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MANIFESTO
CONEXÕES FEMININAS
DA ACADEMIA
ANGOLANA DE LETRAS
CONEXÕES MÚLTIPLAS
NO ESPAÇO PRIVADO
DIÁLOGO INTERCULTURAL PÁG. 13
E-mail: cultura.angolana@gmail.com
site: www.jornalcultura.sapo.ao
Telefone e Fax: 222 01 82 84
CONSELHO EDITORIAL
UM DIA
Director e Editor-chefe:
José Luís Mendonça
Secretária:
Ilda Rosa
Assistente Editorial:
Coimbra Adolfo (Matadi Makola)
Fotografia:
Paulino Damião (Cinquenta)
Poema hoje dedicado ao Éder Arte e Paginação:
(e, porque não, a todos os Éderes ainda sem oportunidade
Sandu Caleia
de revelarem as suas reais capacidades e competências, dentro
Jorge de Sousa
ou fora dos seus respectivos espaços de convivência intercultural)
Alberto Bumba
Sócrates Simóns
Edição online: Adão de Sousa
A minha pele é escura como a noite.
Traz cicatrizes do açoite
e marcas do tráfico negreiro. Colaboram neste número:
A minha cor escura não ilude
Angola:Adriano de Melo, Analtino Santos, Filipe Zau,
a intolerância e a inquietude: Lito Silva,Norberto Costa
sou africano, podia ser antilhano,
afro-brasileiro ou afro-americano. Marrocos: Aziza Rahmouni
O PASSADO NA CONTEMPORANEIDADE
ADRIANO DE MELO sua cultura pelo mundo, a importância
da unidade, os benefícios da liberdade e
Quando entramos no Museu da Moe- a actual aposta no desenvolvimento do
da,os nossos primeiros anfitriões são vá- país estão patentes na mostra em peças
rias peças de prata, com desenhos exu- como “A Vitória é Certa”, de Fineza Teta,
berantes e diferentes, que configuram a “Liberdade em Ascensão”, de Mayembe,
mensagem de vários criadores angola- “Angola 40 Anos”, de HelgaGambôa. O
nos sobre o que representam os 40 anos crescimento do país é uma das princi-
do país e qual a importância do passado pais propostas temáticas da maioria dos
ou da tradição no mundo moderno. artistas convidados, por representar o
Onze é o número de peças que a or- renascer da esperança, num país que du-
ganização escolheu para mostrar, atra- rante anos sofreu devido a guerra civil e
vés de duas gerações de artistas plásti- por séculos pagou os danos da escrava-
cos, o papel da tradição na construção tura. MpambukidiLunfidi, com “Angola
da personalidade e da identidade na- A Primeira-Dama da República, Ana Paula dos Santos, inaugurou a exposição e elogiou a criatividade dos artistas 40 Anos”, ou M’PandaVita, no seu “Ango-
cional. A exposição, que fica aberta ao la - 40 Anos de Ebulição”, são as provas
público até o próximo dia 25, de terça a tica e a organização da exposição, ideali- também ter sido parte da minha vida e a deste reconhecimento e elogio a paz e
domingo, das 9h00 às 17h00, é tam- zada pela CIPRO, pela originalidade de de qualquer um que não tenha nascido aos ganhos proporcionados por estas
bém um alerta para os perigos da acul- cada uma das 11 peças. “São peças cria- depois de 2005, quando o “bum” tecno- em diferentes sectores da sociedade. A
turação e da desvalorização das raízes das por angolanos que querem dar a co- lógico começou a por nas nossas casas dinâmica actual e as mudanças e influên-
tradicionais angolanas. nhecer como pensa o país e transmitir a os modernismos eléctricos. cias que o modernismo trouxe ao país,
Sem menosprezar as novas tendên- quem não o conhece”, considerou. “Mawte”, de Etona, é outro motivo em especial nas artes, esta demonstrada
cias do contemporâneo, “Expressões No final, a Primeira-Dama desejou a de pensamento. Ao ver a escultura, em “Angola, o nosso tempo Próprio”, de
em Prata”, traz também uma dose de todos os convidados um interessante apesar do autor dizer o contrário e o Miguel Gonçalves e na “Contemporanei-
modernidade, pelo talento de jovens encontro com Angola ao longo de 40 justificar, fico sempre com a sensação dade”, de Amândio Vemba.
criadores, que mostraram a beleza da anos, assim como pediu um maior incen- de estar a olhar para um dos símbolos A grandeza e o papel da mulher na
diversidade e a aposta na preservação e tivo e aposta nos demais criadores de ar- de referência da cultura angolana, o História do país, no seu desenvolvimen-
divulgação do legado da tradição. “Exor- tes, de forma a terem a possibilidade de Pensador. O critério está no olhar de to e na estabilização das famílias é enal-
tar o país pela riqueza cultural” foi assim expressar o seu talento. quem for visitar a exposição. tecida por Patrícia Cardoso na escultura
Olhar a criação
que a Primeira-Dama da República, Ana A proposta de Massongi Afonso é o “Mukembu”, um elogio e homenagem a
Paula dos Santos, considerou a exposi- batuque, uma peça cujo papel na cultura todas as angolanas.
