigatoriedade da equipe técnica, porém o Manual de Rotinas
e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs)
indica a relevância da atuação de assistentes sociais e psicólogos/as, pois são considera-
dos como profissionais auxiliares do juízo:
Recomenda ainda a inserção de equipe técnica multidisciplinar tanto nos processos de co-
nhecimento (MPUs e Inquéritos policiais), quanto nos de execução (ações penais e execu-
ção penal) (CNJ, 2010, p. 19). Defendemos que o atendimento da equipe técnica traz outros
elementos mais complexos aos autos e demonstram as contradições da vida cotidiana que
o direito não dá conta de responder.
8 A Lei 11.340/2006 equipara-se a outras legislações protetivas que também possuem um conteúdo
punitivo quando os direitos de seus usuários são violados. Esta é uma grande polêmica dentro da criminologia
crítica tendo em vista que leis de proteção reforçam o sistema penal que para eles trata-se de uma ilusão e um
reforço às violências. Andrade (2012) expõe sobre o profundo debate para a compreensão das relações entre
criminalidade, sistema de justiça penal, criminalização e mulher/feminino. Para ela a criminologia é androcêntrica
tanto no objeto do saber (mulher enquanto autora e vítima de crimes) quanto nos produtores do saber (sujeitos na
produção da ciência). Nessa direção, Cortês (2013) expõe como as leis penais sempre foram discriminatórias e
sexistas em relação ao tratamento dado às mulheres.
4. Considerações finais
A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, previu uma expansão dos serviços de atendi-
mento e enfrentamento à violência, num momento de aprofundamento do projeto neoliberal
de corte dos gastos públicos e ataque às políticas sociais. A legislação é nova, o que já traz
enormes desafios à uma instituição conservadora e tradicional como o poder judiciário.
Buscamos ao longo do artigo, tecer algumas considerações sobre os limites dos avanços
legais e a relação com a proteção social. Parafraseando Mauro Iasi (2005), afirmamos que
os/as iguais perante à lei ainda se reproduzem desigualmente, ou seja, a base das desigual-
dades não está no texto jurídico, apesar de historicamente diversas leis serem forjadas para
reproduzir e legitimar opressões.
Fora isso, trabalhar com proteção é uma linguagem a ser aprendida num espaço alta-
mente punitivista. Mota (2011) analisou os escritos do jovem Marx sobre o Direito. Con-
clui que as obras marxianas até 1843, possuíam um caráter reformista, compreendendo
que a injustiça e a desigualdade ocorriam porque as instituições não cumpriam o papel
para qual foram criadas. Marx iniciou seu debate no direito estudando leis específicas,
por meio de fontes jurídicas positivas tradicionais. Dedicou-se posteriormente, à análise
da totalidade das relações sociais. Atualmente, percebemos que a injustiça e a desigual- 48
dade também ocorrem devido a existência dessas instituições que cumprem seu papel
ofuscando as raízes dessas desigualdades.
Por isso, para além de debater a legislação em si mesma, o debate precisa perpassar a pro-
teção social pública e, para além, da tipificação dos casos de acordo com a lei ou do debate
sobre o aprimoramento de sua aplicação devemos olhar para o fato do porquê tais situações
ainda persistem contemporaneamente.
Não perder de vista seus fundamentos estruturais e de que, embora nem todas as situações
judicializadas tenham como objeto “violência baseada no gênero”, usando os termos legais, o
fato de mulheres acionarem o sistema de justiça, seja por qual demanda o façam, já demar-
cam um atendimento “generificado” dos/as operadores/as do direito. Significa ser mulher,
numa sociedade patriarcal, racista e capitalista, fundada e sustentada por tais desigualdades
e por instituições criadas diante de sua complexificação e acirramento.
Em nossa pesquisa confirmamos que muitas mulheres acionam tal mecanismo reivindican-
do alguma forma de proteção e não criminalização de sujeitos que possuem ou possuíram
algum vínculo familiar e/ou afetivo. Desejam transformar e superar sua situação de violên-
cia, mas o que ocorre tradicionalmente é a restrição de direitos da pessoa indicada como
autora da violência, ao invés de promoção de direitos a quem solicita as medidas. Nota-
mos ainda que tal situação poder ser alterada quando há atuação da equipe técnica que
possui, geralmente, objetivos voltados para o cuidado, fortalecimento e acompanhamento
dos sujeitos atendidos, independente do “pólo” que compõe a ação. Tal indicação nos traz
problemas no que tange a aplicação integral do “espírito” da LMP, tendo em vista o baixo
quantitativo desses/as profissionais no judiciário e a ausência ou baixo número de equipes
específicas voltadas para a temática.
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RESPONSABILIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DO
HOMEM AUTOR DE VIOLÊNCIA: UMA
NOVA POSSIBILIDADE DE ABORDAR A
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A origem da violência, segundo Rousseau apud Barcellos (1998) se deu com o advento da
propriedade privada, onde o poder passa a ter forças nas relações sociais onde o homem busca
somente suprir as suas necessidades individuais. Deste processo resulta a luta de classes, com-
posta por proprietários X subordinados/não proprietários dos meios de produção, contudo esta
51
desigualdade pode gerar uma violência considerada positiva, resultado da indignação dos subor-
dinados não satisfeitos com sua condição. Essa violência é então fruto do contexto vivenciado, é
uma violência estrutural “[...] ela resulta e integra as relações sociais em que existem estruturas
de poder e classes sociais. Fundamentalmente, ela se manifesta na luta de classes” (p. 33). A
crítica feita por Karl Marx em relação à luta de classes existente no sistema capitalista coloca
em voga a estreita relação da violência com a contradição gerada por este sistema econômico.
Neste contexto a violência passa a ser social. Muitos autores acreditam que o processo revolu-
cionário, que objetiva outra sociedade, se dará por meio do uso da violência.
Entretanto, mesmo sendo estrutural, a violência não pode ser naturalizada nas relações so-
ciais, tampouco nas relações de sexo, como é feito há séculos em relação à violência cometi-
da contra as mulheres, o que Saffioti (2004) retrata de forma clara quando diz que:
[...] o entendimento popular da violência apoia-se num conceito, durante muito tempo, e
ainda hoje, aceito como o verdadeiro e único. Trata-se da violência como ruptura de qualquer
forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual,
integridade moral (p.17).
2. Desenvolvimento
Gênero não remete somente a mulher, este se refere aos papéis estabelecidos ao homem e a
mulher e as relações sociais resultadas deste contexto. Neste artigo abordamos a violência
que resulta destas relações, estabelecidas social e culturalmente, que colocam a mulher em
situação de desigualdade frente ao homem e a submete as decisões do mesmo. A submis-
são da mulher é algo existente em nossa sociedade há muitos anos e esta diretamente ligada
à ordem patriarcal de gênero, que estabelece poder ao homem, permitindo a este o controle,
por exemplo, da vida sexual e reprodutiva da mulher. Acredita-se que foi com o advento da 52
sociedade capitalista, com a divisão sexual do trabalho, que passou a ficar mais evidente a
submissão do sexo feminino em relação ao masculino4. Assim, “um dos elementos nucleares
do patriarcado reside exatamente no controle da sexualidade feminina, a fim de assegurar
a fidelidade da esposa ao marido” (SAFFIOTI, 2004, p. 49). Ainda sobre o patriarcado, é nele
que se concentra toda a naturalização da subalternidade da mulher e da violência sofrida
por esta. O patriarcado é inerente ao sistema capitalista e o favorece, quando trata a mulher
como mão de obra barata e por até pouco tempo impedida de questionar suas condições de
trabalho e vida. Por terem sido socializadas na cultura do patriarcado, poucas contestam sua
condição, as mulheres foram educadas para conviverem com a impotência, os homens não, a
estes não é permitido demonstrar fraqueza, além disso, o uso da força por meio da violência
é a forma como estes foram ensinados a lidar com as frustrações e os “nãos” da vida. Com
2 Declaração e plataforma de Ação de Viena, 1993. Declaração sobre a eliminação da violência contra a
mulher, Assembléia Geral da ONU, 1993. Convenção Interamericana para prevenir, sancionar e erradicar a violência
contra a mulher, Belém do Para, 1994. Entre outros.
3 Década de 1970, marco histórico de inicio das reivindicações. Primeiras décadas do século XX, a partir
1920 lutavam pelo direito ao voto e por direitos trabalhistas.
4 Flávio Urra sociólogo que discuti masculinidades. Masculinidades: reconstruindo relações de igualdade.
Disponível em: <http://flaviourra.wordpress.com>. Acessado em: 11 de Outubro de 2013.
isso temos base para compreender por que muitas mulheres vivenciam situações de violên-
cia por muitos e muitos anos de suas vidas, pois as relações que estabelecem são regidas
pela prática do poder e do medo.
São das mais diversas as violências sofridas pelas mulheres: física; sexual, psicológica; mo-
ral e financeira, caracterizadas pela desvalorização da mulher. Uma das violências que mais
sofrem as mulheres é a doméstica, envolta em relações de afeto e convivência. Sabe-se que
os maiores autores de violência doméstica5 contra a mulher são seus maridos, companheiros
e parceiros, ou seja, pessoas que as mulheres têm alguma ligação conjugal ou vínculo afeti-
vo. Dados do Mapa da Violência 2012 apontam que 20 dos 59 autores de violência contra as
mulheres são seus companheiros e ex-companheiros, girando em torno dos 38,7 a 49,1 % dos
casos notificados pelos serviços de saúde, conforme Lei nº 10.778, de 24 de novembro de
2003, que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência
contra a mulher que for atendida em serviços de saúde, públicos ou privados.
Saffioti (2004) aponta que “penas alternativas como estas de caráter pedagógico, podem
oferecer uma expectativa de mudança nas relações de gênero” o que pode por oportunizar
novas ações e políticas sociais voltadas para a questão. A utilização destas autoras como
referências, para além da abordagem crítica marxista que trazem, tem o intuito de emba-
sar a crença de que a existência deste tipo de proposta pode trazer mudança à realidade
hoje vivida por muitas mulheres no Brasil. Com o pensamento de que se pode alcançar o
proposto pela lei com implementação de políticas públicas que visem à responsabilização,
5 Dados contidos no Relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra Mulheres,
publicada no ano de 2012, disponível na página da Secretaria Especial para as Mulheres.
6 Entrevista de Ângela Davis, ex-integrante do grupo Panteras Negras ao portal Géledes. Criminalizar a
violência não basta para erradicá-la. Disponível em <http://www.geledes.org.br/criminalizar-violencia-domestica-nao-
basta-para-erradica-la-diz-angela-davis/#axzz3UsOFsJVb>. Acesso em: 19 de Março de 2015.
de modo que, será trabalhada a sua atitude impensada, passível de punição e a educação,
para mudança de tal atitude resultada em violência.
A violência contra as mulheres é sempre alvo de questionamentos, pois mesmo com ações,
políticas e leis aprovadas, tal realidade não tem mudado e aumentado a busca por respostas
concretas por parte dos movimentos que lutam pelos direitos das mulheres e isso tem dado
maior visibilidade à questão. Em contrapartida, no que diz respeito ao direito de viver das mu-
lheres não tem havido nenhuma garantia por parte do poder público, e tem se elevado cada
vez mais os casos de violência. O que tem acontecido, ou melhor, o que não tem acontecido
para que os índices de violência contra as mulheres diminuam? Parte daí o entendimento de
que se deve começar a considerar também a outra parte envolvida nos casos de agressão,
com medidas e ações que trabalhem na perspectiva da educação e responsabilização dos
homens autores de violência o que pode vir a reduzir os casos ou a reincidência de violência
contra a mulher, pois como afirma Saffioti (2004), temos que “auxiliar também o agressor
para uma transformação na relação violenta” não somente a mulher vítima de violência.
Quando discutimos aqui sobre novas ações que dizem respeito à violência contra a mulher,
como a responsabilização e educação dos homens autores de violência, queremos dizer
que uma nova forma de educar é possível, com diálogos que considere a masculinidade
como não sendo sinônimo de virilidade ou demonstração de força, muito menos de que
ao sexo masculino tudo é permitido. É acima de tudo desconstruir algo tão forte e cultural
numa sociedade cujo seu sistema econômico possui total influência sobre as relações e
que deve ser questionado. O que não é fácil, mas temos de considerar os avanços que a
luta do movimento feminista tem alcançado e os debates teóricos encabeçados pelo mes-
mo, atualmente, como o da sexualidade feminina, que ainda sofre resistência e é tido como
tabu. A mulher tem vontades e direitos e capacidade de decidir sobre sua própria vida, e
não deve ser vista como objeto sexual e isso tem repercutido nos mais variados meios de
comunicação e até na política dita “democrática” do nosso país, por exemplo, que sempre
foi canal expresso de disseminação da cultura machista/sexista. E que ainda deve ser
muito mais ocupada pelas mulheres. Sem esquecer também da questão de gênero que
vem tendo possibilidade de ser discutida mais abertamente, como se objetivam fazer nas
escolas, o que traz uma nova visão da temática para os envolvidos neste contexto. O que
nos leva a acreditar que o movimento de mulheres não é somente aquele que se forma
dentro dos muros da universidade, muito pelo contrário, ser feminista é quando tomamos
outro patamar de consciência (dos nossos direitos) para lidar com questões do dia-a-dia
das mulheres. Tudo isso aponta para novos caminhos que talvez não se imaginar-se che-
gar tão cedo, mas que graças às próprias mulheres e a luta destas, que não aceitam mais
suas condições de subalternas, que cansaram de terem seus direitos violados, e encoraja-
ram-se a questionar e se fazerem vistas. Ainda que os indicadores elevados de violência
aparentemente mostrem que não, as mulheres têm sido protagonistas de suas histórias,
3. Considerações Finais
Como afirmou brilhantemente Cisne (2013, p. 55): “nada que se trate de relações humanas
e sociais possui neutralidade ou nasce de forma isolada no interior de um indivíduo […]”. 55
Não concordamos com explicações simplistas de que homens são violentos porque assim
o foram desde os primórdios. Sabemos também que o capitalismo contribui para essa so-
breposição do homem em detrimento da mulher, visto que o capitalismo é incompatível com
a igualdade. Há novos rumos possíveis dentro dessa sociedade que vivemos atualmente?
Diante disso, ficam questionamentos: Como estamos contribuindo para o rompimento desse
ciclo de violência contra as mulheres? Nesse sentido, sabemos que a inquietação que gera
a mudança não se esgota neste breve estudo de alguns apontamentos. Ao contrário, nos
abre infinitas possibilidades de imersão nesse universo das relações humanas. E nos coloca
frente a novas formas de enfrentamentos das violências aqui mencionadas.
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tagens/lei-maria-da-penha-limites-ou-possibilidades>. Acesso em: 2 de Outubro de 2013.
1. Introdução
O importante debate sobre a violência de gênero tem seu fio condutor no movimento feminis-
ta, que a partir da segunda metade do século XX, em meados dos anos 60, traz e problemati-
za a situação de opressão que historicamente é submetida as mulheres em vários campos e
1 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Assistente Social no
Tribunal de Justiça do Espírito Santo. E-mail: ropontes@oi.com.br, tel (28) 99885-8310
em várias dimensões. Esse debate em torno da opressão potencializa mulheres a produzi-
rem demarcações políticas e teóricas acerca do tema.
A violência doméstica e familiar contra a mulher permaneceu oculta entre quatro paredes
até a década de 1970. Tanto o estado como a sociedade em geral não a reconheciam como
um problema social e público, nem tampouco como uma questão de saúde pública, sendo
convenientes com essa prática social, por considerá-la como uma questão de ordem privada
e “normal” (Santos apud Tavares, 2015, p.547)
Naquele momento, o Brasil passava por profundas mudanças estruturais: a luta pela demo-
cratização do país através de manifestações contrárias ao regime militar que se instaurara,
possibilitou uma expansão de movimentos de mulheres engajadas por essas causas e pela
luta contra violência doméstica e familiar. Com a redemocratização, na década de 1980,
vários grupos de mulheres feministas iniciam um processo de discussão de pautas gene-
ralizadas, temas como: sexualidade e violência, saúde, ideologia, formação profissional e
mercado de trabalho, além de outras vão sendo incorporadas e reatualizadas. Nesse senti-
do, a politização da violência doméstica e familiar possibilitou a construção e discussão de
políticas de enfrentamento à violência, exigidas pelas mulheres naquele período histórico.
É pertinente destacar nesse período a criação do SOS Corpo (1978) Recife, SOS Corpo (1981)
São Paulo, podendo-se dizer que foram as primeiras organizações civis de atendimento às
mulheres vítimas de violência. As demandas que até então eram visibilizadas somente atra-
vés de coletivos e trabalhos voluntários, são incorporadas pelo governo. Em 1985, foi criado
o Conselho Nacional de Direitos da Mulher: órgão oficial de representação das mulheres, com
“[...] a finalidade de promover em âmbito nacional, políticas que visem a eliminar a discrimi-
nação da mulher, assegurando-lhe condições de liberdade de direitos, bem como sua plena
participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do País” (Brasil, 1985 apud Go-
mes, 2010). Conselhos Municipais e Estaduais da Mulher foram gradativamente instituídos
em todo país, paralelamente à formulação de programas governamentais e políticas públicas
voltadas para a mulher como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM),
de 1984, e as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). Com relação às
DEAMs, a primeira unidade foi criada em São Paulo, em 1986 e hoje já somam cerca de 467
unidades no país. Essas delegacias propiciaram grande expressividade política às organiza-
ções feministas, fortaleceram o seu diálogo com o Estado e constituíram-se como a primeira
grande política de gênero na área de segurança.
Há que considerar que o movimento feminista brasileiro teve papel fundamental ao combate
à violência, na medida em que fortaleceu espaços de discussão sobre o fenômeno, além
de problematizar situações que, até então, eram vistas de maneira a naturalizar a violência
Sobremaneira, a lei trouxe avanços significativos no que se refere à proteção social das
mulheres em situação de violência, segundo Tavares (2015) esses avanços dizem respeito a
mudança de paradigma no enfrentamento à violência, incorporação da perspectiva de gênero
para tratar da desigualdade e da violência contra a mulher, incorporação da ótica preventiva,
integrada e multidisciplinar, fortalecimento da ótica punitiva, harmonização com a Conven-
ção Cedaw/ONU e com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violên-
cia contra a Mulher, consolidação de um conceito ampliado de família e visibilidade ao direito
à livre orientação sexual, e ainda estímulo à criação de bancos de dados e estatísticas.
Os avanços legislativos, entretanto, ainda não representam a garantia de uma vida livre de
agressões para uma parcela significativa das mais de 100 milhões de mulheres que vivem no
Brasil, uma vez que ausência de vontade política e dotação orçamentária estão no centro das
dificuldades de implementação de políticas públicas. No atual governo houve um recrudes-
2 Este trecho foi extraído da reportagem publicada em endereço eletrônico. Vide. www.vermelho.org.br/
noticia/295144-1.
é insignificante diante da demanda existente. A maioria situa-se em capitais, não tem equipe
multidisciplinar adequada e completa, não possui servidores/as em número suficiente e tem
excesso de processos em tramitação, levando à prescrição de muitos feitos.
2. Desenvolvimento
A profissional que redige este artigo compõe a Central de Apoio Multidisciplinar da Comarca
de Cachoeiro de Itapemirim. Conforme exposto anteriormente, as Centrais de Apoio Multi-
disciplinar foram instituídas pelo Tribunal de Justiça Estadual, por intermédio legal da Lei
Complementar Estadual nº 567/2010, com o intento de distribuir os profissionais das áreas
de Serviço Social e Psicologia dentro dos contornos geográficos do Estado. A esta equipe
fica o encargo de auxiliar os Magistrados na análise de Processos Judiciais nas áreas de
Família e Órfãos e Sucessões, Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Infância/
Juventude (neste último caso, às Comarcas Integrantes da Região Judiciária32). A parceria
promovida em torno do Projeto Ciranda Feminina, desenvolvida no ano de 2013, constituiu
uma aproximação entre os trabalhos do Poder Judiciário e do Poder Executivo em torno da
mulher vítima de violência doméstica, cumprindo assim o chamado “Trabalho em Rede”.
Em termos da Lei Maria da Penha, várias são as redes de proteção necessárias a esse
enfrentamento, no caso específico, tomou-se o trabalho preventivo como ponto de partida de
diálogo com a rede de atendimento em questão. O “Projeto Ciranda Feminina”, atendeu até o
62
dia 17 de março de 2017, o universo de 1.457 mulheres, com a proposta de levar informações
sobre a importância de prevenção ao combate à violência contra a mulher. As rodas de con-
versa foi o instrumental utilizado para socializar as informações sobre o tema, pressupõe-se
as redes de proteção e atendimento às mulheres, como espaços privilegiados para efetivar
qualitativamente a legitimidade de tal trabalho. Portanto, os profissionais propuseram um tra-
balho de diálogo com a rede sócio assistencial municipal que atende às mulheres vítimas de
violência doméstica e familiar afim de estreitar os laços e firmar parcerias entre os poderes.
3 Segundo a Lei Complementar Estadual nº 234/2002, as Regiões Judiciárias seriam grupos de Comarcas
(cada Comarca compreende um Município, existindo casos em que uma Comarca compreende mais de um município,
desde que contíguos) com uma sede especificada no Código de Organização Judiciária. No caso da Central de Apoio
Multidisciplinar de Cachoeiro de Itapemirim, a região compreendida de atuação abrange os municípios de Alegre,
Apiacá, Atílio Vivácqua, Bom Jesus do Norte, Cachoeiro de Itapemirim, Castelo, Divino de São Lourenço, Guaçuí,
Jerônimo Monteiro, Mimoso do Sul, Muqui, Rio Novo do Sul, São José do Calçado e Vargem Alta.
junto a outros indivíduos em torno do mesmo assunto. Esse compartilhamento poderá pro-
mover junto às mulheres identificação com outra e no grupo, possibilitando o empoderamen-
to coletivo afim de compor estratégias de enfrentamento a uma dada situação.
O termo rede sugere a ideia de articulação, conexão, vínculos, ações complementares, rela-
ções horizontais entre parceiros, interdependência de serviços para garantir a integralidade
da atenção aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco social e pessoal
(Bourguignon apud Ferrari; Tavares, 2016.p.6).
Em relação aos encontros, totalizaram 10, atingindo o universo de 254 mulheres. Cada en-
contro tinha a duração em torno de 50 minutos, com frequência mensal. O material utilizado
foi produzido pelos próprios profissionais, nesse material foram desenvolvidos tópicos em
forma de questionamento das seguintes categorias: violência e suas múltiplas expressões,
Lei Maria Da Penha, medidas protetivas, fluxo de atendimento, consequências e efeitos da
violência nas relações familiares. Para tanto, foram utilizados os seguintes recursos: slides
em Power Point, nos quais apresentou-se às temáticas para discussão em grupo.
2.1. Análise dos discursos e falas a partir das categorias discutidas em grupo:
Primeiramente, devemos ter em mente que esta fala parte de um contexto sócio-
-histórico em que a sociedade brasileira ainda não se empoderou do conceito de
equidade. Em outras palavras, a sociedade muitas vezes se ateve ao princípio da
igualdade em seu modo de pensar as leis e a organização da sociedade. Ocorre
que a Lei Maria da Penha vem abarcar uma situação de desigualdade de poder,
na qual tende a uma desvalorização da figura do feminino em comparação ao
• “Tem mulher que realmente gosta de apanhar pois fazem denúncia e desistem”
Nas Rodas de Conversa, este tipo de fala aparecia com relevante frequência dada a 64
situação vivenciada cotidianamente por estas mulheres. Esta percepção comparti-
lhada nos coloca a discutir a importância de levar as mulheres a refletirem sobre sua
condição social, compreendendo o que cada uma expressa a si mesma. Na medida
em que se concebe esta reflexão, há um entendimento das realidades das mulheres
que possuem dificuldade em manter a denúncia e não rompem este ciclo de violência.
Devemos pensar em ações propositivas que incentivem o debate de questões relativas
à condição da mulher na sociedade brasileira, em diferentes espaços, como na área da
educação, saúde e mídias sociais, por exemplo.
O que se observa, na prática, é que a droga tem seu efeito estimulante, porém, ela não
é um fator causal isolado, mas sim um fator potencializador ao lado de outros fatores.
Em outras palavras, a droga não bloqueia o indivíduo de raciocinar, mesmo com
limitações, se ele pode se valer ou não de atos agressivos. Se assim fosse, seriam
observados casos de indivíduos que, por uso de substâncias psicoativas, agrediriam
outros homens ou até mesmo figuras de autoridade, o que não ocorre. O espaço onde
ele encontra facilidade para exibir reações agressivas é o espaço doméstico contra a
mulher. Com isso, a conclusão que se tem nesta situação, é a de que o desequilíbrio
de poder relacionado ao gênero é um dos fatores de maior influência nos casos de
agressão contra a mulher, sendo a droga um dos fatores facilitadores auxiliares.
• “Tem mulher que usa a Lei Maria da Penha para prejudicar o homem”
Pela fala das mulheres, percebe-se existir uma concepção compartilhada da mulher de
que ela “tenta tirar proveito”, capitalizar por intermédio da lei seus interesses. Essa fala,
porém, vai ao encontro do discurso machista historicamente concebido, e que as mulheres
acabam subjetivando e reproduzindo. As medidas protetivas, neste contexto, justificariam
Percebe-se como positiva a expressão deste tipo de fala, pois essa análise por parte
65
das mulheres desconstrói a noção de que violência unicamente se associaria a agres-
são física. As mulheres conseguiram captar e identificar diferentes e ricos exemplos de
violência psicológica. Na roda de conversa, foi possível socializar situações de violência
psicológica, permitindo a uma compreender como violência psicológica algo que apenas
outra conseguiu identificar.
Sendo assim, trabalhar a violência doméstica e familiar contra a mulher envolve não
apenas trabalhar as situações de violação de direitos que chegam às delegacias (e aqui
poderíamos reverberar os elogios já concedidos à Lei 11.340/2006, pois ela obriga o
administrador público a desenvolver uma estrutura em que a mulher vítima de violência
doméstica seja tratada com prioridade pelo poder público, além de receber uma atenção
biopsicossocial), mas também trabalhar ao nível das consciências coletivas, trabalhar ao
nível das construções de mundo, de gênero em que cada um, homens e mulheres, ocupam
nas relações sociais postas. É necessário entender que cada uma das mulheres vive essa
experiência, ao mesmo tempo comum e singularmente e ela se agrava em função das de-
sigualdades existentes de classe, raça/cor e orientação sexual, assim em como em função
dos diferentes contextos em que vivemos.
BRASIL, Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Lei
9.099. Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <htpp:www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099>. Acesso em abril de 2017.
CISNE, Mirla. Gênero, Divisão Sexual do Trabalho e Serviço Social. São Paulo, 2015, 152 p.
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agenciapatriciagalvao.org.br/dossie>Acesso em Março de 2017.
PINTO, J.R. Célia. Feminismo, História e Poder. Revista Sociologia Política, Curitiba, v 18,
n 36, junho 2010.
SANTOS, Cecília MacDowell. Rodas de conversa entre mulheres: denúncias sobre a Lei Maria 67
da Penha e descrença na justiça. In: TAVARES, Marcia Santana. Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, n.23, maio/agosto 2015.
TAVARES, Marcia Santana Tavares. Rodas de conversa entre mulheres: denúncias sobre
a Lei Maria da Penha e descrença na justiça. Revista Estudos Feministas, Florianópolis,
n.23, maio/agosto 2015
SISTEMA
PENAL
DIA DE VISITA: A INFLUÊNCIA DO
ENCARCERAMENTO NA IDENTIDADE
SOCIAL DE MULHERES QUE
FAZEM VISITAS PERIÓDICAS À
PENITENCIÁRIAS MASCULINAS
1. Introdução
2 Psicólogo e Professor do colegiado do Curso de Psicologia do Centro Universitário São Camilo – ES,
Mestre em Psicologia pela UFF e Doutorando em Psicologia pela UFF, gabrielcastroaugusto@gmail.com, (21) 9 8027-
7737.
Sendo assim, ao vivenciar estas circunstâncias, a mulher acaba abrindo mão de sua identidade,
por uma outra identidade motivada por fatores externos, como afirma Spagna (2008, p. 214).
A identidade social virtual consiste na forma como o indivíduo constrói sua imagem com base
na interação com os demais, onde o fator determinante é a maneira como a coletividade o
identifica. A identidade social real é aquela construída a partir dos atributos e características
reais ou próprias do indivíduo (SPAGNA, 2008, p.215).
Segundo Spagna (2008, p.204) o grupo social que constitui a expressiva maioria das visitas que
os encarcerados recebem, é composto por mulheres. Sendo assim, nos interessamos em com-
preender como elas se percebem enquanto visitantes numa instituição prisional (AZEVEDO, 2012,
p.31). Partindo desse ponto, visamos compreender a influência do encarceramento na identidade
social de mulheres que se encontram com familiares encarcerados, buscando entender os senti- 70
mentos e motivações que as levam a fazerem visitas periódicas à penitenciárias masculinas.
4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Século XXI Escolar. 4.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira S.A. 2000. 790p.
Em virtude desses fatores, pretendemos, através de nossa experiência, tornar visível a situa-
ção vivenciada por elas enquanto visitantes, expondo percepções acerca desse campo, que
nos ajude a melhor intervir e auxiliá-las nessa situação.
2. Metodologia
Esse projeto propôs realizar uma pesquisa-intervenção, utilizando como ferramenta a carto-
grafia, sendo este, um método que pressupõe um posicionamento e prática ética no trabalho
do pesquisador, pois este, não se orienta por regras preestabelecidas. Deste modo, “o traba-
lho de análise é a um só tempo o de descrever, intervir, e criar efeitos-subjetividade (PASSOS;
KASTRUP; ESCOSSIA, 2009, p.27).
Assim sendo, fez-se um estudo de campo na Penitenciária Estadual de Vila Velha 1 (PEVV 1),
em Xuri - Vila Velha/ES5, onde foram realizadas entrevistas com mulheres que fazem visitas
periódicas à penitenciária. O estudo de campo, segundo Gil (2002, p.53) é desenvolvido por
Para tanto, entramos em contato com a Secretaria de Estado da Justiça (SEJUS)6, por inter-
médio da Gerente de Reintegração Social e Cidadania, Maria Jovelina Debona, na qual nos
orientou sobre o processo de autorização de pesquisa. Após autorizada pelo Secretário de 71
Estado da Justiça (ANEXO I), fomos informados, pelo Assistente Social da PEVV 1, sobre o
local onde ocorreriam os encontros, bem como as datas e horários dos mesmos.
A Penitenciária Estadual de Vila Velha 1 (PEVV 1), é uma instituição prisional de regime fechado, ou
seja, o indivíduo encarcerado “tem que cumprir pelo menos 1/3 da condenação em cadeias fecha-
das e não podem sair do estabelecimento” (BATISTA, 2013, p,95), criada em novembro de 20107.
Os encontros ocorreram entre os meses de outubro e novembro do ano de 2016 (dois mil e
dezesseis), por volta de quatro horas cada, onde foram realizadas entrevistas semiestrutura-
das, no qual, esbarramos em diversas variáveis (família, identidade, gênero, encarceramento,
entre outros). Adotamos entrevistas semiestruturadas por se tratar da formulação de um ro-
teiro com perguntas principais, que foram complementadas com outras questões de acordo
com as circunstâncias encontradas na pesquisa (MAZINI, 2004, p.2).
5 Endereço: Rodovia Governador Mário Covas, S/N, Xuri - Vila Velha/ES - CEP 29127-815
Telefone: (27) 99946-5219
7 Fonte: TJES
Os relatos foram registrados em questionários impressos (ANEXO II), no qual, continham em
sua parte superior, o título da pesquisa e abaixo deste, espaços à serem preenchidos com os
dados pessoais das entrevistadas. Na parte inferior do mesmo, estavam dispostas 3 (três)
perguntas, que foram complementadas a partir dos relatos das visitantes entrevistadas. As
perguntas foram construídas a partir dos objetivos propostos no projeto, entregue anterior-
mente à Secretaria de Estado da Justiça, no qual, enfatizavam a influência do vínculo com
o indivíduo encarcerado dentro e fora da instituição prisional, além do impacto na rotina de
vida das mulheres que fazem as visitas.
Foram tomadas todas as medidas de prevenção de riscos para que não ocorresse nenhum
dano físico, psíquico, moral e ético a participante. Sendo considerado também a privacidade
e confidencialidade das mulheres no que diz respeito aos dados coletados que envolvam sua
intimidade e de sua família, aqui representado pelo indivíduo encarcerado, sendo esse direito
garantido através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO III).
O contexto histórico na qual se desenvolveu o sistema penitenciário, foi marcado por trans-
formações, mas também, muitas permanências, como aponta Chies (2013, p.19).
72
Desenvolve-se [a prisão], entretanto, associado às sociedades modernas, contexto no qual se
consolida, se dinamiza, se dimensiona e se redimensiona acompanhando as próprias transfor-
mações e permanências de expressões sociais, políticas e econômicas da modernidade.
O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. [...] Se a jus-
tiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente,
segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais “elevado” (FOUCAULT, 1987, p.14).
De acordo com Chies (2013, p.22) as mudança nas práticas punitivas foram determinadas
por forças sociais, tendo como principal objetivo o poder sobre o corpo, o que manifestava o
valor de um material humano disponível.
8 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Século XXI Escolar. 4.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira S.A. 2000. 790p.
Este investimento político no corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à
sua utilização econômica, é, numa boa proporção, como uma força de produção que o corpo é
investido por relações de poder e de dominação (FOUCAULT, 1987, p.25).
Sendo assim, “o que substituiu o suplício não foi um encarceramento maciço, foi um disposi-
tivo disciplinar cuidadosamente articulado” (FOUCAULT, 1987, p.220). Com isso, as institui-
ções disciplinares surgem para melhor observar, para se ter o mais amplo domínio sobre
o comportamento. Desse modo, o poder disciplinar acaba por “fabricar” indivíduos dóceis
e úteis (FOUCAUT, 1987, p.143-145). Com o propósito de atingir esta finalidade criou-se a
instituição-prisão, que, segundo Foucault (1987, p.196-197), foi desde seu início encarregada
de corrigir, e também, de modificar os indivíduos através da privação de liberdade.
Diante disso, observa-se uma grande ação de poder nas prisões, que acaba por inviabili-
zar qualquer tipo de transformação. Pois, como afirma Gutierrez e Almeida (2012, p.89),
“o sistema prisional [...] impede qualquer relação de reciprocidade, em que as ações dos
sujeitos encarcerados visam somente sobreviver, numa luta diária contra as agruras e
sofrimentos que a reclusão os faz”.
Como sugere Almeida e Gutierrez (2012, p.89), a penitenciária é uma sociedade dentro de
outra sociedade, com seus códigos internos próprios, onde concentra-se uma vigilância
constante. Nesse sentido, procuramos durante a pesquisa, além de realizar as entrevistas,
observar os movimentos e a forma como a instituição e seus visitantes se organizam,
entremeados nesse local onde o poder disciplinar se faz, tão explicitamente, presente. É
relevante salientar que, as observações e os relatos apresentados, ocorreram durante todo
o período de realização da pesquisa.
Ao chegarmos à penitenciária, nos deparamos com uma fila, em frente ao portão principal,
composta na maioria por mulheres, onde aguardavam a entrega das senhas para os atendi-
mentos. Aquelas pessoas permaneceram no local por, aproximadamente, 2 (duas) horas até
serem atendidas por um agente penitenciário.
Os atendimentos familiares são realizados sempre nas quartas-feiras, no qual, são distri-
buídas somente 60 (sessenta) senhas. Tais atendimentos, consistem em sociais, onde se
organizam as visitas, são feitos os cadastros, entre outras questões relacionadas à área; e
de saúde, onde são feitos atendimentos com relação a medicações (entrega de remédios
e/ou de receitas), estado de saúde dos indivíduos encarcerados, entre outras questões.
Estes atendimentos são realizados por assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros que
trabalham na penitenciária. Após a entrega das senhas, os visitantes foram encaminhados
à sala 101, que se localiza dentro da penitenciária, onde aguardaram até serem atendidos.
Com relação as normas da instituição para pessoas visitantes, é proibido o uso de celula-
res, de roupas curtas, transparentes e/ou decotadas e de calçados pretos, além disso, são
impedidos de entrarem com bolsas nas salas onde ocorrem os atendimentos e nos locais
de visitas. No entanto, por vezes, tais regras acabam por serem “esquecidas”, como por
Outra questão que nos chamou atenção, foi com relação ao trabalho dentro da instituição,
74
onde um dos “internos trabalhadores”, como são chamados os indivíduos encarcerados que
fazem algum tipo de trabalho na penitenciária, se comportou ao passar pela sala 101. Naque-
le dia a sala estava bem cheia, e ele nem se quer fez contato visual com as pessoas que ali
estavam, o que nos fez recordar Foucault (1987, p.168), quando afirma que:
Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações
do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmo; inscreve em si a relação de poder na
qual ele desempenha simultaneamente os dois papéis; torna-se o princípio de sua própria sujeição.
A realização de uma atividade por parte do trabalhador preso, desde que orientada de acordo
com sua aptidão e capacidade, propicia ao mesmo a sua valorização enquanto ser humano e a
concretização de sua dignidade. Além disso, tal atividade possibilita que o detento se prepare
para a vida futura fora do estabelecimento penitenciário, como cidadão capaz de colaborar com
a sociedade da qual foi retirado (CABRAL; SILVA, 2010, p.160).
Assim sendo, após este primeiro contato com a instituição, fomos também autorizados
a nos encaminharmos a sala 101, onde foram realizadas as entrevistas. Ao entrarmos,
9 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Século XXI Escolar. 4.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira S.A. 2000. 790p.
notamos uma grande agitação no local, o que acreditamos ser por conta do longo tempo
em que esperam até serem atendidas. Como afirma este relato, em que a entrevistada
reclama da demora no atendimento:
E1: “Eles [os funcionário da instituição] não querem nem saber da gente. Saio cedo de casa,
com pressa pra não perder o ônibus, nem dá tempo de tomar café. Estou faminta!”.
Essa situação, acaba “obrigando-as” a omitir e, por vezes, mentir sobre as circunstâncias em
que se encontra o familiar.
M1: “Sou professora, trabalho em uma escola, aí quando preciso sair pra vir aqui, eu falo com
a diretora. Ela sabe que ele [o filho] está aqui, mais hoje, por exemplo, precisei mentir pra
coordenadora. Ela não sabe. Eu não preciso ficar contando pra todo mundo o que aconteceu 75
com meu filho”.
Através dos relatos, pode-se perceber que tal situação é vivenciada com bastante dificuldade
por elas; seja pela dificuldade financeira, por conta da distância entre a penitenciária e suas
residências, ou ainda por outras questões apontadas.
M2: “É amor; é amor! Só amor de mãe pra aguentar isso aqui. É difícil, a família sofre muito”.
C1: “É muita humilhação! A gente tem que ajoelhar e chorar pra Deus”.
Entre uma entrevista e outra, sentamos ao fundo da sala afim de observar a movimentação
das pessoas no local. Com isso, pudemos notar que entre elas há uma certa organização com
relação aos atendimentos e com o bem-estar dos indivíduos encarcerados. Como por exemplo,
em um dos encontros observamos que estavam com o intuito de formar um grupo de mulheres
afim de comprar ventiladores para as celas, demonstravam estarem preocupadas que seus
companheiros sofressem por conta do forte calor do verão. Elas, segundo uma das mulheres,
iriam fazer a compra do quantitativo de ventiladores necessários e dividiram o valor da compra.
Nesse sentido, nota-se nelas “um sentimento de cuidado e atenção para com o preso.
Querem e precisam cuidar dos mesmos para se sentirem completas” (SPAGNA, 2008, p. 10).
Outras, por sua vez, colocam-se mais firmes diante do companheiro encarcerado, demons-
trando, uma certa, desmotivação para com as visitas.
E1: “Ou ele [o marido] procura se consertar, ou vai continuar na vida ruim. A gente tem que
procurar uma melhora, mas ele não procura. Quando sai, começa a trabalhar, mais aí vem os
amiguinhos fazem a cabeça dele tudo de novo”.
