Sie sind auf Seite 1von 12

Mara Selaibe

INTOLERÂNCIA: PRECONCEITO E EDUCAÇÃO

Mara Selaibe1

RESUMO: A tolerância é uma virtude inerente ao ser humano?


Caso não o seja, o que pode ser feito para fundá-la e estimulá-la
entre as pessoas e grupos? Essas duas perguntas
são abordadas no texto a partir da perspectiva psicanalítica.
Discute-se a tolerância e a idéia de natureza humana e também
as identificações como base para o enfrentamento do
preconceito e constituição de atitudes tolerantes.

Consideremos a tolerância como uma virtude reflexiva à espera de

reciprocidade (Paul Ricoeur, citado por Héritier, 1999). Se reflexiva,

exige o pensamento; se implica reciprocidade, pede correspondência de

atos e palavras entre as partes por respeito às diferenças em questão.

Diante dessa idéia, cabe a pergunta: tal virtude é inerente ao ser

humano? E, em caso negativo, o que pode ser feito para que ela seja

fundada e estimulada vida a fora? Vamos percorrer um caminho a

respeito da constituição do humano para abordarmos essas perguntas.

Tolerância e natureza humana

A natureza humana, para se realizar, implica a cultura no sentido mais

amplo, de maneira que a produção civilizatória é inerente a ela. O

antropólogo Edmund Leach escreve:


1
Psicanalista - membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae;
integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Intolerância desse Departamento,
conveniado ao CEPI/ LEI/ USP. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 1
Mara Selaibe

“Não tem sentido sustentar que a característica primária do homem

natural é ser destituído de cultura, porque se pode demonstrar que faz

parte da natureza biológica do homem a capacidade particular da

espécie para utilizar a cultura, quer como meio de comunicação, quer

como instrumento de pensamento. Quando nos interrogamos acerca

desta característica específica do comportamento humano, damo-nos

conta de que natureza e cultura não são separáveis.” (Edmund Leach,

1985)

Tal dicotomia é, de fato, uma produção cultural do Ocidente,

hegemonicamente dominado pelas concepções do homem branco

europeu, desde o iluminismo. Os antropólogos podem demonstrar como

outras culturas, distintas dessa em suas origens, implicam uma

cosmogonia e uma cosmologia holística. E mesmo um olhar ecológico

torna evidente o quanto as ações humanas pelo planeta Terra têm

alterado seu ecossistema a ponto de termos de admitir que as

características naturais nas quais nós vivemos é fruto da intervenção/

criação do homem ao longo dos tempos.

A antropologia cultural nos faz ver como os imperativos da suposta

natureza humana são necessariamente culturalizados (M. Sahlins,

2007) e, portanto, experimentados nos limites das definições simbólicas

e dos códigos de valores vigentes. A sexualidade e a destrutividade não

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 2
Mara Selaibe

fogem a isso e são expressas em práticas absolutamente intrínsecas à

cultura, ainda quando exercidas marginalmente ou até mesmo

transgressivamente. Cada cultura se presentifica em todas as ações de

seus membros nem que seja por sua negação.

Em termos psíquicos, podemos considerar que as diferenças

civilizatórias, historicamente constituídas, têm um ponto de máxima

importância em comum: toda civilização permite ao humano se realizar

como tal por garantir a ele o acesso ao sentido do vivido. Ou seja, o

mais distintivo do humano é sua capacidade de criar sentido e isso ele

só pode realizar inserido na cultura. Sentido não quer dizer sentido

racional.

O corpo biológico de cada ser humano pós nascimento também se

humaniza culturalmente enquanto o sujeito psíquico vai sendo

constituído. O princípio desse processo se instaura no estado primordial

tendo como marca originária, de um lado, o desamparo do bebê

humano diante do mundo e diante de seu corpo e, de outro lado, o

desejo de um outro humano, já constituído, de ampará-lo

amorosamente. Esse outro humano se atualiza na relação com o bebê

pela via de uma sociabilidade acolhedora dotada de práticas afetivo-

simbólicas de ordens estética, ética e política. Cuidar do desamparo do

bebê é provê-lo em suas necessidades básicas e materiais; mas é

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 3
Mara Selaibe

também e, especialmente, satisfazê-lo em sua demanda humana por

sentido. Essas demandas estão enraizadas nas experiências corporais.