ção, depois de a ter inaugurado. Para mim, “Expressões em Prata” são angolana é fundamental até hoje. Com A mostra, que não se circunscreve so-
As peças, disse a Primeira-Dama, são 40 anos da história de Angola bem justi- traços singulares, “Pensando Cultura”, mente a cultura angolana, destaca tam-
sugestivas e permitem aos visitantes ter ficados pelas esculturas expostas, por- propõe um elogio as artes e a tradição ao bém os símbolos nacionais, num claro
uma ideia da significância da criativida- que como parte da geração de 80 consi- som do batuque rítmico. alerta à sua importância e maior divul-
de dos seus criadores. Ana Paula dos go me rever em algumas das peças, co- Os ganhos da paz, a determinação dos
N
o dia 8 de Julho, sexta-feira, o de 1983, fê-lo conquistar o Primeiro gem aos Ndengues do Kota Duro, trou-
Palácio de Ferro fugiu um pou- Festival da Canção. Na época fazia parte xeram um ritmo mais acelerado. Este
co do simples facto de ser pal- do Trio Henda, em representação da exigente cultor do Kimbundu ainda te-
co e fez-se esteira de uma reunião so- província da Huíla. ve tempo para a memorável canção "O
lene, com a estrela apresentar-se co- Artesão de ritmos que fundem a tradi- que será”, uma música que marca uma
mo um fiel difusor da mensagem dos ção à modernidade, amante da boa con- Angola destroçada pela guerra.
ancestrais por via do canto. Ouve, es- versa, cantou “Mahezu” e fez uma via- Sem desprimor pelos demais presen-
teriliza no coração e desabafa em mú- gem espiritual solitária com “Kassexi”, tes, um outro ilustre de Malanje (o poeta
sica para uma maioria que acorreu ao que explica ser uma adaptação moderna Lopito Feijóo) alterou o alinhamento
local ciente e seduzida pela forma lú- daquilo que os nossos antepassados musical ao solicitar novamente “Man Po-
dica e leve como este interpreta/ar- cantavam. “KibukaKya Mona” fez os espí- lé”, para deleite dos presentes e da sua
ranja misoso e jisabu. ritos sossegarem, um momento mais Mi- esposa inspiradora Mamá África, que su-
Com o suporte da Banda Movimen- to, apenas com o seu tradicional violão e biu ao palco e abriu caminho para dança.
to, Mito Gaspar iniciou a actuação em a percussão amena de Correia. “Hassa” Apesar de Mias Galhetas transportar
grande, não poupando alegrias, ao in- ainda confirmava o momento de intros- o baixo com um groove africano, o bom deriam harmonizar-se com a marimba
terpretar o seu grande sucesso “Man pecção, que é , conforme explicou Mito, ritmo de Kintino, os solos bem inspira- de um mestre como o Tio Maduro.
Polé”, canção que narra a estória do ho- uma poderosa oração de uma mãe cren- dos saídos da guitarra de Teddy Nsin- O espectáculo de Mito Gaspar en-
mem que aproveitava-se das mulheres te para proteger o seu filho da inveja das gui, ou mesmo as harmonias dos tecla- quadrou-se no programa de activida-
nas cerimónias fúnebres. vizinhas e dos maus espíritos. dos de Chico Madne trazerem marcas des musicais da III Trienal de Luanda e
“Havemos de Voltar”, um dos mais Agostinho Neto foi outra vez invoca- da música tradicional, era possível um foi antecipada pela actuação dos gru-
emblemáticos poemas de Agostinho do num kimbundudu estaladiço em pouco mais de ousadia com a inclusão pos Kituxi e Seus Acompanhantes e
Neto, mereceu uma arrojada tradução “Eme Nzambimuenhu”, originado do de instrumentos de matriz angolana, União Rebita. Calabeto fez o mesmo
para o kimbundu, dando vazão ao arre- poema "Renúncia Impossível". “Pala- que bem poderiam dar um outro toque. percurso e desfilou os seus sucessos
piante “Hadia Tu Vutuka”, bem recebido nhe N`go” e “Mana Minga”, temas do fol- Os tambores ocidentais de Correia po- sete dias antes, 1 de Julho.
4| ECO DE ANGOLA 18 a 31 de Julho de 2016 | Cultura
beres sociais endógenos e, dentre estes, tipos diversificados de narrativas uma merecida e eterna homenagem aos Heróis da Pátria e aos escritores e
convenientemente estruturadas. Pautavam-se por regras precisas de convi- cientistas sociais que lutaram pela liberdade e pela independência nacional,
vência, de organização e de estruturação dos seus conhecimentos e modos concretizada a 11 de Novembro de 1975 – momento sublime proclamado pe-
de vida, guardando formas específicas de preservação da memória colectiva lo poeta e ensaísta António Agostinho Neto, Primeiro Presidente de Angola, o
e cuja permanência os vincula ao presente. patrono da Academia Angolana de Letras.
No decurso da primeira metade do século XX, a actuação dos «filhos do Um mês após a independência, a 10 de Dezembro de 1975, os escritores an-
país» mostra o declínio completo da luta nativista e vai ser preciso esperar al- golanos proclamaram a primeira organização cultural angolana: a União dos
gumas décadas para o seu reavivar em finais da década de quarenta e inícios Escritores Angolanos (UEA), que desempenha hoje um papel de vanguarda na
da década de cinquenta. Alguns trabalhos de natureza histórica e sociológica tarefa de criação literária e artística. Desde os anos que se seguiram aos nossos
constituirão notáveis contributos para compreender esse período, sendo de dias, os escritores e investigadores sociais engajaram-se na apresentação de
assinalar o já citado Voz de Angola Clamando no Dezerto (1901), História de novas propostas literárias e no estudo e interpretação dos novos quadros so-
uma Traição, de Pedro da Paixão Franco (1911) e Relato dos acontecimentos ciais, dando uma inestimável contribuição para os processos de reconstrução
de Dala Tando e Lucala, de António de Assis Júnior (1917). A Academia Ango- nacional, para a consolidação da revolução e do poder popular e para conquis-
lana de Letras assume a herança intelectual desses talentosos escribas ango- ta da paz, dos processos de coesão nacional e da formação da Nação Angolana.
lenses, que fizeram das suas penas uma arma de luta pela afirmação e emanci- A Academia Angolana de Letras assinala o valioso tributo das obras dos escri-
pação social, política, cultural e espiritual dos angolanos. tores e dos cientistas sociais angolanos à criação simbólica da cidadania e da
A partir do ano de 1948 e seguindo o exemplo das gerações precedentes, um nacionalidade angolanas, que tanto têm contribuído para moldar os imaginá-
grupo de jovens intelectuais funda em Luanda um novo movimento cultural e rios e as maneiras de ser, de sentir e de estar da comunidade nacional nas suas
literário, crismado pelos estudiosos da literatura e dos movimentos culturais variadas dimensões (económica, social, política, cultural e espiritual).
