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DESENVOLVIMENTO E TRABALHO DECENTE:

DESAFIOS PARA ROMPER A “CULTURA DO TRABALHO INFANTIL”

Carla Regina Mota Alonso Diéguez143


Marta de Aguiar Bergamin144
274
Luciana Silveira145

Introdução

A constituição da Agenda de Emprego e Trabalho Decente do Estado de São Paulo teve início em
2011 e contou com duas etapas distintas de diálogo social: a primeira, de caráter deliberativo, consistiu na
realização da I Conferência Estadual de Emprego e Trabalho Decente, em novembro de 2011, e estabeleceu
interlocução com a Agenda e o Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente. A segunda etapa foi em
2013, eminentemente consultiva e consistiu em 16 oficinas realizadas na capital, na região metropolitana
de São Paulo e nas 14 cidades sedes das regiões administrativas do estado (DIÉGUEZ, LEITE, 2014). O
diálogo social e o respeito ao tripartismo são princípios fundamentais do conceito de Trabalho Decente,
sendo respeitados em ambas as etapas, o que possibilitou a participação de representantes de
trabalhadores, de empregadores, do governo e de organizações da sociedade civil146.
Nesse trabalho observamos a experiência das oficinas realizadas ao longo do ano de 2013, no
Projeto “Caminhos para a Agenda de Emprego e Trabalho Decente do Estado de São Paulo”, em especial o
debate sobre o trabalho infantil147. Como fomentadores do debate em parceria com a Secretaria do
Emprego e das Relações do Trabalho do Governo do Estado de São Paulo pudemos destacar a percepção de
representantes de trabalhadores, de empregadores e dos governos municipais e estadual nessa etapa
consultiva sobre o dilema do trabalho infantil, que permanece ainda como prática naturalizada na unidade
mais rica da Federação. Para qualquer política pública que objetive atingir melhoras nos parâmetros de
Trabalho Decente, se faz necessário o enfrentamento desse tema nas suas práticas e discursos. Nessa
medida, a análise dos discursos dos atores participantes das oficinas do Projeto “Caminhos para a Agenda
de Emprego e Trabalho Decente do Estado de São Paulo” proporciona uma visão importante de como essa
questão é vista e discutida no estado e quais práticas estão sendo estabelecidas para que se possa erradicar
o trabalho infantil e efetivar o Trabalho Decente.
O conceito de Trabalho Decente foi desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho em
1999 (DIÉGUEZ, LEITE, 2014), com o objetivo de diminuir os efeitos deletérios da globalização que se
aprofundam com as novas formas de acumulação do capital e promover melhores formas de trabalho nos
países-membros da Organização. Para isso, propõe-se a trabalhar em quatro eixos fundamentais: i) respeito
aos princípios e normas internacionais do trabalho; ii) geração de mais e melhores empregos; iii) extensão
da proteção social; iv) promoção do diálogo social.
O eixo respeito aos princípios e normas internacionais do trabalho refere-se ao cumprimento pelos
países membros das convenções fundamentais da OIT, que são ratificadas pelos países membros e
tornadas parte de seu corpo legislativo (BERGAMIN, CHADAREVIAN, SILVEIRA, 2013). Entres essas
convenções estão a Convenção 138 - Idade mínima para admissão (1976) e a Convenção nº 182 - Proibição

143
Docente e pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Campinas. E-mail: carlaregina@fespsp.org.br
144
Docente e pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de São
Carlos. E-mail: martaber@usp.br.
145
Consultora para políticas públicas. Mestra em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: luciana.silveira@ufrgs.br
146
Vale ressaltar que o Brasil adotou o tripartismo ampliado na discussão do Trabalho Decente, que inclui a participação das org anizações da
sociedade civil em instâncias consultivas e deliberativas sobre o tema.
147
Participamos desse processo acompanhando as oficinas “Caminhos para a Agenda de Emprego e Trabalho Decente do Estado de São Paulo” em
trabalho de consultoria da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo à SERT, em que entre outras atividades se fez um processo de
consulta pública para a composição de uma Agenda de Trabalho Decente do Estado de São Paulo. O processo está descrito em deta lhes na
publicação Realidade e perspectivas do trabalho decente no estado de São Paulo (DIÉGUEZ; LEITE, 2014).
das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (1999), ratificadas pelo Brasil
respectivamente nos anos de 2001148 e 2000149.
Em 2003 o Brasil assumiu o compromisso de elaborar uma Agenda Nacional de Trabalho Decente e,
consequentemente, erradicar o trabalho infantil. Contudo, o desenvolvimento de alguns elementos
importantes como a implementação de algumas políticas de permanência na escola ou programas de
275
transferência de renda, que possibilitam efetivamente que as crianças de baixa renda permaneçam mais
tempo durante a infância frequentando a escola, não foram suficientes para erradicar o trabalho infantil no
Brasil. Consideramos que isso provêm da permanência de uma conduta que foi naturalizada nos discursos e
práticas de trabalho dos brasileiros. O trabalho infantil até pouco tempo era assumido como uma forma
legítima de barateamento da força de trabalho, cenário esse que vai se transformando aos poucos, mas
que ainda pode ser encontrado em diversos nichos de trabalho no país.
Nas oficinas realizadas no estado de São Paulo no ano de 2013 foi possível verificar nos discursos de
representantes de governo, trabalhadores e empregadores alguma forma de justificar esta prática com
falas que legitimam o trabalho infantil inclusive como meio para lidar com a infância. Assim, a proposição
do trabalho infantil aparece como um modo normalizador de cuidado com as crianças de certas classes
sociais para que se afaste delas o perigo que representa, por exemplo, a proximidade da criminalidade.
Desta forma, “esquece-se” dos efeitos deletérios que o trabalho exerce sobre um corpo e um ser social em
processo de formação e esse argumento se torna uma justificativa para que crianças pobres trabalhem.
Neste sentido, o objetivo desse texto é discutir a permanência de uma cultura do trabalho infantil,
a partir das percepções de representantes dos setores do tripartismo ampliado nas oficinas realizadas no
estado de São Paulo em 2013150, propondo, ao final, formas de romper com essa cultura e,
consequentemente, contribuir para a erradicação do trabalho infantil. Para isso, estruturamos o trabalho
em três partes: na primeira discutimos os dados sobre o trabalho infantil no Brasil e em São Paulo,
verificando também as políticas empreendidas em nível federal e estadual que contribuem para a
erradicação dessa forma de trabalho; na segunda parte focamos especificamente na experiência das
oficinas, observando como a cultura do trabalho infantil aparece nas percepções e discursos dos
representantes dos vários setores auxiliando, assim, a permanência dessa forma de trabalho como prática;
por fim, apresentamos alguns meios para a discussão da temática e de como romper com essa cultura.

