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RASCUNHOS EM TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA – STHG

Docente: Artur Isaac Leite Neto / Tel. e Whatssap: (84) 99153 9955
Email: artur.isaac@yahoo.com

PREFACIO CONTEMPORANEO:

Este material foi organizado com o objetivo de pontuar nossas conversas


em sala de aula e facilitar de forma sistemática o seu estudo. Todas as
colocações aqui neste material foram tiradas dos livros textos que estaremos
usando em nossa disciplina, a saber: A teologia do século 20 – Deus e o
mundo na era liquida de Stanley e Olson e Teologia sistemática, filosófica e
história de Alister Mcgrath e também algumas colocações deste que vos
ensina, pequenas de fato, mas algumas trabalhosas.

Espero nesta disciplina crescer junto com os amados alunos que


entendo que só por ser aluno não necessariamente significa não conhecer
nada de teologia contemporânea, pelo contrario certamente aqui há de ter
conhecimento superior ao meu, por isso cresceremos juntos!!

No mais, se trata de uma disciplina gostosa de estudar e em nossos dias


imprescindível para um bom uso das diversas ferramentas que encontramos no
universo literário. Compreendendo as ignições por trás de cada teologia
podemos desfrutar muito mais conhecimento sem se perder nas artimanhas
das interpretações destes teólogos pensadores atrevidos na busca pelo saber.

Que Deus nos abençoe nesta caminhada. Desde já uma alegria em


compartilhar este tempo com vocês que fazem o seminário teológico Harlan
Graan.

Abraços deste que vos usa no saber, Pr. Artur Isaac


1. Transcendência e Imanência e a História Teológica
Moderna

Introdução:

Na melhor das hipóteses, a teologia cristã buscou sempre um equilíbrio


entre as verdades bíblicas da transcendência e da imanência divinas. Por um
lado, Deus relaciona-se com o mundo como um Ser Transcendente. Ou seja,
Deus é autossuficiente e não precisa do mundo. Ele está acima do universo e
muito além do mundo. Conforme declaram enfaticamente as Escrituras
hebraicas, Deus habita no céu. ―Deus está nos céus, e tu, na terra‖, diz o
pregador (Ec 5.2). E o profeta relata que viu o Senhor ―assentado sobre um alto
e sublime trono‖ (Is 6.1).

Por outro lado, Deus também se relaciona com o mundo como um Ser
Imanente. Isso significa que Deus está presente em sua criação. O ser divino
está ativo no universo, envolvido nos acontecimentos do mundo e da história
humana.

Paulo enfatizou essa verdade em seu conhecido discurso aos


atenienses durante o encontro no Areópago. Deus ―não está longe de cada um
de nós‖, diz ele, ―Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos‖ (At
17.27,28). Um tema relacionado a este - a presença do Espírito de Deus como
sustentador da criação – aparece repetidamente no Antigo Testamento,
especialmente na literatura de sabedoria (como em Jó 27.3, 33.4, 34.14,15; SI
104.29,30). E o próprio Jesus deu crédito a seu Pai pelos processos naturais
como a chuva e o sol, a alimentação dos pássaros e a beleza das flores (Mt
5.45; 6.25-30; 10.29,30).

RECORTES - A TEOLOGIA DO SECULO 20


Deus e o mundo numa era líquida. (Stanley J.Grenz & Roger E.Olson)

a) Pelo fato da Bíblia apresentar Deus como estando tanto


além do mundo quanto presente no mundo, os teólogos de todas as
eras são confrontados com o desafio de articular o entendimento cristão
da natureza de Deus de uma forma que equilibre, afirme e sustente
numa tensão criativa a realidade da transcendência e da imanência
divinas. Uma afirmação equilibrada de ambas as verdades facilita uma
relação adequada entre a teologia, a razão e a cultura. Quando tal
equilíbrio não está presente, problemas teológicos não tardam em surgir.
Assim, uma ênfase excessiva na transcendência pode levar a uma
teologia que é irrelevante para o contexto cultural que ela deseja
alcançar, enquanto uma ênfase exagerada na imanência pode produzir
uma teologia presa a uma determinada cultura.
b) É como se, ao longo da história da teologia, essas duas
verdades buscassem seu próprio ponto de equilíbrio e a teologia do
século 20 mostrasse justamente como uma ênfase distorcida a uma ou
outra pode acabar gerando um movimento oposto de reação que busca
corrigir o desequilíbrio, e acaba indo para o outro extremo.
c) O conjunto de valores intelectuais característico do século
20 foi introduzido por acontecimentos catastróficos, pois a Ia Guerra
destruiu a visão de mundo otimista dos séculos anteriores e deu à luz a
melancolia intelectual e cultural prevalecentes desde 1914.
d) Em vários aspectos, as prioridades teológicas do século 20
foram determinadas pelos resultados desses acontecimentos que
mudaram o mundo. A teologia do século teve início com uma tentativa
de recomeçar a partir das cinzas da guerra que devastou não apenas a
Europa, mas também a teologia cultural europeia. Assim, não é de se
surpreender que a teologia do novo século surgiu, antes de tudo, como
protesto contra temas centrais de sua predecessora do século 19,
incluindo a ênfase à imanência, que era tão importante para a cultura
ocidental desde a Renascença.
e) O papel das guerras nesse século é tão significativo que
toda a teologia do século 20 foi eclipsada pela questão de saber se
somos capazes de lidar com a série de conflitos - militares, políticos e
sociológicos – que vem assolando o nosso mundo. Tal situação,
inevitavelmente, acaba com a esperança não apenas de se encontrar a
Deus dentro do mundo como também com a esperança de que a voz de
Deus ainda possa chegar até nós vinda lá do alto.
f) Apesar de seus esforços heroicos, no fim do século, a
teologia que havia começado cem anos antes como a ―ciência feliz‖ de
Karl Barth, tinha caminhado quase sem controle em direção ao grande
vazio do desconstrucionismo.
g) A teologia do século 20 começou em 1914. Sua história,
entretanto, nos remete de volta a tempos mais antigos, à época que a
precedeu e à qual a mentalidade emergente dessa era respondeu.
h) A teologia do século 19, por sua vez, tem seu contexto
histórico nas mudanças introduzidas pela grande revolução da história
intelectual do Ocidente - o chamado Iluminismo. Nossa história,
portanto, deve começar com a Idade da Razão.
ILUMINISMO: A Destruição do Equilíbrio Clássico