como «Vamos Descobrir Angola!» ou «Geração de 48». Esse movimento de jo- A Academia Angolana de Letras homenageia os membros fundadores da
vens intelectuais empreende uma nova estética literária, de pendor social e na- União dos Escritores Angolanos, os precursores e fundadores dos Estudos So-
cionalista, assente nos motivos e nas aspirações de vida das populações indí- ciais Angolanos, assume a responsabilidade de contribuir para a definição dos
genas. Surgem no mesmo período movimentos culturais e revistas de vocação cânones Literários e das Ciências Sociais e Humanas Nacionais, contribuindo
nacionalista, tais comoo «Movimento dos Novos Intelectuais de Angola» ainda para o estudo obrigatório de autores angolanos das áreas de humanida-
(1948) e Mensagem – A Voz dos Naturais de Angola (1951-1952). Poetas como des no sistema nacional de ensino (geral, técnico-profissional e superior).
Viriato da Cruz (1928-1973), Agostinho Neto (1922-1979), Mário Pinto de An- A Academia Angolana de Letras advoga a criação literária e social, bem co-
drade (1927-1990) e António Jacinto (1924-1991) destacaram-se no processo mo a democracia criativa e crítica nas suas vertentes cultural e científica, co-
de construção da nova constelação literária, sendo de sublinhar o nome do es- mo postulados inalienáveis da liberdade humana. Nesta perspectiva, a Acade-
critor e cientista social Óscar Ribas (1909-2004), como figura incontornável mia Angolana de Letrasconstitui um espaço essencial de liberdade e de res-
na formulação de novas propostas no estudo do quotidiano social e cultural ponsabilidade cultural e social dos escritores e dos cientistas sociais angola-
das populações angolanas autóctones de língua kimbundu. nos. A liberdade de criação, a liberdade de pensamento, a liberdade de ex-
Em 1952, estudantes, escritores e investigadores sociais oriundos de Ango- pressão, as liberdades académicas e a responsabilidade social e cultural dos
la, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe criam, no co- escritores e dos cientistas sociais são princípios essenciais que nortearão o
ração da capital da Metrópole, o Centro de Estudos Africanos (CEA), que assi- funcionamento da Academia Angolana de Letras.
nala um momento de viragem epistemológica no estudo dos fenómenos so- Hoje, perante os novos e grandes desafios culturais e sociais, os escritores e
ciais das colónias africanas sob administração portuguesa. Integram essa nova investigadores sociais angolanos reunidos em torno da Academia Angolana
iniciativa dois escritores e estudiosos angolanos: António Agostinho Neto e de Letras assumem e renovam o compromisso secular de trabalhar para a dig-
Mário Pinto de Andrade. Os movimentos literários e culturais iniciados em fi- nificação das Línguas Nacionais, da Literatura e dos Estudos Sociais Nacio-
nais da década de quarenta do século XX inspiram o surgimento do moderno nais, honrando o génio criador e inventivo do Homem Angolano, e baseados
nacionalismo angolano na década seguinte. Escritores e estudiosos sociais, na brilhante tradição das gerações precedentes, colocam o conjunto da sua
tais como Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, António Ja- acção criativa e dos saberes endógenos herdados ao longo dos séculos, ao ser-
cinto e Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1989) intervêm como pro- viço das populações, das comunidades e dos povos, e em especial, das gera-
tagonistas desses movimentos colectivos de luta pela libertação nacional. São ções vindouras. Assim, neste momento de proclamação e celebração dos es-
perseguidos, julgados e condenados pela máquina policial e judicial colonial. critores e cientistas sociais, a Academia Angolana de Letras afirma-se como
No início da década de sessenta, alguns desses intelectuais lideram a Luta um espaço de diálogo interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar, de
Armada de Libertação Nacional. Nessa década crucial da luta pela autodeter- criatividade literária e cultural, de reprodução e divulgação de saberes endó-
minação, escritores e investigadores sociais criam em Argel, capital da Repú- genos, de comunicação cultural inter-geracional e de renovação, projecção e
blica Argelina, o Centro de Estudos Angolanos (CEA), que publica o primeiro consolidação do nosso destino e imaginário colectivos – A ANGOLANIDADE.
O
Brasil é, provavelmente, o país dos estudos africanos dos PALOP, parti- social’ ”, sublinhando que“ é fruto de cial africano”, acrescentando que
do continente americano que cularmente Angola (Gerald Bender, au- desdobramentos das actividades do “Desejamos uma saborosa leitura a
mais tem desde longa data a tor de “Angola sob domínio colonial grupo de pesquisa Áfricas, vinculado todos, despertando novas reflexões e
preocupação de conhecer a África. Esta português”- história política-, profusa- ao Laboratório de Estudos das Dife- inauditos debates”.
suposição parece tornar-se uma certe- mente divulgada entre nós), como em renças e Desigualdades (LEDDES) da Já no fim da missiva lembram que
za, se voltarmos o nosso olhar para o relação à literatura destacamos os pro- Universidade do Estado do Rio de Ja- “lembramos também que a Transver-
papel pioneiro desenvolvido pela Uni- fessores Russel Hamilton e Gerald Mo- neiro (UERJ), bem como de parcerias sos: revista de história recebe artigos
versidade de São Paulo em torno dos ser (entre outros raros) os nomes mais com outros núcleos de estudos, pes- em fluxo contínuo”, basta que para
estudos africanos, ainda nos anos 60, badalados entre nós. quisa e extensão, tais como o Labora- tanto que “Aceda à página da revista,
com a contratação do escritor Castro Voltando ao Brasil, a divulgação da tório de Estudos Africanos (LEÁFRI- conheça o nosso dossiê, vejam as re-
Soromenho para ministrar o curso da literatura angolana e dos demais 4 PA- CA) da Universidade Federal do Rio gras e enviem seus materiais para os
Sociologia da África Negra, inspirado na LOP e mesmo africana, em geral, sofre de Janeiro (UFRJ).” próximos números.”