No que se referem as visitas familiares, fomos esclarecidos por uma das entrevistadas,
que são agendadas de 14 (quatorze) em 14 (quatorze) dias, sempre nos mesmos dias
e horários. Ocorrem no pátio da PEVV 1, por cerca de 1 (uma) hora, onde elas ficam em
contato direto com o indivíduo encarcerado. Além disso, segundo relatos, houveram modifi-
cações nas revistas íntimas realizadas nos dias de visita, já que tal procedimento acabava
expondo a intimidade das mulheres que fazem as visitas (ALMEIDA; BRITO; ALMEIDA, p.7).
Antes, o procedimento previa que a visitante se despisse e realizasse no mínimo 3 (três)
agachamento de frente e costas (ALMEIDA; BRITO; ALMEIDA, p.7); atualmente, de acordo
com as entrevistadas, quem se submetem as revistas corporais são os indivíduos que
estão em cárcere, logo após as visitas.
Com relação as visitas íntimas, pudemos observar parte do procedimento pela qual elas
passam. Assim como nas visitas familiares, a visita íntima é agendada de 14 (quatorze)
em 14 (quatorze) dias, sendo necessário para agendá-la apresentar certidão de casamento
Sendo assim, pode-se perceber que, apesar de estarem a tanto tempo fazendo as visitas,
uma boa parte delas, não concordam com as visitas íntimas. Pois, relatam não merecerem
se sujeitarem a esse constrangimento, sendo que em nenhum momento seus companheiros,
que neste momento estão encarcerados, pensaram nelas.
5. Considerações finais
Durante nossa permanência na instituição, notamos que apesar de muitas mudanças, ainda
há muitos excessos com relação ao trato com este contingente de visitantes, refletindo,
dessa forma, em sua vivência dentro e fora da instituição.
FREITAS, Luciana de Lábio. A família como principal meio reabilitador do preso na pena priva-
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Século XXI Escolar. 4.ed. Rio de Janeiro:
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 20ed. Petrópoles: Vozes, 1987.
ALMEIDA, Telma Mendes Vieira de; BRITO, Marcelo; ALMEIDA, Douglas Ferreira de. A revista in-
tima feminina no sistema penitenciário brasileiro à luz do princípio da dignidade da pessoa hu-
mana. 15p. Disponível em: < http://www.congressods.com.br/quarto/anais/GT04/21_GT_04.
pdf.> Acesso em: 13 out. 2016.
PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da. Pistas do método cartográfico:
pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Editora Sulina, 2009, 207p.
BATISTA, Gilda Alves. Jovens e jovens em conflito com a lei: o que pesam sobre a escola.
199f. Tese (Doutorado em Educação) - Departamento de Educação do Centro de Teologia
e Ciências Humanas, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em:< www2.dbd.puc-rio.
br/>. Acesso em: 29 out. 2016.
O (a) senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de um estudo, que tem como objetivo
compreender a influência do encarceramento na identidade social de mulheres que se encon-
tram com familiares encarcerados. Embora aceite a participação nesta pesquisa está garanti-
do que poderá desistir a qualquer momento inclusive sem motivo, bastando para isso, informar
sua decisão de desistência, da maneira mais conivente. Foi esclarecido, ainda, que por ser
uma participação voluntária e sem interesse financeiro, o senhor (a) não terá direito a nenhu-
ma remuneração. A participação na pesquisa não incorrerá em riscos ou prejuízos de qualquer
natureza. Os dados referentes a esta pesquisa serão publicados em revistas especializadas,
garantindo o sigilo dos participantes. O (a) senhor (a) poderá solicitar informações e escla-
recer dúvidas durante todas as fases da pesquisa, inclusive após a publicação. A coleta de
dados para a pesquisa será desenvolvida através da avaliação e aplicação de um questionário
semiestruturado, sendo garantido privacidade e confidência das informações. Será realizada
pela aluna do curso de graduação em Psicologia Simone Aquino De Nadai, sob orientação do
Professor Gabriel de Castro Augusto Alvarenga.
RG: ____________________________________
CPF: ____________________________________
Telefone: ____________________________________
81
Data: _____/_____/_____
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DA
EQUIPE PSICOSSOCIAL NA AUDIÊNCIA
DE CUSTÓDIA DO ESPÍRITO SANTO
O Sistema Penitenciário do Estado do Espírito Santo tem passado nos últimos anos, por
um processo de contínua reestruturação, tanto em sua estrutura física, quanto organiza-
cional, em especial na consolidação de um modelo de gestão moderno, que prima pela
profissionalização das equipes administrativas e operacionais, sempre objetivando o
cumprimento integral da Lei de Execuções Penais. 82
2 Psicóloga, formada pela UFES. Atua nasecretaria do Estado de Justiça do Espírito Santo – SEJUS/ES.
Especialista Gestão estratégica de recursos humanos. Cursando pós-graduação em Direitos Humanos pela UFES
e Assistente Social da Secretaria do Estado de Justiça do Espírito Santo – SEJUS/ES. E-mail: flavia.borges@sejus.
es.gov.brtel.: (27) 988083792
3 Especialista Gestão Prisional e Políticas Sociais e Assistente Social da Secretaria do Estado de Justiça
do Espírito Santo – SEJUS/ES. E-mail: natureza.vieira28@gmail.com.tel.: (27) 99529-0205
Segundo dados publicados pelo Conselho Nacional de Justiça no “Mapa do Encarcera-
mento”, no Brasil 58% dos detentos são negros, 61% dos presos são condenados e 38%
são provisórios aguardando julgamento. Em relação à faixa etária 54% eram jovens entre
18 e 24 anos com pouca ou nenhuma escolaridade. Os crimes contra a pessoa ficam em
torno de 12% (BRASIL, 2015).
Dito isso, o presente artigo abordará a relevância do trabalho desenvolvido pela equipe
psicossocial tendo como cenário o projeto de audiência de custódia.Salientando assim o
trabalho dos profissionais de serviço social e psicologia que atuam econtribuem para a
promoção de cidadania e efetivação de direitos do público assistido, buscando identificar
as demandas dos usuários e os encaminhamentos que cada caso requer. Aliviando dessa
forma a porta de entrada no sistema carcerário.
Para esclarecer melhor tal ideia, é necessário construir um cenário que permita entender o
poder exercido sobre os corpos, os critérios de negociação e a necessidade de controles
2. Desenvolvimento
Segundo a legislação, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade e deverá funda-
mentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preven-
tiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes às medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder
liberdade provisória, com ou sem fiança. De acordo com o CNJ, o juiz poderá avaliar tam-
bém eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, bem como outras irregularidades,
ao contrário do que era realizado anteriormente, onde o contato entre o juiz e a pessoa
presa ocorria somente alguns meses após sua prisão, no dia da sua audiência de instrução
e julgamento. Com a implantação das Audiências de Custódia o Brasil, busca combater a
superlotação carcerária, inibindo a execução de atos de tortura, tratamento cruel, desu-
mano e degradante em interrogatórios policiais. Reforçando, assim, o compromisso do
País na proteção dos Direitos Humanos, como proposto na Convenção Americana Sobre
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992, que
dispõe que “toda pessoa detida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou
outra autoridade autorizada a exercer funções judiciais” (art. 7º).
Figura 1. Perfil dos autuados atendidos no período de maio de 2015 à fevereiro de 2017.
Outra situação em que a equipe se faz necessária é nos casos em que (nos finais
de semana e feriados) a Audiência de Custodia recebe os casos de Maria da Penha.
Nesta situação, a equipe entra em contato com vitima buscando maiores informações
acerca do convívio do autuado com esta, buscando dar maior suporte de informações
ao juiz. Toda essa informações são colocadas em um relatório que são anexadas ao
processo antes da realização das audiências. No Final da Audiência, a equipe ainda
realiza contato telefônico com a vítima para informá-la sobre a decisão e explica-la
sobre as medidas cautelares aplicas ao caso.
Analisando a figura 2 nota-se que as intervenções psicossociais junto aos familiares dos
autuados que possuem transtorno mental e dependência química é expressiva, visto que
em sua maioria os autuados que cometem agressão física realizam uso de substâncias
psicoativas (álcool e outras drogas) ou possuem comprometimento psíquico/mental.
• Dependentes Químicos
• No caso do autuado ter recebido liberdade provisória, com o cumprimento de medida cautelar.
Depois da realização das audiências, a equipe realiza atendimentos aos autuados onde
é realizado uma breve anamneses e são dadas orientações sobre as medidas cautela-
res aplicadas ao caso. O autuado recebe todas as orientações que condicionam a sua
liberdade. Quando identificado algum tipo de demanda (dependência química, situação
de rua, baixa escolaridade, falta de emprego, falta de documentação) a equipe psicos-
social realiza encaminhamentos para a rede de assistência social onde o referido pode
ter acesso a alguns desses serviços (abrigos, Centro POP, projetos para tratamento de
dependênciaquímica, escritório social, CRAS, CREAS, Superintendência). Ao receber o
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar
e justificar atividades;
87
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias rela-
cionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar
o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacio-
nadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou
grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do
Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo,
evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
Figura 3.Encaminhamentos realizados pela Equipe Psicossocial no período de maio de 2015 à Fevereiro de 2017
junto à rede.
Considerações Finais
“O fato de a expansão carcerária não ser um destino, mas uma política, significa que ela pode ser
questionada, desacelerada, e por fim revertida por outras políticas”. (LoïcWacquant, 1999, p 57)
A presença da equipe psicossocial atuando em conjunto com o judiciário, dentro das audiên-
cias, demonstra que o projeto também corrobora e reconhece a importância de oportunizar
as pessoas que foram autuadas e que aqui são atendidas, encaminhamentos para serviços
básicos de saúde, educação e assistência social.
Referências
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil. <Dis-
ponívelem:www.cnj.jus.br/diagnostico_de_pessoas_presas_correcao.pdf>. Acesso em 10 de
fevereiro de 2017;
OLIVEIRA, G. S., SOUZA, S. R., BRASIL JUNIOR, S. M., SILVA, W.; Audiência de Custódia: Digni-
dade Humana, controle de convencionalidade e outras alternativas (Lei 12.403/2011). Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2015.
90
1. Introdução
O Conselho Nacional de Justiça - CNJ criou uma comissão no ano de 2012 formada por
magistrados e profissionais de serviço social, sendo que um dos objetos de trabalho deste
grupo foi a definição de critérios para o repasse dos recursos provenientes das prestações
pecuniárias pelos Tribunais de Justiça.
A necessidade de definição de critérios únicos teve sua origem na constatação de que nos
Estados da Federação, tanto na esfera estadual como na federal, os magistrados vinham ado-
tando procedimentos diferenciados na destinação dos referidos recursos. Assim, resultou a
Resolução 154/2013 do Conselho Nacional de Justiça, de 13 de julho de 2013, estabelecendo
critérios únicos para acessibilidade aos valores originários das penas pecuniárias, baseado
no princípio da transparência no trato com os recursos públicos.
1 Sonia Maria Corrêa Cavassani: Analista Judiciário - Serviço Social do Poder Judicário do Espírito Santo.
Tel. 27. 331983137. sonia.vepema@gmail.com
2 Iva Elisa Kobi Ghil: Assistente Social, Analista Judiciário - Serviço Social do Poder Judicário do Espírito
Santo. Tel. 27. 331983137. iva.vepema@gmail.com
O princípio da transparência emerge na administração pública em função de sua relevância
social na consolidação da democracia e preservação do interesse da população na admi-
nistração dos recursos públicos.
A transparência nos atos da administração Pública tem como desígnio impedir ações impró-
prias e eventuais como o uso indevido dos bens pública por parte dos governantes e adminis-
tradores, alargando o acesso dos cidadãos às informações públicas, em todas as esferas, a fim
da edificação de um país mais democrático, onde todos os segmentos da sociedade possam
desempenhar com êxito o controle social, ajudando na efetivação de uma gestão mais eficaz e
eficiente. (SOUZA et al 2009, p. 12)
Para Sacramento & Pinho (2007) a adoção do princípio da transparência nas ações
governamentais contribui para a redução da corrupção no espaço público, tornando a
sociedade civil mais democrática.
As normativas legais citadas estabelecem diretrizes sobre a destinação dos valores depo-
sitados na conta judicial, quando não destinados à vítima ou aos seus dependentes. Tais
valores serão repassados a financiamentos de projetos em favor das instituições previa-
mente cadastradas/conveniadas na unidade gestora competente, desde que preencham os
requisitos determinados pelo CNJ.
91
As novas diretrizes as penas pecuniárias serão direcionadas a implementação e conclusão
de projetos voltados para o público alvo formado pelo terceiro setor e pelo poder público,
propiciando ações que não seriam possíveis sem a doação de tal verba.
De acordo com Fernandes (2002) o terceiro setor começou a surgir a partir do momento em
que o Estado não estava mais atendendo satisfatoriamente a prestação de bens e serviços à
população. O referido setor não tem obrigação de prestar serviços, mas se apresenta como a
solução para grande parte das demandas da sociedade, e assim, beneficia principalmente o
Estado que deixa à cargo das mesmas parte de suas responsabilidades.
Na região metropolitana da grande Vitória, que engloba os municípios de Vitória, Serra, Vila
Velha, Cariacica e Viana, a execução das penas e medida alternativas é realizada pela 7ª Vara
Criminal de Vitória - Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas (VEPEMA), cujo juiz
passou a ser o gestor da conta para depósito dos valores oriundos de prestação pecuniá-
ria, objeto de transação penal e de sentença condenatória.
Na fase de concepção do projeto foi nomeada uma comissão pela presidência do Tri-
bunal de Justiça que envolveu servidores da área de planejamento e gestão de projetos
do Tribunal de Justiça/ES, da assessoria da presidência, da Corregedoria de Justiça e o
magistrado da VEPEMA.
Esta comissão estabeleceu critérios e diretrizes para o judiciário capixaba. O Ato Normativo foi
publicado no Diário da Justiça do Espírito Santo em consonância com as diretrizes do CNJ.
No âmbito da VEPEMA o juiz titular da referida vara, na condição de gestor do Fundo da Pres-
O projeto contou com o protagonismo dos profissionais dos setores de Serviço Social
e Psicologia, Fiscalização, Cartório e Gabinete do Juízo da VEPEMA, responsáveis pela
sua implementação.
92
As instituições para terem acesso aos valores depositados na conta judicial (fundo/ VEPE-
MA) deveriam se orientar pelos critérios estabelecidos em edital.
3. Etapas do projeto
Buscando informar as instituições sobre o novo método de acesso aos recursos da presta-
ção pecuniária, foi pautado um momento informativo.
Neste Fórum foi apresentado à instituições parceiras o novo formato a ser adotado
e realizados os esclarecimentos e orientações sobre a nova forma de acesso à verba
proveniente das penas pecuniárias.
No terceiro edital, após ter sido avaliado que os trâmites necessitavam de maior agilidade,
a documentação e os projetos passaram a ser apresentados em um só momento, sendo
que após a aprovação da documentação pelo Ministério Público, os projetos são encami-
nhados para a avaliação social.
Após a avaliação realizada pela comissão de Assistentes Sociais os projetos são enca-
minhados mais uma vez ao Ministério Público, e por último a classificação é homolo-
gada pelo magistrado.
Conforme já foi citado, o segundo e o terceiro edital, sofreram algumas alterações visando
sua adequação à realidade vivenciada pelas instituições, evitar a repetição de equívocos, e
facilitar a compreensão por parte da instituição, bem como estimular sua participação.
Considerando que as instituições que compõe a rede de instituições parceiras para o recebi-
mento de prestadores de serviços, no que diz respeito à estrutura física e tipo de atividade
exercida, foi elaborado o Instrumento de Classificação da Rede Conveniada com a VEPEMA
(anexo I), tal instrumento se mostrou de grande utilidade para a avaliação dos projetos apre-
sentados em 2014, embasando-a de forma mais consistente.
Cada instituição deve realizar a prestação de contas em até 30 dias após o prazo previsto
para a conclusão do projeto de acordo com o cronograma apresentado.
Alguns projetos contemplaram mais de um elemento de despesa sendo que no total 19 pro-
jetos tinham como objetivo a aquisição de material permanente, 14 o pagamento de pessoal,
12 obras, 04 compra de veículos, e 14 objetivavam compra de material de consumo. Todas as
instituições apresentaram suas prestações de contas.
A maioria dos projetos, do mesmo modo como ocorreu no primeiro edital, contemplaram
5. Considerações finais
Foi possível observar que a verba, antes distribuída de forma diluída, não possibilitava a
realização de grandes projetos, não impactando de forma tão positiva a instituição e seus
usuários, além de dificultar a fiscalização de sua utilização.
O critério de avaliação que considera, para efeito de classificação, o número de pessoas
recebidas para cumprir penas ou medidas alternativas pela instituição estimula a abertura de
vagas e realização de convênios para este fim. É necessário ressaltar que as vaga oferecidas
pelas instituições parceiras são essenciais para a continuidade da execução das Penas e
Medidas Alternativas, cuja aplicação vem sendo ampliada.
A classificação das instituições de acordo com o seu porte, e número de prestadores que po-
dem ser recebidos para o cumprimento da PSC, organiza e estimula aumento de vagas, além
de dar um caráter mais objetivo à avaliação executada pela comissão de serviço social.
Fica evidenciado ainda, que esta experiência propicia o acesso aos recursos das prestações
pecuniárias de forma democrática e com total transparência, permitindo gerar benefícios a
pessoas e grupos vulneráveis da sociedade.
Referências
FERNANDES, Ruben César. Privado porém público: O terceiro setor na América Latina. 3. de.
Rio de Janeiro: Relume-dumará, 2002.
SACRAMENTO, Ana Rita Silva; PINHO, José Antônio Gomes. Transparência na administração
pública: o que mudou depois da Lei de Responsabilidade Fiscal? Um estudo exploratório em 95
seis municípios da Região Metropolitana de Salvador. Revista de Contabilidade da UFBA.v.1,
n.1, set/dez 2007.
Anexo I
Classificações definidas para serem utilizadas pelo Serviço Social e Psicológico da Vara de
Execuções Penais e Medidas Alternativas para a rede conveniada com a vara: Grande, Médio
e Pequeno Porte.
Critérios
Grande Porte
AVEDALMA
CREFES - CENTRO DE REABILITAÇÃO FÍSICA DO ESTADO DO ES
HOSPITAL INFANTIL MATERNIDADE DE VILA VELHA - Heimaba
HOSPITAL ESTADUAL DE ATENÇÃO CLÍNICA (Cariacica)
HOSPITAL ANTÔNIO BEZERRA DE FARIA
HOSPITAL DR. DÓRIO SILVA 96
HOSPITAL EVANGÉLICO DE VILA VELHA
HOSPITAL INFANTIL DE VITÓRIA
HOSPITAL SÃO LUCAS
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE VITÓRIA
SOCIEDADE DE ASSISTENCIA À VELHICE DESAMPARADA (Asilo de Velhos de Vitória)
Médio Porte
Pequeno porte
ADOLESCENTE
CRIANÇA E
SISTEMA
PENAL
A VIOLAÇÃO OCULTA NA PROTEÇÃO:
UMA PROVOCAÇÃO NECESSÁRIA
A proteção social pode ser entendida como forma de inclusão dos destinatários
da assistência social nas políticas sociais específicas, propiciando-lhes o acesso a
bens, serviços e aos direitos fundamentais. Proteger de maneira integral crianças
e adolescentes, assegurando seus direitos como previsto pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente é prerrogativa do Sistema de Garantia de Direitos, composto pelo
Conselho Tutelar, Promotoria, Justiça, Defensoria Pública e pela rede de proteção
social estabelecida na Política Nacional de Assistência Social. Os sujeitos e suas
famílias que usualmente estão inseridas nesse sistema fazem parte de um público
específico, marcado pela trajetória sócio histórica da desigualdade social. O pre-
sente trabalho apresenta breve discussão acerca do processo de proteção social
envolvendo crianças e adolescentes. Discute o fenômeno da violação de direitos
enquanto desdobramento da aplicação das próprias medidas protetivas, a partir
1. Introdução
O presente artigo tem como objetivo discutir a aplicação de medida protetiva a crianças e
adolescentes no contexto do Sistema de Garantias de Direito (SGD). Duas questões norteiam
a reflexão proposta: a) a aplicação de medidas protetivas pode representar a violação de
direitos? Se sim, em quais contextos? b) qual é o papel do/a assistente social no desfecho
desse processo? Com base nessas questões, procurou-se refletir acerca do processo de
trabalho desse profissional dentro do campo sociojurídico, analisando conceitos presentes
no cotidiano profissional, como risco, vulnerabilidade e “questão social”3.
1 Graduada em Ciências Sociais (UFMG), Serviço Social (ULBRA), especialista em Políticas Públicas (UFMG)
e Gestão Pública (UEMG). Analista Judiciário – AE: Serviço Social do TJES – 1ª Vara da Infância e Juventude de
Linhares. E-mail:afassuncao@yahoo.com.br – Tel.: (27) 3264-0743
2 Graduado em Serviço Social (UFPE), especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça
(UFES). Analista Judiciário – AE: Serviço Social do TJES – Central de Apoio Multidisciplinar de Linhares. Email:
vcjunior@tjes.jus.br – Tel. .: (27) 3264-0743.
3 SANTOS (2012) explica que muitos teóricos/as do Serviço Social no Brasil utilizam aspar ao falar sobre a
“questão social” tanto pela origem conservadora da expressão quando pelo cuidado em não elevar o termo ao estatuto
de categoria, a partir de uma perspectiva analítica marxiana.
A atuação dos/as técnicos/as do Poder Judiciário do estado do Espírito Santo, precipua-
mente, está associada a um processo de trabalho, que no caso das medidas de proteção,
ocorrem quando já houve uma ou mais violações de direito. Mas além dessa atuação técnica,
é preciso se atentar para outras dimensões do exercício profissional, principalmente no que
se refere à articulação da rede de proteção socioassistencial das localidades jurisdiciona-
das. Geralmente os/as profissionais das equipes técnicas multidisciplinares (em sua grande
maioria de formação em Psicologia e Serviço Social) estão lotados em Varas da Infância e
Juventude, da Família, Órfãos e Sucessões e Varas Criminais.
A esse respeito, o ECRIAD (artigo 19) prevê que crianças e adolescentes, sujeitos em desen-
volvimento, devem prioritariamente crescer no seio de sua família4, devendo ser respeitada
sua origem, sua história, seus vínculos familiares e comunitários. Em atendimento a esta
prerrogativa a Política Nacional de Assistência Social cria o Sistema Único de Assistência
O método proposto neste trabalho refere-se à análise qualitativa, através do estudo de caso,
exame documental e pesquisa bibliográfica. Tais instrumentais também fazem parte da cons-
trução das análises cotidianas no processo de trabalho desses profissionais.
103
Sendo assim, o trabalho está estruturado em três tópicos nos quais, o primeiro refere-
se à contextualização do mesmo. No segundo são apresentados o Sistema de Garantia
de Direitos, os marcos legais e sua materialização através das políticas de proteção
envolvendo crianças e adolescentes. Neste tópico também são tecidas as considerações
a partir da apresentação do caso e o papel do/a assistente social nesse processo e, por
fim, são apresentadas as considerações acerca das implicações das medidas protetivas
aplicadas aos sujeitos em questão.
2. Desenvolvimento
2.1 O Sistema de Garantia de Direitos
4 O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990, e sua alteração pela Lei nº 12.010/2009 define
a família natural como a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes, e ainda, família
extensa ou ampliada como aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada
por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade
(ECRIAD/1990, art. 25; Lei nº 12.010/2009).
O que se convencionou chamar ‘direitos humanos’ são exatamente os direitos correspon-
dentes à dignidade dos seres humanos. São direitos que possuímos não porque o Estado
assim decidiu, através de suas leis, ou porque nós mesmos assim o fizemos, por intermédio
dos nossos acordos. Direitos humanos, por mais pleonástico que isso possa parecer, são di-
reitos que possuímos pelo simples fato de que somos humanos (RABENHORST, 2008, p. 04).
Alves (2010) chama a atenção para a compreensão dos direitos humanos enquanto
fundamentais e complementares. Ressalta que as quatro gerações de direitos surgiram em
momentos históricos distintos, sem que houvesse, no entanto, contradição entre eles.
Esses instrumentos vieram estabelecer uma série de mecanismos de preservação dos direi-
tos humanos garantidores de um desenvolvimento digno. As instituições família, sociedade
e Estado, solidariamente são obrigados a proporcionar a todas as crianças e adolescentes o
respeito a seus direitos fundamentais. Nesse aspecto, a Constituição brasileira de 1988 trou-
xe pela primeira vez a questão da criança como prioridade absoluta, sendo que sua proteção:
A Assistência Social como política de proteção social configura-se como uma nova situação
para o Brasil. Ela significa garantir a todos, que dela necessitam, e sem contribuição pré-
via a provisão dessa proteção. Esta perspectiva significaria aportar quem, quantos, quais e
onde estão os brasileiros demandatários de serviços e atenções de assistência social (PNAS,
2004, p.15).
Desta forma, conclui-se que o SGD nasce e se desenvolve numa conjuntura de tensões,
disputas e contradições, que incidem diretamente sobre a conformação das políticas
sociais, o acesso ao direito e consequentemente o trabalho do/a assistente social.
O aparato legal existe permitiu a construção do SGD e por meio dele ocorrem os gerencia-
mentos das expressões “questão social”. O Poder Judiciário, como parte do SGD, possui um
papel emblemático, sendo espaço de coerção e também de garantia de direitos, deliberando
sobre questões intimamente ligadas à própria “questão social” e suas expressões.
Fávero (2007) ao discutir a perda do poder familiar vincula a condição de carência social
e econômica sobre as famílias sobre as quais eram aplicadas as medidas. 105
Ainda que a determinação da perda do poder familiar não se dê explicitamente por causa
das condições de pobreza em que vivem (o que contrariaria a lei), muitas vezes essa é a
alegação da mãe e/ou do pai ao entregar o filho, o que acontece, em vários casos, anos
antes da destituição do poder familiar (FÁVERO, 2007, p. 39).
Tendo em vista que expressões da “questão social” em muitos casos impulsionam medi-
das de proteção tal como acolhimento institucional ou destituição do poder familiar, nos
propomos a questionar: qual o tipo de proteção que estamos tratando?
A PNAS estabelece vulnerabilidade e risco como uma condição que afeta e delineia o
público usuário dos serviços criados pela política de assistência social, definindo como:
Nessa toada, as autoras supracitadas afirmam que pessoas, famílias e comunidades são
vulneráveis quando não dispõem de recursos materiais e imateriais para enfrentarem com
sucesso os riscos a que são ou estão submetidas. Sendo assim, os termos vulnerabilidade e
risco social podem ser entendidos como sendo o resultante de uma condição sócio-histórica,
marcada pelas desigualdades e injustiças sociais, na qual consiste e perduram a pobreza e
todos os seus elementos que fragilizam os sujeitos de direitos. Conforme cita OLIVEIRA,
A garantia dos direitos sociais se fez ao logo da história da sociedade brasileira a partir de um mo-
vimento amplo de resistência, necessário para a implementação de políticas sociais específicas
públicas no atendimento das necessidades humanas, muitas delas também específicas para o
atendimento de situações focais e pontuais, através dos direitos sociais (OLIVEIRA, 2010, p. 09).
Martins (2012) alerta para a forma conservadora e reacionária com que o termo risco pode ser
interpretado. A autora explica que o termo risco surge no campo da medicina para distinguir
formas de adoecimento humano, vinculados à realidade social. Contudo, a partir da apropria-
Nossa análise reforça que o conceito de risco não pode ser identificado como elemento capaz de
servir de fundamento ou base para a proteção social. Pelo contrário. A teoria do risco fundamenta
discursos que embasam novas formas de gerir a (des)proteção social. [...] Tais conceitos desdo-
bram-se fundamentalmente em políticas que culpabilizam o indivíduo por sua situação, a partir
do entendimento neoliberal que todo indivíduo é livre empreendedor e tem a responsabilidade de
viver do seu trabalho, constituindo a assistência pública apenas um paliativo destinado àqueles 106
que são incapazes de se manter de maneira autônoma (MARTINS, 2012, p. 93-93).
O Serviço Social tem na “questão social” a base de sua fundação como especialização do traba-
lho. “questão social” apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da socie-
dade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva,
o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se
privada, monopolizada por uma parte da sociedade (2010, p. 27).
A autora afirma ainda que os assistentes sociais trabalham com a “questão social” nas suas
mais variadas expressões cotidianas, e que essas se alteram, reconfiguram-se de acordo
com as transformações sociais (IAMAMOTO, 2010).
Nesse sentido, é preciso que o/a assistente social saiba apreender a “questão social” no seu
campo de trabalho, entendendo-a como processo passível de transformação, pois as mudan-
ças que ocorrem na sociedade ao longo do tempo faz com que ocorra alteração também no
processo de trabalho desse profissional.
Importante dizer que o objeto do trabalho técnico dentro do Poder Judiciário em situação de
violação de direitos, envolvendo crianças e adolescentes, se refere às consequências das
desigualdades sociais. As configurações sociais, que envolvem desigualdade e pobreza,
violência, negligência e abandono, tráfico de drogas e criminalidade fragiliza e impõe aos
Assim, pode-se dizer que crianças e adolescentes ao chegarem a serem protegidos por medi-
da de proteção já sofreram uma sequência de violação de direitos ao longo de suas trajetó-
rias. São sujeitos que por vezes vivenciam situações de fragilidades, que subtraem sonhos,
possibilidades, o que aumenta significativamente o risco através da exposição.
Do ponto de vista legal e normativo, as diretrizes para o trabalho do/a assistente social no
Poder Judiciário do estado do Espírito Santo estão baseadas no Estatuto da Criança e do
107
Adolescente de 1990, no Código de Ética do Assistente Social de 1993, na Política Nacional
de Assistência Social de 2004 e no Código de Normas do PJES. Esses instrumentos, além da
formação profissional e da interdisciplinaridade metodológica, são os principais norteadores
da atuação técnica. Outro aspecto bastante trabalhado pelos/as assistentes sociais se dá
através da articulação das redes, esta entendida com sendo extremamente importante para o
atendimento das demandas sociais, que cada vez mais, se manifestam diversas e complexas.
Identificação do processo
REQUERENTE A genitora
Com o afastamento da criança resultou na perda o convívio com os dois irmãos mais novos.
Trata-se de um tipo de violação por vezes invisível no sistema de justiça. O rompimento dos
vínculos fraternais foi avaliado como consequência da condução da medida de proteção.
Este caso exemplifica demandas que têm chegado até as equipes técnicas e que têm
feito com que algumas situações sejam postas em questionamento, a exemplo de situa-
ções de acolhimento institucional de meninas em contexto de abuso sexual intrafamiliar,
o que subverte a lógica da proteção.
Ao retornamos a pergunta, “de qual tipo de proteção estamos falando?”, buscamos provocar
o leitor para medidas judiciais que em nome do combate ao risco e à vulnerabilidade social,
aciona uma “proteção” que culpabiliza as vítimas e famílias, quando não as punem. Fávero
apud Bourdieu chama a não nomeação dessas relações como relações de violência como
violência simbólica “que é a violência que somente pode ser exercida por aquele que a
exerce e suportada por aquele que a suporta sob uma forma tal que ela permaneça como que
desconhecida, isto é, reconhecida como legítima” (FÁVERO apud BOURDIEU, 2007, p. 39-40).
Nesse sentido, verifica-se que o público usuário, que sofre com os desdobramentos da aplicação
das medidas refere-se às famílias, de baixa renda, pouca escolaridade, com pouco acesso aos
serviços socioassistenciais, muitas vezes, migrantes de outros estados ou regiões com baixo
desenvolvimento socioeconômico, se encontrando em situação de risco e vulnerabilidade social.
3. Considerações Finais
Ainda que as políticas sociais não tenham por finalidade eliminar definitivamente as ex-
pressões da “questão social”, o que somente é possível com a superação da própria ordem 109
burguesa, elas adquirem valor precioso na cena contemporânea quando consideramos que
“a nossa história se constituiu desde os primeiros tempos sobre uma base social hierarqui-
zada, excludente e discriminatória” (SIMÕES, 2010, p. 21).
Lócus privilegiado do trabalho do/a assistente social, as políticas sociais não estão
isentas de contradições e tensões, pelo contrário, são alvos permanentes de disputas
entre projetos hegemônicos divergentes.
Potyara Pereira (2001, p. 57) faz uma provocação necessária quando afirma que para muitos/
as assistentes sociais, a “questão social” não está clara. Compreende-se como fundamen-
tal que o/a assistente social saiba apreender o significado da “questão social” e das suas
manifestações em seu campo de trabalho, entendendo as políticas sociais como formas de
resistência ao avanço dos interesses da classe dominante sobre a classe trabalhadora. Cada
direito social conquistado implica num limite posto ao avanço desenfreado do capital, assim
como nos ensina Marilda Iamamoto (2009, p. 16): “a luta pela afirmação dos direitos é hoje
também uma luta contra o capital”.
A partir desta tese, percebemos os direitos sociais como instrumentos que viabilizam condi-
ções mínimas de existência para a classe trabalhadora, pois é justamente sobre esta classe
que recaem as vivências de risco e vulnerabilidade social. Consolidar direitos sociais como o
Estatuto da Criança e do Adolescente e os Sistemas únicos de Saúde e de Assistência Social
ainda constituem grande desafio para o Estado brasileiro e seu corpo profissional.
Considera-se pertinente lançar luzes para as armadilhas postas pela imediaticidade, que
oculta os nexos entre a “questão social” e as demandas institucionais, ressignificando o fa-
zer profissional a partir do distanciamento da direção social articulada pelo Código de Ética
Profissional, pela lei de regulamentação da profissão de Assistente Social e pelas Diretrizes
Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS.
Este trabalho não visa desqualificar as medidas de proteção em si, que são avanços
na política de atendimento à infância e juventude, mas chamar a atenção para sua
aplicação, no intuito de alertar sobre as violações de direito ocultas nos discursos que
envolvem risco, vulnerabilidade e proteção social.
110
4. Referências
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a Atuação do Serviço Social Frente à “questão social”. Curso Serviço Social ULBRA, 2012.
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SILVA, Ângela Maria Pereira. A Inserção do Objeto Institucional e do Serviço Social. Texto
disponibilizado na disciplina Estágio II, Curso Serviço Social EAD, ULBRA, 2012.
A decisão pelo acolhimento infantil pode ocorrer por diversas causas, como maus tratos,
negligência, abuso sexual por familiares ou estranhos, dependência química e alcoólica
dos genitores ou responsáveis, abandono, prisão ou morte dos pais, entre outros motivos.
Assim, crianças que estejam acolhidas, estão, provisoriamente, sob a tutela do Estado,
sendo este o responsável pelo seu cuidado, até que seja encontrada nova alternativa que
poderá ser a reintegração familiar ou a adoção.
A vivência da criança que é institucionalizada em uma casa abrigo normalmente envolve, além
do afastamento de sua família e de sua casa, o afastamento de tudo o que lhe era conhecido:
brinquedos, comidas, aromas, hábitos, contato com vizinhos e comunidade, escola, colegas,
lugares conhecidos que frequentava. Trata-se, portanto, de uma experiência de múltiplos rom-
pimentos, que requer a elaboração de múltiplos lutos. (FRANCO; TINOCO, 2011, p.429)
Através da contribuição das autoras, percebe-se o quanto pode ser doloroso e angustiante
para uma criança estar acolhida, gerando a necessidade de elaboração e recuperação das 114
diversas perdas e de rupturas emocionais sofridas.
A partir dessa busca por proteção dentro das instituições de acolhimento que crianças
constroem vínculos de afeto e carinho junto aos seus cuidadores mais próximos. Tal com-
portamento pode ser compreendido à luz da Teoria do Apego, formulado por John Bowlby,
que buscou entender como se constroem os vínculos entre mãe-bebê e a influência dessa
relação na compreensão da personalidade. Sendo assim, observou que, desde o nascimento,
a criança necessita do apoio de seu cuidador para a sobrevivência, ao longo de seu desen-
volvimento. A partir do olhar do seu cuidador, ela conhecerá a realidade externa, através de
comportamentos exploratórios. Porém, ao sinal de perigo, o sistema comportamental de
apego que busca pela proximidade, é então, ativado, fazendo com que a criança procure seu
cuidador para que a proteja (BARSTAD, 2013, p. 9).
Assim é formada uma base segura, como denomina Bowlby (1969/1993), e a criança sente-se
livre para explorar, aprender, desenvolver-se e manejar a ansiedade, contando que pode voltar
para o cuidador diante de algum perigo ou ameaça. (FRANCO; TINOCO, 2011, p.428).
Diante de tais estudos sobre a importância do apego e do cuidado para com a criança, torna-
se compreensível que a ausência ou a fragilidade dessa relação afetuosa, poderá ocasionar
diversos prejuízos em seu desenvolvimento biopsicossocial. Segundo Barros e Fiamenghi
Jr (2007), o cuidador é o mediador de muitos comportamentos que a criança desenvolverá,
regulando sua atenção, curiosidade, cognição, linguagem, emoções, entre outros.
A partir do tema proposto, pretende-se como objetivo deste artigo identificar os fatores de
risco e de proteção na relação cuidador e crianças institucionalizadas que facilitariam e os
que impossibilitariam o processo de elaboração de perdas e de adaptação da criança à nova
realidade institucional. Além da possibilidade de proporcionar maior aprofundamento e com-
preensão da temática formação de vínculos nas instituições de acolhimento infantil.
O método escolhido para a coleta de dados foi o levantamento bibliográfico. Assim foram
A base de dados utilizada para o levantamento bibliográfico foi o SCIELO2. Após o levanta-
mento das obras existentes nessa base a partir das palavras chave, foram descartadas aque-
las que fugiam ao âmbito definido para este artigo. Os materiais selecionados foram objeto 115
de leitura e fichamento, sendo destacadas as principais contribuições encontradas segundo
o interesse deste artigo, articulando-as de modo a contextualizar e justificar sua realização,
além de subsidiar a posterior análise de dados.
Como marco histórico, destaca-se o ano de 1874, quando ocorreu um fato que ganhou
grande publicidade na mídia nova-iorquina e que representou o início das lutas em prol do
Direito da Infância e Juventude. O caso retratou uma menina de 9 anos, Mary Ellen, que foi
submetida a severos maus tratos por seus pais. Como não havia legislação na época que
pudesse protegê-la, o promotor do caso invocou a condição da criança pertencente ao reino
animal, devendo seus responsáveis zelar pelo seu bem-estar, assim como era previsto em
relação aos animais, e defendido pela Sociedade de Prevenção à Crueldade aos Animais de
Nova York. Através dessa justificativa do promotor que Mary Ellen conseguiu ser retirada da
companhia de seus pais adotivos colocada em uma instituição de acolhimento do Estado.
Foi a partir desse caso que surgiu a primeira organização no mundo dedicada a combater
maus-tratos na infância, Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Crianças de Nova York
(New York Society for the Prevention of Cruelty to Children) (LIBERATI, 2003, p. 36).
Diante desse caso, foi possível perceber que eram negados às crianças e adolescentes direi-
tos fundamentais, sendo possível afirmar que os direitos da infância e da adolescência foram
sendo conquistados a partir de situações como essa, que causavam sofrimento, dor, doença
A primeira norma legal brasileira surgiu em 1927, com o Decreto nº 17.943-A, conhecido
como “Código Mello Mattos”, que prevaleceu até 1979. Este Código de 1927 estava direcio-
nado para o menor abandonado ou delinquente, aquele que causa a desordem, geralmente
pobre, sujo e mal vestido, que precisa ser punido com o encarceramento, ainda que separa-
damente dos adultos (LIBERATI, 2003, p. 41).
Um novo Código de Menores foi promulgado em 1979 (Lei 6.697/79), direcionado ao menor
em situação irregular, expressão que substituiu as expressões: menor abandonado, delin-
quente, infrator, transviado, desvalido, exposto, centralizando todas as decisões na figura do
juiz da infância, mantendo a visão conservadora, higienista e punitiva (LIBERATI, 2003, p. 42).
Castel (1998) em seus estudos sobre as questões sociais nos aponta a existência, na socieda-
de pré-industrial, de formas de relacionamento comunitário definido como “societal”, no qual
a proteção era produzida pelas relações presentes na família e na convivência com vizinhos e
amigos, expressa na “proteção por proximidade”. Ou seja, uma “sociedade sem social” (AYRES;
CARDOSO; PEREIRA, 2009, p. 128).
Assim em uma “sociedade sem social”, a socialização da criança que antes era realizada
fora do seio familiar foi sendo reduzida aos limites das residências das famílias burguesas.