a) O modo de pensar dos cristãos sobre Deus, sobre si


mesmos e o mundo ao seu redor, foi alterado de modo permanente e
irreversível por uma era da história intelectual do Ocidente conhecida
como Iluminismo, que marcou o cumprimento da transição entre a era
antiga e a moderna.
b) Os pensadores não estavam mais dispostos a aceitar os
antigos dogmas, baseando-se apenas no fato de que pertenciam ao
sistema recebido através da doutrina da igreja. Agora, os indivíduos
pensantes queriam ser convencidos de que era razoável tudo aquilo em
que criam.
c) Pelo fato de esse tempo ter abalado de maneira tão
acentuada tanto as fundações quanto o rumo da teologia cristã, desde o
Iluminismo a fé cristã nunca mais foi e jamais poderá ser a mesma. A
importância dessa era é tão monumental que não há como contornar a
Idade da Razão. Os cristãos colocam a teologia em risco quando
ignoram o Iluminismo.
d) Desconsiderar as mudanças que esse pensamento
introduziu acaba sempre levando a uma privatização da fé, confinando-a
em ―guetos‖ de Cristianismo e causando a perda de impacto da voz do
Cristianismo sobre a sociedade moderna.

O QUE MUDOU?

Uma mudança importante trazida pelo Iluminismo encontra-se no efeito


que ele teve sobre a procura clássica por uma teologia transcendente-
imanente. Essa época criou o cenário para profundas transformações nas
antigas tentativas de se alcançar o equilíbrio entre as verdades da
transcendência e imanência Divinas.

a) A era patrística teve seu auge nas proposições daquele


que foi talvez o teólogo mais influente de todos os tempos -
Agostinho, bispo de Hipona. A teologia de Agostinho serviu de
padrão e paradigma para todos os teólogos cristãos desde a sua
época, ao longo da Idade Média e até durante boa parte da Reforma.
A perspectiva comum dessas eras da história ocidental, que. de
outro modo foram tão diferentes, enfatizava a ordenação da
realidade colocando Deus no ápice, seguido das hostes angélicas.
Os seres humanos encontravam-se numa posição “por um pouco,
menor do que Deus” (SI 8.5), acima de todas as coisas no mundo,
tanto animadas quanto inanimadas. Mas os teólogos
acrescentavam que, a partir dessa posição elevada e transcendente
sobre o mundo, Deus tornou-se intimamente envolvido com a
História.

A Época do Iluminismo
Nos séculos 17 e 18, o equilíbrio desenvolvido pelos teólogos da Idade
Média e aprimorado pela Reforma foi alterado de maneira radical e
permanente. Uma nova cosmologia substituiu a antiga ordenação hierárquica
da realidade. E, com essa mudança, inverteu-se o equilíbrio entre a
transcendência e a imanência.

a) O nascimento do Iluminismo encontra-se no começo do século 17


e talvez, de modo sócio-político, esteja ligado à Paz de Westfalia (1648) que
encerrou a Guerra dos Trinta Anos e, de modo intelectual, associe-se à
obra de Francis Bacon (1561-1626).

b) Bacon encontra-se no começo da Idade da Razão -


marcando a transição da Renascença para o Iluminismo por ser ele um
dos primeiros cientistas modernos. Mesmo não tendo colocado a
matemática no centro do conhecimento natural, como fizeram aqueles
que o seguiram, Bacon enfatizou o método da experimentação.
c) Os historiadores indicam os últimos anos do século 18
como o final da era do Iluminismo. Quando Immanuel Kant publicou sua
Crítica da Razão Pura (1781), a Idade da Razão encerrava-se depois de
haver seguido o seu devido curso.

O Ser Humano do Iluminismo


a) Essa era colocou o ser humano em uma posição elevada e
valorizou a estima pelas capacidades humanas. O Iluminismo colocou
os seres humanos, e não Deus, no centro da História.
b) Ao contrário do pensamento da Idade Média e da Reforma,
que via a importância das pessoas relacionada a seu lugar na história do
agir de Deus, os pensadores do Iluminismo determinavam a importância
de Deus em termos de seu valor para a história da vida de cada um.
Deus foi, portanto, tirado de sua posição exaltada nos céus, para os
quais apontavam as catedrais góticas, e colocado no mundo de
assuntos humanos.
O QUE MUDOU?

a) Antes dessa era, a revelação divina costumava ser


consultada como árbitro supremo da verdade; a tarefa da razão
humana era procurar compreender a verdade oferecida através
dessa revelação. A busca pela verdade era governada pela frase
atribuída a Anselmo: “Creio para que assim possa compreender”.
Para manter esse princípio, a função das habilidades racionais
humanas era demonstrar a precisão dessas verdades reveladas e
reconciliar a experiência com a compreensão que a fé cristã
oferecia do drama cósmico.
b) No Iluminismo, entretanto, a razão humana substituiu a
revelação imposta externamente na posição de árbitro da verdade,
pois a razão passou a determinar o que vinha a ser a revelação. A
tese de Anselmo foi invertida. A nova mentalidade poderia ser
resumida como “Creio naquilo que posso compreender”. Empregar
a razão para sistematizar o que era oferecido pela experiência e
seguir a razão aonde quer que ela conduzisse, ao invés de aceitar
cegamente as superstições proclamadas pelas autoridades
externas: estes tornaram-se os meios iluministas de se obter
conhecimento

Essa época também foi igualmente otimista quanto à sua visão das
capacidades morais humanas. O Iluminismo colocou grande ênfase sobre a
moralidade e não sobre o dogma, e declarou que os poderes do raciocínio
humano podiam tanto descobrir a lei moral natural escrita dentro de cada
pessoa quanto levar à obediência a essa lei.