sua experiência e vivência em África, um grande “élan” , com a publicação Os subscritores enfatizam que “ Finalmente, subscrevem a “mukan-
mas sobretudo no “sertão” da Lunda, pela editora “Ática”, igualmente sob Assim, como o tecido africano estam- da” os Prof. Dr. Silvio de Almeida Carva-
para onde fora trabalhar como funcio- coordenação de Fernando Mourão, de pado na capa deste número da Trans- lho Filho, da LEÁFRICA/UFRJ e Prof. Dr.
nário público ao serviço da administra- títulos de autores angolanos como versos, o seu dossiê e notas de pes- Washington Santos Nascimento (AFRI-
ção colonial portuguesa. Aliás, espaço Wanhenga Xitu, Luandino Vieira, Pe- quisa tecem tramas com fios policro- CAS - LEDDES/UERJ)”. A quem agrade-
geográfico que serve de pano de fundo petela, Boaventura Cardoso e Jofre Ro- máticos: há uma diversidade de ob- cemos e que mandem sempre notícias
da sua trilogia de Camaxilo. cha, para não falar dos caboverdeanos jectos e abordagens relativos à mul- destas e outras transversalidades entre
Os estudos africanos e, sobretudo, Oswaldo Alcântara, Manuel Lopes e tifacetada África, mas que de certa Angola e o Brasil.
angolanos, referidos ao plano literário, Teixeira de Sousa, ou dos moçambica-
sofreram um grande impulso com a in- nos José Craveirinha, Orlando Mendes
trodução da pesquisa, análise e divulga- e Luis Beranrdo Honwana. Em relação
ção das Literaturas Africanas de Língua á África de língua oficial francesa des-
Portuguesa, de que resultaram a inser- tacamos a publicação do romance his-
ção na grelha curricular na Faculdade tórico “Sundjata”, de Djibril Tamsir
de Ciências Humanas e Sociais da USP Nyane, e romancista do nigeriano,
nos meados dos anos 70, das Literatu- Chinua Acehe, com o título “O mundo
ras Africanas de língua portuguesa, se despedaça”, cujo um dos persona-
com destaque para a angolana e a cabo- gens, Okonkuo, se suicida para recu-
verdiana, as mais pujantes entre as cin- sar a agressão colonial.
co. São pioneiros dessa ‘démarche’ di- Rebobinando o caso de Angola, nos
dáctico-pedagógica os prof.drs. Fer- anos 80 poetas como João Maimona vi-
nando Mourão e Maria Aparecida San- ram os seus poemas publicados no Su-
tilli, consagrando-se assim como os plemento literário de Minas Gerais, as-
precursores dos estudos das literaturas sim como Lopito Feijó, na revista “Di-
africanas de língua portuguesa no Bra- mensão”, sem esquecer o caso do jovem
sil. Depois dessa experiência inicial os oriundo do Uíge, Luís Queta, falecido
estudos literários africanos estende- precocemente no princípio dos anos
ram-se para outras universidades bra- 90, que teve os seus poemas publicados
sileiras, chegando a ganhar foro de cida- num outro periódico brasileiro, que
dania na media brasileira, sobretudo chegou ao nosso conhecimento por via
em alguns órgãos especializados, como de uma exposição realizada pela BJLA,
na revista África da USP e de estudos da na extinta galeria Humbiumbi, do fina- Luandino, Xietu e Pepetela
linguagem da Universidade fluminen- do promotor cultural Tirso do Amaral,
se, sem prejuízo do centro de estudos cujo vazio deixado no panorama da di-
Afro-Asiáticos, sob coordenação do vulgação das artes é notório, apesar da
Prof. Cândido Mendes. Entretanto, pequenez do seu espaço, entregue hoje
quando em 2007 estivemos na PUC/ aos serviços de restauração. Porém, nos
São Paulo sentimos pouco os ecos des- últimos anos a divulgação da literatura
tes estudos universidade afecta à igreja angolana no Brasil tem destacado figu-
Católica, pelo que chegamos à conclu- ras da nova vaga como Isabel Ferreira,
são que era uma “aventura académica”, Jonh Bela, Ngonguita Diogo, entre ou-
conseguida por meia dúzia de africanis- tros, nomeadamente na Baía e não só,
tas interessados no conhecimento cien- com o concurso da “prata da casa”
“Tranversos- revista
tífico de África. Nesta senda, em finais
de história”
de 1983, o professor português Alfredo
Margarido, publica um interessante ar-
tigo sobre “A emergência da literatura Nesta senda da divulgação da reali-
angolana”, no mais cotado jornal paulis- dade social, cultural e literária angolana
ta, o Estado de São Paulo, constituindo no Brasil, recebemos há dias a notícia
na verdadeira uma pedrada no charco da existência da “Transversos: revista
do marasmo reservado à África na de história”, através da nossa caixa de
grande imprensa brasileira, cujo diapa- correio electrónico.
são dos seus intelectuais parece afinar Em carta subscrita pelos responsá-
mais para o gigante do norte - os Esta- veis da publicação pode ler-se:
dos Unidos da América. Em se tratando “É com imensa alegria que apresen-
dos Estudos Unidos, duas a três figuras tamos a Transversos: revista de história Castro Soromenho
LETRAS | 7
BALUMUKA
Cultura | 18 a 31 de Julho de 2016
R
úbio Praia, prémio Maboque uma compilação de crónicas literá- ler, reflectir e pensar sobre o estado de que a obra de Rúbio Praia ultrapassou
“RETRATOS DO LIBOLO” II
Jornalista Revelação em rias e jornalísticas, sair à luz do dia coisas e a postura que devem tomar a sua condição profissional de jorna-
2013, viu a sua primeira obra, 29 de Junho, no Palácio de Ferro, no dentro da sociedade”. lista e foi para o lado da literatura.