O bebê morre se não receber cuidados básicos e satisfação de

necessidades fisiológicas; o bebê não se humaniza caso lhe seja

negada a rede afetivo-simbólica que o proverá, lentamente, da

capacidade de criar sentidos para sua epopéia; o bebê sofrerá agravos

psíquicos se essa rede não lhe for suficientemente satisfatória. Os

membros da cultura mais próximos do bebê – em geral os pais –

deverão favorecer-lhe e criar os meios para seu desabrochar.

Contudo, para o bebê, não é ainda possível distinguir-se e distinguir a

presença da alteridade. Desse modo, tudo que lhe chega e lhe sacia,

tudo que lhe dá prazer – bem como tudo que lhe falta e lhe causa algum

grau de sofrimento e incompreensão emocional – advém de si mesmo

e si mesmo não é separado de sua corporeidade. O bebê vive, de seu

ponto de vista, uma espécie de fechamento sobre si mesmo. Esse

narcisismo primário implica numa temporalidade mítica, sem distinção

entre dentro e fora, entre sujeito e não-sujeito (objeto), entre

afeto/desejo/representação; não existe ainda qualquer distância entre o

ser e o ter, entre o desejo e a posse do desejado. Tudo que é vivido é

experimentado como oriundo de si mesmo, do próprio corpo e do eu-

corporal primitivo. Nessa condição mítica, praticamente sob a regência

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 4
Mara Selaibe

do prazer, o outro que supre e cuida não é percebido como alteridade.

O sentido primário, narcísico, é de fusão com o objeto. O eu nasce a

partir desse ponto; e é desse ponto que partem as maiores resistências

e intolerâncias ao outro.

Esse tipo de amor por si mesmo fundido com o objeto/outro

desconhecido como tal, será interrompido: há um momento em que o

seio (que, de fato, pertence à mãe) não está disponível; o seio falta e

sua falta frustra levando à quebra da certeza narcísica fusional. O

sentido de completude de mundo desmorona. Uma ferida narcísica se

instaura e o sujeito é traumatizado justamente pela ausência de sentido.

Essa ausência de sentido é experimentada com um a mais que brota do

interior do corpo não atendido pelo si mesmo idealizado. Não haverá

saída: a alteridade terá de ser reconhecida como tal: o outro passa a ser

percebido pelo bebê e isso quer dizer que o outro existe separado e

autônomo só podendo saciá-lo quando está presente e se assim o

desejar...

Esse acontecimento psíquico trará muitos desdobramentos que não

serão tratados aqui para podermos manter nosso foco inicial. Mas um

deles nos ajudará a entender a questão da tolerância no psiquismo

humano. Se até a ruptura do sentimento mítico de completude narcísica

todos os investimentos estavam dirigidos a si mesmo, agora, diante da

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 5
Mara Selaibe

quebra, uma parte deles se manterá auto-investida e o sujeito sempre

será, num certo sentido, auto-referente e satisfeito consigo mesmo

(amor próprio); uma outra parte, insistirá em manter a ilusão narcísica e

irá investir alucinatoriamente na satisfação de si mesmo. Como isso

falhará, o sujeito se verá, a cada falha, novamente diante da falta de

sentido e experimentará a angústia característica. De agora em diante o

sujeito conecta a falta de sentido à falta de satisfação. Esse será o

nascedouro da ambivalência de afetos dirigida à alteridade. A

percepção de que há um outro que pode satisfazer (e por isso é bom),

mas que também pode privar (e por isso é mau) motivará o amor e o

ódio na base de todas as ligações com uma tendência narcísica

paranóica regressiva de atribuir a tudo que é bom uma origem interna e

a tudo que falta ou que é ruim uma origem externa.