NÃO FOI UMA ERA ANTINOMISTA (SEM LEI – AMORAL) !!

Mas essa elevação da humanidade também teve um alto preço.

Ao invés disso, a nova ciência do Iluminismo retratava o universo como


uma grande máquina da qual o ser humano era apenas uma pequena parte,
uma peça minúscula na gigantesca engrenagem da realidade. Destronado de
sua posição superior no centro da criação, o ser humano também perdeu sua
condição de criatura especial de Deus, acima de todo o resto dos seres
criados.
A Fundação do Iluminismo
Em primeiro lugar, o Iluminismo foi o produto de uma revolução
filosófica. Apesar de suas raízes encontrarem-se em tempos mais antigos, na
discussão dos teólogos medievais, essa revolução foi iniciada pelo pensador
francês René Descartes (1596-1650).

A intenção de Descartes era desenvolver um método de investigação


que levasse ao descobrimento daquelas verdades que fossem absolutamente
certas. O filósofo francês introduziu a ―dúvida‖ como seu primeiro princípio de
raciocínio. Mas, para ele, diferente de certos praticantes do empirismo do
século seguinte, o processo de duvidar não levava à descrença. Pelo contrário,
resultava na certeza, pois, à medida que a mente duvida de tudo, surge a
certeza da existência do sujeito que está duvidando. Daí, o conhecido adágio
da filosofia cartesiana: cogito, ergo sum (―penso; logo, existo‖).

Além da revolução na filosofia, o Iluminismo também foi o produto


de uma revolução na ciência que marcou um distanciamento radical da visão
de mundo da Idade Média. Para esse novo pensamento, foi de grande
importância uma mudança na cosmologia, preconizada pela descoberta de
Copérnico de que a Terra não constituía o centro do universo.

A Religião no Iluminismo
O movimento em direção à autonomia veio como resultado inevitável da
nova mentalidade da época, dando início a uma outra visão da natureza da
religião.

Cada vez mais, os cientistas e teólogos passaram a diferenciar a


“religião natural” - a existência de Deus e as leis morais racionalmente
demonstráveis e conhecidas por todas as pessoas - e a “religião revelada” -
as doutrinas conforme eram ensinadas pela Bíblia e pela igreja. Com o passar
do tempo, esta segunda forma de religião começou a ser cada vez mais
atacada e a primeira forma, elevada a condição de verdadeira religião. No final,
a ―religião natural‖ do Iluminismo ou religião da razão substituiu o enfoque tão
característico da Idade Média e da Reforma sobre o dogma e a doutrina.

“RELIGIÃO REVELADA X RELIGIÃO NATURAL”

Sobre as bases dessa visão de Locke, os pensadores do Iluminismo


construíram o deísmo - uma alternativa teológica para a ortodoxia. Os
teólogos do deísmo desejavam reduzir a religião a seus elementos mais
básicos, universais e, portanto, racionais.
Ateísmo
Ceticismo Moderno
Deísmo
Uma nova crença a partir do
Teísmo naturalismo
Influencia Naturalista

Os deístas acrescentavam ainda que, pelo fato de a religião natural ser


racional, todas as religiões, inclusive o Cristianismo, deveriam estar em
conformidade com ela. Como resultado, os vários dogmas da igreja
considerados revelação já não serviam mais de parâmetro.

Ao invés disso, as doutrinas deveriam ser avaliadas através da


comparação com a religião da razão. O resultado foi uma religião que consistia
em um número mínimo de dogmas para se crer a existência de Deus, que
podia ser provada através do mundo, a imortalidade da alma, e o castigo pelo
pecado.

Na verdade, os deístas não viam a religião em sua essência como um


sistema de crenças. O mais importante era o seu significado ético. O e
bênção pela virtude recebida após a morte.

A RECONSTRUÇÃO DA TRANSCENDÊNCIA
A Imanência na Teologia do Século 19

Com o fim do século 18, a era do Iluminismo já havia completado seu


ciclo, especialmente na Inglaterra. A essa altura, muitos pensadores haviam
abandonado a religião da razão e optado pelo ceticismo ou pelo relativismo
religioso. Esses pensadores concluíram que, no fim das contas, a razão é uma
resposta inadequada para as questões básicas sobre Deus, moralidade e
sentido da vida.

Nessa tarefa de reconstruir a teologia no mundo pós-iluminista, os


teólogos puderam contar com as ferramentas criadas por três gigantes
intelectuais. A essa altura, o legado do pensamento ocidental havia sido
transferido para a Alemanha, onde a Idade da Razão chegou mais tarde, mas
cujos círculos teológicos haviam desenvolvido bases mais sólidas do que na
Inglaterra.

Conseqüentemente, os três transformadores da teologia do século 19


foram alemães - Immanuel Kant, G.W. F. Hegel e Friedrich Schleiermacher.

Esses três pensadores eram parecidos, no sentido de que cada um


buscava criar um espaço para o elemento religioso da vida. Porém, diferiam
acentuadamente, pois cada um propunha uma dimensão distinta como
essência da religião - a moral (Kant), a intelectual (Hegel) e a intuitiva
(Schleiermacher). A influência de cada um desses três pensadores estendeu-
se por todo o cenário intelectual do século 19; primeiro de modo competitivo e,
depois, fundindo-se para formar aquilo que veio a ser a teologia protestante
liberal do século 19 e que encontrou seu epítome num quarto pensador alemão
- Albrecht Ritschl.