A DOR MAIOR
DE UM CONTRATADO
Em cada dia do contrato,
Não é durante o dia, muito pior
naquela imensidão de cafeeiros, do que o suor
quando granjeia a terra e a pele a arder;
com outros companheiros; muito pior
não é quando se alaga de suor, é quando a noite chega de repente
porque o sol brilha lá em cima — e daqueles que amou,
e abrasa a roça inteira de calor; que estão no quimbo àquela hora
não é então que sente (lembra-se bem de todos, um a um,
a dor maior de estar ali. a mulher, mais os filhos que deixou),
não ter nenhum
Não é, não é… junto de si…
CONEXÕES FEMININAS
CONEXÕES MÚLTIPLAS NO ESPAÇO PRIVADO
Inaugurada no dia 11 de Julho e ções de identidade, memória, história, diferentes questões e suscitam-se no-
aberta ao público até ao dia 26 de tradição e modernidade num contexto vos discursos. Reflectir sobre este pro-
Agosto, na galeria do edifício Sede do específico, intimista mas global ao cesso sob o ponto de vista feminino e
Banco Económico, está uma exposição mesmo tempo. em África leva-nos a repensar acerca
colectiva das artistas Ana Silva, Keye- A noção de globalização no contexto da apropriação cultural e técnica, não
zua e Rita GT, sob a designação de Co- do pós-modernismo tem implicações como um processo histórico de coloni-
nexões Femininas. de natureza antropológica. Definido zador / colonizado mas a repensar na
Explorando a noção de identidade como “as características de natureza mudança de paradigma que permite
feminina no espaço privado e no con- sócio-cultural e estética, que marcam o considerar o objeto não como uma en-
texto multicultural e intercultural capitalismo da era contemporânea” o tidade física acabada, finalizada, mas
através do objecto de arte, torna-se Pós-modernismo coloca a reflexão nu- sim como uma construção sociotécni-
parte de um processo de diálogo num ma época em que (co)habitamos num ca – “A apropriação questiona assim
enquadramento mais alargado de de- universo imagético, repleto de signos, não somente o desfasamento entre o
senvolvimento humano, histórico e ícones, ruídos visuais –fantasia - em prescrito e o efectivo (adaptação), ob-
cultural. Podemos falar de Multicultu- detrimento dos objectos e por vezes da rigando a pensar os processos inter-
ralidade porque trata de diferentes experiência (real). Propostos pela tec- médios que são as formas de se aperce-
culturas que coabitam no mesmo es- nologia e pela necessidade de criar a ber e entender o prescrito e as formas
paço, e de interculturalidade porque ilusão, completar o vazio, a simulação de actuar, de viver com eles em contex-
cada uma delas tem incluso o resulta- substitui a realidade e entra muitas ve- tos particulares (apropriação)”.
do de várias culturas adquiridas pelas zes em colisão onde o individual pre- A viagem individual de cada uma das
experiências e vivências de cada um. domina sobre o colectivo. artistas é colocada num espaço seu, in-
Para a curadora Sónia Ribeiro “não Ao mesmo tempo que a globalização timo mas em permanente dialogo num
se trata de falar de feminismo mas do e a tecnologia podem esbater essa dis- espaço entre espaços, por vezes em
olhar feminino e do resultado da inte- tância como espaço de comunicação confronto com o outro, no qual o todo é
racção destas artistas acerca das no- entre culturas, colocam-se no caminho maior do que a soma das partes.”
Rita GT
Cultura | 18 a 31 de Julho de 2016 ARTES | 9
ÍCONES E PAISAGENS
DA MINHA TERRA
DE FRANCISCO VAN DÚNEM (VAN)
Amilkar, VAN e Teresa Mateus Moradia, 2016, objecto intervencionado Onda, 1995, objecto encontrado
Dia e Noite, 2016, objecto e técnica mista sobre tela Quadro de Van No mato a estranheza, 2016, objecto e técnica mista sobre tela
Dia 12 de Julho no CAMÕES, o Mestre gens construtivas e interpretativas, a outros espaços de conhecimento e Educação Visual e Tecnológica na Escola Supe-
Francisco Van Dúnem (Van) inaugura- reinventando formas e (re)utilizando sabedoria; digamos que uma contri- rior de Viana do Castelo (1994). Foi co-funda-
va a exposição “ÍCONES E PAISAGENS materiais considerados pobres, tais buição, ao mesmo tempo que um aler- dor e professor de desenho, gravura e pintura e
DA MINHA TERRA”, que assinala qua- como desperdícios de serralharia, car- ta sobre os perigos que ameaçam a di- também director da Escola Média de Artes Plás-
tro décadas do seu percurso artístico. pintaria, alvenaria, pedaços de im- versidade ecológica, biológica, étnica ticas em Luanda (1994/1997). Concluiu o Mes-
Na exposição individual “ÍCONES E prensa escrita, peças artesanais entre ou linguística, num alerta para aquilo trado em Educação Artística na University of
PAISAGENS DA MINHA TERRA” Van outros. (...) Nesta missão, esforcei-me que ainda podemos”. Surrey Roehampton em Londres. Actualmente,
apresenta cerca de noventa obras iné- por permanecer como um dos inicia- é docente da disciplina de desenho no Curso de
ditas, em expressões diversificadas dos nas linhas estilísticas das artes SOBRE O ARTISTA Arquitectura da Faculdade de Engenharia da
(dez pinturas, setenta desenhos, uma tradicionais angolanas, aliado às ten- Francisco Van-Dúnem (Van) nasceu no Icolo Universidade Agostinho Neto e Professor cola-
instalação, um vídeo e cinco objectos dências mundiais de arte contempo- e Bengo e fez os estudos primários e secundá- borador do Instituto Superior de Artes.