O Trabalho Infantil no Brasil e em São Paulo

É importante lembrar que a constituição da criança enquanto sujeito histórico e social é recente.
Segundo Campos e Alverga (2001, p. 231), no Brasil, havia uma distinção entre criança e menor claramente
marcada pela classe social.

De acordo com o levantamento empreendido por Irma Rizzini (1993) nos escritos jurídicos
do período compreendido entre 1923 e 1941, o “menor” era entendido como aquele que,
além de “... uma infinidade de características negativas [da família], tem a sua conduta
marcada pela amoralidade e pela falta de decoro, sua linguagem é de baixo calão, sua
aparência é descuidada, tem muitas doenças e pouca instrução, trabalha nas ruas para
sobreviver e anda em bandos com companhias suspeitas” (p. 96). Em outras palavras,
denunciando o sentido ideológico e segregacionista de uma tal definição, ele seria o
antônimo da criança bem cuidada, filha de família burguesa dotada dos suficientes
recursos para lhe garantir o acesso a uma boa escola, boas roupas, médicos etc.

148
Incorporado a legislação pelo Decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002.
149
Incorporado a legislação pelo Decreto nº3.597, de 12 de setembro de 2000.
150
Os relatórios das oficinas do Projeto “Caminhos para a Agenda de Emprego e Trabalho Decente do Estado de São Paulo”, nos quais é possível
observar o debate aqui analisado, podem ser vistos no site http://www.trabalhodecentespcom.br.
É nessa perspectiva que se deve entender o trabalho infantil, como uma forma de disciplinar as
crianças das classes mais baixas, ao considerar que “’o trabalho dignifica o homem’, [...], possibilitando que
o trabalho, até mesmo quando exercido de forma indigna, seja visto como um valor supremo, como
formador do espírito, educador” (CAMPOS, ALVERGA, 2001, p. 228). Nessa medida, as representações
formam uma naturalização do trabalho precoce, em uma união complexa e difícil de romper sem
276
reivindicar o cumprimento da legislação. Para que esse processo possa ser interrompido parece
fundamental reconhecer a existência de uma equação que se forma de uma ligação umbilical entre pobreza
– trabalho precoce – trabalho precário. No estado de São Paulo ainda há um longo caminho para se
percorrer nesse sentido: desfazer certo imaginário que as crianças pobres precisam entrar cedo no
mercado de trabalho tanto para serem “salvas” do perigo da rua, quanto para formação de um caráter
forte que só o trabalho pode lhes dar, já que a pobreza é aqui concebida como uma “falta”.
Contudo, há uma dinâmica social que traz mudanças nesse campo e a constituição da criança
enquanto sujeito social e de direitos trouxe outras possibilidades através de novas perspectivas para se
lidar com a questão. A restrição ao trabalho aos menores de 16 anos é garantida pela Constituição Federal.
A ela se somam a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 e a incorporação da
ratificação das convenções 138 e 182 da OIT a legislação no início dos anos 2000, constituindo um corpo
legislativo que proporciona o entendimento da criança enquanto tal, independente de sua cor, religião ou
classe social.
Assim, nos últimos 30 anos procurou-se diminuir a participação de crianças e adolescentes no
mercado de trabalho, através de um conjunto de legislações, ações e programas empreendidos em nível
federal e nos níveis estaduais. Entre as principais ações está o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI), criado em 1996 e integrante do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O PETI tem por objetivo
erradicar o trabalho infantil através de ações como transferência de renda151 aliadas a inclusão das crianças
e adolescentes na escola e a frequência, das crianças e demais membros da família, em ações educativas (a
chamada Jornada Ampliada). O PETI é um programa federal, e nesse nível, sua gestão está a cargo do
Ministério do Desenvolvimento Social. Mas a sua atuação expande-se para os estados e municípios da
federação, sendo a responsabilidade da gestão no estado de São Paulo, da Secretaria de Desenvolvimento
Social. Nos municípios, o PETI é auxiliado pelas Comissões Municipais de Erradicação do Trabalho Infantil,
organismos também organizados nos princípios do diálogo social.
Ao PETI aliaram-se outras formas, em caráter diretivo e executório, de combater o trabalho infantil.
Em 2004 foi publicado o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao
Trabalhador Adolescente - um ano após o governo brasileiro estabelecer o compromisso com a OIT para o
desenvolvimento do Trabalho Decente em seu território - cuja 2ª edição foi apresentada em 2011 com
metas até 2015. Em 12 de junho de 2008, dia mundial de combate ao trabalho infantil, foi promulgado o
Decreto nº 6.481152, que estabelece as piores formas de trabalho infantil.
Diante desse aparato legal e social, ao se colocar em pauta a questão, é possível conjecturar que
houve redução do trabalho infantil em nosso território. No Brasil, entre os anos de 2000 e 2010 houve uma
ligeira queda do trabalho infantil em todas as faixas etárias, de 10 a 17 anos. A queda mais significativa está
entre os jovens de 16 e 17 anos, com mais de 1% (tabela 1). Em São Paulo, estado analisado nesse texto,
também se percebe uma redução significativa nessa faixa, mas mantém-se fortemente, com redução de
apenas 0,05% o trabalho de crianças entre 10 a 14 anos. Ao observarmos os números por posição na
ocupação, é possível ver que esse dado amplia-se no trabalho não remunerado em ajuda a membro do