IMMANUEL KANT: A Imanência de Deus na Experiência Moral


Uma primeira possibilidade foi proposta pelo filósofo alemão do século
18 Immanuel Kant (1724-1804).

a) Kant sugeriu a esfera prática ou moral da vida como o lugar apropriado


para a religião. Ao construir uma teologia devidamente fundamentada na
razão prática, ele ofereceu uma nova tentativa de equilíbrio entre a
transcendência e a imanência.
b) A proximidade intelectual fica evidente através de sua elevação da
dimensão ética da vida ã posição de ponto central da religião, um ponto
de vista muito próximo ao cerne dos valores da Idade da Razão. Porém,
seu método de estabelecer uma religião voltada para o aspecto moral
diferia imensamente dos métodos do Iluminismo.
c) O livro que ele publicou naquele ano, Crítica da Razão Pura (1781), fez
estremecer o mundo da filosofia e lançou uma nova onda intelectual
cujos efeitos ainda podem ser sentidos.

A Filosofia de Kant:

a) Kant elevou a mente ao centro do conhecimento humano


(epistemologia). Ele teorizou que a possibilidade de se experimentar a
realidade dependia da mente.
b) Lembra... John Locke rejeitou a tese essencial da filosofia cartesiana,
argumentando que a mente era uma tábua rasa, um recipiente vazio e
desprovido de quaisquer ideias inato. Como resultado disso, ela é
passiva no processo de conhecimento. Ela simplesmente recebe
―impressões‖ do mundo externo através dos sentidos e então formula
ideais a partir das impressões recolhidas.
c) A primeira vista, a teoria empírica parece ser uma verdade óbvia, uma
explicação simples das experiências comuns e quotidianas. Porém, o
produto final dessa teoria do conhecimento foi o ceticismo (niilismo) de
David Hume.
d) O ceticismo epistemológico de Hume teve consequências importantes
para a crença religiosa, pois levou a um questionamento do deísmo, a
religião edificada sobre o empirismo.
e) Kant sentiu-se desafiado pelo ceticismo radical de Hume. Aliás, ele
relatou que foi Hume quem o despertou do seu ―sono dogmático‖. A
investigação que Kant fez do problema o levou a uma explicação do
caráter limitado do processo epistemológico humano descoberto por
Hume. Mas, ao contrário de seu predecessor britânico, Kant acreditava
que essa limitação não exigia uma rejeição cética de todos os conceitos
metafísicos.
f) A mente tem um papel ―ativo‖ no processo de conhecimento. Ele
argumentou que o processo de conhecimento do mundo externo não
pode ser derivado apenas de experiências sensoriais.
g) Os sentidos só oferecem os dados brutos que a mente sistematiza
quando acontece o verdadeiro conhecimento. Acrescentou ainda que
essa organização das sensações (conhecimento) é possível através de
certos conceitos formais presentes na mente, que agem como um tipo
de grade ou filtro oferecendo parâmetros que viabilizam o conhecimento.
h) Dentre os vários conceitos formais, dois são fundamentais: espaço e
tempo. De acordo com Kant, espaço e tempo não são propriedades
inerentes às coisas. Assim como outras estruturas, esses dois
elementos são, na verdade, parte da ordem que a mente impõe sobre o
mundo com o qual ela se depara. Ele afirmou que, “apesar de alguns
objetos talvez não existirem de fato no tempo e no espaço, não
podemos conhecer o mundo externo de experiências sensoriais de
qualquer outra maneira que não inclua esses dois elementos”.

A razão prática:

a) O argumento de Kant está fundamentado na tese que de o homem não


é apenas um ser de experiências sensoriais, mas é também um ser
moral.
b) O mundo é, na verdade, um palco no qual os seres humanos
desempenham seus papéis; é uma esfera de valor moral.
c) Kant estabeleceu a natureza moral da existência ao lançar mão daquilo
que ele considerava a experiência moral universal dos seres humanos,
um senso de condicionamento moral, de ―dever‖. Ele afirmou que os
seres humanos sabem da ―pressão‖ que existe sobre eles para que
façam escolhas que só podem ser descritas em termos de moralidade.

A religião racional:

a) A cristologia de Kant foi moldada por sua visão da religião como sendo
essencialmente ética. Ele descreveu o objetivo da criação como a
concretização de uma humanidade moralmente perfeita. Esse objetivo
está eternamente presente na mente divina na forma do Filho Único de
Deus, que é o objeto de nossa fé.
b) Para ele, o Cristianismo não passava de um meio para o
estabelecimento do bem comum ético, um estágio dentro da introdução
gradual da ―fé religiosa pura‖.
c) Kant declarou que a ―religião pura da razão‖ - a única autêntica e
universalmente válida - é o princípio interpretativo das Escrituras. Ele
concluiu que a dimensão moral (ou seja, ―a virtude buscando a
santidade‖) é o verdadeiro significado por trás das histórias bíblicas. E
ele procurou essas verdades eternas da fé presentes de maneira
subliminar na história cristã, a saber:

(...) que não existe salvação para o homem fora da


adoção sincera de princípios genuinamente morais em
sua disposição; que aquilo que trabalha contra a adoção
desses princípios não é tanto a natureza sensual, que é
acusada com tanta frequência, quanto uma perversidade
própria... que a raça humana trouxe sobre si. (p.33)

d) (...) ―a verdadeira religião não consiste no conhecimento daquilo que


Deus fez ou continua fazendo por nossa salvação, mas naquilo que nós
devemos fazer para sermos dignos dessa salvação‖.
e) ―O certo não é ir da graça para a virtude‖, ele concluiu, ―mas progredir a
partir da virtude em direção à graça perdoadora‖.

Conclusão

Em muitos sentidos, o trabalho de Kant preparou o caminho para


discussões subsequentes tanto na filosofia quanto na teologia. Foi uma
resposta articulada ao Iluminismo, ao mesmo tempo em que incorporou os
principais avanços da época.

No fim das contas, porém, Kant não foi capaz de superar certas
tendências destrutivas de seu tempo. Ele procurou definir religião como a
devoção a um

Legislador transcendente cuja vontade deve ser o objetivo da


humanidade.