Portanto, com a vigência dessa nova forma de configuração familiar, o encargo de educação
e socialização passou a ser da família, principalmente, e da escola.
Contudo, escola e família não conseguiram sucesso para a plena sociabilização das crianças e
adolescentes, passando a haver um grande contingente de abandonados ou infratores, quando
da emergência de casas filantrópicas e assistencialistas, como ocorreu no Brasil no início do
período Republicano. (MARTINS, 2004, p.65).
Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, ex-
cepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em
ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (BRASIL,
Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990, 1990).
Nesse sentido, entende-se que deve ser assegurado o direito de crianças e adolescentes ser
educados dentro de um seio familiar e que, ainda, as instituições de acolhimento possuem a
função de zelar e proteger a criança e o adolescente por tempo determinado, devendo essas,
dentro de um curto espaço de tempo, reivindicar a volta das crianças e adolescentes às suas
118
3. A Formação de Vínculos na Relação Criança Intitucio-
nalizada e Cuidador
O tempo de institucionalização de uma criança ou adolescente deve ser restrito, não devendo
ultrapassar os dois anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior inte-
resse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. E ainda, toda criança e ado-
lescente terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada seis meses, devendo a autoridade
judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe multidisciplinar, decidir
de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família
substituta (BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990, 1990).
A Teoria do Apego, formulada por John Bowlby, alcançou lugar de destaque na compreensão
da formação e do rompimento dos vínculos afetivos. Conforme o autor, a qualidade do relacio-
namento da criança com seus cuidadores, assim como as experiências de separação e perda
dessas relações, teriam interferência nos seus relacionamentos futuros (Bowlby, 1969/1993;
1993a; 1993b). (FRANCO; TINOCO, 2011, p.428).
119
A função da figura de apego é essencial para o saudável desenvolvimento emocional infan-
til. A criança desenvolve o comportamento de apego à figura com quem mantém proximida-
de, comumente, a mãe ou seu substituto, buscando fonte de confiança e proteção. Portan-
to, será para a figura de apego que a criança irá se dirigir, quando precisar de proteção e
suporte, servindo para a mesma como porto seguro ou base segura (BARSTAD, 2013, p.17).
Quanto ao conceito de base segura, formulado por Bowlby (1969), pode ser entendido
quando o cuidador está presente e próximo da criança, interagindo com ela, o compor-
tamento de apego é desativado, o que permite com que a criança explore o ambiente à
sua volta. Sendo assim, o cuidador faz o papel de base segura, de onde a criança pode
explorar o ambiente, mas também para onde ela pode voltar quando se sentir cansada ou
com medo (BARSTAD, 2013, p.17).
A natureza dos laços emocionais construídos desde os primeiros tempos de vida assume es-
pecial relevância ao longo do desenvolvimento psicológico da criança. Numa perspectiva da
teoria evolucionista da vinculação, a criança está dotada desde cedo de um sistema capaz de
diversificar os seus comportamentos com o fim de manter a proximidade da figura de vincula-
ção e garantir a sua sobrevivência. (BOWLBY, 1969 apud MATOS; MOTA, 2008, p.369)
Dessa forma, a simples ausência da mãe ou de figuras familiares para a criança em situa-
ções de acolhimento institucional, não implica, necessariamente, o desencadeamento de
reações comportamentais patológicas e/ou de sentimentos negativos, desde que esteja
presente e estabelecido o vínculo afetivo com a figura cuidadora e que estará predisposta
para acarinhar e proteger a criança sempre que esta necessitar.
É notório que a separação vivida por uma criança que foi acolhida independente do motivo é
uma situação que envolve diversas perdas físicas e emocionais, além de perda de vínculos
com pessoas e com sua família de origem. Sendo necessário que a criança passe por um
processo de adaptação física e emocional, buscando novos significados para sua atual con-
dição. Portanto, é através da capacidade de formação de vínculos de qualidade que a criança
acolhida atuará ativamente dentro do processo de adaptação e de reestruturação emocional,
dando continuidade à vida de modo satisfatório, saudável e prazeroso.
A criança deve ser entendida como um ser que precisa de cuidados especiais, necessitando
de um adulto-cuidador sempre por perto, a fim de suprir suas necessidades básicas. Porém
ela necessita para além dos cuidados de alimentação e higiene, mas sim, de contato afetivo
contínuo advindo de uma figura constante, podendo ser a própria mãe ou um cuidador substi-
tuto competente, com a qual estabelecerá relações de apego que vêm assegurar e favorecer
seu desenvolvimento biopsicoafetivo. Entende-se por cuidador competente, o indivíduo
capaz de entender e decifrar os sinais que a criança emite para então atendê-la nas suas
necessidades desenvolvimentais. (BÖEING; CREPALDI, 2004, p.214).
Nesse sentido, é possível compreender que existam fatores de proteção e fatores de risco pre-
sentes na relação criança-cuidador que podem favorecer ou desfavorecer o contínuo e adequado
desenvolvimento psicoemocional da criança institucionalizada. Assim, a vivência de uma relação
calorosa, íntima e contínua com a mãe ou o seu cuidador mostra-se essencial à saúde mental
das crianças acolhidas. Ao passo que, a ausência ou a falta dessa relação afetiva entre criança-
cuidador poderá acarretar sérios impactos no desenvolvimento psicoafetivo dos infantes.
A privação quase que total, observada, por vezes, em instituições de abrigos, creches, hospitais,
aumenta a severidade dos danos no desenvolvimento psicoafetivo, denominada “hospitalismo”;
sendo que a privação total, por sua vez, pode aniquilar a capacidade da criança de estabelecer
relações futuras com outras pessoas. (BÖEING; CREPALDI, 2004, p.213).
Dessa forma, crianças que são acolhidas e não tem a possibilidade de estar em um ambiente
institucional capaz de lhe proporcionar o desenvolvimento de vínculos de afeto por meio de
interações próximas e previsíveis, uma vez que essas interações acontecem na maior parte
do tempo de forma superficial e apressadamente, é possível ser constatado que o ambiente
não respondeu de forma constante e sensível às manifestações e necessidades da criança
acolhida (BARROS; FIAMENGHI JR, 2007, p. 1.267).
Tal problemática configura-se, portanto, como um grande fator de risco existente na relação 121
O abuso de poder e o uso de palavrões por cuidadores infantis é um fator de risco passível de
ser encontrado com frequência dentro das instituições de acolhimento. Além de uma atmosfe-
ra de repreensão e autoritarismo com atitudes hostis e ameaçadores fazem parte do cotidiano
de crianças acolhidas. Portanto, elogios e gestos de ternura tornam-se raros e escassos,
dando lugar a palavras destrutivas e de ameaças (BARROS; FIAMENGHI JR, 2007, p. 1.267).
Os impactos dessa relação conflituosa e autoritária poderá ser sentido pelas crianças atra-
vés da não vinculação destas com seus cuidadores, que deveriam cumprir com a função de
figura de apego e suprir a necessidade infantil de se vincular a alguém, na ausência da mãe,
deste que este seja capaz de fornecer uma base segura para que a criança possa se desen-
volver (BARROS; FIAMENGHI JR, 2007, p. 1.268).
Portanto a construção de vínculos de afeto e de carinho entre a criança e seu cuidador, é es-
sencial para a manutenção da saúde mental da criança acolhida, embora seja necessário que
o cuidador esteja acessível, atento, capaz de identificar as necessidades da criança, permitir
a dependência e esteja apto a prover as necessidades de proteção e cuidado prontamente,
A baixa proporção entre adultos cuidadores e crianças acolhidas constitui-se como fator
de proteção na medida em que a instituição de acolhimento terá profissionais em quanti-
dade suficiente para atender as demandas de trabalho e de cuidados para com as crianças,
dispensando às mesmas, maior tempo de contato e melhor qualidade na relação afetiva
entre ambos. Assim, é importante estabelecer uma forte e constante vinculação afetiva
com a criança, a fim de lhe proporcionar um saudável desenvolvimento físico, psíquico e
social (BARROS; FIAMENGHI JR, 2007, p. 1.269). 122
A capacidade de resiliência pode ser desenvolvida por muitas crianças que viveram situ-
ações de estresse, risco, negligência ou violência em seu cotidiano, o que pode levá-las a
apresentar distúrbios emocionais e problemas de conduta, porém nem todas apresentam
estes comportamentos. Pelo contrário, algumas delas conseguem adaptar-se e superar
essas situações traumáticas, demonstrando, entre outras habilidades, competência social
e resiliência para se sair bem frente a fatores potencialmente estressores do ambiente
(BARROS; FIAMENGHI JR, 2007, p. 1.269).
5. Considerações Finais
A partir da minha prática profissional dentro da Vara da Infância e Juventude, percebe-se que
pais e famílias contemporâneos não estão conseguindo assumir a responsabilidade e o de-
ver de guarda, sustento e educação de seus filhos, conforme preconiza o Estatuto da Criança
e do Adolescente. Passando assim, a total responsabilidade de cuidar de seus filhos para o
Estado, quando esta deveria ser compartilhada.
Dessa forma, o acolhimento institucional se tornou alternativa única, diante da incapaci-
dade e impossibilidade das famílias em não conseguirem assumir de fato a socialização
e educação dos filhos menores. No entanto, como consequência tem se percebido, a cada
dia, o aumento do número de crianças acolhidas institucionalmente e a elevação do tempo
de acolhimento das mesmas, devido a diversos fatores institucionais e entraves processu-
ais que ainda precisam ser superados.
Tal situação traz bastante preocupação que nos convida a refletir sobre como o cuidado
e as relações socioafetivas entre crianças e seus cuidadores estão sendo estabelecidas
em um ambiente institucional que deveria ser provisório e que passa a ser, agora, a única
opção por um longo tempo.
Sendo assim, ao longo desse artigo, buscou-se trazer maior compreensão sobre a importân-
cia da formação de vínculos na relação cuidador e criança institucionalizada para o processo
de elaboração de perdas e de adaptação da criança à nova realidade institucional. Além de
destacar os principais fatores de risco e de proteção presentes nessa relação para o desen-
volvimento psicoemocional de crianças acolhidas.
Como ponto de convergência dos estudos apresentados pelas autoras (FRANCO; TINOCO,
2011; MATOS; MOTA, 2008), conclui-se que a construção de vínculos de afeto e de carinho
de qualidade entre a criança acolhida e seu cuidador, se torna essencial para a saúde men-
A luz da Teoria do Apego, formulada por Bowlby (1969/1993 apud FRANCO; TINOCO, 2011),
é possível ser compreendido a importância e o papel do cuidador para as crianças acolhi-
das, representando para as mesmas, figuras de apego que exercem a função de suprir suas
necessidades de proteção e segurança em um ambiente desconhecido, além de servir como
porto seguro ou base segura para os infantes acolhidos (BARSTAD, 2013, p.17).
123
Dessa forma, entende-se que a relação cuidador e criança acolhida deva ser saudável, tranquila
e formadora de vínculos afetivos, visto os impactos negativos que podem ser ocasionados na
saúde mental da criança, caso ela seja privada de contínuo e bons contatos com seu cuidador.
Conforme os autores referenciados (BARROS; FIAMENGHI JR, 2007) pode-se afirmar que é de
extrema importância que a criança acolhida tenha a possibilidade de estar em um ambiente
institucional capaz de lhe proporcionar o desenvolvimento de vínculos de afeto por meio de
interações próximas e previsíveis entre ela e seus cuidadores, contribuindo para o seu ade-
quado desenvolvimento psicoemocional e adaptação ao ambiente institucional.
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Acesso em: 27 abr. 2014.
Ana Paula Hachich de Souza1, Edna Fernandes da Rocha2 e Thais Felipe Silva
dos Santos3
1 Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, especialista em Psicologia Clínica
e Psicologia Jurídica. anahachich@gmail.com – tel. (13) 99116-2445.
2 Assistente Social Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Doutora e Mestre em
Serviço Social pela PUCSP; Especialista em Serviço Social Hospitalar pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. social.ednarocha@gmail.com – tel. (11) 991034688
3 Assistente Social Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Especialista em Saúde
Coletiva e Saúde da Família pela Universidade Cruzeiro do Sul. thaislipe@gmail.com – tel. (11) 963954226.
1. Introdução
Muitas alterações aconteceram ao longo das últimas décadas no que diz respeito à legisla-
ção pertinente à infância e adolescência.
Conforme pode ser verificado de forma central em Arièse também em Rizzini e Del Priore,
entre outros autores importantes, as concepções de infância foram inúmeras durante a
história da humanidade, passando desde serem tratados como miniadultos a objetos de
intervenção por parte do Estado e da Igreja.
Partimos do pressuposto de que, desde o fim do século XX, mudanças positivas ocorreram,
inicialmente com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, e, então, com a conquista
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ambos resultantes de muitas lutas.
O artigo foi construído a partir da análise das fontes documentais que abordam o
Anteprojeto de Lei que propõe alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente,
notadamente fontes legislativas, as quais foram apreciadas com base na metodologia de
análise de conteúdo, com foco em categorias relacionadas à problematização do tema.
As contumazes leituras e a atuação técnica como nos processos judiciais que tem por
natureza a destituição do poder familiar e a adoção, alterações que suscitaram indaga-
ções e serviram de alicerce paraelaboração do presente artigo, pois conforme Baptista,
“é com a incidência do saber produzido sobre a sua prática [que] o saber crítico aponta
para o fazer crítico” (BAPTISTA, 1995, p.89).
Como já exposto, traz o Anteprojeto várias propostas que necessitam ser analisadas sob a
ótica da garantia de direitos das crianças e adolescentes e suas famílias.
Do ponto de vista da Psicologia, diversas são as preocupações no que se refere a uma
possível revitimização de pessoas já violentadas pela ausência de políticas públicas,
inclusive de forma transgeracional, visto que não se consegue romper o ciclo de vulne-
rabilidade instituído pelas diferenças sociais.
Ainda como fundamento de uma prática garantidora de direitos, podemos apontar o Prin-
cípio I: “O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da
dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que emba-
sam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.” (CEPP, 2005).Igualmente importante é
o princípio seguinte (Princípio Fundamental II – CEPP, 2005), que indica que o exercício da
Psicologia deve estar comprometido com “a eliminação de formas de negligência, discri-
minação, exploração, violência, crueldade e opressão” (CEPP, 2005).
Tais condições para a atuação ética estão diretamente relacionadas ao princípio citado
anteriormente, visto que é preciso que o profissional, a fim de promover a liberdade, a dig-
Nesse sentido, o estudo crítico das alterações propostas para aligeiramento da ado-
ção aponta que as famílias que perdem seus filhos são tratadas de forma apartada da
sociedade em que vivemos e que os avanços conquistados com o Estatuto da Criança e
do Adolescente para crianças e adolescentes, que são vistos como sujeitos de direitos e
em condição peculiar do desenvolvimento, estão ameaçados.
Esse rebatimento das expressões da questão social também ocorre na atuação profissio-
nal da equipe técnica na medida em que precariza os estudos realizados por assistentes
sociais e psicólogos para acelerar os processos de adoção.
Por fim, consideramos que o Serviço Social tem uma participação ativa na luta pela
garantia de direitos e na proteção de criança e adolescentes e nas palavras de Barroco
(2011),
Os apontamentos acima se fazem importantes porque, a nosso ver, é com esta base que
devemos filtrar a leitura deste Anteprojeto e o que traz em suas entrelinhas, tornando-se
fundamental questionar quais respostas estão sendo propostase a quem atendem.
A fim de podermos proceder a uma análise mais apurada, optamos por selecionar
alguns artigos que consideramos estar diretamente relacionados ao intento de acelerar
os processos de adoção, já apontando as possíveis complicações e implicações éticas 129
O artigo atual, por sua vez, dispõe que o prazo para acompanhamento do estágio de
convivência, o qual deverá ser feito pelas equipes técnicas, deve ser fixado pelo juiz,
com atenção às peculiaridades de cada caso. Torna-se necessário o questionamento
das motivações desta limitação do tempo para todos os casos e, ainda, os aponta-
mentos dos prejuízos que tal condição pode causar. Do ponto de vista psicológico e
social, não há como instituir prazo máximo, visto que, muitas vezes, o passar do tem-
po é necessário para que sejam feitas intervenções técnicas que possibilitarão a per-
manência da criança naquela nova família. A limitação de tempo da atuação técnica
com relação à inserção daquela criança em uma família pode, por exemplo, provocar a
interrupção do processo adotivo e a consequente devolução da criança e/ou adoles-
cente, caso a família não se sinta, ainda, segura e preparada, mas seja pressionada a
declarar um posicionamento definitivo.
A nova interação decorrente da colocação em família substituta é fonte de diversos senti-
mentos, que podem sercontraditórios, a princípio, e que necessitam da leitura atenta da Psi-
cologia e do Serviço Social. Provoca mudanças na rotina do casal, na relação conjugal (caso
exista), bem como pode fazer ressurgir o sofrimento por uma possível infertilidade. Enfim,
são inúmeras as situações que, caso não tenham o acompanhamento adequado, pelo tempo
necessário, podem colocar em risco o processo adotivo e ocasionar prejuízos ao desenvolvi-
mento emocional e social da criança e/ou adolescente.
Já a proposta atualcontida no § 5.º do mesmo artigo indica que, nas adoções internacio-
nais, o estágio de convivência aconteça de 15 a 45 dias, sendo tal prazo máximo impror-
rogável, devendo ser apresentado posicionamento técnico com relação ao deferimento da
adoção ao fim deste período.
De forma diversa da adoção por família brasileira, quando, via de regra, há uma aproximação
gradativa entre os pretendentes e a criança e/ou adolescente, na adoção internacional, a
partir da chegada da família adotiva no Brasil, a convivência é imediata. Na maior parte dos
casos, são exíguas, devido ao curto lapso temporal, as intervenções e orientações técnicas 130
para a construção de relações que poderão se tornar definitivas.
Entendemos que outros problemas podem decorrer da restrição do prazo para o estágio
de convivência. Ansiosa por concretizar seu desejo, a família pode decidir, ainda que não
se sinta pronta, por concretizar a adoção internacional; no entanto, caso a convivência não
dê certo, a criança e/ou adolescente já não terá mais a nacionalidade brasileira e terá de
permanecer acolhida em um país estrangeiro, sem nenhuma referência conhecida. Por outro
lado, não havendo tempo suficiente para as intervenções com relação às possíveis dificulda-
des que comumente surgem nessas colocações, sentindo-se pressionada a decidir, a família
pode optar por interromper o processo adotivo, com prejuízos para todos os envolvidos.
A quais interesses estão relacionados essa decisão? Como já exposto, a mudança da criança
e/ou adolescente para outro país envolve muitos aspectos e sentimentos. Muitos não apre-
sentam disponibilidade emocional e/ou recursos internos para enfrentar tal situação sem
um intenso sofrimento. Outros, ainda, necessitam de um tempo maior de elaboração do luto
pela perda dos pais, de elaboração dossentimentos decorrentes das diversas situações que
a criança/adolescente pode ter vivenciado, como abandono, rejeição, violência, entre outras.
Parece-nos, portanto, que tal sugestão tem como fundamento atender a interesses terceiros
que não o bem-estar da infância e juventude.
O artigo 92, por sua vez, atualmente dispõe que as entidades de acolhimento devem ter como
um dos princípios de sua atuação a integração em família substituta quando esgotados os
recursos de manutenção na família natural ou extensa (inciso II). Caso o ANTEPROJETO seja
aprovado, tal inciso terá um acréscimo: “integração em família substituta ou adotiva, quando
esgotados os recursosde manutenção na família natural ou extensa, desde que presente o
vínculocomprovado de afinidade e afetividade [...]”.Parece-nos que tal alteração pode vir a
ser utilizada de forma a favorecer as adoções diretas e intuitu personae, situação bastante
Vários questionamentos decorrem desta proposta. O apontamento inicial diz respeito 131
ao preconizado no Estatuto, na seção sobre os serviços auxiliares, quanto à previsão de
recursos, pelo Poder Judiciário, para o funcionamento de equipes técnicas para assessorar
a Justiça da Infância e Juventude, tendo, entre suas competências, o desenvolvimento de
trabalhos de prevenção (artigos 150 e 151).
Outro questionamento que deve ser feito diante de tal proposta é sobre as condições de trabalho
dos servidores judiciários de forma geral, mas, especialmente, das equipes técnicas. Se a
própria legislação dispõe a obrigatoriedade de recursos para a manutenção de tais profissionais,
por que alterar o Estatuto já contando com a possibilidade de tal ausência em vez de adicionar,
por exemplo, um artigo e/ou parágrafo que responsabilize o Poder Judiciário por tal condição?
A nosso ver, é temerária a precarização trabalhista que se almeja inserir, pois entendemos a atu-
ação dos setores psicossociaiscomo fundamental para a garantia de direitos das crianças, ado-
lescentes e suas famílias, bem como que os profissionais que venham a lidar com os casos de
Destituição do Poder Familiar estejam familiarizados com os meandros e demandas referentes a
tais situações e com as peculiaridades do trabalho técnico desenvolvido na área sociojurídica.
Já o Código de Ética do Assistente Social traz seu bojo permeado pela liberdade e
justiça social como valores centrais, e ainda preceitua em seu artigo 7º, alínea “a” que o
profissional deve “dispor de condições de trabalho condignas, seja em entidade pública
ou privada, de forma a garantir a qualidade do exercício profissional” (Código de Ética do
Assistente Social, 2012, p. 31).
Outra questão a ser considerada é a possibilidade de que tais avaliações sejam feitas por
profissionais de nível superior preferencialmente na área especifica, deixando em aberto a pos-
Nossa experiência prática tem demonstrado que o trabalho por parte das equipes técnicas
e, sobretudo, por parte das instituições acolhedoras no sentido de promover a convivência
familiar e comunitária das crianças de adolescentes, envolve tanto a clareza sobre a sua
posição no Sistema de Garantia de Direitos como a constante capacitação profissional.
O atual contexto sociopolítico e econômico, que cada vez mais tem afetado as condições 132
de vida das pessoas, sem o devido entendimento crítico e compromisso pode, facilmente,
perceber como “inovação” propostas que, inclusive, vão na contramão dos projetos ético-
-políticos de ambas as profissões.
Práticas imediatistas, pautadas no “aqui-agora” (COELHO, 2013) e que buscam atender apenas às
demandas institucionais e à legislação, não viabilizam o acesso a direitos garantidos constitucio-
nalmente, podendo, ao contrário, se distanciar destes. Em nossa avaliação entendemos que as
modificações propostas no Estatuto da Criança e do Adolescente privilegiam essa imediaticidade.
Com isso, estamos demarcando algumas reflexões para contribuir no debate de um tema que
requer o aprofundamento por parte dos profissionais.
Nesse sentido, pontuamos que é por meio da perícia social que o assistente social se
posiciona sobre determinada situação. Fávero (2010, p. 44), nos diz que “a pericia social é
o estudo social realizado com base nos fundamentos teórico-metodológico, ético-politico e
técnico-operativo, próprios do Serviço Social, com finalidades reservadas a julgamentos”.Isto
porque o seu resultado – laudo social – irá subsidiar uma decisão ou sentença judicial.
De acordo com Coelho (2011, p.28) “a verdade está em sua prática cotidiana porque dela
advém o saber imediato, relativo ao seu fazer profissional”.
Consideramos, portanto, como fundamental, que o Poder Judiciário assegure, em seu qua-
dro de profissionais, equipes técnicas capacitadas que contem com condições de trabalho
adequadas, a fim de atuar com qualidade em situações que podem provocar profundas
mudanças nas vidas das pessoas atendidas.
4. Considerações
Pensar em situações que envolvem tanto a destituição do poder familiar como a acelera-
ção dos processos de adoção, com base nas propostas do chamadoAnteprojeto da adoção
remonta à necessidade urgente de um debate aprofundado, seja pelos atores envolvidos
nas políticas públicas, incluindo-se aí as equipes técnicas do judiciário, seja pela participa-
ção da sociedade civil, por meio de seus representantes.
O não acesso por parte destas famílias aos direitos fundamentais e previstos na Cons-
tituição federal de 1988, como saúde, trabalho, educação, transporte, entre outros, não
pode ser o “trampolim” para que as crianças sejam destituídas do poder familiar, cumulado
com os processos de adoções aceleradas, sem o devido acompanhamento por parte das
equipes técnicas, sob o risco de, alegando ofertar proteção, revitimizá-los.
A adoção, como bem apontamos, não deve estar alinhada com benefíciosaos adotantes,
mas, sobretudo, a atender ao superior interesse das crianças e adolescentes.
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8.662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. Revisada e atualizada. Brasília: [s.n.],
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HELLER, A. O cotidiano e a história. Tradução: Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. São
Paulo: Paz e Terra, 2008.
LIVRAMENTO, A. M.; BRASIL, J. A.; CHARPINEL, C. P.; ROSA, E. M. (2012). A produção de famí-
lias negligentes: Analisando processos de destituição do poder familiar.
136
GLOSSÁRIO DA INTERNAÇÃO:
VIOLÊNCIA COMO LINGUAGEM.
O presente trabalho visa analisar como tem se dado, nos espaços destinados
à internação de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de
privação de liberdade, a relação desse recorte da juventude com a linguagem,
com o poder e com a violência nesses espaços. Destaca-se os desafios das ins-
tituições totais dessa natureza na superação da violência como linguagem, vio-
lência essa que se perpetua incólume ao longo do tempo.
1. Introdução
O objetivo do presente trabalho é pensar em como, por meio de uma análise sociolinguística,
ainda que incipiente, pode-se interferir ou modificar as institucionalidades que consideramos
problemáticas e se repensar as práticas nesses espaços.
Poucos estudos nessa área, como demonstra nosso restrito referencial bibliográfico, denun-
ciam que a naturalização de uma linguagem diferenciada é algo há muito “aceito” pelos diri-
gentes e demais operadores que convivem nesses espaços. Ao mesmo tempo, a manutenção
das expressões herméticas aos “de fora” confere uma identificação por parte dos sujeitos
que compartilham desse idioma codificado.
1 Graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2010). Mestre em Serviço Social
pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). Atualmente é Assistente Social do
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. E-mail: joseanedoa@hotmail.com. Telefone: (27) 981486368.
A metodologia consiste na escolha de algumas expressões consideradas significativas, já
que o vasto material disponibilizado pelos internos poderia render-nos uma extensa análi-
se, o que fugiria das possibilidades desse artigo.
O trajeto escolhido para consecução dos objetivos desse artigo demandou um caminho que se
construiu com o resgate da história das instituições destinadas à aplicação das penas priva-
tivas de liberdade. Em seguida, abordaram-se as particularidades do corte geracional juvenil
nessa sociedade e, consequentemente, também da juventude que sobrevive nesses espaços
atualmente. Paralelamente a isso, destacou-se a análise das modificações contemporâneas da
sociedade em que vivemos com ênfase à hegemonia do capitalismo globalizado hoje e seus
ditames de mercado. Por fim, efetivou-se a análise das expressões e seus signos dentro do
contexto das instituições totais aqui analisadas concluindo-se com as indicações dos desafios
postos tanto aos trabalhadores desses espaços quanto à juventude que hoje está dentro deles.
2. Desenvolvimento
Para a análise que propomos aqui, partimos das interpretações já amplamente conhecidas
tanto de Goffman (1961) acerca dos hospitais para portadores de transtornos mentais,
quanto de Foucault (1987) sobre as prisões.
Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um
grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais am-
pla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada.
(GOFFMAN, 1961, p.11) 138
A prisão deve ser um aparelho disciplinar exaustivo. Em vários sentidos: deve tomar a seu cargo
todos os aspectos do indivíduo, seu treinamento físico, sua aptidão para o trabalho, seu com-
portamento cotidiano, sua atitude moral, suas disposições; a prisão, muito mais que a escola,
a oficina ou o exército, que implicam sempre numa certa especialização, é “onidisciplinar”.
(FOUCAULT, 1987, p. 264)
Numa interlocução com esses autores percebemos como esses espaços, no passar dos séculos,
pouco se reinventaram. É como se sobrevivessem, estanques, reproduzidos como instrumentos de
controle aparentemente perenes e descolados das mudanças mais amplas ocorridas na sociedade.
Debruçar-se sobre aspectos mais singulares da dinâmica desses espaços pode ser, nesse
sentido, tentar compreender como a comprovada ineficácia do encarceramento na busca
de seus objetivos declarados pode ser permanentemente olvidada em prol de sua utilização
como instrumento de segregação socioespacial.
Se há um consenso nas pesquisas sobre o tema este reside justamente na constatação da
ineficácia desse sistema. Um sistema que, desde sua criação, pode ser considerado incapaz
de cumprir as metas que se impõe e que anacronicamente se arrasta na modernidade.
Num breve resgate histórico, sabemos que antes do século XVI havia uma aplicação massiva
de sentenças de morte, execução, banimento, mutilação, marcação a ferro e açoite, de modo
a exterminar uma gama de “transgressores”. Contudo, no final daquele século, começam a
ocorrer mudanças graduais nas estratégias de punição que iam ao encontro da monetariza-
ção da sociedade com a instauração das fianças, por exemplo.
Mais tarde, passou-se à utilização da mão de obra dos presos em tarefas relacionadas à
produção de mercadorias manufaturadas e, posteriormente, às industrializadas.
A possibilidade de explorar a força de trabalho dos prisioneiros passou a receber mais aten-
ção, principalmente com a enorme demanda de homens para as galés, exército, deportação e
trabalhos penosos. Essas mudanças não resultaram de considerações humanitárias, mas de
um certo desenvolvimento econômico que revelava o valor potencial de uma massa de material
humano completamente à disposição das autoridades. (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2008, p. 43)
Os alijados das possibilidades do consumo não podem ser vistos, nessa lógica, como
cidadãos. Suas possibilidades restritas de participação na vida pública - convertida em
consumir mercadorias, serviços, lazer etc - inferioriza os sujeitos e marginaliza os grupos
que não acessam esse mercado.
A nova dinâmica do modo de produção em que vivemos glorifica o liberalismo das relações
e cultua o divino mercado, como batizado por Dufour (2008). Para a juventude, essa lupem-
proletarização é agravada, já que em todos os países do globo é ela quem sofre os maiores
impactos do excesso de força de trabalho disponível.
A questão do jovem e o trabalho também se vê rodeada por outros aspectos, entre os quais
sobressaem as dificuldades estruturais impostas por um padrão de crescimento econômico
pouco ou nada generoso na geração de oportunidades, notadamente para aquelas frações da
PEA (População Economicamente Ativa) sem nenhuma ou com escassa experiência anterior
de trabalho e, muitas vezes, com escolaridade inferior à requerida – especialmente quando
o processo de formação educacional foi interrompido sem que se tivesse completado o ciclo
escolar compatível com a respectiva faixa etária (BRANCO, 2011, p.132).
Uma passagem da condição de crianças pobres, vistas como vítimas inocentes e objeto de uma
certa comiseração social, para a de personagens agressivos, potencialmente perigosos, que de-
vem estar sob constante vigilância (CASSAB, 2001, p.9).
Esta mudança de olhar pode ser verificada nas mais diversas formas de representação que
são socialmente destinadas à estes jovens. Nos meios de comunicação, na produção aca-
dêmica e na prática cotidiana dos que trabalham com esta juventude é possível identificar
esse discurso - que transforma o jovem pobre em elemento constantemente demandante de
controle – e para o qual a única saída é a resiliência frente à sua condição marginal.
Conforme salienta Sales (2007), pode-se somar a isso a representação que cada vez mais
sedimenta a juventude pobre como metáfora da violência.
Neste sentido, a autora afirma que se “trata, portanto, de uma visibilidade perversa, seletiva e
reprodutora de discriminações históricas contra os setores mais pauperizados e insubmissos
das classes trabalhadoras urbanas” (SALES, 2007, p. 27).
É nesse ponto que opera a lógica dominante e hegemônica que hoje exacerba valores
individualistas. A existência dessa juventude que necessita de apoio social e que carece de
proteção deságua na filiação dela ao paradigma hegemônico do mercado sem os mecanis-
Resulta disso que esses jovens se filiam a essa lógica da resolutividade das questões
pelas “soluções” individuais. E é nas ruas, nas ilegalidades e na violência que estes encon-
tram os meios de existir nessa sociedade.
Com as particularidades regionais que aumentam ou reduzem essa cifra, o que está claro é
que os jovens que praticam crimes passíveis de encarceramento, e que por isso são sele-
cionados pelo sistema de justiça juvenil, representam uma parcela ínfima diante do número
absoluto de jovens que vivem no país hoje. Destacamos isso já que há ai um elemento de
escolha dessa parcela da juventude por esse modo de atuação no laço social.
O que salta aos olhos nesse contexto? O clamor pelo controle penal desses sujeitos
(redução da maioridade, aumento do tempo das penas etc) é estatisticamente despro-
porcional à gravidade do problema.
Não podemos e não devemos, certamente, reduzir a importância da tragédia que os atos praticados
e sofridos pela juventude pobre representam na nossa vida social. Eles demonstram as fraturas
e feridas históricas que ainda não tivemos capacidade de curar. Contudo, situar o problema com
exatidão tem sido uma tarefa para acadêmicos, já que a mídia e o jornalismo sensacionalista se
preocupam menos com os fatos e mais com a comercialização de seus tablóides desinformantes.
Para Catroli e Rosa (2013) a violenta desqualificação das vidas de uma parcela da juventude
brasileira – consequência da falta de perspectiva de inscrição em um laço indicador de par-
ticipação no social – provoca em alguns jovens a inversão de seu lugar: de passivos à ativos
da violência. Essa é a estratégia de subjetivação encontrada por alguns deles no contexto em
que vivemos hoje e que nos deparamos no trabalho com essa juventude.
A autora ainda afirma que nada pode ser tão perigoso para um entendimento real da questão
da violência quanto uma tradição de pensamento “organicista”, ou seja, uma interpretação do
fenômeno político-social da violência em termos biológicos.
Arendt (2016) também dá ênfase na relação entre violência e poder – em como a maior
burocratização da vida pública parece ser uma das explicações para o aumento da vio-
lência, em termos político-sociais.
Em uma burocracia plenamente desenvolvida não há ninguém a quem se possa inquirir, a quem
se possa apresentar queixas, sobre quem exercer as pressões do poder. A burocracia é a forma
na qual todas as pessoas estão privadas da liberdade política, do pode de agir; pois o domínio
de ninguém não é um não domínio, e onde todos são igualmente impotentes temos uma tirania
sem tirano. (ARENDT, 2016, p. 101)
Como afirma Sales (2007): nossa juventude pobre se posiciona em um lugar de “invisibilidade”
que é rompido grande parte das vezes apenas em momentos de crise, conflitos e violência
2 Assim, ela usa o exemplo de como a naturalização dos processos racistas opera, isto é, numa lógica que
se funda em fatos orgânicos naturais – como a cor da pele – e que é consequência lógica e racional de um sistema
ideológico explicito, não de puros preconceitos individuais.
extrema. Ainda que essa juventude pobre seja autora e vítima de sua própria chacina social, ela
raramente é noticiada quando sofre, mas sempre destacada quando pratica a violência.
Dentro das instituições totais, e aqui nos limitamos a falar da experiência com os jovens
em unidades de internação, percebemos como a linguagem e os discursos se orientam
na mesma lógica aqui descrita.
Os jovens, dentro das instituições totais, devem perder a sua individualidade, numa espécie
de “desconfiguração” pessoal que lhes permita a submissão às regras institucionais. Só a
partir dessa abertura o jovem estaria apto a sua “reconfiguração” dentro dos ditames da lei.
O internado descobre que perdeu alguns dos papéis em virtude da barreira que o separa do
mundo externo. Gera1mente, o processo de admissão também leva a outros processos de per-
da e mortificação. Muito frequentemente verificamos que a equipe dirigente emprega o que
denominamos processos de admissão: obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, ti-
rar impressões digitais, atribuir números, procurar e enumerar bens pessoais para que sejam
guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, distribuir roupas da instituição, dar
instruções quanto a regras, designar um local para o internado. (GOFFMAN, 1961, p. 25)
Os itens capazes de oferecer algum traço de pessoalidade aos internos – roupas, itens de higie-
ne - são substituído por uniformes padronizados e por itens impessoais. A correspondência é
violada, as rotinas são padronizadas e espera-se, sempre, a obediência e submissão.
Dentro das unidades de internação é corriqueiro ouvirmos dos jovens e também dos profis-
sionais a noção de que um jovem representou para outro jovem.
O significado usual do verbo representar esta relacionado às artes, já que normalmente pensa-
mos na representação de papéis no teatro ou de reproduções por meio da escultura, da pintura,
da gravura etc. O significado exigido desse verbo, no contexto da privação de liberdade, esta
relacionado à outra ideia, cara aos que se situam internados ou trabalhando nesses espaços.
Temos aqui uma disputa pelo poder que é marcada, novamente, pela violência. Os atos de
representação, nesses casos, envolvem a violência física contra funcionários dos estabeleci-
mentos ou contra outros internos, especialmente aqueles colocados em situação desfavorá-
vel dentro da dinâmica institucional, também chamados de bola.
O bola é, nessa dinâmica, aquele interno que, por alguma razão, passa a ser perseguido pelos
demais – a negativa de “representar” o grupo pode colocar um jovem nessa condição, bem
como uma delação, por exemplo – o bola é privado do convívio com os demais jovens devido
ao seu risco de morte pela ação violenta do grupo.
O atropelo significa que um grupo se uniu para agredir um interno, seja porque este desres-
peitou as normas instituídas pelo grupo de internos, seja porque alguém com mais poder
dentre os internos exigiu que os outros o fizessem. Em regra, quem agride fisicamente o faz
por determinação de outros, numa relação de submissão de uns internos sob os outros.
Assim também é caso da expressão bater chapão, que designa à ação de bater com os pés,
mãos e objetos disponíveis as portas dos alojamentos quando se necessita de alguma coisa.
A forma de manifestação das demandas pelos internos vem, novamente, acompanhada da
violência, já que conforme se verifica a linguagem que se compreende nos espaços de priva-
ção de liberdade é dominantemente violenta. Se há um indicativo de movimento de motim,
dentro da unidade, diz-se que a mesma irá virar.
Assim, poderíamos citar uma diversidade de exemplos de como a linguagem própria das
instituições totais, neste caso destinada aos jovens, indicam as relações que se estabe-
lecem dentro daquele espaço.
144
Assim, ainda que as instâncias corresponsáveis por estes espaços tenham acesso à parte
dos significados desses termos, a significação da existência destes – isto é, de uma lingua-
gem própria criptografada aos de fora– é a demonstração da incapacidade do controle total
sobre o outro. Além disso, as expressões são mutáveis, sendo constantemente substituídas
quando a sua popularização faz-se irreversível.
Os jovens internos criativamente reinventam o seu português, dando novos signos às pala-
vras, criando códigos incompreensíveis, por vezes até mesmo pelos próprios profissionais
que atuam nestes espaços.
Assim como nas ruas, os jovens adquirem visibilidade dentro da unidade quando rompem
com as regras da instituição. Adquirem identidade da mesma forma que o faziam antes da
intervenção do Estado. Precisam se reafirmar enquanto membros do grupo, precisam “repre-
sentar” e “bater chapão”. Também precisam se diferenciar dentro de um espaço destinado à
sua despersonificação e reagem à ela com os mecanismos que dispõe sendo que, mais uma
vez, se identificam com a sua vida regressa.
A existência de uma sociolinguagem própria da internação nos obriga a refletir sobre a forma
como os jovens entram, permanecem e saem desses espaços, já que por vezes as identida-
des infracionais são reforçadas pela própria identificação ao grupo.
As expressões, ainda que situadas no mesmo campo semântico dos sentidos originais
incluem um elemento desagregador às rotinas institucionais. Esses códigos de socialização,
signos do grupo, reforçam uma perspectiva violenta de relacionamento interno.
Dar ataque, na gíria dos jovens, é enfrentar o inimigo no território do inimigo. Dentro da nossa
realidade, os jovens “atacam pela língua”, ao modificá-la onde o outro, detentor do conheci-
mento formal e agente do controle, não deve alcançar.
É por meio do encontro com esses corpos marcados e com sua linguagem que chegamos à
necessidade desse artigo, já que o encontro regular com essas marcas produzem impotên-
cia, desesperança e sofrimento naqueles que se contrapõe a violência como linguagem.