151
Segundo dados do Portal Transparência, mantido pelo Governo Federal, as famílias recebem uma bolsa de R$ 25,00 por criança em atividade
para que possam retirar a criança do trabalho; em municípios, na área rural ou urbana, com população inferior a 250.000 habit antes. Em municípios
situados na área urbana com população maior, capitais e regiões metropolitanas, a bolsa é no valor de R$ 40,00. Cf:
<http://www.portaltransparencia.gov.br/aprendaMais/documentos/curso_PETI.pdf>. Acesso em 18.novembro.2014.
152
Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6481.htm>.
Acesso em 18. novembro. 2014
domicílio, ou seja, aquele trabalho invisível, que em muitos casos não é considerado trabalho, mas o
aprendizado a uma profissão ou a ajuda para a manutenção da casa.

Tabela 1: Situação do trabalho infantil em 2000 e 2010 – Brasil e São Paulo


Brasil e 2000 2010
277
Posição na ocupação e categoria
Unidade da 10 a 14 16 e 17 10 a 14 15 16 ou 17
Federação do emprego no trabalho principal Total
anos
15 anos
anos
Total
anos anos anos
Total 100 1,74 0,99 3,27 100 1,24 0,61 2,09
Empregados - trabalhadores domésticos - - - - 6,91 0,09 0,05 0,15
Empregados - com carteira de trabalho
36,46 0,02 0,06 0,67 42,95 0,03 0,06 0,54
assinada
Empregados - militares e funcionários
5,63 0,01 0,01 0,05 5,39 - - -
públicos estatutários
Empregados - outros sem carteira de trabalho
Brasil assinada
24,49 0,67 0,54 1,68 15,6 0,29 0,23 0,8

Não remunerados em ajuda a membro do


3,97 0,67 0,22 0,43 1,72 0,33 0,09 0,15
domicílio
Trabalhadores na produção para o próprio
3,1 0,17 0,06 0,13 4,01 0,3 0,08 0,15
consumo
Empregadores 2,89 0 0 0 1,97 0 0 0
Conta própria 23,46 0,19 0,09 0,3 21,46 0,2 0,1 0,29
Total 100 0,65 0,63 2,81 100 0,58 0,4 1,8
Empregados - trabalhadores domésticos 7,09 0,04 0,03 0,08
Empregados - com carteira de trabalho
49,43 0,02 0,08 1,01 55,76 0,03 0,08 0,78
assinada
Empregados - militares e funcionários
4,29 0,01 0,01 0,04 3,47 - - -
públicos estatutários
Empregados - outros sem carteira de trabalho
São Paulo 21,91 0,43 0,44 1,46 11,59 0,21 0,18 0,68
assinada
Não remunerados em ajuda a membro do
0,99 0,09 0,04 0,09 1,06 0,17 0,04 0,07
domicílio
Trabalhadores na produção para o próprio
0,19 0 0 0,01 0,47 0,03 0,01 0,01
consumo
Empregadores 3,46 0 0 0 2,28 0 0 0
Conta própria 19,75 0,09 0,05 0,19 18,28 0,09 0,06 0,17