Ainda assim, a teologia resultante do método de Kant continuou sendo


antropocêntrica e conduz inevitavelmente a uma ênfase da imanência divina
que ele próprio tanto rejeitava. Em última análise, a ―voz divina‖ ouvida
universalmente pela razão humana - seja ela pura (Iluminismo) ou prática
(Kant) - é a voz que vem de dentro do indivíduo. Ela não traz uma palavra do
―além‖, transcendente. No caso da proposta de Kant, a transcendência de Deus
perde-se facilmente na voz do imperativo categórico encontrado nas
profundezas da ―razão prática‖ do ser humano.

W.F. HEGEL:
A Imanência de Deus no Raciocínio Especulativo.

Enquanto Kant encontrou uma pista para a transcendência na dimensão


ética da vida humana, Hegel procurou o mesmo senso de transcendência na
dimensão intelectual. Ele ligou a verdade absoluta ao processo da história
humana e à capacidade da mente humana de compreender o significado desse
processo. Ele afirmou com ousadia que, à medida que a humanidade entende
a História, Deus passa a conhecer a si mesmo.

A filosofia de Hegel:

a) O filósofo alemão concordava com a ênfase no conhecimento científico


e objetivo defendido pelos empiristas da Idade da Razão. Mas negava
que a experiência sensorial era a única base para o conhecimento ou
que a formação de idéias a partir das experiências sensoriais era o
principal método de se obter o conhecimento.
b) Também não concordava com a afirmação de seus antecessores de que
a realidade é estática e completa - um objeto externo que podia ser
captado pela razão. Ao invés disso, Hegel ensinava que a realidade é
ativa e está em constante desenvolvimento.
c) Ela é um processo contínuo, que consiste no desdobramento dos
princípios da racionalidade. Ele afirmava que a realidade não é apenas
lógica (como acreditavam os pensadores do Iluminismo), mas que a
lógica, num certo sentido, também é uma realidade, pois aquilo que é
racional existe.
d) Foi sobre esse fundamento que Hegel propôs uma visão mais complexa
da realidade e do conhecimento humano, uma visão concentrada na
estrutura do pensamento racional. Para ele, a estrutura do pensamento
e a estrutura da realidade são, no final das contas, uma coisa só: um
processo dinâmico.
e) Ao buscar a resposta para o problema do destino humano e do
significado da existência, ele esperava encontrar Deus não dentro da
natureza, como um Arquiteto distante, mas na ―Ideia‖, no significado por
trás do processo da história humana como um todo.

Três conceitos relacionados entre si resumem a tentativa de Hegel de


visualizar a realidade de maneira inédita: o espírito, a verdade como um
processo e a dialética.

Espírito:

a) A primeira idéia central do pensamento de Hegel é Geist, que


normalmente é traduzido para a nossa língua como ―espírito‖. Na
verdade, não há nenhuma palavra em nosso vocabulário que seja um
equivalente adequado a esse termo. Ele combina os conceitos de
racionalidade refletida na palavra mente com a dimensão sobrenatural
ligada a espírito.
b) Para Hegel, o Espírito não é simplesmente uma substância (algo que
existe), mas um sujeito ativo, uma atividade, um processo.

A Verdade como um Processo

a) A segunda ideia importante da filosofia de Hegel é sua compreensão da


verdade como um processo. O filósofo alemão não encarava a verdade como
se fosse a, conclusão racional alcançada ao se empregar o raciocínio
apropriado (como era d caso da filosofia, pelo menos a partir de Descartes).

b) Ao invés disso, para ele, a verdade era o processo em si. Era o todo, o vai e
vem, as voltas e caminhos tomados pelo processo de raciocínio que acabavam
levando a uma resolução.

c) Esse ―todo‖ não é simplesmente uma característica da realidade; para Hegel


ele é a realidade. As diferentes épocas da história humana são estágios,
através dos quais o Espírito passa no processo de auto-descobrimento.
d) Assim, a verdade é a História - vista não como fatos isolados, mas como a
grande unidade por trás do contínuo processo histórico e, ao mesmo tempo,
nele revelada.

e) Por causa de sua ênfase no vai e vem da História, Hegel valorizava


profundamente o passado. Argumentava que devemos compreender nossas
origens a fim de obter o verdadeiro conhecimento.

E através do processo histórico que surge o conhecimento absoluto. Mas


esse conhecimento é o Espírito conhecendo a si mesmo.

Dialética:

a) Hegel, portanto, substituiu a idéia tradicional de existência estática pelo


conceito dinâmico de processo. Esse processo ativo da verdade contém
dentro de si o ―vir a ser‖ e o ―deixar de ser‖. E pelo fato de tudo estar
fluindo, a busca pela verdade é o estudo do processo dentro do qual a
verdade surge.
b) Para Hegel, a dialética não consiste em uma idéia humana, mas sim na
descrição da realidade como ela é de fato. Mais especificamente, ela é
uma descrição da história do Espírito em si ou da razão eterna tornando-
se realidade no pensamento humano.
c) A dialética de Hegel é normalmente descrita em termos lógicos como
sendo a tríade composta de tese-antítese-síntese. Mesmo que Hegel
talvez nem tenha usado esse esquema, ainda assim ele nos ajuda a
entender sua proposta. Em primeiro lugar, surge uma tese. Ela
imediatamente gera uma antítese. As duas juntam-se em uma síntese. A
síntese constitui uma nova tese e o processo continua.
d) Para Hegel, portanto, a religião é, no final das contas, pensamento18 no
sentido de que se concentra no conhecimento de Deus. A religião e a
Filosofia buscam apresentar a mesma verdade, mas de maneiras
diferentes. A religião apropria-se da verdade na forma de imagens e
representações, enquanto a Filosofia capta a mesma verdade em sua
―necessidade racional‖. A Teologia também acaba sendo um
conhecimento filosófico, pois ela vai além das imagens encontradas na
religião na busca por um conhecimento de seu significado universal e
filosófico.

