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Tathiane Milaré
Universidade Federal de São Carlos, campus Araras
tmilare@cca.ufscar.br
Resumo
O objetivo deste trabalho é descrever e avaliar o desenvolvimento de uma oficina temática
sobre o consumismo de cosméticos com abordagem CTS. Buscou-se investigar quais foram
as contribuições dessa abordagem para o ensino de química e para instigar os participantes a
refletirem e analisarem suas práticas de consumo. As oficinas foram gravadas em áudio e
vídeo e, posteriormente, analisadas. Conclui-se que, durante a realização das atividades, os
participantes demonstraram ações compatíveis com os pressupostos CTS, indicando
potencialidades da oficina para o ensino de química nesta perspectiva.
Abstract
The aim of this paper is to describe and evaluate the development of a thematic workshop on
consumerism of cosmetics with STS approach. We sought to investigate the contributions of
this approach to chemical education and to instigate participants to reflect and analyze their
consumption practices. The workshops were recorded in audio and video and later analyzed.
It was concluded that, during the activities, the participants demonstrated actions compatible
with the STS assumptions, indicating the potential of the workshop for teaching chemistry in
this perspective.
Introdução
O consumo é considerado uma condição à sobrevivência da espécie humana e de todos os
outros seres vivos na Terra (Bauman, 2008). No entanto, quando o consumo é realizado para
além da sobrevivência e passa a ser uma necessidade vinculada a desejos e anseios, que
Aspectos Metodológicos
Levando em consideração o potencial da oficina temática para atingir o objetivo de formação
crítica e tomada de decisão, reflexão, argumentação, entre outras, optou-se em desenvolver
uma oficina temática com o intuito de abordar conteúdos específicos da química de forma
contextualizada, problematizada e interativa, tornando a aprendizagem mais significativa. O
tomada de decisão e atitude crítica pleiteada pela abordagem CTS. Desta forma, foram
escolhidas matérias sobre o alto consumo de água para produção de cosméticos, a
biopirataria, os testes em animais e o consumismo.
Propaganda na real - A atividade para conclusão da oficina visou possibilitar um debate nos
grupos. Foi proposto aos grupos que elaborassem uma propaganda em forma de cartaz,
levando em consideração tudo o que foi discutido durante a oficina e o que mais eles
considerassem importante em uma propaganda “ideal” de cosméticos.
Analisando a oficina
Considerando os nove aspectos da abordagem CTS apresentados por McKavanag e Maher
apud Santos e Schnetzler (2015) como categorias de análise, verifica-se que a oficina
contemplou todos eles em diversos momentos, conforme apresentado no Quadro 1.
Indo às compras.
Propagandas.
5. Efeitos da A tecnologia disponível a um grupo
Tecnologia sobre a humano influencia grandemente o História dos cosméticos.
Sociedade estilo de vida do grupo.
O que você “realmente” está comprando?
Questões relevantes.
Quadro 1 - Nove aspectos da abordagem de CTS na oficina temática (Fonte: Mckavanag e Maher apud Santos e
Schnetzler, 2015, p.69 (adaptado)).
Santos e Schnetzler (2015, p.95) apontam a escassez de trabalhos que avaliam os cursos de
CTS, mas apresentam as seguintes áreas de domínio de ciência para avaliação de uma
abordagem CTS propostos por Yager e McCormack (1989): i) Conhecimento e compreensão
(domínio da informação); ii) Exploração e descoberta (domínio do processo da ciência); iii)
Imaginação e criação (domínio da criatividade); iv) Sensibilização e valorização (domínio de
opiniões) e v) Uso e aplicação (domínio de aplicações e conexões). Considerando estas áreas,
foram elaborados os seguintes indicadores para a análise dos vídeos das oficinas:
1) Conhecimento, compreensão, uso e aplicação – exemplos compartilhados pelos
participantes, gesticulações, expressões e falas que indicam o domínio de
conhecimento e o estabelecimento de relações entre os conhecimentos discutidos e as
suas vivências.
2) Exploração e descoberta – momentos de exploração por parte dos participantes,
levantamento e teste de hipóteses, observação e análise de resultados.
3) Imaginação e criação – momentos de expressão de criatividade.
4) Sensibilização e reflexão – falas, opiniões e discussões diante das problemáticas
levantadas, que tiveram como objetivo promover a reflexão.
Ao analisar as filmagens da oficina, foi possível identificar episódios em todos os quatro
indicadores estabelecidos. Os participantes demonstraram compreensão e envolvimento
(indicador 1) quando interagiram a todo o momento com gesticulações frente aos
questionamentos feitos como, por exemplo, se eles acreditavam que a utilização de
cosméticos sempre foi da maneira que é atualmente eles se pronunciaram com frases como
“Ah, acho que deveria existir perfume, sabonete, aromas, alguns produtos assim”. Em muitos
momentos durante a apresentação da parte histórica dos cosméticos foi possível notar
gesticulações dos participantes como se estivessem concordando com o que estava sendo
apresentado. Alguns questionamentos foram levantados, como uma participante que
repensarem o uso dos cosméticos. Em relação aos motivos que levaram os participantes a
gostarem da oficina, 60% vincularam suas respostas à mudança em relação à prática de
consumo de cosmético, como percebemos nas respostas “A Oficina nos ajuda a ampliar o
campo de visão de determinados produtos, nos proporcionando pensar antes de consumir.”;
“Trouxe novas informações, foi uma oficina muito crítica, fazendo com que os alunos
refletissem sobre o tema.”; “Achei super informativa nos trouxe vários questionamentos que
não nos atentamos.”. Essas respostas demostram as contribuições que a oficina com a
abordagem CTS proporcionou aos participantes. Eles refletiram sobre suas práticas de
consumo e os impactos das suas atitudes para toda a sociedade, ou seja, foi estimulada a
formação do senso crítico para a tomada de decisão dos participantes, características que são
objetivos em uma abordagem CTS. Considera-se, portanto, a mudança e reflexão sobre o
consumo uma das categorias de análise dessas respostas.