Ora, se o que está fora é o mau, o outro sempre pode ser mau! O

diferente, o não-idêntico, o dessemelhante sempre pode ser

ameaçador! Claro que o outro nem sempre é vivido como ameaçador –

caso contrário o eu não sairia de seu estado imaginário narcísico. As

relações vividas com o outro fornecem ao eu aquilo tudo que sozinho

ele jamais poderia se prover. Será, paradoxalmente, através das

relações identificatórias entre os outros e o eu que este seguirá se

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 6
Mara Selaibe

constituindo e se aprimorando na formação de um sujeito psíquico

humano.

A ligação afetiva mais precoce de nossas vidas é, pois, a identificação e

com ela experimentamos o amor ambivalente frente ao ser amado que

pode prover e privar. Nessa construção, a falta nos permite imaginar a

plenitude... ou o modo de (re)alcançá-la... Quer dizer, será a partir

desses processos descritos que se instaura a criatividade, o

pensamento, a simbolização.

Vida a fora o sujeito estabelece identificações e será o conjunto delas

que configurará um sistema de relações capaz de oferecer consistência

e referência a si mesmo. Portanto, como as identificações têm esse

papel e como elas se cruzam entre os sujeitos, é possível

compreendermos que para obter algum entendimento a respeito do que

acontece no bojo da vida coletiva e social temos de retomar a idéia de

identificação. Será pelas identificações que o sujeito psíquico introjetará

os modelos coletivos civilizatórios, os ideais de sua cultura, a gama de

valores que regem as relações.

As identificações ao mesmo tempo aproximam as pessoas e permitem

que se percebam separadas por serem sempre parciais, pontuais. A

irredutibilidade de cada um entre todos obriga os sujeitos a se

perceberem incompletos e a terem de administrar vida a fora o

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 7
Mara Selaibe

desamparo original. Essa administração só pode se dar no interior da

civilização – seja ela qual for – e atesta a função conectiva da cultura. E

o que isso tudo tem a ver em relação à tolerância?

Bem, se a brecha diante do narcisismo paranóico originário são as

identificações – trabalho psíquico por excelência – o ato continuo e

cotidiano de formar laços, estabelecer ligações, criar e manter relações,

estabelecendo com isso valores e promovendo projetos que

desembocam em realizações comuns é o único caminho para instaurar

a tolerância entre os homens. A tolerância não é uma virtude com a qual

se nasce. Ao contrário, o narcisismo é o originário e precisa ser

constantemente enfrentado, trabalhado, mediado para que se

encontrem modos de convivência tolerantes. As identificações são a

base das relações: identificado ao outro, reconheço-o como semelhante

a mim nisto e naquilo e, concomitantemente, separado e diverso de mim

em tantos outros aspectos. É preciso ainda assinalar que todas as

relações estabelecidas entre os homens – inclusive as identificatórias –

sempre se dão no interior de um campo cultural, num contexto

partilhado e, portanto, num território de sentido que integra o universo

simbólico social.

Preconceito e identificações: base para a tolerância

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 8
Mara Selaibe

Podemos agora, feito esse trajeto até aqui, estabelecer um elo entre as

identificações, a tolerância e a educação. Toda política educacional

levada a cabo pelo Estado e pela sociedade civil em geral precisa ter

em mente quais modelos identificatórios estão sendo veiculados: como

se estabelecem as relações mais básicas entre educadores, educandos

e suas famílias? Como se permite – ou se impede! – que cada

educando se sinta livre e estimulado para oferecer seus modelos

comunitários e familiares ao grupo? Como trabalhar com os

preconceitos (sempre existirão) para não transformá-los em tabus e,

portanto, serem meramente proibidos de se manifestarem às claras,

seguindo, entretanto, a agir sub-repticiamente?