Cristianismo:

a) Esse processo de tríade, juntamente com a ligação entre Deus e a


humanidade - tão central ao pensamento de Hegel (é na humanidade que Deus
adquire consciência de si mesmo) -, forma o ponto de contato entre a história
religiosa e a verdade filosófica para a qual ela aponta. O primeiro momento é
Deus como Ser Essencial. Na criação do universo, surge o segundo momento
à medida que Deus se move para fora de si mesmo entrando num
relacionamento com algo além dele. Na humanidade, Deus volta a si mesmo,
pois na vida religiosa, através da qual a humanidade vem a conhecer Deus,
Deus conhece a si mesmo. Esse é o terceiro momento, reconciliação dentro da
realidade.

b) No que dizia respeito a um rompimento de relacionamento, separação e


alienação, Hegel concordava com a afirmação da teologia tradicional de que a
Queda era má. Mas, para ele, esse acontecimento havia sido igualmente
positivo como um primeiro passo necessário para a reconciliação (isto é, tornar
explícita a unidade entre Deus e a humanidade).

c) Para Hegel, a importância da vinda de Cristo estava na afirmação de que,


em Jesus, a ideia da unidade de Deus com a humanidade havia se tornado
explícita na História. Na Encarnação, a verdade filosófica universal da unidade
entre o divino e o humano havia se concretizado em um determinado indivíduo
histórico. Tendo em vista que a História é o desdobramento da realidade, esse
acontecimento foi importante até para o próprio Deus. Em Cristo, Deus passou
da ideia abstrata para a individualidade histórica e, ao fazê-lo, atingiu a
realidade plena. Em suas palavras, ―o Espírito puro ou não-existente do
pensamento tornou-se realidade‖.

Conclusão::

Quando o Cristianismo foi transformado em filosofia, o Deus transcendente dos


profetas, apóstolos e pais da Igreja tornou-se o Weltgeist imanente, o Espírito
Absoluto que vem a ser através da história da humanidade.

a) De certa forma, essa ênfase à imanência é a contribuição mais


importante e duradoura de Hegel para a teologia contemporânea.
Mesmo quando seu idealismo especulativo se enfraqueceu ou foi
radicalmente reinterpretado como uma forma de materialismo
especulativo, sua visão da unidade entre Deus e o mundo continuou a
ser uma forte opção para a teologia. Hegel afirmou que ―Sem o mundo,
Deus não é Deus‖. Com isso, queria dizer que Deus não é um ser
autossuficiente por si mesmo; ele precisa do mundo para sua realização
própria. A história do mundo também é a história de Deus.
b) A visão de Hegel sobre a relação entre Deus e o mundo serve de padrão
para muitas outras variações posteriores da alternativa teológica
chamada com frequência de ―panenteísmo‖. Sob esse rótulo, encontra-
se qualquer ponto de vista que representa Deus e o mundo como sendo
realidades inseparáveis, porém distintas.
c) Assim, essa abordagem forma um meio-termo entre o teísmo tradicional,
em que se acredita que Deus é completamente auto-suficiente em
relação ao mundo, e o panteísmo, que associa Deus com o mundo de
modo extremamente íntimo. Todas as expressões panenteístas que
vieram depois seguem as ideias de Hegel no que diz respeito a esse
ponto crítico.

Com o início da segunda metade do século 19, o clima intelectual da


Alemanha testemunhou um declínio na popularidade do idealismo especulativo
de Hegel e um reavivamento da ênfase de Kant à razão prática ou ao
julgamento moral como forma de escape da natureza finita do ser humano.
Mas, antes de nos voltarmos para o teólogo que dominou a segunda metade
do século, Albrecht Ritschl, é preciso encaixarmos mais uma peça no quebra-
cabeça teológico do século 19 – o pensamento do maior contemporâneo
teológico de Hegel: Friedrich Schleiermacher.

FRIEDRICH SCHLEIERMACHER:
A Imanência de Deus no Sentimento Religioso

Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher, o terceiro grande pensador das


primeiras décadas daquele século. Sua alternativa elevava a vida intuitiva -
uma experiência humana especial que ele chamava de ―sentimento‖ - à
posição de fundamento teológico.

Ele está para a teologia cristã como Newton está para a física, Freud para a
psicologia e Darwin para a biologia. Isto é, ele pode não ter sido a autoridade
absoluta, mas foi o desbravador e vanguardista, o pensador que teólogos
subsequentes não podem ignorar. Na verdade, Schleiermacher merece esse
lugar de honra porque foi ele quem deu início a uma nova era na teologia - uma
era que já dura quase duzentos anos – dominada pela chamada teologia cristã
liberal e as várias reações a ela.

Keith Clements estava certo quando disse: “Em relação a uma enorme
variedade de questões, Schleiermacher se adianta em abordagens que
reconhecemos como tipicamente „modernas‟ ou, como alguns preferem,
„liberais‟”.

Nenhum pensador cristão antes dele encarou tão abertamente o problema


apresentado ao Cristianismo tradicional pela revolução científica e filosófica do
Iluminismo. E ninguém lutou com tanta valentia para reconstruir a fé cristã de
forma a torná-la compatível com o espírito de sua era.
A Vida e a Carreira de Schleiermacher

a) É impossível separar a teologia de Schleiermacher de sua biografia. Sua


experiência de vida teve grande influência na origem da sua
reformulação do pensamento cristão.
b) Durante esses anos, um novo movimento - o Romantismo - percorria os
círculos sociais e culturais de Berlim e Schleiermacher não pôde ficar de
fora. O Romantismo era uma reação ao racionalismo frio da filosofia
iluminista. Dava grande ênfase aos sentimentos, imaginação e intuição
do ser humano. Por isso, valorizava a poesia e a música como meios de
realização e expressão do indivíduo. Na época de Schleiermacher,
talvez o maior líder desse movimento tenha sido o grande poeta Johann
Wolfgang von Goethe.
c) Sua obra maior foi a teologia sistemática intitulada A Fé Cristã, que foi
lançada pela primeira vez em 1821-1822 e depois revisada em 1830. A
maior parte dos estudiosos provavelmente concordaria com as palavras
de Keith Clements quando este disse que ―não havia surgido nada em
tal escala e com apresentação tão sistemática desde Aí Instituías da
Religião Cristã de João Calvino, quase três séculos antes”. Nessa obra
extensa, Schleiermacher apresentou um sistema de doutrina cristã para
os tempos modernos.
d) Para os tradicionalistas, A Fé Cristã representava a capitulação ao
espírito anti-supernaturalista da era do Iluminismo, uma tentativa mal-
disfarçada de se falar da humanidade como se estivesse falando sobre
Deus. Para os progressistas, a obra representava uma liberação dos
dogmas autoritários ultrapassados e uma verdadeira forma de fé cristã
moderna que não entrava em conflito com a ciência.