de materiais diversos). Através deste rânea. (...) as sensações aqui transmi- rios em Luanda. Concluiu a licenciatura em Conta no seu percurso com perto de 30 ex-
trabalho, Van revisita e reinventa a sua tidas foram colhidas nos meios urba- posições individuais e mais de uma centenas
muito cara angolanidade, reafirmada nos e periféricos, rurais e de informa- de exposições colectivas apresentadas em An-
como recorrente fonte de inspiração e ções prévias do mundo das artes vi- gola e outros países, como Argélia, Brasil, Bul-
fio condutor de toda a sua obra. Mer- suais e plásticas. Nada foi inventado gária, Cabo Verde, Cuba, Espanha, Gabão, Itália,
gulha nas raízes profundas da sua Ter- em absoluto (...). África do Sul, Inglaterra, Namíbia, Jugoslávia,
ra, sem contudo deixar de se assumir Amilkar Feria Flores, curador da ex- Hungria, Guiné Bissau, Inglaterra, Namíbia, ex-
como um artista da sua época, que re- posição diz, “Em ÍCONES E PAISA- Jugoslávia, Hungria, Moçambique, ex-Checos-
flecte, interroga e questiona, chaman- GENS DA MINHA TERRA, o artista ele- lováquia, Zâmbia, Rússia, Noruega, Suécia, Por-
do a atenção para contradições que vou-se, ganhou uma distância crítica tugal, Congo, França, Alemanha, EUA, Japão e
marcam as novas realidades sociais e para compreender, com a acuidade da China. Entre os Prémios recebidos, incluem-se:
urbanas do mundo actual. Sobre ÍCO- sua experiência, tudo o que conforma Prémio Mural Cidade de Luanda/1985; Pré-
NES E PAISAGENS DA MINHA TERRA o vasto horizonte de seus domínios mio Banco de Fomento Exterior/1990; Prémio
diz o artista: “tentei, mais uma vez, fa- poéticos. É sem margem de suspeita, Ensa-Arte/1996; Prémio Ensa-Arte/2004;
zer aproximações com outras lingua- um caminho rico que abre novas rotas Prémio Nacional de Cultura e Artes/2008.
10 | artes 18 a 31 de Julho de 2016 | Cultura
Panaibra
O GRANDE MUSEU
ENTREVISTA AO COREÓGRAFO PANAIBRA GABRIEL
de Junho, sexta-feira.
margem. Porque este processo foi na- da carga da vida. Encontrei uma forte maior aproximação, estabelecendo
tural, antes de termos passado por sé- metáfora observando apenas o corpo, plataformas de conhecimento mútuo
reógrafos africanos?
ligação com a geração vigente, que
JC - Qual é o grande desafio dos
moçambicano. Não devemos deixar a
bique e não tive dúvidas de como os Magoma, do congolês democrata da como uma bienal, e passou a adoptar, em
Moçambicanos têm talento na dança, Faustin Linyekula, dos moçambica- 2009, o nome "Kinani".
mas nota-se claramente que o grau de nos Janete Mulapa, Orácio, da Senega- Em 2006, iniciou um novo projecto de forma-
fraqueza está na criatividade. Fomos lesa Fatou e do congolês brazzavile ção em dança (IN)DEPENDENCIA, projeto de
educados numa sociedade cujo proce- Cloram. Também podemos sempre ci- formação integrando jovens bailarinos com e
der é copiar dos adultos e fazer. É pre- tar nomes que já granjearam sucesso sem deficiência física, o projecto culminou com a
ciso quebrar um pouco isso porque como Germaine Acogny, que é uma criação de vários espectáculos apresentados em
não é a única forma de podermos fazer das pessoas que deram muito pela Maputo, França, Ilha Mayote e Ilha Reunião e
arte, há outros caminhos. É preciso dar dança contemporânea no continente. Estados Unidos da América, mais tarde, desen-
oportunidade de conhecimento. O de- Bem, teríamos uma lista cheia de no- volveu um núcleo de formadores no bairro de
safio é exactamente encontrar pessoas mes, porque acredito firmemente que Matendene onde lançou o primeiro projecto de
que estejam neste patamar de conheci- cada um seja somente igual a si. Não os criação de grupos amadores de dança inclusiva.
mentos, abertas à criação e com um cito somente pelo resultado final, mas Em 2006, em Paris, a sua criação Dentro de Mim
olhar vanguardista acima de tudo. Não pelo processo que cada um tenta bus- Outra Ilha, ganhou o segundo prémio nos En-
basta apenas o corpo ter habilidade físi- car para desenvolver o seu trabalho, contros Coreográficos de África e do Oceano Ín-
ca, porque a dança criativa não quer propondo-nos um processo indivi- dico. Dois anos mais tarde, com a sua obra “Ma-
apenas um corpo super atlético e que dual muito próprio. Estes nomes tam- falala2” foi um dos vencedores em Zurique, Suí-
faça os melhores saltos, mas um corpo bém nos mostram que os jovens de- ça, do Prémio Mecenato ZKB (2008), em segui-
consciente dos saltos que está a fazer. vem ter a possibilidade de aceitar as da, através do projeto “time and space:the mar-
Maior consciência corporal e profunda diferentes formas do pensamento rabenta solos” ganhou o Prêmio incentivo de
leitura de si próprio podem ajudar no contemporâneo. Sylt Quelle Cultural para SouthernAfrica
posicionamento da criação nova. Em (2009), um prémio da Fundação, Alemã Kunst:
termos estéticos, há muito por se explo- Biografia de Panaibra Gabriel Mafalala, Sete, Heróis desconhecidos.... Raum Sylt Quelle em colaboração com o Goethe-
rar nas danças folclóricas e que podem Bailarino e coreógrafo de Moçambique, é um Em 2003, Gabriel organizou o seminário inter- Institut de Joanesburgo.