A única maneira será primeiramente cada educador reconhecer seus

próprios preconceitos para si mesmo (cada qual tem lá os seus...). A

partir desse enfrentamento interno (ninguém gosta de se perceber e se

saber preconceituoso...) esforçar-se para criar empaticamente um

campo de questionamento que gere condições a algum tipo de

identificação com aquele contra quem se sente o preconceito. Nesse

caminho, o educador pode aprender a romper com barreiras emocionais

que o impedem (elas estão presentes constante e necessariamente nos

preconceitos!) de se sentir simplesmente diante de um

semelhante/diferente: no caso, são alguns de seus prováveis

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 9
Mara Selaibe

educandos. Só depois de trabalhar, elaborando internamente um

preconceito, cada educador poderá resgatar em si e para todos os

caminhos que passa a dispor na direção e com o objetivo de promover

identificações entre todos com os quais desenvolve suas tarefas

cotidianas. Esse trabalho psíquico é e tem de ser incessante porque as

forças narcísicas nunca são totalmente debeladas. Mas debruçar-se

sobre essa tarefa, percebendo-a como tão importante quanto os

conteúdos sejam quais forem do processo educativo em pauta, oferece

a todos os partícipes uma espécie de referência de mundo

compartilhado que cada sujeito utiliza em pró de si mesmo e da

coletividade.

O acolhimento implicado nesse tipo de prática está pautado por uma

criação coletiva: todos passam a ser envolvidos por um laço de atenção,

afetos e ofertas que abraçam cada um dos presentes, permitindo-lhe

sentir que sua vida, em todos os sentidos, faz diferença aos demais que

estão a seu lado. Esse movimento é um investimento micropolítico que

será incorporado à reserva narcísica (num sentido positivo), fornecendo

maior chance de sucesso no trabalho psíquico de integração do eu.

Concomitantemente, essa reserva narcísica integrativa do eu, oferecida

pelo reconhecimento do grupo, levará cada sujeito a se sentir parte

desse coletivo humano.

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 10
Mara Selaibe

O trabalho de educação frutifica em maior grau de tolerância no

cotidiano dos envolvidos apenas quando fomenta a chance de ocorrer

numa atmosfera de reflexão e reciprocidade (Paul Ricoeur, citado por

Héritier, 1999). A intolerância é fruto do narcisismo primário que deseja

destituir da existência tudo que não reconhece como auto-engendrado e

idealizado no corpo de uma onipotência infantil que trazemos sempre

conosco... Contudo, não se pode deixar de entender que a intolerância

também precisa ser entendida como uma resposta violenta frente ao

trauma que essa onipotência infantil sofre, gerando uma dor nascida da

carência do narcisismo como o investimento positivo imprescindível

para a constituição do eu. O narcisismo primário que remete a um

fechamento diante da alteridade precisa ser ultrapassado e o sujeito

precisa sempre resistir a seu retorno insistente. Já o investimento

narcísico que parte do mundo para o sujeito ao reconhecê-lo como seu

integrante de valor, dota o sujeito de sentido – sentido de pertencer à

comunidade humana.

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 11
Mara Selaibe

BIBLIOGRAFIA

CASTORIADES, Cornelius. Figuras do pensável; trad.Eliana Aguiar. –


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 247-350, 2004.

DUARTE, Neide. Um lugar para beijar, Brasil, 2008. (Documentário,


curta-metragem).

FREUD, S. (1914) “Introdução ao Narcisismo”, (1921) “Psicologia das


massas e análise do ego”, (1930) “O Mal-estar na civilização”,

ÉRITIER, F., “Les matrices de l’intolerance et de la violence” in De la


Violence II. Odile Jacob, Paris, 1999.

LEACH, E., “Natureza/Cultura” in Enciclopédia Vol. 5 Anthropos-


Homem. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Porto, 1985, p. 74.

SAHLINS, M., “Natureza em Construção”. Entrevista concedida à revista


francesa Nouvel Observateur e republicada, com tradução de Clara
Allain, no Caderno Mais! Do Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, de
18/11/2007, p. 4-6.

SELAIBE, M., “Enlace libidinal e tolerância”, Percurso – Revista de


Psicanálise – Ano XXI – Nº. 40 - 1º. Sem/ 2008.

_________, “Raízes Psíquicas da Intolerância”. Disponível no site


www.rumoatolerancia.fflch.usp.br

_________, “Intolerância Precoce: a fome de zero a seis”. Disponível no


site www.rumoatolerancia.fflch.usp.br

Curso Virtual “Educação para a Tolerância: Contribuições Psicanalíticas” – out a dez 2010 12

Das könnte Ihnen auch gefallen