Fonte: Censo Demográfico IBGE

Quando observamos os números nos anos posteriores, verificamos que no ano de 2012 há um
ligeiro aumento do número de jovens trabalhadores na faixa dos 15 a 17 anos, tanto no Brasil como em São
Paulo (tabela 2). É importante ressaltar que nessa faixa já é permitido o trabalho na condição de
aprendizagem – o que vem sendo bastante estimulado como forma dos jovens iniciarem o aprendizado de
um ofício– e, a partir dos 16 anos, em condições de saúde e segurança do trabalho. Contudo, é importante
verificar em 2013 a queda desse número, o que pode indicar que a melhora nas condições de vida da classe
trabalhadora, proporcionada pelas políticas macroeconômicas dos últimos 12 anos, e o incentivo a outras
formas de formação e qualificação profissional, por meio da ampliação do ensino técnico e do ensino
superior, podem indicar que os jovens estão retardando sua entrada no mercado de trabalho para
aumentar sua formação escolar e melhorar sua qualificação antes de iniciar-se no mundo do trabalho
(CARDOSO, 2013).
Em São Paulo, vale ressaltar a existência de programas como o Ação Jovem, que promove
transferência de renda para jovens estudantes de 15 a 24 anos153, com renda familiar de até meio salário

153
O Ação Jovem é um programa gerido pela Secretaria de Desenvolvimento Social do estado de São Paulo e tem por objetivo incenti var a
conclusão da educação básica pelos jovens de baixa renda, proporcionando melhores condições no mercado de trabalho.
mínimo por pessoa, para que eles concluam os estudos da educação básica, barrando, assim, a entrada
precoce e desqualificada dos jovens no mercado de trabalho.

Tabela 2: Situação de trabalho infantil entre 2011 e 2013 – Brasil e São Paulo (por mil pessoas)
Pessoas de 5 anos ou mais de idade ocupadas (por Mil pessoas)
278
Brasil e Total Agrícola Não-agrícola
Grupos de
Unidade da Sexo
idade 2011 2012 2013 2011 2012 2013 2011 2012 2013
Federação
Total 94.853 96.182 96.720 14.961 14.048 14.032 79.892 82.135 82.688
5 a 9 anos 90 82 61 73 60 50 17 22 11
Total
10 a 14 anos 1.041 807 779 565 418 414 476 390 365
15 a 17 anos 2.593 2.678 2.348 688 594 513 1.906 2.084 1.835
Total 54.867 55.447 55.588 10.463 9.954 9.850 44.404 45.493 45.738
5 a 9 anos 62 54 40 52 43 34 10 11 7
Brasil Homem
10 a 14 anos 724 549 537 444 321 313 281 228 224
15 a 17 anos 1.688 1.717 1.484 561 490 421 1.127 1.226 1.063
Total 39.986 40.736 41.132 4.498 4.094 4.182 35.488 36.642 36.950
5 a 9 anos 28 28 20 21 17 16 7 11 4
Mulher
10 a 14 anos 316 258 242 121 97 101 195 161 141
15 a 17 anos 905 961 864 127 103 92 778 858 772
Total 21.461 21.830 21.722 865 762 837 20.596 21.068 20.885
5 a 9 anos 3 3 - 1 - - 2 3 -
Total
10 a 14 anos 76 58 48 14 9 8 62 49 40
15 a 17 anos 441 483 414 21 13 10 420 470 404
Total 12.131 12.286 12.278 647 554 649 11.484 11.732 11.629

São 5 a 9 anos 3 1 - 1 - - 2 1 -
Homem
Paulo 10 a 14 anos 49 35 31 12 7 8 37 28 23
15 a 17 anos 256 279 243 17 9 8 239 270 235
Total 9.330 9.544 9.444 218 208 188 9.112 9.336 9.256
5 a 9 anos - 2 - - - - - 2 -
Mulher
10 a 14 anos 27 24 16 2 2 - 25 21 16
15 a 17 anos 184 204 171 4 3 2 181 200 169

Assim, podemos considerar que a erradicação do trabalho infantil em termos absolutos e visíveis
vem diminuindo tanto no Brasil como no Estado de São Paulo, resultado, em boa parte, dessas políticas
públicas que combatem tal tipo de trabalho. Contudo, ainda há a presença de trabalho infantil remunerado
e não remunerado, este invisível e de difícil mensuração. Em parte o trabalho infantil ainda é uma prática
que se mantém por uma cultura que coloca o trabalho como dignificante e, por tal, seu inicio precoce é
muitas vezes visto como positivo. Esse discurso visto por alguns como importante para a construção de
uma sociedade baseada no trabalho, precisa ser quebrado, o que trataremos a seguir.