Por fim, destacamos que ao compartilhar as visões de Arendt (2016) sobre a violência
buscamos desconstruir a visão de que a existência da mesma seja algo natural. Ainda que
ela seja característica do mundo animal e humano, a evolução da cultura e organização
civilizada dos homens se contrapõe à sua existência.
Da agressividade, definida como um impulso instintivo, diz-se que ela representa o mesmo
papel funcional no âmbito da natureza, que os instintos sexuais e os de nutrição no processo
vital do individuo e da espécie. [...] Segundo essa interpretação, a violência sem provocação é
‘natural’; se ela perdeu a sua rationale, basicamente, a sua função na autopreservação tornou-
se ‘irracional’, e essa é supostamente a razão pela qual os homens podem ser mais ‘bestiais’
do que os outros animais. (ARENDT, 2016)
Colocamos aqui em xeque a ideia de que a agressividade e violência seriam atributos instintu-
ais irracionais. A violência, neste sentido, não é “nem bestial, nem irracional”. A agressividade
e a violência, assim entendidas, se inscrevem no humano e no racional. Costa (1984), valendo-
se de uma leitura freudiana da questão, também a situa nos mesmos termos, já que para ele a
violência não se define puramente como desejo instintivo ou pura impulsão irracional.
Cabe aqui destacarmos o desafio enfrentado pelos profissionais que atendem esses inter-
nos. A necessidade de estabelecimento de um vínculo que possa permitir uma relação de
confiança e o estabelecimento de um trabalho de compreensão do desejo do sujeito, no
espaço da internação, é ceifada pela obrigatoriedade desses profissionais “avaliarem” o com-
portamento do interno e de elaborarem um relatório que terá a finalidade de subsidiar uma
decisão judicial sobre a permanência ou não desse jovem dentro da unidade.
Acreditamos, conforme destaca Rosa (2002), que a psicanálise, nesse sentido, poderia ser
um instrumento de criação de resistências à instrumentalização do gozo e à manipulação da
vida operada por essa sociedade de mercado.
A violência é o emprego desejado da agressividade e, neste sentido, ela pode ser racional
ou irracional, consciente ou inconsciente, voluntária ou involuntária. Isso, portanto, situa
a violência no âmbito do racional e, por isso mesmo, evita-nos animalizar suas manifesta-
ções no mundo social.
Após definir a violência como pura manifestação da agressividade, como algo, portanto, indo-
Arendt (2016) também nos conduz a um percurso de pensamento que demonstra como o
decréscimo do poder, que está relacionado à diminuição da capacidade de agir em conjunto, 146
torna-se um convite à violência. Seja da parte dos governantes, seja dos governados, aqueles
que perdem a capacidade de agir em conjunto e por consenso dificilmente resistem à tenta-
ção de substituir um poder decadente pela violência.
A autora, tomando o cuidado da diferenciação necessária entre poder e violência, nos conduz
a ideia de que o poder, sem a legitimidade, não existe, ainda que disponha da violência.
A violência sempre pode destruir o poder; do cano de uma arma emerge o comando mais
efetivo, resultando na mais perfeita e instantânea obediência. O que nunca emergirá daí
é o poder. […] O domínio pela pura violência advém de onde o poder está sendo perdido.
(ARENDT, 2016, p. 71)
Por fim, resta-nos então questionar abordagens que façam apologias da violência e destacar
a importância de impugnarmos o conflito como mecanismos de ação.
Se há violência nos espaços de privação de liberdade é possível que essa decorra das razões
já elencadas: da impotência do poder que tenta controlar sem legitimidade e da inexistência
de canais de comunicação, de politização dos conflitos e de resoluções não violentas das
questões, onde a linguagem tem que estar a serviço de uma cultura de paz.
A juventude, portanto, sai do anonimato nas instituições totais pela sua inventividade, mas se
mostra incapaz, ainda, de reconhecer que precisa encontrar caminhos que resultem em sua
liberdade e, não mais, na sua própria chacina.
Referências
ARENDT, Hannah. Sobre a violência. 6ª Ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
CATROLI, V.S.C; ROSA, M.D. - O laço social na adolescência: a violência como ficção de uma
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RUBIM, F.P.O. Adolescência, criminalidade e semiliberdade: processos de subjetivação diante
da perspectiva de uma morte anunciada. Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: PUCMG, 2009.
A problemática que introduzimos neste trabalho diz respeito à análise dos dispo-
sitivos de intervenção na área da infância e adolescência a partir das diretrizes
propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Lei 8.069/90), tendo
como ênfase as práticas deflagradas como de proteção comumente adotadas em
relação a crianças e adolescentes pobres. Para tanto, propomos como território
para a pesquisa o espaço da Vara da Infância e Juventude e do Idoso (VIJI), a
partir do trabalho endereçado ao Comissário de Justiça da Infância da Juven-
tude e do Idoso (CJIJI), integrante da equipe técnica interprofissional, a fim de
compreendermos os efeitos das práticas desse técnico no campo da proteção. Ao
1. Introdução
A problemática que introduzimos no escopo desta proposta2 diz respeito à análise dos dispo-
sitivos de intervenção na área da infância e adolescência a partir das diretrizes propostas pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Lei 8.069/90), tendo como ênfase as práticas defla-
gradas como de proteção comumente adotadas em relação a crianças e adolescentes pobres.
Ventilamos a hipótese de que apesar das importantes transformações advindas no campo, per-
manecem as práticas pautadas por discursos coercitivos que visam ao controle das mazelas so-
ciais através da atenção aos modos de existência de crianças, adolescentes e famílias pobres.
2 Convém esclarecer que esse texto faz parte das primeiras análises engendradas a partir da pesquisa
intitulada por “Encontros com o Judiciário”, instaurada no Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal Fluminense (UFF), cujo início se deu no mês de setembro do ano de 2016.
Nos percursos irrompidos em nome da proteção e garantia de direitos para essa parcela da
população, muitas das formas de intervenção adotadas por profissionais nos equipamen-
tos sociais são enviesadas pelo apelo ao modelo da segurança. As práticas parecem ex-
pressar mais os velhos olhares e hábitos do que os deslocamentos esperados pelos atores
e movimentos sociais à época da promulgação do ECA, desejosos de ver essa parcela da
população tratada a partir de parâmetros igualitários.
Para tanto, propomos como território para a problematização o espaço da Vara da Infância
e Juventude e do Idoso (VIJI), a partir do trabalho realizado pela equipe técnica interprofis-
sional, sobretudo aquele endereçado ao Comissário de Justiça da Infância da Juventude e
do Idoso, lugar ocupado pelo autor3 desse texto, a fim de compreendermos os efeitos das
práticas destinadas a crianças e adolescentes.
Com o propósito de desenvolvermos a proposta em tela, faremos a escolha pelo diálogo entre os
2. Justificativa
O ECA foi aprovado por parte de segmentos importantes da sociedade na esperança de ver
crianças e adolescentes tratados de forma diferente. Ele reconhece as crianças e os ado-
lescentes como cidadãos e sujeitos de direitos, vistos de forma igualitária, como prioridade
absoluta, sendo respeitada a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (BRASIL,
1990). O reconhecimento legal da criança e do adolescente como sujeitos de direitos produz
demandas e responsabilidades por parte de agentes (a família, a comunidade, a sociedade e
o Estado) que devem garantir a concretização destes na vida de cada criança e adolescente
que tenham seus direitos ameaçados ou violados.
3 A datar do mês de julho do ano de 2012, encontro-me como servidor público do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. Desde sempre, atuando em Vara de Infância, Juventude e do Idoso, exercendo o cargo de
Analista Judiciário - Especialidade: Comissário de Justiça da Infância da Juventude e do Idoso.
4 No Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, a formação em Psicologia configura como uma das
possíveis para o exercício da especialidade de Comissário de Justiça da Infância da Juventude e do Idoso (Art. 420;
CGJ, 2015).
Nesse contexto, embora o ECA incorpore uma série de mudanças, as configurações que
assumem as práticas relativas a esse segmento da população no cenário brasileiro revelam
descompassos, tensões e contrapontos com a leitura que a lei prometia. Compreendermos os
delineamentos que os princípios e avanços estabelecidos pelo ECA vêm assumindo no plano
das práticas sociais, torna-se importante para que possamos verificar como operam o con-
junto de dispositivos que incidem sobre esse segmento da população e a sua aplicabilidade
naquilo que se refere às promessas de transformação e melhoria das condições de vida nor-
malmente embutidas no discurso sobre as ações que incidem sobre crianças e adolescentes.
Nesse sentido, visando refletir acerca das concepções de proteção que são destinadas a
crianças e adolescentes, torna-se legítimo debruçarmos sobre as práticas sociais historica-
mente engendradas no âmbito das relações produzidas pelos equipamentos sociojurídicos
para com crianças, adolescentes e famílias pobres.
Ainda que breve, ao versar sobre a equipe técnica interprofissional, salta aos olhos a neces-
sidade de estabelecer o espaço do Judiciário como o campo reconhecidamente do juiz, a
autoridade judiciária que determinará o lugar que cada um dos especialistas vai ocupar.
COIMBRA et. al. (2008a) convidam a pensar criticamente sobre esse lugar no qual o
profissional é convocado para se manifestar - da avaliação especializada -, visando
auxiliar ao juiz nos desdobramentos suscitados pelo trâmite processual. Sucintamente,
colocam em tela o que normalmente se espera do especialista psicólogo e assistente
social, encarregados, à parte, de campos construídos como distintos, mas que são afins:
o psicológico e o social.
5 No Estado do Rio de Janeiro, o Poder Judiciário, através do Livro II, Título I, Capítulo III, Seções X a XII, da
Consolidação Normativa da Corregedoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (op. cit.), busca esmiuçar as competências
de Assistentes Sociais, Comissários de Justiça da Infância da Juventude e do Idoso e Psicólogos.
A crença em especificidades da Psicologia e do Serviço Social como disciplinas possuidoras de
fronteiras previamente delimitadas poderia estar sendo superada à medida que o social e o psi-
cológico fossem percebidos como campos que se cruzam, se constituem, se complementam e
que são historicamente construídos. A possibilidade de uma intervenção que não fragmente ou
que limite a vida a partir de objetos percebidos como estáticos e naturais, parece ser, então, o
desafio que nos coloca no cotidiano das práticas presentes no Judiciário (Ibid., p. 33).
Convém destacar que no conjunto das atribuições mais gerais que estão dispostas nesse
Em tese, a compreensão sobre as ações que devem ser engendradas pelo Comissário de Jus-
tiça parece, ainda, ter como norte concepções construídas à época em que estavam em vigor
os Códigos de Menores, sendo inevitável estabelecer um paralelo com algumas das práticas
exercidas pela figura do Comissário de Vigilância7, a quem, grosso modo, era confiado o de-
senvolvimento da investigação e vigilância de alguns dos casos que tramitavam pelo Juizado.
7 Mais informações, ver Art. 152, em: BRASIL. Decreto N°. 17.943-A de 12 de outubro de 1927. Código
dos Menores. Brasília, 1927. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm.
Acesso em 15 de abril de 2017.
Pretendemos tensionar esse campo que, ora captura o profissional para fixar a cadeira
a determinado modo de atuação condizente ao especialismo que representa, muitas das
vezes endereçando seu trabalho ao juiz; ora o técnico que produz escapes e resistências
por intermédio de suas práticas, compondo parcerias outras, a começar com os usuários
que são a finalidade da sua intervenção.
3. Objetivos
3.1 Objetivo Geral
153
As práticas sociais analisadas serão entendidas como produções, tais formas são constitu-
ídas em processos compostos por múltiplos vetores. A prática da socioanálise coloca em
A escolha da metodologia analítica tem como intuito uma ação para além da observação
de um objeto, afastando-se até mesmo das reflexões tradicionais de pesquisa. De acordo
com Rodrigues (op. cit.), o “objeto” da análise institucional nada mais é do que sua própria
instauração ou instituição, isto é, o que institui a situação de intervenção: encomenda,
demanda, dinheiro, contrato, tempo, etc. Nesse sentido, pesquisar e intervir são indissoci- 154
áveis, as categorias de sujeito/pesquisador e objeto/pesquisado é desconstruído, desca-
racterizando a polaridade sujeito e objeto. A própria investigação dos registros solicitados
para pesquisa carrega um intervir.
O analisador natural vem ao encontro da situação sem ser intencionalmente proposto ou con-
trolado, ao passo que o construído é um dispositivo artificialmente instalado. Às vezes se di-
zem históricos os analisadores naturais, o que não resolve inteiramente o problema da falta de
clareza: não seriam igualmente históricos os analisadores construídos? (p. 146)
Um dos analisadores citados como natural seria a criança e um dos consequentes analisadores
construídos: a infância e adolescência. Dessa forma, categorias surgem para dar conta de um
contexto socioeconômico e político onde as relações de poder produzem normas e regulações.
5. Considerações Finais
Nessa perspectiva, os que escapam dessas regularizações são enquadrados em práticas ju-
ridicializantes e criminalizantes. Para dar conta das demandas apresentadas, estratégias são
criadas e políticas são desenvolvidas a fim de promover a “proteção” dos mesmos, noutras
palavras, tecnologias que visam a produção de controle/tutela das suas vidas.
Alguns estudos, dentre eles BATISTA (2010), NASCIMENTO (2002), SCHEINVAR (2000)
revelam que embora o ECA tenha incorporado uma série de questionamentos, como por
exemplo, o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos merecedores de
155
Constatamos diariamente a incessante tentativa de esvaziamento subjetivo do modo de
existência de crianças e adolescentes pobres. O poder que os atravessam parece circunscre-
vê-los apenas sob a marca de um único domínio que compõem as nossas vidas: o da segu-
rança/punitivo. Produzem-se subjetividades imputadas a esse público que os aprisionam e
que encerram a possibilidade de proliferação de outros modos de existência. Marcados por
processos de criminalização e judicialização, não passarão mais despercebidos, e assim,
encontram-se inscritos na lei punitiva dominante.
Neste ponto, nos aproximamos das vidas infames, vidas desconhecidas que não poderão
mais passar despercebidas, visto terem sido atravessadas pelo poder, seja na tentativa de
escapar às suas armadilhas ou para fazer uso das suas forças (FOUCAULT, 2006). Vidas que
na encruzilhada dos múltiplos componentes de subjetividade que as atravessam, são enqua-
dradas de modo a circunscrevê-las apenas ao domínio da lei e às categorias de normatização
que instauram a relação da transcendência nas relações de representação.
Notamos a cristalização da negatividade e da violência, por meio da sociedade, nos
modos de existir dos jovens e famílias pobres, tal qual estivessem inscritas em suas
essências. Guattari (2009) nos aponta que:
Por agenciamento subjetivo de enunciação, podemos dizer que é o “meio” que se instaura
na relação sujeito – objeto, a instância fundadora da intencionalidade. Não corresponde
nem a uma entidade individuada, nem a uma entidade social predeterminada. A lógica
capitalística é mister em disseminar valores onde todos nós, a propósito, teríamos que
nos situar. Há uma constante tentativa de contaminar, de suprimir os processos criativos,
inventivos que engendrariam processos de singularização. Ao contrário, produzem-se
subjetividades serializadas, normalizadas, esquadrinhadas, tal como se existisse uma lei
transcendental que as definem (GUATTARI & ROLNIK, 2010).
Indivíduos são fabricados e marcados enquanto objetos de interesse do poder. Ao tempo que os
formam, constroem realidades oferecidas enquanto verdades: “[...] o exercício do poder cria per-
Referências
156
_____________. A vida dos homens infames. In: MOTTA, Manoel B. (Org.). Ditos e escritos IV.
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na do Autor; Niterói: Intertexto, 2002.
157
O OLHAR SOBRE A PRIVAÇÃO NA ÓTICA
DOS INVISÍVEIS
1. Introdução
A adolescência pode ser compreendida no campo da Psicologia como uma fase natural do
desenvolvimento humano, marcada por transformações físicas e emocionais, por outro lado,
pode também, para outras áreas da Psicologia ser entendida como uma construção social e
histórica que tem como objetivo demarcar as mudanças no sujeito, fruto de sua relação com
o meio em que vive (AVILA, 2005).
2 Graduada em Serviço Social. Faculdade de Vila Velha. E-mail: r.grippa@yahoo.com.br. Telefone: 99974-3712.
Segundo Castro (2006), a sociedade atual está repleta de contradições, existem avanços
tecnológicos que por um lado traz o progresso e por outro traz dificuldades, pois não são
todos que possuem condições de obter tudo que a sociedade capitalista oferece. Nesse
contexto de consumo que a maioria dos jovens estão inseridos, na maioria das vezes, a
trajetória de vida é marcada pela exclusão social. Sendo assim, muitas vezes o adolescen-
te encontra no cometimento do ato infracional uma forma de marcar sua existência, de
fazer parte do mundo (CASTRO, 2006).
De acordo com Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990, p. 11) em seu art 112:
§ 1º Entende-se por Sinase o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem
a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais,
distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendi-
mento a adolescente em conflito com a lei.
Como dito anteriormente, no estado do Espírito Santo o órgão responsável por executar
as medidas socioeducativas é Instituto de Atendimento Sócio-educativo do Espirito
Santo (IASES). O IASES busca, em seus objetivos a reinserção na sociedade e o forta-
lecimento de vínculos familiares e comunitários de adolescentes em conflito com a lei,
promovendo a garantia dos direitos desses sujeitos.
Ressalta-se que o conceito de violência aqui abordado não se restringe a física ou verbal,
mas ao apresentado por Chauí (1980), sendo que violência não é a transgressão das leis, e
sim a coisificação do sujeito, ou seja, é algo imposto que vem de cima para baixo.
Para Foucault (2004, apud CUNHA et al, 2013, p. 02) na sociedade moderna não bastava
apenas punir o infrator, precisa-se alcançar um saber sobre as razões de sua infração que es-
timulasse a construção de práticas que possuísse a capacidade de neutralizar sua periculo-
sidade e modificar sua conduta. A partir dessa demanda os agentes da ciência criminológica
buscavam responder qual decisão seria adequada: se seria acessível á sanção penal, curável
ou readaptável, seria melhor o hospício ou prisão, se o enclausuramento seria breve ou longo,
um tratamento médico ou medidas de segurança. Estes agentes norteariam o juiz a estabele-
cer as medidas adequadas a cada caso, buscando não mais excluir o infrator, mas recuperá-
-lo porque o importante era reparar o mau, assim o criminoso poderia voltar a sociedade.
Cunha entre outros (2013), apontam sobre como é fundamental o envolvimento com o univer-
so simbólico dos adolescentes para a realização de intervenções.
De acordo com Gomes (1996, apud MAHEIRIE; BOEING; PINTO, 2005, p. 215), é durante
o registro de uma vivência, que a fotografia pode provocar sensações, percepções, sen-
timentos diferentes dando vazão a subjetividade deste sujeito, eternizando tal momen-
to/experiência. É através da imagem que diversos aspectos podem ser identificados,
trazendo novas informações dos observantes.
Assim a fotografia deve ser utilizada como uma ferramenta com considerável potencial na
psicologia, através de modos subjetivadores da produção de conhecimentos e busca de
autonomia de sujeitos acometidos da privação de liberdade. Refere-se a uma estratégia
em que uma mesma realidade, pode trazer infinitas possibilidades de interpretação,
sempre a partir da ótica de cada sujeito, sendo mais um recurso da caixa de ferramenta
do pesquisador (GOMES; DIMENSTEIN, 2014).
Portanto, para Gomes e Dimenstein (2014), o recurso fotográfico pode produzir inter-
ferência no plano das habilidades e competências dos participantes desse projeto de
intervenção, produzindo empoderamento.
Para que este projeto de intervenção fosse posto em pratica, alguns procedimentos foram
seguidos. Primeiramente, foi solicitado autorização à gerente da Unidade de Internação
Provisória para que tal trabalho fosse realizado. Em seguida, já com o parecer afirmativo
para a realização de tal projeto, foi apresentado o projeto à um profissional em fotografia
que aceitou realizar o trabalho voluntariamente.
2. Desenvolvimento
2.1 Primeiro Encontro
Foi discorrido todas as fases do projeto, onde a maioria dos adolescentes que se encontra-
vam neste espaço, aderiram a proposta, sendo que alguns adolescentes – cerca de cinco
socioeducandos, não aderiram a proposta.
No dia 03 de janeiro deste ano corrente, os adolescentes que estão lotados na Moradia A –
Querô, é um filme brasileiro de 2007, dirigido por Carlos Cortez, baseado na obra de Plínio
Marcos. O personagem principal – Querô (seu apelido pois sua mãe morreu após se embria-
gar com uma garrafa de querosene) é um menor abandonado, criado pela vida, sobrevivendo
sozinho na região portuária de Santos, em situação de pobreza e abandono.
Alguns adolescentes expuseram que o filme conta a história de um adolescente que sofreu
na vida e que tinha muito ódio no coração. Que nasceu de uma “garota de programa”, sem pai
e que se envolveu com más companhias e que acabou sendo privado de sua liberdade.
De acordo com o grupo, Querô poderia ter tido uma história de vida diferente. Que tentou
mudar de vida, mas o policial “corrupto” não permitiu que isso ocorresse.
Um adolescente colocou que o garoto poderia ter matado o policial direito, assim, ele poderia
não ter sido baleado no final do filme. Outro socioeducando disse que ele poderia ter mudado
de cidade e ter deixado essa história triste para traz. Um participante colocou que, logo
após a rebelião que culminou em sua fuga, Querô poderia ter se entregado, vindo a cumprir a
medida de internação na Febem.
No final do encontro a equipe responsável pela execução do referido projeto, levantou alguns
questionamentos entorno da realidade de cada sujeito que ali se encontrava, tendo como
meta apenas a reflexão dos adolescentes e jovens.
Nesta data, os adolescentes assistiram à dois curtas metragens em animação, sendo eles
Frat e Vida-Maria.
Neste questionamento o socioeducando L.S de 19 anos disse que “devido à violência entre o
pai e seus colegas, além da agressão ao filho, o menino foi alimentando um ódio no coração
e depois acabou se tornando pedra”. O socioeducando E.C. de 17 anos, completou dizendo
que “era muita violência em casa e o menino via a foto para lembrar das coisas boas, mas
acabou se deixando levar pelas coisas ruins”.
Realizando um paralelo entre o que foi retratado no vídeo e o cumprimento da medida socioe-
ducativa, o menino poderia ter tido uma história diferente?
O socioeducando E.C. de 17 anos, disse que o menino “poderia ter pensado em suas atitudes
e não ter agido daquela forma, para não virar pedra”. B.M.J. de 18 anos, colocou que “o meni-
no não era pra ter amassado a foto, pois era uma lembrança positiva que tinha do irmão”.
Para o adolescente L.S. de 19 anos, o vídeo fala sobre a “história de uma menina que cresce
trabalhando, tendo que cuidar das atividades de casa e não teve oportunidade. A menina não teve
amor dentro de casa e acabou repetindo a história que a mãe teve com ela no inicio do vídeo”.
De acordo com o socioeducando J.S. de 18 anos, “a criança poderia ter sido dedicada aos
estudos, vindo a modificar sua história de vida”. O adolescente D. P. de 15 anos disse que
“é a reprodução da história de vida... que passa de mãe para mãe”. Para o adolescente
K.S.C. de 15 anos, “a menina poderia ter pensado diferente, assim, talvez tivesse tido ou-
tras oportunidades na história de vida para F.K.P.M. de 17 anos “a Maria, poderia ter saído
de caso quando estava maior... ter continuado os estudos, mesmo contra a vontade da
mãe, que só queria que ela trabalhasse e cuidasse das atividades de casa.”
O que fazer para que nós enquanto sujeitos de direitos, não reproduzamos a história de vida de Maria?
Para o socioeducando B.M.J. de 18 anos, “devemos sempre pensar em nossas ações, pois
nossa história de vida depende das escolhas que fazemos”. Para L.S. de 19 anos, o cami-
nho é “terminar os estudos, conseguir um trampo, e formar uma família, para que a história
Fazendo um comparativo entre os dois vídeos, qual a semelhança nas histórias de Frat e Vida-Maria?
Ao final dos assuntos expostos, a equipe levou os adolescentes a refletir sobre o ciclo que
transcorre na rotina de determinadas famílias em situações do cotidiano e que muitas ve-
zes as ações são reproduzidas. Foi abordado também que esse fato caracteriza um círculo
vicioso entre os membros familiares, tanto no “FRAT” como em “Vida Maria”. Pontuamos
ainda que o cumprimento da medida de internação também pode ser compreendida como
uma oportunidade para repensar as atitudes enquanto estão privados de liberdade. E a
internação em meio fechado é o momento para refletir e buscar estratégias para enfrentar
as adversidades da vida, visto que ao longo do processo socioeducativo a equipe trabalha
questões com ênfase na autonomia, autoestima e capacidade de construir uma nova histó-
ria de vida como cidadão e sujeito de direitos.
2.4 Quarto Encontro
Neste encontro, uma assistente social que atua com adolescentes que cumprem medida socio-
educativa em meio aberto na cidade de Linhares-ES, foi convidada a explanar o assunto sobre
exclusão social com os adolescentes que estão inseridos na fase conclusiva de atendimento.
Incialmente a mesma fez uma apresentação sobre si e suas qualificações e iniciou, atra-
vés de recurso visual (slides), o conteúdo que havia programado. Inicialmente, discorreu
sobre o capitalismo, o qual vivenciamos no decorre do nosso dia-a-dia, onde há uma
forte tendência de valorizar o objeto e não se atentar as relações pessoais, ou seja, um
processo de coisificação do sujeito.
Ademais, foi discutido sobre os direitos que temos enquanto cidadão e como devemos agir
para melhorar a condição do local em que vivemos, levando os adolescentes a refletirem e
perceberem os espaços comunitários de discussão, para modificar o contexto social. Neste
sentido discorreu ainda sobre a constituição federal, a lei maior de nosso país na intenção de
possibilitar um espaço de discussão critica da realidade que vivenciam ao longo da vida.
Para além, falou-se sobre o preconceito e as questões sobre marginalização, além das ações
que cada sujeito faz e que automaticamente adentra neste processo de exclusão, quando
este abre mão das oportunidades e não realiza um movimento inverso para modificar sua
A proposta para este encontro foi discutir e problematizar com os adolescentes privados
de liberdade, as possibilidades que se tem para melhorar a qualidade de vida pessoal e
daqueles de seu entorno.
A proposta girou em torno da execução de um júri simulado realizado no espaço de convi- 165
A proposta para este encontro foi apresentar aos adolescentes noções básicas de
fotografia. Temas como a história da fotografia, o surgimento das primeiras câmeras
fotográficas, a transição do sistema analógico (filme) para o digital e composição foto-
gráfica foram assuntos na ocasião.
Neste dia, a equipe de referência do projeto, adentrou a moradia – fase conclusiva, para
discorrer que nesta etapa, os sujeitos sairiam, nos espaços intramuros da unidade, para
fotografarem a representação da privação de liberdade. Foi informado ainda que pode-
riam realizar o registro de três imagens.
Sendo assim, todos os participantes foram deslocados para a quadra de esportes da 166
unidade para que aguardasse o início da atividade. Assim, um de cada vez, os adoles-
centes eram conduzidos pelo fotografo e os técnicos de referencia ao local escolhido
pelo próprio adolescente, onde era registrado a imagem. Ao fim, cada adolescente
retornava para a moradia, sendo que não tinha contato com os adolescentes que esta-
vam aguardando na quadra, a fim de não “contaminar” a visão do outro, com o que já
havia escolhido para fotografar.
Ao final do dia, vinte adolescentes e jovens, haviam fotografado as imagens que na visão
individual, representava a visão sobre a privação de liberdade.
Foi utilizado uma máquina fotográfica de marca Cannon para o registro das imagens, sendo
que a máquina fotográfica é própria da unidade. As fotos foram descarregadas em um com-
putador permanecendo na unidade, não havendo divulgação.
Assim, cada adolescente pode visualizar em um computador as três imagens e posterior a isto, es-
colheram uma foto de sua autoria, sendo que lhes era dito que a imagem escolhida seria impressa
em papel fotográfico especifico, em tamanho que seria determinado em um outro momento.
Iniciamos nossa atividade no espaço coletivo da moradia, fazendo um breve retrocesso com
relação ao projeto e tudo o que foi discutido com os adolescentes e jovens desde o primeiro en-
contro até a atual data. Destacamos o fato do título do trabalho “O olhar sobre a privação na ótica
dos invisíveis”, cujo principal tema foi a privação de liberdade. Trouxeram recordações acerca do
filme “Querô”, os curta metragem, a palestra sobre exclusão social e a atividade “Júri Simulado”.
Posteriormente, foi entregue para cada adolescente uma xerox em tamanho reduzido da foto
3. Considerações Finais
167
O projeto de intervenção intitulado como “O olhar sobre a privação na ótica dos invisíveis”,
surgiu da necessidade de criar espaços de discussão, para os atores que se encontram
vivenciando a privação de liberdade. Mas foi além. Ganhou forma, incomodou, gerou
desconforto, possibilitou empoderamento. A cada encontro os participantes deste projeto,
se comunicavam, não somente através da fala, mas no modo como interagiam com os
outros atores, nos olhares, na postura corporal. Não se pode afirmar que o trabalho atingiu
seu objetivo, uma vez que estamos discorrendo sobre a subjetividade de cada participante,
ou seja, como cada sujeito se coloca nas suas relações e se percebe no contexto em que
se encontra. Porém ele gerou inquietações possibilitando estes sujeitos a refletirem sobre
sua atual condição de vida, vindo a repensarem em suas ações cotidianas e o modo como
podem enfrentar as adversidades cotidianas.
Importante destacar, que após o trabalho com os adolescentes, as fotos foram impressas em
papel especifico e na data de 08 de março de 2016, foi realizada na Unidade de Internação
Provisória, uma exposição. Neste evento, foram convidados entidades que atuam diretamen-
te ou indiretamente com crianças, adolescentes e jovens, além de autoridades, o sistema de
justiça e demais apoiadores. A intenção é que esta exposição seja expandida para alguns
locais comunitários, na intenção de possibilitar a sociedade, um olhar mais apurado para as
questões que perpassam o contexto socioeducativo de privação de liberdade.
Referências
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Valério¹, Lorraine Lopes Ribeiro¹, Pablo Cesar Teixeira¹, Raiara dos Santos Silva¹,
Rayane Bertelli Cuzzuol¹, Tainor dos Santos¹, Tamiris Guaitolini¹, Thais de Castilho
Monteiro¹, Natany Araujo¹ e Raphael do Amaral Vaz2
1. Introdução
No que se refere aos adolescentes privados de liberdade, devemos, antes de tudo, ter um
trabalho muito específico para este público. Cada adolescente possui uma história de vida
peculiar e necessita de realizar intervenções técnicas próprias para realidade de cada um.
Segundo dados do ano de 2000 compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS,
2000b), o Brasil figura entre os 10 países que registram os maiores números absolutos de
suicídios. Na revisão de literatura pesquisada, até o momento, observamos que no Brasil as
taxas de mortalidade por suicídio variam entre 3,5 e 4,6 óbitos dentre 100.000 habitantes (cf.
Barros, Oliveira, & Marin-Leon, 2004; Souza, Minayo, & Malaquias, 2002). Estudos demons-
171
tram que as regiões brasileiras que apresentam maior índice de mortalidade por suicídio con-
sistem na Região Sul e na Região Nordeste do país (cf. Barros, Oliveira, & Marin-Leon, 2004).
Souza, Minayo, e Malaquias (2002) afirmam que as capitais de Porto Alegre e de Curitiba
apresentam maior índice de jovens entre 15 e 24 anos que cometem ou cometeram suicídio.
Por outro lado, sabemos que muitas mortes de suicídio são imprecisas quanto a sua classifi-
cação; algumas são vistas como acidentais e outras como não intencionais.
Diante dessa perspectiva, Botega et al (2012) advoga que a estimativa nas tentativas de
suicídio superem o número de suicídios em pelo menos 10 vezes e que das pessoas que ten-
tam o suicídio, 15 a 25% tentarão se matar no ano seguinte e das que tentam o suicídio, 10%
conseguem se matar nos próximos 10 anos. No entanto, devemos levar também em conside-
ração o fato de que cerca de 10% de “óbitos por causas externas são de tipo ignorado”, desta
forma fica-se sem saber se as mortes foram por homicídio, suicídio ou acidente.
Os fatores de risco mais enumerados pela literatura internacional (WHO, 2001, 2002; De Leo,
Bertolote & Lester, 2003), para o suicídio na adolescência são: culturais e sociodemográficos;
familiares; estilo cognitivo e personalidade; perdas; conflitos interpessoais e problemas de
relacionamento; transtornos psiquiátricos; tentativa prévia de suicídio ou história de comporta-
mento suicida; suicídio de amigo ou conhecido. Por outro lado, uma pequena porcentagem de
suicídios ocorre em adolescentes vulneráveis que estão expostos ao suicídio na vida real, ou
através da mídia, ou sob influência de alguém que tenha comportamento suicida (WHO, 2001).
Entre os fatores protetores estão à boa relação com os membros da família, o apoio familiar
e a confiança em alguém; boas habilidades sociais, busca por ajuda e conselhos, senso de
valor pessoal, abertura para novas experiências e aprendizados, habilidade em comunicar-se,
receptividade com a ajuda dos outros e projetos de vida; valores culturais, lazer, esporte, reli-
gião, boas relações com amigos e colegas, boas relações com professores e outros adultos,
apoio de pessoas relevantes e amigos que não usem drogas; e, por fim, uma dieta saudável,
boa qualidade do sono e atividade física (WHO, 2001, 2002).
Dessa forma, faz-se necessário que programas e estratégias de prevenção dos comporta-
mentos suicidas sejam incluídos na pauta das políticas de educação e saúde pública, uma
vez que a perda prematura de adolescentes por suicídio pode e deve ser evitada. Um dos tó-
picos prioritários da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2000b) é exatamente a prevenção
do comportamento suicida, sendo que 90% dos suicídios poderiam ser evitados se houvesse
um trabalho preventivo, portanto, acredita-se que e ações preventivas, educativas, assisten-
ciais e de pesquisa sejam necessárias para a sensibilização da valorização da vida.
Considerando a abordagem psicológica que tomamos como base para tratar do suicídio, a
Psicologia Analítica, encontramos alguns autores que estudam sobre o suicídio e suas im-
Observamos que, segundo Hillman (2009a; 2009b), o suicídio é compreendido como uma
realidade psíquica, na qual considera os pensamentos suicidas como atitudes psicológicas.
Os modelos de pensamentos suicidas são vistos como atitudes semiconscientes que estão
integrados na psique. O trabalho analítico com paciente suicida ocorre quando o analista 172
elabora a morte no seu aspecto psicológico. Quando a simbologia da morte é compreendida
pelo paciente, o analista agirá dinamicamente este tema, propondo e sustentando a terapia
(Hillman, 2009a; Oliveira, 2012), como um espaço para se reimaginar a morte e o corpo em
relação aos aspectos sombrios do suicídio, de maneira que o paciente possa trazer livremen-
te suas fantasias e ideias a respeito.
Neste processo concretizar os objetivos que a vida apresenta durante o seu percurso
no desenvolvimento humano, segundo Jung (2006b), no seu livro Memórias, sonhos,
reflexões, afirma que o ser humano busca constantemente sua autorrealização, ou
seja, seu processo de individuação, mas precisa aprender como alcançar seus sonhos
afim de que sejam realizações concretas na sua vida. Caso contrário, a vida se tornará
muito penosa e amarga.
Com base nestas colocações de Jung, deparamos com algumas reações que vão ao
encontro das dificuldades que os adolescentes enfrentam durante o cumprimento da sua
medida de internação; como por exemplo, o medo da vida ou manifestações de alguns sin-
tomas depressivos. Perante a esta realidade, aprofundaremos nesta pesquisa na atuação
do psicólogo neste ambiente privativo de liberdade.
Jung (2013, § 9), aponta que a psicoterapia diz sobre um método dialético, um diálogo
entre o psicólogo e o paciente. Sendo o indivíduo um sistema psíquico que, intervindo
sobre o outro, irá interagir com o sistema psíquico deste outro, será uma relação de troca.
O psicólogo precisa inteirar-se sobre a vida do adolescente e também sobre sua condição
psíquica e espiritual existente em seu contexto, onde ocorrem influências tradicionais e/ou
filosóficas, que podem possuir uma função decisiva na atitude, vida, no pensamento ou no
comportamento deste sujeito.
Para que possamos alcançar um objetivo na vida destes adolescentes que pensam ou já
tentaram suicídio, antes de tudo, devemos analisar as ações de suicídio como parte do
processo de individuação daquele sujeito. Quando mencionamos o conceito do processo
de individuação para estudar os comportamentos suicidas de adolescentes em conflito
com a lei, remetemos ao pensamento de Bracco (2012) que nos afirma a vida humana
como sendo uma jornada infinita de complexo da alma que busca, por sua vez, uma
integridade em acordo com as capacidades e potencialidades de cada indivíduo. E nesta
busca, o autor ainda afirma, o indivíduo chegará à realização máxima do que chamamos,
na Psicologia Analítica, de Self, ou seja, a autorrealização da alma.
Com base nessa afirmação do autor citado acima, podemos nos questionar como o
psicólogo que atua neste ambiente socioeducativo trabalhará com a consciência deste
Neste momento em que foi identificado esses sintomas que caracterizam como fatores de
risco para cometer um suicídio, se torna fundamental nas intervenções psicológicas esta-
belecer um diálogo com este adolescente para que ele enfrente o diálogo interno com seus
pensamentos sobre a morte de tal forma que ele organize a simbologia dessa morte que o
cerca por pensamentos. Será por meio desta elaboração simbólica da morte que se encontra
os desafios nas intervenções psicológicas nos ambientes socioeducativos. Perante esses
desafios que nossa pesquisa pretende colaborar para que os profissionais que atuam nestes
locais tenham instrumentos que favoreçam na construção simbólica desta morte que este
adolescente procura tanto no seu corpo, porém se localiza no seu campo emocional.
Diante dessas observações, consideramos como relevante elaborar este projeto para avaliar
quais as dificuldades que estes profissionais se encontram quando surge casos de suicídio.
Uma vez que o tema do suicídio é pouco ou nenhum momento chega a ser comentado e estu-
dado durante o período da nossa formação acadêmica, consideramos que esta pesquisa pode-
rá colaborar, com suas reflexões, tanto para os profissionais que se encontram neste ambiente
do cumprimento da medida socioeducativa de internação quanto na formação acadêmica da
174
Psicologia. Por fim, acreditamos que o objetivo deste projeto é levantar as possibilidades de
uma intervenção psicológica, com qualidade, para prevenção de suicídio e promover a vida.
O presente artigo teve como objetivo investigar de forma qualitativa e quantitativa como
acontece a intervenção de Psicólogos diante de adolescentes com ideação suicida ou ten-
tativa de suicídio nos ambientes de privação de liberdade, promovendo orientação de novas
formas de intervenção para esses profissionais e contribuir na formação acadêmica dos alu-
nos de graduação de Psicologia como adquirir um manejo terapêutico em casos de suicídio,
principalmente em ambientes socioeducativos.
2. Material e Métodos
Sendo assim, esta pesquisa foi baseada nos dados coletados pelas entrevistas realizadas
com os profissionais da área da Psicologia que trabalham nas Unidades de Internação do
IASES (Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado do Espírito Santo). Para as entre-
vistas, foi utilizado como ferramenta um roteiro semi-estruturado. Algumas destas entrevis-
tas foram gravadas e transcritas pelos pesquisadores, enquanto outras foram respondidas
via e-mail pelos participantes por motivo de conveniência por parte dos entrevistadores. Em
média, foi observada uma duração de 1 hora para cada entrevista.
Em seguida, as respostas foram categorizadas a partir do significado das falas e sendo confronta-
das com a literatura disponível. Tais categorias possibilitaram identificar norteadores que possam
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da MULTIVIX, sob o número 1.624.314.
3. Resultados
No que se refere ao papel do psicólogo e sua preparação para lidar com situações que
envolvem o suicídio, percebe-se uma falta de formação, cursos e preparação para estes
profissionais. Sendo essa uma área que demanda muito cuidado e embasamento que
estabeleça condições para todo processo de prevenção do mesmo. De acordo com os
psicólogos entrevistados, 100% deles deixaram claro em todos os momentos que toda sua
formação para prevenção de suicídio, na maioria das vezes é o pouco que eles estuda-
ram no período de sua graduação. Não existe uma formação pronta para isso, portanto é
preciso buscar em livros, ler materiais, e de acordo com suas experiências eles buscam na
prática desenvolver um trabalho voltado para a prevenção do suicídio. Além disso, sinali-
zam que durante as intervenções buscam trabalhar com os adolescentes esse processo de
trabalhar o futuro e especialmente a autoestima.