A Reação de Schleiermacher ao Iluminismo:

a) O Iluminismo não foi uma era confortável para o Cristianismo. O espírito


daquela época promovia certa indiferença em relação à religião, que, por
vezes, transformava-se em completa hostilidade.
b) Na Alemanha, certos filósofos levantaram questões sérias sobre o direito
da teologia de ocupar um lugar nas universidades junto com as
disciplinas ―legítimas‖. A Revolução Francesa levou a uma deposição da
igreja e ao engrandecimento da ―Deusa da Razão‖ em seu lugar.
c) Na esfera intelectual, o século 18 havia exaltado a razão humana,
conferindo-lhe poderes quase ilimitados de criticar as crenças
tradicionais e substituí-las por novas verdades. Como vimos
anteriormente, Immanuel Kant ofereceu a expressão máxima do poder
da razão ao voltá-la sobre si mesma. De acordo com Kant, a razão pura
limita-se ao universo dos objetos da experiência sensorial, de forma que
tudo aquilo que está além dessas experiências dos sentidos
simplesmente não pode ser conhecido pela razão humana. Ao restringir
a razão ao mundo das experiências sensoriais, Kant havia criado um
problema sério para qualquer pensamento religioso - quer fosse à
ortodoxia tradicional ou sua alternativa deísta – que ligasse a crença à
razão.
d) A teologia de Schleiermacher foi, em parte, uma tentativa de responder
à crítica de Kant à religião, aceitando, ao mesmo tempo, a limitação que
ele impunha sobre a razão.
e) Foi na ênfase romântica ao sentimento que Schleiermacher encontrou a
pista para reconstruir o Cristianismo de forma que este não entrasse em
conflito com o espírito fundamental da cultura moderna.

O Método Teológico

O poeta iluminista inglês Alexander Pope expressou de maneira sucinta o


espírito da cultura moderna: “Conhece a ti mesmo, não desejes especular
sobre Deus, o objeto correto de estudo da humanidade é o próprio homem”.

Mas, e se fosse possível estudar Deus através do estudo do ser humano?

E se só fosse possível conhecer a si mesmo verdadeiramente ao conhecer a


Deus e vice-versa? E se fosse possível demonstrar que a religião em geral e,
mais especificamente, o Cristianismo não eram antagônicos à humanidade,
mas sim essenciais para que esta alcançasse sua plenitude?

Antes de Schleiermacher, pensava-se em teologia de duas maneiras principais:

1. A ortodoxia via essa disciplina como uma reflexão acerca das


verdades reveladas de modo sobrenatural e assim praticadas
numa teologia ―vinda do alto‖.
2. A teologia do Iluminismo (deísmo), vendo a tarefa como uma
reflexão sobre pensamentos racionais acerca de Deus, acabou
envolvendo-se numa teologia ―vinda de baixo.‖
a) De acordo com Schleiermacher (e teólogos liberais que vieram depois
dele), a abordagem da ortodoxia levava a uma teologia autoritária que
reprimia a criatividade humana e confundia os dogmas da igreja sobre
Deus com o próprio Deus. Foi com razão que o Iluminismo rebelou-se
contra esse sistema.
b) A abordagem deísta, entretanto, levou a uma teologia natural insossa e
estéril, muito pouco diferente de uma filosofia religiosa. Kant a conduzira
para uma rua sem saída.
c) No lugar dessas duas alternativas, Schleiermacher buscou redirecionar
completamente a teologia ao considerá-la a reflexão humana da
experiência humana de Deus. A verdadeira fonte da reflexão teológica
deixava de ser o conjunto de proposições autoritárias e passava a ser a
experiência religiosa.
d) A chave para o sucesso da revolução teológica de Schleiermacher
estava em sua capacidade de estabelecer a religião como elemento
fundamental para a natureza humana e que não podia ser reduzido a
qualquer outra coisa.
e) Nos Discursos ele procurou explicar a verdadeira natureza da religião,
ao lançar mão tanto do seu pietismo quanto do novo fenômeno cultural
do Romantismo. Tentou mostrar que a essência da religião encontra-se
não nas provas racionais da existência de Deus, nos dogmas revelados
de modo sobrenatural ou nos rituais e formalidades eclesiásticas, mas
num ―elemento fundamental, distinto e integrativo da vida e da cultura
humana‖10 - o sentimento de dependência total em algo infinito que.se
manifesta nas coisas finitas e através delas.
f) Schleiermacher acreditava que tal sentimento religioso (que ele muitas
vezes chamava de ―devoção‖) é fundamental e universal dentro da
experiência humana. Ele não pode ser reduzido a algum outro aspecto
da natureza humana como a razão ou a consciência.13 Ele
argumentava que, apesar do sentimento religioso ser totalmente distinto
desses dois aspectos, é tão essencial quanto os outros para uma
compreensão plena da humanidade. A razão e a consciência dão origem
à ciência e à moralidade; a devoção dá origem à religião.
g) Em consequência disso, Schleiermacher desejava que a religião abrisse
mão de ―apropriar-se de qualquer coisa pertencente ao domínio da
ciência e da moralidade‖. Mas, em troca, queria que aqueles
desdenhosos instruídos reconhecessem a religião como sendo sui
generis - algo que por direito é humano - não procurando mais submetê-
la à ciência ou à ética. Ele afirmava que a religião tem uma realidade
própria: ―A devoção apresenta-se como sendo um terceiro elemento
necessário e indispensável como a ciência, é de igual valor e não menos
provida da dignidade e excelência que atribuímos aos outros dois
elementos‖.
h) Em sua grande obra de teologia sistemática, A Fé Cristã,
Schleiermacher definiu teologia como a tentativa de colocar em forma de
discurso as afeições religiosas cristãs.
i) Ao invés de ser uma proposta de sistematização de algum conjunto de
proposições reveladas de modo sobrenatural, a teologia cristã procura
oferecer um relato coerente da experiência religiosa dos cristãos. Tendo
em vista que essa experiência é fundamentalmente uma experiência de
Deus mediado em Jesus Cristo e através dele, todas as doutrinas
devem estar centradas em torno dele e relacionadas a ele e à sua obra
redentora.