A Cultura do Trabalho Infantil: o caso de São Paulo

O trabalho infantil foi um dos temas abordados no Projeto “Caminhos para a Agenda de Emprego e
Trabalho Decente do Estado de São Paulo” que, conforme exposto anteriormente, consistiu na realização
de 16 oficinas nas várias regiões do estado de São Paulo. Essas oficinas tiveram caráter consultivo e a partir
da exposição dos temas e discussão em grupos de trabalho, dali eram retirados alguns indicativos para
serem debatidos e considerados pela Comissão Estadual de Emprego e Trabalho Decente na elaboração da
Agenda de Emprego e Trabalho Decente do Estado de São Paulo.
Assim como a questão social ainda tem sido percebida por alguns segmentos como um problema
de polícia, em um pensamento que associa pobreza à criminalidade, a questão do trabalho infantil tem sido
encarada como um problema que a escola deveria solucionar. Dentre as muitas propostas debatidas e
aprovadas nas oficinas do projeto que diziam respeito ao trabalho de crianças e adolescentes, a proposta
da oferta de escola com atividades em contra turno foi a mais recorrente154. A existência dessa proposta,
279
descolada do contexto dos debates que a antecederam, pode passar a impressão (enganosa) de que os
atores tripartites – representantes de empregadores, de trabalhadores e de governos – estavam em
comum acordo de que a educação, a escola e o desporto são práticas apropriadas para todas as crianças,
inclusive aquelas oriundas de famílias das camadas mais pobres. Passa ainda a impressão de que o assunto
foi exaustivamente discutido pelos participantes (efetivamente foi), mas oculta o fato de que os indicativos
votados a respeito do trabalho escravo e do trabalho infantil foram em número reduzido no conjunto total
de propostas levadas ao conhecimento da Comissão Estadual de Emprego e Trabalho Decente.
Mas a realidade não foi essa. Invariavelmente, os números referentes ao trabalho infantil em uma
dada região administrativa apresentados no início das oficinas foram questionados pelos representantes do
poder público que consideravam os números “superestimados” ou ainda, “subestimados”; em todas as 16
oficinas, poucas vezes o dado apresentado não foi questionado. A existência de trabalho infantil na
agricultura familiar, pequenos comércios e atividades de reciclagem não foi negada, como o trabalho
infantil na cana de açúcar que teria sido erradicado pela mecanização das lavouras e pela fiscalização
sindical.
De um representante do governo em meio a uma sessão do GT na Região Administrativa de
Ribeirão Preto, ouviu-se que é preciso entender primeiro porque afinal as crianças não podem trabalhar;
teve como resposta de um representante sindical que “trabalho infantil é uma invenção de alguns
especialistas para ganhar dinheiro”.
A noção de que o trabalho infantil não prejudica o desenvolvimento pleno da criança e do
adolescente, antes, enobrece o caráter, foi um discurso recorrente nas vozes de representantes de
trabalhadores e de representantes do setor público, principalmente. Invariavelmente, o discurso se iniciava
com: “veja bem, no meu tempo era muito comum trabalhar, eu mesmo trabalhei e hoje estou aqui”. A
narrativa do self made man, isto é, da pessoa que contra todas as adversidades da vida aprendeu o valor do
trabalho e venceu na vida foi recorrente, e não apenas entre os representantes patronais – esses
normalmente guardavam suas energias para outras discussões relativas aos princípios e direitos
fundamentais do trabalho e da geração de emprego e renda (GTs 1 e 2, respectivamente).
Da mesma forma em que se fazia uma distinção entre o trabalho educativo do infante e o trabalho
exploratório – que seria aquele desenvolvido fora do âmbito da família ou dos negócios da família – houve
em algumas ocasiões a resposta individual de pessoas que sofreram no corpo os efeitos negativos da
exploração infantil no próprio corpo. Na cidade de Ribeirão Preto, ante o comentário que o trabalho infantil
“não faz mal” e que se trata de “uma invenção (...) para ganhar dinheiro”, um participante se manifestou
contra esse discurso de legitimação e levantou sua mão direita, exibindo seus quatro dedos. Ele declarou
ter perdido um dedo enquanto ajudava na oficina do pai marceneiro, e que perdoava seu “patrão” pela
ignorância, mas não pela marca que carregaria pelo resto de sua vida.
Esse mesmo discurso (forte) de resistência apareceu na oficina realizada em Presidente Prudente.
Em uma das raras ocasiões em que representantes patronais se manifestaram a respeito dessa questão, um
pequeno empreendedor rural ainda jovem155 contava ter trabalhado quando criança com o pai, mas que
não repetia isso com seus próprios filhos, apesar de não ver “nenhum mal” em que a criança seja “educada
pelo trabalho” porque ele mesmo teve tempo de trabalhar, brincar e estudar.

154
Nas Caravanas as discussões foram estruturadas em Grupos de Trabalhos. O GT 3 – Proteção Social –foi o grupo de trabalho responsável pela
discussão sobres o trabalho infantil e o trabalho análogo ao escravo.
155
A idade dos participantes não foi um dado solicitado, mas o próprio participante admitiu ser jovem.
Esses comentários foram intercalados com relatos de adolescentes que eram submetidos à jornada
exaustiva e precárias condições de trabalho no mercado de trabalho informal (venda de contrabandos) ou
como empregadas domésticas, havendo ao menos um caso de denúncia retirada por parte de um
adolescente que teria sido ameaçado de morte. Nesse dia o que encerrou o debate foi o relato de uma
senhora, representante do poder público, que contou sua história pessoal: sem condições de ser criada
280
pelos pais, que tinham outros filhos, foi dada como “doméstica” para uma família de melhores condições
financeiras. A família que a acolheu não permitia que ela tivesse tempo livre para o lazer e nem para os
estudos, tendo se mantido na escola a duras penas. Ela vivenciou a um só tempo uma dupla condição de
exploração: de trabalho infantil em condição de servidão. O tom de sua narrativa era de desespero por
lembrar e de alívio por ter conseguido se graduar em Serviço Social e seguido com sua vida, apesar das
condições adversas de seu passado.
Houve algumas tentativas nesse GT de levar adiante como proposta ao poder público a
regularização do trabalho infantil. A justificativa apresentada foi de que como seria “impossível de se
erradicar” seria melhor regularizar. A incompreensão que cerca a proibição de certas formas de trabalho
não pode ser creditada a nenhuma outra coisa que não seja uma visão de mundo constituída que reputa o
trabalho como digno e enobrecedor da condição humana, ainda que o trabalho seja labor árduo,
subremunerado e jamais permitido pelo sujeito em relação aos seus próprios familiares; e ainda assim,
para os outros ele poderia trazer uma dignidade para a vida.
Diante de tais questões, dos dados estatísticos apresentados anteriormente e por uma prioridade
da SERT, decidiu-se por tornar a erradicação do trabalho infantil (em conjunto com o trabalho análogo ao
escravo) uma das prioridades para a Agenda de Emprego e Trabalho Decente do Estado de São Paulo. A
partir dos debates realizados, foi elaborado um texto-base para essa agenda, que contou com setenta e
sete indicativos, sendo seis referentes ao trabalho infantil, os quais podem ser vistos no quadro abaixo.