ser melhoradas com uma maior análise, dos precursores da dança contemporânea na- nacional com o tema: "Como ensinar e estimular a As suas obras “Tempo e espaço: os Solos da
saber como o corpo se curva nesta ou quele país. Nascido em Maputo, dedicou-se ao dança contemporânea em um contexto africa- Marrabenta” ,”Limites”, "Ponto de Intercepção"
naquela dança. Pode-se mesmo desen- teatro, música e dança e completou a sua forma- no?”. Segue a esta iniciativa a criação de um pro- têm sido mostradas na África, EUA, América do
volver técnicas a partir desta introspec- ção em dança contemporânea em Lisboa, com grama de desenvolvimento educacional “1º Está- Sul e Europa.Em 2013, seu o espectáculo “Tem-
ção e análise dos ritmos e camadas cul- artistas como Vera Mantero (Portugal), Frans gio de Desenvolvimento Coreográfico”, com dura- po e Espaço: Os Solos da Marrabenta” foi consi-
turais que necessitam ainda serem me- Poelstra (Países Baixos), Reggie Williams e Meg ção de seis meses, obedecendo uma estrutura de derado o melhor de dança em Portugal. E, em
lhor analisadas. A falta de conhecimen- Stuart (Estados Unidos) com o apoio do festival trabalho de 8h durante 5 dias por semana. O curso 2015, premiado melhor performance em Sa-
tos que possibilitariam a análise coreo- Danças na Cidade. foi desenvolvido em parceria com "Danças na Ci- raievo (MESS Festival).Desde 2012-2014 tem
gráfica é o grande empecilho. Em 1998, ele fundou e desenvolveu CulturAr- dade" (Lisboa) e escola PARTS (Bruxelas). Coreó- participado como director artístico e coreógra-
te, uma estrutura artística voltada ao sector pro- grafos como David Zambrano (Venezuela), Tho- fo do projecto Incluarte.
CC - Do que vê no trabalho de ou- fissional e criativo de dança, onde vem desenvol- mas Hauert (Suíça), Mat Vooter (Países Baixos), Para além de criar e dirigir obras de dança,
tros, que nomes de coreógrafos vendo diferentes projectos, desde criação de es- Arco Renz (Alemanha), Lia Rodrigues (Brasil), Panaibra Gabriel Canda tem dado aulas de téc-
africanos deveriam merecer mais a pectáculos, a projetos educativos, oficinas, resi- Clara Andermatt (Portugal), Faustin Liyekula nica de movimento, aulas de composição coreo-
nossa atenção? dências e plataformas, e desenvolve colabora- (RDC) ou Boyzie Cekwana (África do Sul) fizeram gráfica, improvisação e história da dança, deu
PG - Temos em África artistas que ções com artistas da África Austral (África do Sul, parte do quadro docente para o curso. aulas em seguintes universidades: Universidade
têm um trabalho pessoal muito im- RD Congo, Senegal, Madagáscar) e da Europa. Em 2004, criou o espectáculo “Dentro de Nova de Lisboa, UCLA- Universidade da Califór-
portante e que estão numa direcção Em 2000, apresentou a sua primeira cria- Mim Outra Ilha (Em mim outra ilha)” que teve nia, Universidade de Vermont, Universidade do
interessante. Falo de pessoas como os ção, A Ópera do Tambor, no Centro Cultural uma torné de 3 meses pela Europa. Em 2005 lan- Novo México, Clare Smith College Park em Was-
jovens coreógrafos sul africanos Ro- Franco-Moçambicano, em Maputo, uma pro- çou a primeira plataforma de dança contempo- hington, e tem orientado workshops em diversos
byn Orlin, Boyze Cekwana, Gregory dução da CulturArte, mais tarde a Criação rânea em Moçambique, hoje em dia denomina- festivais no mundo.
MUSEU ESPECIALIZADO
A moeda na construção da História
ADRIANO DE MELO Mas ao virar à esquerda, começamos país, assim como o algodão, eram par- A infra-estrutura, que é uma inicia-
por entrar no mundo da moeda, este vil te das notas. A exposição permanente tiva do Banco Nacional de Angola e co-
A
companhar a história do país, a metal, que durante anos definiu o des- inclui também alguns símbolos e pro- meçou a ser construída em Janeiro de
partir da evolução da moeda, é, tino de civilizações e construiu Nações. dutos que eram usados, antes das 2013, hoje é uma referência da baixa
desde Maio, a nova proposta A história começa pela Macuta e Reis e moedas e notas nas trocas comerciais, de Luanda.
que a baixa de Luanda oferece aos passa pelo Centavo, Escudo e o Angolar como o sal ou o zimbo, assim como ar-
seus habitantes e visitantes, de terça- até chegar ao Kwanza. tefactos guardados, ao longo de anos,
feira a domingo, das 9h00 às 17h00. Num percurso, que pode ser feito pelo Banco Nacional de Angola, como
O museu, vocacionado apenas para em minutos ou horas, os visitantes parte do seu acervo.
a história e evolução da moeda em An- têm a possibilidade de conhecer as Apesar de alguns jovens usarem o
gola, do período colonial até aos dias mudanças que ocorreram no dinheiro local mais para fazer fotos suas (“sel-
de hoje, tem sido, nestes primeiros usado no país ao longo de anos. Se nas fies”), uma boa parte ainda vai para lá
meses um “ponto comum” da maioria primeiras notas e moedas vemos vá- cheia de curiosidade em entender o
dos luandenses, ávidos de conheci- rios símbolos e líderes portugueses, que vêm. O modernismo, típico de um
mentos e curiosidade. É muito usual impressas sob orientações do Banco museu contemporâneo, está bem pa-
para qualquer visitante ver muitas Nacional Ultramarino, para a então tente no local.
crianças no recinto, acompanhadas Província de Angola, depois temos o Claro que para prevenir qualquer
pelos pais, ou um encarregado de edu- Kwanza, o símbolo máximo de um po- dano, a direcção do museu criou re-
cação, uma prática que se tinha redu- vo libertado, impresso já pelo Banco gras para proteger o património ali pa-
zido bastante nos últimos anos, devi- Nacional de Angola. tente. Uma das regras é a proibição do
do, em parte, à dinâmica da vida, onde A cada nota do kwanza também te- uso de flash durante as fotos. A equipa
o tempo é um factor crucial. mos um registo da própria História do de segurança montada no local está lá
Actualmente, logo à entrada do mu- país. As notas traziam desenhos sobre para fazer cumprir cada regulamento,
seu, com uma estrutura arquitectónica vários assuntos, todos ligados aos ob- de forma a preservar o património, no
muito diferente das demais instituições jectivos do país na época. O incentivo à âmbito de um amplo projecto nacional
do género, está a exposição “Expressões luta pela paz, a aposta na educação, ou de valorização da herança histórica e
de Prata”, em regime temporário. o petróleo, como uma das riquezas do cultural do país.