Inovações Doutrinárias

Apesar das reconstruções específicas das doutrinas cristãs realizadas


por Schleiermacher não serem tão importantes para a teologia contemporânea
quanto é o seu método, muitas delas ilustram o efeito que seu ponto de partida
poderia ter nas crenças do Cristianismo. Suas reformulações também
influenciaram muitos dos desenvolvimentos posteriores da teologia liberal.

Bíblia

a) A Bíblia desempenhava um papel importante, porém não central na


teologia de Schleiermacher. A doutrina cristã não deve ser extraída primeira e
exclusivamente da Bíblia. Pelo contrário, ele escreveu que todas as doutrinas
―devem ser tiradas da consciência própria da religião cristã, ou seja, da
experiência interior do povo cristão‖.
b) Bíblia é especial no sentido de que constitui um registro das
experiências religiosas das comunidades cristãs primitivas. A autoridade das
Escrituras, porém, não é absoluta.

Deus

A reconstrução de Schleiermacher da doutrina acerca de Deus é uma de suas


contribuições mais controversas. Ela foi determinada pela consciência cristã de
Deus que o povo devoto possui, seu sentimento de dependência total de Deus.
De acordo com Schleiermacher, os atributos de Deus não devem ser vistos
como uma descrição literal de Deus.

Em outras palavras, falar de Deus é sempre falar da experiência humana com


Deus. Tal afirmação não descreve Deus em si, mas um certo modo de se
experimentar a Deus.

A relação Deus e pecado

A compreensão reformulada de Deus oferecida por Schleiermacher apresenta


sérios problemas para o pensamento cristão tradicional. Um exemplo é a
inflexibilidade do teólogo alemão em sua posição ao atribuir o mal à
causalidade de Deus. O fato de Deus ser autor do pecado e do mal é
necessário para a dependência de suas criaturas. Se elas estivessem sujeitas
a qualquer outro poder que não o de Deus, então sua onipotência seria
limitada. Schleiermacher sugeriu que o pecado é ordenado por Deus como
aquilo que torna necessária a redenção.
Milagres

Além disso, Schleiermacher rejeitava completamente a realidade dos milagres.


Acreditar em milagres é negar que tudo o que acontece é ordenado e causado
por Deus. O sentimento de dependência absoluta requer que toda a natureza,
em suas partes e em seu todo, seja governada, ordenada e causada por Deus.
Os milagres como atos especiais que anulam a ordem natural seriam uma
contradição.

Oração

Schleiermacher também negava a eficácia da oração intercessora. Pedir a


Deus para mudar o curso dos acontecimentos implica que esse curso é, de
alguma forma, independente de Deus e que Deus é, de alguma forma,
dependente da pessoa que está orando.

Trindade

Por fim, Schleiermacher considerava problemática a doutrina da Trindade. Ele


dedicou a ela apenas uma breve conclusão no final de seu livro A Fé Cristã,
declarando friamente que ―não é uma afirmação que diz respeito à consciência
religiosa‖. Ele não negou explicitamente a doutrina, mas considerou sua
formulação histórica tão frágil e cheia de contradições, que a considerou
praticamente inútil para a teologia cristã.

Cristologia

E quanto a Jesus Cristo? Schleiermacher rejeitava a doutrina tradicional da


Encarnação, substituindo-a por uma cristologia baseada na experiência da
consciência de Deus. Ele criticava a doutrina clássica das duas naturezas de
Jesus (humana e divina) como sendo ilógica. Duas ―naturezas‖ não podem
coincidir em um único indivíduo.

No lugar dessa doutrina, Schleiermacher introduziu o conceito de dois aspectos


de Jesus: Urbildlichkeit e Vorbildlichkeit — seu caráter ideal e sua
capacidade de reproduzir esse caráter em outros. Jesus Cristo é
completamente igual ao resto da humanidade, exceto pelo fato de que, ―desde
o início, ele possuía uma absoluta e poderosa consciência de Deus‖. Sua
consciência de Deus não era produto apenas da humanidade; era resultante da
atividade de Deus em sua vida. Era, porém, uma consciência completamente
humana de Deus.

Na descrição de Schleiermacher, ―o Redentor‖ é, portanto, como todos os


homens em virtude e identidade com a natureza humana, mas distinto deles
pelo poder constante de Sua consciência de Deus, que era a autêntica
existência de Deus dentro Dele.
No fim das contas, não conseguiu fazer nada além de afirmar a existência
desse espaço. Seu relato da ―divindade‖ de Jesus o manteve num nível
humano, diferente do resto da humanidade talvez apenas em grau, porém não
em espécie. Em seu protótipo, conhecido nos dias de hoje como ―cristologia
funcional‖, a divindade de Jesus não faz parte da essência de seu ser, mas é
uma atividade de Deus dentro dele - apenas uma atitude em relação a Deus e
aos outros seres humanos.

Conclusão

A grandeza de Schleiermacher como teólogo é inegável. Bem ou mal, sua


influência permeia toda a teologia contemporânea. Ela evidencia-se de forma
especial nas escolas teológicas chamadas de ―liberais‖ que começaram a
dominar o pensamento protestante a partir do final do século 19. Voltamo-nos,
agora, para o maior proponente dessa teologia.

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