Quadro 1: Propostas apresentadas no texto-base da Agenda de Emprego e Trabalho Decente do Estado de


São Paulo
Prioridade: Erradicação do trabalho infantil e do trabalho análogo ao
escravo
Fomentar as parcerias entre os municípios de uma mesma Região
Administrativa para atendimentos de saúde e de assistência social em
casos de trabalhadores retirados de condições indignas e crianças
abusadas sexualmente.
Agilizar o atendimento do disque-denúncia em casos de trabalho escravo
e trabalho infantil em suas piores formas.
Campanhas publicitárias de conscientização sobre o que é trabalho
escravo e trabalho infantil, com divulgação do disque-denúncia e da "lista
suja".
Maior participação dos sindicatos em processos de fiscalização e
denúncia de situações de trabalho degradante ou a ser abolido, como o
trabalho escravo e o trabalho infantil.
Firmar parcerias entre as secretarias de educação e cultura para
ampliação da oferta de equipamentos públicos voltados para crianças e
adolescentes, com o desenvolvimento de atividades lúdicas em contra
turno.
Criação de fóruns regionais de combate ao trabalho infantil
Essas são propostas consensuadas pela maioria dos participantes das 16 oficinas. Contudo nos
interessa observar não apenas o que foi consensuado, mas o que foi proferido, discutido e inclusive votado
no decorrer dos debates. Em 12,5% das oficinas houve a votação e aprovação de proposta para que fosse
feita a redução da idade profissional de 16 para 14 anos de idade, uma redução abaixo da idade
internacionalmente proposta pela OIT, que é de 15 anos. Também recorrente foi a proposta de redução da
281
maioridade penal. Em ao menos uma oficina (Região Administrativa de São José dos Campos), houve a
sugestão de que atividades remuneradas deveriam ser criadas especificamente para crianças. As
concepções mais comuns e mais recorrentes em defesa do trabalho infantil foram: “comecei a trabalhar
quando criança e veja como estou agora”; “trabalho infantil sempre existiu, alguns pais pedem empregos
para suas crianças”; “algumas crianças precisam trabalhar para ajudar a sustentar a casa”.
O primeiro problema da negação dos dados sobre o trabalho infantil demonstra a desconfiança
crescente nas estatísticas públicas por parte do próprio público ao qual alguns desses indicadores sociais se
destinam. Também podemos notar que o sentido da própria definição do que é trabalho no universo das
crianças tem sido questionado. Podemos tomar por exemplo os questionamentos seguintes: uma criança
que lave louças de sua casa pode ser considerada como vítima de trabalho infantil? Uma criança que ajuda
na lavoura ou no comércio dos pais está trabalhando?
Ajuda é toda forma de trabalho não reconhecida enquanto tal, portanto, trabalho não remunerado;
pressupõe solidariedade por parte de quem presta a ajuda. O problema é quando essa ajuda resulta em
lucro para alguém, sem remuneração pelo trabalho, seja este perigoso, insalubre ou não. Essa ajuda precisa
ser questionada, mas não é uma questão tão simples. Por vezes, esse trabalho infantil pode esconder e
mascarar uma relação de exploração em que a criança ou adolescente está submetido por quem caberia
zelar por seu bem estar. A questão da convivência com as famílias e de seu papel cuidador foi pouco
discutida nessas ocasiões.
A saída apontada como solução para o trabalho infantil, na maior parte das vezes, foi manter a
criança na escola em tempo integral. Nas raras ocasiões em que se debateu o papel da família na
prevenção do trabalho infantil era como cuidado em não permitir que adentrassem “o mundo das drogas”.
De forma geral, buscou-se legitimar a ajuda da qual os pais lançavam mão ou criminalizou-se
programas sociais de transferência de renda (a pobreza tem filhos), alegando-se que os pais de famílias
vulneráveis deveriam ter acesso ao emprego e à qualificação, além de salários diferenciados, para
manterem seus filhos afastados das ruas (concebida como sinônimo de drogas) ou do trabalho. Mesmo
quando a moderação informava que famílias beneficiárias de programa de transferência de renda tinham
atendimento prioritário nos serviços de qualificação providos pelo estado, ou que seus rendimentos não
eram tão elevados como os participantes especulavam156, essas informações eram ignoradas – algo
preocupante quando se considera a existência de representantes do poder público nessas discussões.
Houve ainda um entendimento de que os pais também precisariam ser educados, isto é, obrigatoriamente
ensinados a serem pais se recebem algum tipo de benefício social estatal.
Afastar as crianças do “mundo da rua” revelou-se a preocupação predominante; considera-se que a
rua, espaço de sociabilidade da infância e de suas brincadeiras características (como soltar pipa), foi
ocupada e transformada somente por relações violentas e perigosas, a rua virou sinônimo de “mundo das
drogas”. O uso de substâncias proibidas foi frequentemente relatado nas cidades visitadas pelas oficinas
como um problema do qual cabia livrar as crianças e adolescentes pelo meio que fosse possível – ainda que
o primeiro meio citado, aquele considerado mais legítimo, fosse o trabalho ilegal. Nessa medida, nos
parece interessante notar que o trabalho infantil acaba camuflado pelos empregadores como medida
preventiva contra o uso de drogas, como se fosse a única alternativa possível às crianças para não se
tornarem “aviãozinho”, o primeiro degrau na escala do tráfico de drogas. Outras propostas para a

