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Nativos e Outsiders:
o cosmopolitismo na virada do século XIX para o XX
Palavras-chave:
História. Literatura. Cosmopolitismo. Subjetividade Moderna.
É desta forma que Thomas Greene descreve um self flexível, ou seja, uma subjetividade
modelável e capaz de se transformar. Greene percebe o surgimento deste tipo de
subjetividade sendo figurado na literatura a partir do Renascimento e sendo relacionado
aos ideais humanistas. A partir do movimento romântico alemão, em fins do século
XVIII, esses ideais propunham o desenvolvimento de todas as potencialidades do ser,
ou seja, a Bildung (do alemão, formação e cultivo) ainda estão bastante presentes no
final do século XIX e início do século XX. Apesar das dificuldades impostas aos ideais
romântico-humanistas de desenvolvimento individual, desde o surgimento das grandes
cidades, já que, por conta da rapidez das relações modernas, como coloca Walter
Benjamin, “se reduziram as chances dos fatos exteriores se integrarem a nossa
experiência” (BENJAMIN, 1989, p. 106), ainda é possível observar uma tentativa de
recuperação deste indivíduo cultivado por saberes a partir de uma subjetividade
cosmopolita figurada na literatura deste período. Portanto, neste breve ensaio pretendo
mostrar de que forma é figurada, no romance Howards End, escrito por E. M. Forster e
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REVISTA DO CFCH • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ISSN 2177-9325 • www.revista.cfch.ufrj.br
Edição Especial SIAC 2016
Este desprezo se dá por este indivíduo “europeizado” perder sua capacidade de trabalhar
para sua nação e, mais a fundo, de se identificar e de ser identificado como parte
daquela pátria e também não ser absorvido completamente por nenhuma outra pátria,
tornando-se alguém sem um lugar definido no mundo, um outsider. Esta subjetividade
desvinculada de relações com seu torrão natal é precisamente o self ambíguo,
modelável, flexível e instável descrito por Thomas Greene. Por não ser associada a um
grupo determinante, a subjetividade pode se tornar, como diz Paul Ricoeur, um “si-
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mesmo como outro”. Como percebe Luiza Larangeira, em seu texto Estrangeiros em
qualquer lugar do mundo: o ponto de vista cosmopolita no romance da virada do
século XX, a carta de Roosevelt tem uma clara referência aos irmãos Henry e William
James, o primeiro um ficcionista que saiu dos Estados Unidos e, no fim da vida, se
naturalizou inglês e o segundo um filósofo que permaneceu em seu país de origem
durante toda a vida. Contudo, é notável que há uma discordância por parte de Henry
James, que percebe sua posição como outsider como privilegiada. Em suas notas de
uma viagem que fez pelos EUA, James pôde perceber que seu olhar não era nem o de
um completo nativo que só conhece aquela realidade, a quem tudo parece cotidiano e
ordinário, e nem a de um completo estrangeiro, que percebe tudo como exótico. Seu
olhar continha o nativo e o outsider, simultaneamente, trazendo a ele toda a
ambiguidade destas duas perspectivas e gerando uma visão que considerava mais
completa e interessante. Este é o olhar de uma subjetividade cosmopolita.
Neste sentido, o ambiente das grandes cidades se torna o principal palco para a
subjetividade cosmopolita. Isto ocorre pela própria natureza das relações que se travam
nos grandes centros urbanos. Georg Simmel, no texto As Grandes Cidades e Vida do
Espírito, observa que as relações travadas no meio urbano são marcadas pela
impessoalidade e agilidade, diferente daquelas do meio rural, nas quais o caráter
sentimental das relações é dominante. Neste espaço desvinculado do sentimento, há a
quebra do vínculo com as barreiras de pertencimento que moldam identidades
específicas e, desse modo, se tornam um local onde o indivíduo é capaz de moldar a si
mesmo e de se individualizar, se tornando essencial para a subjetividade cosmopolita. O
maior retrato deste local, no século XIX e início do XX, é Londres. Descrita por
Nathaniel Hawthorne como “capital da humanidade”, esta cidade é tão fortemente
marcada pela ação humana por conta de acontecimentos históricos grandiosos que não
mais pertence a uma determinada nação, ela é universal e deixa que seu habitante se
expresse de maneira espontânea e individual. Por isso se torna uma escolha comum na
literatura do início do século XX para personagens que passam por grandes
transformações, como é o caso de Howards End, de E. M. Forster, que descreve
Londres, de forma muito poética, como “se um fragmento da Inglaterra flutuasse mar
adentro para saudar o estrangeiro” (FORSTER, 2006, p. 200).
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O sobrinho altivo vinha certo dia a Wickham Place trazendo consigo a esposa
ainda mais altiva, ambos convencidos de que a Alemanha fora designada por
Deus para governar o mundo. Tia Juley chegava no dia seguinte, convencida
que a Grã-Bretanha fora designada para o mesmo cargo pela mesma autoridade.
Estariam ambas as estridentes partes com a razão? Em certa ocasião
encontraram-se, e Margaret, batendo palminhas, implorou-lhes que discutissem
o assunto em sua presença. Todos coraram e começaram a falar sobre o clima.
“Papai”, exclamou – era uma criança muito dada à ofensiva -, “por que eles não
querem discutir essa questão tão simples?” O pai, examinando as partes com
expressão sombria, respondia que não sabia. Inclinando a cabeça para o lado,
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Margaret então observava: “Para mim, uma das duas coisas é bem clara: ou
Deus não sabe o que pensa sobre a Inglaterra e a Alemanha, ou são eles que não
sabem o que Deus pensa”. Uma garotinha odiosa, mas aos treze anos
identificara um dilema que a maioria das pessoas passa a vida toda sem
perceber. Sua mente lançava-se em todas as direções; tornava-se cada vez mais
flexível e forte. (FORSTER, 2006, p. 52).
Referências
AUERBACH, Erich. Mimesis: representação da realidade na literatura ocidental. São
Paulo: Perspectiva, 2013.
ROOSEVELT, Theodore. True Americanism. In. ___. American ideals, and other
essays social and political. New York: G.P. Putnam’s Sons, 1897. p. 46-74.