Os dados mostram que a escuta psicológica (57%) aparece como principal fator descrito
pelos psicólogos em casos de intervenções com os adolescentes, a própria privação de
liberdade é um fator extremamente estressante para alguns, é fundamental o trabalho
voltada para escuta, ouvir bastante aqueles adolescentes. Tendo em seguida a função
do autoflagelo (14%), é muito importante avaliar toda essa questão, pois vem a ser uma
realidade aonde os profissionais atendem 40 à 70 adolescentes que estão sobre sua
responsabilidade. Em consequência desta realidade socioeducativa precária, observamos
que a ausência de uma atenção devida, por meio da escuta psicológica ocasiona muitos
casos de autoflagelo. Por outro lado, é possível notar que os psicólogos pontuam as
oportunidades de terem uma escuta com os adolescentes que tem ideação suicida, estes
socioeducandos conseguem obter um novo sentido a sua vida. Os profissionais trazem
também a valorização da vida (29%) como fator importante nas intervenções, buscando
potencializar a existência, identificando valor que a vida pode ter e o verdadeiro motivo
de sua existência. Todo esse processo estimula a autoestima, do socioeducando, e a
vontade de continuar lutando por si mesmo.
No que diz respeito aos fatores de risco que comumente se apresentam em casos de
ideação ou tentativa de suicídio, podemos notar que o ambiente em que o adolescente está
inserido na medida de internação por si só se configura como de risco, principalmente com
A estrutura da instituição (36%) aparece como principal fator descrito pelos psicólogos
em casos que envolvem suicídio dentro da instituição, principalmente no que se refere à
superlotação e à falta de profissionais suficientes para atender a demanda do local, tendo
em seguida ociosidade (22%), vulnerabilidade social (21%) isolamento (14%) e falta da
176
substância psicoativa (7%), respectivamente.
Assim como os fatores de risco podem levar ao suicídio, existem outros que podem servir de
proteção, que são conhecidos como fatores de proteção. Entre os fatores protetores estão a
boa relação com os membros da família, o apoio familiar e a confiança em alguém (fatores
familiares); boas habilidades sociais, busca por ajuda e conselhos, senso de valor pessoal,
abertura para novas experiências e aprendizados, habilidade em comunicar-se, receptivi-
dade com a ajuda dos outros e projetos de vida (estilo cognitivo e personalidade); valores
culturais, lazer, esporte, religião, boas relações com amigos e colegas, boas relações com
professores e outros adultos, apoio de pessoas relevantes e amigos que não usem drogas
(fatores culturais e socidemográficos); e, por fim, uma dieta saudável, boa qualidade do sono
e atividade física (fatores ambientais) (WHO, 2001, 2002).
Trazendo estes dados para o contexto socioeducativo, constatamos nas entrevistas que os
vínculos afetivos (relacionamentos interpessoais) de fato evidenciam ser os principais fato-
res de proteção, bem como planos para o futuro, atividades dentro da unidade e espirituali-
dade. A família/vínculos afetivos (67%) se apresenta como o maior fator de proteção dentro
da Unidade Socioeducativa, com as categorias de planos para o futuro (17%), espiritualidade
(8%) e atividades na unidade (8%) em seguida, respectivamente.
Além do acompanhamento individual, o acompanhamento em pequenos grupos de adoles-
centes também aparece como uma alternativa de prevenção. No que se refere ainda sobre
prevenção, nas respostas dos entrevistadores fica evidente a importância de prevenir fora
das unidades, promovendo a inclusão desses jovens na sociedade, com o aparecimento de
oportunidades no mercado de trabalho e a criação de grupos de família dentro das unidades
de saúde, CAPS e inclusão de serviços sociais, como aulas de música, dança, cursos de
formação de acordo com a necessidade da comunidade.
Outro dado importante nas respostas dos participantes foi a construção de projetos como
forma dos adolescentes enfrentarem este ambiente de internação não como algo desagradável,
com a finalidade deles reavaliarem sua vida pessoal. Um dos participantes demonstrou a valori-
zação de tais projetos na prevenção do suicídio e relata, também, a dificuldade em efetivar e ex-
cetuar ações no contexto socioeducativo. Por outro lado, a dificuldade de um acompanhamento
contínuo e integrado com os socioeducandos com ideação suicida foi destacado nas respostas
dos entrevistados, alegando que a falta de psicólogos efetivos na Instituição e a dificuldade de
um trabalho homogêneo com os profissionais da comunidade socioeducativa retarda a elabora-
ção de um atendimento psicológico para este tipo de socioeducando.
Em relação a casos em que o psicólogo não conseguiu evitar o ato suicida, notamos que,
83.33% dos entrevistados relataram que durante a sua permanência nas unidades de medida
socioeducativas de internação, não tiveram casos de adolescentes que estavam com a idea-
ção suicida e conseguiram dar fim a sua própria vida. Entretanto, uma das entrevistadas cita
um caso de ato suicida cometido por um dos internos, porém, não soube informar detalhes
do acontecido, pois não era o profissional de referência.
4. Discussão
Percebe-se que o ato suicida é um fator de suma importância dentro da medida sociedu-
cativa. A resiliência, determinação e o trabalho incansável da socioeducação permite o
cumprimento de medidas socioeducativas, objetivando-se a garantia de direitos e a mínima
intervenção, permitindo-se que o trabalho do psicólogo seja o mais construtivo possível para
(re)definição de horizontes dos nossos adolescentes, quando trazemos os desafios dos
profissionais, o trabalho realizado dentro das unidades deve levar em conta a valorização do
sujeito. Tais considerações vão ao encontro de Botega (2015c) que afirma o papel dos pro-
fissionais da área da saúde, que é trabalhar no processo de intervenção, pois afeta profunda-
mente à família, esses adolescentes precisam de ajuda para lidar com o sofrimento psíquico.
Outro dado importante a ser destacado vem a ser as fantasias que os adolescentes pos-
suem em relação à vida pessoal, familiar e social, das quais, muito se envolvem nessas 178
fantasias que criam a ponto de não conseguirem reconstruir suas vidas e suas relações.
Então há a necessidade do psicólogo atentar-se a estas fantasias, pois elas dizem muito
sobre como os adolescentes se vêem perante a sociedade.
Por meio das entrevistas se constata que existe no ambiente socioeducativo fatores de ris-
co que podem levar a ideações ou tentativas de suicídio, no qual a estrutura da instituição
e a situação de vulnerabilidade social em que se encontram são as questões mais fre-
quentes que surgem na fala dos psicólogos. Como vimos no embasamento teórico, Bracco
(2012) afirma que o processo de individuação é a mais valiosa meta de qualquer indivíduo,
pois, o mesmo buscará se autoconhecer por meio da sua convivência social. Apesar de
não se pode ver com bons olhares uma Lei Penal que, sob justificativa de proteger a cole-
tividade, desdenhe o indivíduo (adolescente) não como um membro da sociedade e sim
como um infrator. Isso significaria colocar o Estado num patamar superior a cada uma das
pessoas singulares que compõe este exato estado.
Nos relatos é notado que a grande maioria destes adolescentes chega à Unidade com
uma série de direitos violados, além de contextos desestruturados, que quando estão num
ambiente de privação de liberdade com poucas atividades e muita ociosidade, podem estar
de fato mais propensos a comportamentos suicidas. Para complementar estas informações,
vão ao encontro das afirmações de Botega (2015) e Jung (2006a, §344; §358), no qual as
ideias sobre questões familiares e relacionamentos interpessoais podem acarretar pensa-
mentos suicidas devido às consequências que geram na vida do adolescente ou da pessoa.
Pelos motivos acima listados, os fatores de proteção tornam-se essenciais para o traba-
lho com os adolescentes, no qual a família e os planos para o futuro, neste contexto, se
tornam os principais fatores protetores, conforme os psicólogos. Conforme vimos, Bracco
(2012) e Pérez (2015) afirmam a necessidade de buscar a integralidade de acordo com
as suas capacidades e potencialidades, a fim de que o adolescente não apresente pensa-
mentos suicidas, pois, quando não há esta integralidade surgem as tentativas de suicídio,
sendo este o processo de individuação. Como pontua Jung (2006b), estamos diante de um
processo através do qual um ser torna-se um “individuum” psicológico, isto é, uma unidade
autônoma e indivisível, uma totalidade.
No que tange ao trabalho preventivo com os adolescentes das unidades socioeducativas, nota-
mos nas entrevistas a necessidade do profissional possuir uma postura aberta nos atendimen-
tos juntamente com uma escuta qualificada, ou seja, há a necessidade da formação qualificada
dos profissionais para então trabalharem com os jovens, de forma que trabalhem com a empa-
tia. Conforme foi mencionado por Botega (2015) a importância da qualificação do profissional,
pois, a forma como ele se expressa com o adolescente é importante, pois é nesse diálogo que
Por fim, observamos que o ato suicida não é algo previsível, os métodos utilizados pelos
socioeducandos com o intuito de pôr fim em sua vida, são os mais excêntricos devido à res-
trição de objetos. Em momentos de crises, os adolescentes contam apenas com o amparo
dos próprios internos, familiares e profissionais existentes da instituição, evidenciando o
estreitamento e enfraquecimento de seus laços, por se encontrar na medida de internação. O
fato do estreitamento e enfraquecimento dos laços afetivos dos socioeducandos nos remete
a afirmação de Hillman (2009a; 2009b) relata que o suicídio representa um afrouxamento da
179
estrutura social, um enfraquecimento dos laços grupais, uma desintegração.
Utiliza-se como orientação para retardar a ideação suicida, a criação de vínculos de proteção
para esse adolescente, como o apoio de familiares e profissionais da comunidade. Tais conside-
rações vai ao encontro de Botega (2015c) o qual afirma que em casos de crise suicida o psicólo-
go deverá entrar em contato com os familiares buscando criar linha de proteção para o indivíduo,
impedindo que o ato suicida se consuma, através da manutenção de seus laços e vínculos.
Além disso, o psicólogo deve iniciar um atendimento mais contínuo com esse interno, buscando
através de uma escuta ampliada e intervenções (projetos) a saída desse sofrimento psíquico,
conforme mencionamos anteriormente, Botega (2015c) relata que ouvir e acolher o paciente é
primordial, respeitando os momentos de silêncio e sabendo a hora de sair deles, sempre com o
intuito de ajudá-lo a sair da crise. No entanto, no âmbito da medida socioeducativa de internação,
há dificuldade de um acompanhamento contínuo e integrado com os internos com ideação suicida.
Essa escuta é um auxílio ao paciente para que ele veja outra solução além do suicídio. Pos-
sibilita ao psicólogo, também, o diagnóstico das possíveis potencialidades de atos suicidas
e seus fatores, podendo ser utilizado como estratégia de enfrentamento a esse fenômeno,
visando compreender o indivíduo e suas singularidades. Isso se torna compreensivo quando
recordamos as considerações de Jung (2013, §9) ao pontuarmos que a psicoterapia deve uti-
lizar o método dialético, que consiste na possibilidade de criação de novas sínteses a partir
do diálogo entre dois indivíduos, na qual se confronta as hipóteses e percepções.
5. Conclusão
A preparação acadêmica dos profissionais para lidar com situações de risco dentro das unidades
de atendimento socioeducativo e a orientação para com a família, são de suma importância para
oferecer um contexto ideal para os adolescentes com ideação suicida ou tentativa de suicido.
Portanto, os resultados das entrevistas e análises desse trabalho nos mostram a importância
das atividades voltadas para uma ação socioeducativa. As políticas públicas redistributivas,
dão inclusão social através de interações com aulas de dança, música, cursos de formação
de acordo com a necessidade de cada grupo, garantindo assim, a qualidade de vida dos
jovens e possibilitando a reinserção dos mesmos na sociedade de forma efetiva. Permitindo
assim, uma melhora positiva do individuo referente a pensamentos suicidas.
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OS DESAFIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
NA GARANTIA DE DIREITOS: UM ESTUDO
NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
1. Introdução 182
As pessoas que procuram os Tribunais de Justiça em nosso país estão em busca de solu-
ções para os conflitos, latentes ou explícitos, que estão vivenciando. No caso das Varas da
Infância e Juventude, por atender predominantemente crianças e adolescentes em situação
de risco e vulnerabilidade social, podemos dizer que os envolvidos vivem e sobrevivem com
grandes necessidades: são desempregados, trabalhadores rurais temporários, empregadas
domésticas, faxineiras, ambulantes e outros. Muitas vezes, essas pessoas já passaram por
atendimentos realizados pelo Conselho Tutelar, serviços de assistência social, de assistência
à saúde e, estão muitas vezes, envolvidas em situações de violência e crimes.
Essas pessoas procuram a justiça ou são encaminhadas ao Poder Judiciário para providên-
cias específicas, relacionadas, em geral, a algum ato praticado ou a algum tipo de omissão
grave que implique problemas para as crianças e os adolescentes sob suas responsabilida-
des. O Poder Judiciário, por meio dos Tribunais de Justiça, é instigado de forma a dar uma
resposta aos conflitos em que eles estão envolvidos.
1 Assistente Social no Tribunal de Justiça de São Paulo, doutora em Serviço Social pela UNESP- Franca/SP;
Mestre em Serviço social e Politica Social pela UEL-PR (Universidade Estadual de Londrina-PR); Graduada em Serviço
Social pela UEL-PR; e-mail:csrighetti@yahoo.com.br / crighetti@tjsp.jus.br. Telefone: (18) 3341-11-07 / (18)3341-6155.
Acerca dos conflitos de interesses que se referem a crianças e adolescentes, pode-se dizer
que o Brasil possui um parâmetro de solução, no caso a legislação, bastante avançado: o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ou Lei nº 8.069, de 1990.2 No entanto, o citado
estatuto é apenas um dos aspectos necessários para a garantia de direitos. Esses direitos
dependem, para sua garantia, de uma ação concreta do Estado e da atuação do Poder Execu-
tivo na execução das políticas públicas que assegurem os direitos conquistados.
Nossa experiência profissional de mais de dezoito anos, atuando como Assistente Social, no
interior do Poder Judiciário paulista nos instiga a melhor compreender esses mecanismos.
Nossos questionamentos passam por buscar respostas às seguintes perguntas: Que respos-
tas são dadas pelo Judiciário em casos que envolvem políticas publicas? Até que ponto a
intervenção Judicial, visando cumprimento das Políticas Publicas, na implementação de di-
reitos sociais, se caracteriza afronta a divisão e independência dos poderes que constituem
o Estado Democrático de Direito? Até que ponto, depois de esgotadas outras instâncias
(de natureza política e administrativa), pode-se buscar a intervenção do judiciário visando à
implementação de políticas públicas pertinentes aos direitos fundamentais?
A partir do exposto, definiu-se como problema de pesquisa: como são enfrentados pelo
Poder Judiciário à garantia de direitos versus a falta de políticas públicas?
Tendo definido a temática desse estudo, é importante, também, sinalizar as etapas de reflexão
Numa instituição forense brasileira, toda historia dos conflitos (a lide) está registrada
nos autos3 de um processo4 judicial, a qual é encerrada com a decisão do Juiz. Todas as
informações, providências, determinações e decisões tomadas no decorrer de um proces-
183
so precisam estar registradas nesses autos. “O que não está nos autos, não está na vida”
afirma Selma Magalhães (2003, p.35).
Os autos contêm diferentes olhares de uma mesma questão, a produção da sentença final
pelo juiz forma-se depois de certo percurso em que diversos profissionais, a cada momen-
to, atuam na interpretação da realidade para o juiz. Como aponta Esteves (1989), é um
“quebra cabeça feito a várias mãos”. No entanto, a sentença não é apenas uma “palavra em
vão”, mas trata-se de uma comunicação escrita que estabelece consequências concretas
na vida das pessoas envolvidas.
2 Emilio Garcia Mendez, assessor do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância; em inglês, “United
Nations Children’s Fund”) para os Direitos da Criança na América Latina, em seu livro Infância e cidadania na América
Latina, dedica três dos doze capítulos do livro à apresentação do Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro
como a mais moderna e perfeita legislação do mundo na área a que pertence (MENDEZ, 1998).
4 Processo – confunde-se com Autos. Processo é uma série ordenada de atos que tende à composição de
uma lide. É o universo de atos. Trata-se de uma fórmula criada para garantir os direitos das partes, evitando decisões
arbitrárias dos agentes públicos, bem como julgamentos personalistas, paternalistas, etc.. Mais do que um mero
amontoado de atos, o processo representa uma técnica de limitação do poder estatal.
Diante dessa peculiaridade do universo forense, que admite como práticas cotidianas comunica-
ções escritas, optou-se, neste estudo, ora apresentado, por pesquisar os autos judiciais; consi-
derando que, nestes, se concentram os fatos, a demanda apresentada, a trajetória, a situação da
vida das pessoas envolvidas; como também, demonstram as manifestações do Ministério Públi-
co, as Determinações Judiciais, os estudos sociais e psicológicos, quando existentes e, por fim,
a sentença judicial, apresentando as respostas do Poder Judiciário aos conflitos apresentados.
A análise dos resultados da pesquisa foi possível perceber que várias famílias têm consciência
de que sua condição financeira precária afeta, e muito, a vida de seus filhos, netos, sobrinhos e/
ou irmãos, mas não visualizam possibilidades de mudanças dessa situação em razão principal-
mente da dificuldade de conseguirem emprego e/ou manterem um trabalho fixo. Ou, ainda, por
não contarem com programas socioeducativos nas proximidades de sua moradia, como vaga
em creches, centros de juventude etc. Em decorrência, muitas vezes se sentem incapazes de
cuidar das crianças e/ou adolescentes e, apesar de desejarem tê-los de volta, várias observam
que é bom que estejam abrigados, porque assim estão tendo melhores condições de vida (FÁ-
VERO; VITALE; BAPTISTA, 2008, p. 118-119).
5 Para aprofundamento da questão, ver o trabalho de Eunice Teresinha Fávero, Maria Amália Faller Vitale e
Myrian Veras Baptista (2008), intitulado Famílias de crianças e adolescentes abrigados: quem são, como vivem, o que
pensam, o que desejam. E o trabalho de Rita C.S. Oliveira (2007), intitulado Quero voltar para a casa.
De acordo com esses parâmetros a pesquisa foi realizada na Vara da Infância e Juventude,
na Comarca da 26ª Circunscrição6, com recorte temporal de janeiro a dezembro/2013. Res-
salta-se que este período foi estabelecido levando-se em conta que presumimos que a maior
parte dos casos analisados estariam encerrados no momento de nossa pesquisa, contendo
assim, todas as peças dos autos para procedermos nosso estudo.
A identidade das crianças e adolescentes participantes, bem como seus familiares, foram
preservados. Para isto, foram estes identificados através de um nome fictício e idade. Além
disto, a pesquisa foi realizada mediante a autorização do Tribunal de Justiça de São Paulo,
sendo esta a autoridade competente que precisou autorizar a realização desta pesquisa.
Apresentamos a seguir, o resumo de um dos casos estudados, buscando reproduzir a trajetória de vida
de cada uma das crianças/grupos de irmãos/famílias envolvidas nos processos, com vistas a identifi-
car quais são as respostas do Poder Judiciário às demandas sociais postas em cada um deles.
Os casos das crianças: Sabrina (4 anos), Ágata (1 ano) e Daniela (10 anos) e
do adolescente Marcos (13 anos)
1. CASO - IDENTIFICAÇÃO
2. DESCRIÇÃO
185
O MP solicita o acolhimento institucional das quatro crianças, por conta das situações de
risco que estavam sendo submetidas, haja vista o comportamento de sua genitora que,
mesmo alertada, não tomou providências visando sanar os problemas apontados, tais
como a má higiene no local. Os menores vinham sendo acompanhados pelo Conselho
Tutelar desde 2003. A situação ficou extremamente grave quando, o Conselho Tutelar
*CRAS – Centro de Referência da
verificou que o irmão da suplicada (tio materno dos menores) apresentava quadro de Assistência Social - responsável
transtorno mental agravado pelo uso de substâncias entorpecentes, sendo necessária a pela organização e oferta dos
serviços socioassistenciais da
intervenção policial para contê-lo. ANEXO: 1) relatório do CT; 2) oficio da Vigilância sani- Proteção Social Básica do Siste-
tária; constando a visita realizada, a qual aponta que a genitora reside com seus três filhos ma Único de Assistência Social
(SUAS) nas áreas de vulnerabilida-
apenas em um cômodo, que serve como quarto, cozinha, não possui pia para lavagem de e risco social dos municípios.
de louças, nem armários. Por falta de local adequado para guardar roupas e armazenar
** CREAS – Centro de Referência
utensílios de cozinha, materiais de limpeza, tudo fica desorganizado em um único cômodo;
Especializado da Assistência So-
3) relatório do CREAS; 4) relatório do CRAS* e CREAS** ; 5) estudo psicossocial (judiciário); cial - oferta de trabalho social es-
pecializado a famílias e indivíduos
6) advertência Judicial da genitora.
em situação de risco pessoal ou
social, por violação de direitos.
6 A 26ª Circunscrição Judiciária do Estado de São Paulo abrange os Fóruns das Comarcas de Assis, Cândido
Mota, Quatá, Palmital, Macaraí e Paraguaçu Paulista.
3. ÓRGÃOS ENVOLVIDOS
1. Estudo psico-social: relata que a Sra. Daiana foi acolhida dia 01/04/2013 com os
filhos, pois estava amamentando a criança Ágata, tendo permanecido na Casa de
acolhimento até o ultimo dia 26, quando foi solicitada a sua saída do local, devido
a não ter seguido as regras da instituição. Atualmente, reside com a filha de 17
anos, que convive com Vilson, com quem tem um filho de 9 meses. Em entrevista
com a genitora, apresentou justificativas evasivas e inconsistentes, atribuindo ao
irmão a responsabilidade vivenciada por ela e os filhos. Compareceram ao atendi-
mento às crianças. Marcos e Daniela declararam que, enquanto estiveram no con-
vívio da genitora, eram frequentes à escola, são devidamente atendidos pela mãe
e desejam retornar junto dela. Conclusão: A Sra. Daiana mostra-se impermeável
às orientações técnicas, bem como a intervenção dos demais órgãos. Sugerimos
que a Sra. Daiana seja encaminhada coercitivamente à avaliação psiquiátrica,
uma vez que ela se nega a realizá-la e que as crianças permaneçam acolhidas.
Os casos das crianças: Sabrina (4 anos), Ágata (1 ano) e Daniela ( 10 anos) e do adolescente Marcos (13 anos)
8. DECISÃO JUDICIAL
Ainda os profissionais da Casa de Acolhimento, solicitam a suspensão das visitas pela mãe,
sendo que a genitora foi acolhida junto aos filhos, pois estava amamentando Ágata. Não
houve questionamentos pelo Ministério Público e nem pelo Judiciário se esse afastamento
prejudicaria a amamentação e os vínculos com os filhos, não defendendo assim, o direito das
crianças. A mãe permaneceu três meses com as visitas suspensas aos filhos.
Buscando compreender como o judiciário responde aos casos que necessitam da atuação
Acreditamos que tal situação ocorre, justamente porque os vários profissionais do sistema
de garantia de direitos da criança e do adolescente e, em especial, o assistente social, inter-
pretam e intervêm nas relações concretas do cotidiano que permeiam as relações familiares
e sociais, as relações do Judiciário com as pessoas e, enfim, as relações do sujeito com tudo 188
o que o envolve (família, escola, clube, parentes, programas sociais, etc.), e o juiz se apropria
desses saberes legitimando-o, reforçando o poder simbólico da instituição judiciária.
Destacamos que todos os sistemas simbólicos (a politica, a religião, o direito, entre outros)
são caracterizados por agentes dotados de um mesmo habitus. Os atores corporificam
papéis e os efetivam cotidianamente. (BOURDIEU, 1989).
A proximidade dos interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações fa-
miliares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões de mundo. Segue-se
daqui que as escolhas que o corpo deve fazer, em cada momento, entre interesses, valores
e visões do mundo diferentes e antagonistas têm poucas probabilidades de desfavorecer os
dominantes, de tal modo o etos dos agentes jurídicos que são invocados tanto para justificar
como para inspirar estão adequados aos interesses, aos valores e à visão do mundo dos
dominantes. (BOURDIEU, 1989, p. 242).
Nessa análise, observamos ainda que a interpretação da lei não é o ato solitário de um magistra-
do em fundamentar a demanda na razão jurídica; o conteúdo prático da lei se revela no resultado
de uma luta simbólica entre os vários profissionais dotados de competência técnicas. Essa
situação se destaca com mais veemência na Vara da Infância e Juventude, através dos colabora-
dores institucionais do Juiz, ou seja, dos vários profissionais dos diversos órgãos institucionais.
BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de so-
ciologia do conhecimento. Tradução: Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985.
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Acesso em: 03 jan. 2016.
BRASIL. Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069,
de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de
1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Conso-
lidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943;
e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 04 ago. 2009. Retificado no DOU
de 2.9.2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/
l12010.htm>. Acesso em: 03 jan. 2016.
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www.rbhcs.com ISSN: 2175-3423.
1. Introdução
192
O presente trabalho objetiva abordar assuntos correlatos à trajetória do adolescente em
conflito com a lei, adotando como preceito as medidas socioeducativas, sua aplicabilidade,
até a confecção de documentos judiciais. Depreende-se que este estudo fora organizado
levando em consideração a prática de empirismo experienciado pela autora, ao trabalhar no
Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo, atrelada às unidades localizadas
no município de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Nas aludidas instituições, inquietudes surgiram
em ensejos, a partir do preenchimento do PIA e do relatório técnico, questionamentos esses,
que se assemelham aos resultados que serão apresentados neste estudo.
Para a aplicabilidade deste trabalho, optou-se por realizar uma pesquisa científica de
base qualitativa, por meio de análise documental em revistas, artigos e livros, para
melhor elucidar as questões a serem abordadas. Faz-se saber, que a análise documen-
tal para a pesquisa não fora delimitada, sendo priorizada a utilização de textos que se
assemelham a problemática apresentada.
1 Assistente Social formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Política Pública,
Gestão e Controle Social pela Faculdade de Educação da Serra (FASE). Especialista em Medidas Socioeducativas pela
Faculdade de Educação da Serra (FASE). Atuou como Assistente Social Socioeducativo no Instituto de Atendimento
Socioeducativo do Espírito Santo (IASES) entre os anos de 2011 a 2016. Email: liviagasp@yahoo.com.br – Telefone
para contato: (28) 99921-7804.
Salienta-se que a autora Arilda Schmidt Godoy (1995), caracteriza a cientificidade, baseada
na análise documental, como considerável alicerce para a descoberta de novos elemen-
tos, por não estar focalizado em questionamentos genuinamente estruturados. Sinaliza
atenção especial a esta linha de pesquisa, por possibilitar interpretação complementar ao
objeto de estudo analisado.
Por meio da análise documental, diversificados autores contribuíram para a confecção des-
te trabalho, tendo destaque autores como Albuquerque et. al. (2015); Costa et. al (2011) e
sua referência de autores; o Conselho Regional de Psicologia do Paraná que atribuiu deba-
te à problemática aqui acometida e Jonas Zoli Segura (2012) que representa a Defensoria
Pública do Estado de São Paulo.
Nesta perspectiva, legalmente, o adolescente em conflito com a lei detém o direito a um tratamen-
to particularizado com caráter ressocializador, com o apoio de sua família e de técnicos/profissio-
nais que atuam nos órgãos de proteção, a fim de auxiliar no aprimoramento de um planejamento
de vida elaborado. Concernente a este planejamento, o artigo 52 do SINASE especifica que:
O parágrafo único do citado artigo instrui que o Plano Individual de Atendimento (PIA) deve ser
elaborado por equipe técnica de referência do adolescente, bem como com a participação do
socioeducando e de seu âmbito familiar, sendo obrigatória a participação da família no proces-
Depreende-se que “O estudo social é um processo [...] que tem por finalidade conhecer
com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão
social [...]” (CEFESS, 2003, p. 42). No que concerne ao Estudo de Caso, este é implicado a
todas as entidades que desenvolvem programas de internação, e se refere “[...] ao levanta-
mento com mais profundidade de determinado caso ou grupo humano sob todos os seus
aspectos” (MARCONI; LAKATOS 2011, p. 276).
É ressaltante a explanação de André (1984, p. 52) neste contexto, pois a autora sinali-
za elementos importantes e característicos deste instrumental técnico conveniente às
Os estudos de caso buscam a descoberta. Mesmo que o investigador parta de alguns pressu-
postos que orientam a coleta inicial de dados, ele estará constantemente atento a elementos
que podem emergir como importantes durante o estudo, aspectos não previstos, dimensões
não estabelecidas a priori. A compreensão do objeto se efetua a partir dos dados e em função
deles. Os estudos de caso enfatizam “a interpretação e contexto”. É um pressuposto básico
deste tipo de estudo que uma apreensão mais completa do objeto só é possível se for levado
em conta o contexto no qual este se insere.
195
Neste parâmetro, remetendo-se ao adolescente em conflito com a lei, pode-se observar a
relevância da integração profissional de forma a promover um estudo que compreenda a par-
ticularidade deste adolescente, o que o motivou à prática de ato infracional, conhecer a sua
própria história de vida, os fatores socioeconômicos, dentre outros aspectos CASTRO 2006
(apud, GUIDINI 2012). Depreende-se que a abalizada menção nos expede a dizer que a prática
de ato infracional é fundamentada por motivações interligadas a situações vivenciadas, em
que o adolescente viabiliza como alternativa, por circunstâncias singulares, a prática da ilega-
lidade (HAMOY, 2008). Nessas circunstâncias, salienta-se a importância de um estudo mais
aprofundado acerca do objeto de ação, bem como maior interação entre as categorias profis-
sionais de forma a perceber essas circunstâncias e arrazoar alternativas para rompê-las.
E é a partir dessa interação profissional que se fundamenta o estudo de caso que resulta no
diagnóstico polidimensional. É neste momento que se finda a prática interdisciplinar da equi-
pe ao identificar o seu objeto de ação e as demandas a serem trabalhadas. De acordo com
Severino (2007), a interdisciplinaridade é a união de diversificadas áreas de conhecimento,
que se encontram para se complementarem em uma relação contraditória e dialética, onde
cada área de conhecimento tem as suas respectivas contribuições, e se caracterizam pela
intensidade da troca de conhecimento entre os profissionais.
Cada instituição socioeducativa possui o seu próprio critério político/pedagógico para
gerir o parâmetro institucional concernente à legislação. Ao avalizar o estudo de caso,
considera-se importante retratar que a prática interdisciplinar não deve ser restrita
somente à equipe técnica:
[...] Desta maneira, fica mais fácil conhecer o adolescente por inteiro e tornar o estudo de caso
menos suscetível a avaliações, interpretações pessoais e projeções individuais. É de suma im-
portância o envolvimento, além da equipe técnica, dos professores e agentes socioeducativos.
[...] o PIA deve refletir o projeto político-pedagógico [...] e propor intervenções individuais e gru-
pais que promovam a integração social e comunitária do adolescente. E, por fim, deve ser um
instrumento que singularize o adolescente e contribua para a construção de uma subjetividade
expressiva e criativa (IBID, p. 345).
Em complemento ao Plano Individual de Atendimento tem-se a elaboração do relatório técni-
co, que como já dito, é deprecado em casos de reavaliação da medida socioeducativa. Para a
construção deste relatório, é fundamental que o mesmo apresente os resultados dos objetivos
e metas que foram cominadas no PIA por adolescente e família, como profere o artigo 58 do SI-
NASE. Além dos resultados alcançados, o relatório técnico possui a sua particularidade ao ter a
ele remetido o parecer técnico profissional, de forma a subsidiar o operador de direito à tomada
de decisão no que concerne à progressão ou a manutenção da medida socioeducativa2:
O relatório, com certeza, subsidia o juiz em sua tarefa, ao trazer aspectos subjetivos do adoles-
cente, mas sua função não é somente esta. O relatório permite conhecer melhor o sujeito em
sua realidade social e familiar, e não somente no seu lado delinquente, que é o que mais inte-
ressa à Justiça. Embora o interesse da Justiça seja compreender aspectos específicos do ato
delinquente, cabe à equipe psicossocial responsável pela elaboração do relatório transformar
esta solicitação em uma possibilidade de conhecimento do sujeito e de sua história. Torna-se
necessário discutir o olhar da sociedade sobre este sujeito, já que, em função do ato cometido,
os estereótipos podem prevalecer sobre a subjetividade (COSTA et. al 2011, p. 384).
[...] o que se pode escrever no PIA e nos outros relatórios? Como trabalhar com o adolescente
sem expô‑los aos íntimos da sua história? Como manter o pacto com o adolescente se por
vezes o PIA se transforma em um instrumento que registra seus atos infracionais? Estas per-
guntas se colocam, sobretudo quando o juiz lê o documento em voz alta, que pode produzir
constrangimentos para o adolescente e os técnicos. Um dos técnicos aponta a necessidade de
197
avaliar qual informação é do âmbito do atendimento, e merece sigilo, e qual informação é do
serviço e deve ser transmitida para garantir a continuidade do trabalho.
[...] o sigilo é preservado dentro daquilo que a produção de documentos prevê, sendo comu-
nicado a justiça apenas as informações necessárias a reavaliação da medida. Toda avaliação
2 Art. 151 - Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela
legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim
desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata
subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.
encaminhada ao judiciário é de acesso do adolescente e deve ser trabalhada com este, no
sentido de auxiliar o processo reflexivo (2014, p. 12).
Quanto a indicação de MSE [...] compreendem que a não indicação pode se constituir em omis-
são, posto que, ao realizarem a avaliação, levam em conta fatores que indicam para a necessi-
dade de intervenções em diferentes níveis de liberdade (2014, p. 12).
Para a construção de um relatório técnico, tendo ou não esta indicação, é ressaltante o cuida-
do na composição deste documento, de forma a não contrapor a sua centralidade. Foucault,
1986 (apud, COSTA et. al, 2011) ajuíza cautela na elaboração do relatório de forma a não
transpor ao adolescente a imagem de um delinquente juvenil, seja pela prática da ilegitimida-
de, da midiatização ou até mesmo da composição de juízo de valor do técnico que o elabora. E
dependendo da centralidade de seu relatório, diversos sujeitos podem ser construídos, como o
infrator com perfil de delinquente, a vítima, o bandido, ou até mesmo um calamitoso agressor.
[...] de S. J. de M. J.: “Quanto ao ato infracional que motivou esta internação relatou que estava
na balada em companhia do amigo Jonatan e de outros dois amigos maiores de idade quando
foi convidado a participar de um roubo de um carro. Sandro relatou que ele e um rapaz maior de
idade abordaram os ocupantes de um carro Celta no bairro Agapeama, portavam um revólver e
anunciaram o assalto, em seguida encontraram com Jonatan e o outro maior e seguiram para
uma casa localizada na vila Tupi em Várzea Paulista. No dia seguinte enquanto discutiam sobre
o que fazer com o carro foram surpreendidos pela polícia”.
Observa-se no trecho deste relatório, que o técnico que acompanhava o autor de ato infracio-
nal, mencionou a sua confissão enfrente a contravenção, dúvida esta que como destacamos,
de fato envolve as categorias profissionais na laboração destes documentos. A Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, ao questionar trechos dos relatórios enviados à Vara da
Infância e Juventude, afirma que a equipe técnica, ao trazer no bojo do relatório a confissão
do autor de ato infracional, viola inúmeras garantias de direitos que a ele são asseguradas.
Dentre estas garantias, mencionam o direito de o adolescente não pronunciar-se sobre o
ato infracional sem a presença da família e de seu advogado de defesa, direito este previsto
Não há qualquer argumento que sustente a validade desta confissão prestada perante a equipe
técnica. Além disto, em nenhum dos diversos relatórios analisados, constou qualquer informa-
ção a respeito de eventual ciência do adolescente de que o documento produzido instruiria o
seu processo socioeducativo. Portanto, em tais casos, além do direito ao silêncio, há violação
expressa ao direito à informação assegurado a todo adolescente acusado da prática de algum
199
ato infracional [...] (2012, p. 6).
Dispõe o art. 5º, LVI, da Constituição Federal que “são inadmissíveis no processo, as provas ob-
tidas por meios ilícitos”. Já o art. 157 do Código de Processo Penal traz previsão semelhante,
ao dispor que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. (2012, p. 7).
É intuído das explanações mencionadas, que mesmo o adolescente tendo expresso negativa
quanto à prática de ato infracional, durante a oitiva informal e na audiência de apresentação,
a sua confissão fora mencionada em relatório técnico. Em vista desta polemicidade Brito,
2005 (apud, COSTA et. al, 2011) enfatiza que o profissional técnico deve de fato suprimir a
prática pericial investigativa, com nulidade no apontamento de verdade/mentira ou certo/
errado, para melhor engajar o seu fazer profissional. Para o autor, esta fundamentalidade é
expressiva, já que aos operadores de direito é apropriado um parecer técnico totalizado em
provas, para que a decisão judicial seja mais bem engajada em culpabilização ou inocência.
Fora referido nas alegações da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que a con-
fissão do adolescente fora citada em relatório técnico sem o seu consentimento. Não
podemos afirmar que a auferida elucidação é verídica ou apenas argumento para alavancar
a contraposição aos pareceres técnicos, todavia, qualquer documento jurisdicional, seja o
Plano Individual de Atendimento ou o relatório técnico de avaliação, deve ser confecciona-
do com a participação do autor de ato infracional e sua família.
Dando sequencia a este debate, outra menção enfatizada pela Defensoria, é a violação ao Có-
digo de Ética Profissional das categorias profissionais ao mencionar em relatório a confissão
do adolescente. Dos termos atrelados ao debate, é ressaltante dizer, que quando se tratam
de violações ao código de ética profissional, as inculpações administrativas e as medidas
disciplinares devem ser avaliadas e aplicadas pelos respectivos conselhos das categorias. A
criticidade de certo é válida, mas a afirmativa de erroneidade na prática profissional deve ser
realizada pelos seus representantes. E tendo em vista tudo o que fora discutido neste traba-
lho, tendo destaque a importância dos documentos judiciais, a sua composição, o perfil do
autor de ato infracional, sua família e da equipe interprofissional, se faz imprescindível visar
uma prática interdisciplinar eficaz, seja no acompanhamento ou na escrita de documentos.
Em toda ação deve-se levar em consideração a garantia de direitos do objeto de ação, que
aqui apresentado, é um ser em desenvolvimento.
4. Considerações Finais:
Autores referidos durante a pesquisa qualitativa atribuem que o relatório técnico deve
conter centralizadamente, aspectos que fundamentem o histórico sociofamilar e a garantia
de direitos, sendo este o desígnio profissional/institucional. Essa menção é corroborada
pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ao apresentar análise crítica de relatórios
encaminhados para a Vara da Infância e Juventude do referido Estado. Todavia, a Defensoria
Pública contesta que a equipe técnica esboce em documento a confissão do adolescente
defronte o ato infracional, salientando punição administrativa para o profissional e comu-
mente violação de direitos ao adolescente.
Outros analisáveis questionamentos surgiram ao longo deste trabalho, como os demons-
trados na pesquisa realizada por Albuquerque et. al. (2015), tendo os técnicos da Casa de
Semiliberdade, questionado o que deve ser esboçado ou não no PIA e no Relatório Técnico.
Outra dubiedade apresentada, fora a promovida em discussão pelo Conselho Regional de
Psicologia do Paraná, que elucidam opiniões díspares sobre a sugestão na reavaliação da
medida socioeducativa.
A partir de todos os critérios até aqui estabelecidos e discutidos, lançamos a este debate,
sugestivos questionamentos a caráter de análise.
Sabe-se que o papel do técnico, que se remete a trabalhar com medida socioeducativa é a
centralidade da garantia de direitos, que deve ser focal na construção de relatórios judiciais.