156
Esse questionamento ocorreu nas oficinas de cidades economicamente mais desenvolvidas, como Sorocaba. Nessa ocasião um participante
afirmou que os “ganhadores de Bolsa Família” recebem “mais de 2 mil reais por mês”. Sempre que se apresentava um número acima do teto, a
justificativa “conheço gente assim” era apresentada também, negando eventuais desmentidos por parte da moderação.
resolução do problema envolviam atividades culturais, subentendendo o uso da internet e das redes sociais
como práticas de atividades culturais.
No entanto, as propostas sobre a criação de centros culturais e da extensão da rede de proteção
social foram, em quase todas as oficinas, fomentadas por um ou dois participantes regulares; em raras
ocasiões essas propostas foram espontâneas. E aqui cabe uma ressalva a esta discussão: não significa dizer
282
que todos os participantes que debatiam essa questão negavam o trabalho infantil existente em suas
cidades ou que essa seria uma questão menor; alguns questionavam os números apresentados para suas
regiões como “subestimados”, apesar dessa ser uma recorrência rara.
Essa ambiguidade de posições pode indicar que poucos pensavam sobre a realidade do trabalho
infantil fora dessa chave tão comum de algo necessário para o afastamento das crianças da rua. Isso sugere
que um trabalho de conscientização de base junto aos agentes públicos (ora concebidos como todos
aqueles que desempenham uma função de impacto público) sobre as questões e problemas do trabalho
infantil e da redução da idade profissional pode ser muito eficiente. Debater o tema em outras perspectivas
pode mostrar os malefícios decorrentes dessa prática, contribuindo para alterar a percepção sobre o
trabalho de crianças, desmistificando e mostrando alternativas ao conceito arraigado de que os filhos das
famílias pobres e vulneráveis devem “ajudar” seus pais sem isso seja uma contínua reprodução da
desigualdade social.
Na realidade das grandes cidades, o trabalho infantil visível, isto é, aquele de “ajuda” em
estabelecimentos comerciais causa estranhamento, não sendo uma prática aceita mais hoje com
naturalidade pela maioria das pessoas. Nas cidades visitadas por este projeto no interior do estado, as
opiniões são mistas. Em algumas regiões, como Araçatuba, admite-se que o comércio e a agricultura devem
lançar mão dessa modalidade de trabalho; admite-se ainda que não há espaços públicos destinados às
crianças e aos adolescentes, como na região de Barretos.
Ao fim da etapa das oficinas, concluiu-se que a primeira saída viável seria a aposta no processo de
modernização cultural – um processo de desenvolvimento humano, de conscientização, desencadeado
pelo desenvolvimento econômico conforme a proposta de Inglehart e Welzel (2005). Todo processo de
mudança cultural é lento, por vezes sendo requeridos esforços para além de uma geração.

O que fazer?