12| ARTES 18 a 31 de Julho de 2016 | Cultura
XI FESTECA
OS GUERREIROS DA GLOBO DIKULU
E A IMAGINAÇÃO ESVOAÇANTE DE ANN KLATT
MATADI MAKOLA Homenagens que tem procurado evitar uma exces- palco do FESTECA, disse-nos que “o
à sombra de um sobrado
numa linha de remarcação do sujeito
Ainda criança
Almada também armam-se da recor-
D
ecorreu, dia 1 de Julho, nos Pa- quanto empreendem os versos tanto
e desaguar no silêncio
“Rememoração do Tempo e da Humi- prospecção do futuro (desejos e pul-
insinuei-me
Filinto Elísio escreve que “O livro de co moderno?”
na lenta e transparente
ração do Tempo e da Humidade” (Im-
para de Leipzig
reconfirma algo já escrito nas estrelas
loucamente beijar
das letras cabo-verdianas.
a carvão e melancolia
‘livros’ – ‘A infância e os mitos assina-
para da Europa
lados’ e o subtítulo ‘Assomada noc-
longamente acariciar
turna revisitada’; ‘Terra Longe-Diás-
especial?
versidades que nos constituem em cada fenómeno experimentado.
FS - Os rituais vão mudando com o tempo. Quando era jovem, preferia escre- AR - Você gosta mais de escrever ou traduzir e por quê?
ver à noite, madrugada fora, acompanhado por um bom vinho do Porto. Hoje, FS - A escrita e a tradução são faces da mesma moeda. Com a primeira navego
prefiro levantar-me cedo, por volta das 7 horas da manhã e dar início ao meu no meu barco, sem destino, em busca de novos territórios. Na tradução, rein-
trabalho de escrita. Costumo escrever numa longa mesa de madeira, virado pa- vento o território de outro, desterritorializo-me e viajo numa dimensão para-
ra a parede. São horas de interioridade, de reflexão, de sonho. Ao fim e ao cabo, é lela com a mesma paixão, com o mesmo fulgor, com o mesmo rigor. É desta
todo um mundo de ficções que se convoca para chegar ao grande objectivo que é relação que surge, por vezes, novas relações com os autores que traduzo.
comunicar. Comunicar, confrontando ideias, criticando ou denunciando os in- Novas famílias, novos mundos, novas sensações com a dimensão fascinante
sultos que os senhores do mundo lançam contra os povos. Sobretudo contra os de um outro idioma.
FS - Um texto, no meu caso, é submetido a várias versões, por vezes num exer-
bém a disponibilidade de aceitar o convite que o livro me faz a viajar com
ele para outras paragens. Quando um livro sai sinto também o terror de não
cício obcecado pelo jogo da linguagem. Os meus livros vão surgindo de frag- voltar a escrever outro.
FS - Se ela é honesta, sim. Se ela tem como função ser megafone de interesses
linguística, histórica e que, mais tarde se adaptarão à obra em execução. Fruto
de uma das minhas paixões maiores que é a leitura e o cinema. Quando chega o
momento em que, conscientemente, não tenho nada mais a acrescentar, seja à alheios a mim e ao meu livro, não.
FS - Começou por ser uma paixão pela descoberta da linguagem. Hoje, a lite-
sucessos são sempre exteriores a nós. Têm vida própria. E não deixo que in-
fluencie a minha mais profunda intimidade. O sucesso pode ser, num ou nou-
ratura é um membro da minha família mais íntima. Com quem me entendo, com tro caso, um suplemento vitamínico contra o medo de uma seca criativa. E
quem me zango, com quem me rio, com quem, por vezes, corto relações e a nunca deverá ser o leitmotiv do escritor. O escritor em si vive fora do sucesso.
quem retorno sempre movido por novas sensações de paixão, por um erotismo O sucesso é um múltiplo abraço do desconhecido a quem agradeço pela gene-
revivificador e transformador do ser. A literatura, sendo um espaço da interiori- rosidade que transporta em si mesmo.
histórias?
mos quando saímos. Ser é sair. E quando se sai há sempre algo de novo que nos
FS - Toda a minha escrita é comprometida com o tempo que vivo. É uma escri-
espera e nos leva pelos caminhos misteriosos da sedução que nos conduzirão ir-
remediavelmente ao fascínio, ao deslumbramento. Mas a literatura também é
um espaço de profundo agradecimento pela existência que me tocou viver. ta da actualidade, do momento transformador da humanidade, das suas convul-
história oculta por contar que não se pode dissociar do universo onde está inte- que assassina a fraternidade entre povos, que vilipendia
grada. Seja no romance ou na poesia, presididos pelas mensagens humanistas e a diferença, que envilece culturas, que promove mortandades.
contra todo e qualquer poder que tente anular a livre expressão da humanida- Esta é a Europa da globalização da pobreza e da miséria,
de. Não somos propriedade de ninguém. Fazemos parte de um corpo que sem da normalização digital das mentes, dos alimentos, das medidas,
nós seria mais pobre. Essa é a grandeza do edifício humano. das fardas virtuais, da descaracterização do homem regional.
tor do escritor?
dos títeres, das marionetas, dos vermes. Esta é a Europa
Esta foto
captura-me
losofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Escritor, Tradu-
representa-me
tor e Realizador de Televisão. Jornalista, editor, realizador de cinema e ví-
autentifica-me
deo. Professor de Escrita Criativa. Alguns dos seus textos encontram-se tra-
depois de morto.
duzidos em inglês, espanhol, francês, italiano, mandarim, japonês, romeno,
No regresso à poesia
macedónio, croata e russo.
rasgo-a.
O tempo não captura
o mistério do poema.