O profissional técnico, além disso, possui autonomia na construção de seu fazer profissional,
Nesta perspectiva de análise crítica, Kolker, 2004 (apud, COSTA et. al, 2011, p. 385) elucida
que os dados que compõem um documento jurisdicional possui o poder de decisão quanto à
história de vida do indivíduo, tendo que ser preenchido com cautela, ética e responsabilidade,
por ter em mãos a autoridade de possibilitar o destino de um sujeito. Concernente a isto, o 201
autor acrescenta que na confecção do relatório técnico o usuário/cliente poderá:
ALBUQUERQUE, Bruna Simões de et. al. Plano Individual de Atendimento (PIA) na perspectiva
dos técnicos da semiliberdade. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 122, p. 341-356, abr./jun. 2015
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1. Introdução
“Eu só quero voltar pro abrigo!”. Repetia incessantemente Pedro durante o atendimento que
culminaria em sua “devolução” à entidade de acolhimento.
A história de Pedro2
Pedro era o caçula de um grupo de irmãos. Eles moravam em casa simples com seus genitores.
Sua genitora tinha comprometimento psiquiátrico e seu genitor era usuário de drogas. A família
1 Analista Judiciário com especialidade em Psicologia – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de janeiro. Email: mvlino@
gmail.com Telefone: 99468-8489.
2 O nome próprio foi alterado e alguns dados foram omitidos para preservação da criança.
vivia em condições precárias e as cenas de violência familiar eram frequentes. Vizinhos fizeram
denúncias e o conselho tutelar local interviu. A família foi classificada como negligente e adverti-
da. Foi também encaminhada para a rede de saúde do município (CAPS). Não aderiram a encami-
nhamento algum. A violência familiar continuou sendo praticada pelo genitor contra a genitora das
crianças. Novamente outra intervenção do conselho tutelar. Dessa vez, acolhimento dos infantes.
Isso aconteceu há aproximadamente quatro anos atrás. Pedro e seus irmãos percorreram algumas
entidades de acolhimento do município. Em uma delas, uma senhora, voluntária da instituição,
se afeiçoou pela criança e resolveu pedir sua guarda de direito. Deram-lhe a guarda provisória.
A criança foi morar com ela. Nesse mesmo período, um casal solicitou a adoção de seus outros
dois irmãos. E assim foi feito. Os irmãos foram separados. Meses depois a guardiã de Pedro não
o quis mais. Justificou que estava com problemas de saúde e que a criança ‘não obedecia’. Tentou
passar Pedro para outra família, mas eles também não o quiseram. “Cuidar por uns dias, sim, mas
pedir a guarda é muita responsabilidade”, disse a guardiã provisória da criança. Pedro foi devol-
vido para a entidade de acolhimento. Seus irmãos não. Devido ao tráfico de drogas nas proximi-
dades da instituição onde a criança estava, não houve alternativa a não ser fechá-la, pois, quando
a polícia fazia operações, era para lá que alguns ditos traficantes fugiam. Pedro foi para outra
entidade de acolhimento. Chegando lá, uma das voluntárias se encantou pela criança. Comunicou
a seu marido. O casal já era habilitado, ou seja, podia adotar. Pedro agora já era um pré-adoles-
cente e com dois anos a mais da idade pretendida pelo casal, que preferiam crianças mais jovens.
Porém, quando o requerente conheceu Pedro, disse que se “apaixonou pela criança”. Pronto! Tudo
Era desejo da Vara da Infância, Juventude e Idoso que “todos os desejos fossem realizados”.
205
A aproximação da criança com o casal começou. O casal demonstrava afeto e carinho por
Pedro. Entretanto, acreditávamos que era melhor “ir devagar”, posto que a criança já havia
passado por uma experiência de inserção em família substituta mal sucedida. Orienta-
mos insistentemente o casal. Não adiantou. Eles tinham pressa. Em audiência concentrada3
foram liberadas visitações com pernoite (da criança à casa do casal). Dois meses depois,
conseguiram a guarda provisória. Tudo parecia caminhar bem.
3 Conjunto de medidas que objetivam sistematizar o controle de atos administrativos e processuais para
garantir o retorno de crianças e adolescentes institucionalizados para as suas famílias. Disponível em <http://www.
tjpb.jus.br/wp-content/uploads/2012/05/COINJU-1.-PLANO-OPERACIONAL.pdf>. Acessado em 07 ago. 2016.
A fim de melhor compreender o que levou à tomada daquela decisão, optamos por ouvir
cada membro da família em separado. Em contato com a guardiã de Pedro fomos infor-
mados de que a adoção nunca foi seu desejo, mas sim de seu marido e que somente o fez
para “agradá-lo”. O casal tinha filhos de outros relacionamentos (todos adultos). De acordo
com a requerente, seu esposo nunca teve um filho e, por isso, o desejo em adotar somente
um menino na faixa etária já citada.
Durante os atendimentos a demanda inicial foi sendo desconstruída – a de que Pedro não
queria mais ficar com o casal. Pedro só facilitou, se antecipou, entendeu que, naquela
família, não teria mais como ficar. Mas poderia ele optar por não voltar para a entidade de
acolhimento? E se isso fosse possível, para onde iria a criança?
Em atendimento, a guardiã da criança chegou a mencionar que sua vontade era de ‘devolver’
Considerando as falas anteriores, onde o casal não só informava “que estava tudo bem”
como também demonstrava, por meio de fotos da criança na escola, na catequese, no fute-
bol, nos momentos de lazer entre a criança e o guardião, que a adaptação dessa família em
construção fluía de modo saudável, não entendíamos o que havia mudado.
206
Após o casal nos informar sobre a descoberta da suspensão do poder familiar da criança
e de que teriam que aguardar, percebemos que ansiedade e frustração foram sentimentos
determinantes que catalisaram o fim do começo de uma relação. Pelo menos em relação ao
requerente. Não conseguiram lidar com tais sentimentos. Ninguém conseguiu. E, por isso, a
criança, bode expiatório dessa relação familiar em construção, começou a se comportar de
modo desobediente/inadequado. Não queria ir para escola. Como querer? A requerente era
professora há anos na escola onde a criança estudava. Pedro era mais vigiado que condena-
do em presídio de segurança máxima.
De centro das atenções, a criança passou a ser centro de todos os problemas e, por isso,
pediu para voltar para a instituição, pois lá poderia ser “mais um”. Poderia se misturar aos
demais. A atenção seria dividida. Não seria mais o foco. Não queria mais lidar com isso.
Durante o atendimento Pedro nos pediu uma nova família, mas dessa vez com dois ou três
irmãos. Queria definitivamente uma família, mas não ser o centro dela. Só pertencer. Fazer
parte. Ser um membro como os demais. Ser acolhido. Isso bastava para a criança.
[...] quando crianças são colocadas em famílias substitutas (adotivas), na maioria das vezes
isso ocorre pela vulnerabilidade social a que estão expostas as famílias pobres, bem como
pela presença deficiente de proteção social por parte do Estado, por intermédio de políticas
públicas, e pela falta de uma cultura de convivência familiar e comunitária que garanta à
criança e/ou ao adolescente a permanência em sua própria família. Nessa perspectiva, os
processos de adoção podem ser vistos tanto como mais uma forma de violar direitos, se não
forem realmente esgotadas todas as possibilidades de retorno da criança à sua família de ori-
gem, quanto como um modo alternativo para a garantia de convivência familiar e comunitária,
de direitos e de cidadania para crianças e adolescentes. (GOES, 2014a, p.86).
Pouco ou nada se pode fazer para reverter uma história de vida fragmentada e recortada de
famílias como essa (pobres, criminalizadas, vulneráveis, em risco), quando ela é levada ao
judiciário. Holofotes são ligados sobre essas famílias; suas vozes e singularidade descon-
sideradas, silenciadas em nome da prioridade absoluta e proteção integral da criança. Esse
tipo de proteção não acolhe, mas rotula, desqualifica, ofusca e desconsidera a dinâmica fa-
miliar. É um tipo de proteção perversa que se utiliza do jargão “em nome do bem” para invadir
as famílias, criminaliza-las, pedagogizar suas condutas, seus fazeres e afazeres para, talvez,
com isso, as mesmas terem seus filhos de volta. 207
Em seu texto, a autora Carmem Lucia Eiterer (2011) nos mostra que tal prática, ainda atual,
de tentativas de colocação de crianças e de adolescentes em famílias substitutas ou exten-
sas, é uma forma de controlar a infância pela lógica do discurso da proteção.
[...] século XIX, associado ao Iluminismo e ao liberalismo, inspirado em ideias políticas euro-
peias, a racionalidade brasileira descobre a infância como fonte de força de trabalho poten-
cial. E, por essa razão, as crianças vão merecer atenção do Estado. [...] Assim, medidas de
higienização e de disciplinarização [...] são implementadas com vistas a garantir a transfor-
mação dos hábitos da população pela disseminação de padrões aceitáveis de comportamento.
[...] Cabia então proteger as crianças de suas próprias famílias (EITERER, 2011, p.97).
Em nome da proteção, a família substituta, em muitos casos, age como única possibilidade
de “solução” daquele infante. Inegável que proteger a criança e o adolescente é preciso,
mas até que ponto essa proteção não fere seus direitos? Felizes com a possibilidade da
saída da criança e sua ida para uma família, nem sempre, enquanto profissionais, nos posi-
cionamos de maneira mais ponderada e assertiva nas indicações de colocação em família
substituta ou mesmo reintegração. Se alguém se interessa por uma criança, em muitos
casos, pouco problematizamos junto com a parte endereçada [a criança] se é seu interesse
[ou não] conviver na família que a ela se apresenta.
No caso de Pedro, por exemplo, por ter dez anos é sabido que, quanto mais idade a criança
tiver, piores as chances de ser adotada. Apesar de, conforme dados dos censos do MCA, ser
essa a realidade das crianças em condições de serem adotadas. Crianças “disponíveis”4 à ado-
ção, com idades superiores a 07 anos, representam a maioria dos acolhidos institucionalmente.
Ter consigo uma criança. Ser seu responsável legal ou, ainda, exercer a função de garantir
que os direitos dos infantes sejam preservados, não configura uma filiação.
4 Disponível em <http://queroumafamilia.mprj.mp.br/documents/160911/161988/Cartilha_Sistema_Quero_
uma_Familia.pdf>. Acessado em 18 out. 2016.
A maternidade/paternidade é uma construção, uma produção social. Não é fácil. Não existe
manual, ou melhor, existem muitas receitinhas e dicas teóricas que mais atrapalham que ajudam
àqueles que vivem com os pés na fantasia do filho concebido, gerado e parido na mente. Porém,
na prática, tal material para nada serve e, em alguns casos, atrapalha, pois só rotula e estigmati-
za a criança bem como gera medo e insegurança nos que desejam a maternidade-paternidade.
Alguns modelos presentes no imaginário dizem respeito não apenas à família idealizada,
mas também a noções que se imbricam e concorrem para a construção de um padrão que
leva em conta a consanguinidade, o amor materno idealizado e uma compreensão falsa de
legitimidade. Assim, funda-se a crença de que o outro (que não é do meu sangue) pode vir a
criar problemas. [...] gestar não implica em maternidade, ou paternidade. Da mesma forma,
gestar não implica amar. De mesmo modo, insistimos que “pegar para criar” não é o mesmo
que adotar. A adoção é uma das maneiras legais de constituição de uma família, ou seja, de
se ter filhos. (EITERER, 2011, p. 80-81).
A adoção é uma escolha e não uma imposição. Ter um filho é uma escolha. Mas então, se
a adoção é uma escolha, nos casos de devolução, significa que o(s) requerente(s) esco-
lheu(ram) errado? Sendo assim, ele é culpado e deve ser responsabilizado única e exclusiva-
mente por sua escolha mal sucedida? Teria a equipe técnica do juízo preparado e acompa-
nhado de maneira pouco ou nada efetiva? Seria ela culpada? Existe culpa?
Sabemos que, principalmente nos casos de adoção tardia5, o período de adaptação da nova
Na nova família é importante que as regras sejam flexibilizadas, preferencialmente. Por exem-
plo: Aqui em casa dormimos às sete da noite todos os dias, diz a nova família da criança. Mas 209
a criança está acostumada a dormir às oito da noite todos os dias. Por que não flexibilizar? Por
que todo questionamento ou oposição às regras tende a ser visto como rebeldia ou problema?
A idealização desse novo membro, quando acompanhada de uma rigidez, pode aprisionar e
bloquear o crescimento e aprendizagem conjunta dessa família. A frustração de não ter uma
criança que corresponda às expectativas imaginadas; a distorção da demonstração do afeto; a
impaciência; o medo; a ansiedade são fatores que juntos (ou não) tendem a aparecer. Não se
pode furtar de considerar tudo isso. E muito menos deixar de problematizar essas questões.
5 A expressão “adoção tardia”, bastante utilizada, refere-se à adoção de crianças maiores ou de adolescentes.
Remete à discutível ideia de que a adoção seja uma prerrogativa de recém-nascidos e bebês e de que as crianças maiores
seriam adotadas fora de um tempo ideal. Desconsidera-se, com isso, que grande parte das crianças em situação de
adoção tem mais de 2 anos de idade e que nem todos pretendentes à adoção desejam bebês como filhos. Disponível em
<http://portaldaadocao.com.br/docs/cartilhas/AMB_adocao_passo_2008.pdf>. Acessado em 07 set. 2016.
a criança a partir das expectativas dos adultos (habilitados ou não) aumentaria o número
de adoções e, concomitantemente, diminuiria as devoluções? Não seria essa uma relação
puramente mercadológica e comercial?
Goes (2014a), em seu texto, deixa claro que, enquanto profissionais, buscamos famílias para
os que estão acolhidos e sem perspectiva de reintegração familiar. Mas, na prática, será que
realmente estamos fazendo isso? Será que nós, profissionais, temos meios de garantir uma ado-
ção 100% eficaz? Ter certeza da não devolução de uma criança? É sabido que não e também é
importante nos despirmos de tamanha prepotência – achar que temos felling e conhecimento su-
ficientes para evitar a devolução de crianças. Precisamos falar mais, discutir, problematizar mais
os caminhos e descaminhos da adoção para, assim, compreendermos melhor as devoluções.
A adoção é um ato jurídico no qual se cria um vínculo de parentesco por opção entre duas pes-
soas que não possuem laços biológicos. Em 1965, foi promulgada a Lei 4.655 que definiu a ado-
ção como irrevogável. As crianças e adolescentes adotados passaram a ter os mesmos direitos
e deveres dos filhos biológicos, sendo rompido qualquer laço com a família biológica (p.2).
A família aparece, portanto, como primeiro espaço em que a criança se desenvolve enquanto
ser social, atuando na mediação entre os indivíduos e as normas, regras e valores da socie-
dade. Ela é o responsável primeiro pela garantia e efetivação dos direitos das crianças e dos
adolescentes à vida, à proteção e ao desenvolvimento de habilidades humanas, de modo que
estes possam dispor das condições materiais e humanas necessárias ao seu desenvolvimento.
(QUEIROZ & BRITO, 2013, p.59).
A partir da legislação vigente no Brasil, podemos afirmar que temos uma expansão legal da
concepção da adoção, concebida como medida protetiva e excepcional que visa à satisfação
prioritária dos direitos da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária. No en-
tanto, ela precisa ter ressonância no movimento da sociedade, o que se tem configurado como
uma questão complexa, pois observamos resistências de ordem socioculturais na materializa-
ção desses direitos legalizados. O Brasil (2010) conta com uma quantidade enorme de crianças
maiores de três anos, disponíveis para adoção, que não se enquadram nas expectativas dos
pais pretendentes, uma vez que a maior demanda é para crianças abaixo dessa faixa etária
(QUEIROZ & BRITO, 2013, p.56).
A adoção é um ato jurídico onde a relação de parentesco e o vínculo se dão por opção. Ao legalizar
a relação, a adoção legitima a filiação afetiva. A história legal da adoção no Brasil data do início do
século XX. O assunto foi tratado pela primeira vez em 1916, no Código Civil brasileiro7 (artigos 368
a 378). Depois da iniciativa, seguiram-se a aprovação de outras leis: 3.133/19578, 4.655/19659 e
6.697/197910, 8.069/199011. Este alterado depois pela atual legislação (Lei n°. 12.010/09).
Para Faleiros & Moraes (2014), “O processo de adoção é visto como uma vinculação/revincu-
lação que implica uma relação particular tanto do mundo interno como o externo, este um pro-
cesso de comunicação e aprendizagem” (p.30-31). Para os autores, numa vinculação adotiva,
há de se considerar a história particular do(s) infante(s). Porém, ressaltam que a convivência, a
comunicação, os laços construídos nessa nova relação são fatores importantes para a qualida-
de dos vínculos estabelecidos entre os membros dessa família em construção.
A vinculação, envolve por sua vez, processos dolorosos de separação que precisam ser
desvelados com cuidado, no convívio diário com a família adotiva, daí a importância em
considerar a gama de relações internas e externas que a criança traz consigo nesse pro-
cesso de pertencimento. [...] Considerar todos os vínculos instituídos durante a infância
7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm.
8 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3133.htm
9 http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%204.655-1965?OpenDocument
10 http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6697-10-outubro-1979-365840-publicacaooriginal-
1-pl.html
11 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
e adolescência, sejam eles, familiar ou institucional é uma tentativa de resgatar a história
individual da criança, processo esse que tende a facilitar a construção dessa nova filiação.
(FALEIROS & MORAES, 2014, p.31-32).
3. Considerações Finais
Goes (2014a) exemplifica o lugar da criança como objeto ao descrever uma cena onde os
pretendentes à adoção declaravam o desejo de devolução de uma infante que estavam na
companhia do casal há cerca de dez meses. Durante o período de convivência com a criança,
os requerentes engravidaram e compareceram com o filho recém-nato para devolver aquela
que um dia foi chamada de filha, pelo casal. Nesse sentido, diz a autora,
[...] a criança virou coisa e, coisificada, passou a ser tratada como um objeto nas mãos de
Ladvocat (2014, p.127), alerta para a importância de não se considerar a criança a ser
adotada como um “presente idealizado”, “um pacote” contendo todas as realizações dos
desejos daqueles que desejam adotar.
212
Alves (2014, p.247) também aponta a visão, em muitos habilitados à adoção, de que recebe-
ram um “produto especial” para, assim, realizarem o sonho do “exercício parental”.
Sonhos. Desejos. Fantasias. Expectativas. Por vezes, não permitem que a família lide com
a realidade que a ela se apresenta, ou mesmo que ela consiga construir uma forma pos-
sível de existir e de não desistir de si. Nesse sentido, adoção “bem sucedida” dependeria
de quem? Do que? Dos adultos? Das crianças? Da família extensa? Sim! A família extensa
(tios, avós, primos) é importante na adoção.
Faleiros & Moraes (2014), em seu artigo Desafios e Possibilidades na Adoção, após pesquisa
com quatro famílias onde duas mantiveram a adoção e as outras duas devolveram as crian-
ças, destacam que o apoio familiar e de amigos se faz mister para a superação de conflitos.
A aceitação do infante pelos demais familiares e amigos é apontada, pelos autores, como
algo fundamental para o fortalecimento dos vínculos familiares.
Sabemos que há casos onde a família extensa da criança não se faz presente por razões
diversas. No caso das famílias com vínculo biológico: ausência de disponibilidade interna e/ou
financeira para cuidar, localização desconhecida, desconhecimento do acolhimento do infante.
No caso dos familiares das famílias substitutas: ausência de sentimento de pertencimento
do infante àquela família, preconceito, ausência de disponibilidade para auxiliar à família em
construção, dentre outros. Também há casos onde a criança não se adapta à família substituta
e, em algumas situações, pede para ser reacolhida institucionalmente. Mas, principalmente,
sabemos que, o desejo maior, dos que se encontram acolhidos, é poder ter uma família.
Pode parecer um paradoxo para muitos requerentes que idealizam “filhos de contos de
fadas”, mas há de se lembrar que independente do motivo que culminou em seu acolhimento,
de um modo geral, toda criança e todo adolescente, quer sentir-se seguro e acolhido em sua
família (seja ela de origem, extensa, ampliada ou substituta).
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Priscilla Azevedo Monteiro de Abreu1, Flávia Kelly Silva Mendes dos Santos2,
Auzeni e Almeida da Costa3
1 Assistente Social, formada pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Especialista em Educação em
Direitos Humanos e Diversidade (UFAL), Analista Judiciária Especializada em Serviço Social do Tribunal de Justiça/AL
e assistente social da UFAL, E-mail priscillaabreu@tjal.jus.br, Telefone (82)99972-5392
2 Assistente Social, formada pela UFAL, Especialista em Dependência Química (Centro Universitário
Cesmac/AL), Analista Judiciária Especializada em Serviço Social do Tribunal de Justiça/AL e assistente social da
Polícia Militar/AL, E-mail flaviasantos@tjal.jus.br, Telefone (82)99653-4238
3 Psicóloga formada pela UFAL, Especialista em Gestão de Pessoas (Faculdade Maurício de Nassau/PE),
Analista Judiciária Especializada em Psicologia do Tribunal de Justiça/AL e Psicóloga da Prefeitura de Maceió, E-mail
auzenicosta@tjal.jus.br, Telefone (82)98815-9132
1. Introdução
A estrutura familiar é uma construção cultural e, na atualidade, o referencial pai e mãe vem
sendo estabelecido não somente pela origem genética, mas pelo elo afetivo. Com a pro-
mulgação da atual constituição federativa brasileira, passou-se a ter a possibilidade jurídica
do reconhecimento das famílias plurais, igualdade de gêneros e de filiação. O casamento
deixou de ser a única forma de reconhecimento de família, pois se consentiu o princípio da
afetividade como um direito fundamental e todos os filhos passaram a ser protegidos, pouco
importando a sua origem (LOPES, 2014). Assim, a afetividade trouxe consigo o conceito de
parentalidade socioafetiva que ultrapassa a consanguinidade.
A história social das famílias também mostra que a família vem mudando, dando espaço à
(...) a parentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre
pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes 216
fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas. E, caso seja comprovada,
entendemos que os filhos socioafetivos deverão ter os mesmos direitos dos biológicos, em
razão da igualdade prevista em nossa Constituição (pág. 16).
Dessa forma, esse artigo tem como objetivo apresentar o trabalho desenvolvido pela equipe
psicossocial do Núcleo de Promoção da Filiação do Tribunal de Justiça de Alagoas (NPF/
TJAL) no processo de adoção unilateral consensual4. A relevância desse trabalho reside no
fato de que é necessário refletir sobre os processos de trabalho, no intuito de qualificar a prá-
tica, bem como dar visibilidade à atuação desses profissionais no âmbito do poder judiciário.
O Núcleo de Promoção da Filiação – NPF tem por objetivo servir como órgão centralizador das
averiguações de paternidade encaminhadas pelos Oficiais de Registro Civil, a fim de promover
o efetivo cumprimento do princípio da prioridade absoluta contido na CF/88 e, em especial, o
disposto na Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, e na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
A Lei 8.560/92 prevê em seu artigo 2º que: “em registro de nascimento de menor apenas com
A equipe que atua no NPF/TJ/AL é composta por analistas judiciários da área de Direito,
assistentes sociais, psicólogas e estagiários dessas áreas de atuação, sendo coordenado
pela Juíza Ana Florinda Mendonça da Silva Dantas e contando ainda com uma Promotora
de Justiça e uma Defensora Pública. É essa equipe que realiza os procedimentos indica- 217
dos pela lei 8.560/92, através da intimação das genitoras e também dos supostos pais a
fim de possibilitar o reconhecimento da paternidade e de maternidade, se for o caso. O
atendimento é realizado no Fórum Estadual Desembargador Jairon Maia Fernandes e numa
extensão do NPF no Centro Universitário Cesmac.
Não obstante, um diferencial no atendimento a essas genitoras e supostos pais é que são
assistentes sociais e/ou psicólogos, com formação em conciliação e mediação, que realizam as
intervenções nas audiências para reconhecimento da filiação. Nestas audiências, além do reco-
nhecimento da paternidade, acordam-se também outros direitos, tais como: guarda, convivência
e pensão alimentícia, visando o melhor interesse da criança, bem como evitar a necessidade
de ingresso de ações judiciais para tratar de direitos filiatórios. Quando é realizado o reconheci-
mento, o NPF/TJ/AL encaminha os mandados de averbação para os cartórios de registro civil a
fim de serem expedidos os novos registros de nascimento dos requerentes e, nos casos em que
é avaliada a impossibilidade do pagamento pelas partes, esse documento é obtido gratuitamente.
Além das demandas elencadas acima, o Núcleo de Promoção da Filiação, em parceria com as es-
colas municipais e estaduais, realiza anualmente mutirões, deslocando sua equipe multidisciplinar
às escolas para que possa ser feito atendimento às crianças, adolescentes e adultos matriculados
na rede de ensino visando garantir o registro completo e os demais direitos dele decorrentes.
Além dessas ações, o NPF/TJ/AL promove atividades externas, seguindo um planejamento anual.
(…) ocorre quando um dos cônjuges/concubinos decide adotar o filho do outro, caso em que
os vínculos de filiação do cônjuge/concubino que é genitor(a) da criança se mantém. O termo
unilateral significa que a substituição da filiação ocorre apenas na linha materna ou paterna. 218
Promover com simplicidade e rapidez processos de adoção por padrastos (adoção unilateral),
legalizando a filiação socioafetiva construída na convivência da criança ou adolescente com o
marido/esposa ou companheiro (a) da sua mãe/pai, em casos cuja filiação socioafetiva neces-
sita ser legalmente reconhecida e regularizada (…) (pág. 4).
Art. 1.626. A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo
com os pais e parentes consanguíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento.
Nos processos de adoção unilateral consensual do NPF/TJ/AL, torna-se desnecessária a
destituição do poder familiar, o que simplifica o processo de adoção unilateral. O trâmite
processual nesses casos é diferente do processo comum de adoção, que incluiria a inscrição
em cadastro nacional de pessoas aptas a adotar, participação em cursos promovidos pelas
equipes técnicas da justiça da Infância e Juventude e também estágio de convivência com o
adotando. Como condições para que o processo de averiguação de paternidade seja encami-
nhado para adoção unilateral consensual, obrigatoriamente o pai biológico deve ser desco-
nhecido ou não localizado (ou sua família nos casos de pai falecido), a diferença de idade
entre o adotante e o adotando deve ser de 16 anos (condição disposta no ECA) e a relação
paterno-filial já deve ter estabilidade, com tempo mínimo de convivência de cinco anos.
Nesse sentido, o projeto de adoção consensual unilateral por padrasto é de suma importân-
cia porque busca assegurar aos requerentes dos processos de averiguação de paternidade
219
cujos pais biológicos não foram identificados ou localizados, um sentido amplo de família,
reconhecendo formalmente, os vínculos socioafetivos existentes entre eles e os padrastos,
tendo como referência o fato de que “o afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e
solidariedade derivam da convivência familiar e não do sangue.” (Lobo, 2004, p.50).”
A avaliação psicossocial deve ser realizada somente se for da vontade das partes (adotan-
do, genitora e adotante) efetivar a adoção unilateral, para que se formalize uma relação de
paternidade já está estabelecida na vida dos sujeitos, tendo como objetivo do estudo que
seja constatado que a criança/adolescente já tem um vínculo socioafetivo de parentalida-
de com o adotante e que a realidade estudada aponte se a medida da adoção unilateral se
configura como a mais benéfica para o adotando.
Para dar início a esse estudo, deve estar claro para a família (adotante, adotando e genitora) de
que a adoção é irrevogável, segundo a legislação, e questionado se os mesmos têm certeza em
relação à decisão sobre a adoção, sendo isso confirmado nos atendimentos individuais e/ou
em grupo. No período de acompanhamento dessas famílias, o adotando é ouvido separadamen-
te e também em conjunto com sua família, tendo em vista que de acordo com Paiva (2008, pág.
80): “(...) é importante observar qual a compreensão que a criança ou adolescente possui acer-
ca do pedido (de adoção) e se possui liberdade para discordar, caso não queira ser adotado.”
As partes devem também ficar cientes de que a partir do momento da adoção o adotando
passar a ter os mesmos direitos filiatórios que os filhos biológicos do adotante, caso exis-
A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive
sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos
matrimoniais. (Art. 41)
Desta forma, a família deve dar o aval para que a equipe possa realizar o estudo psicosso-
cial, possibilitando que se conheça como foi construída a relação afetiva entre o adotante e o
adotando e como o padrasto passou a estabelecer um papel de referência paterna, ofertando
não só proteção e cuidado, mas também todos os meios necessários para o bom desenvolvi- 220
mento psicoemocional e físico do requerente.
2.3.1 Estudo Social Por Assistente Social Para Fins De Adoção Unilateral Consensual
Para realização dos estudos sociais para fins de adoção unilateral, as assistentes sociais
do NPF utilizam os seguintes instrumentos: Análise do conteúdo processual; Entrevista
semiestruturada; Visita domiciliar; Observação participante; Estudo da legislação e de
literatura sobre adoção unilateral, emissão de laudo e parecer social. A partir do uso desses
instrumentos, torna-se possível realizar a análise socioeconômica e cultural da família, em
que participam o padrasto interessado em realizar a adoção unilateral, o/a requerente e sua
genitora, tendo momentos em que abordamos as partes juntas e em outros em que realiza-
mos a abordagem separadamente.
Além do estudo social, para fins da adoção unilateral, é realizada a avaliação psicológica
composta de análise documental, entrevista semiestruturada, visita domiciliar, observação,
aplicação de testes psicológicos e emissão de laudo psicológico. A entrevista semiestru-
turada é realizada com o adotante, adotando (quando a idade permite), mãe do adotando e
outros, familiares ou não, caso se julgue necessário e é feita individual e também coletiva-
mente quando o caso exigir. Na visita domiciliar é possível observar o comportamento dos
envolvidos no próprio domicílio. Já os testes psicológicos podem ser utilizados alguns casos
e permite complementar as informações coletadas nas etapas anteriores. Quando usados
prevalecem os projetivos e expressivos de personalidade.
Em suma, a avaliação psicológica nos casos de adoção unilateral consensual tem por fina-
lidade primordial coletar informações que possibilitem conhecer a história pessoal e familiar
Além disso, a equipe psicossocial nos estudos com vistas à adoção unilateral deve constatar se
o adotando está sendo suprido em suas necessidades básicas de saúde, educação, alimenta-
ção, afeto, e se o ambiente familiar favorece um bom desenvolvimento da criança nos aspectos
afetivos, psicológicos, culturais e sociais, ou seja, já desempenham o papel da família.
A paternidade envolve a função de pai, que vai muito além do dimensionamento do vínculo
biológico. O aspecto da paternidade não se limita meramente à concepção; mais importante é
o acompanhamento de todo o desenvolvimento após o nascimento, tomando para si a respon-
sabilidade na criação, manutenção e educação do filho.
Outro fato relevante é que é necessário para efetivar as ações do NPF/TJ/AL ter clareza so-
bre a dinâmica das famílias, que tem se modificado cotidianamente, inclusive, como expres-
são da questão social, temos cada vez mais famílias extensas em virtude da necessidade
de sobrevivência material e também da ausência paterna. No entanto, e contraditoriamente,
222
as famílias extensas surgem também por laços de afetividade, pois, “(...) o ser humano não
perde jamais a necessidade de estabelecer vínculos. É aí que reside a certeza da sobrevi-
vência dessa instituição (família). Ela retorna sempre: seja recomposta, monoparental, etc.”
[Roudinesco, 2004 apud Weber (org.), p. 23].
Em consonância com o que foi abordado nesse trabalho, Bannura (2009) entende que somente
a investigação efetiva das relações que melhor aproveitam o interesse da criança resultará
em valorização verdadeira da parentalidade. É sob esse pilar que caminham os processos da
adoção unilateral consensual realizada pelo NPF/TJ/AL, buscando-se sempre considerar as
dinâmicas das famílias e dar primazia ao melhor interesse da criança/adolescente.
Referências
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funcional familiar a partir do Direito Privado. Pág. 37, Editora Juruá. Curitiba, 2013.
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PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
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TJ/AL. Projeto Adoção Simples: adoção unilateral consensual com reconhecimento da filiação
socioafetiva. Núcleo de Promoção da Filiação, Maceió,2010.
______. Resolução 36/2008. Institui o Programa Registro Integral, cria os projetos denomina-
dos: Centrais de Registro de Nascimento e Núcleo de Promoção da Filiação e Adota outras
providências.
FAMÍLIA
ADAPTAÇÃO DE UMA ESCALA DE COPING
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
CONTEXTO DE DIVÓRCIO PARENTAL
1. Introdução
A separação do casal, mesmo que se dê de forma pacífica e amigável por ambas as partes,
pode se tornar uma fonte de stress para a criança, devido seus desdobramentos em sua
rotina. Mudanças de escola, local de moradia, variações de regras e permissões de acordo
com a custódia de cada cuidador, representam uma sucessão de contingências às quais a
criança deverá disponibilizar um contingente de energia para se adaptar a cada mudança,
deixando-a vulnerável para desenvolver stress (LIPP, 2014).
Diante desses vários aspectos que englobam a temática do divórcio parental e das reper-
cussões no desenvolvimento da criança e do adolescente, torna-se relevante considerar
as variáveis contextuais e pessoais dos mesmos, que vivenciam o divórcio parental, para
a compreensão mais ampla do processo de enfrentamento e o potencial estressor desta
nova realidade em suas vidas. Nesse sentido, diferentes pesquisas têm se concentrado na
investigação das relações estabelecidas entre o estresse, o processo de enfrentamento e a
saúde física e psicológica dos indivíduos.
3. Método
3.1 Participantes
Para considerar a medida do divórcio parental, o instrumento foi adaptado para esse
contexto, em que as situações apresentadas às crianças e adolescentes foram referentes
aos estressores mais relacionados a essa condição. A partir da revisão de literatura, foram
identificados e selecionados três estressores específicos do contexto de divórcio: conflito
O coping Response Booklet - CRB (Lees, 2007) era composto por um conjunto de 8 vinhetas de
videotapes, com eventos estressores do cotidiano infantil, na relação com pais (discussão ver-
bal com o pai), na relação com os pares (não ser escolhido pelos colegas para jogar no time)
e estressores intrapessoais (fazer uma avaliação na sala de aula). A criança reportava suas
emoções, avaliação de ameaça ou desafio, orientação e respostas de coping para cada evento.
Em sua pesquisa de doutorado, Ana Paula Justo (2015) adaptou o CRB para situações 229
vivenciadas na Adolescência, aplicando com participantes com idade entre 12 e 15 anos. Foi
elaborada uma escala com 21 itens, os quais avaliavam 6 itens: reação emocional (3 itens:
tristeza, medo e raiva); avaliação de ameaça (3 itens: um para cada necessidade psicológica
básica); avaliação de desafio (1 item: interesse); orientação (1 item: evitação); características
de identificação; e o uso das 12 famílias de enfrentamento. As situações estressoras para
adolescentes, concernentes aos relacionamentos interpessoais com pais e com pares, eram
lidas para os participantes que, em seguida, respondiam 3 vezes a Escala de Enfrentamento,
cada resposta referente a uma situação específica.
Na adequação realizada neste trabalho, após a seleção dos estressores específicos, foram
elaborados desenhos que indicassem uma cena para casa situação, de maneira lúdica e com
versão feminina e masculina. As cenas foram apresentadas aos participantes e seguidas da
aplicação da Escala de Enfrentamento. Após administração do instrumento, o participante
respondia um inquérito sobre seu entendimento dos itens da escala, de forma a avaliar
possíveis dificuldades e dúvidas em relação ao vocabulário e compreensão das perguntas.
Também eram conduzidas questões relativas à clareza e representatividade dos desenhos.
Durante toda a aplicação os participantes foram incentivados a expressar suas dúvidas e
pedir esclarecimentos, bem como manifestar suas impressões sobre a escala.
3.4 Resultados
Em relação aos itens da Escala de Enfrentamento, a maioria dos participantes apresentou boa
compreensão dos itens, verbalizando algumas dificuldades de entendimento em relação aos
termos “capaz”, “acolhido” e “interessado”. Para melhorar a compreensão destas palavras, à ex-
pressão “acolhido” foram acrescentados os termos “cuidado, amado”. No que tange aos outros
dois termos optou-se pela não alteração, buscando explicá-los melhor durante a aplicação.
A cenas foram apresentadas na mesma sequência: conflito interparental (situação 1), afasta-
mento de um dos genitores (situação 2) e problemas financeiros (situação 3). Como os partici-
pantes vivenciaram o divórcio dos pais em momentos distintos, variando o tempo de separação
parental entre seis meses a sete anos passados, foi introduzida uma pergunta na escala buscan-
do verificar a ocorrência do estressor específico para cada sujeito. Dessa forma, inicialmente, o
participante respondia se cada situação havia ou não ocorrido com ele e sua família.
Por meio das respostas aos itens da Escala de Enfrentamento – Divórcio Parental, verifi-
cou-se que a reações emocionais de tristeza e raiva foram mais frequentes na situação de
Conflito Interparental (m= 4,25). Já a reação de medo foi mais frequente nas situações de 230
Problemas Financeiros e Conflito Interparental (m=3). As três situações foram avaliadas pe-
los participantes como um desafio, sendo que a situação de Problemas Financeiros recebeu
percentual mais elevados de respostas “muito/bastante”.
Do conjunto das 12 famílias de coping investigadas, as categorias mais utilizadas pelos par-
ticipantes foram a Busca de informações (m= 4) e Busca de suporte (m= 3,5), seguidas das
categorias Resolução de problemas, Negociação e Desamparo (m= 3,33). Dessas, somente a
categoria Desamparo faz parte do grupo de estratégias de enfrentamento com provável des-
fecho adaptativo negativo. As famílias de coping menos utilizadas pelos participantes foram
a Autoconfiança (m= 2,52), o Isolamento (m= 2,58) e a Submissão (m= 2,58). Salienta-se que
a primeira é classificada como categoria de provável desfecho adaptativo positivo.
3.5 Discussão
Um importante achado foi a alta carga emocional atribuída pelos jovens na situação Conflito
Interparental (média de 4,25, em que 5 era o valor máximo). Este dado corrobora com a noção de
que o conflito parental é o fator de risco que possui maior impacto no ajustamento à separação
e em consequências negativas ao bem-estar dos filhos (BRAZELTON, 1994; KELLY; EMERY, 2003;
RAPOSO et al., 2011; SANDLER et al., 2003). Além disso, o contexto familiar conflitivo, especial-
mente a qualidade da relação parental, são fatores associados à etiologia de distúrbios emocio-
nais na criança e no adolescente (CUMMINGS; DAVIES, 2002; WAMBOLDT; WAMBOLDT, 2000).
4. Considerações Finais
Referências
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cent Psychiatry, 39(10), 1212-1219, 2000.
O artigo que ora se apresenta tem por objetivo discutir a temática da alienação parental e a
intervenção da/o assistente social. Trata-se de uma síntese a partir do conteúdo abordado na
dissertação de mestrado cujo tema foi a alienação parental no contexto da judicialização das
relações intrafamiliares. Nesse momento, procurou-se recuperar as discussões em torno da lei
nº 12.318 de 2010, buscando pensar a intervenção da/o assistente social nesse contexto sem
perder de vista os preceitos que balizam a profissão a partir de seu projeto ético-político.
234
O interesse pelo tema se deu em decorrência da inserção profissional no Tribunal de Justiça do
Espírito Santo (TJES)-Central de Apoio Multidisciplinar da Comarca de Cariacica2 que engloba
profissionais de Serviço Social e Psicologia a quem cumpre subsidiar os juízes das Varas de
Família, mediante elaboração de estudos, laudos e pareceres específicos a cada área do saber.
Apesar de sua evidência atual, a síndrome da alienação parental foi descrita a primeira vez
pelo psiquiatra norte americano Richard Gardner na década de 80, sendo caracterizada como
“um distúrbio infantil que surgiria, especialmente, em crianças cujos pais se encontravam
em litígio conjugal” sendo “induzida pelo genitor nomeado de alienador, que na maioria dos
casos se refere à figura do guardião, [...]” (SOUSA, 2010, p. 14).
No entanto, Sousa (2010) nos chama atenção para o fato de que Gardner “não empreendeu
pesquisa científica sobre o assunto” e desconsiderou “a existência de pesquisas sobre sepa-
ração conjugal e guarda de filhos” (p. 16), amparando-se exclusivamente em seus próprios
1 Assistente Social do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Especialista em Gestão de Políticas Públicas
em Gênero e Raça e mestre em Política Social, ambos pela UFES. E-mail: thaistononi@hotmail.com. Tel: 99837-1333.
2 As Centrais de Apoio Multidisciplinar têm suas atribuições regulamentadas por meio da Resolução nº 066
de 2011 do PJES e trata de seu funcionamento e estruturação, bem como define as atribuições da equipe técnica.