Diante da manutenção de tal discurso do que podemos chamar de uma cultura do trabalho infantil,
cabe à sociedade como um todo, mas também e, principalmente, ao poder público desenvolver ações no
sentido de romper com a legitimação dessa prática – ainda mais por essa questão sobreviver mesmo entre
uma parcela de representantes do poder público. Vimos, anteriormente, que algumas ações já vêm sendo
realizadas, como o desenvolvimento do PETI, o Programa Bolsa Família e o Ação Jovem, que estimulam a
manutenção da criança na escola em detrimento da sua presença no trabalho. Arrimos de famílias
vulneráveis também recebem atendimento prioritário no programa Via Rápida Emprego. Contudo,
observamos que apenas essas ações não conseguem desconstruir uma cultura de trabalho entranhada há
séculos em nossa sociedade.
Como exposto anteriormente, romper com processos que contam com o trabalho infantil como
modo civilizatório para se lidar com a pobreza invoca a necessidade de uma mudança mais profunda,
processo lento e que merece ações contínuas que venham a desnaturalizar práticas ligadas ao trabalho
infantil.
Um dos caminhos pode ser a ampliação de campanhas de conscientização sobre o trabalho infantil,
em termos dos seus danos físicos e sociais. Pensando nisso, durante o segundo semestre de 2014, o projeto
piloto “Caravana do Trabalho Decente” levou cinco diferentes formações para nove cidades de diferentes
regiões administrativas no estado de São Paulo. Esse projeto, concebido a partir da experiência das oficinas
realizadas no ano de 2013 e que observa a existência e manutenção de uma cultura do trabalho infantil, se
propõe discutir importantes temas do Trabalho Decente, entre eles o trabalho infantil. Duas formações
voltaram-se especificamente para essa temática, uma formação para jovens estudantes de 8º e 9º anos,
com idades entre 13 e 14 anos, e outra para professores da rede pública de ensino com o objetivo de
discutir, em ambas, a inserção do jovem no mercado de trabalho, de maneira precoce ou em idade
permitida.
283
Na formação voltada aos jovens estudantes, a participação dos jovens foi significativa, muitos se
encontravam em situação de trabalho irregular e infantil, o que demonstra efetivamente a necessidade de
também se voltar para um trabalho de formação escolar que possa conscientizar as crianças e os jovens
que a chegada ao mercado de trabalho pode ser realizada de forma segura, com direitos sociais garantidos
ressaltando as consequências danosas do trabalho precoce, de situações de grave exploração, do trabalho
escravo e abusivo.
Além disso, pudemos identificar algumas dessas questões bastante problemáticas para crianças e
jovens que trabalham: a dificuldade de conciliar a vida laboral com os estudos, trabalho e vida pessoal que
resulta frequentemente em baixo aproveitamento ou em evasão escolar; as consequências e eventuais
sequelas do trabalho precoce para o corpo ainda em formação; as consequências psíquicas e a
continuidade no futuro da precariedade da inserção no mercado de trabalho em decorrência da baixa
escolaridade e da entrada precoce no mundo do trabalho. E também, como pudemos identificar em vários
depoimentos, há uma reprodução de situações de exploração que acabam experienciadas por diversas
gerações. Para se romper com a reprodução da pobreza é preciso identificar seus mecanismos. As
experiências de trabalho dos pais são marcantes para os filhos e acabam reproduzidas nas práticas, se não
for possível superá-las através de uma experiência escolar mais satisfatória, por exemplo.
Em que pese as propostas apresentadas no quadro 1 significarem menos de 10% dos indicativos e
deliberações levados à Comissão Estadual de Emprego e Trabalho Decente, a erradicação do trabalho
infantil foi apresentada como um eixo prioritário de atuação em função da prioridade dada pelo assunto
pela própria OIT e também pela percepção da existência de uma ambiguidade discursiva por parte dos
agentes tripartites – ora chamados agentes por terem em mãos o potencial de deliberar por mudanças.
Iniciativas como a das oficinas de 2013 e das caravanas de 2014 são importantes como pilotos para
o desenho de projetos mais ambiciosos e abrangentes, mas carecem de institucionalização. A instituição de
um programa de Trabalho Decente deve ser o objetivo final de um processo que inclui as etapas de
elaboração de uma agenda e de um plano de Trabalho Decente.
A agenda tem o caráter de um pacto social entre as partes reconhecedoras de um ou mais
problemas aptos a serem endereçados por uma política pública. A etapa de revisão dos eixos prioritários,
bem como dos problemas que podem ser resolvidos por meio da ação tripartite é importante para a
formulação adequada de um plano de ação. O plano é um documento que sinaliza um compromisso
concreto, com ações definidas pelos e para os parceiros, contando com objetivos, prazos e indicadores de
verificação de andamento. O plano há de ser sancionado pelo governo de turno, representantes de
trabalhadores e representantes de empregadores. Nessa medida, é preciso ressaltar que a composição de
uma agenda e de um plano não resolverão o problema do trabalho infantil, mas sinalizarão um esforço
coletivo fundamental na direção de sua erradicação, e podem ser instrumentos de fortalecimento de
outras iniciativas já existentes, como a do fórum de erradicação do trabalho infantil.
O conceito de Trabalho Decente objetiva a realização de melhores práticas nos ambientes de
trabalho, propugnando o desenvolvimento de empregos formais e produtivos, com igualdades de
oportunidades e livres do trabalho escravo e infantil. Assim, presume-se que os agentes envolvidos com o
desenvolvimento de tal conceito tenham em seus discursos e práticas a clareza sobre os efeitos danosos do
trabalho infantil, escravo, informal, inseguro e precário.
Por isso, espanta-nos em observar, como visto nas oficinas desenvolvidas no ano de 2013, a
manutenção de um discurso de “salvação” das crianças pelo trabalho entre agentes que deveriam
combater tais formas de trabalho. Isso nos levou a discutir as origens de tal discurso e procurar estabelecer
meios para romper com essa cultura que exaltando o trabalho infantil acaba por promover a reprodução da
desigualdade social, ao invés de ajudar na sua superação.
Entende-se que somente assim será possível pensar em um desenvolvimento econômico e social
sustentável, nos termos de práticas de trabalho que contribuam para o pleno desenvolvimento do
trabalhador, em todas as instâncias de sua vida social.
284
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