A criatividade e didática foi outra categoria para as respostas dadas por aproximadamente
22% dos participantes, como é possível observar nas respostas: “Foi bastante didática,
atividades práticas criativas.”, “Dinâmica, informativa, interage c/todos.”. Essas respostas
indicam que os participantes apreciam esse tipo de abordagem e gostam das interações que
são desenvolvidas durante uma atividade mais dinâmica. Cerca de 18% dos participantes
relataram a contribuição em relação aos conhecimentos específicos de química abordados
durante a oficina, fato que comprova que a oficina, além da questão social, contemplou as
questões científicas e tecnológicas.
Quando questionados se a oficina contribuiu para repensarem o uso de cosméticos, três
categorias foram estabelecidas para análise das respostas. A primeira categoria está
relacionada com o consumo consciente, na qual foram enquadradas 33% das respostas que
apresentavam declarações dos participantes sobre como não pensavam sobre a prática de
consumo e que, após a oficina, mudariam essa atitude. É um exemplo de resposta com este
conteúdo: “Agora vou pensar melhor na hora de comprar os produtos, ver suas composições
e comprar só o necessário.” Os participantes conseguiram refletir sobre o consumismo e
pode-se perceber a sensibilização para a mudança de atitude em relação a sua prática, que
antes era feita de maneira impulsiva.
Pelo fato de serem questões discursivas, algumas respostas foram enquadradas em mais de
uma categoria como, por exemplo, “Pelos impactos ambientais e o consumismo”, que
apresenta tanto a preocupação em relação à mudança sobre a prática do consumismo,
categoria anteriormente apresentada, como a segunda categoria que são os impactos
ambientais.
Em relação à reflexão sobre os impactos ambientais relacionados ao uso de cosméticos 56%
das respostas apontaram essa preocupação, sendo que quatro respostas se enquadravam na
categoria de impactos e consumo sustentável, e duas respostas se enquadraram, também, na
categoria de impactos e conhecimento do que se consome. Respostas como “Me fez pensar o
que utilizo e como isso gera algum impacto”, evidenciam que os participantes associaram os
cosméticos que consomem com impactos ambientais e à saúde que ocorrem a todo o
momento. Vale destacar que, na análise das respostas dadas ao questionário inicial, foi
verificada a dificuldade dos participantes em relacionar os impactos ambientais, portanto a
oficina contribuiu para que essas associações fossem criadas.
Conhecer melhor os produtos que está consumindo foi apontado por cerca de nove respostas,
o que representa aproximadamente 33%. Das nove respostas, duas se enquadravam na
categoria de impactos e conhecer melhor os produtos, e duas em consumo sustentável e
conhecer melhor os produtos. A identificação dessas categorias de análise evidenciou a
importância do conhecimento científico para desenvolver a capacidade das pessoas
“enxergarem com outros olhos” o que significam os compostos e informações dos cosméticos
que consomem e o que isso significa em relação a impactos e o consumo sustentável.
Considerações finais
As abordagens temáticas mostram-se importantes para a abordagem CTS, no entanto, o
estudo de muitos temas que são considerados importantes para a sociedade ainda é incipiente
e o desenvolvimento de materiais para utilização nesse contexto é escasso, como é o caso da
temática desse trabalho, o consumismo. A elaboração de uma oficina temática se mostrou um
trabalho que exige bastante organização e planejamento para que o foco na abordagem CTS
não seja perdido e que todos os aspectos que caracterizam essa abordagem sejam atendidos.
Através da análise dos vídeos e questionários, foram identificadas evidências de que a oficina
contribuiu para a reflexão dos participantes sobre suas práticas de consumo e sobre como a
atitude de cada um gera consequências para toda a sociedade. Além disso, todos os
indicadores utilizados como avaliação da abordagem CTS também foram identificados. Desta
forma, a abordagem CTS por meio da oficina temática mostrou-se ferramenta satisfatória na
contribuição em relação à reflexão sobre práticas de consumo e sobre as consequências que
essas atitudes podem gerar para toda a sociedade, pois através da construção de
conhecimentos científicos, mais especificamente os químicos, foi possível apesentar diversas
informações e proporcionar aos participantes reflexões sobre a questão do consumismo e seus
impactos. Com isso, os participantes puderam ter mais embasamento para poderem construir
suas opiniões e tomar decisões, seja em relação à maneira de consumir um cosmético, como
também no que se refere à necessidade de leis e fiscalização do setor cosmético visando um
desenvolvimento sustentável.
Referências
Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos– ABIHPEC.
III Caderno de Tendências 2014-2015. Disponível em:
<http://www.abihpec.org.br/ABIHPEC_Caderno_de_Tendencias_2014_2015.pdf >. Acesso
em 14 de Nov. 2016.
BENCZE, J.L.; LYN, C.; KRSTOVIC, M. Educação em Ciência e Tecnologia para o bem
estar pessoal, social e ambiental: desafiando as estratégias consumistas capitalistas. Revista
Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Vol. 14, n. 2, p. 39-56, 2014.
FURRIELA, R.B. Educação para o consumo sustentável. In: Ciclo de Palestras sobre Meio
Ambiente - Programa Conheça a Educação do Cibec/Inep- MEC/SEF/COEA. 2001, Brasília.
p.47-55.
SANTOS, W.L.P. Contextualização no ensino de ciências por meio de temas CTS em uma
perspectiva crítica. Ciência & Ensino, Piracicaba, v.1, número especial, nov. 2007.