A CAM Cariacica é responsável por atender a seis comarcas nas matérias de família, infância e juventude (exceto a
Comarca sede que é Cariacica que possui Vara de Infância e Juventude) e violência doméstica.
estudos. Para esta autora é de suma importância situar os diversos fatores que podem
contribuir para os comportamentos entre genitores e filhos após a separação do casal, de
modo que sugere ir além de questões individuais e patológicas (SOUSA, 2010). Isto posto,
questiona a autora a rápida difusão e até mesmo naturalização do tema SAP (síndrome
da alienação parental) o que considera que “absolutiza a existência de uma síndrome nas
situações de separação conjugal litigiosa” (SOUSA, 2010, p. 17).
2. Desenvolvimento
2.1 Alguns apontamentos sobre a Alienação Parental
Inicialmente é preciso ter em conta uma importante diferenciação entre alienação parental
e síndrome da alienação parental (SAP). A alienação parental se constituiria em linhas
gerais, num recurso de que dispõe um dos genitores objetivando mudar a percepção da
235
criança em relação ao outro genitor. Quanto a SAP, seria uma espécie de resultante do
processo de alienação parental, que traz consigo consequências emocionais e se constitui
num distúrbio, necessitando ainda da participação ativa da criança, segundo Gardner.
A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase exclu-
sivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a
campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e
que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o
que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança
para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão
presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome
de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável (GARDNER, 2002).
Assim sendo, não bastaria haver uma programação ou lavagem cerebral da criança para
que se configure a SAP, é indispensável, no entender de Gardner, que a criança contribua
com a difamação, aderindo à programação e “deletando” suas lembranças positivas em
relação ao outro genitor.
Valente (2014a) também recupera o sentido da síndrome da alienação parental na perspecti-
va de Gardner, mas busca desconstruir tal concepção, pois considera que a alienação paren-
tal deve ser compreendida a partir de uma abordagem mais ampla que leve em conta aspec-
tos sociais, buscando compreender em que medida as transformações “refletem processos
sociais mais amplos, atravessados por mudanças nas mentalidades” (VALENTE, 2008a, p.
70). A estudiosa procura refletir o tema a partir de referenciais do pensamento contemporâ-
neo, rejeitando o viés de cunho ajustador proposto por Gardner. Dessa forma, procura pensar
“os sujeitos que vivenciam processos de alienação parental” não “como meros opositores,
como se configura no processo judicial” (VALENTE, 2014a, p. 56).
A alienação parental tal qual se apresenta nos litígios de família “consiste em restringir ou
eliminar o papel do chamado ‘visitante’ na vida da criança” e conforme Valente (2008a, p.
73) comparece em ações de divórcio, guarda e regulamentação de visitas. A autora ressalta
ainda que “o pagamento dos alimentos costuma, com enorme frequência, ser motivo de
contenda”, não sendo raro “o guardião admitir que impede a visitação pois aquele que a
requer não cumpre o dever de alimentar o filho ou a pensão estipulada não atende suas reais
necessidades” (VALENTE, 2008a, p.74). Contudo, adverte a autora, embora tal problemática
compareça com certa frequência no Judiciário, não há no Brasil registros oficiais acerca da
ocorrência da alienação parental. Além disso, é algo que pode ocorrer em qualquer classe
social, obviamente que ganhando contornos específicos mediante as situações concretas.
Todavia, para que se compreenda a alienação parental se faz necessário abandonar a pers-
pectiva dualista que coloca alienador (aquele que afasta) versus alienado (aquele que é afas-
tado). É preciso pensar sobre os “pais e mães cujos filhos sofrem processos de alienação
parental como sujeitos perpassados pela avalanche de transformações ocorridas na família
nas últimas décadas” (VALENTE, 2014a, p. 56).
Sousa (2010) destaca que a visão de Gardner é determinista e limitada no que tange ao com-
portamento dos atores sociais envolvidos, sendo ignorados os processos de singularidade
dos sujeitos e sua capacidade de lidar com os conflitos.
2.2 Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental (SAP): o Judiciário
como palco das disputas entre os gêneros
Observa-se que as disputas pela guarda e visitação dos filhos não é algo relacionado
apenas ao âmbito individual e psicológico. Tais elementos se fazem presentes em muitos
casos, mas os conflitos do ex-casal são, antes de tudo, processos sociais inter-relaciona-
dos às transformações estruturais que vem impactando as relações familiares, sobretudo
nas últimas décadas.
Grande parte das queixas apresentadas pelos envolvidos encontra-se vinculada “à heranças
culturais que se expressam nas críticas ao comportamento do outro”, pois cada ex-cônjuge
traz consigo expectativas sobre o outro tendo por base sua própria herança cultural apoiada
em diferentes visões de mundo (ANTUNES, 2010, p. 75).
Na contemporaneidade apenas uma minoria das famílias poderia ser considerada a família
padrão da década de 50 do século XX, compostas por casais intactos e filhos nascidos do
Araújo e Scalon (2005, p. 20-21) apresentam importantes reflexões acerca das relações
familiares dando ênfase nas expectativas das mulheres:
A lide conjugal pode ser marcada ainda por pedidos de diminuição, quando não da suspen-
são de pernoite e até mesmo inversão de guarda que são justificados por um dos cônjuges
como sendo fruto do desejo da criança que apresenta aversão ao outro genitor. Não obs-
tante o discurso da criança apresentar-se como uma reprodução da lide conjugal, muitas
vezes marcado por uma forte criticidade e agressividade em relação a um dos genitores, a
situação tende a se agravar ainda mais quando, acompanhadas às denúncias de alienação
parental, incluem-se acusações de maus tratos e/ou falsos abusos sexuais cometidos
contra a criança. Sendo tal atitude considerada repulsiva pela sociedade de um modo
geral, os profissionais que lidam com a situação podem ser convencidos pelo discurso do
informante de maneira a direcionarem seus estudos e pareceres confirmando a ocorrência
do ato e assim, concorrer para um agravamento do drama familiar e reforçando até mesmo
a alienação parental (ANTUNES, 2010).
Assim, no que concerne à condição de sujeitos de direitos, tendo em vista ainda o direito à
convivência familiar e comunitária de forma ampla, a defesa dos direitos de crianças e ado-
lescentes surge como um dos argumentos mais fortes em defesa da Lei nº 12.318 de 2010.
238
Para Souza (2014)
na seara jurídica, a alienação parental é considerada uma forma de violência praticada pelo guar-
dião [...], parente ou não, de uma pessoa menor de 18 anos. Essa violência consiste no ato ou
omissão de impedir, de maneira injustificada, a convivência da criança ou do adolescente com o
genitor que não detém a guarda (SOUZA, 2014, p. 108).
Sem dúvida, a Alienação Parental praticada por um dos ex-cônjuges contra o outro, tendo o filho
como arma e modus operandi, merece a reprimenda estatal, visto que é uma forma de abuso no
exercício do poder parental (p. 110-111).
Conclui a estudiosa que a Lei que dispõe sobre a alienação parental chegou em boa hora,
trazendo um conceito legal e possibilidades de sanção ao genitor considerado “alienador”.
De um modo geral, a visão expressa por Souza (2014) é compartilhada no âmbito do Direito
sendo a criação da referida lei avaliada de forma positiva por permitir o enquadramento do
comportamento do “alienador” tornando possível sua punição. Trata-se de uma visão igual-
mente partilhada por pais e mães que se encontram afastados de seus filhos e que atribuem
tal afastamento à prática da alienação parental.
Contudo, compreendemos que outro olhar sobre a concepção e as possibilidades desta lei se
faz necessário. As autoras Sousa e Brito (2011) refletem sobre o fato de que a proposta de
Gardner ganhou rápida difusão no Brasil e em outros países. No caso brasileiro, consideram
que há poucas produções sobre o tema e sobre o conceito de SAP bem como atestam haver
uma “ausência de questionamentos sobre a ideia de um distúrbio infantil ligado às situações
de disputa entre pais separados”, o que “vêm contribuindo para a naturalização do assunto
de forma acrítica” levando a crer que “muitos casos de litígio conjugal têm como consequên-
cia o surgimento da denominada síndrome” (SOUSA; BRITO, 2011, p. 269).
Assim, em que pese a importância da referida lei, chamamos atenção para o seu processo de
construção o qual, segundo Sousa e Brito (2011), contou com forte empenho de associações
de pais separados que atuaram na promoção das ideias do psiquiatra norte americano Gard-
ner. Ademais, ponderam as autoras, que inicialmente tais associações se dedicaram
a promover a igualdade de direitos e deveres de pais separados, gerando, com isso, uma série
de debates acerca da importância da modalidade de guarda compartilhada como forma de
preservar a convivência familiar após o rompimento conjugal (SOUSA; BRITO, 2011, p. 270).
Importante salientar, tal qual o fazem Sousa e Brito (2011), que a defesa de Gardner consistia
em incorporar a SAP ao rol de transtornos mentais infantis que compõem o Manual Diagnós-
tico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-V, pela Associação Americana de Psiquiatria.
Assim sendo, ao ser incorporada, contribuiria também para o incremento de pesquisas que
visam a disponibilizar novos medicamentos no mercado, justificando a medicalização de
várias crianças, a exemplo do distúrbio do déficit de atenção com hiperatividade.
Por outro lado, observa-se que ao contrário do Brasil, cujas pesquisas sobre separação
conjugal parecem ser desconsideradas quando o assunto é SAP, em outros países têm sido
solicitados estudos sobre as consequências da separação conjugal para pais e filhos, objeti-
vando com isso obter-se maior clareza do que é necessário se modificar nas leis que tratam
da convivência familiar entre pais e filhos no contexto pós-divórcio (SOUSA; BRITO, 2011).
Este fato, no entender das autoras, significa que tem havido no âmbito internacional uma pre-
ocupação em relação à necessidade de que o ordenamento jurídico seja “um fator de suporte
ao exercício da paternidade e da maternidade” (SOUSA; BRITO, 2011, p. 273).
Nesse contexto, Sousa e Brito (2011) ponderam que a lei gerou uma perspectiva de vitimiza-
ção na qual todos seriam vítimas: o genitor dito alienador que seria doente; a criança, pois
seria a portadora da síndrome, já que na definição de Gardner ela necessita participar do ato;
e o genitor alienado, que seria vítima do afastamento de seu filho/a.
A defesa em torno dos vínculos parentais de forma ampla soa contraditório na medida em
que a própria lei prevê o afastamento do genitor considerado alienador da vida de seu filho, o
que pode ser fonte de grande sofrimento para a criança já que ela mantém com este cônjuge
um forte vínculo. E no que concerne à punição aos genitores é preciso observar que as medi-
das aplicadas serão tomadas a partir do diagnóstico da alienação parental através da perícia
240
“biopsicossocial”, portanto, considerando também o parecer da/o assistente social.
Importante salientar que os aspectos clínicos e jurídicos da SAP são relevantes e não podem
ser negados, contudo, concordamos com Valente (2014a) que estes têm sido abordados
pelos profissionais de saúde mental e juristas, cabendo aos assistentes sociais pensar a SAP
numa perspectiva interligada às relações familiares como relações socialmente construídas.
Ao analisarmos a lei infere-se que a/o assistente social pode se ver confrontado em rela-
ção ao seu papel. Tomemos como ponto de partida as reflexões de Sousa e Brito (2011)
que se referem à atuação dos psicólogos no contexto da referida lei. As ponderações apre-
sentadas pelas estudiosas podem facilmente ser transplantadas para a realidade também
da/o assistente social, pois no que tange ao Serviço Social apesar de a referida lei prever
Não fica claro o papel da/o assistente social, uma vez que a lei aborda a realização de perícia
psicológica e/ou biopsicossocial, contudo, por seu contexto e finalidade, infere-se que os
profissionais, por meio da perícia social – a qual compreendemos que necessariamente ocor-
reria paralelamente às perícias psicológica e médica (levando-se ao pé da letra o texto da lei
241
que denomina perícia biopsicossocial) – deveriam detectar tais comportamentos elencados
como pertinentes ao perfil do “genitor alienador”.
Ademais, a lei se ocupa de estabelecer até mesmo a forma de elaboração do laudo, pois
prevê que este deve se basear “em exame de documentos dos autos, histórico do relacio-
namento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade
dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de
eventual acusação contra genitor” além de prever aspectos tais como a aptidão profissional
ou acadêmica para se atestar a alienação parental e o estabelecimento de prazo máximo de
90 dias para tal diagnóstico (SOUSA; BRITO, 2011, p. 276).
A nosso ver, a/o assistente social deve trazer à tona os processos sociais relacionados à história
de vida dos envolvidos, ao convívio, à construção dos laços familiares e comunitários, à possibi-
lidade de acesso dos indivíduos e famílias às políticas públicas, a fim de que possibilitem uma
percepção mais ampliada da questão pela autoridade judiciária para a tomada de decisão que
melhor atenda aos interesses do envolvidos, sobretudo de crianças e adolescentes.
Assim, compreendemos que a/o assistente social possui um importante papel, pois a partir
da sua competência profissional as expressões da questão social que atravessam as vidas
dos sujeitos envolvidos são trazidas para os “autos do processo”. O profissional tem o com-
promisso ético de buscar desvelar os processos sociais que perpassam a vida das pessoas
que se encontram envolvidas na lide, trazendo à tona seus aspectos mais amplos e refletindo
como estes rebatem também nas singularidades dos sujeitos.
3. Considerações Finais
Compreendemos que muitos são os desafios que perpassam a atuação da/o assistente
social na área sociojurídica e lidar com processos que tratam da alienação parental não
é diferente. As situações que envolvem acusações de alienação parental apresentam-se
como desafio aos profissionais do Serviço Social, tendo em vista que a realidade é algo
extremamente mutável e que tais mudanças vêm impactando de modo a flexibilizar as re-
lações familiares. Soma-se a isso a incipiente produção teórica sobre o tema por parte do
Serviço Social brasileiro. Não obstante, a ausência de debate e produção parece contribuir
para que os profissionais se questionem acerca da “especificidade” de sua atuação nos
casos denominados de alienação parental.
Nesse contexto, ainda que para as/os assistentes sociais a questão social seja historica-
mente um elemento indispensável de análise suas refrações nem sempre comparecem de
forma explícita nas ações que tramitam no Poder Judiciário. Apresentam-se num primeiro
Assim, entendemos que é preciso que diante desse compromisso as/os profissionais explo-
rem ainda mais tal perspectiva crítica de análise em seus estudos. Devem considerar em seus
estudos e pareceres a dimensão da historicidade ontológica do ser social e reconhecer que o
lugar que ocupam e as afirmações que fazem em seus documentos constituem um “saber-poder”
que trará repercussões na vida dos indivíduos. Devem cotidianamente disputar os significados
de justiça e cidadania buscando o aprofundamento e a problematização “do existir humano pelas
determinações do modo de produção capitalista, que subverte os valores emancipatórios e deter-
mina a miséria do gênero humano em um mundo de abundância material” (BRASIL, 2014, p.22).
Referências
SOUSA, A. M. de. Síndrome da alienação parental: um novo tema nos juízos de família. São
Paulo: Cortez, 2010.
Thais Felipe Silva dos Santos1, Ana Paula Hachich de Souza2 e Edna Fernandes
da Rocha3
Dentre outros aspectos, sob o ponto de vista técnico, abordamos a ausência de 244
diálogo entre os pais e a interpretação do compartilhamento de responsabili-
dades como alternância de residência, provocando o rodízio dos filhos entre as
moradias dos genitores de forma inflexível.
1 Assistente Social Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Especialista em Saúde
Coletiva e Saúde da Família pela Universidade Cruzeiro do Sul.thaislipe@gmail.com – tel. (11) 963954226.
2 Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, especialista em Psicologia Clínica e
Psicologia Jurídica. anahachich@gmail.com – tel. (13) 99116-2445.
3 Assistente Social Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Doutora e Mestre em Serviço
Social pela PUCSP; Especialista em Serviço Social Hospitalar pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.social.ednarocha@gmail.com – tel. (11) 98780-1093.
1. Introdução
Há quase duas décadas a temática da Guarda Compartilhada vem sendo discutida no Brasil.
Inicialmente debatida na Europa, com a promulgação de leis na Inglaterra e França, por exem-
plo, o assunto passou a ser legislado em nosso país com a aprovação da Lei n.º 11.698/2008.
Não obstante, a prática profissional demonstra que ainda há muito desconhecimento, tanto
por parte da sociedade quanto por parte dos profissionais das áreas da Psicologia e do Servi-
ço Social, quanto ao compartilhamento da guarda no cotidiano.
Não é incomum que os filhos integrem a lista de propriedades a serem divididas ao término
da convivência conjugal, sendo, assim, o tempo e a rotina das crianças e adolescentes repar-
tido de forma simétrica, culminando na alternância de residências.
Muitas vezes, tal divisão implica na ausência de uma rotina estável, visto que, quando em
contato com um genitor, os hábitos mantidos na outra casa se tornam alvo de críticas, e vice-
versa, proporcionando um ambiente de insegurança para a criança e/ou adolescente.
O artigo foi construído a partir doexame das fontes documentais que abordam a Guarda
Compartilhada, notadamente fontes legislativas, as quais foram apreciadas com base na
metodologia de análise de conteúdo, com foco em categorias relacionadas à problematiza-
ção do tema. As contumazes leituras e a atuação técnica nos processos judiciais que tem
por natureza a guarda suscitaram indagações que serviram de alicerce paraelaboração do
presente artigo, pois conforme Baptista, “é com a incidência do saber produzido sobre a sua
prática [que] o saber crítico aponta para o fazer crítico”. (BAPTISTA, 1995, p.89)
Durante anos, a responsabilidade legal pela família foi imputada ao homem, não obstante
os cuidados e tarefas cotidianas desde sempre tenham sido delegadas às mulheres. No
entanto, com a promulgação da Constituição de 1988, homens e mulheres passaram a ter os
mesmos direitos, sendo eliminada da lei a expressão “pátrio poder”; passa, então, a vigorar o
poder familiar, exercido igualitariamente por ambos os genitores.
Assim, com a dissolução do casamento ou da união estável (que passa a ser reconhe-
cida legalmente), exerceria a guarda aquele que reunisse melhores condições. Contudo,
majoritariamente foram as mulheres que, por muito tempo e de forma quase naturalizada,
exerceram a guarda unilateral.
Com o Novo Código Civil – Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002, as mulheres também
passam a decidir sobre a sociedade conjugal em colaboração com o homem, e não mais sob
a égide masculina. Este Código, inclusive, reafirma o exercício do poder familiar por ambos
os genitores, mesmo que estes venham a se separar.
Até aqui, vigorava a modalidade de guarda unilateral e, conforme o art. 1583 do Código Civil,
a guarda seria exercida conforme o que fosse acordado entre os genitores.
De acordo com Rocha (2012), no Brasil, no ano de 2003, começam a surgir algumas discussões
sobre a Guarda Compartilhada, tendo por base as experiências de países como Estados Unidos
e Canadá, cujos tribunais já estabeleciam esta modalidade. Vale destacar que datam de 1972,
na Inglaterra, as primeiras notícias sobre a “guarda conjunta”, seguida da França, em 1976.
A partir desses debates iniciais, com a efervescência de movimentos sociais e algumas asso-
ciações de pais e mães separados no Brasil, foi apresentado um projeto de lei que contemplava
a temática, aprovado em 2008como Lei n.º 11.698 de 11 de junho, sendo estabelecida a Guarda
Por este motivo, foi proposto outro projeto de lei e, em 2014, foi aprovada a “Nova Lei da
Guarda Compartilhada”(Lei n.º 13.058 de 22/12/2014), em que a regra é a guarda compar-
tilhada, ou seja, a ser exercida por pai e mãe, caso ambos tenham condições e interesse,
246
mesmo que não haja relacionamento cordial e consenso entre eles. Esta “nova” lei também
estabelece que o convívio dos filhos com ambos os genitores seja equilibrado.
Ainda que, no caso desta “nova” lei, ela surja com o objetivo de efetivar e garantir que a
guarda compartilhada seja a regra e não a exceção, entendemos que aspectos culturais,
geográficos e ligados à compreensão do que seja a guarda compartilhada dão a dimen-
são do quanto o debate sobre guarda ainda requer aprofundamentoe que não apenas a
legislação estabeleça os critérios e conceitue as modalidades de guarda – remetendo a
uma discussão sobretudo jurídica, outros campos do saberes, que têm presença mar-
cante no universo jurídico especialmente nas varas de família, ou seja, a Psicologia e o
Serviço Social - também contribuam.
Assim, propomos como ponto de partida retomarmos alguns conceitos que poderão balizar
as nossas reflexões a respeito da guarda e seu exercício.
No que se refere às guardas determinadas pela Justiça, tomamos como referência a Lei n.º
11.698/2008, que estabelece que a guarda será unilateral ou compartilhada.
De acordo com o artigo 1.583, em seu § 1.º, “compreende-se por guarda unilateral aquela
atribuída a um só dos genitores ou alguém que o substitua” (BRASIL, 2008, art. 1.583, § 1.º).
Assim, embora o poder familiar seja exercido por ambos, a tomada de decisão sobre os
filhos é exercida pelo guardião, independentemente da posição do genitor não guardião, cabe
ao não guardião supervisionar o interesse dos filhos.
Neste caso, cabe a ambos os genitores acompanhar todas as questões relativas aos filhos,
devendo a decisão final ser tomada de forma conjunta e participativa.
Na alternância de residência, os filhos “rodiziam” entre a casa dos genitores semanal ou quin-
zenalmente, ou ainda de acordo com os dias estabelecidos.
Cabe ressaltar que a alternância de residência não se confunde com a guarda alternada,
na qual o genitor que fica responsável naquela semana ou quinzena tem plena autonomia
nas decisões sobre a criança, independentemente da opinião do outro, o que também
pode trazer implicações na vida dos filhos.
Ao longo das últimas décadas, foram muitas as mudanças nas configurações familiares. A
partir da crise da família nuclear burguesa, houve grande aumento do número de divórcios
e também de novas uniões. Com isso, ocorreu uma readequação dos papéis familiares e
também uma atuação mais intensa de outras figuras que passam a conviver de forma mais
participativa no grupo familiar, como padrastos e madrastas, avós, entre outros.
Muitas dessas alterações se deram porque, diferentemente das motivações anteriores para
as construções conjugais, baseadas prioritariamente em questões econômicas e sociais, na
contemporaneidade, as relações amorosas passam a ser construídas com base nas ques-
tões afetivas. Tal condição reflete diretamente nas possibilidades de término dessasrelações
e, também, na forma como a parentalidade será exercida no pós-divórcio.
A partir dos recasamentos, por exemplo, as crianças frutos da primeira relação ganham
novos “irmãos”, filhos da madrasta e/ou do padrasto, que passam a ser membros consti-
tuintes desta nova família, e com isso, modificam as relações já existentes, o que exige
uma reacomodação dos papéis. Da mesma forma, a participação de avós tem se dado de
forma mais ativa em virtude das dificuldades que vêm surgindo, como gestações precoces,
desemprego e ausência de políticas públicas.
Não obstante todas essas mudanças, a visão de família para grande parte da sociedade
ainda é baseada nos papéis materno e paterno, exigindo adaptações que, muitas vezes, os
grupos familiares não conseguem atender. Ou seja, a sociedade ainda espera que as famílias
Vale citar Roudinesco (2003, p.19), para quem, com a explicitação dessas configurações,
sem as correspondentes mudanças de paradigma, “a transmissão da autoridade vai se
tornando então cada vez mais problemática à medida que divórcios, separações e re-
composições conjugais aumentam”, nos quais, via de regra, tenta-se afastar a criança do
genitor não detentor da guarda (unilateral).
Apesar dessa visão tradicional no que serefere ao conceito de família, observamos que as 248
configurações são inúmeras, ou seja, não há um padrão de arranjo familiar, o qual é definido,
entre outros aspectos, com base na subjetividade de cada um.
[...] um agrupamento humano com um núcleo em torno do qual as pessoas se unem, primordial-
mente, por razões afetivas, dentro de um projeto de vida, em que compartilham um quotidiano,
e, no decorrer das trocas intersubjetivas, transmitem tradições, planejam seu futuro, aconse-
lham-se, atendem aos idosos, formam crianças e adolescentes. (SZYMASNKI, 2006, p. 10).
Ocorrida a separação, seria importante que o grupo familiar criasse novas estratégias de enfren-
tamento do cotidiano, garantindo o bem-estar dos filhos e a convivência saudável com ambas as
linhagens. No entanto, observamos em nossa prática profissional que as mudanças ocorridas na
contemporaneidade não necessariamente promoveram novas formas de lidar com as separa-
ções e, assim, muitas vezes, o término da relação não só expõe os conflitos anteriores como os
intensifica e, ainda, faz com que abarquem também o lócus das relações parentais.
No transcurso pericial, buscamos minimizar os efeitos da separação na vida dos filhos e, para
tanto, trazemos a criança e/ou adolescente para o centro do debate, ao priorizar o exercício
da parentalidade por cada um dos responsáveis, já que os genitores, por estarem abarcados
pelos conflitos da conjugalidade, tendem a ofuscar as funções parentais do/a ex-parceiro/a,
adotando a participação deste/a na vida da prole como irrelevante ou como prejudicial.
Nos processos de guarda, buscamos também referenciar a rede de apoio familiar dos envol-
vidos na lide com o objetivo de ampliar a proteção da criança e/ou adolescente. São indiví-
duos pertencentes ao círculo de convivência da família que podem ser acionados em caso
de necessidade para amparar a criança e/ou adolescente em contingências. Não raro, a rede
de apoio é composta por vizinhos, amigos, mães de amigos da escola, dentre outros atores
que auxiliam a família na proteção de seus membros. Nesse contexto, os profissionais “...
privilegiam o âmbito simbólico e relacional que varia entre os diversos grupossociais, muitas
pessoas podem ser consideradas como ‘família’.” (PNCFC, 2006, p. 25).
Consideramos que, para além da oferta de subsídios aos operadores do Direito, reside a
base do trabalho do psicólogo judiciário na promoção e garantia de direitos das pessoas
atendidas, devendo contemplaro contexto sociale suas influências sobre as formas de
funcionamento das famílias.
Em primeiro lugar, torna-se imprescindível que os profissionais estejam atentos acerca do con-
ceito de família que embasa sua prática profissional, objetivando evitar que seus pré-conceitos
afetem sua atuação de forma a produzir julgamentos sobre outras formas e dinâmicas familiares.
Durante o trabalho com as famílias, é importante que o técnico tente compreender quais são os
mitos e concepções que acompanham as pessoas, como a questão do mito do amor materno,
do modelo ideal de família, do homem como provedor, dentre outras que podem influenciar a
convivência durante e após a separação.Nas palavras de Castro, “a psicologia auxilia a revelar as-
pectos das motivações e intenções de um indivíduo em uma determinada ação” (2003, p.29-30).
É a partir da análise dessas questões, em conjunto com as pessoas envolvidas, que podem
surgir novas formas de convivência, que levem em conta os direitos das crianças e/ou
adolescentes ao convívio familiar saudável com ambas as linhagens familiares. Souza e
Campos (2012) pontuam a restrição da convivência com um dos genitores como uma vio-
lação e ressaltam a diferença existente entre as ações que tramitam nas Varas da Infância
e Juventude e nas Varas de Família e Sucessões. As autoras expõem que, nas primeiras,
“geralmente ela [violência] é explícita, o que provoca maior comoção e interferências
diretas por parte dos envolvidos. Em contrapartida, nos casos de litígio, ela encontra-se
encoberta e disfarçada” (SOUZA e CAMPOS, 2012, p. 141).
Consideramos, entretanto, que por meio de uma atuação ética e responsável, atenta ao preco-
nizado nos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Psicólogo, o conflito e a
crise podem ser percebidos como uma oportunidade de mudança,como uma retomada da auto-
nomia e do protagonismo nas decisões sobre as próprias vidas e as vidas dos filhos em comum.
Com relação à atuação do assistente social,segundo Fávero, na área jurídica, a perícia se refere:
250
... a uma avaliação, exame ou vistora, solicitada ou determinada sempre que a situação exigir
um parecer técnico ou científico de uma determinada área do conhecimento, que contribua para
o juiz forma a sua convicção para a tomada de decisão. (FÁVERO, 2010, p. 43).
Nesse contexto, a perícia social é uma atribuição privativa do assistente social por estar
alicerçada em conhecimentos próprios do Serviço Social.
Ao desenvolvermos um laudo social em processos que tenham a guarda como natureza, pro-
cedido a leitura crítica dos autos, iniciamos a construção do estudo social tendo como bali-
zador a proteção dos direitos das crianças e adolescentes abarcados na lide, considerando
sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Isso não quer dizer que o trato dos
demais sujeitos envolvidos na ação não será ancorado nos princípios éticos que norteiam o
fazer profissional do Assistente Social, mas incide, desde logo, o posicionamento em favor
de um lado, o da garantia de direitos para proteção da infância.
Em ações de guardao estudo social abrange, de forma geral, o exercício das funções paren-
tais de inserção no sistema educacional, acompanhamento de saúde, assistência material,
realidade socioeconômica de cada um dos genitores, inserção cultural, convivência com a
família extensa, exercício da autoridade parental, participação de cada um dos genitores
nodesenvolvimento e criação da prole, o percurso sócio-histórico familial, pertencimento,
a identidade e o convívio social, dentre outros aspectos, que se façam necessários para a
compreensão da realidade vivenciada pelo grupo familiar.
Na intervenção com o par parental podem emergir nas demandas a propositura de reflexões
socioeducativas com os genitores a fim de minimizar os efeitos que o processo de divórcio pode
acarretar para as crianças e/ou adolescentes. Nesse sentido, Fávero (2009) esclarece que
[...] mesmo que solicitado para uma perícia, o assistente social pode, e, em muitas situações,
deve – ir além do procedimento da constatação, descrição e interpretação da situação. A ação
em prol da possibilidade de efetivação de direitos pode ser parte integrante de informações
importantes a serem registradas em relatórios ou laudos que instruirão o processo judicial
(FÁVERO, 2009, p. 630).
Tendo o Novo Código de Processo Civil como balizador dos processos em Vara de Família,
convém lembrarmos que o artigo 473, inciso III, institui que o perito deve indicar no laudo o
método de análise utilizado para a construção do documento. Na apresentação do laudo so-
cial convém ao profissional indicar a metodologia utilizada para a construção do seu trabalho.
O laudo social não precisa apresentar todos os dados coletados no estudo social, entendemos
que o perito precisa eleger os dados analíticos que trarão a compreensão de seu contexto.
Portanto, sob o ponto de vista social, consideramos que ao perito assistente social cabe ela-
borar parecer conclusivo, inclusive com a sugestão da modalidade de guarda e pontuar consi-
5. Considerações finais
As reflexões conjugam a relação teórico – prática das vivências técnicas de assistentes so-
ciais e psicóloga com o ordenamento jurídico frente à realidade do desenlace conjugal, tendo
a criança e/ou adolescente como sujeitos de direitos em fase peculiar de desenvolvimento.
Nosso diálogo tece algumas considerações sobre o processo histórico da guarda dos fi-
lhos, até então com naturalização do exercício da maternagem. Na atualidade, observamos
uma inflexão do masculino no papel de cuidador, sendo cada vez mais comum que homens
também exercitem a paternagem. Essa aproximação pode incomodar algumas mulheres
que, até então, tinham a primazia do cuidado.
As perícias psicológicas e sociais mostram que existem pais com interesse e disposição para a
guarda dos filhos, no entanto, o pedido de guarda compartilhada surge imiscuído por outras de-
4 Trata-se de um pedido que um juiz envia a outro de outra comarca. Assim, um juiz (dito deprecante)
envia carta precatória para o juiz de outra comarca (dito deprecado) para citar, intimar e/ou realizar perícia social e
psicológica. O envio de carta precatória ocorre quando uma das pessoasum dos sujeitos envolvidos na ação reside ou
tem domicílio em outra cidade.
mandas para além das estabelecidas na legislação. A falta de clareza do texto legal faz emergir
na prática o pedido de divisão cartesiana do tempo de convivência com a prole com a alternân-
cia de residência e a diminuição dos alimentos em razão desse tempo compartilhado de forma
matemática. A nosso ver, nesses casos, o balizador passa a ser o interesse dos adultos ao
invés do direito dos filhos, os quais são, de fato, quem deve ser amparado pela legislação.
Entendemos que o exercício da guarda compartilhada deve ser analisado detidamente caso a
caso, com observância principal no superior interesse da criança e/ou adolescente.
Desta forma, ponderamos que, por si só, a legislação e a decisão judicial não têm o condão
de favorecer o diálogo entre os genitores em todos os casos; ao contrário, pode, em algumas
situações, acirrar dissabores com consequências negativas para a prole.
Referências
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 05 jun. 2016.
BRASIL. Lei n 10.406, de 10 jan. 2002.Código Civil Brasileiro e legislação correlata. 2. ed. Bra-
sília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.
BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente. Plano nacional de promoção, proteção e defesa do direito de crianças e ado-
lescentes à convivência familiar e comunitária. Brasília (DF): Conanda, 2006
CASTRO, L. R. F. Disputa de Guarda e Visitas: no interesse dos pais ou dos filhos? São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2003.
FÁVERO, E. T. Instruções sociais de processos, sentenças e decisões. In: Serviço Social: direi-
tos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009, p. 609-636.
ROCHA, E. F. Alienação Parental sob o olhar do Serviço Social: limites e perspectivas da atua-
ção profissional nas varas de família. Tese de Doutorado. PUCSP, 2016.
______. Guarda compartilhada: reflexões sob a ótica do Serviço Social. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XV, n. 107, dez. 2012. Disponível em: www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revis-
ta_artigos_leitura&artigo_id=12512&revista_caderno=14. Acesso em: 01. fev.2013.
ROUDINESCO, E. A família em desordem.trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
SINGLY, François de. Sociologia da família contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
“Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras [...].
Recomeça” (Cora Coralina).
254
1. Introdução
Sem a família não é possível falar em plenitude de qualquer organização social ou jurídica.
Novos tempos chegam para o processo judicial de família.
2 Mestrando do programa de pós-graduação stricto sensu em Direito pela Universidade Federal do Espírito
Santo. Especialista em Direito Empresarial (FGV). Advogado e sócio do escritório Lyra Duque Advogados.
no ambiente familiar, de acordo com a estrutura normativa do Código Civil e conforme
expressamente delimita o artigo 2273 da Constituição Federal.
Tendo em vista que o Direito de Família convive com questões patrimoniais e extrapatrimo-
niais, exigem-se soluções efetivas do conflito e, neste sentido, Ronaldo Cramer e Virgílio
Mathias (2015, p. 1004) lecionam que “com efeito, solucionar conflitos familiares não sig-
nifica somente acertar questões patrimoniais, mas sobretudo, resolver questões afetivas e
sociais, o que torna uma grande conquista a solução amigável do litígio”.
Com vistas a mediar ou conciliar, pode-se citar o exemplo de ajuizamento da ação de famí-
lia e a consequente convocação do réu sem acesso ao conteúdo dos pedidos iniciais. Isso
acontece, justamente, com o intuito de viabilizar a mediação e conciliação em audiência e,
em caso de restar infrutífera, numa etapa seguinte, propiciar a defesa no processo judicial.
3 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Neste ponto, louvável a ideia do legislador de 2015, no artigo 694, parágrafo único, do
Código de Processo Civil4, no momento que possibilitou a via consensual aos próprios
litigantes com o uso da mediação extrajudicial ou atendimento multidisciplinar, ainda que a
ação de família esteja em curso no Judiciário.
Assim sendo, enquanto a mediação busca restaurar a comunicação que foi rompida pelo
conflito familiar e envolvê-las, ativamente, na busca da solução consensual, o atendimento
multidisciplinar adentra na raiz do problema, para fins de analisar o ambiente familiar e iden-
tificar com os envolvidos os traumas psicológicos causados pelo problema latente.
Fernanda Tartuce (2015, p. 324) esclarece sobre o tema, no que toca à importância da
mediação no Direito de Família, que “[...] em respeito à sua capacidade de autodeterminação,
Diante dessa perspectiva, o Poder Judiciário precisa se emparelhar para privilegiar a justiça
consensual, com orientação e estímulo a todos os operadores do Direito (advogados, servido-
res, juízes, defensores públicos e membros do Ministério Público), a fim de que busquem, sem-
pre que couber, o tratamento consensual às demandas de família, seja dentro ou fora processo.
Com isso, não se almeja colocar a mediação como substitutiva do processo judicial ou como 256
saída para desafogar o número elevado de judicialização dos conflitos familiares. Ao revés, o
que se pretende nas ações de família é restabelecer o aspecto comunicacional, haja vista que,
mesmo após o conflito instaurado, as partes necessitarão identificar as divergências e solu-
cioná-las em prol da manutenção do convívio familiar e de viverem sem o processo judicial.
Em homenagem, pois, ao princípio da autonomia privada, os sujeitos são livres para participar de
sessões de mediação e conciliação nos conflitos familiares, sendo certo que a solução construí-
da tende a ser mais aceita do que decisão outorgada pelo Judiciário, muitas vezes sem possibili-
dade de conhecer a fundo o conflito e os seus desdobramentos para além dos aspectos jurídicos.
Isto porque já é sabido que o Poder Judiciário brasileiro enfrenta o abarrotamento de demandas
judiciais, a lentidão no julgamento dos processos e, muitas vezes, a prestação jurisdicional não
enfrenta, a contento, a solução definitiva dos conflitos e, ainda, surge tardia ao jurisdicionado.
4 Art. 694, parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo
enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.
Faz-se necessário, então, que o advogado resguarde os interesses do seu cliente na me-
diação e que ambos adotem um perfil colaborativo, com a finalidade de chegar à comuni-
cação efetiva e à solução consensual do conflito.
Outra perspectiva do processo judicial de família consiste na produção de provas com o uso
da ata notarial. O legislador processual, nos termos do artigo 384 do Código de Processo
Civil de 20155, prescreve que o indivíduo pode usar a ata notarial com a finalidade de atestar
ou documentar a existência e o modo de existir de determinado fato.
Considerando que o Direito de Família lida com direitos existenciais, os operadores do Direito
devem trabalhar com cautela a utilização da ata notarial, a fim de gerar provas, sem prescin-
dir a preservação dos direitos constitucionais dos indivíduos ligados à honra, à imagem, à
intimidade e à privacidade dos sujeitos envolvidos no processo judicial de família.
Por fim, cabe advertir que, no processo judicial de família, a preocupação além da defesa dos
direitos dos indivíduos é também com a contenção de litígios, o que pode ser assegurado, no
âmbito ou fora do processo, com a utilização de práticas de mediação e conciliação.
A partir da vigência do novo Código de Processo Civil, a cultura do litígio perde a sua força
nas ações de família. A mediação passa a ser um novo caminho para a composição do
conflito. O sujeito de direito passa, verdadeiramente, a ser ator e condutor da sua vida
privada, ainda que judicializada.
257
Como mencionado, o artigo 694do CPC disciplina que todos os esforços serão voltados para
a solução consensual da controvérsia, devendo o magistrado dispor do auxílio de profissio-
nais de outras áreas do conhecimento. Há uma maior ênfase nos instrumentos da negocia-
ção, da conciliação e da mediação entre as partes envolvidas.
Do mesmo modo, a perspectiva transdisciplinar6 ganha mais espaço, pois há nítida ligação,
nos casos de família, do direito, da psicanálise, do serviço social e da sociologia.
Há na nova lei uma tentativa de substituir a “cultura da guerra”, pela “cultura da paz”
(TARTUCE, 2015, p. 324). Por consequência, nota-se a necessidade de transformação não
apenas da conduta dos profissionais que atuam na área de família, mas uma mudança no
modo de ensino do processo e do Direito.
5 Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a
requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
6 Dispõe o art. 151 da Lei 8.069 de 1990: “Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições
que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na
audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros,
tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico”.
Ademais, sem consenso, não há composição alternativa de conflito algum. Nenhum magis-
trado regulará com efetividade o cumprimento de direitos e deveres, sem a participação ativa
dos envolvidos no caso, porque o afeto e o respeito e não se pede.
Dessa maneira, importante aplicação terá a mediação nos casos envolvendo alienação pa-
rental. A síndrome da alienação parental, nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho (2014. p. 614), representa um verdadeiro “distúrbio que assola crianças e
adolescentes vítimas da interferência psicológica indevida realizada por um dos pais com
o propósito de fazer com que repudie o outro genitor”. Quando identificada tal interferên-
cia, a guarda poderá ser analisada pelo magistrado buscando proteger os interesses da
criança e do adolescente7.
Do mesmo modo, a eficácia dos deveres fundamentais passa a ser relevante, na área de
família, não apenas como um dever do Estado, mas como algo que deve ser observado nas
relações privadas, pois a todo direito há um dever correspondente. Por exemplo, ao lado do
direito dos pais à convivência com os seus filhos, é importante destacar a previsão de um
dever fundamental dos pais de resguardar a incolumidade psíquica e o relacionamento sau-
dável com as crianças e os adolescentes, evitando a desestruturação familiar8.
Não se pode perder de vista, que as relações familiares são estruturadas na relação de
amor e cooperação. A base do vínculo humano se constrói na solidariedade. O tema da
funcionalização dos vínculos jurídicos passa a permitir uma nova compreensão, por exem-
7 “1. Deve sempre prevalecer o interesse da criança ou adolescente, acima de todos os demais. 2. Não
estando a adolescente em situação de risco e mantendo ela boa convivência com a genitora, com quem sempre
conviveu, descabe promover a alteração de guarda. 3. Necessitando a genitora superar seus conflitos pessoais e
evitar conduta que configure alienação parental, deverá iniciar de forma imediata o acompanhamento psicológico e
a terapia familiar. Recurso desprovido. (TJ-RS. Apelação Cível Nº 70062004692, Sétima Câmara Cível, Relator: Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/11/2014)”.
8 “[...]A visitação deve ser exercida com zelo e responsabilidade e deve proporcionar para a filha momentos
de lazer, afetividade e descontração, permitindo uma convivência saudável entre a filha e o genitor não guardião [...].
(TJ-RS. AI 70062018569 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 26/11/2014.
Sétima Câmara Cível.)”.
plo, das relações conjugais que passam por rupturas e não mais se mantêm por meio de
um liame formal, tal como ocorre no divórcio.
Convém refletir que a responsabilidade familiar (pais, mães, avós, etc.) reside, dentre outros,
nos deveres de prestar subsistência, saúde, educação, cuidado, zelo, afeto e propiciar as
melhores condições psíquicas e espirituais aos filhos. Mas, infelizmente, mergulhados no
intenso conflito que a ruptura do laço conjugal promove, os pais se interessam mais nos seus
próprios desejos do que nos deveres inerentes às suas funções.
Objetivando reduzir o conflito, o direito tenta intervir nas delicadas relações familiares.
Será que há redução mesmo do conflito? Nos casos de guarda, pelo contrário, a prática
demonstra um intenso conflito para regular a guarda compartilhada e a imposição de pena-
lidades em caso de inexistência do afeto.
Nota-se que, quando o assunto se volta para a responsabilidade civil no âmbito familiar,
as questões emotivas ganham sinais de monetarização, intensificando-se as intervenções
Funções que buscam uma reciprocidade também se baseiam em aportes de energias recípro-
cas em busca de um fim comum. Por mais que os sujeitos estejam distantes, por questões
que não mais se apresentam como condutas afetivas e cooperativas em prol da aliança
familiar, os frutos que derivam do casal permanecem, os filhos. Isso se demonstra relevante
na medida em que uma convivência familiar tranquila e equilibrada proporciona um ambiente
259
favorável para o desenvolvimento da criança, sobretudo no aspecto afetivo, psicológico e
material, visando a formação psicológica livre de transtornos e traumas.
“Quero colo. Vou fugir de casa. Posso dormir aqui com vocês? [...]. Meu filho
vai ter nome de santo. Quero o nome mais bonito [...]”.
(Legião Urbana)
A funcionalização do direito impõe um novo tratamento jurídico da família que, por sua vez,
se volta ao viés constitucional sobre a comunidade familiar, posto que é o refúgio dos direi-
tos e deveres fundamentais garantidos a todo indivíduo.
Anderson Sant’Ana Pedra (2003, p. 196-197) enfatiza que, a partir da vigência do Código Civil
de 2002, cabe ao intérprete da norma alterar o foco de análise do direito civil, “[...] deixando
que este se ilumine pelos valores contidos na Constituição de 1988 a fim de conseguir um
novo contorno do direito civil, agora à luz do Texto Constitucional”.
Como sugere Marcus André Vieira (2001, p. 234), não se deve tomar o afeto “como subs-
tantivo, mas sim fazê-lo passar ao verbo”. Reforçar a necessidade do cumprimento dos
deveres na seara familiar (aí incluindo a afetividade como conduta) é, sem dúvida alguma,
uma excelente mudança para a sociedade.
A família contemporânea, portanto, possui amparo na solidariedade indicada no artigo 3o, inci-
so I, da Constituição da República que “fundamenta a existência da afetividade em seu concei-
to”, permitindo atribuir à família uma função social relevante (CASSETARI, 2015, p. 2015).
260
Nesta perspectiva, o reconhecimento dos deveres fundamentais se projeta a recuperar a
aplicação dos direitos em vários pontos de vista, tais como social, econômico e político, o
que levará a reconhecer o outro e, consequentemente, a sociedade (DUQUE, 2015, p. 33).
5. Considerações Finais
Constata-se que, a partir do novo Código de Processo Civil, a cultura do litígio perde, cada
vez mais, a sua força nas ações de família. A mediação é a saída inegável para a composi-
ção do conflito. O sujeito de direito passa, dessa forma, a ser o ator e o condutor da sua vida
privada, o que se espera que esta esteja cada vez menos judicializada.
Quando a concretização do afeto passa a ser realidade nos núcleos familiares, promove-se
uma transição de critérios valorativos, afastando-se das funções meramente patrimoniais e
ingressando na visão existencial dos seus membros.
9 O princípio da afetividade não se confunde com a socioafetividade, sendo institutos autônomos, mas
em conexão. Há quem defenda que a “socioafetivadade é a publicidade da afetividade, é a emergência do animus
constitutivo familiar”, como se dá na filiação (PORFÍRIO, p. 39-55, 2015).
Com o novo Código de Processo Civil, as modificações promovidas nas ações de família
objetivaram alcançar essa funcionalização das relações familiares, incentivando à reso-
lução efetiva, célere e consensual dos conflitos de interesses. Dessa maneira, entende-se
que o fim precípuo da família, cada vez mais, passa a ser a solidariedade social e a sua
resolução (mínimo de judicialização).
Nas relações familiares, o carinho, o afeto, o cuidado e a proteção são comportamentos es-
senciais para uma boa convivência. Algumas condutas, por imposição legal, fazem parte do
núcleo de deveres dos pais em relação aos filhos. Outros deveres, no entanto, estão
ligados à pessoa humana, mas são, essencialmente, voluntários, não se pedem e não se
medem - aqui tem-se o amor e o afeto.
Em razão disso, defende-se que a funcionalização do direito de família impõe um novo tratamen-
to jurídico dos seus membros que, por sua vez, se volta ao viés constitucional sobre toda a estru-
tura familiar, posto que é o refúgio dos direitos e deveres fundamentais garantidos ao indivíduo.
CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. São Paulo: Atlas, 2015.
CRAMER, Ronaldo. MATHIAS, Virgílio (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil,
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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2012.
DUQUE, Bruna Lyra. Deveres fundamentais nas relações privadas: análise da causa dos contra-
tos a partir da solidariedade. 2015. Tese (Doutorado em Direitos e Garantias Fundamentais).
Faculdade de Direito de Vitória, Vitória, 2015.
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Sucessões, São Paulo, a. 3, v. 8, p. 67-82, abr./jun., 2016.
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Paulo: Método, 2015.
VIEIRA, Marcos André. A ética da paixão: uma teoria psicanalítica do afeto. Rio de Janeiro:
Zahar, 2001.
Com o desenvolvimento da internet e, por consequência, das redes sociais, antigos conflitos
são transpostos para o ambiente virtual. Dentre eles, incluem-se as questões familiares, que,
apesar de essencialmente atreladas à intimidade daquele núcleo, passam a ser discutidas
diante dos olhos de um público indeterminável.
Ainda, analisa-se a privacidade nas relações familiares, com base em uma perspectiva do direi-
to civil-constitucional, contextualizada com a sociedade atual, conectada à internet e (super)ex-
posta nas redes sociais. Nesse sentido, procede-se a um estudo de caso referente a um conflito
familiar, de suposto inadimplemento de prestações alimentícias, transformado em espetáculo
público no Facebook. Ao final, formulam-se algumas propostas de comportamentos nas redes
sociais, quando o assunto é a família, com o intuito de preservar as relações familiares.
264
Por um lado, a internet facilitou as comunicações à distância, por meio de recursos como
e-mails, chats e aplicativos de mensagens. Por outro, os relacionamentos interpessoais pas-
saram a se desenvolver mais no ambiente virtual do que na realidade física.
Conforme ensina Marcel Leonardi2, “a visão original do principal criador da World Wide
Web era a de um espelho que refletisse as relações sociais”. Contudo, essa ideia revelou-
se inadequada, à medida que as interações sociais passaram a ocorrer, primariamente, na
internet, sem refletir a realidade externa.
2 LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 28.
Atualmente, essas interações ocorrem, em boa parte, em redes sociais virtuais, como o
Facebook e o Instagram. As pessoas compartilham fatos, imagens e vídeos de seu cotidiano,
consubstanciando verdadeiras limitações voluntárias ao seu direito à privacidade. Inclusive,
o sociólogo Zygmunt Bauman3 aponta uma tendência a essas limitações voluntárias:
Nos nossos dias, não é tanto a possibilidade de traição ou violação da privacidade que nos as-
susta, mas seu oposto: fechar todas as saídas do mundo privado, fazer dele uma prisão [...]. “Ser
uma celebridade” (quer dizer, estar constantemente exposto aos olhos do público, sem ter neces-
sidade nem direito ao sigilo privado) é hoje o modelo de sucesso mais difundido e mais popular.
Dessa forma, as redes sociais tornam-se um repositório de informações sobre diversos as-
pectos da vida de seus usuários. Com isso, aqueles que fazem parte de seus círculos virtuais
– por excelência, os amigos do Facebook – passam a ter acesso à sua vida por meio da lente
digital. Mais além, ficam expostos não só os usuários, que disponibilizam os conteúdos na
rede, mas também as pessoas que integram seus grupos mais próximos – família e amigos.
Diante disso, é preciso analisar algumas particularidades das relações familiares.
3. Famílias e Privacidade
Além disso, “a família é também uma instituição social, com normas jurídicas que defi-
nem direitos e deveres de cada um e que a sociedade deve garantir, seja qual for a sua
configuração”5. Essa visão da família como instituição “dá vazão à presença do Estado na
disciplina de suas relações jurídicas”6. Com isso, discute-se a filiação do Direito de Família
ao ramo do Direito Público ou do Direito Privado. Cumpre estatuir, de início, que a aproxi-
mação com o público ou com o privado deve ser analisada sob uma perspectiva histórica,
tendo em vista as variações ocorridas ao longo do tempo.
Nesse sentido, Cristiano Chaves7 remete a “tempos remotos, nos quais a atuação do Estado
nas relações familiares era abundante, especialmente através da edição de normas jurídicas
limitando a vontade do titular”. Nesse contexto, preponderava o interesse estatal, em detrimen-
3 BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 41.
4 GROENINGA, Giselle Câmara et. al. Direito civil: direito de família. São Paulo: RT, 2008, p. 22.
5 GROENINGA, Giselle Câmara et. al. Direito civil: direito de família. São Paulo: RT, 2008, p. 22.
6 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 177.
7 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. 8. ed. rev. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2016, p. 47.
to da autonomia privada dos membros do núcleo familiar. A interferência estatal levava, ainda,
a uma padronização, exigindo-se a reprodução de um único modelo para caracterizar a família.
Todavia, sucessivas teorias passaram a incluir a família em uma esfera privada, prote-
gendo-a das ingerências do Estado. De acordo com Will Kymlicka8, “a primeira defesa da
privacidade baseada na família foi a doutrina do pater familias”, segundo a qual os assun-
tos familiares integravam a esfera privada do homem, chefe da família, razão pela qual o
Estado não poderia intervir. Posteriormente, reconheceu-se a autonomia familiar e, mais
adiante, o direito à privacidade baseado na família9.
Cumpre ressaltar que, historicamente, a família possuía um caráter patriarcal, chefiada por
um homem, e patrimonial, voltando-se à proteção e à manutenção do patrimônio acumu-
lado, com a posterior sucessão dos bens em favor dos familiares próximos. “Era interesse
do Estado que esta família monolítica, como unidade produtiva e esteio econômico da
nação, fosse regulamentada ostensivamente”10.
Com o declínio do patriarcalismo, a família perdeu sua força como instituição e hierarquia
rígida, ficou menos patrimonialista, deixou de ser essencialmente um núcleo econômico e de
Assim, a família não deve ser vista como um bloco estático, com interesses próprios e autô-
nomos, mas um sistema, composto por indivíduos, titulares da dignidade da pessoa humana,
cujos interesses devem ser harmonizados e promovidos pela instituição familiar. Nesse
grupo tão íntimo, deve-se reafirmar a preocupação com a solidariedade e a alteridade, mas
também com a individualidade de cada um de seus componentes.
Dessa forma, “a família contemporânea não admite mais ingerência do Estado, sobretudo no 266
que se refere à intimidade de seus membros. […] A intervenção do Estado deve, apenas e tão
somente, ter o condão de tutelar a família e dar-lhe garantias”12. Verifica-se, portanto, a clara
consolidação do Direito de Família no âmbito privado, protegendo a instituição familiar e
seus membros da interferência estatal excessiva.
A intimidade da vida privada vista como bem assume uma característica precípua em relação
ao lugar-comunidade dos afetos. Na mais ampla problemática da privacidade, assume um
8 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.
334-335.
9 Ibidem, p. 335-336.
10 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 180-181.
11 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva,
2015.
12 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 181-182.
13 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 182-183.
papel independente a tutela da intimidade da vida privada do grupo familiar, especialmente
do núcleo convivente. [...] Cada um tem o direito, em relação aos parentes próximos, a que
fatos e comportamentos de natureza existencial, relativos a ele e à sua família em sentido
lato, não sejam divulgados ao externo.
Entretanto, embora se reconheça o caráter privado das famílias, não se pode ignorar o
fenômeno da publicização das relações familiares, por meio da exposição na internet. Afinal,
na sociedade atual, as pessoas alimentam suas redes sociais com inúmeras informações e
registros fotográficos, devassando a privacidade da família. Com isso, a internet e as redes
sociais tornam-se palco de conflitos familiares clássicos.
É comum que amigos e familiares tenham contato entre si por meio das redes sociais. Porém,
quanto mais precária for a comunicação direta entre essas pessoas, maiores são as chances
Nesses casos, há uma incongruência entre o padrão de vida promovido nas redes sociais
e o argumento de impossibilidade financeira. Na seara familista, esse conflito é recorrente-
mente verificado no bojo de ações de alimentos. De um lado, o alimentante deixa de pagar
os alimentos devidos e/ou alega a impossibilidade de com eles arcar, ou, ainda, requer a
diminuição de seu valor, sob a alegação de que não é capaz de suportar tais dispêndios. Em
contrapartida, as redes sociais desse mesmo alimentante encontram-se repletas de registros
fotográficos, mostrando-o em eventos e viagens, ao lado de bens valiosos, enfim, exibindo
um padrão de vida elevado, incompatível com a alegada insuficiência financeira.
Diante dessa incompatibilidade, uma das proposições deve ser falsa: ou o alimentante não
apresenta, de fato, a condição financeira que ostenta na internet, sendo realmente incapaz
de arcar com os alimentos fixados, ou, apesar de suas alegações, ele tem, sim, condições
de suportar as prestações alimentícias.
14 OLMOS, Olívia Martins de Quadros; FAVERA, Rafaela Bolson Dalla. Ostentação nas redes sociais como
meio de prova e o posicionamento dos tribunais de justiça: liberdade de expressão versus dívidas. In: SEMINÁRIO
NACIONAL DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, XI, 2015, Santa Cruz do
Sul. Anais... Santa Cruz do Sul: Unisc, 2015.
Em qualquer desses cenários, a ostentação no ambiente virtual pode ser levada ao Judiciário
como meio de prova. Afinal, o Código de Processo Civil de 2015 incluiu, expressamente, as foto-
grafias extraídas da rede mundial de computadores e as mensagens eletrônicas como meios de
prova, nos termos do art. 422, parágrafos 1º e 3º, respectivamente15. Conforme alerta o Desembar-
gador Paulo Dimas, “as pessoas estão produzindo provas contra si mesmas sem se dar conta”16.
ao postar em sua rede social fotografias que ostentam uma vida alimentada por luxos como ida
a shows internacionais, posse de animais de grande porte e sabidamente de elevado valor de
mercado, viagens, passeios de lancha, presença em eventos de público selecionado e consumo
de alimentos e bebidas notoriamente diferenciados (fls. 326/356), o alimentante certamente
indica possuir status social que não se coaduna com o de pessoas que passam por dificulda-
des financeiras. É verdade que, como se diz popularmente, as aparências podem enganar e o
recorrente pode ser pessoa que apenas optou por parecer abastado sem, efetivamente, possuir
tal condição. Mas o agravante, ao obter certos bônus sociais decorrentes da ostentação de
riquezas, deve, sem dúvida alguma, suportar o ônus que essa mesma ostentação traz consigo.
E a obrigação alimentícia é apenas um exemplo dele17.
Ora, percebe-se que as publicações na rede social foram utilizadas como evidências de que o
alimentante dispunha de condições financeiras de suportar as prestações alimentícias. Res-
Conforme notícia publicada no site Gazeta Online19, um usuário do Facebook publicou, em ja-
neiro de 2017, uma mensagem em um grupo de classificados de Guarapari/ES, com o intuito
16 TRINDADE, Eliane. Posts em redes sociais viram provas na Justiça. Folha de S. Paulo, 25 jun. 2011.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2506201101.htm>. Acesso em 29 mar. 2017.
18 Ibidem.
19 GAZETA ONLINE. Pedido de ingresso do Baile do Dennis gera resposta ‘sagaz’ a jovem. Gazeta Online, 22
jan. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/4y08aZ>. Acesso em: 29 mar. 2017.
de comprar dois ingressos para um show, intitulado “Baile do Dennis”. Porém, quem respon-
deu à publicação foi uma mulher, demandando que o usuário pagasse a pensão alimentícia
do filho, em vez de comprar ingresso para show.
Aliás, estes são colocados em uma situação deveras incômoda. Como afirma Pietro Per-
lingieri21, “a comunhão material e espiritual que identifica cada família continua mesmo na
presença de eventos que marcam a separação de alguns de seus componentes: por exemplo,
os filhos que prosseguem a convivência com o cônjuge [...] divorciado [...]”. Ou seja, mesmo
que não haja mais laços de afetividade entre o ex-casal, ainda há laços familiares cercando-
Dessa forma, é evidente que são estes os maiores prejudicados em decorrência dos conflitos
familiares. A exposição desses conflitos nas redes sociais só agrava a situação, pois também
se viola sua privacidade. Nesse contexto, convém lembrar um dos princípios norteadores do
Direito de Família: o melhor interesse do menor. Por meio de suas condutas, ambos os pais do
alimentando parecem não se dar conta da necessidade de preservação dos interesses do filho.
Em suma, tendo em vista o caso narrado, ainda que o alimentante esteja em débito, em 269
razão do não pagamento das prestações alimentícias, também se revela inadequada a con-
duta da mulher que utiliza as redes sociais para envergonhar o devedor. A internet não é o
ambiente adequado para se discutirem os conflitos familiares, uma vez que é uma esfera
eminentemente pública, na qual é quase impossível restringir o alcance dos conteúdos dis-
ponibilizados. Levar as questões familiares para as redes sociais é uma afronta ao caráter
privado e de intimidade das famílias.
Diante de casos de ostentação nas redes sociais, em vez de atacar o alimentante por meio
de comentários virtuais, deve o alimentando (por meio de seu representante) salvar as
fotografias e outras publicações que reproduzam a situação financeira do alimentante. Esses
20 BENEZATH, Rita. Dennis DJ compartilha “puxão de orelha” em capixaba e manda recado. Gazeta Online, 23
jan. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/0dTJ8i>. Acesso em: 29 mar. 2017.
21 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 244.
documentos poderão (e deverão) ser utilizados como meios de prova, no âmbito judicial, a
fim de refutar eventuais alegações de incapacidade de arcar com a prestação de alimentos.
Além disso, os registros de ostentação podem dar substrato a uma ação revisional de ali-
mentos, postulando pela majoração do quantum fixado. Na lição de Rolf Madaleno22:
A natureza dos conflitos de família, antes de serem jurídicos, são essencialmente afetivos, psi-
cológicos, relacionais, envolvendo sofrimento. Assim, os juízes questionam-se sobre o efetivo
papel que desempenham nesses conflitos, conscientizando-se dos limites do Judiciário.
Cumpre observar que, nas ações de família, por existir vínculo anterior entre as partes, é
recomendável a atuação de um mediador, que “auxiliará aos interessados a compreender
as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento
270
da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios
mútuos”25, nos termos do art. 165, § 3º, do CPC. Essa atuação coaduna-se, ainda, com o
princípio da menor intervenção estatal, identificado por Rodrigo da Cunha Pereira26, tentando-
se, inicialmente, que as próprias partes solucionem o conflito.
Além disso, Maria Berenice Dias27 ressalta que “a possibilidade de as partes declinarem da
audiência de mediação, alegando desinteresse na autocomposição (CPC 334 parágrafo 5º),
22 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.
1036.
23 GANANCIA, Daniéle. Justiça e mediação familiar: uma parceria a serviço da co-parentabilidade. Revista
do Advogado, São Paulo, n. 62, p. 7-15, mar. 2001.
26 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 176-183.
27 DIAS, Maria Berenice. A Lei de Alimentos e o que sobrou dela com o novo CPC (Parte 1). Conjur, 18 set.
2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-set-18/processo-familiar-lei-alimentos-sobrou-dela-cpc-parte>.
Acesso em: 29 mar. 2017.
não existe no âmbito das ações de família (CPC 695) e, via de consequência, também em
demandas alimentares”. Com isso, promove-se a cultura da mediação no âmbito familiar.
Conclui-se, portanto, que os bate-bocas virtuais devem dar lugar à busca pela solução jus-
ta do caso. Nesse caminho, recomenda-se privilegiar os métodos alternativos de resolução
de conflitos, no caso, a mediação – seja esta judicial ou extrajudicial. Em última instância,
caso o conflito seja levado à apreciação do Poder Judiciário, devem ser admitidas como
indícios de prova as postagens em redes sociais.
6. Considerações Finais
Ao longo do tempo, a concepção de família modificou-se, bem como suas interações espa-
lharam-se, também, pelo ambiente digital. Por consequência, não são incomuns conflitos
familiares desenvolvendo-se por meio da internet, especialmente nas redes sociais.
Por outro lado, as mensagens e fotografias publicadas na internet podem e devem ser utilizadas
como elementos de prova no Direito de Família, como, por exemplo, em situações análogas ao
caso estudado: diante da incongruência entre a ostentação nas redes sociais e o inadimplemen-
to de prestações alimentícias, sob a alegação de impossibilidade financeira. Conforme o Código
de Processo Civil de 2015, tais registros podem consistir em meios de prova em ações judiciais.
Entretanto, é imperioso apontar para a busca preferencial pela mediação, como método 271
alternativo de resolução de conflitos familiares. Tendo em vista o princípio da menor interfe-
rência estatal nas famílias, em razão de seu caráter privado e de intimidade, convém tentar a
solução consensual do litígio, também em atenção ao Novo Código de Processo Civil. Com
isso, visa-se não só a “desafogar” o Poder Judiciário, mas, principalmente, à obtenção de
melhores soluções para os conflitos de família, preservando as relações entre seus membros
e proporcionando a realização de pretensões de todos os envolvidos.
Ressalta-se, ainda, que, na mediação, devem ser valorizadas outras áreas de conheci-
mento, além da ciência jurídica, como a psicologia e o serviço social. Afinal, as relações
familiares são continuadas, prolongam-se no tempo, e seus conflitos são, essencialmente,
afetivos. Essas particularidades devem ser levadas em conta nos casos de mediação
extrajudicial e, principalmente, judicial, devendo o juiz recorrer ao auxílio de profissionais
dessas áreas para proferir melhores decisões. Em suma, com essas propostas, espera-se
alcançar melhores soluções para os conflitos familiares.
Referências
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so em 29 mar. 2017.
QUANDO AVÓS ASSUMEM O CUIDADO
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
SEUS NÚCLEOS FAMILIARES
1. Introdução
A estrutura familiar brasileira tem apresentado novas formas de organização (GABARDO et al, 273
2009), de tal forma que o modelo formado por pai, mãe e filho, ainda que em maior número,
tem dado lugar aos novos arranjos familiares (TEIXEIRA, 2008). Dito isso, observa-se que as
famílias têm apresentado formações diversificadas, podendo ser: Conjugal (pais e filhos), de
varias gerações, chefiada por homem ou mulher, unipessoal, homossexual, de irmãos, dentre
outras (TEIXEIRA, 2008). Assim,
A dinâmica familiar será compreendida à luz da maneira pela qual os membros da família se re-
lacionam e mantêm seus vínculos. Associado a isso, a dinâmica se dá por meio das interações
que são estabelecidas em sua estrutura, ou seja, é o modo pelo qual seus membros lidam com
problemas e conflitos originários do ideal da família, a partir das relações hierárquicas e dos
papéis familiares (CALOBRIZI, 2001, p.06).
Ainda sobre a dinâmica familiar, acrescenta-se que, os efeitos das crises econômicas, so-
ciais e a organização do mundo do trabalho também se refletem nas mudanças das confi-
gurações familiares, onde essas em determinadas situações se moldam para sobreviver às
adversidades e obstáculos da sociedade contemporânea (CALOBRIZI, 2001).
Nesse sentido, este trabalho busca abordar a responsabilidade que as avós têm assumido
quanto ao cuidado de seus netos, entendendo que a transferência de cuidado (dos pais para
as avós) é assumida por diversos fatores sociais que perpassam as famílias.
A princípio torna-se essencial entender que embora seja bom manter o cuidado da criança
e/ou do adolescente no núcleo familiar, pode ocorrer de ao assumirem esta responsabili-
dade primária, as avós substituam o papel da mãe, cabendo a estas avós funções seme-
lhantes ao da função materna (MAINETTI; WANDERBROOCKE, 2013). Atrelado a este fator,
existem outras questões que podem decorrer dessa transferência, especialmente quando a
avó cuida dos netos em tempo parcial ou integral, o que pode acarretar em altos níveis de
stress e sobrecarga (ARRAIS et al, 2014).
Considerando tais questões, o presente estudo tem por objetivo contribuir de maneira provo-
cativa e reflexiva a respeito de crianças e adolescentes que são criados por avós no estado
do Espírito Santo. Ressalta-se ainda que o estudo ora apresentado constitui-se de relato de
Quanto à experiência vivenciada nesse ano, acrescenta-se que durante a estadia nestes cam-
pos de prática, a temática aqui apresentada repercutiu entre os residentes, visto que tornava
cada vez mais expressivo o número de crianças e adolescentes cuidadas por avós. A partir 274
de tais inquietações e recorrendo a literatura, estudos como de Mainett e Wanderbroocke
(2013) apontam que dentre os fatores existentes para que avós assumam a criação de seus
netos, destaca-se: substituição de pais falecidos, gravidez na adolescência, negligência por
parte dos pais, dependência química, transtornos mentais por parte dos pais ou até mesmo
dos netos e algum tipo de violência. Fatores estes que, em alguns casos, fizeram-se presente
para Equipe de Residência Multiprofissional nos campos de atuação supracitados.
Diante dos expostos, defende-se a necessidade de estudos que contribuam para a temática, visto
que o assunto aqui abordado aparece em seus diversos níveis de atenção em saúde e no que tan-
ge ao referencial teórico, observou-se uma escassa literatura da temática nesta política. Enten-
dendo isso, o presente trabalho adota como metodologia, a pesquisa descritiva e exploratória.
No que tange a adesão da pesquisa descritiva, julga-se pertinente o seu uso por meio da
compreensão de que esse tipo de pesquisa possibilita a descrição de características/
peculiaridade de um determinado público na coleta de dado, e é exatamente isso que o
estudo buscará apresentar (GIL, 2008).
Como técnica de análise utilizou-se a Análise de Conteúdo que implica em categorizar
mediante embasamento teórico (BARDIN, 1997). Sendo uma técnica que procura identificar a
especificidade dos dados encontrados (BARDIN, 1997).
Em 2016, a equipe que se insere (Residentes do primeiro ano –R1) contavam com 18 profis-
sionais de sete áreas de atuação, a saber: Assistentes Sociais, Cirurgiã-Dentista, Enfermeiras,
Farmacêuticos, Fonoaudiólogos, Terapeuta Ocupacional e Psicólogos.
Durante as atividades da residência, a equipe buscava trabalhar a triple criança e/ou ado-
lescente, equipe e família, relação essa estabelecida durante o tratamento. A escolha desse
modelo de trabalho consiste em entender que o processo saúde-doença é envolvido por
diversos fatores, e que a participação no processo de acompanhamento vai para além de
acatar decisões, mas em construir em conjunto a melhor proposta de tratamento.
De tal forma que é do olhar minucioso que emerge a observação sobre alguns aspectos
que envolvem as famílias das crianças e adolescentes, dentre eles os das avós como
principais cuidadoras.
Essa questão aparece desde o acolhimento quando são convocados os responsáveis para
uma roda de conversa, passando pelo atendimento multiprofissional mediante a identificação
do principal cuidador da criança e/ou adolescente e apresenta-se de forma mais detalhada
em atendimentos específicos (principalmente do serviço social).
Apesar da presença dos dois modelos citados, o segundo grupo – pais ausentes do lar – foi
o mais expressivo por vários motivos: mãe que mora em outro estado/país, pai que viaja
muito, uso de substâncias psicoativas, pai ou mãe em reclusão, pais que trabalham muito,
abandono de lar, recusa em cuidar por se considerar incapaz, casamentos diferentes, gravi-
dez na adolescência, transtorno mental por parte da criança e/ou adolescente, envolvimento
em tráfico de drogas por parte dos pais, dentre outros.
Esses fatores revelam que estas famílias possuem questões que em muitos casos exigiam
o acompanhamento pela rede de proteção à criança e ao adolescente, isso por entender
que o cuidado envolve aspectos físicos, sociais, econômicos e psicológicos. De forma
que, ao perceber que ao perceber que a família não estava recebendo o cuidado que neces-
sitava na rede de proteção, buscava-se direcioná-las.
Enfatiza-se ainda que, das 10 famílias, apenas 02 possuíam a guarda da criança e/ou
adolescente e 01 não tinha certeza se tinha ou não (senhora de idade avançada, relata
que quando pegou a criança da filha lembra que assinou um papel, mas não tinha nenhum
documento que comprovasse a guarda). As demais não tinham formalizado e não possuíam
interesse e quando mencionada a necessidade de formalizar, as mesmas demonstravam
recusa em continuar o atendimento e em sua grande maioria falavam que não, pois temiam
a retomada de cuidado das crianças e/ou adolescentes pelos pais.
Menciona-se que, no que tange ao cuidado, as avós assumiam toda a responsabilidade, estan-
do sempre presente no tratamento, entretanto, em alguns casos, mesmo com a existência de
mais pessoas inseridas no seio familiar, cabia somente a elas a resolutividade das demandas
de seus netos, mostrando que realmente “As mulheres idosas em especial, assumem papel im-
portante frente às novas configurações familiares” (MAINETTI; WANDERBROOCKE, 2013, p.04).
Tais questões podem gerar dificuldade às avós em diferenciar o que é ser avó do papel que
desempenham como cuidadoras dos netos (LOPES; NERI; PARK, 2005). Sendo observado, em al-
guns momentos, a troca da figura, de modo que a avó passa a ser chamada de mãe pelo seu neto.
Diante dos vários efeitos que tem esse fenômeno, nota-se que em muitos casos, ao
assumirem a responsabilidade de criarem seus netos, as avós perdem a representação do
que é ser avó para assumirem uma função materna, a qual se sobrepõe ao papel de avó
A perda (dos filhos, dos companheiros de sua idade, de sua liberdade); ansiedade, ao ter que li-
dar com crianças ainda em desenvolvimento; raiva e rancor contra os filhos que as deixaram em
tal situação. Elas também podem vivenciar medo de não poderem acompanhar o crescimento
dos netos até se tornarem adultos e de não ter quem cuide deles na sua falta. Muitas se senti-
ram inadequadas e acharam que faltaram como mães e, com isto, apresentaram confusão de
277
papel por estarem desempenhando uma função que, na realidade, seria dos pais. Elas também
se queixaram de seu estado de saúde e algumas chegaram a desenvolver depressão. As avós
tenderam a esquecer sua própria condição de saúde para atender às necessidades dos netos.
Outros sentimentos relatados pelos avós configuram uma ambivalência: cansaço e medo de
perder sua privacidade se misturaram aos de realização, renovação, orgulho e satisfação de
terem contribuído com seus filhos e netos.
Estas queixas fizeram-se presentes durante os atendimentos, com isso buscou-se trabalhar o
cuidado consigo, articulando-se sempre com os dispositivos de saúde e frisando junto a eles a
necessidade de acompanhamento das referidas avós. Embora tenha ocorrido esse movimento
por parte dos profissionais que procuravam sempre colocar a importância de cuidar de si para
cuidar do outro, nem sempre foi possível obter sucesso, pois ocorria pouca adesão de trata-
mento para elas, diferente do que ocorria para seus netos, pois uma das demandas colocadas
por elas consistia na busca de qualidade de vida para seus netos, esquecendo-se de si.
Entretanto, apesar da oferta de cuidado e proteção com as crianças e/ou adolescente, visto
que é inquestionável o forte vinculo estabelecido, a sobrecarga se fazia muito presente, sen-
do colocada a responsabilidade de prover o suporte familiar como algo que não era almeja-
do, mas que se fez necessário. De acordo com Mainete e Wanderbroocke (2013, p.07),
Ao assumir um neto para criar, essas mulheres, pertencentes a uma camada mais desfavoreci-
da, tiveram que remanejar sua vida nos aspectos profissional, financeiro e familiar, para darem
conta do aumento das despesas e tarefas domésticas.
Visto que essas mulheres acabam retomando um lugar que já foi desenvolvido por elas,
sendo assim absorvem novas responsabilidades, as quais não necessariamente eram
almejadas. Outro aspecto que merece ser dito corresponde às demandas trazidas por
essas avós, sendo: tratamento especializado para os netos, Bolsa Família, dificuldade
de compreensão do tratamento, busca por orientação quanto à procura de tratamento de
alto custo e principalmente requisição de orientações quanto ao Beneficio de Prestação
Continuada- BPC. Esclarece-se que a procura deste último ocorre devido a suspeita ou
diagnostico de algum comprometimento neurológico.
Diante das demandas trazidas, buscava-se orientar e direcionar as mulheres atendidas aos
dispositivos de competência, sendo necessário articular ou conversar primeiro e depois
direcioná-las conforme o que foi pactuado com a rede ou com os profissionais que já acom-
No que tange à articulação externa, em muitos casos foram obtidas respostas satisfató-
rias, entretanto, observou-se que os dispositivos sofrem com a crise instaurada no país,
apresentando escassez de recursos e/ou métodos para sanar com a necessidade assisten-
cial absorvida pelo município. Acredita-se que mediante dificuldades que envolvem uma
questão estrutural, é de extrema importância contextualizar as famílias sobre a conjuntura 278
social que as envolve, trabalhando sempre na perspectiva de emancipação (CALOBRIZI,
2001). Entretanto, no que tange à responsabilidade sobre a criança e o adolescente, a
Constituição Federal de 1988 estabelece no art.227 que
Ou seja, se o Estado não consegue prover o que foi estabelecido na Carta Magna, ele se omite
em suas obrigações, justificando-se sob a ótica de ausência de recurso. Entre as consequências
dessa omissão está a responsabilização exclusiva, em alguns casos, das famílias atendidas.
Assim, observou-se que embora as avós necessitem de algum tipo de beneficio da assistência
social para complementação de renda (já que a aposentadoria não é algo assegurado a to-
das), nem sempre era obtido sucesso quanto às requisições de caráter assistencial, restando-
lhes viver de rendas informais, com o auxílio de parentes ou até mesmo da sociedade civil.
Salienta-se que, mesmos com todas as dificuldades financeiras, as avós não abandonaram
seus netos e nem pensavam nisso. E mesmo absorvendo todo esse papel, as avós explici-
tavam que a função exercida não é socialmente reconhecida, mas estabelecida como dever
posto a elas, o que as fazia aceitar tal obrigação.
Com isso, afirma-se por meio da experiência vivenciada que apesar das diversas questões
que perpassam a responsabilidade que as avós têm assumido ao se comprometerem a
prover o cuidado de maneira integral aos seus netos, elas não medem esforços para tê-los ao
seu lado e buscam contribuir para o pleno desenvolvimento dessas crianças/adolescentes. E
que tanto as avós como os netos são envolvidos por essa relação, onde ambos se proporcio-
nam vivenciar momentos de alegria, carinho e companheirismo.
3. Considerações Finais
Lopes, Neri e Park (2005) apontam que, na ausência dos pais, ter avós como cuidadores
principais pode ser mais benéfico para as crianças do que morar com outras pessoas. Isso
Nesse sentindo, o questionamento sobre o que isso representava na visão da criança e/ou
adolescente fez-se presente para o serviço social como também para toda equipe durante as
discussões de caso, porém não foi possível obter resposta concreta para a prerrogativa.
É importante ressaltar que não há uma forma de organização familiar ideal para um
desenvolvimento saudável da criança. Uma família relativamente estabelecida não garante 279
a segurança de que as crianças não cresçam sem angústia e dificuldades (MAINETTI;
WANDERBROOCKE, 2013).
Quanto ao que a bibliografia aponta sobre os fatores sociais que levam as avós a assumirem
o cuidado de seus netos, observou-se as questões vistas nesta experiência condizem com os
estudos. Entretanto, necessita-se de expandir os estudos, visto que diversas podem ser as
implicações que esta responsabilidade pode trazer, tanto para as avós como para seus netos.
Outra questão de suma importância diz respeito à dificuldade em arcar com as despesas
da família, pois as avós relatam da dificuldade em conseguir apoio familiar e até mesmo
na rede para questões ligadas a assistência de maneira geral (assistência social, farma-
cêutica, médica, entre outras).
Por fim, diante de todas as questões aqui apresentadas, o estudo conclui dizendo da
necessidade de viabilizar direitos para com as novas formas de organização familiar, em
especial as avós que cuidam de seus netos, pois quando o Estado se omite de suas obriga-
ções (justificando escassez de recursos) e aplica políticas focalizadas, uma considerável
parcela de pessoas fica desprotegidas socialmente.
Daí emerge a necessidade de oferta de ações para com esse público, sendo essencial traba-
lhar questões que atravessam o cuidado com o outro e consigo, pois foi observado que em
muitos casos, o olhar para si já não é considerado por essas cuidadoras.
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Parceria
Escola de Magistratura do Estado do Espírito Conselho Regional de Serviço Social –
Santo (EMES) CRESS/17ª Região
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Prof.ª Me. Camila Costa Valadão – Mestre em Política Social pela Universidade Federal do
Espírito Santo. Professora do curso de Serviço Social da Faculdade Católica Salesiana de Vitó-
ria-ES e conselheira do Conselho Regional de Serviço Social 17º Região/ES (gestão2014-2017).
Prof.ª Dr.ª Fabiana Pinheiro Ramos – Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Fe-
deral do Espírito Santo; Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade
Federal do Espírito Santo e membro da diretoria nacional da Associação Brasileira de Ensino
em Psicologia (ABEP) (biênio 2013-2015).
Prof.ª Me. Naara de Lima Campos – Doutoranda e Mestre em Política Social pela Universida-
de Federal do Espírito Santo. Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Multivix e
conselheira do Conselho Regional de Serviço Social 17º Região/ES (gestão2014-2017).
Prof.ª Dr.ª Rebeca Valadão Bussinger – Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Fe-
deral do Espírito Santo; Professora do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá de Vila
Velha e conselheira titular do Conselho Regional de Psicologia 16º Região/ES (gestão 2013-2016).